Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada
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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />
crise para outra não há uma mudança significativa, só a comprovação do valor pessoal.<br />
A autora comenta ainda que o autor não seria capaz de desligar-se de si para descrever<br />
a si mesmo quando criança, o que faz no texto é um cruzamento de passado e presente<br />
para ressaltar a não diferenciação dos dois tempos, o que seria visível mesmo na sintaxe<br />
escolhida: “Assim Bernhard utiliza de certo modo as conjunções ‘por um lado – por outro<br />
lado’ de forma sintática, não semântica como indicadoras de uma não diferenciação<br />
e com isso produz uma série de listas, que clandestinamente transformam o diferente<br />
em igual” (in Villinger 2002: 247) 50 . Ainda nesse sentido de técnica de nivelamento e<br />
indiferenciação, a autora recomenda entender-se o final do volume Der Keller, no qual<br />
é narrado o encontro fortuito do adulto Bernhard com um morador do conjunto habitacional<br />
Scherzhauserfeld. O encontro parece indicar a presença ou retorno do passado<br />
no presente, no mesmo estilo do pregado constantemente em Die Ursache, e a lição daí<br />
tirada é que tudo é indiferente e equivalente: “Mein besonderes Kennzeichen heute ist<br />
die Gleichgültigkeit, und es ist das Bewußtsein der Gleichwertigkeit alle dessen, das jemals<br />
gewesen ist und das ist und das sein wird.” (KEL, 141s.) 51<br />
Assim como o autor não sente uma diferença real entre sua época e a narrada, a<br />
única diferença entre adulto e criança evidenciada no uso feito das pessoas gramaticais<br />
seria a compreensão, posterior, da atitude do avô, em relação à qual o jovem ainda não tinha<br />
a distância necessária para reconhecer seu propósito, poupando assim a imagem deste,<br />
o qual sai ileso das críticas. Aliás, em Die Ursache, não só a figura do avô é poupada,<br />
mas toda a família do autor, especialmente a mãe, com a qual sempre teve uma relação<br />
difícil – somente em seu último escrito autobiográfico, Ein Kind, de 1982, Bernhard é<br />
capaz de abordar sua relação com a mãe de forma mais direta, quando descobrimos tratar-se<br />
de mãe solteira, a qual sempre teve dificuldades em aceitar a criança e não escondia<br />
sua repulsa: os insultos que não podia dirigir ao amante que a abandonou eram dirigidos<br />
ao filho. Em Die Ursache o autor apenas admite ainda não estar preparado para tratar da<br />
relação com a mãe, de quem diz ter sido uma mulher maravilhosa (“diese wunderbare<br />
Frau”, UR, 116), com a qual teve uma relação difícil e “deren Wesen zu beschreiben ich<br />
heute noch nicht die Fähigkeit habe” (UR, 115s., itálicos do autor) 52 . Em Der Atem de<br />
1978 afirma novamente não ser o momento de esclarecer o porquê da relação difícil,<br />
distanciada e até hostil com a mãe, não está pronto para tal, “die Ursachen wären noch<br />
einmal zu untersuchen, aber das führte an dieser Stelle zu weit und wäre in jedem Falle<br />
heute noch zu früh [...]” (ATEM, 76) 53 . Já um quadro mais crítico do avô de Bernhard<br />
50<br />
“So verwendet Bernhard etwa die Konjunktionen ‘einerseits – andererseits’ syntaktisch und nicht semantisch als<br />
Indikator einer Unterscheidung und gereniert damit reihende Auflistungen, die Unterschiedenes unter der Hand<br />
in Gleiches transformieren” (in Villinger 2002: 247).<br />
51<br />
“Minha principal característica hoje é a indiferença, ou seja, a consciência da equivalência entre tudo que passou,<br />
tudo que é e tudo que será.” (ORI, 316)<br />
52<br />
“um ser que ainda hoje não tenho a capacidade de descrever” (ORI, 196).<br />
53<br />
“cujas causas precisariam ser reavaliadas – algo, que aqui, se estenderia demais e, de todo modo, seria ainda hoje<br />
precipitado [...]” (ORI, 386).