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16 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010<br />
“[...] Sólo que yo creo que el verdadero libro de la filosofía<br />
es el libro de la naturaleza, que tenemos siempre abierto ante los<br />
ojos; aunque no todos pueden leerlo, pues que está escrito en caracteres<br />
distintos a los de nuestro alfabeto”, Galileo. (Cf. BLU-<br />
MENBERG, Hans. Paradigmas para una metaforología. 2003,<br />
p.155). “O conhecimento dos animais que tinha a sua volta, daqueles<br />
que o ameçavam e aos quais dava caçada constitui o mais<br />
antigo saber do homem. Ele aprendeu a conhecê-los pelo ritmo<br />
dos seus movimentos. A escrita mais antiga que aprendeu a ler<br />
foi a dos rastros – uma espécie de notação rítmica que sempre<br />
existiu. Tal notação se estampava por si só na terra macia, e o<br />
homem que a lia associava a ela o ruído que lhe dera origem.”<br />
(CANETTI, Elias. Massa e poder. 2005, p.30).<br />
A imagem do livro da natureza aflora em uso na Idade<br />
Média, se desenvolve no Renascimento e transcorre até a Modernidade.<br />
Ramón Sibiuda (1436), Mestre em Artes e Medicina<br />
e distinguido Professor de Letras Sagradas, veio ser importante<br />
referência a muitos estudiosos, a filósofos, como Montaigne, a<br />
educadores, como Juan Amós Comenio, Galileo, Bacon e tantos<br />
outros que reconhecem esta ciência da leitura do mundo. Sibiúda<br />
apresenta seu livro como “Ciência do livro das criaturas, ou livro<br />
da natureza, e a Ciencia do<br />
homem, que é própria do<br />
homem enquanto homem, pelo<br />
que é necessária para todos os<br />
homens, e lhes resulta natural e<br />
conveniente” (Theología naturalis<br />
seu liber creaturarum.<br />
1480), aí utiliza a bela metáfora<br />
da natureza como um livro, esta<br />
nova ciência era como o alfabeto,<br />
que de modo admirável<br />
está incorporado a todos os livros,<br />
assim, devia ser o primeiro<br />
aprendido por todos, era<br />
a ciência comum a todos, “esta<br />
ciencia não é outra coisa que<br />
ver e conhecer a sabedoria escrita<br />
nas criaturas”, constitui o<br />
primeiro livro entregue ao<br />
homem, desde o princípio, nele<br />
está também contido o próprio<br />
homem, que é a principal de<br />
suas letras, este livro contém a<br />
ciência necessária para o<br />
homem.<br />
Para o educador Paulo<br />
Freire, uma compreensão crítica<br />
do ato de ler não se limita à decodificação<br />
da palavra ou da<br />
linguagem escrita, mas que se<br />
antecipa e se prolonga na inteligência<br />
do mundo, afirma: “A<br />
leitura do mundo precede a leitura<br />
da palavra”, e a posterior<br />
leitura desta não pode prescindir<br />
da continuidade da leitura<br />
daquele; com fundamentos similares,<br />
o filósofo Hans Blumenberg levantou as teses sobre a<br />
Legibilidade do mundo e a Metaforologia, esta como ciência que<br />
estuda a linguagem do espirito em seu movimento de antecipação<br />
do mundo ainda não reduzido a conceitos. Deduzimos que ainda<br />
sem palavras existe escrita e leitura, isto, por si, valoriza culturas<br />
cuja expressão ou deciframento do mundo - quer dizer, o extrair<br />
do vazio ou do silêncio- se dá, por exemplo, através de imagens<br />
e música; com razão Hegel define a música como a arte da interioridade<br />
subjetiva: “Com o som […] sentimos que entramos em<br />
uma esfera superior: o som toca nossa sensibilidade mais íntima.<br />
Dirige-se ao interior da alma, posto que o próprio som é o interno,<br />
o subjetivo” (curso de Estética em Berlin, 1823, transcrição<br />
de Heinrich Gustav Hotho); não é qualquer som, trata-se da<br />
música própria da natureza do homem; existem cifras, acordes<br />
de uma natureza mais perfeita que ressonam no homem que cuida<br />
dos seus sentidos, modo, talvez, mais seguro de escutar o ruído<br />
que lhe dera origem.<br />
A CIÊNCIA DO LIVRO DA NATUREZA<br />
O silêncio diz, significa, é signo, está cheio, pelo qual não é<br />
o mesmo que falta ou ausência, tal silêncio contém o pensamento,<br />
brilha a ideia no mar do silêncio, paira sobre suas águas<br />
o espírito, o silêncio comporta a contemplação. No tradicional<br />
conceito da creatio ex nihilo - crear de la nada- subjaz a “possibilidade”,<br />
não só do que devem per si, mas que o mundo como<br />
expressão, é a sabedoria própria do homem simples e puro, como<br />
o concebeu Nicolás de Cusa na tese da docta ignorantia; pois,<br />
em seus Diálogos, o idiota é figura do imediato: dado que a sabedoria<br />
criadora há criado ela mesma, igualmente, ao interlocutor<br />
a quem se dirige sua automanifestação no mundo, aquele será<br />
capaz de entender sem ajuda se persiste em sua condição de inalterada<br />
naturalidade em relação a ele. [Nicolás de Cusa, em seu<br />
sermão Verbum caro factum est (de 1454), em Cusanus-Texte, I,<br />
Predigten, 2./5., “Vier Predigten im Geist Eckharts”, ed. de J.<br />
Koch, Heildelberg, 1937 (Sitzungsberichte der Heildelberger<br />
Akademie der Wissenschaften, Phil.-hist. Kl, 1936/1937, n.2,<br />
pp.75-83): Mundus est tu liber artis aeternae seu Sapientiae.<br />
Unde adhuc Sapientia creavit aliqua capacia Sapientiae, quae habent<br />
simlitudinem eius magis propriam, et sunt intellectuales naturae,<br />
sicut liber demonstrative procedens clarius ostendit<br />
sapientiam quam rhetorice].<br />
É este o espírito livre que cantam os poetas da Arcádia, entre<br />
eles Virgilio. Fray Luis de León, em De los nombres, comenta a<br />
visão do pastor, o qual conhece e fala do amor verdadeiro, não<br />
pelo domínio da palavra, mas sim por seus sentidos puros e agudos,<br />
sua sabedoria vem da natureza, sem que isto implique dependência,<br />
tal conhecimento é fruto da sua própria natureza.<br />
Educar para a leitura do livro da natureza, para a atitude de escuta,<br />
é criar condição para uma autoeducação. Seus deleites - do<br />
pastor- são tanto maiores quanto mais nascem das coisas mais<br />
simples, mais puras e mais naturais: da vista do céu livre, da pureza<br />
do ar, do campo, do verde das matas e da beleza das rosas e<br />
das flores, das aves com seus cantos e das águas com sua frescura;<br />
com anônimos simples e não contaminados com vícios, seu<br />
amor e saber são puros e ordenados a bom fim; tudo isto é já uma<br />
imagem clara, ou por melhor dizer, como uma escola de amor<br />
puro e verdadeiro; admira na natureza a todos irmanados entre<br />
si e postos em ordem, concertados com harmonia grandíssima, e<br />
comunicando-se suas virtudes e produzindo os frutos que enfeitam<br />
e encantam o ar e a terra. Houvesse mais cuidado com as virtudes,<br />
talvez o ensino das ciências e o desenvolvimento seriam<br />
sempre ecológicos. Platão, em Protágoras, indica quanto se distancia<br />
do bem e da justiça quando são estranhos o saber e a virtude,<br />
sanar tal falha passa por entender o fazer bem como a arte<br />
de articular o útil, ou o bom, ao belo.<br />
Segundo Ernst Robert Curtius (Literatura europea y Edad<br />
Media Latina, 1975, I, p.486) em seu capítulo sobre o livro como<br />
símbolo, esclarece que a palavra árabe cifr, que significa vazio e<br />
designa o zero matemático, passou às línguas romances desde o<br />
século XII. Portanto, creatio ex nihilo teria a ver com palavras<br />
do livro silente, o primeiro livro, onde se ouve a voz do silêncio<br />
(conforme o Livro dos Preceitos Áureos, traduçao de Fernando<br />
Pessoa) criar do nada, seria o poder de chamar, evocar ou pronunciar<br />
o Nome. Aqui, a leitura ainda se dá de modo imediato;<br />
exige meditação, leitura e pureza, quer dizer: profundo cuidado<br />
dos sentidos. Para ler o livro da naturaleza, é necessário ouvir a<br />
voz do silêncio, a esta não se ouve se o aprendiz não ouve a si<br />
mesmo: “Conhece-te a ti mesmo!”. O que extrai o homem da na-<br />
DIVULGAÇÃO<br />
tureza é fruto seu. Daí que o silêncio seja<br />
inclusive caminho, méthodo de preparação<br />
e adoração. Na Grécia, o silêncio tinha um<br />
lugar importante nas sociedades pitagóricas<br />
e nos círculos órficos; exigia-se de um<br />
a três anos de silêncio como forma de iniciação.<br />
Sócrates comenta muitas vezes a<br />
importância do silêncio como forma de conhecimento<br />
e, em comparação com a fala,<br />
afirma que o silêncio é bem mais decisivo.<br />
Os místicos, os cristãos, os neoplatônicos,<br />
os persas, os hindús, os árabes, os judeus<br />
na Idade Média, fizeram largo uso do silêncio<br />
como meio de chegar a Deus. Os<br />
místicos católicos da Contra-Reforma e os<br />
Quietistas do século XII apreciam o silêncio<br />
e fazem da prática da presença de Deus<br />
no silêncio o centro da religião. Presença<br />
(praescientia), meyen em grego, o mesmo<br />
que dizer. Conclui Eni Puccinelli Orlandi<br />
(As formas do silêncio, 1993) que o silêncio<br />
não fala; o silêncio é; ele significa. Ou<br />
melhor: no silêncio, o sentido é. Estuda-se<br />
os sentidos das descobertas? Descoberta, é<br />
metáfora para muito.<br />
A etimología de silentium, referida a<br />
silens que significa: que se cala, silencioso,<br />
que não faz “ruído”, calmo, que está<br />
em repouso, sombra etc; calar é também<br />
marcar, penetrar, atravessar. Ainda que na<br />
época clássica não haja diferença de sentido<br />
entre sileo e taceo (calar), primitivamente<br />
sileo não designava propriamente<br />
“silêncio” porém “tranquilidade”, ausência<br />
de movimento ou ruído. Estar em silêncio<br />
seria idéntico a estar quieto. Empregavase<br />
sileo para se falar de coisas, de pessoas<br />
e, especialmente, da noite, dos ventos e do mar. Silentium, mar<br />
profundo. E aí nos deparamos com o aspecto fluido e líquido do<br />
silêncio. As ondas são apenas seu ruído, suas bordas, limites, seu<br />
movimento periférico, as palavras, imagens. A ciência do libro<br />
da natureza é, pois, assunto da estética e das demais ciências interessadas<br />
em reatar o saber à virtude, esta ciência naceu quando<br />
converter vil metal em ouro, consistia<br />
em articular a ciência a um puro<br />
ideal, mente e coração, buscava-se o<br />
secredo de uma pedra filosofal, a<br />
fons vitae .<br />
Francisco das Chagas<br />
Amorim de Carvalho<br />
Prof. Msc. da UFPI<br />
fcarvalho@ufpi.br