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Corpo, Violência e Poder - Fazendo Gênero

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Diante do “sim” de Manuela, a pergunta se desdobra num agradecimento carregado de contida<br />

satisfação pelo reconhecimento de haver significado algo mais profundo na existência das mulheres<br />

que fecundou. Percebe-se, então, que não são as (des)semelhanças sexuais as que importam aqui,<br />

mas a construção compartilhada de um novo paradigma discursivo-relacional entre dois seres<br />

humanos.<br />

No artigo “<strong>Gênero</strong>” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra,<br />

Haraway 2 lembra a argumentação de Judith Butler de que o discurso de gênero é intrínseco às<br />

ficções de coerência heterossexual e que o feminismo precisa aprender a produzir uma<br />

legitimidade narrativa para todo um conjunto de gêneros não coerentes. O discurso fílmico de<br />

Almodóvar segue a trilha proposta por Butler, ou seja, contribui para dar visibilidade ao caráter<br />

ficcional da coerência heterossexual ao identificar – através dos personagens Manuela,<br />

Esteban/Lola-pai e Esteban-filho – um modelo familiar não coerente com os modelos tradicionais<br />

ancorados na heterossexualidade.<br />

Entretanto, esse modelo tido como “não coerente”, legitimando-se no intra/interdiscurso em<br />

que se erigem as respectivas identidades-sujeito que o constituem, desloca-se para a ordem do<br />

dizível e formula uma nova enunciação (o diferente), no aqui e agora do sujeito (ORLANDI, 2002,<br />

p. 90). É, portanto, a descoberta desse dizer possível que proporciona uma refundação do já-lá<br />

discursivo constitutivo dos dois sujeitos, Manuela e Esteban/Lola. Ressignificado na/pela presença<br />

de um terceiro sujeito-discursivo dele originado, o Esteban/filho, o já-lá em que existem Manuela e<br />

Esteban/Lola emerge de um outro dizer (o da formação discursiva identificada com a margem do<br />

socialmente aceito) para, enfim, significar-se diante de si mesmo pela existência de duas direções de<br />

sentido possíveis: em relação ao outro dizer (o da outra formação discursiva) e em relação ao<br />

discurso social (o consenso) (Idem, p. 91).<br />

Saliente-se, igualmente, a importância discursiva que assumem o advérbio também e a<br />

preposição de, elíptica e silenciosamente presente na pergunta de Esteban/Lola a Manuela, quando<br />

é informado por ela sobre o nome dado ao filho de ambos. Enquanto advérbio inclusivo, também<br />

assume na pergunta de Esteban/Lola um viés reiterativo de seu discurso identitário, que, dessa<br />

forma, o ultrapassa enquanto sujeito e se prolonga, repercutindo e ampliando-se num outro sujeito<br />

discursivo – o Esteban/filho – que resultou, até o seu final, marcado pela falta constitutiva do pai<br />

biológico. Já a preposição elíptica de adquire aqui significado igualmente reiterativo do sentido<br />

origem, de pertencimento a um discurso fundador que antecede o sujeito-discursivo Esteban/Lola,<br />

que o alicerça enquanto também se fragmenta nos discursos/filhos que gera. Dessa maneira,<br />

Esteban/Lola tem assegurada não apenas sua historicidade enquanto sujeito, mas é igualmente<br />

demarcado seu lugar enunciativo no fio intradiscursivo que lhe confere identidade. Saliente-se,<br />

ainda, que todo esse processo de auto(re)conhecimento identitário do pai com relação ao filho<br />

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