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Catálogo - Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

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2010<br />

2009<br />

2008<br />

2007<br />

2005<br />

2004<br />

2003<br />

2002<br />

2009<br />

2008<br />

2007<br />

2006<br />

2005<br />

MANUEL SANTOS MAIA<br />

Nasceu em Nampula, Moçambique, em 1970. Vive e<br />

trabalha no Porto.<br />

Licenciado em Artes Plásticas – Pintura, pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Belas Artes da Universida<strong>de</strong> do Porto.<br />

Actualmente é doutorando do Doutoramento em Artes<br />

Plásticas e Artes Visuais "Modos <strong>de</strong> Conhecimento na<br />

Prática Artística Contemporânea" na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vigo.<br />

Rua do Bonjardim, 235 - 4.º<br />

4000-124 Porto<br />

Telemóvel: 933 288 141<br />

E-mail: manuelsantosmaia@gmail.com<br />

Expõe regularmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999.<br />

Exposições individuais (<strong>de</strong>staques)<br />

“The Return of the Real 10”, integrado no Ciclo <strong>de</strong><br />

Exposições <strong>de</strong> Arte Contemporânea do Museu do<br />

Neo-Realismo, <strong>Vila</strong> <strong>Franca</strong> <strong>de</strong> <strong>Xira</strong><br />

“alheava_filme”, The MEWS, Londres<br />

“alheava_reconstituição”, Espaço Campanhã, Porto<br />

“alheava_sem outro saber”, Teatro da Garagem, Lisboa<br />

“alheava_<strong>de</strong>rrotados”, Espaço Segundo o Piso, Santo<br />

Tirso<br />

“parte do seu mundo”, Ciclo 7 DAYS PROJECT, Espaço<br />

Sala Round the Corner do Teatro da Trinda<strong>de</strong>, Lisboa<br />

“alheava_o que há para esquecer”, Galeria Quadrado Azul,<br />

Lisboa<br />

“alheava_Passeio”, Espaço transportável, Guimarães<br />

“non_Essa visão da realida<strong>de</strong> vale a outra”, MAD WOMAN<br />

IN THE ATTIC, Porto<br />

“non_náufragos” (ergue-se novamente a cruz com o ruir<br />

da vela), Apêndice, Porto<br />

“non_tudo o que vês existe”, Projecto a Sala, Porto<br />

“alheava_Nampula”, Galeria Quadrado Azul, Porto<br />

“alheava_reconstrução” – Project Room, Centro <strong>de</strong> Artes<br />

Visuais, Coimbra<br />

“alheava_A casa on<strong>de</strong> às vezes Regresso”, Galeria Museu<br />

Nogueira da Silva, Braga<br />

“alheava_<strong>de</strong>ntro o mar”, Salão Olímpico, Porto<br />

“alheava_In.transit #3” – Projecto <strong>de</strong> Paulo Men<strong>de</strong>s, Artes<br />

em Partes, Porto<br />

Exposições colectivas (selecção)<br />

“Entroncamento”, Espaço Avenida, Lisboa<br />

“Um Século, Dez Lápis, Cem Desenhos – Viarco Express”,<br />

Museu da Presidência da República, Lisboa<br />

“THE DRAWING SALON”, Espaço The MEWS, Londres<br />

“Retour <strong>de</strong> Fiav.08”, Galeria ESCA, Nimes, França<br />

“Moçambique”, Museu <strong>de</strong> Exposições Temporárias da<br />

Avenida da Praia, Macau<br />

“à Crise…”, Sopro – Projecto <strong>de</strong> Arte Contemporânea,<br />

Lisboa<br />

“Livros <strong>de</strong> artista”, Livraria In<strong>de</strong>x, Porto<br />

“15 minutos <strong>de</strong> Fama_ 3ª edição”, Extéril, Porto<br />

“Where are you from?” Contemporary Portuguese Art,<br />

Faulconer Gallery, Iowa, EUA<br />

“ANALEMA ou o TEMPO TRADUZIDO”, Centro Hospitalar<br />

Psiquiátrico, Lisboa<br />

“Projecto Informal”, Laboratório das Artes, Guimarães<br />

“Antimonumentos”, Galeria AH Arte Contemporânea, Viseu<br />

“À varanda” – Arte Pública, percurso pela baixa da cida<strong>de</strong>,<br />

Porto<br />

“Descartáveis” – Arte Pública, Lisboa<br />

“Rastos”, Galeria Quadrado Azul, Porto<br />

“INTRO”, Espace Photographique Contretype, Bélgica<br />

“Depósito”, Reitoria da Universida<strong>de</strong>, Porto<br />

“XXS”, Estação <strong>de</strong> Metro da Trinda<strong>de</strong>, Porto<br />

“Busca Pólos”, Pavilhão <strong>de</strong> Portugal, Coimbra<br />

“Busca Pólos”, Centro Cultural <strong>Vila</strong> Flor, Guimarães<br />

“Operação Transbordo” – Projecto Teleférico, Guimarães<br />

“Salón Europeo <strong>de</strong> Jóvenes Creadores 2005”, Centro<br />

Cultural M.T.S., Catalunha, Espanha<br />

“Supermercado”, Seilduken Gallery, Oslo, Noruega<br />

“O contrato social”, Museu Bordalo Pinheiro,<br />

Galeria,Lisboa<br />

“V Prémio <strong>de</strong> Escultura City Desk”, Centro Cultural, Cascais<br />

2004<br />

2003<br />

2002<br />

2001<br />

2000<br />

1999<br />

2007<br />

“Vista parcial”, Lagar <strong>de</strong> Azeite, Oeiras<br />

“Quando um minuto se arrasta 2 – Mostra <strong>de</strong><br />

performances”, Salão Olímpico, Porto<br />

“Salão Europeu <strong>de</strong> Jovens Criadores 2005”, Museu<br />

Ama<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Sousa Cardoso, Amarante<br />

“Discurso do Excesso” – Projecto terminal, Hangar K7,<br />

Fundição <strong>de</strong> Oeiras, Oeiras<br />

“Salon Européen <strong>de</strong>s Jeunes Créateurs 2005, Paris,<br />

França<br />

”16 salas, 1 espaço”, Laboratório das Artes, Guimarães<br />

“Colecções <strong>de</strong> África – Etnografia/Arte Contemporânea”,<br />

Centro Cultural, Lagos<br />

“Quartel – Arte Revolução e Trabalho”, Liga dos<br />

Combatentes, Porto<br />

“A dizer...”, PêssegoPráSemana, Porto<br />

“pág. 133 – mostra <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artista”,<br />

PêssegoPráSemana, Porto<br />

“situações performativas”, PêssegoPráSemana, Porto<br />

“non”, PêssegoPráSemana, Porto<br />

“I like it hear can i stay?”, Galeria Zé dos Bois, Lisboa<br />

“Ask me why, and I`ll die”, Maus Hábitos, Porto<br />

“Inbox”, Projecto fig., Nova Delux, Porto<br />

“penso voltar”, Centro Cultural Emmerico Nunes, Sines<br />

“to play (and the monkey business)”, Artemosferas, Porto<br />

“flash contacto”, Artemosferas, Porto<br />

“Tivesse ainda tempo”, Galeria <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Fitares, Sintra<br />

“Pontos <strong>de</strong> contacto III”, circuito <strong>de</strong> exposições na cida<strong>de</strong>,<br />

Porto<br />

“hat will bring us together”, Paço da Cultura, Guarda<br />

“Pattern”, Maus Hábitos, Porto<br />

“Zona franca”, Fundação Progresso, Lapa, Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Brasil<br />

“ancoragem”, Galeria Glória Vaz, Felgueiras<br />

“Pontos <strong>de</strong> contacto II”, Grand Hotel, circuito <strong>de</strong><br />

exposições, Porto<br />

“Pontos <strong>de</strong> contacto I”, circuito <strong>de</strong> exposições na cida<strong>de</strong>,<br />

Porto<br />

“ambiguiza-SE”, Casa da Cultura, Elvas<br />

“Primeiro Fim”, Galeria Museu Nogueira da Silva, Braga<br />

“DESENHOS da FBAUP” Fundação Cupertino <strong>de</strong> Miranda,<br />

<strong>Vila</strong> Nova Famalicão<br />

“Alquimias dos Pensamentos das Artes” – Encontro <strong>de</strong><br />

Artes, Coimbra<br />

“Arritmia – As inibições e os prolongamentos do Humano,<br />

Mercado Ferreira Borges”, Porto<br />

“Objectos enviáveis / objectos inviáveis”, pelo colectivo<br />

Zoina, Cal<strong>de</strong>ira 213, Porto<br />

“Representa; acção!”, Galeria Casa dos Crivos, Braga<br />

“Pink Lotion – Zoina”, Cal<strong>de</strong>ira 213, Porto<br />

“Imersão Parcial”, Convento das Dominicas, Guimarães<br />

“a Sul....”, Galeria Spatium, Tavira<br />

“a Sul...”, Galerias Arco e Trem, Faro<br />

“Adição <strong>de</strong> Acções”, Auditório Nacional Carlos Alberto,<br />

Porto<br />

Projectos especiais para publicações<br />

“alheava_a rua”, revista “CAIS” (Street Magazine <strong>de</strong><br />

foto-reportagem temática), Lisboa<br />

“non_Essa visão da realida<strong>de</strong> vale a outra”, Espaço<br />

transportável, “Jornal Notícias <strong>de</strong> Guimarães”, Guimarães<br />

Premiado no “FIAV.08 (Festival d'Images Artistiques<br />

Vi<strong>de</strong>o, 8 ème édition)”, em Argélia, com o Prix Ibn Batuta,<br />

com o “alheava_film”<br />

Informação sobre activida<strong>de</strong> artística<br />

activida<strong>de</strong> artística http://manuelsantosmaia.blogspot.com/<br />

projecto artístico “NON”<br />

http://manuelsantosmaia-non.blogspot.com/<br />

projecto artístico “Alheava”<br />

http://manuelsantosmaia-alheava.blogspot.com/<br />

Agra<strong>de</strong>cimentos <strong>de</strong> Manuel Santos Maia:<br />

a todos os que estão por aqui<br />

Anabela Maia, André Trinda<strong>de</strong>, Afonso Alexandre, António M.M. Maia, António<br />

Maia e família, Alzira Arouca, Bruno Moreira, Cristiano, Daniela Ribeiro, David<br />

Santos, Diogo Evangelista, Diogo Maia Marques, Eduardo Matos, Eglantina<br />

Monteiro, Eric Many, Dona Emília Felipe Felizardo, Francisco Palma Dias,<br />

Gonçalo Pena, Gonçalo Tavares Antunes, Hél<strong>de</strong>r Castro, Joana Botelho, José<br />

Manuel Aleixo, José Neto, Júlia Hansen, Luís Almeida, Luís Barreto, Lúcia<br />

Prancha, Lur<strong>de</strong>s Aleixo, Manuela Maia, João Marçal, Maria Albertina M. dos<br />

Santos, Marta Furtado, Mauro Cerqueira, Mónica Baptista, Matias Maia,<br />

Miguel Manso, Natxo Checa, Nikolai Nekh, Nuno Ramalho, Paulo Queiroz, Rita<br />

Castro Neves, Samuel Guimarães, Sérgio Hydalgo, Susana Chiocca,<br />

Companhia das Culturas, ZDB e <strong>Câmara</strong> <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Franca</strong> <strong>de</strong> <strong>Xira</strong> -<br />

Museu do Neo-Realismo, GGIRP e DOVSM.<br />

THE RETURN OF THE REAL 10<br />

CURADORIA:<br />

David Santos<br />

PRODUÇÃO:<br />

Lur<strong>de</strong>s Aleixo<br />

Rogério Silva<br />

DESIGN GRÁFICO:<br />

Rita Leite<br />

ADAPTAÇÃO GRÁFICA:<br />

Júlio Miguel Rodrigues<br />

PRODUÇÃO GRÁFICA:<br />

Soartes - artes gráficas lda.<br />

RUA ALVES REDOL, 45,<br />

2600-099 VILA FRANCA DE XIRA<br />

TEL. 263 285 626<br />

E-MAIL neorealismo@cm-vfxira.pt<br />

SITE www.museudoneorealismo.pt<br />

TERÇA A SEXTA - 10H00 ÀS 19H00<br />

SÁBADOS - 12H00 ÀS 19H00<br />

DOMINGOS - 11H00 ÀS 18H00<br />

ENCERRA ÀS SEGUNDAS E FERIADOS<br />

VISITAS GUIADAS. MARCAÇÕES 263 285 626<br />

Apoio:<br />

<strong>Câmara</strong> <strong>Municipal</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Franca</strong> <strong>de</strong> <strong>Xira</strong><br />

10<br />

THE<br />

RETURN<br />

OF<br />

THE REAL<br />

CICLO DE EXPOSIÇÕES<br />

DE ARTE CONTEMPORÂNEA<br />

MANUEL<br />

SANTOS<br />

MAIA<br />

20 FEVEREIRO A 11 ABRIL 2010<br />

MUSEU DO NEO-REALISMO<br />

VILA FRANCA DE XIRA


non_para morrer o mundo (guerra mundial), 2009<br />

aguarela sobre papel, livro, talões e vara <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

40cm x 40cm x 40cm<br />

Conflitos i<strong>de</strong>ntitários<br />

David Santos<br />

THE<br />

RETURN<br />

OF<br />

THE REAL<br />

MANUEL<br />

SANTOS<br />

MAIA<br />

non_extremo do mundo<br />

No final da última década, o filósofo José Gil i<strong>de</strong>ntificou<br />

em Portugal um “medo <strong>de</strong> existir” letárgico que nos<br />

pren<strong>de</strong> ainda ao vazio e à normalização social.<br />

Os problemas com a memória e o passado político, bem<br />

como com o sentido <strong>de</strong> pertença a um colectivo ligam<br />

os portugueses a uma conflituosa indiferença perante a<br />

imagem do seu próprio país 1 .<br />

Ao partir <strong>de</strong> uma reflexão sobre estes valores e<br />

características, Manuel Santos Maia apresenta no<br />

Museu do Neo-Realismo uma nova etapa do seu mais<br />

recente projecto artístico, agora intitulado “non_extremo<br />

do mundo”. Elaborando uma íntima relação com alguns<br />

dos elementos que forjam a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do nosso país,<br />

Santos Maia recorre a uma estratégia <strong>de</strong> fragmentação<br />

disciplinar, ao acentuar <strong>de</strong> novo uma das suas principais<br />

características processuais: a biografia museificada.<br />

Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o projecto “alheava” (1999) que o<br />

artista cruza a noção <strong>de</strong> documento com a experiência<br />

individual e familiar, para alcançar finalmente uma<br />

espécie <strong>de</strong> “memorabilia” colectiva, enquanto espelho<br />

antropológico que nos liga a todos pelo filtro <strong>de</strong> uma<br />

“intimida<strong>de</strong> documentada”. Fotografias, filmes, álbuns<br />

familiares, gravuras intervencionadas e outros<br />

inesperados objectos readyma<strong>de</strong> são alguns dos<br />

materiais utilizados por Manuel Santos Maia nesta<br />

instalação, através da qual reflecte em torno <strong>de</strong> questões<br />

como a guerra, a <strong>de</strong>scolonização e a imagética popular<br />

ou a estética portuguesa entendida como expressão <strong>de</strong><br />

uma “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional” ambígua, marcada, cada vez<br />

mais, por uma precária estabilida<strong>de</strong>, resultado dos<br />

efeitos <strong>de</strong> influência cultural alimentados pelos fluxos da<br />

emigração portuguesa recente e a reciprocida<strong>de</strong><br />

paralela, mas <strong>de</strong>terminante na sua influência crescente,<br />

trazida pela imigração global que se fixa em território<br />

português.<br />

É neste sentido que, actualmente, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

“portugalida<strong>de</strong>” ou “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional” vive dias <strong>de</strong><br />

uma inevitável re<strong>de</strong>finição, por necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

reenquadramento <strong>de</strong> uma complexa plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

experiências sociais, voluntárias ou forçadas pelas<br />

circunstâncias <strong>de</strong> uma intensa transitorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens e<br />

pessoas, impondo-se assim uma nova espécie <strong>de</strong><br />

comunhão migratória sobre as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> contacto e<br />

interculturalida<strong>de</strong> que marcam invariavelmente as<br />

hipóteses <strong>de</strong> uma “portugalida<strong>de</strong>” contemporânea.<br />

Nessa releitura <strong>de</strong>vemos acentuar os termos <strong>de</strong> uma<br />

comparação entre momentos históricos distantes, mas<br />

com pontos em comum. Não po<strong>de</strong>mos esquecer que a<br />

“expansão marítima portuguesa” resultou <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência económica,<br />

i<strong>de</strong>ntitária e territorial, marcadas sobretudo pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

conquista <strong>de</strong> uma vida melhor, on<strong>de</strong> a viagem,<br />

a aventura pelo <strong>de</strong>sconhecido e o contacto com o<br />

mundo se transformaram progressivamente em<br />

conceitos que inspiraram os portugueses do final da<br />

Ida<strong>de</strong> Média na promoção da primeira gran<strong>de</strong> etapa da<br />

globalização, bem como quase todas as gerações<br />

seguintes que, imbuídas nesse espírito, mas motivadas<br />

no essencial pelo mesmo tipo <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s,<br />

cunharam aos poucos uma das aparentemente mais<br />

exactas marcas i<strong>de</strong>ntitárias da nossa “portugalida<strong>de</strong>”:<br />

a miscigenação no contacto com o “outro”. Basta<br />

reconhecer, para isso, a tendência para a fusão <strong>de</strong> raças<br />

que a socieda<strong>de</strong> brasileira representou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo por<br />

comparação com outros países do continente<br />

americano, ou o cruzamento cultural que <strong>de</strong>termina<br />

ainda hoje a diferenciação dos países africanos <strong>de</strong> língua<br />

oficial portuguesa.<br />

Mas se, nos primórdios do mundo mo<strong>de</strong>rno, Portugal<br />

esteve na vanguarda <strong>de</strong> um processo que aproximou<br />

limites geográficos, unindo oceanos e continentes a<br />

partir <strong>de</strong> rotas marítimas nunca antes traçadas, parece<br />

hoje navegar sem bússola, ou à <strong>de</strong>riva, perante o seu<br />

<strong>de</strong>stino colectivo, perdido na sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e objectivos<br />

após a resignação perante a perda <strong>de</strong> influência no mapa<br />

político internacional, <strong>de</strong> que o doloroso processo da<br />

guerra colonial e consequente <strong>de</strong>scolonização terão sido<br />

os <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros e mais sangrentos episódios, espécie <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spedida do famoso “Mundo Português” e real<br />

<strong>de</strong>svanecimento sobre a ilusão <strong>de</strong> pertença à elite das<br />

nações que dominam o planeta. Só nos anos 70<br />

Portugal percebeu, por inércia e isolamento<br />

internacional, que o seu lugar no mundo não era já o da<br />

herança expansionista, mas o <strong>de</strong> um país atrasado,<br />

analfabeto e pretensioso, que <strong>de</strong>scurara um verda<strong>de</strong>iro<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da vida mo<strong>de</strong>rna e estava agora diante<br />

da sua <strong>de</strong>sestruturação geográfica e,<br />

consequentemente, da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> política e social.<br />

Saltando do local para o global, e vice-versa, Portugal<br />

vagueou sempre entre o passado <strong>de</strong> um nome<br />

mistificado por aventuras marítimas e o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> um<br />

“Non”, sem “direito nem avesso”, fomentado pela<br />

<strong>de</strong>sorientação dos que li<strong>de</strong>raram primeiro o reino e,<br />

<strong>de</strong>pois, a nação. No primeiro volume dos Sermões<br />

(1679), o Padre António Vieira fixava uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “não”<br />

como “non” latino que significaria, daí em diante, muito<br />

mais do que a simples negação: “Terrível palavra é um<br />

Non. “Non” não tem direito nem avesso: por qualquer<br />

lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Le<strong>de</strong>-o<br />

do princípio para o fim ou do fim para o princípio,<br />

sempre non, quem fez "não" tão breve, não quis que se<br />

dilatasse. O non mata a esperança, que é o último<br />

remédio que <strong>de</strong>ixou a natureza a todos os males” 2 .<br />

A <strong>de</strong>sesperança arrastada por este “non” curto e incisivo<br />

repercutiu-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, tal como previra António<br />

Vieira, pelas in<strong>de</strong>cisões da política nacional, ritmadas<br />

entre a ambição do “Quinto Império” e a pequenez logo<br />

revelada, conduzindo Portugal a uma titubeante<br />

sobrevivência, entre a paradoxalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma expressão<br />

colectiva que vê nos seus mais <strong>de</strong> oito séculos <strong>de</strong><br />

existência uma estabilida<strong>de</strong> inalienável e, ao mesmo<br />

tempo, a matriz <strong>de</strong> um espírito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão ou “medo<br />

<strong>de</strong> existir”, como nos lembra José Gil, que con<strong>de</strong>na todo<br />

um país à inacção, ou mesmo à esquizofrenia. O mesmo<br />

sentido <strong>de</strong> magoada reflexão i<strong>de</strong>ntitária é referido no<br />

título e na narrativa visual do filme “Non ou a vã glória <strong>de</strong><br />

mandar”, a magnífica leitura do cineasta Manoel <strong>de</strong><br />

Oliveira sobre Portugal, que muito influenciou Manuel<br />

Santos Maia a <strong>de</strong>senvolver a sua própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “non”.<br />

Ao “non” que sempre nos guiou, mesmo sem o<br />

sabermos, juntou-se ao longo dos tempos a hesitação<br />

constante <strong>de</strong> uma existência comum, que <strong>de</strong>veria ser<br />

pensada, segundo a tradição, enquanto nação e<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> colectiva. Estes dois sentidos seculares e que<br />

nos têm enleado <strong>de</strong> um modo particularmente gravoso<br />

são responsáveis, afinal, por uma profunda limitação ao<br />

nível das convicções necessárias para agirmos sobre o<br />

nosso presente e <strong>de</strong>senharmos um futuro mais<br />

consentâneo com o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> um mundo muito<br />

diferente daquele que levou Portugal a “agir” pela última<br />

vez. Entre o século XV e o século XXI, o mundo<br />

extremou o seu processo <strong>de</strong> globalização, atraído<br />

primeiro pela expansão capitalista e industrial, e mais<br />

recentemente por uma telemática sistémica e quotidiana<br />

que alterou radicalmente os códigos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

política, social e cultural das várias faces do planeta, e<br />

on<strong>de</strong>, por essa mesma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> razões, a<br />

miscigenação e a interculturalida<strong>de</strong> ten<strong>de</strong>m a<br />

reconfigurar sistematicamente a imagem que temos da<br />

nossa própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, reconhecendo assim que esta<br />

é hoje marcada, no essencial, e <strong>de</strong> um modo<br />

estruturante, pelos ritmos da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação e<br />

do espectáculo global, bem como pelas subterrâneas<br />

mas persistentes influências das culturas trazidas pelos<br />

imigrantes e pelo novo surto da emigração nativa. Isto é,<br />

a nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> será cada vez mais uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

global, marcada pelo sistemático reenvio <strong>de</strong> fontes e<br />

raízes ligadas às pessoas que elaboram vidas longe da<br />

sua terra e misturam, naturalmente, valores e<br />

significados. Essas pessoas transformam assim a sua<br />

relação com o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> origem, alterando ainda, <strong>de</strong> um<br />

modo profundo, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos lugares <strong>de</strong> chegada,<br />

as suas experiências sociais e culturais, num processo<br />

natural <strong>de</strong> conflito e aceitação que, lentamente, nos<br />

transforma a todos em cidadãos globais, cada vez<br />

menos ligados a uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong>finida com<br />

base num passado mítico e distante. Esta distância que<br />

urge reconhecer para consolidar o efeito da sua<br />

<strong>de</strong>smistificação não se refere apenas ao tempo, como<br />

sobretudo à alteração da noção <strong>de</strong> espaço geográfico<br />

(hoje global e, em certa medida, sem fronteiras), assim<br />

como às práticas e experiências <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> que<br />

distinguem hoje, mais do que nunca, o passado a que já<br />

pertencemos (do qual guardaremos por certo ainda<br />

non_viagem a tracejado até ao extremo litoral do mundo, 2008-2010<br />

ví<strong>de</strong>o. 40’<br />

non_da história e da fixação, 2009<br />

placa <strong>de</strong> metal pintada, dois postais a cores, cartão com texto, livro e papel<br />

(dimensões variáveis)<br />

non_náufragos, ergue-se novamente a cruz com o ruir da vela, 2006-2010<br />

gravura do Porto, p/menor<br />

(dimensões variáveis)<br />

non_espaço conversável, 2010<br />

ca<strong>de</strong>rno manuscrito, tinta da china sobre papel, p/menor<br />

(dimensões variáveis)<br />

alguns traços) e o presente do qual, <strong>de</strong> facto, fazemos<br />

parte, por muito que isso inviabilize uma qualquer i<strong>de</strong>ia<br />

estável <strong>de</strong> “portugalida<strong>de</strong>” ou “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional”.<br />

Ora, é uma nova e <strong>de</strong>scomplexada leitura sobre a<br />

<strong>de</strong>sorientação i<strong>de</strong>ntitária portuguesa que o projecto “non”<br />

<strong>de</strong> Manuel Santos Maia tem vindo a intensificar ao longo<br />

das suas várias fases. Neste projecto expositivo<br />

marcadamente pós-minimalista, on<strong>de</strong> convergem vários<br />

sentidos e um aparato interdisciplinar <strong>de</strong> instalação,<br />

Portugal não é um país sem futuro, mas um país com<br />

“medo <strong>de</strong> existir”, revelando problemas com a sua imagem<br />

mais inconveniente. De um modo <strong>de</strong>liberado, o artista<br />

recorre, por isso, a uma varieda<strong>de</strong> díspar <strong>de</strong> imagens, sons<br />

e objectos que reclamam todavia, como grito silencioso,<br />

uma ligação conflituosa com o nosso passado mais<br />

recente, mas já olvidado. De “caixas métricas” e quadros<br />

<strong>de</strong> ardósia, que evocam antigas salas <strong>de</strong> aula e métodos <strong>de</strong><br />

ensino entretanto abandonados, a caixas <strong>de</strong> arquivo morto<br />

e cavaletes <strong>de</strong> pintura obsoletos, passando por uma<br />

imensa moldura barroca que <strong>de</strong>smesuradamente enquadra<br />

resquícios esquecidos da nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrora,<br />

po<strong>de</strong>mos encontrar na instalação “non_extremo do mundo”<br />

um conjunto <strong>de</strong> elementos verbais, figurativos,<br />

iconográficos e objectuais que configuram uma crítica<br />

máquina do tempo, que nos transporta não apenas para o<br />

passado, mas para a nossa actual i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> passado, sua<br />

fragmentação e instabilida<strong>de</strong> significacional. É <strong>de</strong>ste<br />

propósito revisionista, apelando sempre a uma<br />

reinterpretação sistemática da nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, que o<br />

trabalho <strong>de</strong> Manuel Santos Maia evolui para uma situação<br />

<strong>de</strong> comentário sociológico, on<strong>de</strong> os valores sobre o nosso<br />

passado colectivo são questionados com um sentido quase<br />

perturbador, lembrando ainda os universos criativos nesse<br />

sentido <strong>de</strong>senvolvidos por figuras como o realizador José<br />

Álvaro Morais ou o poeta quase esquecido (mas lembrado<br />

por Santos Maia nesta exposição com um filme a ele<br />

<strong>de</strong>dicado) Francisco Palma Dias, e on<strong>de</strong> Portugal sofre um<br />

rombo cirúrgico nas suas pretensões <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> cultural e<br />

antropológica. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um país antigo e velho, que<br />

aguarda ainda renovação, é aqui significativamente abalada<br />

por processos <strong>de</strong> justaposição simbólica que remetem para<br />

uma acentuada re<strong>de</strong>finição do quadro conceptual que<br />

enforma uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> existência comum. O que resta<br />

<strong>de</strong> Portugal como nação talvez se reduza hoje, como<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ra Fernando Pessoa no século passado, ao<br />

exercício global da língua portuguesa e ao<br />

reconhecimento i<strong>de</strong>ntitário que daí advém. Talvez por<br />

isso, Santos Maia insista num círculo restrito <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> vultos da cultura portuguesa: Camões, Padre<br />

António Vieira, Herculano, Garrett, Eça <strong>de</strong> Queiroz,<br />

Pessoa, Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço ou<br />

Manoel <strong>de</strong> Oliveira ocupam ainda hoje um importante<br />

lugar no caleidoscópio <strong>de</strong> referências críticas, mas<br />

constituintes <strong>de</strong> uma certa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “portugalida<strong>de</strong>”,<br />

que alimenta o projecto reflexivo proposto por<br />

“non_extremo do mundo”. Sobre as ruínas do museu e<br />

da cultura mo<strong>de</strong>rna 3 , entre a ficção e a realida<strong>de</strong>, os<br />

fragmentos <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> perdida e a sua<br />

reconfiguração possível perante o quadro da<br />

globalização, Manuel Santos Maia propõe-nos um<br />

caminho <strong>de</strong> assumida instabilida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntitária, on<strong>de</strong> o<br />

conflito <strong>de</strong> valores se repercute enquanto alternativa às<br />

imagens pré-concebidas do nosso quotidiano e ao<br />

vazio acrítico que ten<strong>de</strong> hoje a diminuir o exercício da<br />

cidadania a uma mera expressão eleitoral.<br />

1 Cf. José Gil, Portugal, Hoje - O Medo <strong>de</strong> Existir, Lisboa,<br />

Relógio d’Água Editores, 2004.<br />

2 Cf. António Vieira, Sermões do Padre António Vieira, ed. lit.<br />

<strong>de</strong> Margarida Vieira Men<strong>de</strong>s. 4ª edição, Lisboa: Editorial<br />

Comunicação, 1992.<br />

3 Cf. Douglas Crimp, On the Museum’s Ruins, Massachusetts,<br />

MIT Press, 1993.

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