ANDREI TARKOVSKI - Instituto Moreira Salles
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1.<br />
Imaginemos (uma forma não visível, uma<br />
imagem acesa apenas na imaginação) que a<br />
arte se realize num espaço entre a razão e o<br />
sentimento e que neste espaço Andrei Roublev<br />
(1966) procure ocupar um ponto mais perto<br />
da emoção que do entendimento. Seu diretor,<br />
Andrei Tarkovski (URSS, 1932 - França<br />
1986) costumava dizer que este é o lugar natural<br />
do cinema. Para ele todo filme deve “trazer<br />
o mundo real para a tela, mostrar o mundo<br />
como ele realmente é, para o espectador projetar-se<br />
emocionalmente na imagem e sentir até<br />
mesmo a aridez ou a umidade do ar”.<br />
Nos produtos da indústria cinematográfica,<br />
“na maioria das vezes a natureza não existe. A<br />
plateia é convidada a acompanhar um enredo<br />
sem prestar atenção à artificialidade do cenário”.<br />
Na arte cinematográfica, no entanto, “a<br />
presença da natureza é fundamental. Na verdade,<br />
mais que um cenário por trás do enredo,<br />
ela estimula o espectador a estabelecer com<br />
o cinema uma relação estética imediata: é a<br />
realidade, uma realidade emocional que está<br />
ali. É assim que a plateia percebe o cinema,<br />
como uma segunda realidade”. Segunda, mas<br />
sentida como se fosse a primeira - durante a<br />
projeção “o espectador não deve se desligar do<br />
filme para perguntar por quê? para quê? ou o<br />
que significa?”. Perguntas, só depois que o filme<br />
acaba.<br />
O que ocorreu nas primeiras apresentações<br />
de A chegada de um trem à estação dos irmãos<br />
Lumière, lembra Tarkovski, resulta do fato de<br />
o cinema existir como uma realidade emocional:<br />
“Dura meio minuto. Mostra uma estação<br />
banhada pela luz do sol. Damas e cavalheiros<br />
caminham. O trem surge no fundo do quadro<br />
e avança na direção da câmera. Quando<br />
está bem próximo, instaura-se o pânico na sala<br />
de projeção. As pessoas saem correndo”. Para<br />
ele foi neste momento em que o trem pareceu<br />
querer saltar da tela para dentro da sala “que<br />
nasceu o cinema. O que surgiu então não foi<br />
apenas uma nova técnica, uma nova maneira<br />
de reproduzir o mundo, mas um novo princípio<br />
estético”, um princípio ao mesmo tempo<br />
longe e perto da tradição literária. “O cinema<br />
e a literatura se unem, acima de tudo, pela liberdade<br />
de que desfrutam escritores e diretores<br />
para escolher os elementos que desejam,<br />
em meio ao que lhes é oferecido pelo mundo<br />
real, e organizá-los numa determinada ordem.<br />
“Refém da eternidade,<br />
prisioneiro do tempo:<br />
nestes versos, Boris Pasternak<br />
definiu com precisão a verdadeira<br />
condição do artista”.