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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a ...

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Um relato em sentido contrário encontra-se em Dama da noite, <strong>de</strong> Caio Fernando Abreu. Narrado<br />

em primeira pessoa, a “dama” é a dona <strong>de</strong> sua vida, <strong>de</strong>tém o po<strong>de</strong>r dos discursos e dos fatos. Ao<br />

conversar com um rapaz em um bar, ela lhe conta a sua vida: suas tristezas, suas <strong>de</strong>cepções e suas<br />

parcas alegrias. Apesar <strong>de</strong> tentar seduzi-lo, ao final do conto ela se nega a ir com ele, revelando<br />

auto<strong>de</strong>terminação e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir a sua própria vida. A dama se diz rica sem, no entanto,<br />

divulgar a origem <strong>de</strong> sua renda. Dos quatro contos analisados, este é o primeiro em que a travesti não é<br />

explicitamente prostituída. Sinal, talvez, <strong>de</strong> que a maior fonte <strong>de</strong> opressão que submete as travestis<br />

surge do trabalho <strong>de</strong> prostituição. Até porque, como explica Larissa Pelúcio sobre a prostituição na<br />

Europa, resulta da “opressão material e simbólica que circunscreve as travestis em guetos, dificultando<br />

o acesso à escolarida<strong>de</strong>, ao mercado <strong>de</strong> trabalho e comprometendo seus projetos <strong>de</strong> transformação e<br />

inserção fora da prostituição”. 14 Apesar <strong>de</strong>sse contexto, a autora aponta uma tendência recente e uma<br />

esperança para as mais novas gerações. Devido a maior presença <strong>de</strong> travestis fora dos guetos e ao<br />

barateamento <strong>de</strong> tecnologias estéticas, no futuro talvez a prostituição po<strong>de</strong>rá ser apenas uma opção e<br />

não um <strong>de</strong>stino. 15<br />

Porém a “dama da noite”, protagonista do conto <strong>de</strong> Caio Fernando Abreu, também apresenta muitos<br />

sofrimentos, assim como as outras representações <strong>de</strong> travestis analisadas. Ela é apartada do convívio<br />

social: dorme <strong>de</strong> dia e à noite vai a bares, on<strong>de</strong> é tratada com uma certa con<strong>de</strong>scendência e <strong>de</strong>boche por<br />

parte dos outros freqüentadores. Assim como boa parte da obra tardia <strong>de</strong> Caio Fernando Abreu, o conto<br />

narra a convivência com o HIV, provavelmente em seu próprio corpo. A doença e a velhice agravam a<br />

sua maior fonte <strong>de</strong> tristeza: a solidão. Utiliza-se da metáfora da roda-gigante para falar <strong>de</strong> quem está<br />

<strong>de</strong>ntro do convício social e quem, como ela, está fora. Quanto aos seus amigos, já se foram todos.<br />

Eu sou a dama da noite que vai te contaminar com seu perfume venenoso e mortal. Eu sou a<br />

flor carnívora e noturna que vai te entontecer e te arrastar para o fundo <strong>de</strong> seu jardim<br />

pestilento. Eu sou a dama maldita que, sem nenhuma pieda<strong>de</strong>, vai te poluir com todos os<br />

líquidos, contaminar o seu sangue com todos os vírus. Cuidado comigo: eu sou a dama que<br />

mata, boy. 16<br />

A narração a partir da perspectiva <strong>de</strong> uma pessoa contaminada com o vírus do HIV é, para Jaime<br />

Ginzburg, uma condição comunicativa específica. Como tal, o autor indica três modos interpretativos<br />

que se complementam: primeiro, a crítica à <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong> e a hipocrisia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira em sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marginalizar a experiência alheia; segundo, a imagem da AIDS como aniquilação das<br />

relações sócias; e terceiro: a sexualida<strong>de</strong> como alvo <strong>de</strong> repressão. Além da separação das outras<br />

pessoas, o tempo é construído como resto ou resíduo. Essa idéia se traduz na narrativa <strong>de</strong> Caio<br />

Fernando Abreu por meio <strong>de</strong> um texto fragmentado e <strong>de</strong>scontínuo, intercalado com discretos<br />

comentários irônicos, e uma “História catastrófica, saturada <strong>de</strong> agoras traumáticos”. 17<br />

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