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Impacto da Rio-92<br />

na produção científica<br />

da <strong>USP</strong> considerando<br />

o tópico Mudanças Climáticas<br />

<strong>Edmilson</strong> dias dE FrEitas e tércio ambrizzi<br />

Introdução<br />

Desde a rio-92, marco na história socioambiental mundial, o interesse<br />

e a preocupação com temas ligados à ação do homem sobre o meio<br />

ambiente têm assumido proporções de destaque não apenas nas discussões<br />

científicas, mas também no cotidiano das pessoas. Atualmente, a divulgação<br />

de assuntos ligados ao ambiente tem sido quase diária nos meios de comunicação<br />

de maior alcance sobre a população, tais como a televisão e a internet.<br />

É comum em qualquer discussão rotineira a associação com efeitos observados<br />

e atribuição de algum tipo de causa. Um dos principais efeitos dessas discussões<br />

está relacionado a eventos meteorológicos extremos, tais como ondas de calor,<br />

furacões, tornados, inundações, deslizamentos de encostas, secas, e muitos<br />

outros aos quais, em grande parte, se faz relação imediata com algum tipo de<br />

Mudança Climática. Obviamente, existem e sempre existirão grandes incertezas<br />

relacionadas ao tema, mas o aumento no entendimento e na procura por melhores<br />

explicações sobre a causa para fenômenos meteorológicos de destaque,<br />

seja por sua intensidade, seja por sua duração, é um aspecto incontestável. Nesse<br />

sentido, é de esperar que a Universidade de São Paulo, por intermédio de seus<br />

Programas de Pós-Graduação e Núcleos de Pesquisa, tenha um papel de extrema<br />

relevância. Tal expectativa, envolvendo a área de Mudanças Climáticas, foi e<br />

está sendo atendida de forma crescente em diversas áreas do conhecimento, não<br />

se limitando apenas aos programas ligados diretamente às ciências atmosféricas.<br />

Programas de economia, ciências sociais, medicina, artes, engenharia, filosofia,<br />

física, matemática, computação, ciências da terra e muitos outros se empenharam<br />

em atender as demandas da sociedade mundial e, em especial, a sociedade<br />

brasileira, discutindo e tentando entender melhor todos os aspectos ligados aos<br />

efeitos diretos e indiretos que a atividade humana pode ter causado ao clima da<br />

Terra, como será apresentado nos levantamentos a seguir.<br />

Material e métodos<br />

Para esta análise foram utilizadas duas abordagens principais: resposta dos<br />

estudos avançados 26 (74), 2012<br />

341


programas de Pós-Graduação da <strong>USP</strong> quanto à identificação das teses e dissertações<br />

defendidas desde junho de 1992 que estivessem ligadas ao tema das<br />

Mudanças Climáticas, e utilizar os dois principais acervos digitais de teses e<br />

dissertações do país, o sistema Dedalus (Banco de Dados Bibliográficos da <strong>USP</strong>,<br />

que pode ser consultado no portal http://dedalus.usp.br) e o banco de Teses e<br />

Dissertações da <strong>USP</strong> (http://www.teses.usp.br/). Uma descrição da metodologia<br />

utilizada para o presente levantamento pode ser encontrada em artigo de<br />

Wagner Costa Ribeiro et al. nesta edição da revista.<br />

Resultados<br />

O Gráfico 1 mostra a evolução crescente no número de títulos defendidos<br />

na <strong>USP</strong> desde a realização da Rio 92.<br />

Gráfico 1 – Evolução do número de títulos de mestrado e doutorado defendidos<br />

nos Programas de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo entre<br />

junho de 1992 e setembro de 2011.<br />

No Gráfico 1 nota-se claramente que a abordagem da temática de mudanças<br />

climáticas pelos programas de Pós-Graduação da <strong>USP</strong> só foi percebida a<br />

partir de 1996, como um possível reflexo das discussões realizadas na Rio-92, as<br />

quais motivaram a sociedade científica a discutir e estudar esse tema. As primeiras<br />

teses de doutorado só foram defendidas em 1998, e seu número permaneceu<br />

praticamente constante ao longo dos anos, oscilando em torno de seis defesas<br />

por ano. Em contrapartida, o número de dissertações de mestrado apresentou<br />

crescimento expressivo, atingindo em 2010 o total de 22 dissertações defendidas.<br />

Interessante notar que esse mesmo ano também mostrou um aumento significativo<br />

de teses de doutorado defendidas, totalizando 12 defesas, o dobro dos<br />

342<br />

estudos avançados 26 (74), 2012


períodos anteriores. Outro ano de destaque, com um número de trabalhos um<br />

pouco menor que em 2010, foi o ano 2007, com 16 dissertações de mestrado e<br />

sete teses de doutorado defendidas. Boa parte desse aumento pode ser explicada<br />

em razão da publicação do Terceiro Relatório do IPCC em 2001 (IPCC Third<br />

Assessment Report – TAR). Esse relatório foi um dos mais citados até hoje, em<br />

virtude de um de seus capítulos discutir em detalhes as bases científicas das Mudanças<br />

Climáticas (IPCC, 2001). Após a publicação desse importante trabalho,<br />

aspectos como ciclo de carbono, queima de combustíveis fósseis, aquecimento<br />

global, desmatamento, eventos extremos e muitos outros começaram a ser estudados<br />

numa perspectiva mais ampla e correlacionada. O que antes era estudado<br />

de maneira isolada por área passou a ser considerado de maneira interdisciplinar,<br />

dando origem a um grande número de programas de Pós-Graduação Interunidades<br />

na Universidade de São Paulo e em outras Universidades importantes do<br />

país.<br />

Dentro da <strong>USP</strong> existe uma distribuição de trabalhos ligados às Mudanças<br />

Climáticas bastante heterogênea e abrangente. Ao todo, foi constatado por<br />

meio desse levantamento que 28 Unidades distintas abordaram o tema, conforme<br />

pode ser verificado na Tabela 1.<br />

Tabela 1 – Unidades da <strong>USP</strong> com teses e dissertações defendidas abordando<br />

temas ligados às Mudanças Climáticas<br />

Unidade Sigla Unidade Sigla<br />

Escola de<br />

Comunicações e Artes<br />

Escola de<br />

Enfermagem<br />

Ensino Ciências<br />

Instituto de Física<br />

Faculdade de Arquitetura e<br />

Urbanismo<br />

Faculdade de Economia,<br />

Administração e Contabilidade de<br />

Ribeirão Preto<br />

Instituto de Ciências Matemáticas<br />

e de Computação<br />

Programa Interunidades em<br />

Biotecnologia <strong>USP</strong>/IPT/Instituto<br />

Butantan<br />

Instituto de Pesquisas<br />

Energéticas e Nucleares<br />

Instituto de<br />

Química<br />

estudos avançados 26 (74), 2012<br />

ECA<br />

EE<br />

Enscienc<br />

FAU<br />

Fearp<br />

ICMC<br />

Inter Biotec<br />

Ipen<br />

Instituto de Eletrotécnica e<br />

Energia<br />

Instituto de Química<br />

de São Carlos<br />

Faculdade de Medicina<br />

de Ribeirão Preto<br />

Escola de Engenharia<br />

de São Carlos<br />

Faculdade de<br />

Direito<br />

Programa Interunidades em<br />

Energia EP/IEE/FEA/IF<br />

Programa Interunidades<br />

Ciência Ambiental<br />

Faculdade de Filosofia,<br />

Ciências e Letras de Ribeirão<br />

Preto<br />

IEE<br />

IQSC<br />

FMRP<br />

Eesc<br />

FD<br />

Inter<br />

Energia<br />

Procam<br />

FFCLRP<br />

IQ Instituto Oceanográfico IO<br />

343


Programa de Integração da<br />

América Latina<br />

Faculdade de Economia,<br />

Administração e Contabilidade<br />

Faculdade de<br />

Saúde Pública<br />

Faculdade de Filosofia, Letras e<br />

Ciências Humanas<br />

Instituto de<br />

Geociências<br />

344<br />

Prolam Escola Politécnica Poli<br />

FEA<br />

FSP<br />

FFLCH<br />

IGC<br />

Centro de Energia Nuclear na<br />

Agricultura<br />

Instituto de<br />

Biociências<br />

Instituto de Astronomia,<br />

Geofísica e Ciências<br />

Atmosféricas<br />

Escola Superior de Agricultura<br />

Luiz de Queiróz<br />

Cena<br />

IB<br />

IAG<br />

Esalq<br />

O Gráfico 2 apresenta o número de trabalhos defendidos em cada uma das<br />

unidades listadas na Tabela 1.<br />

Gráfico 2 – Número de títulos de mestrado e doutorado defendidos nas Unidades<br />

que possuem Programas de Pós-Graduação na Universidade de São Paulo,<br />

abordando temas ligados a Mudanças Climáticas entre junho de 1992<br />

e setembro de 2011.<br />

Como pode ser visto no Gráfico 2, diversas Unidades abordaram a temática<br />

de Mudanças Climáticas em suas pesquisas na pós-graduação, destacando-se,<br />

em particular, aquelas ligadas à parte de biologia, agricultura e ciências da terra.<br />

O número de trabalhos defendidos na Esalq, IAG, IGc, FFLCH, IB, Cena e<br />

Poli está provavelmente relacionado aos impactos que as Mudanças Climáticas<br />

têm em eventos como seca, excesso de chuvas, variações na disponibilidade de<br />

energia solar, concentração de CO 2 na atmosfera, além de outros fatores ligados<br />

ao sistema solo-vegetação-atmosfera, em que a agricultura é um dos setores de<br />

maior suscetibilidade a qualquer mudança nos padrões climáticos, além de sua<br />

estudos avançados 26 (74), 2012


importância econômica para o nosso país. Os trabalhos defendidos nas diferentes<br />

Unidades da <strong>USP</strong> abordaram diversos aspectos das Mudanças Climáticas,<br />

partindo de definições específicas sobre o tema, passando por impactos na<br />

sociedade, ações dos meios de comunicações, impactos na saúde, impactos na<br />

economia, desenvolvimento tecnológico, e alcançando até a busca por ações de<br />

mitigação dos efeitos indesejáveis que o aumento dos Gases de Efeito Estufa<br />

(GEE) e seu impacto no aquecimento global podem trazer. Um exemplo interessante<br />

da multiplicidade de assuntos tratados dentro dos diversos trabalhos<br />

científicos estudados na pós-graduação da <strong>USP</strong> é apresentado na Figura 1, que<br />

contém uma “nuvem de termos” baseada nos títulos dos 180 trabalhos de teses<br />

e dissertações defendidas abordando o tema Mudanças Climáticas e assuntos<br />

correlatos.<br />

Figura 1 – Nuvem de termos baseada nos títulos das teses e dissertações defendidas<br />

na <strong>USP</strong> entre junho de 1992 e setembro de 2011, abordando assuntos<br />

ligados a Mudanças Climáticas, destacando as 70 palavras mais utilizadas<br />

nos títulos.<br />

Observando a Figura 1, vemos como o tema Mudanças Climáticas é multidisciplinar,<br />

pois palavras como precipitação e temperatura podem indicar impactos<br />

no clima de diferentes regiões como Amazônia (floresta), Cerrado e outros<br />

municípios e Estados do Brasil. Nota-se também a presença de termos como<br />

emissões, gases de efeito estufa, ilha de calor nas grandes cidades, implicações e<br />

outros. Aspectos mais direcionados a políticas de mitigação como o Protocolo<br />

de Kyoto e meio ambiente também são mostrados.<br />

O aquecimento global causado pelo aumento da concentração dos gases<br />

de efeito estufa na atmosfera, por ações antrópicas, influencia temperaturas e<br />

circulações atmosféricas e oceânicas, que por sua vez atuam para modificar o<br />

regime hidrológico que terão um impacto na chuva em várias regiões do globo.<br />

Será afetado o manejo da água de forma geral e, com isso, a agricultura, a<br />

estudos avançados 26 (74), 2012<br />

345


produção de energia e as atividades socioeconômicas nas grandes cidades. Toda<br />

essa interação tem um custo que pode ser avaliado e posteriormente associado à<br />

vulnerabilidade das populações.<br />

Como um exemplo das contribuições que os estudos científicos realizados<br />

na pós-graduação da <strong>USP</strong> trouxeram, podemos citar uma tese de doutorado defendida<br />

na Esalq em 2010 (Moraes, 2010). Essa pesquisa destaca como as alterações<br />

climáticas são especialmente importantes para o setor agropecuário, uma vez<br />

que se trata de atividade que possui dependência dos ciclos naturais. O objetivo<br />

da tese foi avaliar impactos econômicos de cenários de mudança climática para<br />

a agricultura brasileira. Efeitos sobre áreas aptas de oito culturas (feijão, milho,<br />

soja, algodão, arroz, cana-de-açúcar, mandioca e café) foram avaliados por meio<br />

de um modelo de equilíbrio geral computável, o The Enormous Regional Model<br />

for Brazil (Term-BR) e cenários disponibilizados pela Empresa Brasileira de<br />

Pesquisa Agropecuária (Embrapa), baseados no Painel Intergovernamental para<br />

a Mudança Climática (IPCC). Dois cenários foram simulados com horizontes<br />

distintos, um para 2020 desconsiderando mudanças sociais e econômicas (2020/<br />

A2), e outro para 2070 com adaptações sociais e econômicas, nas projeções do<br />

IPCC (2070/B2). Para 2020/A2 os efeitos negativos se concentram na região<br />

Nordeste, como uma consequência do clima semiárido e perfil produtivo da região,<br />

além dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, como resultado<br />

de impactos sobre a área apta para o produto soja. Em oposição, nesse cenário, a<br />

região Sudeste se beneficiou, pois o produto cana-de-açúcar mostrou aumentos<br />

de rendimento sob aquecimento climático brando. O resultado líquido apontou<br />

para uma pequena redução da atividade econômica (PIB), elevação de preços de<br />

gêneros alimentícios e deslocamentos regionais da mão de obra, do Nordeste e<br />

no Centro-Oeste para as demais regiões. Para o segundo cenário, 2070/B2, o<br />

Nordeste e o Centro-Oeste foram novamente as regiões mais afetadas. Porém,<br />

os ganhos para a atividade econômica da região Sudeste foram menores, uma<br />

vez que o efeito benéfico sobre a cana-de-açúcar desaparece em cenários mais<br />

severos de mudança climática. Como consequência, houve um declínio nacional<br />

da atividade econômica superior ao cenário anterior. Com relação ao mercado<br />

de trabalho permaneceram as tendências de migração da mão de obra das regiões<br />

Nordeste e Centro-Oeste para as demais regiões. Contudo, essa migração<br />

se concentrou, proporcionalmente, nos estratos mais qualificados do mercado<br />

de trabalho. A mudança climática, na ausência de medidas de adaptação e mitigação<br />

mais intensas, pode representar um risco para regiões historicamente<br />

subdesenvolvidas ou de desenvolvimento recente. Em especial, demonstrou-se<br />

que os impactos econômicos no território brasileiro são heterogêneos entre as<br />

grandes regiões e os Estados que as compõem.<br />

Outro exemplo específico e interessante relacionando emissões do GEE,<br />

economia e a industrialização foi desenvolvido em uma tese de doutorado na EP<br />

(Lima, 2009). Esse trabalho demonstrou como o setor da construção contribui<br />

para a emissão de CO 2 na produção de materiais, sugerindo até mesmo a im-<br />

346<br />

estudos avançados 26 (74), 2012


portância da criação de políticas nessa área. O trabalho tinha por objetivo obter<br />

indicadores relacionados à emissão de CO 2 no segmento de concreto nacional<br />

para avaliação de sua relação com as mudanças climáticas. Os resultados mostraram<br />

que a emissão na faixa de 195 a 231 kgCO 2 /t de concreto, em torno de<br />

88%, estão associados ao cimento. Nos cenários escolhidos para os estudos, caso<br />

não haja alterações na emissão de CO 2 no cimento, as emissões totais, em 2030,<br />

serão iguais a 3,0 e 4,5 vezes maiores que as de 1990, ano adotado como referência<br />

em cenários de evolução de fatores ligados às mudanças climáticas. Nesses<br />

patamares, o crescimento das emissões será maior que os necessários para enquadramento<br />

em qualquer dos cenários de mitigação considerados mundialmente<br />

na atualidade, o que mostra os desafios que a indústria cimenteira enfrentará<br />

nas próximas décadas. O setor da construção também pode contribuir com a<br />

melhoria do controle tecnológico na produção do concreto, e com a maior participação<br />

do concreto usinado no segmento. Esse trabalho se insere num tema<br />

mais geral: sustentabilidade da cadeia de materiais de construção, que é cada<br />

vez mais importante. Nessa cadeia, há dificuldade de se encontrar indicadores<br />

confiáveis, o que é relacionado, em parte, ao alto grau de informalidade e organização<br />

setorial deficiente em alguns segmentos. Por isso, a utilização de ferramentas<br />

que permitam a identificação e estudo de problemas relevantes com grau<br />

adequado de confiabilidade e com boa relação custo-benefício das pesquisas é<br />

muito importante. Ao longo dos últimos anos, a Amazônia tem sido o foco de<br />

discussões em todos os setores da sociedade, particularmente pelo seu crescente<br />

desmatamento e consequente impacto climático que poderá causar. No entanto,<br />

uma tese de doutorado defendida em 2001 na FFLCH (Zamparoni, 2001)<br />

já demonstrava claramente o processo de degradação do solo e urbanização em<br />

algumas regiões do Brasil. Esse estudo analisou as alterações climáticas ocorridas<br />

na Amazônia Mato-Grossense, derivadas do processo de colonização a partir da<br />

década de 1970, tomando como amostragem os municípios de Sinop, Sorriso<br />

e Vera, localizados na Bacia do Médio Teles Pires. No contexto da apropriação,<br />

ocupação e transformação do espaço na Amazônia Mato-Grossense, os dados<br />

relativos à evolução temporal/espacial do processo de desmatamento da área<br />

de estudos foram mapeados e quantificados, resultando em porcentagens de<br />

áreas ocupadas e áreas com vegetação remanescentes. Os dados resultantes do<br />

acréscimo populacional da área de estudo e o crescente processo de urbanização<br />

do campo na Amazônia Mato-Grossense foram enfocados à luz das correntes<br />

migratórias rural/urbana, derivadas dos processos de modernização da agricultura<br />

na Região Sul do Brasil. A análise dos resultados das tendências das variáveis<br />

climáticas analisadas no período de 1973-1998 subsidiou a verificação de possíveis<br />

alterações climáticas derivadas do processo de ocupação e transformação<br />

da área estudada. Enquanto no município de Vera o desmatamento de sua área<br />

total foi de 31%; em Sinop foi de 47,08%; em Sorriso chegou a 66%, até o ano de<br />

1997, a partir do processo de ocupação da área, na década de 1970. O processo<br />

de urbanização do campo se manifestou nos três municípios objetos do referido<br />

estudos avançados 26 (74), 2012<br />

347


estudo, pois a maior parte da população migrante está concentrada nas áreas<br />

urbanas. Ficou evidenciado um acréscimo nas médias anuais das temperaturas<br />

do ar, das máximas e mínimas, um decréscimo nos valores das médias anuais das<br />

chuvas e acréscimos nos valores das médias anuais da umidade relativa e evaporação.<br />

Concluiu-se que as modificações nas variáveis climáticas possuem relações<br />

com o processo de desmatamento e o processo de urbanização do campo nos<br />

municípios de Sinop, Sorriso e Vera, localizados na Amazônia Mato-Grossense.<br />

Conforme visto aqui, e baseado em vários outros trabalhos, a modificação<br />

do clima local em razão das atividades humanas pode contribuir para a mudança<br />

do clima global. Discute-se atualmente como se dá esse feedback, ou seja, essa<br />

retroalimentação entre ambos, pois vários indicadores meteorológicos considerando<br />

cenários futuros mostram alterações nas circulações médias globais e,<br />

particularmente, em sistemas de tempo. Uma dissertação de mestrado defendida<br />

em 2009 no IAG (Krüger, 2009) mostrou interessantes resultados nessa direção.<br />

A pesquisa analisou possíveis impactos dos cenários de mudanças climáticas<br />

na climatologia de ciclones extratropicais no Atlântico Sul. O trabalho utilizou<br />

um modelo numérico regional analisando os ciclones no clima presente (1975-<br />

1989) e no futuro (2071-2085-cenários A2 e B2). Primeiramente avaliou-se a<br />

climatologia simulada pelo modelo em termos de precipitação e de temperatura<br />

no clima presente. Para ambas variáveis, o modelo regional simulou o padrão<br />

espacial e sazonal de forma semelhante ao observado, embora com diferenças<br />

na intensidade. Para os cenários futuros, o modelo simulou anomalias positivas<br />

de temperatura do ar, maiores sobre o norte e o nordeste do Brasil para o A2,<br />

coincidindo com as maiores reduções de precipitação. Um esquema automático<br />

de rastreamento de ciclones foi utilizado para obter as climatologias de<br />

ciclones simuladas pelo modelo. Os ciclones simulados foram mais fracos do<br />

que os observados no clima presente (1975-1989). No entanto, a distribuição<br />

espacial da densidade ciclogenética simulada foi mais próxima do observado. A<br />

climatologia projetada para os cenários futuros (A2 e B2) indicou redução no<br />

total de ciclones, tempo de vida médio, intensidade inicial média e velocidade<br />

de deslocamento médio. As maiores alterações ocorreram no cenário A2. As três<br />

regiões de formação de ciclones na costa leste da América do Sul (costa sul/sudeste<br />

do Brasil, sudeste do Uruguai e sul da Argentina) se mantiveram ativas nas<br />

simulações do clima futuro, com pequenas diferenças na intensidade e posição<br />

do núcleo de máxima densidade. Além disso, a região de geração dos ciclones<br />

que tem intensidades iniciais maiores deslocou-se em direção ao Polo Sul. Esses<br />

resultados sugerem que o clima das Regiões Sul e Sudeste do Brasil poderá ser<br />

bem diferente do que observamos atualmente, necessitando, portanto, avaliar<br />

adaptações e definir vulnerabilidades nestas áreas.<br />

Conclusões<br />

De forma geral, fica claro que ao longo dos últimos anos a pesquisa desenvolvida<br />

na Universidade de São Paulo tem contribuído para o aprimoramento<br />

348<br />

estudos avançados 26 (74), 2012


do conhecimento de todas as implicações que as atividades do homem têm gerado<br />

na modificação do clima como o conhecemos nos últimos séculos. Alguns<br />

dos exemplos apresentados mostram claramente que a pós-graduação da <strong>USP</strong><br />

não realiza somente pesquisa básica, mas também está atenta a necessidades da<br />

sociedade para avançar no conhecimento de temas importantes.<br />

Referências<br />

IPCC. climate change 2001: the scientific basis. Contribution of Working Group I to the<br />

Third Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Houghton,<br />

J. T. et al. (Ed.). Cambridge, United Kingdom and New York: Cambridge University<br />

Press, 2001. 881p.<br />

KRÜGER, L. F. Projeções climáticas das ciclogêneses no atlântico sul utilizando os modelos<br />

Hadam3 e regcm3. São Paulo, 2009. 100p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de<br />

Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo.<br />

LIMA, J. A. R. de. avaliação das consequências da produção de concreto no brasil para<br />

as mudanças climáticas. São Paulo, 2009. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade<br />

de São Paulo.<br />

MORAES, G. I. de. Efeitos econômicos de cenários de mudança climática na agricultura<br />

brasileira: um exercício a partir de um modelo de equilíbrio geral computável. Piracicaba,<br />

2010. 266p. Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”,<br />

Universidade de São Paulo.<br />

ZAMPARONI, C. A. G. P. desmatamento, processo de urbanização do campo e variabilidade<br />

climática na amazônia mato-Grossense. São Paulo, 2001. Tese (Doutorado)<br />

– Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.<br />

<strong>Edmilson</strong> dias de Freitas é professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do<br />

Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da <strong>USP</strong>.<br />

@ – efreitas@model.iag.usp.br<br />

tércio ambrizzi é professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto<br />

de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da <strong>USP</strong>.<br />

@ – ambrizzi@model.iag.usp.br<br />

Recebido em 22.12.2011 e aceito em 28.12.2011.<br />

estudos avançados 26 (74), 2012<br />

349


350<br />

estudos avançados 26 (74), 2012

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