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Ela <strong>de</strong>u uma gargalhada, uma verda<strong>de</strong>ira gargalhada, surpreendida e divertida. Por<br />
isso eu continuei:<br />
– Ou são sete segundos ou quinze segundos, da artéria femural, não consigo lembrarme<br />
qual.<br />
– O quê?<br />
– O morrer esvaindo-me em sangue: Brrrr. – Deixei-me escorregar no banco e morri<br />
calmamente. Depois sentei-me e disse –: Bolas, tenho a gola encharcada, parece um saco<br />
<strong>de</strong> gelo.<br />
– O teu cabelo está todo molhado, pinga na gola.<br />
– Sou uma goteira – disse eu, a senti-lo <strong>de</strong> facto.<br />
– Escuta – disse ela –, tu não estás com o professor Senotti em História? Que tal é ele?<br />
– É bom. Duro. Mal-humorado. Se calhar é porque lhe chamam o professor Rabugento 1;<br />
não se lhe po<strong>de</strong> levar a mal.<br />
– Preciso <strong>de</strong> fazer mais uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> ciências sociais e queria um professor fácil.<br />
– Então não vás para o Rabugento. Vai antes para a Vrebek, a única coisa que ela faz é<br />
passar filmes.<br />
– Já a tive. Foi por isso que <strong>de</strong>sisti. Oh, não sei. Bolas! – Ela disse mesmo «bolas» –<br />
exactamente como se escreve –, mas com raiva. – Detesto ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> chacha, mas não<br />
tenho tempo para trabalhar o suficiente para os bons professores – disse ela, a falar mais<br />
consigo mesma do que para mim. Mas as minhas orelhas estavam bem espetadas a ouvir.<br />
Em doze anos <strong>de</strong> escola, a contar com o jardim-infantil, nunca ouvira um ser humano dizer<br />
que <strong>de</strong>testava ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> chacha.<br />
– Como é que não tens tempo – perguntei. – Ruptura na artéria femural? Tem calma,<br />
lembra-te que talvez ainda tenhas quinze segundos.<br />
Tornou a rir-se e olhou para mim. Só um momento. Mas olhou, viu. Não me olhou para<br />
ver como é que a achava, olhou para ver como eu era. Isto é pouco habitual, a meu ver.<br />
Tive a impressão, naquele momento, que não era costume as pessoas dizerem coisas<br />
engraçadas a esta moça, que ela não estava habituada a palhaçadas, mas que gostava. O<br />
que é espantoso é que eu tão-pouco estava habituado a fazer palhaçadas. Com as<br />
pessoas que mal conheço – o que quer dizer toda a raça humana, à excepção dos meus<br />
pais, do Mike Reinhard e do Jason Thoer – fico completamente mudo ou então digo coisas<br />
tremendamente sérias que impe<strong>de</strong>m que a conversa prossiga. Mas, embora calado, sou<br />
um rapaz e parece-me que nesta ida<strong>de</strong> o fazer palermices é quase a forma instintiva do<br />
comportamento masculino. As miúdas riem-se das coisas, mas parecem-me ser<br />
basicamente sérias. Enquanto a malta macaqueia e faz palhaçadas e leva tudo a rir. A<br />
verda<strong>de</strong>ira relação entre o Mike e o Jason, que eram o que eu consi<strong>de</strong>rava mais perto da<br />
amiza<strong>de</strong>, era uma relação <strong>de</strong> palhaçadas. A questão era nunca levar nada a sério. À<br />
excepção talvez dos resultados dos jogos. Um dos principais temas <strong>de</strong> conversa era o<br />
sexo, mas mantínhamo-nos num plano <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, quer contando anedotas porcas,<br />
quer sendo grosseirões – usando a terminologia técnica da engenharia sexual, como se as<br />
mulheres fossem máquinas com peças <strong>de</strong>smontáveis. Eu era bom nas graçolas sujas, mas<br />
o meu vocabulário como engenheiro não era convincente.<br />
Também posso confessar aqui que aos quinze anos ainda não sabia o que era «sair<br />
com uma miúda». Pensava que isso apenas queria dizer sair e passar um bom bocado<br />
vendo um filme, ou numa festa ou qualquer coisa assim. Sabia os factos da vida, claro,<br />
mas não os ligava à frase.<br />
Por isso, quando o Mike, que estava fisicamente bem à minha frente, começou a contar<br />
que tinha finalmente saído com Fulana, eu perguntei: «Conta lá, o que é que vocês<br />
1 Snotty, rabugento, trocadilho com o nome próprio Senotti (N. do T.)