Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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Qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> voz é o jornalista e o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> romance é a<br />
reportag<strong>em</strong>. Até o país passa a ter por imago uma<br />
redação <strong>de</strong> jornal. On<strong>de</strong> se lê jornal, leia-se Brasil. On<strong>de</strong><br />
se lê repórter, leia-se socieda<strong>de</strong> brasileira. A simbiose<br />
se produz com tamanha força que Marcelino Pereira,<br />
protagonista <strong>de</strong> Acusado <strong>de</strong> Homicídio <strong>de</strong> José<br />
Louzeiro, chega a “encarnar” alguns dos probl<strong>em</strong>as do<br />
país no período. Repórter, obrigado a se “corromper” por<br />
falta <strong>de</strong> dinheiro, Marcelino Pereira vai enfraquecendo<br />
organicamente à proporção que passa a ocultar<br />
“verda<strong>de</strong>s” dos seus textos e usá-las para chantag<strong>em</strong>. O<br />
repórter parece pa<strong>de</strong>cer <strong>de</strong> “asfixia” por má circulação<br />
<strong>de</strong> informações, como a socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
(SUSSEKIND, 1984, p. 180)<br />
No <strong>de</strong>bate/entrevista sobre a produção literária recente – do<br />
qual participou com Carlos Vogt, Flávio Aguiar, Lúcia Teixeira Wisnik e<br />
João Luiz Tafetá 30 – Davi Arrigucci Jr., citando Brunetière, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o<br />
romance-reportag<strong>em</strong> “é um romance que naufraga na singularida<strong>de</strong> [...]<br />
atribui sentido a tudo, e, portanto, a nada”. (1999, p. 78). Flávio Aguiar<br />
<strong>de</strong>staca a característica circunstancial do gênero que busca prover a<br />
história daquele momento. Os t<strong>em</strong>as que tomam as páginas do romancereportag<strong>em</strong><br />
do período – numa visão extr<strong>em</strong>amente polarizada, s<strong>em</strong><br />
meios-tons – são, principalmente, o crime, a corrupção, as figuras<br />
marginalizadas, o antagonismo entre opressores e oprimidos, a dinâmica<br />
da opressão e da exploração.<br />
Para Silverman (2000), o romance jornalístico da década <strong>de</strong> 70<br />
buscava informar o leitor e não tinha, portanto, muito rigor estético ou<br />
mesmo gran<strong>de</strong>s aspirações literárias, n<strong>em</strong> pretendia ser um tratado<br />
social, mas um veículo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, com uma narrativa crua, objetiva,<br />
direta, crível. A exceção no caudal da produção da época – <strong>em</strong> que<br />
figuram, entre outros nomes, José Louzeiro, Aguinaldo Silva e Carlos<br />
Heitor Cony –, ressalva Silverman, seria o gaúcho Sinval Medina, já no<br />
início da década <strong>de</strong> 80 com Liberda<strong>de</strong> condicional (1980) e Cara coroa<br />
30 Reproduzido <strong>em</strong> <strong>Jornalismo</strong>, Realismo, Alegoria: o romance brasileiro recente (ARRIGUCCI JR.,<br />
1999, pp. 77-109).