14.06.2013 Views

Cá estou de volta no filme 'De ida para o passado* - cpvsp.org.br

Cá estou de volta no filme 'De ida para o passado* - cpvsp.org.br

Cá estou de volta no filme 'De ida para o passado* - cpvsp.org.br

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Folha <strong>de</strong> Sáo Paulo - 17.10.90<<strong>br</strong> />

Lednck) Martins Rodrigues<<strong>br</strong> />

A avalanche <strong>de</strong> votos nulos e <strong>br</strong>ancos<<strong>br</strong> />

e os elevados fndices <strong>de</strong> abstenções na<<strong>br</strong> />

votação do dia 3 alarmou a classe política<<strong>br</strong> />

e os círculos mais influentes do pafs. O<<strong>br</strong> />

fato foi interpretado como uma forma <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

repúdio à classe política, que teria conse-<<strong>br</strong> />

qüências negativas <strong>para</strong> o regime <strong>de</strong>mo-<<strong>br</strong> />

crático. Seguramente, a alta proporção <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

votos <strong>br</strong>ancos e nulos e <strong>de</strong> abstenção, do<<strong>br</strong> />

ponto <strong>de</strong> vista dos valores e objetivos <strong>de</strong>-<<strong>br</strong> />

mocráticos, não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<<strong>br</strong> />

como algo positivo. Mas, talvez, as conse-<<strong>br</strong> />

qüências <strong>para</strong> a continu<strong>ida</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática<<strong>br</strong> />

não sejam as que, à primeira vista, o fato<<strong>br</strong> />

parece sugerir.<<strong>br</strong> />

Conviria, aqui, levar em conta dois as-<<strong>br</strong> />

pectos: o primeiro diz respeito às circuns-<<strong>br</strong> />

tâncias que po<strong>de</strong>riam ser entend<strong>ida</strong>s como<<strong>br</strong> />

atenuantes; o segundo diz respeito ao<<strong>br</strong> />

conjunto <strong>de</strong> fatores que favorecem a esta-<<strong>br</strong> />

bil<strong>ida</strong><strong>de</strong> dos regimes <strong>de</strong>mocráticos. No dia<<strong>br</strong> />

3, o eleitorado foi chamado às umas <strong>de</strong>-<<strong>br</strong> />

pois do clímax político da disputa presi-<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ncial do a<strong>no</strong> passado. Essa disputa não<<strong>br</strong> />

só foi a primeira, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase trinta<<strong>br</strong> />

a<strong>no</strong>s, realizada pelo voto direto, como<<strong>br</strong> />

também foi a primeira a utilizar o mecanis-<<strong>br</strong> />

mo do segundo tumo. A<strong>de</strong>mais, foi inten-<<strong>br</strong> />

samente concorr<strong>ida</strong>, colocando frente a<<strong>br</strong> />

frente dois cand<strong>ida</strong>tos e duas propostas<<strong>br</strong> />

antitéticas. A própria disputa presi<strong>de</strong>ncial<<strong>br</strong> />

já tinha sido a culminaçâo <strong>de</strong> segu<strong>ida</strong>s<<strong>br</strong> />

eleições. A repetição banaliza e <strong>de</strong>ssacra-<<strong>br</strong> />

liza o ato. Lem<strong>br</strong>emos que em outros paí-<<strong>br</strong> />

ses, <strong>de</strong> forte tradição <strong>de</strong>mocrática, como<<strong>br</strong> />

os EUA, os fndices <strong>de</strong> abstenção são sa-<<strong>br</strong> />

b<strong>ida</strong>mente elevados. Aqui, é forçoso reco-<<strong>br</strong> />

nhecer que a política é algo que, <strong>no</strong>rmal-<<strong>br</strong> />

mente, só interessa a um número reduzido<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> pessoas que têm alguma proxim<strong>ida</strong><strong>de</strong><<strong>br</strong> />

com os círculos dominantes e que têm al-<<strong>br</strong> />

guma possibil<strong>ida</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vir a ingressar na<<strong>br</strong> />

classe política, quer dizer, ao minúsculo<<strong>br</strong> />

segmento da população que participa da<<strong>br</strong> />

tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. São esses segmen-<<strong>br</strong> />

tos mi<strong>no</strong>ritários que, nas <strong>de</strong>mocracias, em<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>terminadas ocasiões, mobilizam a mas-<<strong>br</strong> />

sa <strong>de</strong> c<strong>ida</strong>dãos, procurando fazer com que<<strong>br</strong> />

ela participe, por um momento, do jogo po-<<strong>br</strong> />

lítico. O interesse comum, essencial, mas<<strong>br</strong> />

habitualmente não explicitado, dos mem-<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>os do conjunto da classe política é o <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fazer crer que o povo govema através <strong>de</strong>-<<strong>br</strong> />

la. Na verda<strong>de</strong>, a massa <strong>de</strong> eleitores sabe<<strong>br</strong> />

que não governa, mas não tem outra es-<<strong>br</strong> />

colha a não ser votar (ou não votar) <strong>no</strong>s<<strong>br</strong> />

cand<strong>ida</strong>tos que os partidos (ou pseudopar-<<strong>br</strong> />

tidos) lhe apresentam. O jogo <strong>de</strong>mocrático<<strong>br</strong> />

é assim mesmo e parece melhor do que<<strong>br</strong> />

outros em que não há essa possibil<strong>ida</strong><strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Passemos ao segundo aspecto acima<<strong>br</strong> />

mencionado: quais são as conseqüências<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> elevados índices <strong>de</strong> abstenção e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

iííifSS<<strong>br</strong> />

Os nulos, os <strong>br</strong>mcos e as abstenções<<strong>br</strong> />

votos nulos e <strong>br</strong>ancos? Na med<strong>ida</strong> em que<<strong>br</strong> />

as principais camadas da população que<<strong>br</strong> />

acompanham mais <strong>de</strong> perto o jogo polftico<<strong>br</strong> />

e as elites que concorrem pelo po<strong>de</strong>r estão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> acordo com relação às regras da dis-<<strong>br</strong> />

puta, os prejuízos <strong>para</strong> a estabil<strong>ida</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>-<<strong>br</strong> />

mocrática não parecem graves. A <strong>de</strong>mo-<<strong>br</strong> />

cracia representativa fundamenta-se <strong>no</strong><<strong>br</strong> />

jogo dos partidos, O que a <strong>de</strong>fine náo é a<<strong>br</strong> />

extensão e a intens<strong>ida</strong><strong>de</strong> da participação,<<strong>br</strong> />

mas o Estado <strong>de</strong> Direito, a garantia dos di-<<strong>br</strong> />

reitos individuais, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<<strong>br</strong> />

etc. etc. A participação dos c<strong>ida</strong>dãos,<<strong>br</strong> />

através do voto, é um fator positivo na me-<<strong>br</strong> />

d<strong>ida</strong> em que confere maior legitim<strong>ida</strong><strong>de</strong> e,<<strong>br</strong> />

eventualmente, maior base <strong>de</strong> sustentação<<strong>br</strong> />

ao regime <strong>de</strong>mocrático. Mas a extensão<<strong>br</strong> />

ráp<strong>ida</strong> do direito <strong>de</strong> voto po<strong>de</strong> trazer o au-<<strong>br</strong> />

mento da corrupção, da incompetência, do<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezo pelas regras da competição etc.<<strong>br</strong> />

Em muitos casos, a ampliação da partici-<<strong>br</strong> />

pação po<strong>de</strong> constituir um fator <strong>de</strong> enfra-<<strong>br</strong> />

quecimento, até mesmo <strong>de</strong> solapamento<<strong>br</strong> />

da <strong>de</strong>mocracia, se ela se processa contra<<strong>br</strong> />

o sistema <strong>de</strong>mocrático. Conhecemos al-<<strong>br</strong> />

gumas situações como essas, quando se<<strong>br</strong> />

amplia <strong>de</strong> modo <strong>br</strong>usco o corpo eleitoral,<<strong>br</strong> />

quando se out<strong>org</strong>a o direito <strong>de</strong> voto a po-<<strong>br</strong> />

pulações extremamente carente que ne-<<strong>br</strong> />

cessitam <strong>de</strong> proteção vinda "<strong>de</strong> cima", e,<<strong>br</strong> />

principalmente, quando nessas circuns-<<strong>br</strong> />

tâncias surgem elites anti-sistemas dis-<<strong>br</strong> />

postas a canalizar a participação justa-<<strong>br</strong> />

mente <strong>para</strong> a <strong>de</strong>struição da <strong>de</strong>mocracia.<<strong>br</strong> />

No caso <strong>br</strong>asileiro, houve certamente al-<<strong>br</strong> />

gum esforço <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> aperfeiçoa-<<strong>br</strong> />

mento dos mecanismos <strong>de</strong> funcionamento<<strong>br</strong> />

das instituições <strong>de</strong>mocráticas (voto se-<<strong>br</strong> />

creto, cédula única, eliminação dos currais<<strong>br</strong> />

eleitorais, da compra <strong>de</strong> voto, tentativa <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

minimizar a influência do fator dinheiro etc.)<<strong>br</strong> />

Mas esse esforço foi, em parte, contraria-<<strong>br</strong> />

do pelo rápido crescimento do eleitorado e<<strong>br</strong> />

pela ênfase out<strong>org</strong>ada à ampliação da par-<<strong>br</strong> />

ticipação: direito <strong>de</strong> voto ao analfabeto, aos<<strong>br</strong> />

adolescentes, o<strong>br</strong>igatorieda<strong>de</strong> do voto etc.<<strong>br</strong> />

Nas condições da socieda<strong>de</strong> <strong>br</strong>asileira, a<<strong>br</strong> />

Folha <strong>de</strong> Sáo Paulo -21.10.90<<strong>br</strong> />

ampSação do eleitorado significou o reoai-<<strong>br</strong> />

xamento do nível <strong>de</strong> informação e, como<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> acontecer, aumen-<<strong>br</strong> />

tou a distância entre a classe política e o<<strong>br</strong> />

corpo eleitoral. Conseqüentemente, au-<<strong>br</strong> />

mentou também a probabil<strong>ida</strong><strong>de</strong> dos votos<<strong>br</strong> />

nulos e <strong>br</strong>ancos e da abstenção. Nas con-<<strong>br</strong> />

dições especificas da transição <strong>de</strong>mocrá-<<strong>br</strong> />

tica <strong>br</strong>asileira, a sucessão <strong>de</strong> eleições,<<strong>br</strong> />

acompanhada das inevitáveis promessas<<strong>br</strong> />

que não po<strong>de</strong>m ser cumpr<strong>ida</strong>s, contribui<<strong>br</strong> />

<strong>para</strong> a <strong>de</strong>scrença na importância do voto.<<strong>br</strong> />

Nâo é um fenôme<strong>no</strong> catastrófico. As ten-<<strong>br</strong> />

dências contemporâneas vão nessa dire-<<strong>br</strong> />

ção <strong>no</strong>s países <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia consol<strong>ida</strong>-<<strong>br</strong> />

da. Não necessariamente isso significa um<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sinteresse pela política. Ao contrário.<<strong>br</strong> />

Po<strong>de</strong>-se mesmo consi<strong>de</strong>rar que, quanto<<strong>br</strong> />

mais firme o regime <strong>de</strong>mocrático, mais<<strong>br</strong> />

uma parte dos c<strong>ida</strong>dãos terá me<strong>no</strong>s inte-<<strong>br</strong> />

resse em exercer o direito <strong>de</strong> voto,<<strong>br</strong> />

Como <strong>no</strong>ta Inglehart, a participaçáo<<strong>br</strong> />

eleitoral e outras formas tradicionais <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ativ<strong>ida</strong><strong>de</strong> política estimulada e controlada<<strong>br</strong> />

pelas li<strong>de</strong>ranças políticas ten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cinar<<strong>br</strong> />

e ser substituídas por ações políticas não<<strong>br</strong> />

convencionais <strong>de</strong> pressão so<strong>br</strong>e as autori-<<strong>br</strong> />

da<strong>de</strong>s e so<strong>br</strong>e as elites políticas, Nem por<<strong>br</strong> />

isso a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>sses países parece<<strong>br</strong> />

correr riscos,<<strong>br</strong> />

Certamente, o Brasil não é exatamente<<strong>br</strong> />

um caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia consol<strong>ida</strong>da. Mas,<<strong>br</strong> />

com o fim dos regimes miítares e a crise<<strong>br</strong> />

terminal do socialismo, a polarização<<strong>br</strong> />

i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong>cli<strong>no</strong>u consi<strong>de</strong>ravelmente.<<strong>br</strong> />

Nenhuma força política relevante contesta<<strong>br</strong> />

hoje as regras das disputas <strong>de</strong>mocráticas.<<strong>br</strong> />

Convém, pois, enten<strong>de</strong>r os votos <strong>br</strong>ancos,<<strong>br</strong> />

nulos e as abstenções como componentes<<strong>br</strong> />

legítimos e inerentes dos regimes repre-<<strong>br</strong> />

sentativos.<<strong>br</strong> />

LEÔNCIO MARTINS ROGRIGUES, é profes-<<strong>br</strong> />

sor titular <strong>de</strong> ciência política da Unicamp e da USP<<strong>br</strong> />

e pesquisador do Cento <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cultura<<strong>br</strong> />

Contemporânea (Ce<strong>de</strong>c).<<strong>br</strong> />

A responsabil<strong>ida</strong><strong>de</strong> da esquerda<<strong>br</strong> />

André Singer<<strong>br</strong> />

Os resultados eleitorais <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

outu<strong>br</strong>o, mesmo com as incertezas <strong>de</strong>-<<strong>br</strong> />

correntes da apuração incompleta e do<<strong>br</strong> />

segundo tumo, já balizam o cenário<<strong>br</strong> />

que dominará o pafs <strong>no</strong> próximo pe-<<strong>br</strong> />

ríodo. Não é casual que, após o pleito,<<strong>br</strong> />

o quadro mais competente produzido<<strong>br</strong> />

pelo movimento militar <strong>de</strong> 1964 tenha<<strong>br</strong> />

sido chamado <strong>para</strong> ocupar o Ministé-<<strong>br</strong> />

ííííx-SÍ- íSÍÍSííSS<<strong>br</strong> />

rio da Justiça e a coor<strong>de</strong>nação política<<strong>br</strong> />

do gover<strong>no</strong> Collor. A med<strong>ida</strong> que seus<<strong>br</strong> />

pares foram legitimados pelas umas, o<<strong>br</strong> />

senador Jarfoas Passarinho ganhou,<<strong>br</strong> />

por extensão, passaporte <strong>para</strong> ocupar<<strong>br</strong> />

um lugar central <strong>no</strong> gover<strong>no</strong>. Nada<<strong>br</strong> />

mais justo.<<strong>br</strong> />

Mas, apesar do forte sentido con-<<strong>br</strong> />

servador dos resultados eleitorais, a<<strong>br</strong> />

esquerda, incluindo aí o PT, o PDT,<<strong>br</strong> />

os dois PCs e o PSB, registrou um<<strong>br</strong> />

"" ««»«»M*:&«W;W:W:¥:':V:-; ■<<strong>br</strong> />

.-'

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!