Cá estou de volta no filme<br />
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22 NOVl<br />
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'De ida para o passado*<br />
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Folha de Sío Paulo - 15.10.90<br />
Só pacto pode deter<br />
inflação, afirma Kapaz<br />
Eleno Mendonça<br />
Não há no horizonte cenário eco-<br />
nômico possível sem a assinatura do<br />
pacto social. Essa é a avaliação feita<br />
por Emerson Kapaz, um dos coorde-<br />
nadores do Pensamento Nacional das<br />
Bases Empresariais (PNBE). Ao lado<br />
de outros quatro empresários na co-<br />
missão central que organiza o "en-<br />
tendimento nacional", ele representa<br />
a iniciativa privada nessa nova tenta-<br />
tiva de acordo com trabalhadores e<br />
governo para, sem prejuízo ao cres-<br />
cimento econômico, combater a infla-<br />
ção através de uma solução negocia-<br />
da.<br />
Kapaz, cuja indicação gerou polê-<br />
mica, no dia 12 de outubro, falou so-<br />
bre o pacto e as dificuldades de en-<br />
contrar consenso em meio a tantos<br />
interesses isolados. Para ele, contu-<br />
do, o governo extinguiu os mecanis-<br />
mos ortodoxos de combate à inflação,<br />
por isso só lhe resta apostar no pacto<br />
social.<br />
Na sua análise, o aperto monetário<br />
empreendido pelo Banco Central não<br />
fará cair a taxa inflacionária. Ao<br />
contrário, poderá levar o país à es-<br />
tagflação, à medida que a elevação<br />
dos juros é transferida aos preços. A<br />
seguir, os trechos principais da en-<br />
trevista.<br />
Folha - E possível fazer pacto num<br />
momento recessivo como este, já<br />
que o acordo pressupõe sacrifícios?<br />
Kapaz - Primeiro, entendimento<br />
nacional não é pacto, mas um proces-<br />
so de negociação que se for conduzi-<br />
do com competência pode resultar<br />
num pacto, acordo, trégua, ou o nome<br />
que se dê. Isso está apenas começan-<br />
do. As pessoas não estão acostumadas<br />
a discutir posições divergentes. O<br />
processo è lento, mas exatamente por<br />
isso pode dar certo. Se os conflitos fo-<br />
rem reconhecidos podemos reverter a<br />
recessão.<br />
Folha - De que maneira?<br />
Kapaz - A recessão está ocorrendo<br />
porque ao govemo não resta outra al-<br />
ternativa senão apertar a política mo-<br />
netária e implantar uma solução eco-<br />
nômica completamente ortodoxa. Não<br />
há mais nenhum instrumento. A saída<br />
negociada pode viabilizar um acordo<br />
que permita talvez aumentos de salá-<br />
rios sem repasse integral aos preços.<br />
Folha - Você está querendo dizer<br />
que os instrumentos para controlar<br />
a inflação se esgotaram?<br />
Kapaz — Isso mesmo. Após uma<br />
brutal intervenção do Plano Collor,<br />
congelamento de recursos e uma ili-<br />
quidez gerada em março, abril e maio,<br />
nos três meses seguintes a inflação<br />
voltou a subir. Ou seja, após um dos<br />
mais fortes planos que tivemos no<br />
Brasil estamos com inflação em tomo<br />
de 10%/13%. Foi uma grande vitória,<br />
sem dúvida. Safinos de 80% para<br />
13%, mas o segundo ponto, de chegar<br />
a 2%/3% de inflação é a chave da<br />
questão e envolve eficiência, compe-<br />
titividade, distribuição de renda.<br />
Folha - O que pode acontecer ao<br />
país se o pacto mais uma vez não<br />
ASSMATURAS:<br />
Individual 20 BTNs (6 meses) e 40 BTNs (12 meses)<br />
Entidades sindicais e outros 25 BTNs (6 meses) e 50 BTNs (12 meses)<br />
Exterior (via área) US$ 30,00 (6 meses) e US$ 60,00 (12 meses)<br />
O pagamento deverá será teto em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em che-<br />
que nominal cruzado, ou vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA DO CORREIO<br />
IPIRANGA - CEP 04299 - Código da Agência 401901<br />
QUINZENA - Publicação do CPV - Caixa Postal 42.761 - CEP 04299 - Sáo Paulo - SP<br />
Fones (011) 571 7726 ou 571 2910<br />
der certo?<br />
Kapaz - Sou otimista. Não gosta-<br />
ria de trabalhar com essa hipótese.<br />
Hoje eu já vejo uma dificuldade muito<br />
grande, mesmo sem a implantação de<br />
uma recessão como a que o Ibrahun<br />
Eris (presidente do Banco Central)<br />
citou em entrevista recente à Folha de<br />
São Paulo. Mas não acredito que o<br />
país precise atravessar uma recessão<br />
profunda para acabar com a inflação.<br />
No meu modo de ver a política mo-<br />
netária apertada como está não vai<br />
contribuir para a queda da inflação,<br />
por que custo financeiro também tem<br />
de ser incorporado a preços. Quem<br />
vende a prazo não pode deixar de co-<br />
locar nos preços a elevação da taxa de<br />
juros, senão quebra. Por isso a resis-<br />
tência da inflação é maior. A manu-<br />
tenção dessa política acabará levando<br />
à estagnação (combinação de queda<br />
do nível de atividade com elevadas<br />
taxas de inflação).<br />
Folha - Você admite que há ten-<br />
dência ascendente da inflação?<br />
Kapaz - Não. Há uma resistência à<br />
queda mesmo com toda a política mo-<br />
netária e recessão. Isso se explica em<br />
parte pela concentração econômica<br />
que existe no país. Monopólios, oli-<br />
gopólios e cartéis controlam mais da<br />
metade do Produto Interno Bruto.<br />
Folha - Como modificar esse<br />
quadro?<br />
Kapaz — O caminho adotado pelo<br />
govemo é o mais correto. Abrir o<br />
mercado à importação onde há essa<br />
concentração e mais para frente mexer<br />
em produtos finais, ou seja, permitir o<br />
acesso a todo tipo de matéria-prima.<br />
Só que isso leva tempo e demanda<br />
custo enorme de divisas. Também não<br />
resolvemos ainda o problema da dívi-<br />
da externa.<br />
Folha - A Central Única dos<br />
Trabalhadores acha que a discussão<br />
está levando tempo demais e insiste<br />
em tratar, também das questões<br />
emergenciais neste momento. Seus<br />
dirigentes querem, por exemplo, o<br />
compromisso de que cessarão as<br />
medidas provisórias. Qual é sua<br />
opinião a respeito?<br />
Kapaz — A posição da CUT tem<br />
sido de uma maturidade política sem<br />
precedentes. O Jair Meneguelli (presi-<br />
dente da CUT) enfrenta uma batalha<br />
interna muito grande. Sabemos que<br />
ele defende o entendimento e acha ^J<br />
A QUINZENA divulga as questões poKticas de<br />
fundo em debate no movimento, contado colo-<br />
ca algumas condições para tanto. Publicamos<br />
os textos que contenham teses e argumenta-<br />
ções estritamente políticas, réplicas que este-<br />
jam no mesmo nível de linguagem e compa-<br />
nheirismo, evitando-se os ataques pessoais.<br />
Nos reservamos o direito de divulgarmos ape-<br />
nas as partes significativas dos textos, seja por<br />
imposição de espaça, seja por solução de reda-<br />
ção.
que a saída negociada é boa para o<br />
país, mas tem problemas. Essa con-<br />
sulta feita às bases e que homologou a<br />
participação da central nas negocia-<br />
ções do pacto foi um grande avanço<br />
para o entendimento. Mas não deve-<br />
mos ignorar que o processo é lento. O<br />
próprio Meneguelli, que achava im-<br />
possível assinar um acordo num dia,<br />
como nós imagina vamos, hoje nos<br />
mostra que um processo lento pode<br />
dar frutos melhores.<br />
Folha - Mas se a CUT condicio-<br />
nar o avanço da discussão às ques-<br />
tões emergenciais?<br />
Kapaz - Sobre esse ponto, é como<br />
marcar uma reunião de dez horas de<br />
duração e exigir que ninguém saia pa-<br />
ra usar o banheiro. Cada um tem um<br />
problema emergencial a resolver, por<br />
isso são importantes os intervalos.<br />
Folha - E sobre a suspensão de<br />
medidas provisórias? Não soaria<br />
como um mero ato político de opo-<br />
sição ao presidente Collor?<br />
Kapaz - No termo de compromisso<br />
para o funcionamento da comissão<br />
central e das subcomissões, se esti-<br />
pulou que uma de nossas funções é<br />
enviar sugestões ao Congresso que<br />
possam ser aprovadas como projeto-<br />
de-lei. Ou seja, a partir do momento<br />
que alguns pontos forem acordados<br />
eles se transformarão em lei, caso o<br />
Legislativo os aprove. Isso elimina a<br />
necessidade de medidas provisórias,<br />
mas talvez não de forma definitiva.<br />
Ainda haverá questões emergenciais a<br />
serem resolvidas pelo governo e ele<br />
não vai deixar de governar em função<br />
do entendimento nacional.<br />
Folha - Muitos empresários<br />
afirmam que o pacto anterior não<br />
deu certo porque não havia repre-<br />
sentatívidade. Que cuidado está<br />
sendo tomado para evitar que isso<br />
ocorra?<br />
Kapaz - Isso está ligado à credibi-<br />
lidade da mesa de negociação e não<br />
assinaremos nada que pela nossa sen-<br />
sibilidade não esteja dentro das possi-<br />
bilidades de cumprimento. Não dá pa-<br />
ra consultar todas as pessoas. Qual é o<br />
tamanho do passo que teremos de dar?<br />
Isso será definido.<br />
Folha — O trabalhador questiona<br />
o pacto de outra forma. O argu-<br />
mento é que qualquer decisão será<br />
espelhada em seu holerite. Portan-<br />
to, de fácil aplicação e controle.<br />
Mas a margem de lucro do empre-<br />
sário, como é possível cotrolá-la?<br />
Kapaz - Por isso estamos tentando<br />
um acordo com a discussão de gran-<br />
des questões. O curto, médio e longo<br />
prazos terão de ser definidos dentro<br />
de uma escala de prioridades. E preci-<br />
so saber que sociedade queremos. Se<br />
ficar acertado que os salários devem<br />
subir de 30% da renda para 60%, pre-<br />
cisamos definir o tempo para isso e a<br />
melhor maneira para conduzirá idéia.<br />
Quando esse horizonte é estabelecido,<br />
indiretamente se está dizendo que o<br />
mercado interno será fortalecido e os<br />
salários crescerão. Queremos um de-<br />
senvolvimento quantitativo com me-<br />
lhoria da qualidade de vida.<br />
Folha - E a durabilidade desse<br />
acordo?<br />
Kapaz - É importante deixar claro<br />
que nos países industrializados a cada<br />
ano esses pactos são atualizados. As<br />
metas são estabelecidas ao ano. A so-<br />
ciedade é que define como se dará o<br />
desenvolvimento e seu ritmo.<br />
Folha - Qual é a primeira coisa a<br />
ser feita para levar o paus nessa di-<br />
reção?<br />
Kapaz — Primeiro é preciso mudar<br />
a mentalidade do empresariado. Ele<br />
não administra só sua empresa, tem<br />
funções sociais fundamentais. Esse<br />
discurso tem encontrado receptivida-<br />
de. Quem olhar o trabalhador como<br />
parceiro e não como força de trabalho<br />
terá papel relevante nesse processo de<br />
mudança. Temos de fazer miniacordos<br />
nas empresas, negociar livremente<br />
salários, nomear representantes para<br />
uma administração participativa.<br />
Folha - O empresário está em<br />
condições de reduzir sua margem<br />
de lucro para viabilizar esse cami-<br />
nho?<br />
Kapaz - Aquele que vive no mer-<br />
cado competitivo queimou as gorduras<br />
Cenário Sindical - Outubro/90<br />
faz meses. O consumo está decres-<br />
cente e muitos estão sujeitos a maté-<br />
rias-primas fornecidas por cartéis. Pa-<br />
ra esses, o problema é saber até quan-<br />
do pode ser reduzido o preço sem<br />
perda de mercado ou produção. A<br />
renda sai desses segmentos e se con-<br />
centra nos cartéis. O setor financeiro<br />
também deve ser redefinido, pois no<br />
desenvolvimento que se pretende fa-<br />
zer ele terá de funcionar como agente<br />
de fomento.<br />
Folha — O empresário tem medo<br />
de criticar as medidas econômicas<br />
do presidente e daquilo que ele po-<br />
de vir a decidir em função disso.<br />
Você concorda com isso?<br />
Kapaz — Eu concordo. Nós entra-<br />
mos num processo de convergência de<br />
interesses democráticos e de fortale-<br />
cimento da sociedade civil. Com essa<br />
etapa cumprida esse receio acabará. O<br />
presidente pretendia mostrar que havia<br />
autoridade no Planalto, que alguém<br />
mandava. Isso está mudando. Sinto<br />
por parte do governo, da equipe eco-<br />
nômica e do próprio presidente a dis-<br />
posição de que o pacto não é uma en-<br />
ganação. Temos de, por mais impossí-<br />
vel que possa parecer, lutar pelo su-<br />
cesso do entendimento. Não há como<br />
prever o que pode acontecer se essa<br />
tentativa falhar. Há de se considerar<br />
que 75% da população ganha um salá-<br />
rio mínimo e numa situação difícil de<br />
subsistência surgem atitudes imprevi-<br />
síveis.<br />
Recontratação ajudaria<br />
acordo nacional<br />
O presidente Fernando Collor de<br />
Mello tem à sua disposição um enge-<br />
nhoso expediente de arrefecimento<br />
dos anônimos no movimento sindical<br />
- particularmente, no setor público -,<br />
que poderá ser lançado à mesa das<br />
discussões do "entendimento' como<br />
prova da "boa vontade" e do espírito<br />
contemporizador do governo. Trata-se<br />
da aplicação do acordo de recontrata-<br />
ção prioritária, através do qual seria<br />
possível sinalizar sempre com uma<br />
perspectiva de readmissáo no empre-<br />
go.<br />
A inclusão da recontratação priori-<br />
tária nos acordos coletivos entre capi-<br />
tal e trabalho é uma prática bastante<br />
comum nos demais países de sindi-<br />
calismo pujante e avanço nas rela-<br />
ções empregatfcias. Ela ocorre, nor-<br />
malmente, em empresas privadas, no<br />
que se pressupõe a existência de<br />
transparência contábil e financeira su-<br />
ficiente para que os empregados deli-<br />
berem em assembléias ) muitas das<br />
vezes sendo acionistas das compa-<br />
nhias - a necessidade de um deter-<br />
minado número de demissões.<br />
Por uma questão de lógica, quanto<br />
maior a qualificação da mão-de-obra<br />
da empresa maiores são as possibili-<br />
dades desses acordo ser realizado.
O tum over numa empresa como<br />
a IBM, por exemplo, é caríssimo. Não<br />
interessa a empresa que haja rotativi-<br />
dade no seu quadro de pessoal. Mas<br />
mesmo que houvesse esse risco de-<br />
vido ao investimento da empresa em<br />
formandos de última geração universi-<br />
tária (os acordos de financiamento às<br />
universidades buscam muitas vezes a<br />
criação de mão-de-obra mais qualidi-<br />
cada a preços menores) o acordo de<br />
recontratação prioritária minimizaria<br />
essa possibilidade.<br />
No Brasil, um dos defensores da<br />
idéia é o ex-ministro Mario Henrique<br />
Simonsen, que considera a medida<br />
naturalmente lógica no caso do setor<br />
público, onde ainda funciona o curioso<br />
sistema de estabilidade no emprego,<br />
responsável pela demissão de funcio-<br />
nários eficientes em troca do "encos-<br />
tamento' de funcionários negligentes<br />
estáveis.<br />
As demissões que vêm sendo fei-<br />
tas em toda a máquina de Estado, no<br />
governo Collor, são efetuadas com os<br />
olhos voltados para o caixa e não pa-<br />
ra o desempenho operacional ou a<br />
orodutividade do trabalho. Simonsen<br />
lembra que, inevitavelmente, o Estado<br />
voltará a crescer - mesmo que seja<br />
pelo efeito de uma simples resposta<br />
ao aumento do contingente demográ-<br />
Relatório Reservado - 14.10.90<br />
fico. E o ideal é que possa crescer o<br />
mais rápido possível. O exHiiinistro<br />
considera, portanto, que essas demis-<br />
sões forçadas pelo caixa devem ser<br />
reconsideradas prioritariamente.<br />
O vice-presidente da Federação<br />
das Indústrias do Rio de Janeiro (Fir-<br />
jan), César Moreira, apoia a medida e<br />
lembra que em acordos coletivos pas-<br />
sados entre trabalhadores e empresá-<br />
rios privados a dáusula constou nas<br />
negociações. Até aí, nada demais.<br />
Basta lembrar que a participação dos<br />
trabalhadores no lucro das empresas<br />
é uma medida constitucional desde<br />
1946, e nunca foi aplicada.<br />
Já o presidente do Sindicato dos<br />
Metalúrgicos de São Bernardo do<br />
Campo, Vicente Paulo da Silva - o<br />
"Vicentinho" - é radicalmente contra<br />
esse tipo de acordo, pois em sua opi-<br />
nião significa "admitir a demissão e o<br />
trabalhador tem que lutar pela estabi-<br />
lidade e não administrá-la".<br />
Mas, infelizmente, as demissões<br />
existem e, como reconhece o ex-dire-<br />
tor do Departamento Intersindical de<br />
Estudos e Estatísticas Sócio-Econô-<br />
micas, Walter Barelli, continuarão<br />
existindo. Barelli, que reconhece um<br />
certo atraso nas concepções de luta<br />
do sindicalismo brasileiro, é totalmen-<br />
te favorável à idéia E lembrou um<br />
caso de um operário, conhecido seu,<br />
que trabalhava na Ford norte-ameri-<br />
cana Em períodos de contenção,<br />
quando ocorriam demissões necessá-<br />
rias, o trabalhador vinha para o Brasil<br />
e se empregava aqui. Após um certo<br />
tempo, quando o mercado se estabili-<br />
zava e as coisas voltavam ao normal,<br />
ele recebia da Ford uma carta de<br />
convite de retomo ao trabalho. E se<br />
mandava novamente para os Estados<br />
Unidos. Não é necessário dizer, é cla-<br />
ro, que a Ford utiliza o sistema de re-<br />
contratação prioritária<br />
No caso brasileiro, onde sempre<br />
tem predominado o famoso "jeitinho",<br />
seria necessário todo empenho para<br />
evitar a transformação de um expe-<br />
diente sério em mais um truque de<br />
prestidigitadores. A idéia de inclusão<br />
da recontratação prioritária no "enten-<br />
dimento nacional", contemplando em<br />
especial os funcionários públicos, de-<br />
ve ser tratada com cuidados, tais co-<br />
mo a definição de prazos de inativi-<br />
dade e ressarcimentos pelo eventual<br />
descumprimento desses prazos.<br />
Em caso contrário, a recontratação<br />
prioritária pode demorar mais de mil<br />
anos para se tomar realmente prioritá-<br />
ria<br />
Demissões não reduziram despesas da União<br />
O corte de pessoal promovido no<br />
início do governo Collor, a pretexto<br />
de reduzir gastos da União, não al-<br />
cançou o objetivo pretendido. Ao<br />
contrário, dados da Secretaria do Te-<br />
souro Nacional, deflacionados pelo<br />
índice Geral de Preços, mostram cres-<br />
cimento significativo dessas despesas<br />
entre fevereiro e agosto de 1990, em<br />
comparação com igual período do ano<br />
passado.<br />
A avaliação dos dados indica que o<br />
corte atingiu em maior escala o fun-<br />
cionalismo com baixa remuneração e<br />
que o ajuste da folha vem se dando<br />
muito mais através do congelamento<br />
dos salários. No somatório de janeiro<br />
a agosto, o dispêndio com pessoal<br />
chega a Cr$ 1,3 trilhão, pouco menos<br />
do que foi gasto durante todo o ano de<br />
1989. O acréscimo dos valores de se-<br />
tembro a esses gastos torneira o dis-<br />
pêndio com pessoal, em 1990, o mais<br />
elevado dos últimos quatro anos.<br />
A variação mês a mês é a seguinte:<br />
• Janeiro — Único mês em que as<br />
despesas com pessoal e encargos so-<br />
ciais ficaram abaixo do valor pago em<br />
igual período de 1989; razão: mudan-<br />
ça da data-base, de dezembro para ja-<br />
neiro, do reajuste do funcionalismo.<br />
• Fevereiro — Os gastos com pes-<br />
soal se elevaram em Cr$ 40,6 bilhões,<br />
devido à atualização salarial.<br />
• Março — Registra pequena queda<br />
em reação ao mês anterior, basica-<br />
mente por causa da aceleração infla-<br />
cionária (o índice aplicado é sempre o<br />
do mês anterior).<br />
• Abril — As despesas voltam a<br />
apresentar grande salto — de Cr$ 36,8<br />
bilhões -, como conseqüência do<br />
reajuste de 83% sobre os salários.<br />
• Maio — Com o congelamento sa-<br />
larial, a folha recebeu nova sobrecar-<br />
ga, desta vez pelo pagamento de inde-<br />
nizações trabalhistas a funcionários<br />
demitidos.<br />
• Junho — A União pagou ao Judi-<br />
ciário e ao Legislativo a parcela de<br />
antecipação do 13 e salário, além de<br />
prosseguir com o pagamento das in-<br />
denizações do pessoal demitido.<br />
• Julho — Foi o primeiro mês lim-<br />
po, com base no qual se pode aferir o<br />
impacto real do corte de servidores. A<br />
despesa com pagamento de pessoal foi<br />
de Cr$ 151,9 bilhões, contra Cr$ 85,6<br />
bilhões em julho de 1989. Houve<br />
crescimento da ordem de 43,6%.<br />
• Agosto — Novo incremento de<br />
gastos, com a parcela de antecipação<br />
do 13 e salário ao restante do funcio-<br />
nalismo.<br />
Setembro será um novo mês limpo<br />
e, segundo estimativas, os dispêndios<br />
da União com pessoal, em termos<br />
reais, ficarão em tomo de Cr$ 120<br />
bilhões. A queda, em relação aos de-<br />
mais meses, pode ser atribuída à cor-<br />
rosão da inflação sobre os salários.<br />
Em relação a setembro do ano passa-<br />
do, também em termos reais, a despe-<br />
sa da União com pessoal e encargos<br />
sociais acusará crescimento significa-<br />
tivo, superior a 40%.
Os integrantes do grvpo escolhido pelo gover-<br />
no para discutir o pacto social vêm se queixando<br />
da lentidão do processo. Segundo um deles, "até<br />
agora não se avançou um milímetro", graças, em<br />
parte, à ausência dos polKcos. Este problema, no<br />
entanto, deverá ser contornado em curto prazo,<br />
com a convocação de parlamentares recém-elei-<br />
tos.<br />
Restará outra grande dificuldade, que é a fatta<br />
de coordenação dos trabalhos. A função, a cargo<br />
do ministro Bernardo Cabral, não vem sendo cum-<br />
Cenário Sindical - Outubro /90<br />
PACTO SOCIAL<br />
O início do fim<br />
prida a contento, de acordo com a avaliação de um<br />
dos representantes do empresariado. No último<br />
encontro, agendado para estabelecer as normas<br />
básicas para o trabalho do grvpo, Cabral foi espe-<br />
rado com ansiedade, na expectativa de que trou-<br />
xesse o documento-base do regulamento. Para<br />
surpresa geral, o ministro chegou sem ter prepara-<br />
do uma linha sequer. E o encontro acabou por<br />
transformar-se numa discussão estéril, que durou<br />
duas horas e não chegou a lugar algum.<br />
Central de Brizola<br />
já provoca polêmica<br />
As recentes investidas de Leonel Brizola<br />
contra a CUT náo parecem ter sido apenas<br />
uma escaramuça eleitoral, uma manobra<br />
que se esgotou a 3 de outubro. O líder do<br />
PDT e alguns dos principais membros da<br />
secretaria sindical do partido, como Fer-<br />
nando Lopes e Brandão Monteiro, come-<br />
çam a embalar seriamente o sonho de criar<br />
uma central sindical que roube espaços da<br />
entidade presidida por Jair Meneguelli.<br />
Uma proposta que poderia colocar no<br />
mesmo barco o conhecido político e o pre-<br />
sidente do Sindicato dos Metalúrgicos de<br />
São Paulo, Luiz Antônio Medeiros. Este já<br />
veio, inclusive, ao Rio conversar a respeito<br />
com Brizola.<br />
A hipótese de uma central sindical for-<br />
temente ligada ao PDT desagrada, porém, a<br />
alguns quadros do partido com trânsito na<br />
área trabalhista - o que certamente difi-<br />
cultará as manobras para sua criação. Esse<br />
é o caso, por exemplo, do ex-presidente do<br />
Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro,<br />
Ronald Barata, um tradicional pedetisla,<br />
que já ocupou o cargo de secretário-geral<br />
da CUT estadual. Embora tenha sérias crí-<br />
ticas a algumas posturas e teses da entida-<br />
de. Barata não vê com bons olhos a possi-<br />
bilidade de deixar a central para se engajar<br />
no projeto brizolista.<br />
Avesso à criação de uma central sindical<br />
partidarizada, Barata explica que para via-<br />
bilizá-la seria preciso realizar um congresso<br />
a que comparecessem um número expressi-<br />
vo de sindicatos. "Caso não seja esse o ca-<br />
minho a ser seguido por aqueles que dese-<br />
jam fundar uma entidade de tal nível, serei<br />
o primeiro a me opor à idéia."<br />
A possibilidade de que a nova centrai<br />
surja a partir de uma união de forças com<br />
Luis Antônio Medeiros também desagrada<br />
a Barata e a outras lideranças do PDT com<br />
trânsito na CUT. "Não sei o que é pior: o<br />
sindicalismo partidarizado ou o sindicalis-<br />
mo de resultados", fulmina o ex-presidente<br />
do Sindicato dos Bancários. Apesar dessas<br />
manifestações de desagrado, a secretaria<br />
sindical do PDT irá se reunir este mês para<br />
analisar os rumos e desafios do movimento<br />
sindical. O encontro promete momentos de<br />
tensão, pouco recomendáveis para os que<br />
não apreciam emoções fortes.<br />
Correio Braziliense - 15.10.90<br />
Medeiros articula, de casa, a<br />
criação de uma nova central<br />
Anselmo de Souza<br />
O presidente do Sindicato dos Me-<br />
talúrgicos de São Paulo, Luis Antônio<br />
Medeiros, foi obrigado a trocar o ga-<br />
binete da sede da entidade, no agitado<br />
centro de São Paulo, pelo pequeno es-<br />
critório de sua própria casa, um mo-<br />
desto e bem cuidado sobrado do tran-<br />
qüilo bairro do BrookJin Novo, na zo-<br />
na Sul. E muitos outros hábitos desse<br />
sindicalista de 42 anos, ex-militante<br />
do Partido Comunista, mudaram de-<br />
pois que ele sofreu um pré-enfarto, no<br />
dia 21 de agosto. As recomendações<br />
médicas não conseguiram, porém,<br />
afastá-lo das articulações sindicais e<br />
políticas Medeiros transformou a sala-<br />
de-estar de sua casa em um verdadeiro<br />
salão de reuniões, onde ele recebe<br />
sindicalista de todos os cantos do País<br />
numa tentativa de realizar seu mais<br />
recente sonho: criar uma nova central<br />
sindical.<br />
A nova entidade já foi aprovada<br />
por 60 sindicalistas e tem uma coor-<br />
denação escolhida por eles. Entre os<br />
19 sindicatos está o do próprio Medei-<br />
ros, candidato natural a ser o presi-<br />
dente da nova entidade, que deverá<br />
ser formalizada em congresso, no mês<br />
de março. "Antes disso temos que<br />
discutir o assunto com outros sindica-<br />
listas e também com os trabalhado-<br />
res", acautela-se Medeiros. "Eu mes-<br />
mo vou convocar assembléia no Sin-<br />
dicato para ver se a categoria apro-<br />
va", ressalva.<br />
Ele sabe, porém do prestígio que<br />
tem entre os 130 mil associados do<br />
Sindicato. Na última eleição, em mar-<br />
ço, Medeiros reelegeu-se presidente<br />
com 80 por cento dos votos válidos.<br />
"O meu sindicato é querido pelos<br />
metalúrgicos e respeitado pela opinião<br />
pública", gaba-se Medeiros. Portanto,<br />
ele conta com o aval dos metalúrgicos<br />
paulistanos, ao todo 370 mil trabalha-<br />
dores, para formar a nova entidade.<br />
Medeiros já tem em mente o nome:<br />
"Força Sindical".<br />
O perfil do agrupamento de traba-<br />
lhadores também já está desenhado<br />
por Medeiros. "Não pode ser de con-<br />
fronto com o Governo e nem atrelado<br />
ao Governo", resume o sindicalista,<br />
fundador e presidente da Confedera-<br />
ção dos Metalúrgicos. Neste ponto da<br />
conversa, Medeiros faz questão de fri-<br />
zar que o objetivo da "Foca Sindical"<br />
é ocupar um vácuo de liderança dei-<br />
xado, segundo ele, pela Central Única<br />
dos Trabalhadores (CUT) e pela Con-<br />
federação Geral dos Trabalhadores<br />
(CGT). "A CUT só quer quebrar vi-<br />
draça, é subserviente ao PT. A CGT é<br />
atrelada ao Governo", considera o<br />
sindicalista.<br />
Ele critica indistintamente o com-<br />
portamento das duas centrais mas re-<br />
serva a artilharia verbal para atingir,<br />
de uma só vez, a CUT e o PT. "A<br />
CUT é dependente do partido e o PT<br />
é herdeiro do stalinismo", ataca. Sua<br />
justificativa: "Os dois só fazem a uni-<br />
dade onde estão em primeiro lugar. O<br />
PT só quer hegemonia e pão faz auto-<br />
crítica em relação ao Leste Europeu<br />
analisa Medeiros, para quem o PT de-<br />
ve dizer "que tipo de socialismo<br />
quer".<br />
Escritas, as palavras dele podem<br />
sugerir um certo tipo de ódio contra<br />
petistas e cutistas. Sentado em uma<br />
cadeira de braços, Medeiros fala sem-<br />
pre devagar. O tom de voz bastante<br />
sereno, continua inalterado também<br />
nos momentos em que analisa as di-<br />
vergências entre ele e seus adversários<br />
sindicalistas. "Eu não sou contra<br />
ideologia, eu sou contra a ideologia<br />
stalinista", faz a comparação como se<br />
fosse um professor, insistindo em não<br />
deixar dúvidas ao aluno. iA»
Para Medeiros, a receita da credi-<br />
bilidade entre os trabalhadores é a ne-<br />
gociação, com o Governo e com os<br />
patrões. Para isso é preciso, segundo<br />
ele, conversar com todo mundo, até<br />
com os adversários. "Eu sou recebido<br />
pelo Governo e falo também com o<br />
Meneguelli", enfatiza Medeiros, refe-<br />
rindo-se ao presidente da CUT. A en-<br />
tidade passou a adotar uma linha de<br />
atuação parecida com a do presidente<br />
do Sindicato dos Metalúrgicos de São<br />
Paulo, segundo ele mesmo analisa:<br />
"Hoje, o Meneguelli vai ao Governo e<br />
aparece em fotografias junto com<br />
Collor", lembrando que isso era con-<br />
siderado um sacrilégio pela correntes<br />
radicais do sindicalismo.<br />
"Eu não tenho esse problema. Se é<br />
preciso negociar para conquistar salá-<br />
rio para os trabalhadores eu negocio",<br />
ressalta Medeiros. Como dirigente do<br />
maior sindicato da América Latina,<br />
Medeiros já foi sondado por diferentes<br />
correntes políticas. Durante a campa-<br />
nha presidencial, Brizola queria seu<br />
apoio. Não conseguiu. Depois, foi a<br />
vez de Quércia, no primeiro turno das<br />
eleições para governador. Medeiros<br />
não disse que aceitava entrar na polí-<br />
tica mas também não evitou os conta-<br />
tos. "Eu terei remorso se acabar usan-<br />
do o Sindicato como trampolim políti-<br />
co", prevê Medeiros. "Ainda não es-<br />
tou preparado para deixar o Sindica-<br />
to", completa. O máximo que fez foi<br />
declarar seu voto a Luís Antônio<br />
Fleury, o candidato de Quércia, no<br />
primeiro turno. "Vou repetir o voto<br />
mas não vou fazer campanha", afir-<br />
mou.<br />
A enxurrada de votos nulos e bran-<br />
cos dessa eleição aconteceu porque<br />
"os políticos estão extremamente<br />
desmoralizados", avalia Medeiros, de-<br />
fensor da não obrigatoriedade do voto<br />
e pela eleição distrital. Depois que so-<br />
freu o pré-infarto, Medeiros teve de<br />
deixar de fumar, beber e agora se<br />
submete a um regime forçado, para<br />
recuparar-se. "Eu tinha um dia a dia<br />
muito agitado. Não sou homem de fi-<br />
car sentado. Cuidava do Sindicato,<br />
dos movimentos dos trabalhadores e ia<br />
para Brasília, quando tinha interesse<br />
deles a defender", conta o sindicalis-<br />
ta.<br />
Hoje ele é obrigado a ficar em ca-<br />
sa. Administra o Sindicato que tem<br />
700 funcionários, trabalhando na sede<br />
e em outras sete unidades espalhadas<br />
por São Paulo praticamente por tele-<br />
fone. "Eu tenho uma equipe de com-<br />
panheiros e assessores.<br />
Gazeta Uercant» - 17.10.90<br />
MEDEIROS CONSEGUE DO GOVERNO<br />
CrSSJ MILHÕES<br />
PARA FORMAR DIRIGENTES<br />
Ricardo Balthazar<br />
O governo do Estado de São Paulo<br />
está ajudando a montar a estrutura do<br />
Instituto Brasileiro de Estudos Sindi-<br />
cais (Ibes), entidade dirigida pelo pre-<br />
sidente do Sindicato dos Metalúrgicos<br />
de São Paulo, Luiz Antônio de Medei-<br />
ros, e voltada para a formação de sin-<br />
dicalistas.<br />
Um convênio com a Secretaria do<br />
Trabalho e da Promoção Social, no<br />
valor de Cr$ 8,34 milhões, vai sus-<br />
tentar a implantação do Ibes até julho<br />
do ano que vem.<br />
O convênio foi assinado no dia 12<br />
do mês passado e seu valor foi fixado<br />
em 173 mil BTN, em julho, quando<br />
Medeiros pediu formalmente ao go-<br />
verno Crestes Quércia recursos para o<br />
Ibes.<br />
No último dia 25, metade do di-<br />
nheiro foi liberado: Cr$ 4,17 milhões,<br />
para cobrir gastos com a confecção de<br />
apostilhas, material de apoio aos se-<br />
minários de formação sindical e pro-<br />
dução de filmes e vídeos para os cur-<br />
sos do Ibes.<br />
Medeiros criou o Ibes em setembro<br />
do ano passado, dentro do projeto que<br />
vem desenvolvendo para ampliar sua<br />
influência no movimento sindical. Es-<br />
se projeto começa a se consolidar ago-<br />
ra com as articulações em tomo da<br />
criação de uma nova central sindical<br />
que explore os espaços não ocupados<br />
pela Central Única dos Trabalhadores<br />
(CUT), rival de Medeiros, e não apro-<br />
veitados pela Confederação Geral dos<br />
Trabalhadores (CGT).<br />
O primeiro pedido de recursos fi-<br />
nanceiros para a implantação do Ibes<br />
foi feito por Medeiros no dia 20 de<br />
abril deste ano, numa carta ao gover-<br />
nador paulista. O processo, entretanto,<br />
só começou efetivamente a tramitar<br />
em julho, quando a antiga Secretaria<br />
de Relações do Trabalho, que havia<br />
sido extinta pela reforma administrati-<br />
va feita por Quércia no ano passado,<br />
voltou a existir, incorporada à de<br />
Promoção Social.<br />
CINQÜENTA SEMINÁRIOS<br />
A proposta de Medeiros passou<br />
pelo secretário Joaquim Bevilacqua e<br />
por Quércia sem sofrer reparos. Ele<br />
pediu recursos para apostilas, aluguel<br />
de auditórios, material de apoio, pro-<br />
dução de filmes e vídeos e para hono-<br />
rários de três instrutores e também pa-<br />
ra elaboração de pesquisas. Os 173<br />
mil BTN (Cr$ 11,5 milhões hoje) fi-<br />
xados por Medeiros como custo do<br />
projeto foram aceitos. No convênio fi-<br />
cou acertado que cada cursos terá 18<br />
horas de carga honorária, em um fim<br />
de semana. Serão 50 seminários, cada<br />
um para 30 pessoas.<br />
Quércia deu sua autorização no dia<br />
31 de agosto. Antes, no dia 8, tinha<br />
assinado decreto abrindo crédito su-<br />
plementar ao orçamento da secretaria<br />
para cobrir Cr$ 8,3 milhões de despe-<br />
sas do convênio. De acordo com as<br />
regras do convênio, a secretaria deve<br />
fiscalizar a utilização do dinheiro pelo<br />
Ibes, que, num prazo de trinta dias,<br />
deve encaminhar relatórios sobre os<br />
custos. Até agora nenhum foi realiza-<br />
do, informou o secretário-adjunto,<br />
Plínio Gustavo Adri Sarti, encarrega-<br />
do por Bevilacqua dessa fiscalização.<br />
"Em outros tempos, a ação da se-<br />
cretaria nesse campo era muito pater-<br />
nalista", disse Sarti. "Chegamos a dar<br />
cursos de oratória, o que não tem sen-<br />
tido. Agota estamos canalizando re-<br />
cursos para setores mais modernos, é<br />
uma forma melhor de o Estado prestar<br />
serviço nessa área." Em seu pedido de<br />
autorização ao governador, o secretá-<br />
rio Bevilacqua argumentou que o<br />
convênio estimularia "a organização<br />
dos trabalhadores em sintonia com<br />
a intenção do governador" e seria<br />
uma "conjugação de esforços".<br />
OUTROS PEDIDOS<br />
O Departamento Intersindical de<br />
Estudos e Pesquisas de Saúde e dos<br />
ambientes de Trabalho (Diesat) tam-<br />
bém procurou a secretaria em busca<br />
de recursos para seus projetos, mas<br />
ainda não teve resposta. O mesmo foi<br />
feito pela Oboré Editorial Ltda., em-<br />
presa que presta serviço de assessoria<br />
para sindicatos e que há quatro anos<br />
editou, um conjunto com o governo<br />
do Estado, um catálogo das entidades<br />
sindicais paulistas. A Oboré, quer<br />
atualizar o catálogo, juntando ainda<br />
informações sobre a imprensa sindi-<br />
cal.
Movimento de Oposição Sindical<br />
Metalúrgica de Sáo Paulo - Outubro/90<br />
AOS COMPANHEIROS MILITANTES<br />
DO MOVIMENTO DE OPOSIÇÃO<br />
METALÚRGICA DE SÃO PAULO<br />
Luiz Antônio Medeiros está assentando politicamente<br />
num sindicato metalúrgico poderoso, cuja base chega a<br />
370 mil trabalhadores. É o Sindicato dos Metalúrgicos<br />
do município de São Paulo. Sua projeção nacional se<br />
deve a essa base metalúrgica. Nesta categoria, pela sua<br />
importância estratégica, vem se organizando, a mais de<br />
25 anos, oposições sindicais que atravessaram todo o<br />
período da ditadua militar lutando contra o peleguismo,<br />
do qual Medeiros é o mais recente representante. Para a<br />
categoria dos metalúrgicos da Capital se voltam os olhos<br />
de todo o movimento sindical nacional, se voltam os<br />
olhos e armas dos patrões e governo.<br />
Companheiros,<br />
Já passaram cinco meses desde a eleição sindical. O<br />
quadro com que nos deparamos hoje não poderia ser mais<br />
desolador: o MOSMSP, enquanto organização e proposta<br />
de luta sem tréguas contra os patrões e os pelegos, não<br />
tem existido na prática. Vemos ocorrer, e de modo muito<br />
mais grave, o que já havia ocorrido após a derrota de<br />
1987.<br />
Antes mesmo dos resultados das umas ouvíamos com-<br />
panheiros afirmarem que o MOSMSP "enquanto estrutura<br />
orgânica" já não teria mais sentido. Após o término da<br />
eleição também se falava de um "desmonte" da estrutura<br />
do MOSMSP.<br />
Todas essas conversas eram, para nós, apenas suposi-<br />
ções ou propostas que iriam ser discutidas por todos nós.<br />
Por isso estranhamos muito quando constatamos que, de<br />
fato, iniciara-se um processo de desmobilização do<br />
MOSMSP e um "desmonte" de parte de sua estrutura.<br />
Tudo isso sem que tivesse havido qualquer consulta ou<br />
discussão. Não percebemos nenhuma vontade política por<br />
parte da coordenação em abrir o debate junto ao coletivo,<br />
nem mesmo para avaliar o resultado eleitora, embora vá-<br />
rios companheiros tivessem demonstrado esse interesse,<br />
apresentando valiosas contribuições por escrito.<br />
A ultima tentativa de realizar uma discussão de avalia-<br />
ção ocorreu em maio. Por proposta nossa, foi marcada<br />
uma reunião de avaliação para o dia 19 de maio, na sede<br />
da CUT Regional. Essa reunião não ocorreu. Estivemos<br />
lá para simplesmente nos depararmos com a sede fechada,<br />
sem a presença sequer de um único membro da coordena-<br />
ção e sem que houvesse um bilhete ou recado que desse<br />
qualquer esclarecimento.<br />
Poucas semanas depois, nós encaminhamos, em mãos,<br />
aos membros da coordenação uma carta na qual pedíamos<br />
uma explicação sobre o ocorrido, o qual considerávamos<br />
como sendo, no mínimo, desrespeitoso. Solicitávamos<br />
então que a resposta nos fosse dada num prazo de dez<br />
dias. Lamentavelmente, até o presente momento o coleti-<br />
vo dos militantes do setor Leste n do MOSMSP não re-<br />
cebeu qualquer satisfação.<br />
Para nós esses fatos são mais que preocupantes. Não<br />
temos recebido mais nenhuma comunicação por parte da<br />
Nesta edição estamos publicando uma carta aberta de<br />
autoria do Setor Leste II do Movimento de Oposição<br />
Sindical Metalúrgica de São Paulo (MOSMSP) onde é<br />
colocado o ponto de vista dos companheiros sobre a<br />
situação do MOSMSP, bem como várias questões para<br />
serem debatidas. listamos disponíveis para publicarmos<br />
outros pontos de vista sobre o mesmo assuntos nesta<br />
página, da mesma forma que já publicamos várias<br />
avaliações sobre as eleições para o sindicato da<br />
categoria metalúrgica realizadas neste ano. Também<br />
temos organizado um dossiê destas últimas eleições.<br />
coordenação. Não vimos mais nenhum material próprio<br />
do MOSMSP dirigindo-se aos metalúrgicos de São Paulo.<br />
Tudo isso num momento político delicado por que pas-<br />
sa o país. Momento em que se faz sentir como nunca a<br />
sanha do capital nacional e estrangeiro. Contra os traba-<br />
lhadores. O governo Collor tem imposto o pior arrocho<br />
salarial dos últimos tempos, tem sucateado parte do par-<br />
que industrial do país, mergulhou o país numa recessão,<br />
aprofunda o entreguismo, gera demissões em massa. Os<br />
trabalhadores, por seu lado, têm tentado dar uma resposta<br />
a esses ataques de suas lutas. Simultaneamente, na nossa<br />
base sindical, a direção "de resultados" do nosso sindi-<br />
cato dividiu a nossa categoria nas lutas reivindicativas,<br />
fábrica por fábrica, impedindo a luta unificada de toda a<br />
categoria. Enquanto isso constatamos a ausência do<br />
MOSMSP nessas lutas, dando respostas ao movimento,<br />
buscando forjar a unidade das lutas, construindo-se como<br />
referência concreta junto à categoria.<br />
O que está acontecendo?, perguntamos.<br />
Sabemos que as dificuldades para se levar esse traba-<br />
lho são grandes. Sabemos que, contando com mínimos<br />
recursos e militância pouco numerosa, combater o pele-<br />
guismo e seu aparato gigantesco é uma tarefa árdua. Mas<br />
sabemos também que a nossa força reside na nossa políti-<br />
ca, na experiência de mais de 20 anos de luta, da qual o<br />
MOSMSP passou a ser depositário político do plano na-<br />
cional, uma vez que "MOSMSP" significa unia adequa-<br />
ção de "MOSM" para a categoria dos metalúrgicos de<br />
São Paulo. Mas o que tem acontecido nos últimos tempos<br />
choca-se com esse legado político, contradiz a política<br />
que o MOSMSP sustentou durante anos.<br />
Não se trata aqui de simples apego à tradição, embora<br />
qualquer tradição revolucionária e classista deva ser sem-<br />
pre cultivada e mantida. O próprio legado que o MOS-<br />
MSP herdou não é algo que possa ser discutido e modifi-<br />
cado. Pelo contrário, cremos que uma reavaliação crítica<br />
desse legado, para que possa ser readequado à nova<br />
conjuntura política e sindical, é uma tarefa imprescindí-<br />
vel. Mas por mais que as táticas mudem, e elas têm que<br />
mudar sempre que a realidade exigir, os princípios e os<br />
fundamentos de uma política não mudam e não devem<br />
mudar, a não ser que considere que estavam errados. ^<br />
\
Dentro desse espírito consideramos que os princípios<br />
políticos que estão presentes nas resoluções dos Congres-<br />
sos e dos seminários da Oposição permanecem ainda vá-<br />
lidos e são ainda hoje uma referência indispensável para<br />
a nossa atuação. Entre eles podemos citar o que se segue:<br />
"(...) o objetivo principal da OS é a formação da cons-<br />
ciência operária independente e organizada e a sua tarefa<br />
mais importante na luta operária é :antes, durante e de-<br />
pois da tomada dos sindicatos das mãos dos pelegos, or-<br />
ganizar os trabalhadores nas fábricas." (Resoluções do 1<br />
Congresso).<br />
Eis aí, curto e grosso, uma síntese da razão de ser da<br />
oposição. Aí está expresso, de modo claro e cristalino, o<br />
centro de gravidade da nossa militância: a organização na<br />
base, nas fábricas, a partir do local de trabalho. Por de-<br />
fendermos esse princípio quantas vezes não nos chama-<br />
ram de "basistas"! Sim, chamavam-nos de "basistas",<br />
mas nunca de "cupulistas", aparelhistas ou "conchavis-<br />
tas". Porque sempre nos pautamos pelos fundamentos da<br />
democracia operária. Nunca nos propusemos à conquista<br />
do aparato do sindicato como o objetivo mais importante<br />
ou com um fim em si. Nossa perspectiva sempre foi a de<br />
um sindicalismo classista, alternativo ao sindicato corpo-<br />
rativista de estrutura fascista. E, portanto, derrotar o pe-<br />
lego na eleição sindical era muito mais que o produto de<br />
uma conjuntura favorável. Teria que ser o fruto de um re-<br />
conhecimento político por parte da categoria, um reco-<br />
nhecimento conquistado com a nossa participação coti-<br />
diana nas lutas, com o estabelecimento de um vínculo or-<br />
gânico com a classe.<br />
Com essa perspectiva o "ganhar, custe o que custar"<br />
era uma política estranha para o MOSMSP. Em 1984 e<br />
1987, por ocasião do processo de formação da chapa, nós<br />
nos distinguimos pela nossa firmeza de princípios. Nos<br />
recusamos a fazer alianças com propósitos simplesmente<br />
eleitoreiros. Para nós a negação do peleguismo sempre<br />
significou afirmar simultaneamente uma política classista<br />
alternativa. Unir forças, sim, mas dentro dos parâmetros<br />
da democracia operária e dos interesses de classe dos tra-<br />
balhadores.<br />
Na ultima eleição o que aconteceu foi diferente. A co-<br />
ordenação preocupou-se basicamente em apresentar o<br />
MOSMSP como o "campeão da unidade". Mas não se<br />
preocupou em discutir em cima do quê construir essa<br />
unidade, nem o seu conteúdo. Não podemos ser sectários<br />
e estreitos, mas tampouco basta envergar a faixa de<br />
"campões da unidade". Há que se discutir os parâmetros<br />
e os critérios políticos dessa unidade.<br />
Mas a última eleição representou, principalmente, um<br />
retrocesso do MOSMSP em relação ao seu objetivo pri-<br />
mordial. Já após a derrota de 87 a nossa presença junto à<br />
categoria havia se tomado eventual e débil. O nosso<br />
acúmulo, quando iniciamos este último processo eleitoral.<br />
MANIFESTO<br />
COMUNISTA<br />
Marx-Engets<br />
* ^r^<br />
Em<br />
dSaUsmo ^<br />
já era pequeno. E o que prevaleceu, nesta última eleição,<br />
foi a disputa pela disputa, a conquista do aparato como<br />
objetivo maior e finalidade em si. E expressão disso é<br />
que em nenhum momento esteve no centro da preocupa-<br />
ção a busca de um saldo político e organizativo da cate-<br />
goria durante o processo eleitoral, coerente com os nos-<br />
sos princípios.<br />
Mas, infelizmente, os problemas são mais graves.<br />
Na verdade, se ainda existe o MOSMSP, para nós a<br />
sua situação é acéfala ou seja, não tem direção política. A<br />
incoerência política se dá quando a direção que chamou o<br />
processo eleitoral se omitiu politicamente, permitindo que<br />
a situação chegasse a esse nível, sem nehuma consulta à<br />
militância.<br />
A militância do MOSMSP tem uma trajetória de luta<br />
que sempre foi marcada pela combatividade e pela coe-<br />
rência aos princípios. E cremos que, no atual estágio em<br />
que encontra o MOSMSP, é essa militância que deve dis-<br />
cutir e tomar uma posição diante de tudo o que está<br />
acontecendo. Por isso nos dirijimos ao conjunto da mili-<br />
tância, para que esse debate seja iniciado. Quando deci-<br />
dimos substituir "Oposição Sindical Metalúrgica de São<br />
Paulo" por "MOSMSP", o salto político pretendido seria<br />
bem maior, porque pretendíamos um Movimento de Opo-<br />
sição Sindical a nível nacional. Para isso houve o debate<br />
coletivo através dos fóruns existentes. O que não pode-<br />
mos concordar é recuar politicamente dessa proposta sem<br />
o necessário debate político com o conjunto da nossa mi-<br />
litância. Mais ainda, sem que se dê a mínima satisfação à<br />
opinião pública do nosso interesse político.<br />
Companheiros, um legado político de mais de 20 anos<br />
não pode ser simplesmente abolido por decreto. Uma<br />
trajetória histórica de luta operária, marcada inclusive<br />
pelo sangue de alguns dos nossos camaradas, não pode<br />
ser simplesmente esquecida ou posta nos arquivos de um<br />
passado dado como morto. Ser depositário político de<br />
uma proposta operária numa perspectiva classista exige,<br />
sem dúvida, de todos nós muita responsabilidade.<br />
É urgente que se deflagre um debate aberto, franco<br />
e leal. E preciso que encaremos os fatos e busquemos a<br />
verdade, mesmo que não seja a verdade plena (e ela nun-<br />
ca o é totalmente). "A verdade é sempre revolucionária",<br />
como afirmpu o revolucionário italiano Gramsci. Deve-<br />
mos buscá-la, sempre, mesmo que isso seja, algumas ve-<br />
zes, doloroso.<br />
Enquanto coletivo do setor Leste II do MOSMSP, es-<br />
tamos abertos ao debate e dispostos a continuar dando a<br />
nossa contribuição política. E esta carta aberta é um pri-<br />
meiro estímulo visando contribuir com esse processo.<br />
NOSSAS REUNIÕES OCORREM TODAS AS<br />
SEGUNDAS FEIRAS ÀS 19 HORAS<br />
Local: CUT Leste II - Av. Celso Garcia, 4323 - Tatuapé<br />
(próximo à Biblioteca Municipal do Tatuapé)<br />
Coleção "Livro de Bolso"<br />
2 BTNs cada caderno
A Luta por Moradia<br />
Analisando a atuação dos movimentos de luta por mo-<br />
radia em São Paulo nos últimos anos, em particular o<br />
movimento sem terra da Leste 1 do qual participamos,<br />
percebemos que até meados de 1988, as ocupações de<br />
terra tiveram um lugar privilegiado entre as formas de lu-<br />
ta. Só na Leste 1 houve em 1988 duas grandes ocupa-<br />
ções - na fazenda da Juta e no Jardim Colorado. Esse<br />
foi um período de grande crescimento dos movimentos,<br />
tanto a nível quantitativo como qualitativo, devido à ex-<br />
periência e amadurecimento que essas lutas favorecem.<br />
Em 1989, com o PT assumindo a prefeitura de São<br />
Paulo, houve uma mudança do rumo no encaminhamen-<br />
to das lutas. Pela grande expectativa criada em torno da<br />
nova administração, os movimentos canalizaram eis ex-<br />
peranças, negociações e formas de pressão quase que<br />
exclusivamente em tomo da prefeitura Ao mesmo tempo<br />
deu-se uma trégua ao governo do Estado, em parte em<br />
decorrência desse redirecionamento em tomo da prefei-<br />
tura, e em parte por orientação consciente de alguns se-<br />
tores do PT que procuravam evitar atritos maiores com o<br />
Estado, para não atrapalhar a "convivência pacífica" en-<br />
tre município e governo estadual.<br />
No decorrer do ano, foram feitas algumas manifesta-<br />
ções massivas na secretaria estadual da habitação, na<br />
Caixa Econômica Federal, etc. Porém, a forma de luta<br />
mais utilizada passou a ser a NEGOCIAÇÃO, da qual<br />
participam representantes, lideranças e, principalmente,<br />
apoios dos movimentos. Nos bairros, os grupos partici-<br />
pam ouvindo, discutindo as informações repassadas por<br />
esses representantes e preparando as próximas negocia-<br />
ções com as administrações Estadual, CEF, as carava-<br />
nas para Brasília etc. É importante ressaltar que essas<br />
negociações só puderam acontecer como resultado das<br />
ocupações ocorridas na etapa anterior.<br />
Além desses aspectos mais localizados em termos de<br />
São Paulo, a nível nacional, os movimentos e partidos,<br />
de uma maneira geral, se envolveram e canalizaram<br />
suas energias e expectativas na elaboração da consti-<br />
tuinte, na esperança (ou ilusão) de realizar a reforma<br />
agrária e urbana via congresso constituinte. E já no ano<br />
passado, a canalização das expectativas se deu para<br />
com as eleições presidenciais.<br />
Todos esses fatores explicam o fato de não ter havido<br />
quase que nenhuma ocupação de terras em São Paulo<br />
num ano politicamente favorável como foi o ano de 1989.<br />
Na Leste 1, houve um enfraquecimento da luta pelas<br />
áreas da Juta e Colorado e, ao mesmo tempo, um envol-<br />
vimento muito grande na negociação e depois no início<br />
do multirão no Jardim São Francisco - área municipal.<br />
Como resultado dessa prática, temos, por um lado, um<br />
avanço do movimento na medida em que uma vitória<br />
concreta (800 famílias construindo efetivamente suas ca-<br />
sas no Jardim São Francisco) tem uma repercusão posi-<br />
tiva a nível da massa, provocando um afluxo grande de<br />
A LUTA POR MORADIA<br />
"A Questão da Morada", é de autoria da<br />
Associação dos Trabalhadores da Mooca - SP.<br />
A primeira parte foi divulgada na Quinzena n ç 103, a se-<br />
guir, a segunda e útima parte<br />
novas pessoas que começam a participar dos grupos nos<br />
vários bairros. Pa outro lado, nota-se uma certa debili-<br />
dade nesse crescimento, uma vez que as lideranças<br />
mais antigas, as pessoas que acumularam experiências<br />
nas ocupações e lutas anteriores, encontram-se em qua-<br />
se sua totalidade envolvidas apenas no mutirão, resul-<br />
tando no enfraquecimento qualitativo dos diversos gru-<br />
pos-<br />
De qualquer forma, depois de um ano de convivência<br />
com a Administração Municipal petista, depois de perce-<br />
ber concretamente os limites da atuação inerente a essa<br />
"máquina" frente ao imenso problema habitacional; de-<br />
pois das "desilusões" quanto a constituinte e as eleições<br />
presidenciais... os movimentos têm agora a chance de<br />
entrar numa fase mais realista. Temos a chance de re-<br />
tomar a consciência de que só a luta direta dos explora-<br />
dos e oprimidos pode resultar, tanto na melhoria das<br />
condições de vida, salário, moradia etc, como também no<br />
avanço político da classe trabalhadora, que só assim po-<br />
derá reorientar suas lutas rumo a construção de uma so-<br />
ciedade verdadeiramente socialista<br />
Propostas de atuação<br />
1 - Realizar a Reforma Agrária e a Reforma Urbana<br />
de fato - Todos os movimentos de luta por moradia, de-<br />
vem FAZER ACONTECER a reforma agrária e urbana<br />
na prática "na marra". Essa deve ser a nossa orientação<br />
básica É preciso multiplicar e generalizar as lutas que os<br />
companheiros do campo estão levando - ocupar as ter-<br />
ras vazias, redistribuir os espaços urbanos...As Mudanças<br />
nas leis serão conseqüência Além de ocupar as terras é<br />
necessário ir amadurecendo formas de resistência de<br />
auto-defesa frente aos esquemas de repressão. Em ge-<br />
ral, quando fazemos uma ocupação já se parte do princí-<br />
pio de que se ocupa só para negociar e não para ficar.<br />
Em São Paulo, neste ano, devemos concentrar todos<br />
os esforços na luta pelas 23 áreas desapropriadas (ou<br />
em processo) pelo governo do Estado já como resultado<br />
das ocupações dos anos anteriores. Na Leste 1, temos a<br />
Juta e o Colorado. Isso tem que ser feito antes das elei-<br />
ções de outubro. Na medida do possível realizar ocupa-<br />
ções simultâneas nessas áreas em todas as regiões.<br />
As negociações com os diversos órgãos (CEF, etc) são<br />
importantes, mas não devem substituir, nem amarrar as<br />
lutas diretas das centenas de famílias que participam do<br />
movimento.<br />
2 - Cortiços, quintais, pensões: Lutar pela Moradia<br />
nas áreas centrais - Na Moóca o movimento de luta por<br />
moradia se constitui basicamente de moradores de habi-<br />
tações coletivas, aqui chamadas de quintais. Apesar da<br />
debilidade e falta de articulação de um movimento mais<br />
geral de cortiços a nível de São Paulo, mais baseados na<br />
luta de mais de 10 anos, e também nas discussões con-<br />
juntas com os bairros vizinhos como Brás, Belém, apre-<br />
sentamos algumas propostas: ^
• Nossa proposta básica é a de que deve haver uma<br />
política específica de intervenção nos cortiços. Essa polí-<br />
tica deve garantir o direito dos moradores em permane-<br />
cer morando ) em condições decentes - nas regiões on-<br />
de já residem atualmente. Isto porque nós trabalhadores<br />
temos o direito de morar nos bairros melhor servidos e<br />
mais próximos dos locaisde trabalho. Por isso, náo po-<br />
demos continuar aceitando ser empurrados para bairros<br />
cada vez mais distantes, como se esta fosse a única al-<br />
ternativa possível de moradia popular.<br />
Ao famoso argumento de que a moradia nas áreas<br />
próximas ao centro saem muito caras aos cofres públi-<br />
cos, é preciso contrapor o fato de que nestas regiões, a<br />
existência de toda rede de infra-estrutura e serviços, vai<br />
dispensar o poder público dos gastos que ele necessita-<br />
ria fazer na periferia: asfalto, transporte, água, luz, esgo-<br />
to, creches, escolas, hospitais, etc.<br />
Para viabilizar a concretização dessas propostas,<br />
apontamos três alternativas possíveis para a construção<br />
de pequenos conjuntos habitacionais para a população<br />
moradora das habitações coletivas:<br />
a) Desapropriação de cortiços, principalmente nos ca-<br />
sos em que há uma concentração maior (por ex., vários<br />
cortiços no mesmo quarteirão). E onde os moradores es-<br />
tão mobilizados.<br />
b) Desapropriação de prédios, casarões e ferremos<br />
particulares vazios.<br />
c) Aproveitamento dos terrenos públicos sem destina-<br />
ção, ainda vazios, que se encotram nessas regiões.<br />
Pela experiência mais recente, principalmente no Jar-<br />
dim São Francisco, achamos importante que os movi-<br />
mentos conquistem também a AUTO-GESTÃO dos pro-<br />
jetos, ou seja, que os movimentos não se limitem a es-<br />
perar que os técnicos govemamentais elaborem, admi-<br />
nistrem, construam e entreguem as moradias prontas,<br />
mas exigir a participação em todas as fases dos projetos<br />
habitacionais, desde o planejamento até a execução da<br />
obra, o gerenciamento do mutirão, etc. Essa participação<br />
é importante tanto para apressar o andamento dos proje-<br />
tos quanto, principalmente, para garantir nosso papel de<br />
sujeitos nesses processos de conquistas, o amadureci-<br />
mento dos movimentos e a criação das condições ne-<br />
cessárias para a continuidade da organização.<br />
Outra questão importante é avançar na questão da<br />
propriedade. As experiências nos cortiços da Madre de<br />
Deus, na Moóca e Celso Garcia, no Brás, onde se discu-<br />
te a propriedade coletiva do futuro conjunto habitacional<br />
AGEM-4.10.90<br />
Conversão da<br />
dívida<br />
brasileira<br />
A julgar pelo destaque que a grande imprensa<br />
deu à formação de um consórcio de 13 grandes<br />
organizações não-govemamentais (ONGs)<br />
destinado a gerenciar a conversão de parte da<br />
divida externa em projetos de meio ambiente, o<br />
cidadão comum pode acreditar que existe plena<br />
concordância sobre o assunto entre as entidades<br />
do chamado movimento ambientalista.<br />
A grande imprensa e os meios de comunicação<br />
em geral têm dado, progressivamente, menor<br />
Trabalhadores<br />
por pane de uma organização representativa dos mora-<br />
dores, serão importantes para os próximos projetos.<br />
3 - Continuar o processo de organização autônoma -<br />
Em todo lugar onde se consiga alguma conquista, é im-<br />
portante constituir imediatamente instrumentos que ga-<br />
rantam a continuidade da organização, como associação<br />
de moradores, trabalhadores, etc. Essa organização au-<br />
tônoma será necessária para a continuidade des lutas<br />
por transporte, creche, etc, assim como para garantir um<br />
permanente processo de politização e conscientização.<br />
4 - Lutar pelo Salário Mínimo Real - Lutar pelo salá-<br />
rio significa atacar a causa fundamental do problema da<br />
moradia. Permite ao mesmo tempo, entender e direcio-<br />
nar a luta contra o sistema capitalista como um todo,<br />
nosso objetivo último. Conseguir uma casa mantendo o<br />
baixo salário, significa colocar em risco essa própria con-<br />
quista. Basta ver o exemplo das muitas pessoas que lu-<br />
taram pela casa e depois náo conseguiram segurá-la:<br />
pouco tempo depois a venderam para cobrir suas neces-<br />
sidades financeiras.<br />
5 - Lutar pelas 40 horas semanais - Não adianta ter<br />
uma moradia e não se ter tempo nem para cuidar e nem<br />
para estar nela mais a vontade com a família e amigos.<br />
Trabalhando 10 horas por dia, mais 4 horas gastas com o<br />
transporte, a maioria dos trabalhadores só fica em casa<br />
algumas horas, insuficientes até para matar o sono.<br />
6 - Lutar pelo controle do FGTS - Enquanto os tra-<br />
balhadores não controlarem o FGTS, ele sempre será<br />
usado para outros fins e nunca se terá recursos para su-<br />
prir a carência habitacional no país.<br />
7 - Unir o movimento operário e popular: A luta é uma<br />
só - Por fim, para que as lutas por moradia no país intei-<br />
ro tenham maior eficácia e qualidade, é importante que o<br />
movimento operário assuma essas lutas em conjunto<br />
com o movimento popular. Não como "apoio" ou para dar<br />
uma ajuda", e sim, como uma das tarefas necessárias a<br />
emancipação de toda nossa classe. A participação do<br />
movimento operário teria como resultado principal uma<br />
mudança de qualidade, a politização das lutas, clareando<br />
a relação entre o salário e moradia e viabilizando a união<br />
entre a luta operária e as lutas do movimento popular.<br />
São Paulo, agosto de 1990.<br />
aoerlura às manifestações e posições das milhares<br />
de pequenas ONGs, ambientalistas ou não.<br />
No caso da dívida externa, não se publicou<br />
uma única Unha sobre a posição aprovada pelas<br />
entidades ambientalistas paulistas presentes ao 5 f<br />
Congresso Paulista de Ecologistas e Pacifistas (ver<br />
texto a seguir). Não se divulgou a posição dos<br />
coletivos de ONGs ambientalistas do Nordeste, da<br />
Federação de Entidades de Santa Catarina (Feec),<br />
das Apedemas (Assembléias Permanentes de<br />
Entidades em Defesa do Meio Ambiente) do Rio e<br />
São Paulo, do Congresso de Ecologistas do Rio<br />
Grande do Sul. E de entidades tradicionalmente<br />
comprometidas com a defesa do meio ambiente e<br />
melhoria da qualidade de vida, como a SBPC<br />
(Sociedade Brasileira para o Progresso da<br />
Ciência) e a União das Nações Indígenas. Os<br />
recursos destinados aos projetos ambientais (via<br />
conversão da dívida) saem dos bolsos da<br />
totalidade do povo brasileiro. É justo, portanto, que<br />
o estabelecimento das prioridades para sua<br />
aplicação ocorra num fórum democrático, acessível<br />
ENDEREÇO PARA CONTATOS: Rua Canuto Saraiva, 795<br />
Bairro Moóca - SP<br />
CEP 03113<br />
a todas as pessoas e ONGs deste país. Hoje,<br />
portanto, é o Parlamento brasileiro que deve tomar<br />
a frente deste processo, promovendo<br />
primeiramente amplo debate sobre uma política<br />
nacional de meio ambiente, em que se definam as<br />
fontes de recursos, as questões prioritárias e as<br />
responsabilidades para o gerenciamento dos<br />
projetos.<br />
Compete aos parlamentares e aos meios de<br />
comunicação dar voz a todas as ONGs<br />
preocupadas com a questão ambiental, para que<br />
se tomem posições representativas das<br />
necessidades e anseios da maioria do povo<br />
brasileiro.<br />
Neste boletim apresentamos diferentes<br />
opiniões sobre a questão. (Marcos Sorrentino,<br />
biólogo, membro da Sociedade de Defesa do Meio<br />
Ambiente de Piracicaba e da coordenação da<br />
Assembléia Permanente de Entidades em Defesa<br />
do Meio Ambiento do Estado de São Paulo)
AQEN-4.10.90<br />
5« Congresso Paulista de<br />
Ecologistas e Pacifistas<br />
A formaçáo de um consórcio de 13<br />
ONGs ambientaistas favoráveis à con-<br />
versão da dívida externa em projetos de<br />
me» ambiente precipita um debate que<br />
deve ser feito por toda a sociedade brasi-<br />
leira.<br />
Experiências de alguns países endivi-<br />
dados apontam como possível esse tipo<br />
de conversão. No entanto, é necessário<br />
que alguns pontos sejam esclarecidos pa-<br />
ra que as ONGs brasileiras aceitem parti-<br />
cipação desse processo.<br />
Consideramos necessário, antes de<br />
mais nada, que ocorra um amplo debate<br />
junto à sociedade civil sobre a legitimidade<br />
da dívida, se deve ser paga, quando, co-<br />
mo, e ainda, se sua conversão em projetos<br />
de meio ambiente pode implicar em pro-<br />
cessos inflacionários ou em perda de au-<br />
tonomia sobre nosso território e seus re-<br />
cursos naturais para empresas financiado-<br />
ras da conversão.<br />
Segundo Ornar OvaUes, professor da<br />
Universidade de Caracas e assessor par-<br />
lamentar para assuntos de meio ambiente<br />
do Congresso venezuelano, as multinacio-<br />
nais da engenharia genética (Shell, Mon-<br />
santo, Dupont, Hoechst, Pfizer, Temeco,<br />
Celanece Occidental Petroleum, Atlantic<br />
Richfield e outras) estão extremamente<br />
Interessadas em financiar a conversão da<br />
dívida.<br />
Acreditamos em que a única forma de<br />
nos resguardarmos desses possíveis inte-<br />
resses das empresas transnacionais seja<br />
garantir a transparência dos processos de<br />
negociação da conversão, pois não pode-<br />
mos permitir de maneira alguma que as<br />
ONGs brasileiras venham a ser conside-<br />
AGEN-4.10.90<br />
Oportunidades e<br />
controvérsias:<br />
conversão da<br />
dívida por<br />
natureza<br />
LouAnnDietz'<br />
Ninguém ganha quando a dívida exter-<br />
na de um pais resulta em degradação am-<br />
biental. As conversões de dívida externa<br />
pela conservação da natureza talvez se-<br />
jam as únicas transações financeiras in-<br />
ternacionais em que todos saem ganhan-<br />
do.<br />
radas pela opinião pública como testas-de-<br />
terro do capital internacbnaL<br />
Após estarmos seguros de que a me-<br />
lhor escolha seja a conversão de parte da<br />
dívida externa em projetos de me» am-<br />
biente, deveremos iniciar um amplo pro-<br />
cesso democrático e transparente de par-<br />
ticipação de todas as ONGs interessadas,<br />
para a elaboração de projetos e de crité-<br />
rios para sua seleção. Consideramos o<br />
consórcio formado pelas 13 organizações<br />
pouco representativo do conjunto de ON-<br />
Gs nacionais capacitadas e com tradição<br />
na defesa de nosso patrimônio cultural e<br />
ambiental e na luta por melhores condi-<br />
ções de vida para todos os brasileiros.<br />
Entendemos que a conversão da dívi-<br />
da, caso ocorra, deve ser precedida de to-<br />
dos os cuidados já mencionados e coor-<br />
denada por um fórum representantivo de<br />
toda a sociedade civil. Propomos:<br />
• Realização, paralelamente à próxima<br />
discussão do Fórum Nacional de ONGs,<br />
em 92, da primeira reunião para discutir a<br />
conversão da dívida, convidando todas as<br />
ONGs brasileira interessadas, inclusive as<br />
participantes do consórcio.<br />
• Estimular esse debate com o con-<br />
junto da sociedade civil e convocar reu-<br />
niões com as universidades e ONGs com<br />
tradição de luta na defesa do meio am-<br />
biente e melhoria da qualidade de vida,<br />
procurando firmar uma posição crítica e<br />
profunda sobre o assunto, capaz de nor-<br />
tear futuros posicionamentos.<br />
Campinas, 17,18 e 19 de agosto de 1990.<br />
Mas o que é esse mecanismo? Uma<br />
conversão da dívida externa pela conser-<br />
vação da natureza envolve a aquisição,<br />
com descontos no mercado secundário,<br />
de uma porção da dívida externa de um<br />
país devedor, por organizações ambienta-<br />
listas. O país devedor paga essa dívida no<br />
valor original do empréstimo, mas paga na<br />
moeda local e com a condição de que os<br />
recursos desses pagamentos sejam utili-<br />
zados para financiar programas para a<br />
conservação do meb ambiente no país.<br />
Essa conversão pode assim aumentar<br />
dramaticamente os recursos financeiros<br />
para a conservação da natureza. Por<br />
exemplo, na conversão mais recente no<br />
Equador, US$ 1 de dívida adquirida deu<br />
mais de US$ 8 para a conservação do<br />
meio ambiente na moeda local. É por isso<br />
que conservacionistas consideram essas<br />
conversões como oportunidades únicas,<br />
tanto para proteger a biodiversidade nos<br />
trópicos quanto para incentivar o desen-<br />
volvimento auto-sustentável.<br />
(...) A idéia de converter a dívida pela<br />
conservação da natureza foi proposta em<br />
1964 por Thomas Lovejoy, então vice-pre-<br />
sidente da WWF (Fundo Mundal para a<br />
Conservação da Natureza), nos Estados<br />
Unidos. As organizações intemacionais de<br />
conservação da natureza, incluindo a<br />
WWF, e organizações locais, como a Fun-<br />
dación Natura, discutiram essa idéia com a<br />
comunidade financeira, e até hoje dez<br />
conversões da dívida já foram realizadas.<br />
A WWF teve, participação em seis: na<br />
Costa Rica, Equador, Filipinas, Madagas-<br />
car e Zâmbia.<br />
(...) O exemplo do Equador apresenta<br />
alguns elementos importantes para o su-<br />
cesso de conversões da dívida pela con-<br />
servação da natureza. O conceito-base do<br />
programa foi idéia de Roque Sevilla, o en-<br />
tão presidente da Fundación Natura, uma<br />
organização nào-governamental equato-<br />
riana. A Fundación Natura conseguiu que<br />
o governo equatoriano concordasse em<br />
converter até US$ 10 milhões da dívida<br />
externa do país em bônus de estabilidade<br />
monetária denominados na moeda local.<br />
Esses bônus são retidos pela Fundación<br />
Natura, que aplica os juros (31% no pnmei-<br />
ro ano) no financiamento de uma série de<br />
projetos de parques nacionais, treinamento<br />
de pessoal e educação ambiental. O prin-<br />
cipal, a ser pago pelo governo equatonano<br />
em nove anos, será convertido num fundo<br />
com o qual a Fundación Natura poderá fi-<br />
nanciar programas de conservação no fu-<br />
turo, garantindo assim uma contribuição<br />
a longo prazo para proteger o meio am-<br />
biente no país. Em dezembro de 1987, a<br />
WWF usou US$ 355 mil para comprar US$<br />
1 milhão da dívida externa comercial do<br />
Equador. Em 1989 a WWF e a Nature<br />
Conservancy compraram US$ 9 milhões<br />
para completar o programa. Emitindo bô-<br />
nus em vez de dinheiro, o Equador evitou<br />
um problema potencial das conversões<br />
grandes: o efeito inflacionârb na economia<br />
do país devedor. O uso de bônus também<br />
forneceu um apoio garantido durante nove<br />
anos, que permitiu à Fundación Natura<br />
planejar programas de conservação a lon-<br />
go prazo. A criação de um Jundo perma-<br />
nente com o principal dos bônus permane-<br />
cerá uma base financeira estável para as<br />
atividades de conservação no futuro.<br />
(...) Gostaria de esclarecer alguns<br />
pontos principais sobre as conversões da<br />
dívida já concluídas:<br />
1) Essas conversões foram transações<br />
relativamente pequenas. Tiveram pouco<br />
impacto na dívida externa dos países, mas<br />
tiveram impacto significante nos progra-<br />
mas de conservação do meio ambiente<br />
dos países devedores. Qualquer impacto<br />
da dívida externa é vantagem adicional,<br />
mas isso não foi o motivo principal. ^^
2) Nenhuma conversão envolveu a<br />
compra de território por governos ou orga-<br />
nizações privadas estrangeiras.<br />
3) Os governos nos países devedores<br />
mantiveram controle sobre os aspectos fi-<br />
nanceiros e programáticos das conver-<br />
sões. Todos os governos participantes<br />
consideram esses programas de conver-<br />
são da divida do interesse do desenvolvi-<br />
mento futuro do pais.<br />
4) Sobre o efeito na soberania nacional:<br />
a) Os govemos dos países devedores<br />
perderam um certo controle da soberania<br />
quando entraram nos acordos da dívida<br />
externa. As conversões da dívida ajudam<br />
o país a aumentar o controle da soberania<br />
pela conversão da divida externa em dívi-<br />
da doméstica.<br />
b) Em vez de diminuir o controle do país<br />
devedor sobre seus recursos naturais, a<br />
conversão da dívida pela conservação do<br />
meio ambiente aumenta o controle e o ma-<br />
nejo efetivo de seus recursos naturais. Em<br />
nenhuma conversão se tratou de compra,<br />
aluguel ou transferência de recursos natu-<br />
rais para organizações estrangeiras.<br />
c) As conversões da dívida não são um<br />
veículo para as organizações do norte im-<br />
perem suas pnoridades em govemos e or-<br />
ganizações não-governamentais do pais<br />
devedor. A razão do sucesso dessas con-<br />
versões concluídas pela WWF foi o envol-<br />
vimento das organizações não-governa-<br />
mentais dos países devedores, que esta-<br />
beleceram as prioridades das conversões.<br />
5) Sobre o impacto inflacionáno das<br />
conversões, é conveniente ter em vista<br />
que elas foram tão pequenas que nenhuma<br />
até hoje criou um impacto inflacionário. Se<br />
os valores das conversões no futuro au-<br />
mentarem vários mecanismos, como a<br />
conversão em bônus em vez de dinheiro,<br />
podem ser integrados nos programas para<br />
minimizar o impacto Inflacionário.<br />
6) Uma crítica já feita às conversões da<br />
dívida diz respeito ao fato de não se levar<br />
em conta que a dívida externa é injusta e<br />
muitas vezes ilegal.<br />
É responsabilidade da população do<br />
país devedor, não de organizações exter-<br />
nas, determinar a posição de seu governo<br />
em relação a suas obrigações externas.<br />
As conversões em si não validam ou inva-<br />
lidam as obrigações da dívida.<br />
7) Quanto à crítica segundo a qual as<br />
conversões da dívida comprometem a efe-<br />
tividade das organizações não-governa-<br />
mentais em relação à política do governo,<br />
considere-se que as conversões da dívida<br />
geralmente fortalecem as organizações<br />
não-governamentais, fomecendo-lhes uma<br />
base financeira estável e aumentando seu<br />
conhecimento das áreas de desenvolvi-<br />
mento e financiamento. Com isso tais or-<br />
ganizações passam a ter mais influência<br />
na polãica de desenvolvimento e de meio<br />
ambiente em seu país.<br />
8) Uma outra critica diz que as conver-<br />
sões da dívida são implementadas por or-<br />
ganizações não-govemamentais grandes.<br />
aliadas ao governo, não abrindo espaço<br />
para as organizações pequenas.<br />
Um dos maiores desafios em arrumar<br />
uma conversão da dívida é achar organi-<br />
zações não-governamentais com condi-<br />
ções de administrar efetivamente os mi-<br />
lhões de dólares envolvidos. Essas con-<br />
versões têm sido implementadas por uma<br />
variedade de instituições, de organizações<br />
não-govemamentais independentes e até<br />
órgãos do governo que têm a capacidade<br />
de administrar o programa especifico. On-<br />
de organizações não-governamentais es-<br />
tão implementando o programa, a WWF in-<br />
clui que as organizações pequenas devem<br />
receber apoio financeiro para fortalecer<br />
sua contribuição no esforço para conser-<br />
var o meio ambiente.<br />
9) Uma outra crítica levanta a hipótese<br />
de que somente os bancos levem vanta-<br />
gem numa conversão da ávida. Os ban-<br />
cos levam vantagem, sim, mas o governo<br />
e o público dos países devedores e o melo<br />
ambiente global também levam vantagem:<br />
a) Os bancos perdem dinheiro em rela-<br />
ção aos acordos do empréstimo original.<br />
Em relação ao valor real, os bancos rece-<br />
bem o valor do mercado secundário, além<br />
da vantagem de uma dedução do dinheiro<br />
perdido, no imposto de renda.<br />
bj A vantagem para os governos deve-<br />
dores é a redução de suas obrigações em<br />
moeda estrangeira, que são convertidas<br />
em obrigações domésticas a serem pagas<br />
num prazo maior. Também os pagamentos<br />
são canalizados em atividades para forta-<br />
lecer a base econômica e a base ambien-<br />
tal do país por muitos anos.<br />
c) Os doadores, como a WWF, levam a<br />
vantagem de aumentar seus recursos in-<br />
vestidos em programas do meio ambiente<br />
nos países em desenvolvimento. Seu In-<br />
vestimento é multiplicado por muitas vezes<br />
ou mais, através da conversão.<br />
d) O importante é que os programas de<br />
conservação do meio ambiente levam a<br />
vantagem principal: dispor de uma fonte de<br />
recursos grandes a longo prazo.<br />
A comunidade conservacionista abriu<br />
um novo caminho com a conversão da dí-<br />
vida pela conservação do meio ambiente.<br />
Esse mecanismo oferece uma esperança<br />
para o fortalecimento de programas para a<br />
conservação do meio ambiente nos países<br />
devedores. Esse mecanismo já focalizou a<br />
atenção do público nesses países em pro-<br />
blemas do melo ambiente e resultou em<br />
maior cooperação entre os setores públi-<br />
cos e privados.<br />
Através desse envolvimento com con-<br />
versões da dívida os conservacionistas<br />
têm desenvolvido relações sem prece-<br />
dentes com a comunidade financeira inter-<br />
nacional. Chamaram a atenção internacio-<br />
nal à relação entre os problemas da de-<br />
gradação ambiental e a dívida externa.<br />
Talvez outras formas criativas de finan-<br />
ciamento de programas do meio ambiente<br />
sejam desenvolvidas. Por enquanto as<br />
conversões da dívida representam a me-<br />
lhor maneira de aumentar significativa-<br />
mente os recursos disponíveis em países<br />
devedores para a conservação do meio<br />
ambiente, conservando a base dos recur-<br />
sos naturais para sustentar, a longo prazo,<br />
a produtividade econômica essencial para<br />
o futuro bem-estar do país e do meio am-<br />
biente global.<br />
O Ed. S. em educação, M.A. em desenvol-<br />
vimento da instrução, Fundo Mundial para a<br />
Conservação da Natureza (WWF, EUA).<br />
Apresentado no 1* Simpósio sobre Con-<br />
servação Ambiental e Desenvolvimento Flores-<br />
tal do Cone Sul (Foz do Iguaçu, Brasi, 27 de<br />
março de 1990).<br />
AGEN-4.10.90<br />
O que pensa<br />
o seringueiro<br />
Osmarino?<br />
"Hoje a gente tem uma visão de que as<br />
pessoas que fizeram a dívida e que acham<br />
que devem receber por isso, na verdade<br />
elas vão ter de pagar pelo estrago que a<br />
dívida faz por aqui.<br />
Nós achamos que, primeiramente, te-<br />
mos de dar uma avaliada se realmente es-<br />
sa dívida foi feita com critério, se trouxe<br />
vantagens para o país ou se resultou em<br />
depredação. Alguns projetos que foram fi-<br />
nanciados para esta região foram financia-<br />
dos sem o menor critério. Nós acreditamos<br />
que, a priori, peto que a gente está perce-<br />
bendo das entidades ambientalistas que<br />
estão querendo comprar títulos da dívida<br />
pública para aplicar em questões ambien-<br />
tais, o governo brasileiro vai ter de fazer<br />
esse recurso ser gerado aqui. De forma<br />
que nós acreditamos que, as entidades<br />
querem comprar os títulos da dívida, dos<br />
bancos, das empreas, então eles estão<br />
com esse dinheiro. Alguns deles falaram<br />
para mim: "Olhe, nós vamos^ comprar títu-<br />
lo, vamos comprar florestas, vamos fazer<br />
um monte de coisas." A gente acha que<br />
não haveria necessidade de eles compra-<br />
rem esses títulos da dívida. Não precisaria<br />
passar por compra de títulos para aplicar<br />
alguma coisa aqui. Eles deveriam, antes<br />
de comprar, passar esse recurso direta-<br />
mente para as entidades que estão desen-<br />
volvendo o trabalho aqui. Então, se que-<br />
rem ajudar, não precisa ir por essa buro-<br />
cracia, sem uma segurança do que isso<br />
vai ser, E depois, é tâo irrisório o título aue<br />
eles vão comprar em relação à dívida (3%<br />
apenas, para questões ambientais) que<br />
náo vale nem a pena se discutir isso.<br />
Nós aqui não estamos embarcando
Quinzena Trabalhadores<br />
nessa discussão. 0 Conselho Nacional<br />
dos Seringueiros não é uma entidade am-<br />
bientalista, uma entidade ecológica, mas<br />
também não é uma entidade sindical. To-<br />
dos que participam do Conselho Nacional<br />
dos Senngueiros dirige um sindicato, é<br />
membro de um sindicato de trabalhadores<br />
rurais. A gente acha que essa é uma dis-<br />
cussão que não tem de ser levada adiante,<br />
e o que nos preocupa mais é que estão to-<br />
das as entidades voltadas para o conse-<br />
lho, querendo que ele dê logo uma res-<br />
posta, se vai entrar ou não. Há entidade<br />
dizendo que só vai entrar nessa questão<br />
se o conselho entrar. E nós não estamos<br />
interessados, enquanto a gente não enten-<br />
der isso muito bem.<br />
Primeiro, pelo movimento sindical, nos<br />
não reconhecemos a dívida, pois nas últi-<br />
mas décadas, de 70 até agora, a gente<br />
sabe que foram pgados na Amazônia US$<br />
800 milhões, entre os projetos Carajás e<br />
Gica. Uma série de coisas que não trouxe<br />
resultado, nenhum benefício. Então nós<br />
não queremos entrar nessa discussão<br />
sem poder envolver a sociedade, porque<br />
em qualquer discussão sobre a questão da<br />
dívida nós vamos querer que a sociedade<br />
AGEN-4.10.90<br />
Valdo França'<br />
A maior parte do movimento ecológico<br />
está alheia à discussão da proposta refe-<br />
rente à conservação da dívida externa em<br />
projetos ambientalistas.<br />
No entanto, algumas fundações ecoló-<br />
gicas articulam-se com governantes, ban-<br />
queiros, entidades internacionais, e estão<br />
organizando um consórcio para usufruir<br />
dessa nova fonte.<br />
Apesar da nobreza da causa, a concre-<br />
tização dessa proposta de forma indiscri-<br />
minada fere frontalmente as resoluções<br />
dos diversos fóruns dos movimentos so-<br />
ciais populares, sindicatos etc. que se<br />
pronunciaram e assumiram politicamente a<br />
ilegitimidade da divida externa.<br />
Estamos receptivos à conversão de tí-<br />
tulos pelo valor de mercado somente após<br />
auditona rigorosa que comprove a utiliza-<br />
ção honesta dos recursos em projetos de<br />
interesse social. Por exemplo: os títulos<br />
contraídos para construir as usinas de An-<br />
gra dos Reis e Itaipu, a Transamazõnica,<br />
Balbina, Perimetral Norte, indústrias de<br />
armas e outras barbaridades irreversíveis<br />
não devem ser honrados. Aceitar a con-<br />
versão simplesmente é legitimar o mon-<br />
tante da dívida externa, que é o maior ob-<br />
jetivo dos banqueiros internacionais e das<br />
tenha participação.<br />
A questão da Amazônia não é uma<br />
questão> isolada dos outros problemas do<br />
BrasiL É uma questão que é muito interli-<br />
gada às outras, e nós não vamos querer<br />
prejudicar parte da sociedade simples-<br />
mente por uma questão ambiental. Para<br />
nós, a discussão primeiro passa pela<br />
questão fundiária, pela questão social. Nós<br />
acreditamos que só vai haver defesa da<br />
questão ecológica quando a terra for tirada<br />
da mão de poucas pessoas que a pos-<br />
suem. Aí poderemos começar a discutir<br />
realmente progresso e desenvolvimento. A<br />
terra é muito concentrada, principalmente<br />
na Amazônia. No Acre, que tem 15 mi-<br />
lhões de hectares de terra, dez pessoas<br />
se dizem donas de oito milhões. É difícil<br />
discutir como desenvolver um trabalho na<br />
questão ecológica se não se resolve o<br />
problema econômico das pessoas que fa-<br />
zem a defesa dessa floresta, os índios, os<br />
seringueiros, os ribeirinhos."<br />
Depoimento de Osmarino Amâncio Rodrigues<br />
para o programa "Nave Terra", da rádio municipal<br />
de Piracicaba (FM), promovido pela Sociedade de<br />
Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (Sode-<br />
map/Apedema).<br />
w<br />
Ecologismo marrom<br />
elites dirigentes do pais, descomprometi-<br />
das com a sociedade dos descamisados.<br />
O compromisso do pagamento da dívi-<br />
da extema de forma indiscriminada é a<br />
perpetuação do calvário de miséria, fome e<br />
marginalidade, o fim do futuro e da cidada-<br />
nia para cem milhões de brasileiros.<br />
Essas mesmas elites agrupadas nas<br />
grandes entidades ecológicas estão cada<br />
vez mais distantes do verdadeiro ecolo-<br />
gismo, que se propõe libertário e transfor-<br />
mador da sociedade injusta, autoritária,<br />
consumista e exploradora da natureza.<br />
KING ONGs<br />
O consórcio pró-conversão da dívida<br />
externa foi criado de forma isolada e não-<br />
transparente por 13 grandes entidades.<br />
A direção do consórcio está a cargo da<br />
Funatura, que é dirigida por Maria "Triste-<br />
za" Jorge Pádua. Essa fundação assom-<br />
brou o movimento ecológico quando apre-<br />
sentou entre seus benfeitores empresas e<br />
entidades mais do que suspeitas: Dow<br />
Química, Andef (lobby dos agrotóxicos).<br />
Associação Brasileira de Caça, Aracruz,<br />
Ripasa e Roberto Klabin (lobby de celulo-<br />
se), Companhia Brasileira de Cartuchos,<br />
Cesp e Eletropaulo (décimo lugar na "Lista<br />
Suja" eleita no 5 Ç Congresso Paulista de<br />
Ecologistas e Pacifistas de São Paulo).<br />
S.O.S. CAIÇARAS DA MATA<br />
ATLÂNTICA<br />
A Fundação S.O.S. Mata Atlântica, uma<br />
das integrantes do "consórcio marrom", já<br />
apresenta em seu cumculo uma denúncia<br />
muito séria. O Movimento São Sebastião<br />
Tem Alma denunciou recentemente, na<br />
Assembléia Legislativa de São Paulo, o<br />
pedido da Fundação S.O.S. Mata Atlântica<br />
junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio<br />
Ambiente) e à Secretaria do Meio Am-<br />
biente de São Paulo, pelo aforamente de<br />
21 ilhas na costa de São Paulo.<br />
Nenhuma entidade popular congregado-<br />
ra de olhéus, caiçaras e ecologistas foi<br />
convidada para discutir o projeto da referi-<br />
da fundação para as ilhas em questão.<br />
Outros participantes do "consórcio mar-<br />
rom": Associação em Defesa da Juréia,<br />
Sociedade em Defesa do Pantanal, Socie-<br />
dade de Pesquisa em Meio Ambiente, So-<br />
ciedade Brasileira de Espeleologia, So-<br />
prem (Sociedade de Preservação da Natu-<br />
reza), Fundação Biodiversitas, Fundação<br />
Ecotrópica do Pantanal, FBCN (Fundação<br />
Brasileira de Conservação da Natureza),<br />
Movimento Onda Azul, Oikos e Fundação<br />
Nacional de Ação Ecológica.<br />
Parte significativa desse conjunto de<br />
entidades tem aparecido constantemente<br />
na mídia eletrônica vinculada à propaganda<br />
de bancos, cademetas de poupança,<br />
jeans, celulose e outros produtos, com o<br />
objetivo de transferir a "imagem ecológica"<br />
em troca de rendimentos.<br />
O tema dívida extema é muito delicado<br />
e complexo para ser tratado por uma dúzia<br />
de entidades pouco representativas da so-<br />
ciedade.<br />
Cabe ao conjunto de ONGs ambienta-<br />
listas brasileiras promover um fórum espe-<br />
cial para discutir politicamente o encami-<br />
nhamento da questão para não ficarmos à<br />
margem da história e pecarmos contra os<br />
anseios da sociedade.<br />
Toda a luta e a expectativa da socieda-<br />
de por uma democracia transparente e<br />
participativa está sendo colocada no lixo<br />
por essas elites.<br />
ECOLOGISMO AUTÊNTICO<br />
A preservação da floresta Amazônica,<br />
Pantanal, mata Atlântica e todos os patri-<br />
mônios da ecologia nacional são funda-<br />
mentais a nosso projeto de sociedade.<br />
Se a preservação de nossas florestas<br />
condiz com as necessidades climáticas do<br />
planeta, é razoável que todos os países ri-<br />
cos participem e colaborem, não só com a<br />
preservação de áreas de valor ecológico<br />
mas também no manejo sustentado e na<br />
recuperação de áreas desfiorestadas,<br />
através da implantação de bosques produ-<br />
tivos.<br />
Não há dúvida: a ciência já mostrou o<br />
tamanho oa ignorância e ao descalabro<br />
sócio-econômico que foram os projetos<br />
agropecuários na Amazônia. Destruíram<br />
florestas ricas em castanheiras, açaizei-
os, seringueiras e muitas outras essên-<br />
cias de potencialidade extrativista presente<br />
e futura.<br />
O desenvolvimento dessas florestas,<br />
com fmteiras nativas, pode garantir uma<br />
produção em média de meia tonelada de<br />
alimentos por hectare ao ano, doze metros<br />
cúbicos de madeira de lei, além de diver-<br />
sas outras essências de valor econômico.<br />
Essas áreas ocupadas com pastagens<br />
produzem, após o terceiro ano, menos de<br />
cem quilos de carne por hectare ao ano, o<br />
que as toma antieconômicas.<br />
Greves<br />
GE-CAMPINAS<br />
Os trabalhadores da General Eletric<br />
de Campinas, SP suspenderam a greve<br />
dia 23 de outubro, depois de 26 dias<br />
parados. O Sindicato dos Metalúrgi-<br />
cos tenta negociar a readmissão de 56<br />
metalúrgicos, o pagamento dos dias<br />
parados e maior liberdade de organi-<br />
zação sindical. Os patrões endurece-<br />
ram, não querem atender as reivindi-<br />
cações e não reconhecem a perda sala-<br />
rial de 144,61%. A empresa concedeu<br />
só 15% em setembro, 15% em outubro<br />
e 10% em novembro e, mesmo assim,<br />
a título de "antecipação salarial".<br />
GM-SP<br />
Após dois dias de greve, os 7 mil<br />
metalúrgicos da General Motors de<br />
São Caetano do Sul, SP, decidiram<br />
retomar ao trabalho no dia 19 último.<br />
Os trabalhadores reivindicavam 33% e<br />
conquistaram apenas 25% sobre os<br />
salários de setembro, 15 dias de férias<br />
para os metalúrgicos que permanece-<br />
ram 34 dias em licença remunerada<br />
em abril e maio e calendário para dis-<br />
cussão dos estatutos da comissão de<br />
fábrica.<br />
METALÚRGICOS DO RIO<br />
Até o fechamento deste n- da<br />
Quinzena, dia 26.10, os metalúrgicos<br />
do Rio continuavam em greve, com-<br />
pletando 14 dias de paralisação. Des-<br />
de o início da greve, houve paralisa-<br />
ções da Via Dutra e manifestações na<br />
Av. Brasil, com enfrentamento da po-<br />
luía que, inclusive, baleou três operá-<br />
rios na fábrica QRPRESS de compo-<br />
Os povos da floresta, seringueiros,<br />
castanheiros, agricultores das vazantes e<br />
índios, não só vivem como também lutam<br />
em defesa da natureza, sabendo que dela<br />
dependem para viver.<br />
Quem possibilitou a abertura da BR-364<br />
e de Rondônia aos incendtòrios foram os<br />
próprios agentes financeiros internacionais<br />
e a classe política dirigente, interessada na<br />
pilhagem da madeira, minérios e na latífun-<br />
dizaçáo da região.<br />
O desmatamento irracional é arma po-<br />
derosa contra o homem libertário, que tem<br />
nentes eletrônicos. Os metalúrgicos<br />
reivindicam 247% de reposição sala-<br />
rial e a categoria já rejeitou a proposta<br />
da FDUAN de 136%.<br />
PORTUÁRIOS DE SANTOS-SP<br />
Os 9000 portuários, em greve des-<br />
de o dia 8 de outubro, autorizaram o<br />
secretário nacional de transportes<br />
Henrique Amorim a encaminhar ao<br />
Ministério da Economia a proposta de<br />
incorporação gradual e mensal de Cr$<br />
20,000 já oferecidos. Os patrões só<br />
aceitam a incorporação após janeiro.<br />
BRAHMA E ANTARCTICA<br />
Os funcionários da Brahma aceita-<br />
ram a proposta de reajuste salarial<br />
apresentada pela empresa no dia 26 de<br />
outubro e voltaram ao trabalho dia 29<br />
último. Os trabalhadores conquistaram<br />
reajustes que variam de 80% a 45%,<br />
de acordo com a faixa salarial. O piso<br />
salarial passa para Cr$ 25 mil.<br />
Além do reajuste, a Brahma criou<br />
uma política salarial própria que prevê<br />
reajustes trimestrais de 80% do índice<br />
de Preço ao Consumidor (IPC), acu-<br />
mulado no trimestre. O primeiro rea-<br />
juste será feito em janeiro do próximo<br />
ano.<br />
Já os funcionários da Antarctica<br />
continuam rejeitando a proposta da<br />
empresa e mantêm a paralisação ini-<br />
ciada em 22 de outubro. A última<br />
proposta da Antarctica é reajuste de<br />
52% e reposição trimestral de 80% da<br />
variação do IPC, acrescentando um<br />
abono de Cr$ 3 mil, que saia pago<br />
em novembro.<br />
ELETKICITÁRIOS DO RIO<br />
Os 600 funcionários da CERJ en-<br />
traram em greve dia 22 de outubro por<br />
360% de reajuste sobre os salários de<br />
março. Até o dia 23 último, os patrões<br />
mantinham contraproposta de 60% em<br />
no extrativismo a saída para fugir das rela-<br />
ções escravagistas do trabalho na cidade<br />
e nas fazendas.<br />
Cabe ao povo através de suas organi-<br />
zações populares, informar-se para exer-<br />
cer bem o direito de voto, a fim de escolher<br />
seus representantes poUücos e com eles<br />
participar da orientação do desenvolvi-<br />
mento do país, com responsabüdade eco-<br />
lógica e justiça social<br />
CVaêdo França) é anganhato agrônomo e<br />
fundador da Eacoia Urra da Agricultura Eco-<br />
lógica (ELAE).<br />
outubro, 17% em novembro e 4% de<br />
produtividade, e os trabalhadores, por<br />
sua vez, mantêm a greve.<br />
MOTORISTAS<br />
DE PORTO ALEGRE<br />
Durou três dias a greve dos 10 mü<br />
motoristas e cobradores daquela capi-<br />
tal, que reivindicavam 84% de rea-<br />
juste salarial. Oiívio Dutra, prefeito<br />
(PT), disse ter suspeitas de que a pa-<br />
ralisação tenha sido planejada pelas<br />
próprias empresas que queriam o au-<br />
mento das passagens.<br />
MOTORISTAS DE BH<br />
Os motoristas de Belo Horizonte<br />
terminaram a greve dia 11 de outubro<br />
conquistando antecipação de 26%,<br />
embora a categoria reivindicasse 78%<br />
Os salários da categoria passaram a<br />
ser os seguintes: Motoristas Cr$<br />
34.200 mil, despachantes Cr$ 21.818<br />
mil, fiscal Ci$ 18.473 mil e trocador<br />
Cr$ 15.272 mü.<br />
BANCO CENTRAL<br />
Em 22 de outubro os funcionários<br />
do Banco Central em Brasília decidi-<br />
ram rejeitar a proposta de 15% apre-<br />
sentada pelo ministro do TST e conti-<br />
nuam em greve. Os trabalhadores rei-<br />
vindicam 80% e querem ser reconhe-<br />
cidos como bancários e não como<br />
funcionários públicos.<br />
OPERÁRIOS DA OAS<br />
Os operários da OAS localizada em<br />
Salvador, BA, deflagraram uma greve<br />
por tempo indeterminado dia 24 de<br />
outubro, nos canteiros de obra da em-<br />
presa que detém quase 50% dos em-<br />
preendimentos imobiliários em Salva-<br />
dor. As reivindicações são: o cumpri-<br />
mento do acordo de janeiro mais o<br />
dissídio de março, fim das demissões<br />
em massa e do desconto dos 13 dias<br />
parados durante a greve da categoria<br />
em agosto último.
Quinzena Economia<br />
Suma Econômica - Julho/90<br />
Os Próximos Anos na Economia Brasileira<br />
Os principais fatores de longo prazo que impulsiona-<br />
ram a indústria nos útimos trinta anos continuam presen-<br />
tes: (1) forte expansão das fronteiras agrícolas e minerais;<br />
(2) o processo de integração do mercado interno e abertu-<br />
ra para as exportações; (3) o gap tecnológico e gerencial<br />
em relação aos países mais desenvolvidos; (4) a migração<br />
e urbanização; e (5) a mentalidade pró-desenvolvimento.<br />
A indústria brasileira, desde a II Guerra, sempre apre-<br />
sentou taxas expressivas de crescimento. Até a década de<br />
70, acreditava-se que o período compreendido entre 1950<br />
e 1960 fosse o marco histórico de maior crescimento in-<br />
dustrial. Nestes anos, a produção se multiplicou por 2,59.<br />
Entretanto, de 1968 a 1976, a produção apresentou um<br />
novo recorde de expansão. No decorrer destes 8 anos, ela<br />
se multiplicou por 2,65.<br />
Nos próximos anos, ainda que o PEB e a produção in-<br />
dustrial cresçam a taxas elevadas, o produto potencial da<br />
economia brasileira permanecerá abaixo da sua média<br />
histórica. Logo, é razoável esperar que, nos anos seguin-<br />
tes a 1991, o PIB e, particularmente, a produção indus-<br />
trial, alcancem valores próximos aos obtidos na década<br />
passada.<br />
A industrialização brasileira é relativamente recente e<br />
muito dinâmica. Devido a isto, a estrutura da produção<br />
industrial brasileira muda muito depressa.<br />
Oscilações Bruscas de Tendências<br />
A principal característica das vendas do comércio e da<br />
produção industrial, no decorrer dos últimos dez anos,<br />
tem sido a de mudanças bruscas nas tendências de vendas<br />
do varejo, com um impacto direto sobre a produção in-<br />
dustriai e, conseqüentemente, sobre o fluxo de caixa das<br />
empresas.<br />
Nos próximos anos, as empresas devem estar prepara-<br />
das para continuarem convivendo com as mesmas oscila-<br />
ções.<br />
Tendências e Oportunidades no Curto e Médio Prazos<br />
Considerando a situação atuai, as principais tendências<br />
e oportunidades são as seguintes:<br />
1. Em uma situação recessiva não se deve tentar ganhar<br />
morket shore (mercado compartilhado) com uma polí-<br />
tica de preços deprimidos. Pelo contrário, as empresas<br />
precisam manter as margens e garantir lucros. A expe-<br />
riência da década de 80 mostrou que todas as empresas<br />
que procuram ganhar morket shore com uma política<br />
de preços baixos acabaram por entrar em séria crises<br />
de liquidez, com falta de capital de giro que muitas ve-<br />
zes levaram as empresas à concordata ou a uma brutal<br />
redução no nível de atividades.<br />
2. Em uma situação de crise deve-se ganhar morket shore<br />
não com preços, mas com a segmetação e identificação<br />
dos clientes nos setores da economia que menos per-<br />
dem com a situação recessiva, já que a recessão não é<br />
um fenômeno uniforme para todas as empresas.<br />
3. A recomposição da massa salarial a partir do final de<br />
setembro deve permitir uma recuperação nas vendas do<br />
varejo no decorrer dos últimos meses do ano. Esta si-<br />
tuação irá beneficiar principalmente as empresas pro-<br />
dutoras de bens de consumo, que farão caixa com o<br />
aumento das vendas para o varejo e com a diminuição<br />
dos seus estoques de insumos e matérias-primas. Re-<br />
comenda-se a aplicação dos excessos de caixa no mer-<br />
cado financeiro até o fim de novembro e a recomposi-<br />
ção dos estoques a partir de dezembro, quando a de-<br />
manda por bens intermediários ainda estará muito fraca<br />
e, conseqüentemente, se poderá começar a recomposi-<br />
ção de estoques a preços bastante baixos.<br />
4. A industria de bens intermediários tende a aumentar as<br />
suas vendas só a partir do início do ano que vem,<br />
quando os estoques das indústrias estarão em níveis<br />
muito baixos.<br />
5. As vendas do varejo, que sazonalmente já são baixas<br />
no primeiro trimestre, tendem a se aprofundar ainda<br />
mais nos primeiros meses do ano que vem, porém, te-<br />
ráo uma forte recuperação a partir de abril e maio do<br />
oróximo ano.<br />
6. O risco de uma nova aceleração inflacionária é muito<br />
alto, se o país tiver uma nova frustração de safra na<br />
colheita 1990/1991. Os estoques reguladores do go-<br />
verno praticamente já não existem. Os estoques atual-<br />
mente estão nas mãos dos atacadistas, distribuidores e<br />
produtores. Uma frustração de safras provocará uma<br />
brutal pressão altista sobre os preços dos alimentos e<br />
sobre a inflação. Logo, o governo terá que liberar re-<br />
cursos para o plantio da próxima safra mesmo para os<br />
agricultores que não rolarem suas dívidas com o Banco<br />
do Brasil, já que o país não pode correr o risco de uma<br />
nova frustração de safra.<br />
7. A tendência principal para a economia em 1991 é para<br />
um crescimento entre 3% e 5%. O crescimento deve<br />
ser "puxado" principalmente por uma necessidade de<br />
recomposição de estoques no mercado interno como,<br />
provavelmente, por um crescimento das exportações, já<br />
que o dólar precisará ser desvalorizado para que se ge-<br />
re saldos comerciais suficientes para se pagar o custo<br />
adicional de importações de petróleo e pelo menos, al-<br />
go em tomo de US$ 3 bilhões aos bancos estrangeiros.<br />
8. Em termos de investimentos, considerou a melhor al-<br />
ternativa, para os próximos seis meses, investimentos<br />
em terrenos comerciais ou residenciais urbanos, assim<br />
como fazendas no interior de São Paulo, Sul e Minas e<br />
Centro-Oeste, pois a queda na renda agrícola, neste<br />
ano, depreciou exageradamente o preço destes ativos.<br />
O aumento da renda agrícola, a partir da safra em mar-<br />
ço de 1991, tende a valorizar muito os preços destes<br />
ativos.<br />
9. Recomendamos, também, investimentos em dólares (ou<br />
melhor, em marcos alemães, já que a Alemanha paga,<br />
hoje, a maior taxa de juros reais do mundo Ocidental<br />
para aplicações e o marco alemão tende a continuar se<br />
valorizando) e em ações. Destaco o fato das empresas<br />
em Bolsas, em geral, serem as maiores e líderes de<br />
mercado, que tendem a se beneficiar de um processo<br />
de concentração. Além disso, se efetivamente se extin-<br />
guirem as ações preferenciais, os preços do mercado se<br />
elevarão muito.<br />
10. Por fim, é importante considerar que a economia in-<br />
ternacional continuará em expansão neste ano e no<br />
próximo, devido à integração de mercados. O impacto<br />
da elevação dos preços do petróleo só atingirá em<br />
cheio a economia americana.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA O SEU<br />
PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO<br />
1. COMÉRCIO<br />
1.1 Uma classe média crescente, nos principais centros<br />
urbanos, principalmente na região Centro-Sul. A re-<br />
gião compreendida e integrada por Grande São Paulo<br />
- São Paulo interior - Grande Rio e Sul fluminense,<br />
Norte do Paraná, Sul de Minas e Grande Belo Hori-<br />
zonte, continuará sendo a região mais rica do país.<br />
Deverá inclusive, aumentar a concentração de renda<br />
em favor desta região. Bolsões: Vale do Itajaí, DF,<br />
Porto Alegre.<br />
1.2 Haverá uma classe média afluente no campo. Con-<br />
centrada na seguinte região: interior de São Paulo,<br />
Norte do Paraná, Sul de Minas, Mato Grosso do Sul,<br />
Goiás (bolsões) e Rio Grande do Sul (bolsões).<br />
1.3 Tendência a especialização por parte do comércio (ao<br />
contrário do que ocorreu na década de 70) e a busca<br />
de comodidade por parte do consumidor.<br />
2. INDÚSTRIA DE PONTA<br />
2.1 Informatização e robotização, apesar da mão-de-obra<br />
continuar muito barata. A opção será por se manter<br />
na "ponta" e não perder o "pulo tecnológico" - já<br />
que, com freqüência, a solução não será econômica.<br />
2.2 A criação de um pólo dinâmico de química fina, de-<br />
vido as grandes vantagens que serão oferecidas pelo<br />
governo.<br />
3. AS MAIS RENTÁVEIS<br />
3.1 Construção Civil<br />
Será uma das mais rentáveis até o final do século. O<br />
déficit atual de moradias e o crescimento da renda fa-<br />
rá com que, nos próximos dez anos, surjam mais em-<br />
presários ricos, no setor, do que na década de 70.<br />
3.2 Eletrônicos e Comodidades<br />
Vendas e lucros em rápida expansão. Televisores, vf-<br />
dio-cassetes, stereo, discos, refrigeradores, ar condi-<br />
cionado, etc. Maior participação da família no traba-<br />
lho doméstico.<br />
3.3 Fast Food e Diversões<br />
Comidas Congeladas. Refeições fora de casa. Fitas e<br />
discos, fotos, etc. Música, teatro, etc.<br />
3.4 Material para Embalagem<br />
Matérias plásticas e produtos para embalagem<br />
devido ao crescimento da renda.<br />
3.5 Extrativa Mineral<br />
Foi o setor que mais cresceu na última década. Pagos<br />
os custos de prospecção, a receita e os lucros da ex-<br />
ploração são exponenciais.<br />
4. AS TRADICIONAIS<br />
4.1 Alimentos e Bebidas<br />
Consumo de alimentos proteicos crescendo 5% a 7%<br />
acima do crescimento da população. Maior consumo<br />
de proteínas animais. Maior participação do frango na<br />
oferta de carnes. Consumo de aguardentes crescendo<br />
na média da PEA. Consumo de bebidas quentes (ex-<br />
aguardente) crescendo 6% acima da PEA. Refrige-<br />
rantes, cervejas e sucos em expansão acelerada.<br />
4.2 Vestuário e Têxteis<br />
Crescimento médio de acordo com a média histórica.<br />
4.3 Metalúrgico<br />
Mantendo a correlação com o PIB dos últimos 16<br />
anos.<br />
5. BENS DE CAPITAL<br />
Crescendo acima dos valores apresentados na tabela<br />
de correlação com o PIB.<br />
iO^O 05<br />
^OSH^^
InfommOvo DMdm Externa n'27<br />
O MUNDO EM BLOCOS<br />
Nova ordem econômica mtenmcional marginaliza o terceiro mundo<br />
u m dos temas mais comentados<br />
na economia mundial é a formação<br />
de grandes blocos econômicos. O que<br />
são estes blocos, qual sua relação com<br />
a divida externa, quais as conseqüências<br />
para os países do Terceiro Mundo?<br />
1 • A formação dos blocos<br />
Diz-se que a velha economia interna-<br />
cional está morta. A força econômica está<br />
na movimentação da moeda, do dinheiro.<br />
Os mercados tendem a ser regionais e glo-<br />
bais, não centralmente nacionais. Os Esta-<br />
dos Unidos ainda são a grande e maior po-<br />
tência econômica. São o primeiro devedor<br />
na história financeira cuja divida deverá<br />
ser paga em sua própria moeda. Em 1989,<br />
o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA<br />
foi de 5,1 trilhões de dólares. O PIB das<br />
duas Alemanhas chegou a 1,5 trilhões de<br />
dólares. Tudo indica que estão se forman-<br />
do (rês grandes blocos econômicos entre<br />
os países ricos. O primeiro comandado pe-<br />
los ELA e Canadá, buscando controlar e<br />
integrar os mercados do México e da Amé-<br />
rica do Sul. O segundo grande bloco (tal-<br />
vez o maior se dá na união européia, que<br />
prepara sua unificação econômica para o<br />
dia 31 de dezembro de 1992. Um aconteci-<br />
mento que, na prática, significa a criação<br />
de um gigantesco mercado de 320 milhões<br />
de consumidores — ultrapassando em 100<br />
milhões o americano. Um terceiro bloco é<br />
formado pelo Japão, Coréia, Austrália,<br />
Hong-Kong, Filipinas. Os japoneses, por<br />
exemplo, tem seu potencial econômico ba-<br />
seado na exportação. O Japão obteve nos<br />
últimos quatro anos a maior taxa de cresci-<br />
mento do produto nacional, comparado<br />
com a Europa e os Estados Unidos. Só os<br />
japoneses têm 66 bilhões de dólares aplica-<br />
dos em investimentos diretos nos EUA.<br />
São investimentos na área eletrônica, auto-<br />
móveis, comunicações, etc.<br />
Acompanha a formação destes grandes<br />
blocos econômicos, a transferência dos ne-<br />
gócios que, de multinacionais, passaram a<br />
ser transnacionais. A multinacional tradi-<br />
cional, inventada na metade do século deze-<br />
nove por industriais alemães e americanos,<br />
é formada por uma companhia matriz com<br />
filiais no exterior. A matriz planejava e fa-<br />
bricava para o mercado doméstico. As fi-<br />
liais não faziam projetos, fabricavam local-<br />
mente os produtos que a matriz projetava<br />
e os vendiam em seus próprios mercados.<br />
Na empresa transnacional, o planejamen-<br />
to pode ser efetuado em qualquer lugar<br />
dentro do sistema. Por exemplo, uma gran-<br />
de indústria farmacêutica fabrica e vende<br />
remédios em 164 países, mas todo o seu tra-<br />
balho de fermentação é realizado em uma<br />
só fábrica, na Irlanda. Seus laboratórios<br />
de pesquisa se localizam em seis países dife-<br />
rentes.<br />
Ou seja, grandes grupos econômicos<br />
transnacionais passam a concentrar e domi-<br />
nar mercados, tecnologias, pesquisas e, o<br />
que é mais importante, o lucro, fluxo do<br />
dinheiro. Neste sentido os blocos econômi-<br />
cos servem muito bem para garantia de<br />
mercado, protege-se das crises econômicas<br />
mundiais, de,5egurança no abastecimento<br />
— principalmente alimentar. Então, já po-<br />
de-se raciocinar em termos de blocos econp -<br />
micos e sua interligação através das empre-<br />
sas transnacionais. Matéria prima e mão-<br />
de-obra barata já não são mais os fatores<br />
determinantes dos investimentos e contro-<br />
le do mercado. O domínio da tecnologia<br />
de ponta e a capacidade administrativa é<br />
que estão dando os rumos da economi"<br />
mundial.<br />
2. E o Brasil ?<br />
A história econômica do Brasil, em espe-<br />
cial dos seus últimos governos, tem demons-<br />
trado políticas extremamente limitadas e<br />
dependentes. Desde os tempos do descobri-<br />
mento do Brasil que os governos vem reco-<br />
nhecendo a dívida externa e implementan-<br />
do modelos econômicos para tentar pagar<br />
os juros. Nos últimos governos (1964 para<br />
cá) esta estratégia tem se intensificado. O<br />
centro destas estratégias era integrar « (ou<br />
entregar-se) à lógica da economia interna-<br />
cional, seguindo receitas e regras impostas<br />
pelos governos, dos países ricos e grandes<br />
grupos econômicos e financeiros. Como<br />
uma das graves conseqüências destes mode-<br />
los foi o aumento dos desequiUbrios inter-<br />
nos, aumentando as desigualdades sociais<br />
e os problemas básicos da maioria da popu-<br />
lação.<br />
Na verdade estes modelos não protege-<br />
ram a economia brasileira, tornaram-na<br />
mais vulnerável, dependente. Não resolve-<br />
ram os problemas internos e muito menos<br />
a problemática do endividamento externo.<br />
O grau de liberdade de políticas econômi-<br />
cas internas ficou bastante reduzido. Bas-<br />
ta observar o atual governo e a continuida-<br />
de da subordinação ao FMI. Nos últimos<br />
anos, foram aplicados três linhas básicas:<br />
a substituição das importações, a promo-<br />
ção de exportações e a entrada de recursos<br />
financeiros externos. Ou seja, produzir<br />
mais internamente, exportar mais e buscar<br />
dinheiro de fora (endividar-se). Evidente-<br />
mente que para cada situação havia um dis-<br />
curso e justificativas "coerentes" e, aponta-<br />
vam para o "enriquecimento e fortaleci-<br />
mento" do Brasil potência. Em síntese, a<br />
fórmula adotada foi a modernização sem<br />
alterar as estruturas (econômico, poder),<br />
abertura da economia para o capital estran-<br />
geiro, dependência da economia internacio-<br />
nal, aumento da dívida externa e agrava-<br />
mento de estruturas aberrantes de riqueza,<br />
renda e poder.<br />
3. A Internacionalização<br />
O Brasil tem uma das mais internaciona-<br />
lizadas economias do mundo. E um dos<br />
países com mais elevado grau de inserção<br />
econômica internacional. Dizer que a eco-<br />
nomia brasileira necessita de uma maior<br />
abertura não tem sentido. A história econô-<br />
mica brasileira mostra claramente dois as-<br />
pectos importantes. Primeiro, o capital es-<br />
trangeiro sempre esteve presente no Brasil<br />
nas diferentes fases do processo de cresci-<br />
mento econômico. Segundo, os governos<br />
brasileiros sempre tiveram uma política li-<br />
beral com relação ao capital estrangeiro,<br />
com tratamento privüegiado. A atual Cons-<br />
tituição federal, artigo 176. resguarda a<br />
pesquisa e lavra de recursos naturais que<br />
deve ser feita por empresas brasileiras de<br />
capital nacional e a reserva de mercado<br />
no setor da informática. Os dados da tabe-<br />
la 1 mostram claramente que o Brasil tem<br />
uma das mais internacionalizadas econo-<br />
mias do mundo. As empresas transnacio-<br />
nais participam em 32% da produção e 23%<br />
do emprego na indústria de transformação<br />
no Brasil (fábricas deautomóveis, eletrodo-<br />
mésticos, etc). Este percentual só é supera-<br />
do, no caso dos países desenvolvidos, pela<br />
Bélgica e pelo Canadá.
Quinzena<br />
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DE<br />
EMPRESAS TRANSNACIONAIS<br />
NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO:<br />
PAlSES SELECIONADOS<br />
Produção Emprego<br />
Austrália 28.7 23.6<br />
Áustria 22.7 21.8<br />
Bélgica 44.0 38.0<br />
Canadá 56.6 4A.3<br />
Dinamarca 8.8 n.d<br />
Finlândia 2.7 3.3<br />
Itália 23.8 18.3<br />
Noruega 10.4 6.7<br />
Espanha 11.2 n.d<br />
Suécia 7.3 5.7<br />
Grã-Bretanha 21.2 13.9<br />
França 27.8 19.0<br />
Alemanha 21.7 16.8<br />
Japão 4.2 1.8<br />
Estados Unidos 11.5 7.3<br />
Atla<br />
Hong-Kong 13.9 9.8<br />
índia 7.0 13.0<br />
Coréia do Sul 19.3 9.5<br />
Malásia 44.0 19.7<br />
Filipinas n.d 8.6<br />
Cingapura 62.9 54.6<br />
Formosa n.d 16.7<br />
América Latina<br />
Argentina 29.4 18.9<br />
BRASIL 32.0 23.0<br />
Chile 28.0 n.d<br />
Colômbia 29.0 n.d<br />
México 270 21.0<br />
Peru 25-2 13-5<br />
Uruguai 11-5 n.d<br />
Venezuela 35.9 n.d<br />
FONTES: UNCTC (1988) Tabela X.1 e Safarian<br />
(1983) Tabela 2.<br />
NOTAS: Os -dados referem-se, na maior parte<br />
dos casos, ao final dos anos 70. (n.d) não dispo-<br />
nfv«l.<br />
Comparando ainda o Brasil com os Esta-<br />
dos Unidos, os dados da tabela 2, referen-<br />
tes à participação das multinacionais no<br />
emprego, indicam que no setor da minera-<br />
ção têm uma importância relativa maior<br />
do que as multinacionais atuando neste<br />
mesmo setor nos EUA. No conjunto, cons-<br />
tata-se, que a participação destas empresas<br />
no emprego total é maior no Brasil.<br />
Participação Percentuai de Emoresas Transnacionais<br />
No Emprego no Brasil e Nos Estados Unidos<br />
(Eicluindo d setor de bancos comerciais) (a)<br />
Brasil EUA<br />
Industria de Translormaçáo 23.0 7,0<br />
Mineração 11,0 6.4<br />
Agricultura e Pecuária 1.7 1,0<br />
Transporte 1.4 2,6<br />
Comércio 1.4 3,6<br />
Construção 4.3 0,8<br />
Serviços 2,2 u<br />
total *m 36<br />
NOTAS;<br />
(ai Os dados não são perfeitamente comparáveis<br />
visto que para os EUA tomou-se o universo de<br />
empresas, enquanto que para o Brasil os dados<br />
referentes ao conjunto de grandes empresas.<br />
(b) Média ponderada. Supõe-se que a indústria de<br />
transformação participa em 16.0% no pessoal<br />
ocupado.<br />
Supõe-se também uma participação de 16% pa-<br />
ra o conjunto de todos os outros setores men-<br />
cionados, exceto agricultura e agropecuária.<br />
Utilizando os pesos acima e supondo ainda<br />
uma participação média de ETs de 2.0% nos<br />
setores mencionados e uma participação nula<br />
na agricultura e agropecuária, chegamos a 4.0%<br />
(0.16X23.0 + 0.16X2.0).<br />
Em termos de perspectivas pode-se apon-<br />
tar dificuldades de grandes investimentos<br />
estrangeiros no Brasil, enquanto durar a<br />
crise econômica que gera riscos, incertezas.<br />
As multinacionais estão mostrando uma<br />
tendência de utilização crescente de fundos<br />
gerados no país onde já estão instalados.<br />
Isto significa uma maior remessa de lucros<br />
do que entradas de investimentos. Em se-<br />
gundo lugar, é possível que sejam altera-<br />
das algumas normas e políticas administra-<br />
•'vas que regulam a presença da empresa<br />
estrangeira. Terceiro, deverá ocorrer algum<br />
tipo de liberalização gradual a nível seto-<br />
rial. Na indústria de transformação o pri-<br />
meiro alvo é a informática. No setor de ser-<br />
viços deverá ocorrer mudança na área fi-<br />
nanceira, bem como na construção pesa-<br />
da e montagem industrial. O determinan-<br />
te mais importante deverá ser a pressão exer-<br />
cida pelo governo norte-americano no con-<br />
texto da dívida externa, protecionismo e<br />
reserva de mercado.<br />
4. Dívida Externa é<br />
mecanismo de pressão<br />
Mais uma vez a dívida externa é usada<br />
como mecanismo de pressão e poder políti-<br />
co para intervir nas economias dos países<br />
endividados. É na América do Sul que os<br />
Estados Unidos têm hoje condições de com-<br />
petir com mais vantagem contra os Euro-<br />
peus e os Japoneses. Mas há um grande<br />
obstáculo: os mercados da América do Sul<br />
perderam sua capacidade de comprar, ato-<br />
lados nos encargos da dívida externa. Gran-<br />
des exportadores para a América do Sul,<br />
os Estados Unidos são também seus gran-<br />
des credores (tem muito a receber). Há,<br />
pois, um impasse e há crise econômica.<br />
São as contradições, talvez, do próprio<br />
modelo de endividamento externo impos-<br />
to pelos países e pelos banqueiros ricos.<br />
Evidentemente contando com a "ajuda"<br />
dos nossos governos que vêm trabalhando<br />
com modelos agroexportadores, com arro-<br />
cho salarial, corte do consumo, etc.<br />
Na hora em que a Europa investe no<br />
Leste Europeu, se unifica, que os EUA<br />
buscam a América do Sul como grande re-<br />
serva de mercado. Mas para criar estas con-<br />
dições para os EUA é preciso eliminar obs-<br />
táculos. E o grande obstáculo hoje é a dívi-<br />
da externa, esta é a realidade.<br />
A economia brasileira é uma das mais<br />
internacionalizadas, mais pobres e com<br />
uma das maiores dívidas externas. Conti-<br />
nuar com modelos econômicos voltados<br />
para o pagamento dos juros da dívida, sem<br />
proteger e estimular a economia nacional,<br />
só tende a agravar as condições de vida<br />
do povo brasileiro. A tendência é que com<br />
a "liberalização comercial" entre as enor-<br />
mes empresas multinacionais e as fracas<br />
empresas da América Latina, ocorra o en-<br />
fraquecimento e/ou desaparecimento des-<br />
sas últimas e o domínio completo do merca-<br />
do regional pelos EUA, que dificultaria a<br />
penetração dos produtos europeus e japo-<br />
neses, recuperando um espaço comercial.<br />
Enquanto isso, os grandes blocos avançam.<br />
.. O governo brasileiro tenta pagar os ju-<br />
ros da dívida externa... Ou, quem sabe,<br />
em troca de alguma "negociação", abrir<br />
os port»s definitivamente para o capital<br />
dos EUA.<br />
Rolf Hacbarth, economista (DESER)<br />
Relatório Reservado - 14.10.90<br />
Governo tem recursos<br />
para novas<br />
tecnologias<br />
Isabel Pacheco<br />
Não é história da carochinha: as agên^<br />
cias de fomento têm dinheiro farto e de-<br />
manda escassa para investimentos em<br />
modernização tecnológica. Em relação à<br />
expansão industrial, ocorre o inverso: o di-<br />
nheiro é sempre escasso para o volume<br />
de demanda.<br />
Para Antônio dos Santos Maciel, diretor<br />
adjunto do Departamento de Indústria e<br />
Comércio do Ministério da Economia, a<br />
economia fechada, a pequena competitivi-<br />
dade e a ausência de uma "cultura tecno-<br />
lógica" contribuíram para causar essa<br />
distorção. No Brasil, aplicações em ciência<br />
e tecnologia sempre foram de competência<br />
do Estado: em 1989, o total destinado a<br />
esse fim alcançou US$ 1,874 bilhões, dos<br />
quais US$ 1,414 bilhões saíram do Orça-<br />
mento da União, US$ 200 milhões das<br />
estatais (metade disso veio da Petrobrás),<br />
US$ 200 milhões de empresas privadas e<br />
os restantes US$ 60 milhões vieram de fi-<br />
nanciamentos. Ou seja, quase 90% das<br />
aplicações foram efetuados pela máquina<br />
estatal.<br />
Maciel garante que, com as novas dire-<br />
trizes do governo, essa situação erá se in-<br />
verter. Ele afirma ao Relatório Reservado<br />
que existem recursos disponíveis para<br />
qualquer empresa que tenha um bom pro-<br />
jeto de modernização e reestruturação.<br />
- O BNDES já tem várias linhas de fi-<br />
nanciamento direcionadas nesse sentido,<br />
com dinheiro à disposição.<br />
Disse Maciel que o governo Coíor se-<br />
guirá 'o conceito mais moderno de estí-<br />
mulo à ciência e tecnologia, ampliando os<br />
financiamentos, a exemplo do que fazem<br />
países como Japão, Coréia e Itália". A<br />
meta é ampliar dos atuais US$ 60 milhões<br />
para US$ 1,5 bilhão (até 1995) o volume<br />
de financiamentos à iniciativa privada para<br />
aplicação em modernização tecnológica.<br />
As agências de fomento exigirão que a<br />
empresa utilize 30% de recursos próprios<br />
em relação ao valor total do projeto. A pre-
visão é de que a parcela destinada a ciên-<br />
cia e tecnologia no Orçamento da União<br />
cresça em média 30% ao ano.<br />
Novas linhas. Setores que geram tec-<br />
nologia de ponta, setores de exportação e<br />
projetos isolados tidos como de vanguarda<br />
foram definidos pelo governo como prioritá-<br />
rios para efeito de repasse de recursos<br />
destinados a modernização tecnológica,<br />
assim como aqueles que desenvolverem<br />
pesquisa cooperativa. Outras empresas<br />
que receberão incentivos serão aquelas<br />
que decidirem estabelecer-se no exterior,<br />
em países desenvolvidos, capacitando-se<br />
a absorver tecnologia e trazê-la para o<br />
Brasil.<br />
Antônio Maciel revelou que, numa pri-<br />
meira reunião realizada pelo governo com<br />
as agências de fomento (BNDES, Finep,<br />
Banco do Brasil, Basa e BNB), pôde ser<br />
constatado que não havia nenhuma diretriz<br />
para o setor. Cada agência seguia conduta<br />
própria e, em alguns casos, foi possível<br />
identificar apoios diversos para uma mes-<br />
ma linha de projetos.<br />
Agora, ele acredita que o imperativo da<br />
competitividade e da eficiência obrigará as<br />
empresas a buscarem recursos. Conse-<br />
qüentemente, as agências governamentais<br />
terão maior entrosamento. O BNDES, por<br />
exemplo, já definiu em seu novo plano es-<br />
tratégico linhas de financiamento para pro-<br />
gramas de tecnotogia de ponta, de desen-<br />
volvimento de produtos e de processos, de<br />
reestruturação empresarial. As condições<br />
são as seguintes:<br />
• Programa de apoio ao setor de infor-<br />
mática (Proinfo) - taxa de juros de 8% ao<br />
ano, prazo total de cinco anos e 60% de<br />
participação máxima do BNDES no inves-<br />
timento (100% no caso de universidades e<br />
centros de pesquisa).<br />
• Programa dos setores tecnológicos<br />
Análise de Conjuntura<br />
13 de Ato» - NEP - 18.10.90<br />
de ponta - juros mínimos de 8% ao ano,<br />
prazo total de sete anos e 60% de partici-<br />
pação do BNDES.<br />
• Programa de Desenvolvimento Tec-<br />
nológico - 6% de juros, 10 anos de prazo<br />
para pagamento e participação do BNDES<br />
de até 80%.<br />
• Programa de Reorganização e Auto-<br />
mação Industrial - 8% de juros ao ano,<br />
prazo total de sete anos e 60% de partici-<br />
pação do BNDES no investimento.<br />
• Programa de Reestruturação Empre-<br />
sarial - juros anuais de 12%, seis anos de<br />
prazo total e 60% de participação máxima<br />
do BNDES.<br />
A Finep, ao contrário do BNDES, sem-<br />
pre teve um orçamento pequeno e traba-<br />
lhou com excesso de procura. O objetivo<br />
do governo, segundo o diretor adjunto do<br />
Departamento de Indústria e Comércio,<br />
é levar dos atuais US$ 50 milhões para<br />
US$ 915 milhões, até 1995, o orçamento<br />
da instituição.<br />
PESQUISA NO EXTERIOR<br />
1 A Absorção de tecnologia avançada<br />
no exterior é um dos aspectos que colo-<br />
cam a empresa paulista Metal Leve na<br />
vanguarda nacional, de acordo com ava-<br />
liação do governo. A empresa mantém em<br />
funcionamento, desde 1978, um centro de<br />
tecnologia, com pessoal especializado em<br />
desenvolvimento de peças para motores.<br />
Em 1988, a necessidade de acesso<br />
a tecnologias mais modernas levou a Metal<br />
Leve a investir US$ 3 milhões em um<br />
posto avançado na Universidade de Michi-<br />
gan. Estados Unidos. No ano passado, em<br />
nova etapa, foi instalada uma fábrica es-<br />
pecializada em pistões para motores diesel<br />
pesados no estado norte-americano da<br />
Carolina do Sul.<br />
U presidente da empresa, José Mindlin,<br />
A explosão e iminente<br />
A economia brasileira está marca-<br />
da neste mês de outubro por dois mo-<br />
vimentos mais importantes.<br />
O primeiro é a tentativa do gover-<br />
no de apertar cada vez mais a política<br />
monetária. Quer dizer, diminuir ao<br />
máximo a quantidade de dinheiro em<br />
circulação. O objetivo desta política é<br />
o de segurar de qualquer jeito o au-<br />
mento dos índices de inflação, que re-<br />
sistem no nível de 12% ao mês. Esta<br />
política provoca uma terrível eleva-<br />
ção das taxas de juros, inviabilizando<br />
a tomada de empréstimos nos bancos<br />
por parte das empresas, com taxas<br />
reais de juros de quase 15% ao mês.<br />
É uma política desesperada para<br />
manter as aparências de que o Plano<br />
Collor ainda existe. Na verdade este<br />
Plano não existe mais, e no momento<br />
que se afrouxar esta política monetá-<br />
ria debilóide, os índices inflacioná-<br />
rios explodirão de novo. O que os<br />
monetaristas que implantam esta po-<br />
lítica esperam é que a economia entre<br />
em recessão para que o nível de pre-<br />
ços caia. O problema é que a econo-<br />
mia real resiste a esta receita recesi-<br />
va. Mesmo com queda na produção,<br />
os aumentos de preços permanecem e<br />
o setor real sobrevive sem a grande<br />
quebradeira desejada pelo governo. A<br />
economia também resiste a uma<br />
abertura maior do comércio exterior.<br />
disse ao 'Relatório Reservado" que sua<br />
experiência vem sendo bem-sucedida e<br />
que, passadas as atuais dificuldades con-<br />
junturais do país, a mesma estratégia será<br />
aplcada em países europeus.<br />
A fábrica paulista está atualmente ex-<br />
portando tecnologia para a filial dos Esta-<br />
dos Unidos. O centro de tecnologia de Mi-<br />
chigan, no momento, pesquisa e testa di-<br />
versos projetos que, se aprovados comer-<br />
cialmente, terão também tecnologia trans-<br />
ferida para o Brasil. A Metal Leve é, atual-<br />
mente, a única empresa brasileira de auto-<br />
peças que se instalou no exterior para ab-<br />
sorver tecnologia avançada.<br />
Laboratório de criação<br />
2 Trat>alho cooperativo, estrutura en-<br />
xuta, pessoal altamente qualificado. Esses<br />
são requisitos que qualificam a Fundação<br />
Brasileira de Tecnologia de Sddagem co-<br />
mo exemplo do que o governo pretende na<br />
área empresarial.<br />
A fundação foi criada em 1982, nos<br />
mesmos moldes do Welding Insttute, da<br />
Inglaterra, e do Instituto de Soldadura por-<br />
tuguês. Entidade sem fins lucrativos, ela<br />
engloba hoje cerca de 100 empresas e en-<br />
tidades de classe, além da Petrobrás, e<br />
emprega não mais de 20 pessoas, a maior<br />
parte engenheiros com alto grau de espe-<br />
cialização em solda. Eles desenvolvem<br />
pesquisas para atender a nerfossidades<br />
específicas oas empresas participantes.<br />
' Um bom exemplo do resultado dessas<br />
pesquisas ocorreu recentemente com um<br />
tipo de solda, aprovada em alto-mar, que<br />
resultou em considerável redução de cus-<br />
tos. Caso seja utilizada a nova jaqueta (e-<br />
lemento de sustentação dos módulos de<br />
uma plataforma de perfuração de petróleo),<br />
a economia de custos poderá chegar a<br />
20%, segundo estimativas do novo presi-<br />
dente da fundação, José Luiz do Lago.<br />
Da parte da indústria a elevação das<br />
compras por mais máquinas, insumos<br />
e componentes não ocorre porque não<br />
existe uma ampliação da produção<br />
interna. Da parte dos consumidores,<br />
também a compra por produtos im-<br />
portados é limitada devido a diminui-<br />
ção da renda pessoal e a, perspectiva<br />
de desemprego nas camadas impro-<br />
dutivas de altos salários. Nestas con-<br />
dições as importações não aumentam<br />
tanto quanto o governo esperava, o<br />
que seria um fator de redução dos<br />
preços internos, através do aumento<br />
da concorrência dos produtos inter-<br />
nos frente aos produtos importados.<br />
E claro que se o governo for capaz<br />
de manter esta política monetária por<br />
muito tempo — por mais 5 a 6 meses —<br />
a tendência seria uma recessão muito<br />
grande. Mas o primeiro obstáculo a<br />
esta determinação do governo é que o<br />
sistema financeiro, os bancos e espe-<br />
culadores em geral teriam que que-
ar, em primeiro lugar. Quando esta<br />
possibilidade aparece concretamente,<br />
o governo abre as comportas e inter-<br />
rompe a política de aperto monetário.<br />
O segundo obstáculo a uma demora-<br />
da e persistente política de aperto é<br />
que a economia real não responde<br />
com diminuição da produção, en-<br />
quanto puder exportar e elevar inter-<br />
namente seus preços. A economia in-<br />
terna só entraria em uma grande re-<br />
cessão se a economia internacional<br />
entrar primeiro. Até agora, mesmo<br />
com sinais de crise, a economia in-<br />
temacinal continua crescendo. O<br />
mais provável, nestas condições, é<br />
que a equipe econômica caia antes do<br />
que a inflação.<br />
O segundo movimento importante<br />
da economia, neste mês de outubro, é<br />
a violenta reação dos bancos interna-<br />
cionais à proposta brasileira de rene-<br />
gociação da dívida externa. Collor ti-<br />
nha a ingenuidade de achar que, sen-<br />
do um presidente eleito e do agrado<br />
das forças conservadoras internacio-<br />
nais, fosse conseguir grandes favores<br />
dos governos e grupos de interesses<br />
do capital internacional. Um desses<br />
favores seria um tratamento diferente<br />
daquele dispensado aos militares e,<br />
posteriormente a Sarney, quanto ao<br />
pagamento da dívida externa. Collor<br />
prorrogou o quanto pode a moratória<br />
real que já vinha desde a época de<br />
Sarney - agosto de 1989 - quanto ao<br />
não pagamento dos juros da dívida.<br />
Hoje o Brasil já tem mais de 8 bilhões<br />
de dólares atrasados, de juros exter-<br />
nos. Finalmente Collor colocou as<br />
cartas na mesa dos banqueiros inter-<br />
nacionais tentando um acordo. E cla-<br />
ro que as cartas não poderiam ser<br />
outras do que um calote, mesmo por-<br />
que o país não tem condições de pa-<br />
gar esta dívida, nem mesmo os juros.<br />
Isto já sabíamos, e todo mundo sabia.<br />
liiii<br />
Folha de Sáo Paulo - 15.10.90<br />
O voto<br />
obrigatório<br />
Florestan Fernandes<br />
O voto é um direito político que<br />
carrega consigo o caráter imperativo<br />
de um dever (cívico e político). Se-<br />
gundo a Constituição de 1988, ele é<br />
obrigatório para os maiores de 18<br />
anos e facultativo para os analfabetos,<br />
os maiores de 70 anos, os maiores de<br />
há muito tempo. Mas as cartas de<br />
Collor são de tentar a oficialização, a<br />
ceitação formal dos banqueiros a esta<br />
incapacidade de se pagar os juros da<br />
dívida. Se o sistema capitalista inter-<br />
nacional fosse uma instituição de be-<br />
nemerência, a aceitação dos banquei-<br />
ros à moratória da economia brasilei-<br />
ra até que pode, poderia acontecer.<br />
Mas o sistema internacional está lon-<br />
ge de funcionar nestas bases. Ao<br />
contrário. Aqui o que se conta é ape-<br />
nas o som da moeda. Não interessa<br />
aos banqueiros que emprestaram di-<br />
nheiro ao Brasil se o Femandinho é<br />
neo-liberal, "moderno" e muito inte-<br />
ressado em liquidar a economia do<br />
seu país para os capitalistas interna-<br />
cionais. Q que os banqueiros exigem<br />
é que o Femandinho se vire, não in-<br />
teressa como, e pague o que ele deve.<br />
E que pague agora e deixe de em-<br />
bromação do tipo incorporar os juros<br />
atrasados no principal da dívida e<br />
trocar este principal dg. dívida por<br />
títulos que só vão vencer daqui a 45<br />
anos.<br />
A burguefia brasileira deve estar<br />
pensando neste momento sobre o fun-<br />
cionamento real do sistema capita-<br />
lista. Por mais bonitinho e simpático<br />
que seja o presidente que as classes<br />
dominantes nacionais colocaram no<br />
poder, os credores externos não se<br />
impressionam nem um pouquinho.<br />
Para os banqueiros e governos das<br />
economias dominantes, não importa<br />
se o presidente seja Figueiredo, Sar-<br />
ney ou Collor. O que eles querem é<br />
que seus interesses particulares e na-<br />
cionais não sejam atingidos. Mesmo<br />
que estes interesses particulares sig-<br />
nifiquem a falência de economias e<br />
governos mais do que dispostos a se<br />
curvar e lamber as botas do poder<br />
imperial.<br />
PoUtiea Nacional<br />
16 e menores de 18 anos (art. 14).<br />
Atribui-se à obrigatoriedade do alis-<br />
tamento e do voto as altas taxas de<br />
votos brancos e nulos. Parece evida-<br />
dente a falácia da suposição. Busca-se<br />
um bode expiatório para algo que pos-<br />
sui razões circunstanciais e estruturais<br />
interdependentes.<br />
O que se ganha e quem ganha com<br />
a extinção imediata da obrigatoriedade<br />
do voto ? Aqueles que mantêm uma<br />
cultura de ignorância secular delibe-<br />
rada e impedem a prosperidade da<br />
educação popular já pularam na arena,<br />
fazendo essa exigência. No entanto, o<br />
voto obrigatório constitui um expe-<br />
diente pedagógico, para politizar mas-<br />
sas imensas, que não têm acesso à<br />
educação, à cultura cívida e ao exer-<br />
cício dos direitos políticos na socie-<br />
dade civil. Representa literalmente<br />
uma tentativa de difusão gradual da<br />
democracia de participação ampliada.<br />
Os defensores do voto de "qualida-<br />
de", "responsável" e da democracia<br />
restrita são os seus antagonistas mais<br />
ferrenhos. E natural !<br />
Através de seus representantes de<br />
mais alto nível, a Justiça Eleitoral<br />
avalia a situação que se criou com as<br />
eleições de uma perspectiva catastró-<br />
fica. Chega-se a inquinar a legitimi-<br />
dade da representação, dados os índi-<br />
ces baixíssimos de agregação de votos<br />
positivos. Todavia, o que fez a Justiça<br />
Eleitoral para evitar esse desfecho ^<br />
Falei com muitos eleitores humildes,<br />
que não sabiam preencher as cédulas.<br />
Ignoravam, até que além do governa-<br />
dor e do senador também podiam es-<br />
colher dois deputados. Os "boquei-<br />
ros" assinalavam a intensidade desse<br />
desconhecimento no uso das cédulas.<br />
O que aponta um erro grave: a Justiça<br />
Eleitoral não esclareceu e orientou<br />
devidamente os eleitores. O mesmo<br />
equívoco foi repetido pelos partidos.<br />
Faltou-lhes sensibilidade ou boa von-<br />
tade para ajudar os votantes a preen-<br />
cherem uma cédula elabora sob um<br />
paradigma complexo, suscetível de<br />
provocar confusão e abstenção.<br />
Infere-se, agora, que há um pro-<br />
testo latente ou explícito na votação<br />
recebida pelos políticos profissionais.<br />
Ora, sabíamos de antemão que existe<br />
um estado de rebelião entre vários<br />
setores da população, especialmente<br />
entre os mais ou menos radicais da<br />
sociedade civil. Essa rebelião também<br />
atinge o governo, as classes domi-<br />
nantes e as grandes empresas estran-<br />
geiras. Mas seria difícil que ela se<br />
cristalizasse concentradamente na de-<br />
cisão eleitoral. Se ela tomasse tais<br />
proporções, certamente se voltaria<br />
contra a ordem existente (não só dos<br />
políticos profissionais omissos ou cor-<br />
ruptos).<br />
Em termos sociológicos, toma-se<br />
impraticável extrair, só das votações<br />
negativas, o seu significado político<br />
A própria construção da cédulas, a in-<br />
diferença da Justiça Eleitoral e dos<br />
partidos em elucidar os eleitores, a<br />
perversidade maior diante dos eleito-<br />
res analfabetos formam um amálgama<br />
de confusão que aparenta ter algo de<br />
calculado. Sequer o tipo de protesto<br />
pode ser inferido claramente, dada a<br />
variedade e o volume das formas co-<br />
nhecidas de rejeição. Muitos votantes<br />
afirmavam que não tinham mais con-<br />
fiança em ninguém. Como isolar estas<br />
manifestações e, ao mesmo tempo,<br />
compatibilizá-las com a recuperação<br />
eleitoral dos piores figurões da ditadu-<br />
ra e da "Nova República".
Folha de Sáo Paulo - 17.10.90<br />
Lednck) Martins Rodrigues<br />
A avalanche de votos nulos e brancos<br />
e os elevados fndices de abstenções na<br />
votação do dia 3 alarmou a classe política<br />
e os círculos mais influentes do pafs. O<br />
fato foi interpretado como uma forma de<br />
repúdio à classe política, que teria conse-<br />
qüências negativas para o regime demo-<br />
crático. Seguramente, a alta proporção de<br />
votos brancos e nulos e de abstenção, do<br />
ponto de vista dos valores e objetivos de-<br />
mocráticos, não pode ser considerada<br />
como algo positivo. Mas, talvez, as conse-<br />
qüências para a continuidade democrática<br />
não sejam as que, à primeira vista, o fato<br />
parece sugerir.<br />
Conviria, aqui, levar em conta dois as-<br />
pectos: o primeiro diz respeito às circuns-<br />
tâncias que poderiam ser entendidas como<br />
atenuantes; o segundo diz respeito ao<br />
conjunto de fatores que favorecem a esta-<br />
bilidade dos regimes democráticos. No dia<br />
3, o eleitorado foi chamado às umas de-<br />
pois do clímax político da disputa presi-<br />
dencial do ano passado. Essa disputa não<br />
só foi a primeira, depois de quase trinta<br />
anos, realizada pelo voto direto, como<br />
também foi a primeira a utilizar o mecanis-<br />
mo do segundo tumo. Ademais, foi inten-<br />
samente concorrida, colocando frente a<br />
frente dois candidatos e duas propostas<br />
antitéticas. A própria disputa presidencial<br />
já tinha sido a culminaçâo de seguidas<br />
eleições. A repetição banaliza e dessacra-<br />
liza o ato. Lembremos que em outros paí-<br />
ses, de forte tradição democrática, como<br />
os EUA, os fndices de abstenção são sa-<br />
bidamente elevados. Aqui, é forçoso reco-<br />
nhecer que a política é algo que, normal-<br />
mente, só interessa a um número reduzido<br />
de pessoas que têm alguma proximidade<br />
com os círculos dominantes e que têm al-<br />
guma possibilidade de vir a ingressar na<br />
classe política, quer dizer, ao minúsculo<br />
segmento da população que participa da<br />
tomada de decisões. São esses segmen-<br />
tos minoritários que, nas democracias, em<br />
determinadas ocasiões, mobilizam a mas-<br />
sa de cidadãos, procurando fazer com que<br />
ela participe, por um momento, do jogo po-<br />
lítico. O interesse comum, essencial, mas<br />
habitualmente não explicitado, dos mem-<br />
bros do conjunto da classe política é o de<br />
fazer crer que o povo govema através de-<br />
la. Na verdade, a massa de eleitores sabe<br />
que não governa, mas não tem outra es-<br />
colha a não ser votar (ou não votar) nos<br />
candidatos que os partidos (ou pseudopar-<br />
tidos) lhe apresentam. O jogo democrático<br />
é assim mesmo e parece melhor do que<br />
outros em que não há essa possibilidade.<br />
Passemos ao segundo aspecto acima<br />
mencionado: quais são as conseqüências<br />
de elevados índices de abstenção e de<br />
iííifSS<br />
Os nulos, os brmcos e as abstenções<br />
votos nulos e brancos? Na medida em que<br />
as principais camadas da população que<br />
acompanham mais de perto o jogo polftico<br />
e as elites que concorrem pelo poder estão<br />
de acordo com relação às regras da dis-<br />
puta, os prejuízos para a estabilidade de-<br />
mocrática não parecem graves. A demo-<br />
cracia representativa fundamenta-se no<br />
jogo dos partidos, O que a define náo é a<br />
extensão e a intensidade da participação,<br />
mas o Estado de Direito, a garantia dos di-<br />
reitos individuais, a liberdade de expressão<br />
etc. etc. A participação dos cidadãos,<br />
através do voto, é um fator positivo na me-<br />
dida em que confere maior legitimidade e,<br />
eventualmente, maior base de sustentação<br />
ao regime democrático. Mas a extensão<br />
rápida do direito de voto pode trazer o au-<br />
mento da corrupção, da incompetência, do<br />
desprezo pelas regras da competição etc.<br />
Em muitos casos, a ampliação da partici-<br />
pação pode constituir um fator de enfra-<br />
quecimento, até mesmo de solapamento<br />
da democracia, se ela se processa contra<br />
o sistema democrático. Conhecemos al-<br />
gumas situações como essas, quando se<br />
amplia de modo brusco o corpo eleitoral,<br />
quando se outorga o direito de voto a po-<br />
pulações extremamente carente que ne-<br />
cessitam de proteção vinda "de cima", e,<br />
principalmente, quando nessas circuns-<br />
tâncias surgem elites anti-sistemas dis-<br />
postas a canalizar a participação justa-<br />
mente para a destruição da democracia.<br />
No caso brasileiro, houve certamente al-<br />
gum esforço no sentido de aperfeiçoa-<br />
mento dos mecanismos de funcionamento<br />
das instituições democráticas (voto se-<br />
creto, cédula única, eliminação dos currais<br />
eleitorais, da compra de voto, tentativa de<br />
minimizar a influência do fator dinheiro etc.)<br />
Mas esse esforço foi, em parte, contraria-<br />
do pelo rápido crescimento do eleitorado e<br />
pela ênfase outorgada à ampliação da par-<br />
ticipação: direito de voto ao analfabeto, aos<br />
adolescentes, obrigatoriedade do voto etc.<br />
Nas condições da sociedade brasileira, a<br />
Folha de Sáo Paulo -21.10.90<br />
ampSação do eleitorado significou o reoai-<br />
xamento do nível de informação e, como<br />
não poderia deixar de acontecer, aumen-<br />
tou a distância entre a classe política e o<br />
corpo eleitoral. Conseqüentemente, au-<br />
mentou também a probabilidade dos votos<br />
nulos e brancos e da abstenção. Nas con-<br />
dições especificas da transição democrá-<br />
tica brasileira, a sucessão de eleições,<br />
acompanhada das inevitáveis promessas<br />
que não podem ser cumpridas, contribui<br />
para a descrença na importância do voto.<br />
Nâo é um fenômeno catastrófico. As ten-<br />
dências contemporâneas vão nessa dire-<br />
ção nos países de democracia consolida-<br />
da. Não necessariamente isso significa um<br />
desinteresse pela política. Ao contrário.<br />
Pode-se mesmo considerar que, quanto<br />
mais firme o regime democrático, mais<br />
uma parte dos cidadãos terá menos inte-<br />
resse em exercer o direito de voto,<br />
Como nota Inglehart, a participaçáo<br />
eleitoral e outras formas tradicionais de<br />
atividade política estimulada e controlada<br />
pelas lideranças políticas tendem decinar<br />
e ser substituídas por ações políticas não<br />
convencionais de pressão sobre as autori-<br />
dades e sobre as elites políticas, Nem por<br />
isso a democracia desses países parece<br />
correr riscos,<br />
Certamente, o Brasil não é exatamente<br />
um caso de democracia consolidada. Mas,<br />
com o fim dos regimes miítares e a crise<br />
terminal do socialismo, a polarização<br />
ideológica declinou consideravelmente.<br />
Nenhuma força política relevante contesta<br />
hoje as regras das disputas democráticas.<br />
Convém, pois, entender os votos brancos,<br />
nulos e as abstenções como componentes<br />
legítimos e inerentes dos regimes repre-<br />
sentativos.<br />
LEÔNCIO MARTINS ROGRIGUES, é profes-<br />
sor titular de ciência política da Unicamp e da USP<br />
e pesquisador do Cento de Estudos de Cultura<br />
Contemporânea (Cedec).<br />
A responsabilidade da esquerda<br />
André Singer<br />
Os resultados eleitorais de 3 de<br />
outubro, mesmo com as incertezas de-<br />
correntes da apuração incompleta e do<br />
segundo tumo, já balizam o cenário<br />
que dominará o pafs no próximo pe-<br />
ríodo. Não é casual que, após o pleito,<br />
o quadro mais competente produzido<br />
pelo movimento militar de 1964 tenha<br />
sido chamado para ocupar o Ministé-<br />
ííííx-SÍ- íSÍÍSííSS<br />
rio da Justiça e a coordenação política<br />
do governo Collor. A medida que seus<br />
pares foram legitimados pelas umas, o<br />
senador Jarfoas Passarinho ganhou,<br />
por extensão, passaporte para ocupar<br />
um lugar central no governo. Nada<br />
mais justo.<br />
Mas, apesar do forte sentido con-<br />
servador dos resultados eleitorais, a<br />
esquerda, incluindo aí o PT, o PDT,<br />
os dois PCs e o PSB, registrou um<br />
"" ««»«»M*:&«W;W:W:¥:':V:-; ■<br />
.-'
avanço que lhe permitirá ter na Câma-<br />
ra uma bancada com cerca de cem de-<br />
putados. Sobretudo o PT, que em de-<br />
terminado momento apareceu como o<br />
grande derrotado desta eleição, colheu<br />
os frutos de um trabalho lento, porém<br />
constante, e deu passos no sentido de<br />
se firmar enquanto um partido nacio-<br />
nal possuidor de uma estrutura dnica-<br />
no pulverizado sistema partidário bra-<br />
sileiro.<br />
Não apenas o PT elegeu deputados<br />
federais em Estados onde antes não os<br />
tinha, como espalhou dezenas de de-<br />
putados estaduais que começarão a fa-<br />
zer do partido um participante ativo<br />
das disputas regionais, habilitando-o,<br />
a médio prazo, aos olhos do eleitorado<br />
a ocupar os respectivos Executivos.<br />
A diferença entre o crescimento do<br />
PT e dos demais partidos de esquerda<br />
é que se trata de um crescimento cujo<br />
corte parece ser ao mesmo tempo or-<br />
ganizativo e de classe. Ou seja, o PT<br />
tem mais força onde existem trabalha-<br />
dores organizados. Não está em jogo,<br />
portanto, apenas um corte de renda,<br />
como o voto dos mais pobres em<br />
Collor em 89. A votação do PT tam-<br />
bém não é apenas resultado da organi-<br />
zação, uma vez que entidades de clas-<br />
se média têm hoje forte influência de<br />
outras correntes, como por exemplo o<br />
PSDB. O que parece ocorrer é um<br />
cruzamento dos dois fatores: onde<br />
houver trabalhadores de baixa renda<br />
organizados, o PT tenderá a ter força.<br />
Esta característica do voto petista<br />
dá ao partido um importante diferen-<br />
cial em relação ao PDT. Enquanto o<br />
PDT se expande regionalmente, na<br />
dependência do carisma pessoal de<br />
Brizola ou de alianças realizadas com<br />
pequeno ou nenhum critério ideológi-<br />
co, o PT consegue uma inserção na-<br />
cional mais homogênea. Foi esse dife-<br />
rencial que garantiu a Lula a passa-<br />
gem para o segundo turno em 89.<br />
Nesse contexto, pode-se dizer que,<br />
apesar da atual inferioridade numérica<br />
de deputados e governadores do PT<br />
em relação do PDT, o PT tem a van-<br />
tagem de articular interesses sociais<br />
mais gerais e, portanto, ter um hori-<br />
zonte de expansão mais amplo.<br />
Não obstante as diferenças entre os<br />
partidos de esquerda, o fato é que<br />
juntos formarão um bloco expressivo<br />
no Congresso, terão presença em go-<br />
vernos estaduais e nas respectivas As-<br />
sembléias Legislativas, além de per-<br />
manecerem nas administrações muni-<br />
cipais que já dirigem.<br />
Recoloca-se assim para esse bloco<br />
a tarefa, não cumprida, que emergiu<br />
com os 31 milhões de votos a Lula em<br />
89: gerar uma oposição junto com o<br />
PSDB e parcelas do PMDB capaz de<br />
dar respostas não mais a um governo<br />
de transição, como o de Samey, mas a<br />
um Executivo legitimado pelo voto. O<br />
ano de 90 foi uma amostra clara de<br />
como é difícil fazer oposição a um<br />
governo disposto a tirar todas as con-<br />
seqüências de uma vitória eleitoral<br />
apertada porém incontestável.<br />
Será necessário à esquerda também<br />
tirar todas as conseqüências dos votos<br />
recebidos em 3 de outubro. Uma delas<br />
parece ser a de que a oposição, se<br />
quiser fazer jus a esse nome, está<br />
condenada à unidade no plano nacio-<br />
nal. Não haverá como medir forças<br />
com o governo isoladamente. A polí-<br />
tica de alianças é portanto item prio-<br />
ritário na agenda de discussões desse<br />
bloco.<br />
A segunda conseqüência é de que<br />
será difícil avançar sem definir as<br />
propostas alternativas para resolver o<br />
problema da inflação sem jogar o país<br />
na recessão. Dito de outra forma: qual<br />
é a política econômica capaz de, si-<br />
multaneamente, estabilizar os preços e<br />
promover o crescimento econômico<br />
acelerado sem o qual as graves desi-<br />
gualdades sociais do Brasil aparente-<br />
mente não podem ser significativa-<br />
mente minoradas. Até aqui Collor de-<br />
tém a iniciativa absoluta nessa área<br />
crucial.<br />
No plano propriamente político, o<br />
plebiscito de 93 exigirá um debate<br />
intenso que permita à oposição chegar<br />
unida à decisão sobre o sistema de<br />
governo. A opção pelo parlamenta-<br />
rismo ou a manutenção do presiden-<br />
cialismo vai definir todo o arcabouço<br />
institucional com que o país enfrenta-<br />
rá o século 21. Além disso, o plebis-<br />
cito de 93 deverá ser uma grande pré-<br />
via da eleição presidencial de 94,<br />
quando se renovarão também o Con-<br />
Linha Direta-12.10.90<br />
Marco Aurélio Garcia'<br />
Os resultados das eleições de 3 de<br />
outubro não representaram para o PT nem<br />
a derrota aplastante que a grande<br />
imprensa apressadamente noticiou, nem a<br />
vitória que alguns setores do partido<br />
comemora. É difícH falar de fracasso total<br />
quando se constata que o partido dobrou<br />
sua bancada federal e mais do que<br />
duplicou seus deputados estaduais, elegeu<br />
o senador de São Paulo e disputa o<br />
segundo turno no Acre e no Amapá.<br />
Mas também não se pode cantar vitória,<br />
quando se constata o estancamento ou o<br />
pequeno crescimento da votação dos<br />
candidatos a governador nos Estados<br />
mais importantes do país.<br />
Poíttíca Nacional<br />
gresso c os governos de tstado. Por<br />
tudo isso, e diante da montagem con-<br />
servadora que está em curso, a oposi-<br />
ção, e a esquerda em particular, terá<br />
poucas chances de aspirar ao poder se<br />
não enfrentar esses problemas com<br />
clareza.<br />
Também no plano ideológico, as<br />
respostas ao desmoronamento do so-<br />
cialismo real não poderão se limitar às<br />
que têm sido dadas. Se a esquerda<br />
quiser enraizar na sociedade um novo<br />
projeto de futuro, e em nome dele se<br />
abalizar para assumir o governo, pro-<br />
vavelmente precisará repudiar com<br />
maior vigor as restrições à liberdade,<br />
à democracia e ao pluralismo pratica-<br />
das em nome so socialismo e, ao<br />
mesmo tempo, trabalhar no sentido de<br />
reconstruir uma utopia capaz de dar<br />
energia moral a um projeto de trans-<br />
formação amplo.<br />
Apesar da maré conservadora, no<br />
plano local e internacional, a esquerda<br />
brasileira sai da eleição de 3 de outu-<br />
bro com possibilidades que a colocam<br />
diante de uma situação possivelmente<br />
única em relação a suas congêneres<br />
latino-americanas. A presença efetiva<br />
que tem no cenário político lhe per-<br />
mite articular um projeto nacional com<br />
propostas de transformação social<br />
mais ampla e, assim, fazer frente à<br />
hegemonia neoliberal no plano da po-<br />
lítica prática e da luta ideológica<br />
maior deste final de século.<br />
ANDRÉ SINGER, jornalista e cientista<br />
social, é professor de Departamento de<br />
Ciência Política da USP e pesquisador do<br />
Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e<br />
Políticos de São Paulo (Idesp).<br />
Eleições: entre o passado<br />
e o futuro<br />
Numericamente, pode-se falar em<br />
avanço quando se compara a eleição atual<br />
com a de 86 ou mesmo de 88. Mas se as<br />
referências forem as do ano passado, a<br />
constatação de fracasso é ineiudível. Lula<br />
obteve em 1989 mais de 15% no primeiro<br />
turno e 48% no segundo, cifras das quais<br />
estamos longe agora.<br />
Mas é importante tratar de combinar<br />
uma análise do aspecto quantitativo com<br />
uma avaliação qualitativa. Para isso,<br />
deve-se examinar o resultado de 3 de<br />
outubro à luz dos objetivos que o PT se<br />
propôs fossem alcançados no início da<br />
campanha. Ela foi rica de ensinamentos.<br />
Revelou graves problemas que o partido<br />
enfrentou e enfrenta e de cuja resolução<br />
depende em multo o futuro do PT. ^^
Quinzena<br />
O primeiro erro foi o de imaginar que as<br />
eleições de outubro senam o "terceiro<br />
turno" das presidenciais de 89, uma<br />
espécie de revanche da derrota do ano<br />
passado.<br />
Implícita ou explicitamente esta tese<br />
partia da idéia de que, tendo perdido a<br />
eleição de 89 por pequena margem (52% /<br />
48%), seria possível atrair parte do<br />
eleitorado que votou em Collor na medida<br />
em que o povo fosse se desiludindo com a<br />
política do governo, sobretudo econômica<br />
e constatasse o erro que cometera o ano<br />
passado.<br />
Esta foi uma avaliação equivocada da<br />
conjuntura nacional. O PT subestimou as<br />
transformações operadas no país desde a<br />
posse de Collor. A inflação sofreu uma<br />
redução insuficiente, porém importante,<br />
apesar da ameaça de vir a crescer no<br />
futuro. O novo presidente conseguiu<br />
neutralizar em parte os efeitos negativos<br />
do arrocho salarial, da recessão e do<br />
desemprego. Através da utilização de<br />
colossais meios de comunicação de<br />
massa, o governo tenta com certo êxito<br />
criar a imagem de estar distribuindo<br />
eqüammimente os sacnfícios. Faz alarde<br />
de seu enfrentamento com grande grupos<br />
econômicos, pune funcionários ociosos e<br />
promete eliminar empresas estatais<br />
oeficitánas e ineficientes. Realiza,<br />
finalmente, uma hábil manobra buscando<br />
envolver o movimento sindical no chamado<br />
entendimento nacional.<br />
Comparado aos governos Figueiredo e<br />
Sarney, Collor oferece uma imagem<br />
"moderna", de governabilidade. Com isso<br />
ele conseguiu neutralizar temporariamente<br />
o descontentamento até mesmo dos<br />
pequenos poupadores que tiveram seus<br />
aepósitos confiscados, mas que acreditam<br />
que esta medida será compensada pelo<br />
fim do processo inflacionáno. Não fomos<br />
capazes de avaliar os efeitos<br />
desagregadores que a inflação tinha sobre<br />
o estado de ânimo de imensos setores da<br />
população.<br />
A queda de popularidade do governo<br />
constatada pelas pesquisas não se<br />
traduziu em alteração do comportamento<br />
político de amplos setores que ainda<br />
identificam em Collor um mal menor e<br />
necessário.<br />
Este conjunto de iniciativas<br />
governamentais se combinou com uma<br />
ofensiva política e ideológica anti-socialista<br />
articulada sobretudo pelos meios de<br />
comunicação a partir da rápida evolução<br />
dos países do "socialismo real". O PT,<br />
mais uma vez, ficou na defensiva. A<br />
despeito de sua tradição socialista e<br />
democrática e dos avanços em suas<br />
formulações recentes, como indica o<br />
documento O Socialismo Petista (veja a<br />
Quinzena n ç 102) o partido não foi capaz<br />
de disputar hegemonia na sociedade,<br />
assumindo uma posição ativa nesta<br />
discussão, explicando suas posições e<br />
desenvolvendo sua elaboração.<br />
No plano da tática, a formulação<br />
mMmSm^mmmSm<br />
equivocada da eleição como "terceiro<br />
turno" revelou-se particularmente incorreta<br />
na medida em que o partido em alguns<br />
Estados não foi capaz de tirar as<br />
conseqüências dessa onentação.<br />
Se se tratava de um novo momento da<br />
mesma luta era necessário no mínimo<br />
manter as alianças do segundo turno em<br />
89. Não foi o que se viu em Pernambuco,<br />
na Bahia e no Rio, onde nos separamos de<br />
outras forças de esquerda e democráticas,<br />
enfraquecendo na prática, e do ponto de<br />
vista de imagem nacional, a idéia de uma<br />
grande frente anti-Collor.<br />
Apesar das eleições terem<br />
proporcionado um avanço das forças<br />
conservadoras, muitas ligadas à ditadura,<br />
criando uma base de sustentação para o<br />
governo, não se pode falar de uma<br />
correlação de forças plenamente<br />
cristalizada. Há muitas coisas ainda em<br />
jogo. As dificuldades de controlar nos<br />
prazos previstos a inflação e as<br />
perspectivas de um agravamento<br />
considerável da recessão devem afetar a<br />
base parlamentar de Collor, sobretudo se o<br />
movimento sindical e outros setores da<br />
sociedade retomarem a iniciativa contra o<br />
governo. Da mesma forma, a política<br />
monetária governamental imporá enormes<br />
restrições aos novos governadores que<br />
vão encontrar seus Estados altamente<br />
endividados e com seus serviços públicos<br />
grandemente sucateados.<br />
Um problema que não pode escapar à<br />
análise é o significado do grande número<br />
de votos brancos e nulos. Eles expressam<br />
na maior parte dos casos o<br />
descontentamento de setores<br />
desorganizados da sociedade que<br />
depositaram grandes esperanças nas<br />
últimas eleições e que se encontram<br />
totalmente descrentes da possibilidade de<br />
mudança a partir dos partidos e dos<br />
políticos. Trata-se de um fenômeno<br />
ambíguo. Se por um lado, expressa a<br />
revolta e o descontentamento, por outro,<br />
pode vir a ser a base para projetos<br />
autoritários, daqueles que querem<br />
governar sem partidos dialogando<br />
diretamente com os 'descamisados",<br />
como Collor manifestou mais de uma vez.<br />
O PT e as esquerdas têm de abrir<br />
alternativas de participação para estes<br />
setores, além de impulsionar<br />
articuladamente novas formas de ação<br />
sindical.<br />
Ao centrar grande parte de seus<br />
esforços na luta social e na organização<br />
da sociedade, não devemos descuidar de<br />
nossos campos de intervenção<br />
institucional.<br />
Nas prefeituras, além do atendimento<br />
crescente das demandas dos setores<br />
mais desfavorecidos, sobretudo dos<br />
atingidos pela crise econômica, é<br />
fundamental levar adiante um projeto de<br />
reforma e de democratização do Estado,<br />
que perfile agora nossas intenções de vir a<br />
ser governo.<br />
mü<br />
Polittca Nacional<br />
Esta ação desdobra-se no plano<br />
parlamentar, valorizado pelo crescimento<br />
substancial da bancada, e nodo Governo<br />
Paralelo cuia missão é não só esboçar<br />
propostas alternativas, mas, ao fazè-b,<br />
sinalizar para a sociedade que somos<br />
alternativa de poder.<br />
A imprescindível rearticulação orgânica<br />
do partido deve se produzir em um período<br />
de efervescência política onde ação e<br />
reflexão venham justamente encontrar seu<br />
melhor eqüílibho •<br />
Secretário das Relações Internacionais do PT.<br />
Visão-17.10.90<br />
Nulo ou<br />
Fleury?<br />
José Dirceu de Oliveira e Silva<br />
O mundo político tem muitos as-<br />
suntos a analisar com os resultados<br />
das umas de 3 de outubro. O grande<br />
número de votos brancos e nulos é um<br />
indicativo do descontentamento da<br />
população com o nosso sistema políti-<br />
co. E isto é uma prova de que neces-<br />
sitamos de mudanças. É preciso rever<br />
o papel do Senado Federal e da Câma-<br />
ra dos Deputados. Temos que levar<br />
em conta a possibilidade de adotar o<br />
parlamentarismo como sistema de go-<br />
verno. Mas, para consolidar a demo-<br />
cracia, o fundamental é rever a distri-<br />
buição de renda do país. Não é possí-<br />
vel imaginar que a democracia está<br />
consolidada quando parcela significa-<br />
tiva da população vota desinformada e<br />
por troca de favores. Precisamos tam-<br />
bém de uma reforma eleitoral, com a<br />
adoção do voto facultativo e distrital,<br />
além da democratização do horário<br />
eleitoral gratuito e da criação de me-<br />
canismos para impedir o abuso do po-<br />
der econômico. Não podemos admitir<br />
o uso das máquinas administrativas<br />
dos governos nas campanhas dos can-<br />
didatos oficiais.<br />
As esquerdas brasileiras também te-<br />
rão farto material para discussão após<br />
estas eleições. Não é verdade que as<br />
tendências políticas sumiram e o que<br />
se instaurou foi uma nova relação en-<br />
tre o capital e a democracia, como<br />
afirma alguns analistas políticos que<br />
citam como exemplo de suas teses o<br />
que vem ocorrendo no Leste europeu.<br />
A esquerda e a direita ainda estão pre-
sentes no país e o resultado das elei-<br />
ções comprova isto. As esquerdas não<br />
perceberam que estavam acontecendo<br />
mudanças no eleitorado após a esco-<br />
lha do presidente Collor de Mello.<br />
Houve alterações no país do ponto de<br />
vista econômico - com as quais não<br />
concordamos, mas que não podemos<br />
negar. A esquerda deixou a impressão<br />
que perdeu um pouco do bonde da<br />
história e foi punida por isto. Nós não<br />
A Classe Operária -2.11.90<br />
0 voto anti-Maluf se impõe, em pri-<br />
meiro lugar, como uma exigência de<br />
nossa oposição infatigável e intransi-<br />
gente ao governo Collor e seu plano de<br />
superação pró-imperialista, pró-mono-<br />
polista e pró-latifundiária da crise bra-<br />
sileira. Qualquer omissão na batalha do<br />
segundo turno paulista significa ajudar<br />
indiretamente a trama collorida.<br />
0 voto anti-Maluf decorre, em se-<br />
gundo lugar, do conhecimento de quem<br />
é e o que representa Paulo Salim Maluf,<br />
em São Paulo e nacionalmente. Não se<br />
trata simplesmente de mais um político<br />
burguês de direita. Maluf é o filho pri-<br />
mogênito da ditadura militar, seu último<br />
e empedernido representante paisano.<br />
Além de dezenas de processos e várias<br />
codenações nas costas, encarna como<br />
ninguém o fascismo tupiniquim. Tru-<br />
culento, arrogante, mentiroso, cínico,<br />
nunca, em momento algum, por dimi-<br />
Linha Direta- 12.10.90<br />
Lula (presidente nacional do PP):<br />
"É importante lembrar que é ex-<br />
traordinário mostrar para aqueles que<br />
achavam que o PT estava morto, que<br />
sua legenda é mais forte do cjue qual-<br />
quer outro partido político. É uma le-<br />
genda muito forte ainda muito mal<br />
trabalhada por todos nós. Se a tivés-<br />
semos utilizado com mais força na te-<br />
levisão e usado o símbolo da nossa<br />
estrela, poderíamos ter obtido mais<br />
votos. Não adianta nada o Maluf ficar<br />
dizendo que gannou as eleições no<br />
AÜC e que o Kl se enfraqueceu.<br />
Basta ver a votação do Suplicy e a da<br />
legenda. Para o Brasil, as eleições são<br />
importantes porque são sempre uma<br />
nos articulamos como devíamos. Pre-<br />
cisamos rever nossas posturas. O meu<br />
partido, o PT, continuará fazendo<br />
oposição sistemática ao Plano Collor,<br />
mesmo com um resultado eleitoral fa-<br />
vorável aos conservadores. E essa<br />
nossa postura e eu acredito que está<br />
correta. O que nós precisamos redis-<br />
cutir é como fazer oposição. Precisa-<br />
mos aprender a fazer alianças e aglu-<br />
tinar forças. Mas, às vezes, reconhe-<br />
0 voto anti-Maluf<br />
Aldo Rebelo'<br />
nuto e fugaz que fosse, esteve ao lado<br />
do povo; ao contrário, sempre comba-<br />
teu, ferrenhamente, do outro lado da<br />
barricada. Basta ver onde estava Paulo<br />
Maluf por ocasião do golpe de 64, do<br />
terrorismo ditatorial, da campanha pela<br />
Anistia, das greves dos metalúrgicos do<br />
ABC, da campanha das Diretas-Já, da<br />
ofensiva final contra o regime militar, da<br />
Constituinte, das eleições de 89.<br />
Esse engendro dos generais alcançou<br />
certa popularidade, entre os menos avi-<br />
sados, escondendo sua face e suas<br />
idéias atrás de um coração de plástico e<br />
explorando habilmente as frustações da<br />
gente humilde. Porém não mudou em<br />
nada sua essência. Uma vitória de Maluf<br />
em São Paulo representaria a revanche,<br />
pelo voto, das forças mais tenebrosas<br />
do retrocesso e da ditadura.<br />
Ao pregar o voto anti-Maluf, o PC-<br />
doB expressa também sua opinião so-<br />
O que aconteceu com o PT?<br />
oportunidade para o povo dizer se está<br />
politizado ou não; se está maduro ou<br />
não; se tem lógica a sua luta diária<br />
com seu voto. Por mais que revolte as<br />
pessoas, que querem a solução de seus<br />
problemas através do voto, vai servin-<br />
do para politizar, ensinar, para que as<br />
pessoas tenham um clima dentro de<br />
suas cabeças de como proceder eleito-<br />
ralmente".<br />
José Dirceu (Secretário-Geral do<br />
PT):<br />
"O PT precisa aprender a fazer<br />
alianças e a analisar melhor as mu-<br />
danças que existem no Brasil, como a<br />
eleição de Collor para a presidência<br />
ço, isso é difícil. Dou como exemplo<br />
o segundo turno das eleições paulis-<br />
tas. De um lado, o candidato de Col-<br />
lor, Paulo Maluf, que até por questões<br />
históricas não podemos apoiar. Do<br />
outro, "Luiz Antônio Fleury Filho, o<br />
candidato do governador Orestes<br />
Quércia, do qual discordamos politi-<br />
camente. O militante do PT fica em<br />
uma situação difícil entre anular seu<br />
voto ou apoiar o candidato Freury.<br />
bre a candidatura Fleury, ao esquema<br />
do governo Orestes Quércia. Trata-se<br />
de um esquema conservador que só se<br />
impõe como alternativa ao retrocesso<br />
representado por uma eventual vitória<br />
de Maluf. As críticas de Fleury ao go-<br />
verno Collor não constituem uma opo-<br />
sição conseqüente ao projeto do gover-<br />
no federal. São críticas de uma oposição<br />
conservadora, das classes dominantes,<br />
expressam a disputa da sucessão presi-<br />
dencial em 94, que já se iniciou. Cabe às<br />
forças democráticas e populares explo-<br />
rar essas contradições para impor uma<br />
derrota àquele que melhor expressa o<br />
projeto Collor no Estado de São Paulo.<br />
Nesse quadro, a posição do PCdoB de<br />
votar em Fleury não implica qualquer<br />
compromisso com o futuro governo ou<br />
com projetos de seu esquema político.<br />
* da direção nacional do PC do B.<br />
da Republica. Precisa também apren-<br />
der a ser socialista. Considero uma<br />
das piores eleições em termos de dis-<br />
puta interna do Partido: máquinas uti-<br />
lizadas em favor de candidatos, luta<br />
interna durante o período eleitoral,<br />
falta de solidariedade e de unidade<br />
dentro do Partido. O povo brasileiro<br />
votou branco e nulo, em parte, indu-<br />
zido pelos meios de comunicação. Em<br />
parte, porque repudiou o atual sistema<br />
político/eleitoral e a atuação das casas<br />
legislativas; ou seja, repudiou o<br />
"centrão", o fisiologismo. Não repu-<br />
diou o PT e as esquerdas, ainda que o
Quinzena Política Nacional<br />
partido tenha sido prejudicado pelo<br />
voto branco e nulo e beneficiado pelo<br />
de legenda, o que mostra a força do<br />
nosso partido em termos de ideologia<br />
e de símbolo partidário".<br />
Luis Gushiken (Vice-Presidente<br />
Nacional do PT):<br />
"O grande número de votos bran-<br />
cos e nulos foi um recado muito gran-<br />
de sobre a política institucional. Creio<br />
que estão dizendo que vários proble-<br />
mas que dizem respeito ao cotidiano<br />
das pessoas s+
xista), ou como solução de compromisso<br />
na superação do capitalismo (social de-<br />
mocracia). Na versão marxista a realiza-<br />
ção de todos os princípios da democracia<br />
é o que se poderia definir como sociedade<br />
comunista. Essa realização é pensada<br />
como última etapa do desenvolvimento da<br />
humanidade.<br />
Democracia e socialismo não são<br />
iguais, são diferentes e um não implica ne-<br />
cessariamente na realização do outro: o<br />
socialismo pode não ser democrático. O<br />
democrático pode não ser socialista e não<br />
é capitalista. Essas diferenças resultam<br />
tanto da teoria quanto da prática. Em teoria<br />
a democracia é mais radical e abrangente<br />
do que o socialismo e é nesse sentido que<br />
é mais irrealizável na sua plenitude. Os<br />
países socialistas, reais ou não, existem.<br />
Os países democráticos não existem ple-<br />
namente.<br />
A conceituação de democracia e de<br />
socialismo é controversa: a democracia é<br />
disputada peto liberalismo e pelo marxis-<br />
mo. O liberalismo isola a democracia na<br />
esfera dos direitos e ou das instituições<br />
políticas e seus processos. O liberalismo<br />
não permite que a democracia entre no ter-<br />
reno da economia, protegida pelo conceito<br />
equívoco de livre iniciativa e economia de<br />
mercado. A democracia, na versão liberal,<br />
pára na porta da fábrica, separa o conceito<br />
de propriedade privada de sua dimensão e<br />
uso sociais. O marxismo, ora cai na arma-<br />
dilha liberal e adota frente a democracia<br />
uma postura essencialmente tática, ora<br />
busca coincidir socialismo com democra-<br />
cia diminuindo sua abrangência e sua radi-<br />
calidade.<br />
Nos processos históricos os princípios<br />
fundamentais da democracia (igualdade,<br />
diversidade, participação, liberdade, solida-<br />
nedadej são muitas vezes negados no so-<br />
cialismo, ou realizados de forma isolada e<br />
não sumultâneos: igualdade sem participa-<br />
ção, solidariedade sem liberdade.<br />
A justificação histórica do socialismo<br />
está batizada pela democracia. A própria<br />
noção, ou conceito, de ditadura do proleta-<br />
nado tenta legitimar-se como etapa provi-<br />
sória necessária para estabelecer os di-<br />
reitos da maioria sobre a minoria. Quando<br />
não realiza seus princípios, ou segundo<br />
seus princípios, perde sua legitimidade<br />
como socialismo. Razões históricas, con-<br />
cretas, são sempre levantadas para negar<br />
os princípios aa democracia na realização<br />
do socialismo, definindo-se então uma<br />
contradição entre ética e política que aca-<br />
ba por sacrificar os dois (socialismo e de-<br />
mocracia) e as duas (ética e política).<br />
O processo democrático que se de-<br />
senvolve no mundo está recolocando a<br />
questão da democracia no centro do de-<br />
bate. Neste contexto a questão do socia-<br />
lismo só tem sentido como questão demo-<br />
crática. O socialimo submetido à crítica da<br />
democracia só tem sentido como reinven-<br />
ção total. O socialismo só tem sentido co-<br />
;.:.K:^.::mí-.;K-:.:.<br />
mo democracia. E ousaria dizer que assim<br />
como os PCs estão rediscutindo o seu<br />
próprio nome, para indicar a mudança de<br />
sua identidade política, o socialismo deve e<br />
está rediscutindo também o seu próprio<br />
nome. O verdadeiro nome do socialismo é<br />
democracia, assim como a natureza da<br />
crise do socialismo está na ausência da<br />
democracia. Como diz Gorbatchev, no li-<br />
vro Perestroika: "Em resumo, precisamos<br />
da ampla democratização de todos os as-<br />
pectos da sociedade. Esta democratiza-<br />
ção é também a principal garantia de irre-<br />
versibilidade do curso atual. Sabemos hoje<br />
que poderíamos ter evitado muitos proble-<br />
mas se o processo democrático tivesse se<br />
desenvolvido normalmente. Aprendemos<br />
essa lição e não a esqueceremos. Agora<br />
vamos nos ater firmemente à idéia de que<br />
só podemos ter progresso na produção,<br />
ciência, tecnologia, cultura e arte, e em to-<br />
dos os campos sociais, se promovermos o<br />
desenvolvimento constante das fórmulas<br />
democráticas inerentes ao socialismo e da<br />
expansão da autogestão". "A essência da<br />
perestroika está no fato de que une socia-<br />
lismc com democracia e revive o conceito<br />
leninista de construção socialista na teoria<br />
e na prática. Esta é a essência da peres-<br />
troika, aquilo que é responsável por seu<br />
espírito revolucionário genuíno e seu cam-<br />
po de ação totalmente abrangente". "Que-<br />
remos mais socialismo e, por isso, mais<br />
democracia".<br />
A solução da social democracia é um<br />
meio caminho e uma solução de compro-<br />
misso de vôo curto, apesar de que sempre<br />
é melhor que o autoritarismo instalado no<br />
socialismo.<br />
A social democracia, quando propõe<br />
construir a democracia no capitalismo, sa-<br />
crifica a democracia para salvar o capita-<br />
lismo. Quando se propõe como alternativa<br />
ao socialismo sacrifica a democracia para<br />
ficar com o meio caminho. A solução não é<br />
ficar no meio do caminho mas caminhar na<br />
única direção que nos leva de novo ao ei-<br />
xo da revolução: a democracia.<br />
O verbo da revolução, para usar uma<br />
expressão cara à teologia, é a democracia.<br />
E isso é fundamental num sentido muito<br />
particular para a própria idéia de revolução:<br />
só a democracia é inacabável como pro-<br />
jeto, tudo o mais começa como revolução<br />
e se nega como ordem, começa como li-<br />
berdade e termina como sua negação.<br />
Essa idéia do caráter interminável, ina-<br />
cabável, da democracia como um proces-<br />
so que, sendo concreto, não se esgota<br />
nunca em suas realizações concretas de-<br />
fine uma contradição irreconcilíavel entre<br />
democracia e o pensamento dogmático<br />
que prosperou de forma incontrolável no<br />
meio da esquerda. Não existe a verdade<br />
do socialismo, a verdade da democracia.<br />
Existe um processo de realização sempre<br />
contraditório e interminável dos princípios<br />
da democracia nas sociedades concretas.<br />
Nesse sentido uma sociedade nunca é<br />
democrática. Uma das formas mais efica-<br />
Poíitíca Nacional<br />
zes encontradas para se impedir o desen-<br />
volvimento do pensamento revolucionário,<br />
socialista foi exatamente o de sua conver-<br />
são em dogma, ou dogmática. As igrejas<br />
de esque[da crucificaram junto com a dia-<br />
lética a própria democracia. Era como se a<br />
teologia tivesse se reencarnado não mais<br />
como o ópio do povo mas como ópio do<br />
partido. E esse modo de pensar e agir<br />
certamente tem muito que ver com o auto-<br />
ritarismo que não foi exorcizado da cultura<br />
dita revolucionária. Quando a democracia<br />
não atinge o próprio modo de pensar ela é<br />
substituída por seu contrário.<br />
A política moderna, tanto no ocidente<br />
como no oriente, no leste como no oeste,<br />
mantém o culto do tempo e dos homens.<br />
No mundo socialista a revolução que se<br />
pretende permanente, lideranças que se<br />
pretendem eternas mesmo depois de<br />
mortas, mortos que não se enterram e que<br />
são venerados como santos, compõem<br />
uma semelhança com o pensamento reli-<br />
gioso, dogmático e a-histórico que sacrali-<br />
za um tipo de ordem incompatível com os<br />
princípios democráticos, particularmente<br />
os da igualdade e da diversidade. O socia-<br />
lismo real está hoje vivendo a derrubaaa<br />
de seus santos, altares e mortos vivos. Os<br />
homens e mulheres concretos que se mo-<br />
vem no sentido da cidadania e da liberdade<br />
estão jogando esses mitos no chão para<br />
poderem ocupar seu lugar.<br />
No Brasil, a esquerda perdeu (se é que<br />
já teve algum dia), basicamente, o sentido<br />
tanto da democracia como do socialismo.<br />
A perda maior no entanto se refere à<br />
questão democrática.<br />
Pode-se dizer que a esquerda brasileira<br />
nunca fez um exame e uma crítica global<br />
da realidade brasileira sob o prisma da<br />
democracia. De modo geral a esquerda foi<br />
mais capaz de entender o desenvolvi-<br />
mento do capitalismo do que de fazer a<br />
crítica desse desenvolvimento sob o pris-<br />
ma da democracia. As melhores histórias<br />
econômicas foram feitas sob inspiração de<br />
categorias marxistas. Nos faltam no en-<br />
tanto histórias políticas que tenham a<br />
questão democrática como central, apesar<br />
de tanto autoritarismo e ditadura. Mas não<br />
basta lutar contra a ditadura para ser for-<br />
mado em democracia. Em grande medida<br />
isso de deveu à enorme influência do pen-<br />
samento positivista, determinista na cultura<br />
brasileira, incluindo a esquerda. Mas tam-<br />
bém resultou da assimilação da cultura<br />
autoritária dominante que compõe uma<br />
concepção de política e um modo de fazer<br />
política. E uma esquerda que não é capaz<br />
de pensar e praticar a democracia está<br />
condenada a viver sem ela. Estou com is-<br />
so também querendo dizer que existe uma<br />
crítica autoritária do capitalismo que não<br />
leva à democracia, já que muitas vezes a<br />
esquerda se caracteriza mais pela crítica<br />
que faz do capitalismo do que pela demo-<br />
cracia que propõe.<br />
HERBERf DE SOUZÃ^ sociólogo, é diretor do<br />
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômi-<br />
cas (Ibase).
Vermelho e Branco - Setembro/90<br />
Trecho da intervenção de Mikhail<br />
Gortatchev resumindo os debates<br />
sobre o Relatório do Comitê Central ao<br />
28* congresso do PCUS<br />
A liberdade é o principal resultado da<br />
perestroika, que deu "luz verde" à iniciati-<br />
va do povo, isentou-o dos dogmas obso-<br />
letos, despertou-o para velar pelo futuro<br />
do seu pais e do socialismo, envolveu mi-<br />
lhões de pessoas na vida política e deu<br />
início às transformações sem as quais não<br />
teremos futuro. Mesmo o presente Con-<br />
gresso decorreria num ambiente diferente<br />
sem esta liberdade.<br />
O stalinismo e o brejnevismo criaram<br />
no país um ambiente abafado e repressivo.<br />
Agora, com o advento da liberdade, as-<br />
siste-se a manifestações pouco ou nada<br />
construtivas, que acabam de vir à superfí-<br />
cie. Temos de aceitar este fenômeno, pois<br />
a tarefa número um de qualquer revolução<br />
consiste em dar liberdade ao povo. A pe-<br />
restroika já cumpriu esta tarefa por inter-<br />
médio da abertura democrática e da glas-<br />
nost.<br />
O renascimento psicomoral do nosso<br />
povo é um imperativo que segue a olhos<br />
vistos e, apesar de todas as suas defi-<br />
ciências, exerce uma influência colossal.<br />
Todo o país já é diferente, e nós somos<br />
também diferentes. Existe, entretanto, um<br />
outro aspecto da questão: nenhum de nós,<br />
nem as novas estruturas do poder ou as<br />
novas organizações e movimentos, ainda<br />
não aprendemos a usufruir devidamente<br />
a liberdade que acabamos de obter, tor-<br />
nando-se tarefa prioritária fazê-lo o mais<br />
rapidamente possível.<br />
A nossa reforma política forneceu re-<br />
sultados bastante significativos. Criamos<br />
já novas estruturas de poder a todos os<br />
níveis, com base na livre expressão da<br />
vontade do povo por via democrática.<br />
Continuamos a aperfeiçoar estas estrutu-<br />
ras, atribuindo um conteúdo concreto à<br />
nossa democracia e à noção de estado de<br />
direito. Ficou oatente nesta sala, por mais<br />
de ama vez, o tato de raltarem a esrns es-<br />
truturas experiência e cultura políticas,<br />
competência e conhecimentos nesta ou<br />
naquela matéria em especifico. Os novos<br />
Sovietes continuam em fase de formação:<br />
não obstante, já começaram a agir. Está<br />
patente o sentido de responsabilidade dos<br />
deputados, o seu desejo de passar, o mais<br />
rapidamente possível, a tratar de assuntos<br />
concretos, com destaque para as neces-<br />
sidades prementes da população.<br />
É assim que se restabelece o poder<br />
dos Sovietes. Este é um dos resultados<br />
mais importantes da perestroika, para o<br />
qual as organizações e os militantes do<br />
Partido deram uma contribuição de grande<br />
peso. Todavia, assiste-se, em algumas re-<br />
PERESTROIKA<br />
SIGNIFICA LIBERDADE<br />
giões, a uma certa alienação entre os<br />
PCUS e os Sovietes. Compete aos comu-<br />
nistas responsabilizar por este fato a si<br />
mesmos, em primeiro lugar, e renunciar,<br />
de uma vez por todas, à velha atitude para<br />
com os Sovietes, ao estilo e métodos her-<br />
dados do sistema administratlvo-burocràti-<br />
co. Os novos órgãos de poder reagem a<br />
semelhantes reincidências com indigna-<br />
ção.<br />
Quero repetir, uma vez mais, o que já<br />
disse no relatório. O reforço da ordem e da<br />
legalidade, a formação de mecanismos<br />
capazes de põr em execução as delibera-<br />
ções dos órgãos de poder que estão dire-<br />
tamente vinculados à devolução incondi-<br />
cional dos poderes e competências aos<br />
Sovietes de todos os níveis. É dever sa-<br />
grado de todo o PCUS, das organizações<br />
Vermelho e Branco - Outubro/90<br />
fala<br />
Michael Lowy nasceu em São<br />
Paulo em 1938 e saiu exilado do<br />
Brasil em 1969, rumo à França,<br />
onde vive desde então. Colaborador<br />
da corrente IV Internacional, diri-<br />
gida pelo economista Ernest Man-<br />
dei, Lowy tem vários livros publi-<br />
cados em português, entre eles<br />
Marxismo e religião na América Lati-<br />
na e Redenção e utopia: o judaísmo<br />
libertário na Europa Central, ambos<br />
editados pela Companhia das Le-<br />
tras.<br />
"É verdade que a democratização<br />
libertou os povos do Leste de 40 anos<br />
de ditadura stalinista. Mas, ao mesmo<br />
tempo, há uma espécie de revanche<br />
das forças neoliberais, restauradoras<br />
do capitalismo, e de nacionalisipos<br />
por vezes perigosos, o que não per-<br />
mite previsões mais otimistas". A<br />
afirmação é do sociólogo Michael<br />
Lowy, que falou ao Vermelho e Bran-<br />
co durante o seminário sobre Leon<br />
Trotsky.<br />
Para Lowy, "se há no Leste um<br />
sentimento autêntico de recuperação<br />
dos valores nacionais, também existe<br />
o 'acerto de velhas contas', congela-<br />
das pelo stalinismo. Vemos o ressur-<br />
e dos comitês do Partido, dos militantes<br />
comunistas eleitos para os Sovietes e os<br />
organismos dirigentes dos coletivos labo-<br />
rais, contribuir neste sentido. Simultanea-<br />
mente, apelo aos deputados dos Sovietes<br />
para que ajam de um modo mais construti-<br />
vo, observando as normas constitucionais<br />
e legais, i-aço este apeio, sobretudo, como<br />
presidente. Vale ressaltar que alguns de-<br />
putados preferem a cofrontação. Assiste-<br />
se a dois males igualmente perigosos: a<br />
incompreensão, por parte dos comunistas,<br />
da ausência dos novos Sovietes e da sua<br />
missão de contribuir para que a situação<br />
no país volte à normalidade, por um lado, e<br />
a incompreensão, por parte dos deputa-<br />
dos, da necessidade de cooperar com as<br />
organizações do PCUS, por outro."<br />
Michael Lowy<br />
de "velhas contas"<br />
gimento do anü-semiüsmo, sérvios<br />
lutando contra croatas e albaneses na<br />
Iugoslávia, armênios contra azeris na<br />
URSS, em uma tendência que promete<br />
se agravar no futuro".<br />
"Sem dúvida, a maioria dos povos<br />
do Leste, ao eleger governos conser-<br />
vadores, está optando por alternativas<br />
econômicas neoliberais, como res-<br />
posta a décadas de fracasso da plani-<br />
ficação burocrática", raciocina. "Mas<br />
creio que há uma certa ilusão, que os<br />
meios de comunicação do Ocidente se<br />
encarregam de espalhar ainda mais.<br />
Muita gente no Leste acredita que está<br />
entrando no primeiro mundo, quando<br />
a tendência é a terceiro-mundialização<br />
do antigo bloco socialista. A expe-<br />
riência fará posteriormente vários paí-<br />
ses optarem por um terceiro caminho,<br />
o socialismo democrático, onde o Es-<br />
tado controle as principais alavancas<br />
da economia, autogeridas democrati-<br />
camente pelos trabalhadores. Uma so-<br />
ciedade onde as grande» opções - se<br />
devem ser construídos mais automóvel<br />
ou ônibus, por exemplo — sejam de-<br />
terminadas por ela própria, e não por<br />
meio dúzia de tecnocratas ou capita-<br />
listas", acredita Lowy.
Para o sociólogo, "não se pode<br />
confundir o socialismo democrático<br />
com a estatização de tudo, incluindo<br />
restaurantes, sapatarias ou carrinhos<br />
de pipocas. E creio que um aspecto<br />
central do desenvolvimento deste ter-<br />
ceiro caminho será a preservação do<br />
meio ambiente, destruído tanto pelo<br />
modelo estatal burocrático como pelo<br />
capitalismo", diz.<br />
De acordo com Michael Lowy,<br />
"embora o socialismo esteja hoje na<br />
defensiva, existem sinais bastante<br />
animadores. Muitos capitalistas que<br />
investem no antigo bloco socialista<br />
reclamam de uma certa 'tendência<br />
igualitária obstinada' das populações;<br />
uma resistência a se submeter a de-<br />
Vermelho e Branco - Setembro/90<br />
UCRÂNIA E<br />
BIELO-RUSSIA<br />
As declarações de soberania da Ucrânia e<br />
Bielo-Russia representam um dos maiores desa-<br />
fios já enfrentados pela glasnost de Mikhail Gor-<br />
batchev. A Ucrânia, por exemplo, tem 52 milhões<br />
de habitantes, produz a metade de ferro e um<br />
quarto do carvão, leite e carne consumidos no<br />
pafs. Por muitos anos a Ucrânia e principalmente a<br />
Bielo-Rússia, foram apresentadas como evidên-<br />
cias do "sucesso" da política de russificação só-<br />
cios minontános de Moscou. Até a metade dos<br />
anos 80, o Kremlin considerava o nacionalismo lo-<br />
cal extinto.<br />
A forma como Bielo-Rússia e Ucrânia decla-<br />
raram sua soberania também colocou Gotbatchev<br />
em xeque. Conhecendo o fracasso da indepen-<br />
dência declarada a seco pelos Lituanos, forçados<br />
a voltar atrás devido às pressões de Moscou, as<br />
duas repúblicas se apressaram em garantir sua<br />
"fidelidade á federação". Nem por isso deixaram<br />
de adotar medidas radicais, que na prática redefi-<br />
nem as relações entre a URSS e as duas repúbli-<br />
cas. A Ucrâijia anunciou a formação de seu próprio<br />
exército e criou sua moeda. Até a Igreja Ucraniana<br />
reivindica seu distanciamento do centro moscovita.<br />
Ucranianos e blelo-russos têm profundas liga-<br />
ções históricas com os poloneses e bâlticos, cujo<br />
renascimento nacional deixou reflexos sobre os vi-<br />
zinhos. A Bielo-Rússia - então autônoma - fez<br />
parte do Grâo-Ducado de Kiev entre os séculos IX<br />
e XIV, junto com outros povos da regiáo. Absorvi-<br />
dos pelo império czarista no século XVIII, os bie-<br />
lo-russos foram submetidos desde então a um<br />
duro processo de russiScação, massacre de suas<br />
tradições culturais. A república teria um breve mo-<br />
mento de independência entre 1918 e 1919, de-<br />
pois da revolução socialista. Mas, como república<br />
socialista, seria logo incorporada à URSS.<br />
Sobre o governo de Stalln, a coletivização for-<br />
çada na zona rural (1938/41) deixou um saldo ter-<br />
rível na Bielo-Rússia: dois milhões de mortos, que<br />
se somariam a outros 2,2 milhões durante a ocu-<br />
pação nazBta (a república tinha lOmilhõesde ha-<br />
bitantes, à época).<br />
A glasnosl abriu espaço para o renascimento<br />
nacional bielo-russo. Em 1986, um grupo de inte-<br />
lectuais enviou uma carta ao Kremlin, exigindo a<br />
plena restauração do idioma no ensino e nas re-<br />
partições públicas. No ano seguinte, os mesmos<br />
intelectuais estariam à frente da descoberta de fos-<br />
sas comuns, com restos de cerca de 500 mil viti-<br />
mas do stalinismo.<br />
Daf por diante sucederam-se as manifestações<br />
em favor da autonomia nacional, por vezes reunin-<br />
do centenas de milhares de pessoas no centro de<br />
Minsk, a capital. Em novembro de 1989, a recém<br />
terminadas normas, usuais na cartilhíu<br />
neoliberal. Esse é um excelente ponto<br />
de partida para o desenvolvimento da<br />
alternativa socialista democrática. E já<br />
há correntes que defendem este mo-<br />
delo — são minoritárias mas não insig-<br />
nificantes, como o novo Partido So-<br />
cialista, na URSS, e as facções alter-<br />
nativas dentro do Fórum Cívico tche-<br />
coslovaco".<br />
Quanto ao novo modelo econômico<br />
que começa a ser adotado na URSS,<br />
Lowy afirma que "o plano ultraliberal<br />
elaborado por Boris Yeltsin representa<br />
um passo fundamental rumo à restau-<br />
ração do capitalismo. Isso demonstra<br />
que, apesar de Mikhail Gorbatchev e<br />
sua equipe serem gente bem intencio-<br />
-.-.-.-.- Fronteira do Império<br />
tzarista em 1914<br />
LITUÂNIA<br />
Naçéo bíltlc» majorltarl»-<br />
mente católica, unida à Po-<br />
Ma de 1386 a 1795<br />
Anexada pela Rússia em<br />
1795<br />
Independente de 1918 a<br />
1940<br />
POLÔNIA<br />
Em outras épocas, unida<br />
a Lituânia, foi o maior<br />
pais da Europa.<br />
Em grande parte anexa-<br />
da pela Rússia entre<br />
1773 e 1795. Indepen-<br />
dente desde 1918.<br />
UCRÂNIA<br />
Nação de eslavos orientais conhecldlos antiga-<br />
mente como rutenos, e denominados "peque-<br />
nos russos' pelos teares. Anexada é Rússia em<br />
várias etapas entre 1662 e 1795. A Ucrânia Ocl-<br />
-dantal, sob o nome de Galicla Oriental foi parte<br />
da Áustria e da Polônia até'1939. Independente<br />
de 1918 a 1920; reconquistada pelo Exército<br />
Vermelho.<br />
criada Frente Popular Blelo-Russa participou da<br />
conferência do Movimento Democrático Nacional<br />
dos Povos da URSS, reunindo também represen-<br />
tantes da Armênia, Geórgia, Ucrânia, Lituânia,<br />
Letônia e Estônia. O enconlro concluiu exigindo a<br />
plena restauração dos direitos nacionais e culturais<br />
dos povos da URSS. Naquele mesmo ano, a<br />
Frente Popular elegeu cinco dos sete represen-<br />
tantes distritais por Minsk no Congresso dos De-<br />
putados do Povo, da URSS. E em novembro, o go-<br />
verno bielo-russo relnstituia o ensino obrigatório<br />
do idioma no primeiro grau, assim como exames<br />
dp bielo-russo para o ingresso nas universidades:<br />
primeiro passo para a soberania declarada em ju-<br />
lho passado.<br />
ja o renascimento nacional ucraniano tem na<br />
origem a profunda oposição á russificação e ao<br />
stalinismo. Entre quatro e seis milhões de ucrania-<br />
nos, foram mortos de fome, com a coletivização<br />
forçada. Dez mil casos de antropofagia registra-<br />
ram-se à época. E o horror stalinista levou inclusi-<br />
ve grande parte da população a apoiar os invaso-<br />
nada — o setor mais lúcido da burocra-<br />
cia soviética —, eles não têm rumo<br />
certo. São extremamente pragmáticos<br />
e oscilam seus planos conforme o<br />
momento. Veja que, até o acordo com<br />
Yeltsin, "Gorbatchev defendia uma re-<br />
forma, conservando a essência do re-<br />
gime socialista; agora tudo mudou",<br />
afirma.<br />
Michael Lowy reconhece que "as<br />
tendências hegemônicas favorecem a<br />
restauração do capitalismo". Mas faz<br />
uma ressalva: "A revolução que des-<br />
truiu a burocracia stalinista representa<br />
a vitória dos ideais de democracia e<br />
pluralismo. E, nesse sentido, é tam-<br />
bém uma vitória póstuma de Leon<br />
Trotsky", conclui.<br />
TRANSCAUCASIA<br />
PAÍSES INDEPENDENTES -1918-1921]<br />
FINLÂNDIA<br />
Andgaments unMa i Suéda.<br />
Araiada peta Rúarta em 1918<br />
Independente desde 1918<br />
ESTÔNIA<br />
Historicamente e<br />
à Finlândia.<br />
Antigamente parte da Suécia até<br />
1308, quando foi anexada à Rússia.<br />
Independente de 1918 a 1940<br />
Antigamente Uvônia e Ducsdo de Curiande.<br />
Parte da Suécia até 1808. então anexada<br />
à Rússia.<br />
Independente de 1918 a 1940<br />
Mah propriamente "Ruttnto Branca", nsçào es-<br />
lava oriental esUeitanieiHe ligada aos ucrania-<br />
nos. Historicamente, parte do Gréo-Oucado da<br />
Utuânia até 1793.<br />
Teoricamente independente desde 1918<br />
C0SSAC0S DO DON<br />
Comunidade autônoma, indepen-<br />
dente por um breve periodo durante<br />
a Guerra CMI Russa<br />
Anexada pela Rússia de 1801 a 1828. A Geórgia e a Armênia sao velhas<br />
nações cristãs. A Armênia Ocidental foi parte do império otomano 0 Aor-<br />
baljão (muçulmano) era parte da Pérsia (Irã). Independente de 1918 a<br />
1921<br />
res nazistas durante a guerra.<br />
Após a expulsão dos alemães, átalin desenca-<br />
deou uma sangrenta represália, que terminou com<br />
o assassinato de centenas de milhares de ucrania-<br />
nos e a transferêneta para a república de milhões<br />
de russos étnicos (hoje eles são 21% da popula-<br />
ção).<br />
As coisas mudaram com a glasnost e naciona-<br />
listas ucranianos passaram a manter contatos es-<br />
treitos com o Solidariedade polonês e movimentos<br />
semelhantes no Báltico.<br />
O que culminou com a eleição da Frente Po-<br />
pular (Roukh) para o governo, e a declaração da<br />
soberania. A ogeriza ao stalinismo. porém, deixou<br />
marcas protundas na memória da população e o<br />
próprio Roukh denuncia o ressurgimento de gru-<br />
pos nazistas em Kiev, a capital. Um dos dirigentes<br />
da Frente Popular, Bension Kotlik, que é judeo re-<br />
conheceu que a população judaica está atemoriza-<br />
da com o fantasma do renascimento do anti-semi-<br />
tismo ucraniano, e vem solicitando em massa a<br />
emigração para Israel.
Vermelho e Branco - Setembro/90<br />
A COMPLICADA<br />
FEDERAÇÃO<br />
SOVIÉTICA<br />
dos Aga<br />
Buriatos<br />
dos Komis-<br />
Permiaka<br />
Em<br />
defesa<br />
do Socialismo<br />
Florestan Fernandes<br />
A Federação Soviética é tão complexa que exige um bom tempo para a<br />
compreensão de seu organograma. O território é dividido em 15 Repúbücas<br />
Soviéticas, casa uma com o nome da nacionalidade dominantes. Estão repre-<br />
sentadas no círculo centraL Dentro delas, no entanto, há muitas outras nacio-<br />
nalidade, as mais significativas conando também com organização política<br />
própria. São 20 Repúblicas Autônomas, representadas no semkJruik) se-<br />
guinte, 8 Regiões Autônomas representadas nas extremidades lalenaLv e 10<br />
Áreas, ou distritos nacionais, representadas no extremo inferior. Ao todo, são<br />
53 Unidades Federadas. A relação de inclusão é indicada pelos tra^os-de-<br />
união. As cores ajudam a identificar estas relações. Por exemplo, todas as fi-<br />
gurás-em branco indicam unidades internas à República Soviética Russa.<br />
No momento, cada uma dessas nacionalidades reclama seus direitos, seja<br />
contra a União, seja contra a nacionalidade dominante na unidade a que per-<br />
tence.<br />
REPÚBLICAS SOCIALISTAS<br />
SOVIÉTICAS<br />
dos Cacássios<br />
lamai-Nenets<br />
dos Koriak dos Tchuktches dos Evenks<br />
Florestan Fernandes<br />
ataca com vigor o anacronismo<br />
histórico do neoliberalismo,<br />
fala sobre o futuro da<br />
revolução latino-americana;<br />
do Partido dos Trabalhadores;<br />
combate aqueles que<br />
consideram que o marxismo morreu,<br />
mostra as diferenças entre<br />
os processos vividos pela URSS<br />
e pelos paises do Leste europeu.<br />
Florestan faz un convite<br />
muito especial para que<br />
voltemos a leitura dos clássicos<br />
para melhor entendermos seus<br />
intérpretes e suas<br />
contribuições valiosas.<br />
x<br />
tn<br />
O<br />
O<br />
O<br />
z<br />
O<br />
>
in "A Poesia Possível" de<br />
OS DESAPARECIDOS Affonso Romano de Santana<br />
1<br />
De repente, naqueles dias, começaram<br />
a desaparecer pessoas, estranhamente.<br />
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito<br />
naqueles dias.<br />
Ia-se colher a flor oferta<br />
e se esvanecia.<br />
Eclipsava-se entre um endereço e outro<br />
ou no taxi que se ia.<br />
Culpado ou não, sumia-se<br />
Ao regressar do escritório ou da orgia.<br />
Entre um trago de conhaque<br />
e um aceno de mão, o bebedor sumia.<br />
Evaporava o pai<br />
ao encontro da filha que não via.<br />
Mães segurando filhos e compras,<br />
gestantes com tricots ou grupos de estudantes<br />
desapareciam.<br />
Desapareciam amantes em pleno beijo<br />
e médicos em meio a cirurgia.<br />
Mecânicos de diluiam<br />
- mal ligavam o tomo do dia.<br />
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito<br />
naqueles dias.<br />
Desaparecia-se a olhos vistos<br />
e não era miopia. Desaparecia-se<br />
até à primeira vista. Bastava<br />
que alguém visse um desaparecido<br />
e o desaparecido desaparecia.<br />
Desaparecia o mais conspícuo<br />
e o mais obscuro sumia.<br />
Até deputados e presidentes esvanesciam.<br />
Sacerdotes, igualmente levitando<br />
iam, aerefeitos constatas no além<br />
como os pescadores partiam.<br />
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito<br />
naqueles dias.<br />
Os atores no palco<br />
entre urn gesto e outro, e os da platéia<br />
enquanto riam.<br />
Não, não era fácil<br />
ser poeta naqueles dias.<br />
Porque os poetas, sobretudo<br />
- desapareciam.<br />
Se fosse ao tempo da Bíblia, eu diria<br />
que carros de fogo arrebatavam os mais puros<br />
em mística euforia. Não era. E ironia.<br />
E os que estavam perto, em pânico, fingiam<br />
que não viam. Se abstraiam.<br />
Continuavam seu baralho a conversar demências<br />
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo<br />
com roupas e dentes.<br />
Em toda família à mesa havia<br />
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.<br />
Servia-se comida fria ao extinguido parente<br />
e isto alimentava ficções<br />
- nas salas e mentes<br />
enquanto no palácio, remorsos vivos<br />
boiavam<br />
- na sopa do presidente.<br />
As flores olhando a cena, não compreendiam.<br />
Indagavam dos pássaros, que emideciam.<br />
As janelas das casas, mal podia crer<br />
- no que viam.<br />
As pedras, no entanto,<br />
gravavam os nomes dos fantasmas<br />
pois sabiam que quando chegasse a hora<br />
por serem pedras, falariam.<br />
O desaparecido é como um rio:<br />
- se tem nascente, tem foz.<br />
Se teve corpo, tem ou terá voz.<br />
Não há verme que em sua fome<br />
roa totalmente um nome. O nome<br />
habita as vísceras da fera<br />
como a vítima corroe o algoz.<br />
E surgiram sinais precisos<br />
de que os desaparecidos, cansados<br />
de desaparecerem vivos<br />
iam aparecer mesmo mortos<br />
florescendo com seus corpos<br />
a primavera de ossos.<br />
Brotavam troncos de árvore,<br />
rios, insetos e nuvens<br />
em cujb porte se viam<br />
vestígios dos que sumiam.<br />
Os desaparecidos, enfim,<br />
amadureciam sua morte.<br />
Desponta um dia uma tíbia<br />
na crosta fria dos dias<br />
e no subsolo da história<br />
- coberto por duras botas,<br />
faz-se amarga arqueologia.<br />
A natureza, como a história,<br />
segrega memória e vida<br />
e cedo ou tarde desova<br />
a verdade sobre a aurora.<br />
Não há cova funda<br />
que sepulte<br />
Não há túmulo que oculte<br />
os frutos da rebeldia.<br />
Cai um dia em desgraça<br />
a mais torpe ditadura<br />
quando os vivos saem a praça<br />
e os mortos, da sepultura.<br />
- a rasa covardia.