RL #34 [quadrimestral. Março 2012] - Universidade de Coimbra

DESTINO NA
TRAVESSIA
Há dois anos ninguém falava da troika,
agora temos a vida determinada
por essa entidade, obscura mas tão
real, que nos esvazia os orçamentos.
Sem deixar de reconhecer que sem
ela os nossos bolsos estariam vazios,
temos de lutar com toda a nossa
energia para que não seja a cura a
deixar-nos paraplégicos. É hora de
vincar bem o papel das universidades
e da investigação no desenvolvimento
do país, para que não se
tornem elas próprias em mais danos
colaterais da crise que se instalou.
Não é conversa vazia dizer que é nas
universidades que está a chave da recuperação
de Portugal. Há poucos
setores com tanta atividade de criação
de empresas capazes de competir
fora das nossas fronteiras como as
universidades. É até curioso verificar
como os politécnicos, por muitos tidos
como transmissores de um saber
mais prático, pouco contribuem
para esta génese empresarial. Talvez
porque de facto só o conhecimento
com grande profundidade tem o
caráter universal que é necessário
para que uma atividade económica
adquira relevância fora das nossas
fronteiras.
É também de realçar que mesmo
nos setores mais tradicionais, como
o têxtil, o calçado ou os moldes, as
empresas que continuam saudáveis
são as que conseguem incorporar
conhecimento avançado no desenho
ou nos materiais, no processo de
fabrico ou na distribuição. O velho
modelo dos empresários de baixa
qualificação e da mão de obra barata
soçobrou aos ventos da globalização.
Sempre foi o conhecimento avançado
que justificou a existência das
universidades: nem de outra forma
se compreende que a Universidade
de Coimbra (UC) funcione há mais
de sete séculos. Só que, ao contrário
dos tempos antigos, ela não é hoje
uma instituição de nicho mas antes
uma fonte de saberes relevantes para
toda a sociedade. Temos de saber demonstrar
este facto elementar a essa
mesma sociedade que nos financia,
para que continue a fazê-lo. Importa
mostrar a fecundidade da nossa
intervenção em todos os momentos.
A Semana Cultural da UC, este ano
alargada a um período mais lato
para que os eventos que a compõem
não se sobreponham tanto, permitindo
assim a fruição de cada um
deles por públicos mais alargados,
é um momento muito especial para
que afirmemos convictamente a nossa
relevância.
Que os múltiplos saberes universitários
se saibam agora, mais do que
nunca, evidenciar, tanto na profundidade
da reflexão empreendida
como na incessante procura que
lhes subjaz. Só dando-nos a conhecer
podemos ajudar a superar este
presente (esta)fado e a descortinar
enfim algum destino para esta tão
atribulada travessia.
João Gabriel Silva
Reitor