memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
eles cortam até o que não seja pra cortar. Eles não têm<br />
paciência <strong>de</strong> ficar esperando como eu ficava não! Agora ficou<br />
assim: se a criança está ali para nascer, então é pra nascer<br />
logo. Naquele tempo eu ficava ali aju<strong>da</strong>ndo, levava pra um<br />
lado, levava pro outro lado, esforçava um pouquinho e nascia<br />
não tinha nem ruptura, a mãe nem sentia na<strong>da</strong>. Era só esperar,<br />
nem todos <strong>da</strong>vam ruptura. Claro que tem muitos (períneos) que<br />
são mais fracos, mas eu fiz muitos partos sem nunca <strong>da</strong>r<br />
ruptura.<br />
Eu perdi duas clientes, uma <strong>de</strong> uma maneira muito<br />
estranha. Ela per<strong>de</strong>u um menino, o menino <strong>de</strong>la tinha morrido<br />
afogado e ela ficou muito complexa<strong>da</strong>. Eu tinha um armazém aqui<br />
que vendia coisas <strong>de</strong> armarinho, e um dia ela chegou aqui e<br />
queria comprar ren<strong>da</strong> pra fazer mosquiteiro, e disse para mim:<br />
Dona Tuquinha, eu vou morrer! Ela estava grávi<strong>da</strong> e disse que<br />
se a criança morresse ela “escapava” mas se a criança<br />
escapasse ela vou morreria. Dizia isso conversando ali comigo<br />
e chorando muito, contando do menino <strong>de</strong>la que tinha morrido<br />
afogado. Quando chegou o domingo o marido <strong>de</strong>la veio me<br />
procurar. Eu tinha ido na feira e passou um tempo ele foi me<br />
chamar. Cheguei lá olhei ela e disse: você vai ganhar um<br />
menino! Você quer ir para o hospital ? Ela me falou assim: eu<br />
não vou para o hospital porque lá eu não posso ficar e ver meu<br />
filhos. Então eu man<strong>de</strong>i chamar a mãe <strong>de</strong>la. Eu disse que ela<br />
não queria ir para o hospital e eu achava que ela <strong>de</strong>via ir<br />
porque ela <strong>de</strong>u uns problemas, mas ela não queria ir. Eu fiz o<br />
parto e nasceu a menina. Mas a menina estava to<strong>da</strong> cheia <strong>de</strong><br />
hematomas, to<strong>da</strong> roxa, manchas roxas. A mulher começou a passar<br />
mal e eu man<strong>de</strong>i chamar o médico. Ele chegou lá, examinou ela,<br />
passou os remédios e foi embora. Eu fiquei lá com ela, não fui<br />
embora, fiquei ali junto <strong>de</strong>la. Ela começou a passar mal <strong>de</strong><br />
novo, tornei a chamar ele, a gente conversou, e ele <strong>de</strong>cidiu<br />
internar. E ela <strong>de</strong>ita<strong>da</strong> lá na cama <strong>de</strong> hospital: estava eu, uma<br />
outra enfermeira, o médico e o marido <strong>de</strong>la. A gente estava<br />
conversado e quando eu olhei para o rosto <strong>de</strong>la, ela começou a<br />
ficar páli<strong>da</strong> e eu e a enfermeira começamos a esfregar a mão<br />
<strong>de</strong>la, eu esfregando <strong>de</strong> um lado e ela do outro e o doutor<br />
procurando para fazer uma injeção. Depois o doutor olhou e me<br />
disse: essa moça não tem jeito, ela vai morrer. E assim foi.<br />
Passados muitos anos teve outra com problema: também fui lá,<br />
tratei <strong>da</strong> criança, ela começou a sofrer acesso, levei direto<br />
para o hospital. Cheguei lá o doutor olhou, ela continuou com<br />
convulsões e morreu também. Mas sempre no hospital, nunca<br />
nenhuma morreu na minha mão.<br />
E olha que eu já perdi a conta <strong>de</strong> quantos partos eu fiz,<br />
já foi mais <strong>de</strong> mil! Eu comecei a trabalhar como parteira eu<br />
tinha vinte, vinte e dois anos, porque quando eu vim lá <strong>de</strong> São<br />
Paulo eu já fazia partos. Depois eu trabalhei aqui quarenta<br />
anos. Outro dia lá na igreja falaram que foi trinta e oito<br />
anos e eu disse: não, foi quarenta anos e graças a Deus eu<br />
perdi essas duas <strong>de</strong>ntro do hospital, porque eu também não<br />
59