Pierre Bourdieu e a história - Topoi
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B OURDIEU E A HISTÓRIA • 145<br />
anunciando, no século XIX, os mass media do XX. Mas, para um historiador,<br />
é claro que esta descrição do século XIX, que é muito original, permite<br />
ao mesmo tempo refletir sobre o passado de um modo um pouco diferente.<br />
Aqui também podemos encontrar uma descontinuidade: a fundação<br />
da propriedade literária, no século XVIII, ou a emergência de figuras,<br />
de artistas, pintores por exemplo, no século XVII, que afirmam a<br />
individualização da obra, as categorias da singularidade, da originalidade,<br />
do gênio, quando então essas obras se vinculavam estreitamente com a remuneração<br />
monetária, com a idéia de uma equivalência monetária. Isso<br />
pode ser verificado através de trabalhos que foram feitos tendo por referência<br />
a obra de <strong>Bourdieu</strong>, por exemplo. Os livros de uma colega norte americana,<br />
Svetlana Alpers, sobre Rembrandt, ou os trabalhos sobre Rubens,<br />
no século XVII, mostram que, em ambos os casos, particularmente no de<br />
Rembrandt, há esta afirmação — talvez paradoxal do ponto de vista do<br />
século XIX — de uma pintura que é uma pintura do eu. Como nos autoretratos<br />
múltiplos de Rembrandt, há a idéia de que sua singularidade estética<br />
deveria ser reconhecida em cada um de seus quadros e de que há uma<br />
autonomia do valor pictórico que não se pode reduzir ao valor, por exemplo,<br />
do material que o pintor utiliza. E, ao mesmo tempo, Rembrandt era<br />
o primeiro pintor que considerava que suas obras deveriam conquistar o<br />
mercado, que afirmava o seu valor econômico e que utilizava, por exemplo,<br />
seus quadros para pagar dívidas. Quer dizer, havia um sistema de equivalência<br />
absoluta entre a obra, com os critérios de singularidade e de originalidade,<br />
e a circulação monetária e os valores econômicos. É esta relação,<br />
tão forte para um artista como Rembrandt, que o XIX desvincula. E desta<br />
maneira devemos pensar que a pré-<strong>história</strong> do campo literário e estético,<br />
tal como o descreve <strong>Bourdieu</strong>, remete-nos a configurações diferentes das<br />
que dominam o campo literário do XIX. E se pensarmos na criação literária<br />
no século XVIII, é claro que também funciona este modelo de Rembrandt.<br />
Assim, encontrava-se afirmada, por um lado, a singularidade, a<br />
originalidade das obras, porque cada texto literário, por exemplo, veicula<br />
sentimentos ou usos da linguagem, algo do indivíduo que é absolutamente<br />
irredutível. Por outro lado, devia conduzir — como diria Diderot em um<br />
texto famoso, a carta sobre liberdade de imprensa — à possibilidade do