Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada
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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />
uma ameaça a assolar o país, apresentada na forma de uma advertência: “Über Nacht<br />
kann, den Katholizismus ablösend, hier wieder der Nationalsozialismus in beherrschende<br />
Erscheinung treten, diese Stadt hat alle Voraussetzungen [...]” (UR, 102) 5 . Bernhard<br />
coloca, sempre de forma provocadora, que devido ao fato de a estrutura social, bem<br />
como das instituições que possibilitaram o surgimento do nacional-socialismo e de certa<br />
forma o sustentaram, continuarem – na visão do autor – inalteradas no momento em<br />
que escreve o texto, então a diferença entre aquele Estado totalitário e o democrático<br />
no qual vive seria apenas aparente 6 . O procedimento é constante em sua obra: mostrar<br />
como as estruturas de outrora, criticadas publicamente, persistem, talvez com outras<br />
formas e nomes, mas com a mesma essência. Aliás, o texto de Die Ursache é construído<br />
tendo como base uma aparente dualidade, expressa já em sua forma, na divisão em dois<br />
capítulos e nas constantes comparações entre período nacional-socialista e pós-guerra.<br />
Essa dualidade é dita “aparente”, pois o autor a apresenta como parte de seu estilo provocador,<br />
para em seguida negar essa mesma dualidade. Isso já é patente na epígrafe do<br />
livro, a qual, como afirmado, indica a continuidade entre os períodos, ideia que perpassa<br />
todo o texto. Como será demonstrado posteriormente, esse é o jogo retórico por meio<br />
do qual Bernhard apresenta sua crítica.<br />
Essa sociedade e suas instituições, duplamente opressoras pois qualificadas constantemente<br />
como “católico-nacional-socialistas” (cf. UR, 101), produziriam suas vítimas,<br />
e ao longo da autobiografia o autor apresenta mais detidamente três tipos, os quais<br />
poderiam ser classificados da seguinte forma: os estudantes, a população civil durante a<br />
guerra e os excluídos da sociedade. Essa separação fica bem evidente ao leitor, até mesmo<br />
pelo fato de o autor optar por tratar delas quase que separadamente ao longo do escrito<br />
e na sequência em que serão apresentadas aqui.<br />
O livro inicia-se com uma descrição da cidade possuidora de uma beleza natural e<br />
arquitetônica que misturadas a um clima pré-alpino 7 perturbador, bem como a instituições<br />
opressoras, torna seus habitantes em vítimas desse conjunto terrível. Para o crítico<br />
Segebrecht (apud Wagner-Egelhaaf 2000: 65) o início de uma autobiografia é um<br />
espaço no qual se decide muita coisa: nele vemos, por exemplo, que papel o autor assume<br />
e que papel ele atribui a seu leitor. O início de um texto, ainda segundo o autor, já<br />
deve ser lido como uma reação às expectativas do leitor, ou seja, a de que o “eu” narrador<br />
seja idêntico ao autor e não uma ficção, para o caso do gênero em questão. Por meio da<br />
análise de uma série de exemplos, o crítico procura mostrar como já nas primeiras linhas<br />
do texto pode-se perceber como o leitor é concebido na obra: Fontane, por exemplo, o<br />
5<br />
“Da noite para o dia, o nacional-socialismo pode tornar a assumir o controle, substituindo o catolicismo, a cidade<br />
tem todos os pré-requisitos para tanto [...]” (ORI, 187).<br />
6<br />
Cabe ainda a observação de que se há o alerta de uma substituição do catolicismo pelo nacional-socialismo, isso<br />
se dá de modo provocador, já que o par de adjetivos perpassa toda sua obra como caracterizador da essência austríaca,<br />
segundo ele, duplamente negativa, pois vê uma equivalência de ambos como formas opressoras contra o<br />
espírito e a liberdade.<br />
7<br />
As críticas às condições meteorológicas são apenas mencionadas de forma provocadora, o autor não se preocupa<br />
em desenvolver a alusão ou esclarecer os supostos efeitos nocivos do clima sobre os habitantes.