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Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />

de poder, das condições difíceis da sobrevivência, da dificuldade em levar-se uma vida<br />

normal após os campos; assim ao público de Bernhard, ainda que não fossem especialistas<br />

no assunto, seria fácil identificar as alusões. Para exemplificar o afirmado, proponho<br />

prosseguir a comparação de trechos da obra do austríaco com trechos de depoimentos<br />

de sobreviventes dos campos apresentados no livro de Todorov Em face do extremo 17 ,<br />

bem como presentes nos livros de um dos mais célebres desses sobreviventes, célebre<br />

justamente por seus escritos, Primo Levi, já citado anteriormente.<br />

Aos sobreviventes do Holocausto ficava sempre a dúvida se, fora dos campos,<br />

poderiam algum dia ter uma vida normal, se seriam felizes novamente: “Perguntávamos<br />

se seríamos novamente felizes um dia ou, então, se Auschwitz, tendo ganhado a partida<br />

viveria em nós até nossa morte e iria, em seguida, assombrar aqueles que o teriam compreendido”<br />

(Vrba apud Todorov 1995: 291) – assim como o ex-diretor e as lembranças<br />

da época de internato continuam a assombrar Bernhard, que mesmo em sonhos ainda é<br />

atormentado por tal passado. Mas a brutalidade desta experiência produziu em grande<br />

parte deles danos irreparáveis, nas palavras de Todorov “[...] os sobreviventes dos campos<br />

se tornaram, na sua grande maioria, pessoas depressivas e sofredoras. A proporção de<br />

suicidas é anormalmente alta entre eles, como a de doenças mentais ou físicas.” (1995:<br />

288) Bernhard em sua descrição dos “sobreviventes” do internato se expressa em termos<br />

semelhantes:<br />

[...] denn auch der aus einer solchen Anstalt als Internat entlassene und entkommene junge<br />

Mensch, und von keinem anderen spreche ich an dieser Stelle, ist für sein weiteres Leben<br />

und seine weitere immer zweifelhafte Existenz, gleich wer er ist und gleich was aus ihm<br />

wird, in jedem Falle eine zu Tode gedemütigte und zugleich hoffnungslose und dadurch<br />

hoffnungslos verlorene Natur, als Folge seines Aufenthaltes in einem solchen Erziehungskerker<br />

als Erziehungshäftling vernichtet worden, er mag Jahrzehnte weiterleben als was und<br />

wo immer. (25s.) 18<br />

Sobre a violência arbitrária nos campos pode-se citar o depoimento de Anna<br />

Panwelczynskelin: “A ideia de aceitar um trabalho em Auschwitz era particularmente<br />

sedutora, porque o trabalho ia de encontro à necessidade de sentir dia a dia sua própria<br />

autoridade e sua própria força, o direito de decidir a vida e a morte, o direito de infligir a<br />

morte pessoal e casualmente, e o direito de abusar de seu poder sobre os outros detentos”<br />

(apud Todorov 1995: 222). Já em Bernhard lê-se:<br />

Noch hatte ich die zunehmende Angst vor dem Grünkranz, der mich, gleich wo er mir<br />

begegnete, ohrfeigte, grundlos, meinen Namen nennend, er tauchte auf, nannte meinen<br />

Namen und ohrfeigte mich, als wäre dieser Vorgang, nämlich das von ihm aus gesehen<br />

17<br />

Todorov, Tzvetan. Em face do extremo, São Paulo, Papirus: 1995.<br />

18<br />

“[...] o jovem saído ou fugido de tal instituição ou internato – e não é de outro jovem que falo aqui –, seja ele<br />

quem for e independentemente do que venha a se tornar, nada mais será do que alguém humilhado até a morte,<br />

uma natureza desesperançada, e portanto uma natureza irremediavelmente perdida para o resto da vida, para o<br />

resto de uma existência sempre duvidosa, uma criatura arruinada pela sua passagem por tal cárcere educacional na<br />

condição prisioneiro, viva ela ainda quantas décadas for, como ou onde viver.” (ORI, 132)

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