Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros ... - ceapp
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discutiu o assunto com o mari<strong>do</strong>. Era a hora <strong>do</strong> crepúsculo e estava prestes a acen<strong>de</strong>r as luzes,<br />
quan<strong>do</strong> o mari<strong>do</strong> lhe pediu para não fazê-lo: tinha algo a dizer-lhe e preferiria estar no escuro.<br />
Disse-lhe para cancelar a operação porque a culpa <strong>de</strong> sua esterilida<strong>de</strong> era <strong>de</strong>le. Durante um<br />
congresso médico, <strong>do</strong>is anos antes, ele soubera que certas moléstias po<strong>de</strong>m privar um homem<br />
da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procriar filhos. Um exame lhe <strong>de</strong>monstrara ser esse o seu caso. Após tal<br />
revelação, a operação foi aban<strong>do</strong>nada. Ela própria sofreu um colapso, que durou algum tempo e<br />
que inutilmente procurou disfarçar. Só pu<strong>de</strong>ra amá-lo como um pai substituto e agora soubera<br />
que ele nunca po<strong>de</strong>ria ser pai. Três caminhos estavam abertos para ela, to<strong>do</strong>s igualmente<br />
intransponíveis: a infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, a renúncia ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um filho ou a separação <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Esse<br />
último estava excluí<strong>do</strong> pelas melhores razões práticas e o intermediário pelas mais fortes razões<br />
inconscientes, fáceis <strong>de</strong> adivinhar: toda a sua infância fora <strong>do</strong>minada pelo <strong>de</strong>sejo três vezes<br />
frustra<strong>do</strong> <strong>de</strong> ter um filho <strong>do</strong> pai. Restava uma via <strong>de</strong> saída, que é a que nos interessa em seu<br />
caso. Caiu seriamente enferma com uma neurose. Durante certo tempo ergueu uma <strong>de</strong>fesa<br />
contra várias tentações com o auxílio <strong>de</strong> uma neurose <strong>de</strong> angústia, mas, posteriormente, seu<br />
sintomas se transformaram em graves atos obsessivos. Passou algum tempo em institutos e por<br />
fim, com 10 anos <strong>de</strong> moléstia, veio até mim. Seu sintoma mais notável era que, quan<strong>do</strong> se<br />
achava na cama, costumava pren<strong>de</strong>r [anstecken = colocar em contato] os lençóis aos cobertores<br />
com alfinetes <strong>de</strong> segurança. Dessa maneira, revelara o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong> contágio [Ansteckung] <strong>de</strong> seu<br />
mari<strong>do</strong>, ao qual sua esterilida<strong>de</strong> era <strong>de</strong>vida.<br />
Em certa ocasião, contan<strong>do</strong> talvez 40 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, a paciente narrou-me um episódio<br />
que remontava à época em que sua <strong>de</strong>pressão estava começan<strong>do</strong>, antes <strong>do</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento<br />
da neurose obsessiva. Para distrair-lhe o espírito, o mari<strong>do</strong> levara-a consigo numa viagem <strong>de</strong><br />
negócios a Paris. Estavam senta<strong>do</strong>s com um amigo <strong>de</strong> negócios <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> no saguão <strong>do</strong> seu<br />
hotel quan<strong>do</strong> perceberam alguma agitação e movimento. Perguntara a um <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
hotel o que estava acontecen<strong>do</strong> e foi-lhe dito que Monsieur le Professeur havia chega<strong>do</strong> para dar<br />
consultas em sua salinha próxima à entrada <strong>do</strong> hotel. Monsieur le Professeur, segun<strong>do</strong> parecia,<br />
era um famoso adivinho; não formulava perguntas, mas fazia os clientes imprimirem a mão em<br />
um prato cheio <strong>de</strong> areia, e predizia o futuro pelo estu<strong>do</strong> da impressão <strong>de</strong>ixada. Minha paciente<br />
disse que iria entrar, para que lhe dissessem o futuro. O mari<strong>do</strong> a dissuadiu, que era tolice. No<br />
entanto, após ele haver saí<strong>do</strong> com o amigo, ela tirou a aliança e esgueirou-se para o gabinete <strong>do</strong><br />
adivinho. Este estu<strong>do</strong>u longamente a impressão da sua mão e então falou: ‘No futuro próximo,<br />
você terá <strong>de</strong> passar por severos conflitos, mas tu<strong>do</strong> sairá bem. Casar-se-á e terá <strong>do</strong>is filhos<br />
quan<strong>do</strong> estiver com 32 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>’. Ela, fazen<strong>do</strong> esse relato, dava to<strong>do</strong>s os sinais <strong>de</strong> achar-<br />
se gran<strong>de</strong>mente impressionada por ele, sem compreendê-lo. Não lhe causou impressão meu<br />
comentário <strong>de</strong> que, lamentavelmente, a data fixada pela profecia já havia passa<strong>do</strong> há cerca <strong>de</strong><br />
oito anos. Refleti que talvez estivesse admiran<strong>do</strong> a confiante audácia da profecia, tal como o fiel<br />
discípulo <strong>do</strong> rabino profeta.