memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
me ensinar a fazer parto a senhora não precisa mais porque a<br />
senhora já me ensinou tudo, já aprendi, mas eu queria que a<br />
senhora me ensinasse a fazer croché. Porque a senhora pegava<br />
as parturientes, sentava lá na sala <strong>de</strong> parto e fazia croché, e<br />
não se escutava mais gritos até que o neném chorava. E as<br />
parturientes obe<strong>de</strong>ciam a senhora. Eu vou lá para a sala <strong>de</strong><br />
parto, levo um livro e elas colocam quase o céu abaixo:<br />
gritam, gritam, gritam, até que eu saio. Então eu acho que a<br />
senhora fazia uma terapia com o croché. Mas é porque eu ficava<br />
fazendo croché e conversando com elas, porque uma parturiente<br />
quer atenção, ela quer carinho. Se vem uma pessoa que se senta<br />
ali e nem liga, fica lendo, lendo, lendo, ela pergunta: porque<br />
esse homem está assentado aqui, o que ele faz aqui sem falar<br />
na<strong>da</strong>? Ela fica mais nervosa, a dor fica mais presente.<br />
Porque a dor do parto muitas vezes é mais psicológico do<br />
que a própria dor. Se a pessoa compreen<strong>de</strong> o que é a dor do<br />
parto, ela sabe se aju<strong>da</strong>r, ela sabe sofrer, porque sabe que<br />
isso não vai durar para sempre, que <strong>da</strong>qui a pouco vai aliviar,<br />
que a dor dá e passa, que Deus não fez aquilo ali para<br />
continuar sempre, sempre, sempre, e a pessoa po<strong>de</strong> agüentar.<br />
Porque dá o espaço no meio, a pessoa <strong>de</strong>scansa, <strong>da</strong>í dá outra<br />
dor, aí <strong>de</strong>scansa <strong>de</strong> novo. Por isso ficar do lado conversando é<br />
importantíssimo: olha que bom agora já passou essa dor, <strong>da</strong>qui<br />
a pouco vai <strong>da</strong>r outra, mas aquilo não é tanto assim, a senhora<br />
pensa que o parto é a coisa pior que a senhora vai passar<br />
nessa vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> mãe mas tem coisa muito pior. Tem filhos que são<br />
drogados, são cachaceiros, gostam <strong>de</strong> brigas e <strong>de</strong> confusão. E<br />
isso é que é dor que às vezes dura anos, não dura só duas,<br />
três ou cinco horas, dura uma vi<strong>da</strong> às vezes. E elas me<br />
atendiam, compreendiam que o que eu falava era uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
que o parto é uma coisa passageira. Quando passou, passou.<br />
Alegria!<br />
Parto em casa para a parturiente acho que era bem melhor,<br />
mas para mim no hospital melhorou muito, ficou bem mais fácil,<br />
porque eu não precisava sair na chuva, no frio, porque eu<br />
estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. O pior era o tempo que eu enfrentava:<br />
às vezes trovoa<strong>da</strong>, às vezes frio que eu não sabia mais se<br />
tinha pernas, monta<strong>da</strong> em cima do cavalo. Tinha que passar por<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> rio. Eu passei muito trabalho, muito trabalho, com<br />
esse rio Braço do Norte. Às vezes com enchente, e às vezes eu<br />
já atravessei esse rio a nado em cima do cavalo. Me colocava<br />
em cima do “lumbilho” e o cavalo ia na<strong>da</strong>ndo, às vezes saia bem<br />
noutro lugar, tinha que <strong>de</strong>ixar a ré<strong>de</strong>a solta e era arriscar a<br />
vi<strong>da</strong>. Eu arrisquei muito a minha vi<strong>da</strong> e sempre tive sorte. Uma<br />
vez eu estava em cima <strong>de</strong> uma balsa (tipo um barco mas puxado<br />
por arame) e arrebentou o arame. A sorte foi que no outro<br />
lado, on<strong>de</strong> arrebentou o arame, tinha gente e eles conseguiram<br />
pegar aquele arame e enrolar em redor do sebo, do pau. E o<br />
sebo agüentou se não nós tínhamos ido rio abaixo com barco,<br />
com cavalo, com tudo. Porque o rio estava rente com os<br />
barrancos. Eu acho que para a parturiente talvez seja até mais<br />
99