A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS ... - Cielli
A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS ... - Cielli
A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS ... - Cielli
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Rosa (1946), a falta de dote do seu amigo brasileiro para os contos. Erro logo desfeito<br />
na aparição de Primeiras Estórias, elogiando a riqueza de uma diversidade e unidade<br />
das narrativas fundidas pela arte fecunda do artista. Nas palavras do intérprete vemos<br />
que,<br />
[d]iversos, antes de mais nada, os assuntos: tente-se recontá-los em<br />
breves palavras para ver quantos. Diversas as situações, os problemas<br />
envolvidos e suas soluções. Note-se ainda que cada espécime<br />
pertence, por assim dizer, a outra variante ou subgênero — o conto<br />
fantástico, o psicológico, o autobiográfico, o episódio cômico ou<br />
trágico, o retrato, a reminiscência, a anedota, a sátira, o poema em<br />
prosa... Distinga-se a multiplicidade dos tons: jocoso, patético,<br />
sarcástico, lírico, arcaizante, erudito, popular, pedante —<br />
multiplicidade decorrente não só do tema, senão também da<br />
personalidade do narrador, manifesto ou oculto. Observe-se a<br />
variedade da construção e do ritmo (RÓNAI, 1972, p. XXXII).<br />
De modo que, o professor húngaro saudou Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa,<br />
como uma obra de ficção enriquecedora não só para as letras brasileiras, mas também<br />
para a literatura mundial, somando-a aos trabalhos que lhe sucederam, passando a ser<br />
lida por um universo diferenciado de espectadores mais exigentes, dentre estes, o<br />
lusitano Óscar Lopes.<br />
O crítico Óscar Lopes havia contrariado a delegação portuguesa de candidatura ao<br />
Prêmio Internacional de Literatura [Prix International de Littérature] de 1964 por ter<br />
sido favorável ao autor de Corpo de Baile em detrimento da indicação de Jorge Amado,<br />
é claro que não negava que o romancista baiano representava um dos melhores<br />
escritores de prosa da Literatura Brasileira. Mas, defendia que o senhor Guimarães<br />
Rosa era<br />
o autor vivo de língua portuguesa que melhor nos persuade de como a<br />
linguagem é, em última análise, criação continua, veredas singrando<br />
num horizonte imprevisto; de como a linguagem é traduzível, portanto<br />
convencional, nas suas estruturas ossificadas, mas produtora do real<br />
humano na sua mais viva linha de avanço. Quando se fala de «uma<br />
formiga preta a pernejar no mármore preto», o verbo «pernejar», ainda<br />
por cima valorizado na frase por efeitos de aliteração e paronímia,<br />
foca a imagem de pernas esguias e negras em movimentos articulados,<br />
sobre outra imagem secundária respeitante aos corpos dos insectos,<br />
que por seu turno se apagam no negrume polido do mármore: não se<br />
reproduz uma realidade, faz-se, sim, uma análise e síntese do real,<br />
herarquizado de uma dada maneira, sob a incidência de um humor<br />
humano muito especial que nos leva a sorrir (LOPES, 1970,<br />
p. 335-336).