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Corpo, gênero e sexualidade em travestis de ... - Fazendo Gênero

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<strong>Fazendo</strong> <strong>Gênero</strong> 8 - <strong>Corpo</strong>, Violência e Po<strong>de</strong>r<br />

Florianópolis, <strong>de</strong> 25 a 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008<br />

Nôma<strong>de</strong>s da Norma: <strong>Corpo</strong>, <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> <strong>em</strong> <strong>travestis</strong> <strong>de</strong> diferentes gerações<br />

Bruno Cesar Barbosa (Mestrando <strong>em</strong> Antropologia Social- USP)<br />

Orientador: Prof. Dr. Júlio Assis Simões<br />

Travestis; Produção <strong>de</strong> Sujeitos; Interseccionalida<strong>de</strong>s<br />

ST 18 – Interseccionalida<strong>de</strong>s e produção das diferenças e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

Este texto será uma breve reflexão teórica acerca <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong> sujeito específica -<br />

travesti - a partir das observações realizadas durante meu estágio no Centro <strong>de</strong> Referência <strong>em</strong> Direitos<br />

Humanos GLBTTT 1 , durante o ano <strong>de</strong> 2007, <strong>em</strong> Londrina-PR. As ativida<strong>de</strong>s realizadas neste estágio<br />

consistiram-se na realização <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> prevenção às DST-Aids nos locais <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> da<br />

população GLBTTT; sendo um <strong>de</strong>stes lugares os pontos <strong>de</strong> prostituição travesti na cida<strong>de</strong>.<br />

Este primeiro trabalho <strong>de</strong> campo realizado <strong>em</strong> Londrina <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> ao meu projeto <strong>de</strong><br />

mestrado, que está andamento, aon<strong>de</strong> procuro compreen<strong>de</strong>r os dispositivos que produz<strong>em</strong> a posição <strong>de</strong><br />

sujeito travesti e como esta se corporifica <strong>em</strong> intersecções entre os marcadores sociais <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>,<br />

<strong>sexualida<strong>de</strong></strong> e ida<strong>de</strong>.<br />

Durante este meu estágio surgiu uma d<strong>em</strong>anda específica <strong>de</strong> algumas <strong>travestis</strong>, com ida<strong>de</strong> <strong>em</strong><br />

torno <strong>de</strong> 45 anos, pelos serviços do Centro <strong>de</strong> Referência <strong>em</strong> Direitos Humanos. Tal d<strong>em</strong>anda se <strong>de</strong>u<br />

por conta <strong>de</strong> alguns fatores apontados pelas próprias <strong>travestis</strong>, tais como: por sua condição sócio-<br />

econômica, isto é, não possuír<strong>em</strong> renda fixa; por ser<strong>em</strong> soropositivas; não possuír<strong>em</strong> moradia fixa; e<br />

por probl<strong>em</strong>as relacionados ao uso <strong>de</strong> silicone industrial e hormônios.<br />

Nas entrevistas com algumas <strong>de</strong>stas <strong>travestis</strong>, um aspecto recorrente <strong>em</strong> suas narrativas é o<br />

que elas apontam como mudanças nas “tradições <strong>travestis</strong>”. Dentre as principais mudanças levantadas<br />

está: a questão do amadrinhamento - que como <strong>de</strong>staca Bene<strong>de</strong>tti (2005) é consi<strong>de</strong>rado um dos rituais<br />

mais importantes para se tornar travesti; as mudanças na forma <strong>de</strong> se comportar na prostituição; e que<br />

muitas <strong>travestis</strong> atualmente não se prostitu<strong>em</strong>. Como apontado no relato <strong>de</strong> uma travesti <strong>de</strong><br />

aproximadamente 45 anos, negra e militante <strong>de</strong> movimentos pelos direitos humanos GLBTTT:<br />

“antigamente para você ser travesti, você tinha que se hormonizar, passar pela bomba<strong>de</strong>ira 2 , você<br />

tinha que ter uma mãe para te iniciar, hoje qualquer bixinha sai na rua, coloca um topinho e fala que é<br />

travesti (...) eles (os clientes) olham para mim e já pensão que t<strong>em</strong> pintão, pensam esse baita negão”.


Como levantado por algumas <strong>travestis</strong>, estas mudanças nas tradições provocariam um<br />

afastamento entre as gerações e uma estigmatização das mais velhas, que, além das questões já<br />

apontadas, são consi<strong>de</strong>radas pelas mais novas como a “geração Aids”. A partir <strong>de</strong>stas primeiras<br />

observações e entrevistas que <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> a minha pesquisa <strong>de</strong> mestrado, levantei a hipótese que na<br />

relação intergeracional <strong>de</strong> <strong>travestis</strong> parece ser reiterada uma visão oci<strong>de</strong>ntal dominante acerca do<br />

envelhecimento, <strong>em</strong> que a velhice é encarada como um período <strong>de</strong> <strong>de</strong>generação física, social e<br />

psicológica (FEATHERSTONE & HEPWORTH, 2000). Deste modo, se por um lado as <strong>travestis</strong><br />

questionam normas consi<strong>de</strong>radas “naturais” <strong>em</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, como a heteros<strong>sexualida<strong>de</strong></strong><br />

reprodutiva, parece haver uma reiteração da visão oci<strong>de</strong>ntal dominante acerca do envelhecimento.<br />

Deste modo, proponho uma breve reflexão acerca das intersecções entre <strong>gênero</strong>, <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> e ida<strong>de</strong> na<br />

produção <strong>de</strong>sta posição <strong>de</strong> sujeito.<br />

<strong>Gênero</strong>, Sexualida<strong>de</strong> e Ida<strong>de</strong>: nomadismo e práticas <strong>travestis</strong><br />

Não é suficiente afirmar que os sujeitos humanos são construídos, pois a construção<br />

do humano é uma operação diferencial que produz o mais ou menos ‘humano’, o<br />

inumano, o humanamente impensável. Esses locais vêm a limitar o ‘humano’ com seu<br />

exterior constitutivo, e a assombrar aquelas fronteiras com a persistente possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua perturbação e rearticulação (BUTLER, 1999, p. 159).<br />

Em seu livro “Probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> <strong>Gênero</strong>” Judith Butler (2003) utiliza o ex<strong>em</strong>plo das <strong>travestis</strong> para<br />

relacioná-las com seu conceito <strong>de</strong> “abjeto”, apontando assim que estas práticas seriam <strong>de</strong>safiadoras <strong>em</strong><br />

relação às normas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>. Para a autora estes abjetos são constituídos no processo <strong>de</strong><br />

produção do sujeito, visto que não atend<strong>em</strong> a coerência implicada na matriz heterossexual reprodutiva,<br />

são sujeitos incoerentes, que produz<strong>em</strong> diferenças.<br />

Na leitura butleriana, <strong>de</strong>ste modo, estes seres abjetos colocam <strong>em</strong> xeque a<br />

heteronormativida<strong>de</strong> reprodutiva e a diferenciação sexual, no sentido que <strong>de</strong>slocam esta lógica. As<br />

práticas <strong>travestis</strong> <strong>de</strong>nunciam que não há uma simetria dada entre sexo, <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>, mostrando<br />

que esta coerência é fabricada para o propósito da heterossexualização compulsória dos corpos. Deste<br />

modo, ao fazer o <strong>gênero</strong> na prática, por meio <strong>de</strong> performances repetidas das normas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, as<br />

<strong>travestis</strong> se “faz<strong>em</strong> mulher”, colocando <strong>em</strong> evidência, <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> “parodia do <strong>gênero</strong>”, o caráter<br />

performativo e artificial das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>.<br />

Miskloci e Pelucio (2006) afirmam que o uso do conceito <strong>de</strong> performativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Butler foi<br />

confundido <strong>em</strong> muitas análises como performance, provocando uma série <strong>de</strong> equívocos <strong>de</strong> leituras<br />

voluntaristas do sujeito. Como apontado por estes autores, o uso do ex<strong>em</strong>plo das <strong>travestis</strong> seria assim<br />

uma metáfora utilizada por Butler <strong>de</strong> forma a ex<strong>em</strong>plificar sua “parodia <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>”. Desta forma, é<br />

2


importante <strong>de</strong>stacar que para a autora não existe uma relação necessária entre práticas <strong>travestis</strong> e<br />

subversão. O <strong>gênero</strong> para Butler (1999) é performativo e estes atos performativos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser entendidos<br />

a partir do conceito <strong>de</strong> citacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Derrida. Desta forma, a performativida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve ser<br />

entendida como um “ato <strong>de</strong>liberativo” do sujeito, n<strong>em</strong> “teatralizada”, mas como <strong>de</strong>staca Butler (1999)<br />

uma “prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz efeitos que nomeia”(p. 152).<br />

Nesta leitura discorrida por Butler o sujeito é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre coibido e os atos são s<strong>em</strong>pre<br />

citações <strong>de</strong> convenções, assim o fato do sujeito aparecer como autor é um ato performativo da<br />

linguag<strong>em</strong>, uma presentificação, que oculta as convenções das quais ele é repetição, a sua historicida<strong>de</strong>.<br />

O aspecto teatral da performativida<strong>de</strong> é possível pois estes atos ocultam a história da qual faz<strong>em</strong> parte,<br />

e tornam impossível uma plena revelação <strong>de</strong> sua historicida<strong>de</strong> pois são ditos como “naturais”. Assim,<br />

na proposta <strong>de</strong> Butler (1999), a performativida<strong>de</strong> é um ato s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>rivativo, uma citação das<br />

convenções que produz<strong>em</strong> quais “bodies that matter” 3 . Na medida <strong>em</strong> que as normas do sexo são<br />

citadas, esta citação ou “i<strong>de</strong>ntificação/sujeição” prece<strong>de</strong> e possibilita a formação do sujeito, tornando-o<br />

capaz <strong>de</strong> viver no reino da inteligibilida<strong>de</strong> cultural. Assim, sexo é: “uma das normas pelas quais o<br />

‘alguém’ simplesmente se torna viável, é aquilo que qualifica um corpo para a vida no interior do<br />

domínio da inteligibilida<strong>de</strong>” (BUTLER, 1999, p.153)<br />

Porém, no processo citacional e <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sujeitos inteligíveis há s<strong>em</strong>pre instabilida<strong>de</strong>s<br />

com a produção <strong>de</strong> seres “incoerentes”, os abjetos, seres não-humanos. Como <strong>de</strong>staca Derrida <strong>em</strong> seu<br />

conceito diferrance 4 , a escritura nunca copia exatamente a fala, há s<strong>em</strong>pre um supl<strong>em</strong>ento, algo que<br />

escapa, e <strong>de</strong>ste modo o signo nunca se fixa a um <strong>de</strong>terminado significado. Visto a partir <strong>de</strong>stes<br />

questionamentos a materialização do “sexo” nunca é totalmente completa e a reiteração das normas <strong>de</strong><br />

<strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> é constant<strong>em</strong>ente necessária, <strong>de</strong> forma que a diferença <strong>em</strong> relação aos abjetos seja<br />

constant<strong>em</strong>ente d<strong>em</strong>arcada. Esta reiteração forçosa das normas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> aponta que os<br />

corpos nunca se conformam completamente às normas, s<strong>em</strong>pre há possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos<br />

abertos pelo processo citacional, rupturas.<br />

A partir <strong>de</strong>sta reflexão da performativida<strong>de</strong> enquanto citacionalida<strong>de</strong> pod<strong>em</strong>os pensar que nas<br />

práticas performativas po<strong>de</strong> ocorrer tanto uma <strong>de</strong>snaturalização das práticas regulatórias, como também<br />

uma reiteração das normas heterossexuais polarizadas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>. Como já apontado, a teoria da<br />

performativida<strong>de</strong> não se propõe a ser uma teoria <strong>de</strong>liberativa e voluntarista do sujeito, <strong>de</strong>ste modo, se a<br />

relação entre travesti e subversão fosse certa estaríamos enten<strong>de</strong>ndo que o sujeito - constituído <strong>de</strong> uma<br />

vonta<strong>de</strong> individual -pu<strong>de</strong>sse mudar a realida<strong>de</strong> sua social e histórica por um projeto individual e<br />

voluntário. Bento (2007) e Fernandéz(2000) afirmam esta questão <strong>em</strong> suas pesquisa, ao afirmar que<br />

não seria possível imputarmos a estes sujeitos o caráter <strong>de</strong> subversivos, pois estes sujeitos abjetos<br />

3


participam do mesmo sist<strong>em</strong>a social e simbólico, e é por meio <strong>de</strong>ssas categorias que dão sentido a suas<br />

vidas. Segundo Miskolci & Pelúcio (2006), nas práticas <strong>travestis</strong> há um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>snaturalização,<br />

mas que não po<strong>de</strong> ser tomado como um enfrentamento politicamente engajado, a experiência <strong>de</strong><br />

conflito com as normas po<strong>de</strong> ser até mesmo provocativa e <strong>de</strong>sestabilizadora, mas não é capaz por si só<br />

<strong>de</strong> modificar a norma.<br />

No encontro <strong>de</strong> gerações, como visto no campo <strong>em</strong> Londrina, as <strong>travestis</strong> mais velhas apontam<br />

que há um distanciamento das mais novas, sendo consi<strong>de</strong>radas por estas como “estigmatizadas”. Estas<br />

questões apontadas pelas mais velhas parec<strong>em</strong> reforçar o paradigma oci<strong>de</strong>ntal dominante acerca do<br />

envelhecimento. Deste modo, mesmo as <strong>travestis</strong> sendo abjetos <strong>em</strong> relação às normas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e<br />

<strong>sexualida<strong>de</strong></strong> e, portanto, questionadoras <strong>em</strong> relação à matriz heterossexual reprodutiva, na relação entre<br />

as gerações parece haver uma reiteração da visão oci<strong>de</strong>ntal dominante acerca do envelhecimento, com<br />

a produção <strong>de</strong> seres mais abjetos, no caso, as <strong>travestis</strong> mais velhas.<br />

Esta leitura da produção <strong>de</strong> sujeitos procura enten<strong>de</strong>r como o sujeito é construído por e como<br />

uma matriz exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> relações não somente <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>, mas também, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />

raça/cor, classe e regionalida<strong>de</strong>. Desta forma, pod<strong>em</strong>os relativizar o peso dado a matriz heterossexual<br />

reprodutiva na leitura <strong>de</strong> Butler, visto que o sujeito é atravessado por múltiplos eixos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

Como Haraway (2004) aponta, as categorias <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, raça, <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>, classe e ida<strong>de</strong>, como<br />

marcadores sociais, são construídas sócio-historicamente e marcam neste processo a produção do<br />

“humano” como já apontado. Estas categorias não pod<strong>em</strong> fornecer base para a crença <strong>em</strong> uma unida<strong>de</strong><br />

“essencial”; tornando-se necessário, assim, compreen<strong>de</strong>r o entrelaçamento das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>stes<br />

marcadores sociais na produção das diferenças.<br />

Perlongher (1987) <strong>em</strong> sua análise do negócio do michê já aponta estas múltiplas interfaces no<br />

processo <strong>de</strong> produção dos sujeitos. <strong>Fazendo</strong> uma leitura dos conceitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterritorialização e<br />

reterritorialização <strong>de</strong> Deleuze e Guatarri (1997), o autor propõe que no negócio do michê ocorre uma<br />

<strong>de</strong>sterritorialização <strong>em</strong> relação aos códigos <strong>de</strong> família, e uma reterritorialização por meio da<br />

proliferação <strong>de</strong> categorias classificatórias, que ressoam <strong>de</strong> certa forma gran<strong>de</strong>s classificações binárias<br />

como f<strong>em</strong>inino/masculino (miche-bicha/miche-macho), rico/pobre, branco/negro, velho/novo.<br />

Perlongher (1987) d<strong>em</strong>onstra como o sujeito é reterritorializado por meio <strong>de</strong>stas categorias, e estas<br />

territorializações se dão no nível molecular, dos <strong>de</strong>sejos, entendidos como uma montag<strong>em</strong> elaborada,<br />

um agenciamento anterior ao sujeito, assim como afirma Perlongher (1987): no negócio do michê estas<br />

distinções sociais são <strong>de</strong>sejadas.<br />

O nôma<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deleuze e Guatarri (1997), e apropriado por Perlongher(1987) opera uma<br />

<strong>de</strong>sterritorialização, como na parodia <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>de</strong> Butler (2003), sua relação é <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento, porém<br />

4


esta <strong>de</strong>sterritorialização é acompanhada <strong>de</strong> reterritorializações, que são territorializações perversas.<br />

Como afirmam Deleuze e Guatarri (1997):<br />

Se o nôma<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> o Desterritorializado por excelência é porque<br />

justamente a reterritorialização não se faz <strong>de</strong>pois, como no migrante, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> outra<br />

coisa, como no se<strong>de</strong>ntário (...) Para o nôma<strong>de</strong>, ao contrário, é a <strong>de</strong>sterritorialização<br />

que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterrritorializa na própria<br />

<strong>de</strong>sterritorialização (p.53).<br />

Partindo <strong>de</strong>stes questionamentos, pod<strong>em</strong>os apontar que as <strong>travestis</strong> são <strong>de</strong>sterritorializadoras<br />

<strong>em</strong> relação a uma série <strong>de</strong> normas convencionadas acerca <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>, e como os nôma<strong>de</strong>s,<br />

parec<strong>em</strong> ocorrer reterritorializações <strong>de</strong> códigos relacionados às concepções heg<strong>em</strong>ônicas acerca do<br />

envelhecimento, ressoando uma distinção entre juventu<strong>de</strong>/velhice. Pod<strong>em</strong>os pensar também, que estas<br />

reterritorializações não se dão somente na relação intergeracional, como apontado, mas também nas<br />

próprias relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> - como já pensando na apropriação do conceito <strong>de</strong><br />

citacionalida<strong>de</strong> por Butler - além das outras relações que estão <strong>em</strong> jogo na produção <strong>de</strong>stes sujeitos,<br />

como raça/cor, classe, regionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros.<br />

Referências<br />

BENEDETTI, Marcos. Toda Feita: corpo e o <strong>gênero</strong> das <strong>travestis</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Garamond, 2005.<br />

BUTLER, Judith. Probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>: f<strong>em</strong>inismo e subversão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2003.<br />

BUTLER, Judith. <strong>Corpo</strong>s que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, G.L. O<br />

corpo educado – pedagogias da <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>. Belo Horizonte: a Autêntica, 1999.<br />

DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Micropolítica e Segmentarida<strong>de</strong>. In: Mil Platôs: Capitalismo<br />

e Esquizofrenia Vol. 3. São Paulo: Editora 43, 1997.<br />

DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Tratado <strong>de</strong> Nomadologia: A Máquina <strong>de</strong> Guerra. In: Mil<br />

Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 5. São Paulo: Editora 43, 1997.<br />

DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971.<br />

FEATHERSTONE, Mike & HEPWORTH, Mike. Envelhecimento, Tecnologia e o curso <strong>de</strong> vida<br />

incorporado. In: DEBERT, G.G. & GOLDSTEIN, D.M. (Orgs.). Políticas do corpo e o curso <strong>de</strong> vida.<br />

São Paulo: Editora Sumaré, 2000.<br />

FERNANDÉZ, Josefina. Cuerpos <strong>de</strong>sobedientes: Travestismo y i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> género. Buenos Aires:<br />

Edhasa, 2004.<br />

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FOUCAULT, Michel. História da Sexualida<strong>de</strong> I: a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber. Rio <strong>de</strong> janeiro: Graal, 2003,<br />

15ed.<br />

___________________. Microfísica do Po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1979.<br />

KULICK, Don. Travesti. Sex, gen<strong>de</strong>r and culture among Brasilian transgen<strong>de</strong>red prostitutes. Chicago,<br />

The University of Chicago Press, 1998.<br />

MISKOLCI, Richard & PELUCIO, Larissa. Fora do Sujeito e Fora do Lugar: Reflexões sobre<br />

Performativida<strong>de</strong> a Partir <strong>de</strong> uma Etnografia entre Travestis. Texto incluso no CD do 30º Encontro<br />

Anual da ANPOCS (2006).<br />

PELÚCIO, Larissa. Na noite n<strong>em</strong> todos os gatos são pardos: notas sobre a prostituição travesti.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos Pagu (25), 2005, julho- <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro.<br />

___________. Três casamentos e algumas reflexões: notas sobre conjugalida<strong>de</strong> envolvendo travetis que<br />

se prostitu<strong>em</strong>. Revista Estudos F<strong>em</strong>inistas 14(2):248, maio-agosto <strong>de</strong> 2006.<br />

PERLONGHER, Nestor. O negocio do michê: prostituição virial <strong>em</strong> São Paulo. São Paulo: Editora<br />

Brasiliense, 1987.<br />

1 A sigla se refere a Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Trans<strong>gênero</strong>s..O Centro <strong>de</strong> Referência <strong>em</strong> Direitos Humanos<br />

GLBTTT é um projeto pertencente ao Núcleo Londrinense <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> Danos, uma organização não governamental, s<strong>em</strong><br />

fins lucrativos que t<strong>em</strong> como norte os Diretos Humanos. Este projeto é financiado pelo programa Brasil s<strong>em</strong> Homofobia,<br />

ligado à Secretaria Especial <strong>de</strong> Direitos Humanos-SEDH.<br />

2 Refere-se a um termo êmico utilizado pelas <strong>travestis</strong> para se referir<strong>em</strong> a pessoa que aplica o silicone industrial.<br />

3 Bodies that matter é o nome <strong>de</strong> um dos livros da autora. O nome brinca com o significado da palavra matter, que t<strong>em</strong> o<br />

significado <strong>de</strong> importar e também <strong>de</strong> matéria, dando os dois sentidos: a materialida<strong>de</strong> do sexo, a corporalida<strong>de</strong> e também<br />

como este corpo se torna inteligível.<br />

4 Termo cunhado por Jacques Derrida que é propositadamente pronunciável da mesma forma nas expressões différance e<br />

différence o que expressa a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua tradução e também <strong>de</strong> certa forma algo que se propõe explicar. O conceito<br />

permite uma crítica a lingüística estruturalista <strong>de</strong> Saussure ao afirmar que a escritura não copia exatamente a fala, há s<strong>em</strong>pre<br />

um supl<strong>em</strong>ento. O signo nunca se fixa numa única instância, <strong>de</strong>ste modo, a relação entre signo e significado que assegura a<br />

unida<strong>de</strong> do signo não po<strong>de</strong> ser um dado apriorístico.<br />

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