C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2011\EDI - Unama
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1<br />
REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />
v. 12, n. 25 • junho de 2010<br />
TRAÇOS<br />
ISSN 1516-0025<br />
Belém v.12 n.25 p. 1-165 jun. 2010
2<br />
REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />
C 2010, UNIVERSIDA<strong>DE</strong> DA AMAZÔNIA<br />
REITOR<br />
Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />
VICE-REITOR<br />
Henrique Guilherme Carlos Heidtmann Neto<br />
PRÓ-REITOR <strong>DE</strong> ENSINO<br />
Mário Francisco Guzzo<br />
PRÓ-REITORA <strong>DE</strong> PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />
Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />
DIRETOR DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA E<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL<br />
EVARISTO CLEMENTINO REZEN<strong>DE</strong> DOS SANTOS<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ARQUITETURA E URBANISMO<br />
JOSÉ AKEL FARES FILHO<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA CIVIL<br />
SELÊNIO FEIO DA SILVA<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA <strong>DE</strong> PRODUÇÃO<br />
ANDRÉ CRISTIANO SILVA MELO<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> TECNOLOGIA EM PROCESSAMENTO <strong>DE</strong> DADOS<br />
CLÁUDIO OTÁVIO MENDONÇA <strong>DE</strong> LIMA<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> BACHARELADO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO<br />
MAURO MARGALHO COUTINHO<br />
COOR<strong>DE</strong>NADORA DO CURSO <strong>DE</strong> ARTES VISUAIS E TECNOLOGIA DA IMAGEM<br />
ANA <strong>DE</strong>L TABOR VASCONCELOS MAGALHÃES<br />
COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> LICENCIATURA EM MATEMÁTICA<br />
MIGUEL CHAQUIAM<br />
EXPEDIENTE<br />
EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />
RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />
SUPERVISÃO: Helder Leite<br />
NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />
FORMATAÇÃO GRÁFICA: Elailson Santos<br />
REVISÃO <strong>DE</strong> TEXTO: Luis F. Branco<br />
PROJETO DA CAPA: Fernanda Beliche<br />
ILUSTRAÇÃO DA CAPA: Fernando Navarro<br />
“Campus” Alcindo Cacela<br />
Av. Alcindo Cacela, 287<br />
66060-902 - Belém-Pará<br />
Fone geral: (91) 4009-3000<br />
Fax: (91) 3225-3909<br />
“Campus” BR<br />
Rod. BR-316, km3<br />
67113-901 - Ananindeua-Pa<br />
Fone: (91) 4009-9200<br />
Fax: (91) 4009-9308<br />
“Campus” Quintino<br />
Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />
66035-190 - Belém-Pará<br />
Fone: (91) 4009-3300<br />
Fax: (91) 4009-0622<br />
“Campus” Senador Lemos<br />
Av. Senador Lemos, 2809<br />
66120-901 - Belém-Pará<br />
Fone: (91) 4009-7100<br />
Fax: (91) 4009-7153<br />
Catalogação na fonte<br />
www.unama.br<br />
T759t Traços: revista do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia - Belém: UNAMA, v. 12, n. 25,<br />
2010.<br />
165 p.<br />
ISSN: 1516-0025<br />
1. Ciências exatas. 2. Ciências exatas - pesquisa. 3. Ciências exatas-estudos de caso.<br />
1. Periódicos.<br />
CDD: 507.2
3<br />
REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />
v. 12 n. 25 2010<br />
EDITORIAL ......................................................................................................................................... 5<br />
ARTIGOS ............................................................................................................................................ 7<br />
AMAZÔNIA: BORRACHA X <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO ECONÔMICO ........................................................ 9<br />
AMAZON: RUBBER X ECONOMIC <strong>DE</strong>VELOPMENT<br />
Alexandre Martins de Lima<br />
ESTUDO PRELIMINAR SOBRE SISMICIDA<strong>DE</strong>:<br />
CLASSIFICAÇÃO, RECORRÊNCIA E ANÁLISE <strong>DE</strong> SEUS RISCOS ..........................................................29<br />
PRELIMINARY STUDY OF SEISMICITY: CLASSIFICATION,<br />
RECURRENCE AND ANALYSIS OF ITS RISKS<br />
Selênio Feio da Silva<br />
Evaristo Clementino Rezende dos Santos Junior<br />
Alexandre Andrade Brandão Soares<br />
Felipe Rodrigues Ribeiro<br />
Jeferson de Oliveira Bezerra<br />
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E MINERALÓGICA DO LODO DA ETA BOLONHA,<br />
ARGILAS GORDA E MAGRA PARA CONFECÇÃO DA MASSA CERÂMICA ......................................... 43<br />
(PHYSICAL AND MINERALOGICAL CHARACTERIZATION OF SLUDGE FROM ETA BOLONHA<br />
CLAY, FAT AND LEAN MASS FOR MAKING CERAMICS)<br />
Elzelis de Aguiar Muller<br />
Luiza Girard Teixeira Machad<br />
Alberto Carlos de Melo Lima<br />
AVALIAÇÃO HIDRÁULICA E <strong>DE</strong> POLUENTES DO AFLUENTE <strong>DE</strong> ESTAÇÃO <strong>DE</strong> TRATAMENTO<br />
<strong>DE</strong> ESGOTO (ETE) <strong>DE</strong> AEROPORTO <strong>DE</strong> GRAN<strong>DE</strong> PORTE ...................................................................55<br />
EVALUATION OF HYDRAULIC AND ORGANIC LOAD FROM THE AIRPORT OF ETE LARGE<br />
Adiel José Passos da Cunha Júnior<br />
Neyson Martins Mendonça<br />
Márcia Valéria Porto de Oliveira Cunha<br />
Luiza Carla Girard Texeira Machado<br />
Robson Costa da Costa<br />
TRAÇOS<br />
Belém v.12 n.25 p. 1-165 jun. 2010
4<br />
COMO ORÇAR OBRAS PÚBLICAS: <strong>DE</strong>SCOBRINDO O MITO DO BDI! ...............................................71<br />
HOW TO MEASURE PUBLIC BUILDING:<br />
FINDING OUT THE MYTH OF BIE (BENEFITS AND INDIRECT EXPENSES)!<br />
Irandir de Castro Diniz<br />
Renato Martins das Neves<br />
Rui Guilherme Cavaleiro de Macedo Alves<br />
PÓ REATIVO NAS OBRAS <strong>DE</strong> BELÉM: UMA NOVA TENDÊNCIA .......................................................85<br />
REACTIVE POW<strong>DE</strong>R IN CONSTRUCTIONS OF BELÉM: A NEW TREND<br />
José Zacarias Rodrigues da Silva Junior<br />
Mariana Domingues von Paumgartten<br />
ANÁLISE <strong>DE</strong> MÉTRICAS <strong>DE</strong> ROTEAMENTO UTILIZANDO VOIP E VÍ<strong>DE</strong>O<br />
EM RE<strong>DE</strong>S EM MALHA SEM FIO ....................................................................................................105<br />
ANALYSIS OF ROUTING METRICS USING VOIP AND<br />
VI<strong>DE</strong>O ON WIRELESS MESH NETWORKS<br />
André F. Riker<br />
Elisangela S. Aguiar<br />
ESTUDO SOBRE DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E SAZONAL DAS ESPÉCIES <strong>DE</strong><br />
BAGRES MARINHOS (SILURIFORMES: ARIIDAE) DO ESTUÁRIO AMAZÔNICO ...............................123<br />
STUDY ABOUT DISTRIBUTION SPACE AND SPATIAL THE SPECIES OH THE CATFISH<br />
(SILURIFORMES: ARIIDAE) OF THE AMAZON STUARY)<br />
Fabrício Lemos de Siqueira Mendes<br />
Ronaldo Borges Barthem<br />
<strong>DE</strong>TERMINAÇÃO E MO<strong>DE</strong>LAGEM DO VOLUME TOTAL <strong>DE</strong><br />
PINUS CARIBAEA VAR BAHAMENSIS: UMA ABORDAGEM MULTIVARIADA ..................................133<br />
<strong>DE</strong>TERMINATION AND MO<strong>DE</strong>LING OF THE TOTAL VOLUME OF PINUS CARIBAEA<br />
VAR BAHAMENSIS: A MULTIVARIATE APPROACH<br />
Mário Diego Rocha Valente<br />
João Guimarães Pinheiro<br />
Waldenei Travassos Queiroz<br />
FATORES FAMILIARES E ESCOLARES PREPON<strong>DE</strong>RANTES NO <strong>DE</strong>SEMPENHO<br />
ESCOLAR DOS ESTUDANTES DAS REGIÕES NORTE E SU<strong>DE</strong>STE ......................................................147<br />
FAMILY AND SCHOOL FACTORS PREPO<strong>DE</strong>RANT IN PERFORMANCE SCHOOL OF<br />
THE STU<strong>DE</strong>NTS OF REGIONS NORTH AND SOUTHEAST<br />
Diego Rafael Reis Duarte<br />
John Anthony da Conceição Pantoja<br />
Sérgio Castro Gomes
EDITORIAL5<br />
ARevista TRAÇOS completa este ano o seu décimo segundo ano de existência,<br />
contemplando a comunidade da região com um rol de artigos técnico-científicos,<br />
no momento em que o CCET – Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da<br />
Universidade da Amazônia completa 30 anos de existência, iniciado com o saudoso<br />
professor David Mufarrej como Diretor.<br />
Os primeiros cursos iniciados em agosto de 1980 foram Arquitetura e Urbanismo,<br />
Engenharia Civil e Licenciatura em Matemática. Atualmente o CCET agrega, além dos<br />
cursos citados, os cursos de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, Ciência da Computação,<br />
Engenharia de Produção, Engenharia Sanitária e Ambiental, Rede de Computadores,<br />
Sistemas de Informação, Tecnologia em Design de Interiores e Tecnologia em<br />
Processamento de Dados. Além dos cursos de graduação, estão vinculados ao CCET<br />
diversos cursos de especialização e mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente<br />
Urbano.<br />
As questões relacionadas à nossa região estão presentes em todas as edições<br />
anteriores e mantida nesta também. Os trabalhos constantes neste número e nos<br />
anteriores têm contribuído efetivamente para o desenvolvimento da região e, por<br />
conseguinte, consolidação da missão da <strong>Unama</strong>, “Educação para o desenvolvimento da<br />
Amazônia”, abrangendo as áreas da Computação, Engenharia e Matemática<br />
A partir deste semestre passamos a disponibilizar a versão on-line desta Revista<br />
por meio do site www.unama.br/revistatracos, onde constam todos os exemplares<br />
anteriores. A publicação da Revista TRAÇOS on-line amplia sua circulação, facilitando a<br />
permuta para a versão impressa e cadastro de novas assinaturas. As publicações da<br />
Revista TRAÇOS, impressa e eletrônica, ganham maiores dimensões se levado em conta<br />
as transformações que passa o ensino superior no Brasil e, em particular, na <strong>Unama</strong>.<br />
A Revista TRAÇOS está aberta para publicações de trabalhos inéditos de autores<br />
brasileiros e estrangeiros, em forma de artigo científico, redigidos em português,<br />
espanhol ou inglês, desde que obedecidos o Regulamento e as Normas para publicação.<br />
Miguel Chaquiam<br />
Coordenador do Curso de Matemática
7<br />
REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />
EDIÇÃO Nº 25<br />
CA<strong>DE</strong>RNO <strong>DE</strong> ARTIGOS<br />
TÉCNICOS E CIENTÍFICOS<br />
CONSELHO EDITORIAL:<br />
Alberto Carlos de Melo Lima<br />
Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães<br />
André Cristiano Silva Melo<br />
Antônio Erlindo Braga Júnior<br />
Cláudio Alex Jorge da Rocha<br />
Cláudio Otávio Mendonça de Lima<br />
Débora Bandeira Moraes Trindade (Secretária)<br />
Elzelis de Aguiar Müller<br />
Evaristo Clementino Rezende dos Santos<br />
(Presidente)<br />
Filomena Mata Vianna Longo<br />
Janice Shirley de Souza Lima<br />
José Akel Fares Filho<br />
José Augusto Furtado Real<br />
Miguel Chaquiam<br />
Natanael Freitas Cabral<br />
Selênio Feio da Silva<br />
COMITÊ CIENTÍFICO INTERNO:<br />
Benedito Coutinho Neto<br />
Elcione Maria Lobato de Moraes<br />
Fábio José da Costa Alves<br />
Hélio Raymundo Ferreira Filho<br />
Leonardo Augusto Oliveira Bello<br />
Marco Aurélio Arbage Lobo<br />
Marisa de Oliveira Mokarzel<br />
Mauro Margalho Coutinho<br />
Pedro Franco de Sá<br />
Ruy Guilherme de Castro Almeida<br />
Maisa Sales Gama Tobias<br />
Sérgio Castro Gomes<br />
COMITÊ CIENTÍFICO EXTERNO:<br />
Édison da Silva Farias - UFPA<br />
Eliane Gonçalves Gomes - EMBRAPA-DF<br />
Iran Abreu Mendes - UFRN<br />
Lindemberg Lima Fernandes - UFPA<br />
Marcelo Câmara dos Santos - UFPE<br />
Maria Seráfico Pinheiro - UFPA<br />
Simaia do Socorro Sales das Mercês - UFPA<br />
Thienne Mesquita Johnson - USP-SP
9<br />
AMAZÔNIA:<br />
BORRACHA X <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO ECONÔMICO<br />
Alexandre Martins de Lima *<br />
RESUMO<br />
A partir do processo de vulcanização descoberto por Goodyear em meados do século<br />
XIX, a borracha tornou-se matéria-prima indispensável para as grandes economias<br />
mundiais. O inegável monopólio da produção do látex na Amazônia era um constante<br />
foco de disputas internacionais, e sua importância crescente fez com que o seu<br />
controle evoluísse de uma questão comercial para um status de fator econômico<br />
vital no desenvolvimento de políticas nacionais em nações como Estados Unidos e<br />
Inglaterra. Ao abordar o ciclo da borracha na Amazônia através da teoria<br />
schumpeteriana do desenvolvimento econômico, observa-se que a tradição do<br />
modelo econômico extrativista da região não possibilitou o surgimento para<br />
atividades empreendedoras conforme preconizado pelo modelo schumpeteriano.<br />
Além disso, o monopólio amazônico não se constituiu em barreira de mercado que<br />
garantisse sua manutenção. Sob outro foco de análise, o modelo de desenvolvimento<br />
econômico de Schumpeter é mais claramente observado no mercado externo através<br />
dos ciclos econômicos de curta duração.<br />
Palavras-Chave: Desenvolvimento Econômico. Amazônia. Schumpeter.<br />
ABSTRACT<br />
AMAZON:<br />
RUBBER X ECONOMIC <strong>DE</strong>VELOPMENT<br />
From vulcanization process discovered by Goodyear in the mid-nineteenth century, rubber<br />
became an indispensable raw material for world economies. The undeniable amazonic<br />
monopoly of natural rubber production was a constant focus of international disputes,<br />
and its growing importance has made its control evolved from a commercial matter for a<br />
status of vital economic factor in the development of national policies in countries like the<br />
* Arquiteto e urbanista; professor da Universidade da Amazônia – UNAMA; mestre em Engenharia Civil; doutorando<br />
do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável no Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos<br />
Amazônicos – NAEA/UFPA e bolsista da FI<strong>DE</strong>SA – Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
10<br />
United States and England. Peering the amazonic rubber boom through Schumpeter’s<br />
Theory of Economic Development, this paper notes that traditional extractive economic<br />
model of the region did not allow entrepreneurial activities as recommended by the<br />
Schumpeterian model. Moreover, the amazonic didn’t act as a market barrier to guarantee<br />
its maintenance. By other focus of analysis, Schumpeter’s Theory of Economic Development<br />
is most clearly seen in the external market through economic cycles of short duration.<br />
Keywords: Economic Development. Amazonia. Schumpeter.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Em 21 de março de 1833, três anos antes de irromper a Revolução Cabana, Antônio<br />
Ladislau Monteiro Baena concluía o Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Sua<br />
incumbência era reorganizar a composição estatística da província, atualizando antigas<br />
informações e buscando outras mais que pudessem compor uma imagem verossímil do<br />
Pará da década de 30 do século XIX. Em sua obra, Baena descreve com bastante riqueza<br />
de detalhes o meio físico, a população, os costumes, a fauna e a exuberante flora da<br />
província. Dentre as várias descrições da flora, tem-se:<br />
Seringueira: árvore de várzea, de que se tira a goma elástica pelo estilo aprendido<br />
dos Cambebas, que farão os primeiros, a quem virão fabricar esta resina.<br />
À época de Baena, alguns produtos fabricados com o látex já eram conhecidos,<br />
porém ainda não tinham alcançado um patamar de ampla utilização. Entre os anos de<br />
1837 a 1840, em pleno período da revolta cabana, o metodista Daniel Parish Kidder, que<br />
esteve em viagem pelo Brasil, chegando à província do Pará, também escreveu sobre a<br />
goma elástica retirada das árvores:<br />
O europeu aprendeu o uso da goma elástica ou borracha com os Omaguás,<br />
uma tribo de índios brasileiros. Com a borracha, os selvagens fabricavam<br />
diversas vasilhas semelhantes a garrafas e seringas. Era hábito desse povo<br />
presentear os convivas com tais utensílios, no início das suas festas.<br />
A despeito da controvérsia entre Baena e Kidder sobre a tribo da qual o europeu<br />
assimilou o uso da borracha, o fato é que as observações de Kidder, possivelmente<br />
motivadas pelas possibilidades de uso da goma elástica, vão mais além, chegando a<br />
citar os produtos feitos com o látex imprescindíveis ao mundo civilizado:<br />
Os colonizadores portugueses, do Pará, foram os primeiros a empregar a goma<br />
elástica para outros fins, fabricando com ela sapatos, botas, chapéus e roupas.<br />
A utilidade desse material ressaltou do fato de ser o país muito sujeito a chuvas<br />
e inundações. Entretanto, hoje em dia, o desenvolvimento dos processos de<br />
fabricação dilatou enormemente a aplicação da borracha, a ponto de se tornar<br />
artigo indispensável pra a saúde e conforto de todo mundo civilizado.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
11<br />
Talvez inadvertidamente Kidder tenha vaticinado sobre o futuro promissor do<br />
látex amazônico. Contudo, neste período, a produção da borracha apresentava pouca<br />
agregação de valor, e os produtos confeccionados sofriam com as variações térmicas,<br />
tornando-se grudentos e pegajosos com o excesso de calor, ou quebradiços quando<br />
importados e submetidos ao frio. A falta de estabilidade da borracha era um problema<br />
particular para a exportação, mesmo quando in natura.<br />
Na década posterior, a Região Amazônica foi intensamente visitada por<br />
expedições naturalistas, dentre elas, a de Alfred Russel Wallace e Henry Walter Bates,<br />
em 1848. Em seus relatos sobre a região, Wallace também se impressiona com alguns<br />
espécimes das quais o nativo da região extraía o látex. Uma era a maçaranduba (Manilkara<br />
salzmannii), ou árvore do leite, cujo látex é comestível, a outra, a Siphonia elastica, cuja<br />
seiva era usada para o fabrico da borracha. Wallace e Bates atentaram para uma<br />
característica das seringueiras que se tornaria um condicionante fundamental para a<br />
extração do látex: as árvores de seringa encontravam-se dispersas em um amplo raio no<br />
meio da floresta, e a coleta, até então, era feita em trechos em que os numerosos<br />
cursos d’água ofereciam acesso rápido.<br />
A partir de 1870, a produção do látex amazônico foi afetada pro propósitos<br />
claramente econômicos. A demanda do mercado externo aumentou sobremaneira,<br />
gerando um consequente aumento na produção gomífera, que atinge seu ápice, e<br />
também seu ponto de inflexão, em 1910. Neste ano, outro viajante, Paul Walle,<br />
descreveria a economia gomífera na Amazônia da seguinte forma:<br />
Ninguém hoje ignora que o cautchu constitui a principal indústria dos estados<br />
amazônicos, Pará e Amazonas, aos quais temos de acrescentar o Território<br />
Federal do Acre. Trata-se do seu mais fecundo elemento de riqueza, o mais<br />
poderoso fator do enorme progresso comercial e material desses estados.<br />
Sua prosperidade presente resulta quase que exclusivamente da exploração e<br />
do rendimento deste produto. [...] O Brasil é incontestavelmente o maior<br />
produtor de cautchu do mundo.<br />
A Amazônia deteve, segundo Weinstein (1993), praticamente um monopólio da<br />
produção de látex, contudo, o contrabando de sementes de Hevea para a Ásia contribuiu,<br />
atesta Prado Jr (1985), para o declínio desta cultura no setentrião amazônico. A seu<br />
turno, Sarges (2002) observa que a partir de 1910 ocorre o solapar de uma fase de<br />
crescimento, quando a região amazônica começou a sofrer os impactos do descenso da<br />
economia da borracha causado pela forte concorrência asiática.<br />
O que a historiografia convencionou como boom da borracha, ou ciclo da borracha,<br />
na região Amazônica, já foi intensa e extensivamente explorado por autores do calado de<br />
Weinstein (1993), Pinto (1984), Oliveira Filho (1979) e Sarges (2002). Longe da pretensa<br />
intenção de desconsiderar os estudos já produzidos, e cônscios da possível impossibilidade<br />
de acrescentar novos dados aos mesmos, tencionamos com o presente artigo abordar o<br />
ciclo da borracha na Amazônia através da perspectiva das Teorias Econômicas, mais<br />
especificamente a Teoria do Desenvolvimento Econômico elaborada por Joseph Alois<br />
Schumpeter. Contudo, para tal, faz-se mister uma revisão da Teoria em questão.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
12<br />
2 <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO<br />
2.1 TEORIA DO <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO ECONÔMICO <strong>DE</strong> SCHUMPETER<br />
Joseph Alois Schumpeter, nascido em Trieste, atual República Tcheca, em 1883,<br />
mesmo ano da morte de Karl Marx, estudou economia na Universidade de Viena. Sua<br />
brilhante capacidade de raciocínio permitiu que em 1911, aos 28 anos de idade,<br />
publicasse um clássico da literatura econômica: Teoria do desenvolvimento econômico<br />
(doravante denominada T<strong>DE</strong>). A despeito de T<strong>DE</strong> ser sua obra de maior reconhecimento,<br />
Costa (2006) esclarece que sua produção acadêmica foi bastante profícua, e dentre suas<br />
principais obras destacam-se A natureza e a essência da economia teórica, de 1908,<br />
Teoria do desenvolvimento econômico, de 1911, Imperialismo e classes sociais, de 1919,<br />
Business cycles, de 1939, Capitalismo, socialismo e democracia, de 1942, e História da<br />
análise econômica, obra póstuma, de 1954.<br />
O pensamento econômico de Schumpeter, segundo Moriochi e Gonçalves (1994),<br />
foi influenciado por Marx, bem como pelas descobertas científicas vivenciadas ao redor<br />
do mundo na virada do século XIX para o XX, e que marcaram sobremaneira a história da<br />
economia. Ainda que no campo ideológico-filosófico Schumpeter tenha adotado uma<br />
visão oposta à visão marxista, segundo os retromencionados autores, Schumpeter parece<br />
ter herdado de Karl Marx uma visão dinâmica do processo de desenvolvimento, já que<br />
este desenvolveu um modelo bastante abrangente, chegando mesmo a considerar neste<br />
modelo as manifestações culturais.<br />
No caso do modelo de desenvolvimento de Schumpeter, o mesmo não apresenta o<br />
nível de generalidades do modelo marxista, pois é um modelo construído para explicar o<br />
desenvolvimento da economia capitalista; contudo, a influência marxista no modelo de<br />
desenvolvimento schumpeteriano finda neste ponto, uma vez que para proceder a análise<br />
do processo econômico, Schumpeter parte de algumas premissas dos economistas<br />
neoclássicos, como a teoria do fluxo circular e a teoria do equilíbrio geral, de Léon Walras.<br />
Ainda que sua obra utilize conceitos da economia neoclássica, Schumpeter tem<br />
concepções próprias relativas a determinados pontos da análise econômica, porém o<br />
que mais o distingue dos neoclássicos, na visão de Moriochi e Gonçalves (1994), é seu<br />
aporte mais amplo do processo de desenvolvimento e por tentar desvendar o processo<br />
de variação econômica, dificilmente explicável sob a ótica estática das teorias<br />
neoclassicistas. Assim, com a intenção de aproximar-se dos movimentos da economia<br />
capitalista, Schumpeter constrói em T<strong>DE</strong> uma imagem mental, como se fosse um<br />
protótipo do mecanismo econômico:<br />
Para isso, pensemos primeiramente num Estado organizado comercialmente,<br />
no qual vigorem a propriedade privada, a divisão do trabalho e a livre<br />
concorrência.<br />
Partindo desta condição de contorno, o autor assume a existência de uma<br />
tendência ao equilíbrio geral entre os determinantes imediatos da produção de uma<br />
economia, que segundo os autores tradicionais, seriam a quantidade e qualidade de<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
13<br />
força de trabalho, a quantidade e composição do estoque de capitais, a natureza das<br />
condições dos recursos naturais e o nível tecnológico. Sob esta perspectiva, a posição<br />
do estado ideal de equilíbrio muda em função do grau de utilização e das taxas de<br />
aumento desses elementos produtivos, porém tais mudanças assumem papéis<br />
meramente adaptativos, compatíveis com oscilações ocasionais, sazonais ou contínuas.<br />
Este sistema em equilíbrio estático é denominado fluxo circular, no qual o curso da<br />
economia transcorre de maneira monótona, “correndo pelos mesmos canais ano após<br />
ano”, fazendo com que a economia se apresente de maneira idêntica em sua essência,<br />
em um eterno continuum.<br />
Segundo Schumpeter, tal comportamento é designado meramente como<br />
crescimento, uma vez que seu conceito de desenvolvimento refere-se às mudanças da<br />
vida econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro por sua<br />
própria iniciativa. Desta forma, Schumpeter conclui:<br />
Se se concluir que não há tais mudanças emergindo da própria esfera econômica,<br />
e que o fenômeno que chamamos de desenvolvimento econômico é na<br />
prática baseado no fato de que os dados mudam e que a economia se adapta<br />
continuamente a eles, então diríamos que não há nenhum desenvolvimento<br />
econômico.<br />
O desenvolvimento econômico, no sentido adotado por Schumpeter, é um<br />
fenômeno distinto, completamente estranho ao que se pode observar no fluxo circular<br />
ou na tendência ao equilíbrio. É uma “mudança espontânea e descontínua nos canais de<br />
fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio<br />
previamente existente”. Assim, com o deslocamento do ponto de equilíbrio, a nova<br />
condição econômica não poderá ser alcançada a partir de condições prévias.<br />
O modelo de desenvolvimento econômico de Schumpeter considera que a grande<br />
força motriz do processo de mudanças no fluxo circular são as inovações, cujos amplos<br />
efeitos não só conduzem a um realinhamento das atividades econômicas, como também<br />
garantem o aspecto instável e evolutivo da economia capitalista. As novidades, conforme<br />
o autor, não apareceriam no sistema econômico de uma maneira tal que primeiramente<br />
as novas necessidades surgem espontaneamente em função de demanda do mercado<br />
consumidor e então o aparato produtivo se modifica sob pressão de novas demandas.<br />
Em verdade, tais mudanças ocorrem na esfera da vida industrial e comercial, e não na<br />
esfera das necessidades dos consumidores e produtos finais, uma vez que estes dois<br />
últimos casos não oferecem outro problema a não ser uma mudança nos dados naturais.<br />
Desta forma, segundo o modelo schumpeteriano, a mudança econômica inicia<br />
com o produtor, e os consumidores são educados por ele, ou seja, são “ensinados” a<br />
querer coisas novas, ou que diferem daquelas que têm o hábito de usar ou consumir.<br />
Assim, é a partir desse ponto de análise que Schumpeter vincula o mecanismo da variação<br />
econômica a três conceitos: inovação, empresário e capital.<br />
As inovações, no sentido dado pela T<strong>DE</strong>, são caracterizadas pela introdução de<br />
novas combinações produtivas ou por mudanças nas funções de produção, e são<br />
classificadas segundo cinco modalidades distintas, quais sejam: com a introdução de<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
14<br />
um novo bem de consumo ou através das mudanças qualitativas em determinado<br />
produto; com a introdução de modificações no método produtivo, ou de outra forma,<br />
através da introdução de um método produtivo ainda não experimentado em um<br />
determinado ramo produtivo; através da abertura de um novo mercado consumidor<br />
onde um determinado ramo produtivo ainda não tenha entrado; através da conquista<br />
de uma nova fonte de matéria-prima, e por fim, através do estabelecimento ou de<br />
ruptura de uma economia de monopólio. Cabe observar que no contexto do modelo<br />
schumpeteriano, as inovações no processo produtivo podem ou não ser decorrentes de<br />
descobertas científicas.<br />
Para que estas novas combinações possam ser implementadas e causar<br />
perturbações no fluxo circular da economia, é necessário visão ampla, sensível às<br />
mínimas oportunidades de mercado. É indispensável um comportamento<br />
empreendedor, diferente do comportamento do administrador, e tais características<br />
seriam encontradas no empresário, que para Schumpeter, é o grande responsável pela<br />
realização das novas combinações produtivas, ou inovações. Assim, o empresário é<br />
definido através de sua função no ambiente, e não pela posse do capital necessário<br />
para o novo arranjo do processo de produção.<br />
Até então a figura do empresário, segundo o próprio Schumpeter, era definida<br />
como quem recebe lucro. No entanto, o lucro é inexistente no fluxo circular, portanto,<br />
a tendência é que o empresário não tenha nenhum lucro, nem prejuízos, ou seja, ele<br />
não desempenha nenhuma função especial, simplesmente ele não existe. A concepção<br />
marshalliana do empresário, a seu turno, trata desta figura como um mero administrador,<br />
porém, para Schumpeter, o empresário é um elemento fundamental no cenário<br />
econômico, que se distingue na sociedade por apresentar considerável sinergia e<br />
capacidade de realizar coisas novas que não estejam presentes de maneira difundida<br />
entre a população. É alguém que tenha habilidade para implementar o novo.<br />
O empresário schumpeteriano não seria motivado pelo desejo do lucro. Antes disso,<br />
existe o desejo íntimo da realização, da conquista, o impulso de lutar e provar para si<br />
mesmo a sua superioridade, ter sucesso, não unicamente pelos frutos que porventura<br />
advenham dele, mas pelo sucesso em si mesmo. O empresário, na visão de Schumpeter,<br />
é movido pela alegria de criar, de realizar coisas, ou de simplesmente exercitar sua energia<br />
e engenhosidade. Ele não deve ser confundido com o tradicional capitalista que pertence<br />
à classe burguesa, embora se junte a ela ao ser bem-sucedido em sua empreitada. Em<br />
verdade, quando o seu sucesso econômico o eleva socialmente, ele, segundo Schumpeter,<br />
não tem nenhuma tradição cultural ou posição a recorrer, mas se move na sociedade<br />
como um novo-rico, cujas maneiras são alvo de frequentes risos.<br />
A despeito do fato, cada passo dado pelo empresário fora da rotina encontra<br />
dificuldades e envolve um elemento novo, que segundo o modelo schumpeteriano,<br />
seria a liderança. O autor enfoca estas dificuldades em alguns pontos básicos, a saber:<br />
fora dos canais habituais da economia, o indivíduo está desprovido de dados que<br />
norteiem suas decisões, bem como a sua conduta. Certamente que o empresário ainda<br />
deve prever e julgar conforme sua experiência, porém, para levar a cabo um plano novo<br />
e obter sucesso, tudo passa a depender de sua intuição, da capacidade de ver as coisas<br />
de uma forma que depois se prove como correto. Um outro ponto mencionado por<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
15<br />
Schumpeter é a reação do meio social contra aquele que deseja fazer algo novo, que<br />
pode se manifestar através de impedimentos políticos ou legais, no ostracismo social,<br />
nas dificuldades para encontrar a cooperação necessária e finalmente na dificuldade de<br />
conquistar mercado consumidor. Por essas razões, além de outras mais, que a figura do<br />
empresário deve apresentar características invulgares.<br />
Cabe citar que o empresário não é o responsável por criar ou descobrir novas<br />
possibilidades. Segundo Schumpeter, “ele conduz os meios de produção para novos<br />
canais. Mas não faz isso convencendo as pessoas da conveniência da realização de seu<br />
plano ou criando confiança em sua liderança à maneira de um líder político – o único<br />
homem a quem tem que convencer ou impressionar é o banqueiro que deve financiálo”.<br />
Para Schumpeter, o empresário não é necessariamente capitalista, ou seja, não<br />
deve necessariamente dispor de capital de investimento.<br />
É neste ponto que o autor introduz a figura do capitalista, que ao lado do<br />
empreendedor, é mais um protagonista do mercado. Em verdade, através do apoio<br />
financeiro dos capitalistas, através de empréstimos, é que os empreendedores<br />
introduzem as novas combinações no processo produtivo em função de oportunidades<br />
de mercado que devem ser lucrativas para que então o sistema possa crescer e expandir.<br />
Conforme Moriochi e Gonçalves (1994), o capital não é o estoque de bens reais de<br />
uma comunidade, mas antes, uma reserva monetária que capacita o empresário a ter o<br />
controle dos fatores de produção; em outras palavras, é a soma dos meios de pagamento<br />
que está disponível a qualquer momento a ser transferido aos empresários. Segundo a<br />
análise dos referidos autores, o capital na economia schumpeteriana desempenha o<br />
mesmo papel que uma autoridade planificadora em uma economia centralizada: os<br />
recursos são desviados do emprego corrente para novas formas de utilização e na<br />
economia capitalista o crédito nas mãos dos empresários permite que o mesmo utilize<br />
para seus fins parte da riqueza do sistema.<br />
Somente após definir os conceitos de inovação, empresário e capital, é que<br />
Schumpeter propõe o mecanismo de variação econômica, cujo ponto de partida é a<br />
economia que se encontra em equilíbrio. Como já mencionado, tal economia se<br />
caracteriza por seu estado estacionário, ou seja, não apresenta nenhuma variação nos<br />
canais através dos quais o capital circula. Este sistema econômico, também denominado<br />
fluxo circular apresenta uma produção caracterizada por atividades rotineiras, pois as<br />
empresas produzem sempre os mesmos tipos de bens, e sempre na mesma quantidade.<br />
Os fatores de produção são sempre combinados da mesma forma.<br />
No momento em que o empreendedor, ou empresário, observa uma oportunidade<br />
no mercado para a introdução de inovações, ele recorre ao sistema bancário criador de<br />
crédito a fim de financiar as inovações e com estas provocar um desequilíbrio no fluxo<br />
circular da economia. Necessário observar que tal desequilíbrio surge no âmbito da<br />
produção, em função de uma nova combinação dos antigos fatores produtivos. Os<br />
empresários inovadores logo são seguidos por outros, e segundo análise de Moriochi e<br />
Gonçalves (1994), os preços e as rendas monetárias se elevam com o gasto empresarial<br />
se infiltrando no sistema econômico.<br />
Com o excesso de inovações introduzidas no mercado, surge o que Schumpeter<br />
denomina de destruição criadora, ou seja, quando as velhas empresas verificam que<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
16<br />
seus mercados foram reduzidos ou destruídos pelo aparecimento de bens competitivos,<br />
comercializados a preços menores. Neste contexto, as empresas têm poucas alternativas:<br />
ou vão à bancarrota ou são compelidas a aceitar uma posição de menor importância no<br />
mercado. Tal quadro é agravado com a tendência de recessão do mercado com o declínio<br />
da atividade inovadora, e tal recessão é potencializada pelos resgates dos empréstimos<br />
bancários, que segundo Moriochi e Gonçalves (1994), forçam os preços e a renda<br />
monetária a caírem, porém, o quadro não é capaz de provocar uma depressão econômica<br />
em larga escala.<br />
Conforme análise dos supracitados autores, a depressão em larga escala seria<br />
proporcionada pela cessação das atividades inovadoras da onda secundária. Em outros<br />
termos, quando os empreendedores injetam recursos na economia para a introdução<br />
de novas combinações, os preços apresentam tendência de elevação, o que encoraja as<br />
firmas antigas a também realizarem investimentos, na expectativa da elevação dos<br />
preços. No entanto, no momento em que a destruição criadora passa a conter a onda<br />
primária de investimentos, a segunda onda – dos investimentos imitativos – sofre um<br />
grande colapso, desencadeando desta maneira, um forte movimento descendente e<br />
acumulativo da atividade econômica, caracterizando assim a depressão em larga escala.<br />
Assim, com a introdução das inovações, o fluxo circular é perturbado, e dentro em<br />
pouco, a economia tende a voltar à sua posição de equilíbrio, e o cenário estaria apto para<br />
novas atividades empreendedoras. No entanto, segundo o modelo de Schumpeter, o<br />
novo ponto de equilíbrio encontra-se em uma posição mais elevada que aquela em que<br />
se encontrava anteriormente. Destarte, no modelo schumpeteriano é através de ciclos<br />
econômicos que o desenvolvimento se manifesta, aos “saltos”, através de deslocamentos<br />
irreversíveis para planos mais elevados. Contudo, tais ciclos apresentam periodicidades<br />
diferenciadas, influenciadas pela natureza da inovação. São eles: ciclo de ondas longas,<br />
ou de kondratieff, que apresenta período variável em torno de 54 a 60 anos; o segundo<br />
ciclo, de duração média, ou ciclo de juglar, apresenta duração em torno de 9 a 10 anos; o<br />
último ciclo, de curta duração, ou de kitchin, tem duração em torno de 40 meses.<br />
2.2 CRÍTICAS AO MO<strong>DE</strong>LO <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO ECONÔMICO <strong>DE</strong><br />
S C H U M P ETER<br />
Uma crítica precisa sobre a teoria schumpeteriana foi formulada por Celso Furtado,<br />
destacado intelectual do país durante o século XX e um dos maiores expoentes da<br />
economia brasileira, principalmente por seus aportes precisos sobre o desenvolvimento<br />
econômico na periferia do sistema capitalista, os quais divergiram consideravelmente<br />
das doutrinas econômicas dominantes em sua época. Comentam Moriochi e Gonçalves<br />
(1994) que, segundo a crítica furtadeana, existiria uma pretensa universalidade na teoria<br />
de Schumpeter, onde o espírito da empresa como categoria abstrata é desconsiderado,<br />
independente do tempo e de toda ordem institucional. Na teoria schumpeteriana, o<br />
empreendedor seria um fenômeno inerente a todas as organizações sociais, desde as<br />
tribais às socialistas, no entanto, o modelo de Schumpeter é circunscrito à sociedade<br />
capitalista, e esta é um fenômeno que apresenta suas características próprias e que a<br />
diferenciam de qualquer outra sociedade.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
17<br />
A crítica vai além, e Furtado (1961) classifica a teoria de Schumpeter como uma<br />
teoria do lucro em vez de teoria do desenvolvimento econômico, uma vez que explica<br />
o aparecimento do lucro através do deslocamento do sistema de um plano para outro<br />
com a introdução de inovações; sua ideia de que o desenvolvimento econômico ocorre<br />
aos saltos, é vaga. Vago também, segundo a crítica furtadeana, é o conceito de novas<br />
combinações e inovações, mesmo tendo Schumpeter enumerado cinco formas distintas<br />
de se introduzir tais inovações.<br />
Como o modelo schumpeteriano considera a economia de monopólio como<br />
uma nova combinação, o conceito desta passa a não envolver necessariamente a<br />
ideia de redução de custos, aumento de produtividade, introdução de tecnologia<br />
de ponta. A crítica furtadeana segue, observando que o empresário do modelo<br />
schumpeteriano, ao contrário do que acontece com outros personagens que se<br />
beneficiam também de elevadas rendas, está sempre intimamente ligado ao<br />
processo produtivo, de maneira tal que toda sua vida é dependente da produção.<br />
Assim, se todas suas energias, inteligência e perspicácia estão canalizadas para a<br />
produção, seria perfeitamente factível, dentro da crítica furtadeana, partir da<br />
observação que mostrasse o empresário como um indivíduo que tem o lucro como<br />
perspectiva e não a satisfação pessoal em primeiro plano.<br />
As inovações do modelo de Schumpeter, segundo a crítica do autor em tela, não<br />
seria exclusivamente produto de um espírito empreendedor. De outra forma, as<br />
inovações poderiam ser o resultado dos esforços das empresas para encontrar aplicações<br />
para os recursos acumulados, como no caso em que dentro de determinadas condições<br />
de contorno, a produtividade sofrer um aumento em decorrência natural da acumulação<br />
de capital, e os custos serem reduzidos com o aumento da escala de produção. Nesse<br />
caso, não foi exigido nenhum espírito empresarial. Segundo comentam Moriochi e<br />
Gonçalves (1994), Celso Furtado reconhece o dinamismo das inovações schumpeterianas<br />
no fluxo econômico, porém, para este, o cerne do desenvolvimento não repousa nas<br />
inovações, mas antes na acumulação de capital.<br />
De todas as críticas ao modelo schumpeteriano de desenvolvimento, Moriochi e<br />
Gonçalves (1994) apontam as de Paul Sweezy como as mais concisas. Conforme Melo<br />
Neto e Oliveira (2004), Paul Marlor Sweezy foi um dos mais influentes economistas<br />
marxistas do século XX. Foi aluno e posteriormente assistente, em Harvard, de Joseph<br />
Schumpeter. Por ser profundo conhecedor do pensamento de seu antigo mestre, Sweezy<br />
direcionou suas observações no ponto de partida do processo de desenvolvimento<br />
econômico de Schumpeter: o fluxo circular.<br />
Na economia de fluxo circular o conceito de variabilidade é inexistente, bem<br />
como inexiste a classe capitalista. A sociedade seria dividida entre os donos da terra e<br />
os demais, e todos teriam acesso ao capital. Não havia acúmulo de riqueza, pois o que<br />
seria produzido seria consumido, nada restando para a acumulação. Se ninguém estaria<br />
interessado em poupar, então a ideia de Schumpeter de retirar do fluxo a acumulação<br />
seria factível. Desta maneira, o empreendedor de Schumpeter seria o maior responsável<br />
pela variação, e a acumulação de capital seria uma consequência.<br />
Sob um ponto de vista alternativo, Sweezy (1962) propõe um sistema econômico<br />
estacionário, mas que além dos donos da terra e trabalhadores, exista também a<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
18<br />
classe dos capitalistas, os quais controlariam os meios de produção. Seria então neste<br />
modelo de economia que seria lógico existir um forte motivo para a acumulação de<br />
riqueza em função da existência de excedentes. Assim, tanto a acumulação quanto os<br />
excedentes fariam uma pressão contínua no sentido da variação econômica. Desta<br />
maneira, Foster (s/d) observa que enquanto Schumpeter sustentou que a inovação<br />
deveria ser observada como estímulo ao lucro e a acumulação, Sweezy, a seu turno,<br />
preconizava que a inovação deveria ser vista como um elemento subordinado ao<br />
processo de acumulação.<br />
2.3 ECONOMIA GOMÍFERA AMAZÔNICA ATRAVÉS <strong>DE</strong> UMA ABORDAGEM<br />
SHUMPETERIANA<br />
Para efeito de análise do fenômeno gomífero na Amazônia, será considerado um<br />
recorte temporal que vai de 1870 até 1910. O recorte foi escolhido por alguns motivos:<br />
após a descoberta de vulcanização por Goodyear em 1839, o látex amazônico passa a<br />
sofrer uma forte pressão em função de uma demanda crescente do mercado externo;<br />
no entanto, foi somente em meados de 1870 que a demanda internacional pelo látex<br />
amazônida toma vultosas proporções, e tal demanda continuaria crescente até 1910,<br />
quando em função da concorrência asiática, a borracha cai de cotação no mercado.<br />
O látex amazônico foi largamente explorado, segundo atesta Pinto (1984), dentro<br />
de um sistema capitalista, e dentro desta condição de contorno é possível proceder a uma<br />
análise de seu uso como matéria-prima, e todo o mecanismo econômico a ele relacionado,<br />
através do pensamento schumpeteriano, uma vez que o mesmo foi desenvolvido segundo<br />
a dinâmica da economia capitalista. Observa Pinto (1984) que o látex, à época das grandes<br />
navegações e dos descobrimentos, era utilizado para a confecção de pequenos objetos<br />
de uso geral, mas a mesma lógica comercial-capitalista europeia que introduziu em larga<br />
escala produtos de origem vegetal até então desconhecidos ou comercializados em pouco<br />
volume no Velho Continente, deixou que o látex, bem como outros produtos de uso<br />
nativo, escapasse dos interesses comerciais mais imediatos.<br />
Dentre as possíveis hipóteses levantadas pelo retromencionado autor para<br />
justificar este fato, tem-se as dificuldades de processamento da goma elástica<br />
solidificada, fato este que até a sua estabilização através da vulcanização, parece ter<br />
contribuído de maneira decisiva para o desinteresse econômico por essa matéria-prima.<br />
O autor menciona que o intervalo de tempo transcorrido entre a primeira notícia<br />
europeia sobre a existência do látex até a o estabelecimento das grandes unidades<br />
fabris de artefatos vulcanizados, correspondeu a profundas transformações que<br />
revolucionaram o modelo de produção então existente, tornando a acumulação<br />
capitalista o objeto último da sociedade emergente.<br />
Comenta Pinto (1984) que foi nesta época que o progresso científico se transformou<br />
num instrumento para a consecução de uma crescente acumulação de capital. Tal<br />
assertiva encontra embasamento no modelo econômico de Schumpeter, uma vez que<br />
preconiza a acumulação de capital como oriundo da introdução de inovações pela ação<br />
do empresário. No entanto, é necessário observar que para Schumpeter, o progresso<br />
científico, personificado pelas inovações tecnológicas, por si só não têm valor econômico,<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
19<br />
assim, era papel do empreendedor tomar partido de tais elementos para produzir novas<br />
combinações na produção. A despeito da importância e das características intrínsecas<br />
da figura do empresário no modelo schumpeteriano, Pinto (1984) comenta que no<br />
momento histórico de maior impulso da exploração da borracha amazônica era frequente<br />
a fusão, em uma única pessoa, das figuras do comerciante, do inventor ou cientista, e a<br />
do industrial.<br />
A borracha amazônica só seria observada pelas nações estrangeiras sob perspectivas<br />
econômicas, embora ainda precárias, a partir do século XVIII, e o primeiro passo nesse<br />
sentido foi o relatório de Charles Marie de La Condamine, que de passagem pelo Peru,<br />
descreveu a coleta do látex, os objetos que com ele eram feitos, bem como sugerindo a<br />
aplicação numa diversidade de outros artefatos. Já não se tratava mais de uma mera<br />
notícia, como em princípios do século XVI, mas de uma possibilidade comercial, que<br />
segundo Pinto (1984), chegou numa Europa em pleno processo de transformações e ávida<br />
por oportunidades econômicas e por exploração de novos mercados.<br />
Esta conjuntura, dentro da lógica schumpeteriana, apresenta um quadro propício para<br />
a introdução de inovações: no mercado europeu, o látex era uma nova fonte de matériaprima,<br />
e suas oportunidades de exploração econômicas eram inúmeras, dentre elas, a<br />
melhoria de peças de vestuário através da aplicação do látex para impermeabilização, a<br />
fabricação de calçados impermeáveis, e a utilização da borracha para remover os traços de<br />
grafite sobre determinadas superfícies; em outros termos, a borracha proporcionou tanto a<br />
melhoria da qualidade de produtos já conhecidos quanto à introdução de novos. Além<br />
disto, a exploração de novos mercados consumidores, onde os novos produtos europeus<br />
manufaturados ainda não fossem conhecidos, de acordo com o pensamento de Schumpeter,<br />
também é configurada como uma modalidade de inovação.<br />
O acelerado processo de industrialização, observado principalmente na Inglaterra,<br />
também deu origem a novas técnicas e produtos que incorporavam a borracha em sua<br />
elaboração, e com isso, abria-se um novo ciclo de exploração do látex amazônida através<br />
de seu uso em produtos diversificados tanto no mercado europeu quanto norteamericano.<br />
Punha-se em marcha, conforme análise de Pinto (1984), um processo<br />
bilateral, onde em uma ponta ocasionaria um desenvolvimento acelerado da indústria<br />
de artefatos de borracha, e na outra, o surgimento na Região Amazônica de um monopólio<br />
de produção gomífera, mesmo com a precariedade de seus processos de produção.<br />
Com efeito, o grande impulso na indústria de artefatos de borracha iria esbarrar nas<br />
formas arcaicas de extração, e consequentemente, observa Weinstein (1993), na<br />
qualidade medíocre de seus produtos finais.<br />
Importante observar que a utilização em larga escala da borracha amazônica como<br />
matéria-prima para a indústria estrangeira não ocorreu de maneira rápida, tampouco<br />
foi este um processo contínuo e isento de barreiras a superar. Esclarece Pinto (1994) que<br />
é possível observar, com uma certa precariedade de limites, dois momentos do emprego<br />
da goma elástica brasileira na indústria. Na primeira fase, caracterizada pela produção<br />
de tecidos e vestes impermeabilizadas, botas e outros bens de consumo correlatos, a<br />
utilização do látex foi viabilizada pela adoção de novas técnicas de produção, como o<br />
uso da benzina como solvente, e pelo uso de calandras para moldagem da borracha.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
20<br />
Analisando o contexto pela ótica do modelo schumpeteriano de desenvolvimento,<br />
a borracha amazônica é uma inovação por ter ocasionado um realinhamento das<br />
combinações dos elementos produtivos, por ser uma nova fonte de matéria-prima e<br />
principalmente por demandar profundas modificações na produção, uma vez que<br />
demandava tratamento específico de acordo com as características diferenciadas de tal<br />
insumo. De qualquer forma, observa-se que a industrialização da borracha, fato este<br />
que proporcionaria toda uma mudança no panorama econômico quase em escala<br />
mundial, não partiu de pressões de demanda do mercado consumidor.<br />
Em verdade, foi um processo que iniciou no setor produtivo, de conformidade<br />
com o a teoria de Schumpeter. O mercado consumidor passou a sofrer uma grande<br />
influência por parte dos produtores, sendo aqueles praticamente compelidos a consumir<br />
os novos bens de consumo produzidos com a borracha amazônica industrializada. No<br />
entanto, mesmo com um forte apoio de tratamentos físicos e químicos, os produtos<br />
dessa primeira fase de industrialização da borracha eram de qualidade sofrível, pois<br />
padeciam com a suscetibilidade a variações térmicas.<br />
Tais produtos só apresentariam um salto qualitativo em 1839, quando Charles<br />
Goodyear desenvolveu um processo de tratamento do látex que consistia numa mistura<br />
aquecida de borracha e enxofre. O processo, depois denominado vulcanização,<br />
proporcionaria aos produtos feitos de borracha maior resistência a quaisquer oscilações<br />
de temperatura. A descoberta de Goodyear configura-se como uma inovação, segundo<br />
o sentido dado ao termo por Schumpeter, pois não só modificou o processo de<br />
industrialização desse insumo, como também trouxe melhorias consideráveis nas<br />
características e na qualidade dos produtos à base de látex natural.<br />
No entanto, o advento de uma nova tecnologia, de uma descoberta, por si só, não<br />
apresenta capacidade de gerar riqueza, e as consequências do enorme salto qualitativo<br />
proporcionado pela vulcanização não foram reconhecidas de imediato. Goodyear tentou<br />
vender sua ideia nos Estados Unidos, porém, os revezes sofridos pelas primeiras<br />
indústrias de artefatos de borracha ainda eram nítidos. Foi assim que o inventor tentou<br />
vender a ideia na Europa e inadvertidamente contribuiu de forma positiva às pesquisas<br />
desenvolvidas por Thomas Hancock, que, apropriando-se da descoberta de Goodyear,<br />
antecipou-se a este e patenteou a vulcanização na Inglaterra oito semanas antes.<br />
De qualquer forma, observa-se que tanto Goodyear quanto Hancock, embora<br />
ligados diretamente à descoberta tecnológica, não foram capazes de introduzi-la no<br />
contexto produtivo. Não só por não deterem os meios de produção e o capital necessários<br />
para tal, mas também por seu próprio perfil. É neste sentido que Schumpeter introduz<br />
o conceito de empreendedor, ou empresário. É esta personagem que tem a capacidade<br />
de perceber as mínimas oportunidades de mercado, e através de novos arranjos nos<br />
elementos produtivos, incorporando aí as inovações tecnológicas, como no caso a<br />
vulcanização, produzem perturbações nos canais ordinários da economia e, como<br />
consequência, produzem lucro.<br />
É a partir deste momento, conforme análise de Pinto (1984), que se iniciou a<br />
segunda etapa da industria de artefatos de borracha, que na medida em que se<br />
consolidava, aumentava o processo de corrida às fontes supridoras de matéria-prima. A<br />
partir da segunda metade do século XIX, a indústria americana de artefatos de borracha<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
21<br />
sofre um considerável crescimento, suplantando as indústrias europeias, atingindo uma<br />
indiscutível liderança mundial no setor. Segundo a T<strong>DE</strong> de Schumpeter, é possível assumir<br />
que os lucros advindos da indústria de artefatos de borracha atraiu a atenção de outros<br />
empresários, encorajando-os a também realizar investimentos no setor. Assim, os<br />
produtos industrializados à base de borracha foram rapidamente copiados por outras<br />
indústrias, na expectativa de elevação dos preços e obtenção de lucro.<br />
Segundo esta análise, com o excesso de produtos de borracha no mercado, surge<br />
a destruição criadora de Schumpeter. Os produtores de borracha industrializada<br />
previamente estabelecidos verificaram que seus mercados foram reduzidos, ou mesmo<br />
destruídos pelo aparecimento de bens competitivos. Para manter a competitividade,<br />
tornou-se então necessário um rearranjo na produção das empresas mais antigas,<br />
caracterizando assim um quadro de constante inovação, seja pela diminuição dos custos<br />
de produção, pela busca constante de melhoria na qualidade dos produtos, ou pelo<br />
domínio das fontes de matéria-prima. Foram estas condições, em particular a última,<br />
que ocasionaram uma grande corrida às fontes abastecedoras de látex, gerando fortes<br />
pressões de demanda sobre a Amazônia.<br />
2.4 A DINÂMICA DA ECONOMIA GOMÍFERA NA AMAZÔNIA<br />
O cenário amazônico na primeira metade do século XIX era bastante desfavorável.<br />
Sua baixa densidade demográfica fazia com que fosse parcamente habitada; a economia<br />
era próxima do patamar da subsistência, e as dificuldades de transporte e comunicação<br />
faziam com que a região apresentasse modestos recursos econômicos. O cenário<br />
amazônico ainda foi abalado pela Cabanagem durante os anos de 1835 a 1840. Segundo<br />
observado por Weinstein (1993), a grande concentração de exploração da Hevea estava<br />
nos arredores de Belém e região das ilhas, o que fez desenvolver-se na capital um<br />
incipiente comércio de artefatos de borracha, inclusive para exportação.<br />
Além das dificuldades de acesso às áreas produtoras, o látex extraído não era<br />
suficiente para atender a crescente demanda externa, embora sua produção fosse<br />
crescente, como pode ser observado no gráfico 1. Contudo, tais dificuldades foram<br />
transpostas e a produção de borracha na Região Amazônica cresceu consideravelmente.<br />
Comenta Pinto (1984) que o crescimento vertiginoso da produção gomífera amazônica<br />
ocorreu não só em função da grande demanda do mercado consumidor externo, mas<br />
também por conta de políticas imperiais, que a seu turno, também sofreram enormes<br />
pressões diplomáticas norte-americanas e inglesas no sentido de facilitar tanto o acesso<br />
à região quanto o escoamento da produção, inicialmente através da concessão da<br />
navegação a vapor nas águas do Amazonas a Irineu Evangelista de Souza, o barão de<br />
Mauá, e posteriormente pela abertura do Grande Rio à navegação internacional.<br />
Assim, abria-se o canal através do qual se garantiria o domínio das regiões<br />
produtoras de borracha e, em última instância, a manutenção da competitividade da<br />
indústria que eventualmente conseguisse estabelecer o monopólio de exploração<br />
da produção do látex amazônico.<br />
Este crescimento acabou deslocando grande parte da mão-de-obra disponível na<br />
região para a extração do látex, o que desarticulou a produção local de alimentos e<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 9-27, jun. 2010
22<br />
agravou sobremaneira o já existente problema de escassez de trabalhadores. No entanto,<br />
observou-se na região um intenso fluxo migratório a partir do terceiro quartel do século<br />
XIX, provocado, atesta Weinstein (1993), por um longo período de estiagem no Nordeste<br />
brasileiro, e que, em última instância, mitigou os problemas oriundos da falta de<br />
população economicamente ativa na região.<br />
Tanto o amazônida quanto o migrante nordestino foram aliciados pelos<br />
arregimentadores de mão-de-obra e atrelados à economia gomífera, formando a base do<br />
mastro totêmico das relações socioeconômicas que caracterizaram o negócio da borracha.<br />
Eram deslocados para as frentes de trabalho, na grande maioria das vezes, isolados de<br />
qualquer contato humano. Segundo observa Weinstein (1993), o isolamento nas frentes<br />
de trabalho era reflexo do crescimento natural da flora amazônica. Uma vez que as<br />
seringueiras encontravam-se dispersas na floresta, a coleta do látex acabou demandando<br />
uma população de produtores extremamente móvel e dispersa, cujas rotinas de trabalho<br />
dificilmente poderiam ser submetidas às formas comuns de organização.<br />
Gráfico 1: Produção de borracha na Amazônia.<br />
(Fonte: REIS apud PINTO, 1984)<br />
O isolamento, aliado à inexistência de ocupação econômica alternativa, obrigavam<br />
o seringueiro a depender quase exclusivamente do seringalista proprietário das terras<br />
que eram arrendadas aos seringueiros, ou do comerciante local, também denominado<br />
aviador, que mantinha o controle informal da produção e do comércio do látex na área,<br />
negociando a produção do seringueiro e mantendo o mesmo abastecido de ferramentas<br />
e víveres. Gêneros caros, aliados à baixa remuneração, mantinham o seringueiro em<br />
uma situação de eterna dívida, sendo assim obrigado a trabalhar por tempo indefinido.<br />
Comenta Pinto (1984) que desta condição poucos conseguiram escapar.<br />
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23<br />
Recebida a borracha, ela seguia para Belém ou Manaus, sendo levada diretamente<br />
para o armazém comercial do dito aviador. As casas aviadoras eram o elo comercial de<br />
maior importância na cadeia econômica da borracha, pois decidiam quando e a quem<br />
vender a produção, negociavam com as casas importadoras as mercadorias que a<br />
posteriori eram repassadas aos seringueiros a valores astronômicos, e encarregavamse<br />
de providenciar, através dos bancos locais, créditos adicionais ou empréstimos a<br />
curto prazo para financiar compras de maior monta, como barcos a vapor, ou instalações<br />
como embarcadouros.<br />
As casas aviadoras, sob certo prisma de análise, tinha a capacidade e a<br />
possibilidade de controle dos elementos da produção do látex na medida em que decidia<br />
para quem e quando vender, por transacionar os víveres que mantinham os seringueiros,<br />
e por também buscar financiamentos nos bancos para financiar a implementação de<br />
melhorias no sistema. Tais características permitem assumir que as casas aviadoras<br />
desempenhavam papel similar ao do empresário segundo o modelo schumpeteriano.<br />
Por fim, a borracha passava para as casas importadoras, que a transferia para o exterior,<br />
onde sem muitas delongas, eram conduzidas aos pátios das indústrias.<br />
Segundo Pinto (1984), consolidou-se na Amazônia uma rede comercial baseada<br />
numa extensa cadeia creditícia, e os principais canais de circulação do capital estavam<br />
no comércio exportador e importador, bem como nos serviços de transporte e<br />
financiamento de todas estas operações. A abertura de novos seringais se constituía no<br />
único investimento fixo de vulto, visando o aumento da produção na mesma proporção<br />
do aumento da demanda. Cabe observar que o sistema econômico que se estabeleceu<br />
na Amazônia em vez de destruir as relações de produção existentes, levantou-se sobre<br />
elas, consolidando modos tradicionais de extração e troca. Para Weinstein (1993), foi<br />
chocante o contraste entre a indústria de produtos de borracha, metropolitana e<br />
tecnologicamente avançada e o sistema primitivo de extração da borracha amazônica.<br />
Partindo do exposto, observa-se que o sistema econômico tradicional da região<br />
Amazônica, baseado nas relações de extração e troca não foi alterado pelas pressões do<br />
mercado externo. Em verdade, os condicionantes imediatos da produção, sejam eles a<br />
quantidade da força de trabalho, a quantidade e a composição do estoque de capitais<br />
sofreram modificações meramente adaptativas, compatíveis com a oscilação da demanda<br />
externa pela borracha. A escassez de trabalhadores a ser alocados nos seringais foi em<br />
parte mitigada pela intensa migração de nordestinos para a Amazônia e pela ação dos<br />
arregimentadores de mão-de-obra; em sendo a Amazônia, na época, uma região de<br />
tacanhos recursos financeiros, o capital alocado nestas atividades era basicamente<br />
estrangeiro, que direta ou indiretamente afluíram para a região em função da demanda<br />
crescente de borracha.<br />
Neste contexto, a natureza das condições dos recursos naturais e o nível tecnológico<br />
também devem ser também observados como variáveis do processo de produção. Sobre<br />
estas duas variáveis a própria Região Amazônica encarregou-se de atuar, em primeira<br />
instância, pelas dificuldades naturais para a obtenção do látex, oriundas não só<br />
das características de distribuição das seringueiras, mas também pelas relativas<br />
dificuldades de acesso às áreas de produção. Em segunda instância, a região<br />
exerceu enorme influência sobre as atitudes da população da região em relação à<br />
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24<br />
exploração do látex, mantendo viva a arcaica cultura e frustrando esforços de inovação<br />
técnica e de racionalização da produção.<br />
Seguindo este fio condutor de análise, quando se observa que as mudanças não<br />
emergem da própria esfera econômica, mas antes são motivados por fatores externos<br />
que acarretam alterações no grau de utilização e das taxas de aumento dos<br />
retromencionados elementos produtivos, então, não é possível observar<br />
desenvolvimento no sentido atribuído ao termo pelo modelo schumpeteriano. Tal<br />
comportamento seria então definido apenas como crescimento, pois o desenvolvimento<br />
preconizado por Schumpeter refere-se às mudanças da vida econômica que não lhe<br />
forem impostas de fora, mas que surjam de dentro por sua própria iniciativa.<br />
Outra característica do desenvolvimento é a perturbação nos canais de fluxo que<br />
desloca o estado da economia existente, de modo tal que a nova condição econômica<br />
não poderá ser alcançada a partir das condições prévias. Tais características não foram<br />
observadas na Região Amazônica por conta da manutenção dos tradicionais modos de<br />
produção que atrelaram o novo momento econômico, caracterizado pela de maior<br />
exploração do látex, às características de extração e troca da economia preexistente.<br />
3 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Na virada do século XIX para o XX a borracha se tornara uma matéria-prima<br />
indispensável para as economias industrializadas. O inegável monopólio da produção<br />
do látex na Amazônia era um constante foco de disputas internacionais, e sua importância<br />
crescente fez com que o seu controle evoluísse de uma questão comercial para um<br />
status de fator econômico vital no desenvolvimento de políticas nacionais em nações<br />
como Estados Unidos e Inglaterra.<br />
Neste contexto, desde a década de 1850, Thomas Hancock defendia o plantio<br />
sistemático dos espécimes produtoras da borracha nos domínios britânicos, o que além<br />
de outras facilidades, poria fim na dependência da indústria inglesa da produção<br />
monopolista amazônica. Contudo, esta empreitada encontrava uma série de barreiras,<br />
como o alto risco ocasionado pelo desconhecimento dos espécimes vegetais, pelos<br />
investimentos maciços demandados pelo longo prazo deste tipo de inversão. Por outro<br />
lado, esclarece Pinto (1984), os preços crescentes alcançados pela borracha no mercado<br />
europeu, especialmente o londrino, constituíam um enorme estímulo não só aos<br />
empresários europeus, mas também aos norte-americanos.<br />
O cenário econômico que então se descortinaria é explicado por Schumpeter<br />
através da T<strong>DE</strong>. Segundo o autor, o lucro a curto prazo advindo da introdução de uma<br />
inovação, neste caso, os produtos de borracha industrializada, chama a atenção de outros<br />
empresários, que infiltram capital de investimento no sistema econômico e cada vez<br />
mais bens no mercado.<br />
O excesso de inovações acaba gerando o declínio das atividades empreendedoras<br />
e causa a destruição criadora, e neste cenário, as empresas devem buscar aumentar a<br />
competitividade, caso contrário deverá se contentar com uma posição secundária no<br />
mercado, ou será fadada à bancarrota. Schumpeter ainda sustenta que tal quadro é<br />
agravado pelo resgate dos empréstimos bancários que foram necessários para a<br />
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25<br />
introdução das inovações no sistema econômico. Os preços e a renda são forçados para<br />
baixo, mas, passado certo tempo, o panorama torna-se novamente favorável para novas<br />
atividades empreendedoras.<br />
A indústria da borracha parece ter seguido tal lógica schumpeteriana. Isto se torna<br />
perceptível quando se procede a análise dos períodos de industrialização da borracha<br />
descritos por Pinto (1984). O primeiro ciclo compreendeu a fase inicial de<br />
industrialização, onde os produtos sofriam com a variação térmica, perpassando pela<br />
descoberta da vulcanização e consequente melhoria dos produtos. As primeiras<br />
indústrias que incorporaram a vulcanização na industrialização obtiveram lucros<br />
consideráveis que incentivaram outras indústrias a fazer o mesmo. Com o tempo, o<br />
mercado já estava relativamente saturado com os produtos produzidos – vestimentas<br />
impermeabilizadas, artefatos correlatos, mangueiras, produtos mecânicos em geral,<br />
dentre outros – e neste momento a indústria ganharia um novo impulso com o advento<br />
do subsetor de pneumáticos.<br />
Os pneumáticos foram inicialmente utilizados nas rodas das bicicletas, que se<br />
tornaram febre na Europa da virada do século XIX para o XX, e ganhou<br />
progressivamente o mercado dos veículos automotivos. Organizaram-se a partir<br />
daí, e em ritmo acelerado, um novo ciclo expansivo da economia capitalista. E a<br />
borracha continuaria a ser uma vital fonte de matéria-prima, principalmente pela<br />
intensificação da concorrência pela fonte produtora do látex, contudo, o monopólio<br />
amazônico, calcado em técnicas de extração arcaicas e em relações de comércio<br />
tradicionais, não apresentou barreiras de mercado eficientes a ponto de promover<br />
a perda de hegemonia no mercado internacional.<br />
Foi então dentro deste contexto que o governo britânico decidiu patrocinar<br />
pesquisas necessárias a uma eventual aclimatação de espécies produtoras de látex em<br />
seus domínios na Ásia. Foi assim que se originou um golpe dado por H. Wickham, que<br />
levou da Amazônia 70 mil sementes de Hevea, das quais duas mil germinaram no Jardim<br />
Botânico de Kew, em Londres. Wickham, no entanto, não fora o primeiro c contrabandear<br />
sementes de seringueira, mas por razões acidentais, foi o mais bem sucedido. No<br />
entanto, tal processo foi lento, gradativo. Conforme Weinstein (1993), passaram-se<br />
cerca de 30 anos desde o traslado de sementes e mudas de Hevea até as propriedades<br />
britânicas na Ásia, até o período de expansão da borracha asiática na Malásia em 1910,<br />
ocasionando um gigantesco aumento da produção gomífera.<br />
A infraestrutura agrícola malasiana aperfeiçoava-se e diferia-se cada vez mais da<br />
amazônica, a começar pelo acesso às árvores. A produção malasiana concentrava um<br />
grande numero de árvores produtoras de látex em grandes propriedades, enquanto a<br />
coleta do látex amazônida era dificultada pela grande distância entre elas. Além do<br />
que, a grande pressão dos seringalistas, aliadas às imensas dificuldades de vida e de<br />
trabalho dos seringueiros, foram alguns motivos que ocasionaram uma sensível<br />
depreciação na qualidade da borracha produzida, pois para obter uma maior margem de<br />
renda, os seringueiros adicionavam areia e pedras no látex durante o processo de<br />
defumação, o que aumentava o peso das pelotas, e segundo Weinstein (1993), tal prática<br />
só era descoberta quando as pelotas eram abertas nos portos de Belém e Manaus para<br />
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26<br />
enviá-las ao mercado externo. Esta prática deletéria acabou gerando uma sensível<br />
depreciação do látex amazônico em função de sua baixa qualidade, em contraponto do<br />
látex asiático, de qualidade superior.<br />
Observa Pinto (1984) que o caráter predominantemente mercantil da atividade<br />
extrativista, aliado à alta rentabilidade no período de 1870 a 1910, acabou transformando<br />
a economia da Região Amazônica em um imenso entreposto comercial. A maior parte<br />
dos investimentos e recursos da região foi aplicada no setor terciário, e o setor produtivo<br />
sofreu com o descuido. Contudo, uma das poucas tentativas de melhoramento na<br />
produção, especificamente no processo de defumação do látex, foi a introdução de<br />
uma nova técnica que reduzia o tempo de trabalho. Mesmo com o governo paraense<br />
tendo pagado um preço alto pela inovação, ela foi contida por uma sólida barreira cultural,<br />
que manteve as práticas primevas. No entanto, não eram somente as peculiaridades da<br />
atividade extrativista que criavam obstáculos à manutenção da competitividade<br />
amazônica num contexto de forte concorrência. Pesados encargos tributários oneravam<br />
a exportação da borracha em um quinto de seu valor.<br />
Aliado ao quadro tem-se a inércia do governo regional, que mesmo informado<br />
sobre as plantações asiáticas, nada fez no sentido de enfrentar essa concorrência. O<br />
setor privado, por sua vez, também foi ingênuo em não ter tomado iniciativa no<br />
período em que o látex amazônico alcançou o seu auge de rentabilidade. Assim,<br />
segundo análise de Pinto (1984), a prevalência dos interesses comerciais de curto<br />
prazo sobre o comprometimento de recursos a médio e longo termos eliminavam<br />
qualquer possibilidade de investimento em heveicultura. A administração pública,<br />
a seu turno, transformou a parcela do capital excedente sob a forma de receitas<br />
tributárias, consumindo avidamente as mesmas em edifícios públicos e<br />
melhoramentos urbanos com praticamente nenhum significado para a atividade<br />
produtiva. Assim, da fabulosa riqueza gerada na região, quase nada permaneceu<br />
nela sob a forma de inversões produtivas.<br />
A tradição do modelo econômico da região em nenhum momento deu espaço<br />
para as atividades empreendedoras prescritas pelo modelo schumpeteriano, e o<br />
monopólio amazônico não se constituiu em barreira de mercado que garantisse a sua<br />
manutenção. Por outro lado, o modelo de desenvolvimento econômico de Schumpeter<br />
é mais claramente observado no mercado externo através dos ciclos econômicos de<br />
curta duração – influenciados pela natureza da inovação – que caracterizaram as<br />
indústrias de artefatos à base de látex.<br />
Definiu-se a partir de então um quadro lentamente engendrado na região: de um<br />
lado, os grupos dominantes na Amazônia, comprometidos com a manutenção das arcaicas<br />
estruturas regionais e que insistiriam na viabilização do extrativismo, e por outro, o<br />
desinteresse da união em investir as somas que tais grupos necessitavam para tal. A<br />
peculiaridade, segundo Pinto (1984), residia no fato de que neste esquema de pressões<br />
não sobrava lugar para a heveicultura, nem para um programa realista de diversificações<br />
da economia regional. Este conjunto de pressões resultou de uma política gomífera<br />
ausente, e depois da desarticulação da produção da borracha silvestre, pouco ou quase<br />
nada se vez para orientá-la para a heveicultura ou atividades não extrativistas.<br />
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27<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Brasil: compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas<br />
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Schumpeter: uma revisão crítica. In: Informações Econômicas, São Paulo, v. 24, n. 8, 1994<br />
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força de trabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX. In: Encontros com<br />
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PINTO, Nelson; Prado, Alves. Política da borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal.<br />
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PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985.<br />
SARGES, Maria de Nazaré. Belém - Riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912).<br />
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1988. p.10<br />
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelos rios Amazonas e Negro. Belo Horizonte: Ed.<br />
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WALLE, Paul. No Brasil, do Rio São Francisco ao Amazonas. Senado Federal. Conselho<br />
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WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-<br />
1920. São Paulo, Hucitec, 1993.<br />
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29<br />
ESTUDO PRELIMINAR SOBRE SISMICIDA<strong>DE</strong>:<br />
CLASSIFICAÇÃO, RECORRÊNCIA E ANÁLISE <strong>DE</strong> SEUS RISCOS<br />
Selênio Feio da Silva *<br />
Evaristo Clementino Rezende dos Santos Junior **<br />
Alexandre Andrade Brandão Soares ***<br />
Felipe Rodrigues Ribeiro ****<br />
Jeferson de Oliveira Bezerra *****<br />
RESUMO<br />
Os abalos sísmicos naturais são fenômenos provocados pelos movimentos de placas<br />
litosféricas que produzem cargas dinâmicas que podem causar a vibração do solo, deslizamentos<br />
de terra, tsunamis, além de ser prejudicial à maioria das estruturas. Estudos<br />
sismológicos como, a análise de magnitude, intensidade e dos locais com atividade<br />
sísmica são importantes para melhor entender a complexibilidade do assunto devido<br />
ao fato de que os terremotos são apenas abordados após situações de catástrofes e,<br />
logo em seguida, o acontecimento é esquecido. No Brasil, por ser considerado um país<br />
assísmico devido sua localização geográfica e do tardio começo de registros sísmicos,<br />
este tema é de pouco conhecimento da população. Sendo assim, este trabalho visa<br />
difundir o tema, para que possa haver uma discussão mais aberta sobre o assunto que,<br />
atualmente, vem causando grande destruição pelo mundo.<br />
Palavras-Chave: Atividade Sísmica. Terremoto. Escalas Sismológicas. Placas Tectônicas.<br />
* Graduado em Engenharia Civil – UFPA; Mestrado em Estruturas – UnB; Doutorado em Estruturas e Construção<br />
Civil – UnB; Professor Titular – UNAMA; Pesquisador de Projeto de Pesquisa (FI<strong>DE</strong>SA/UNAMA).<br />
** Graduado em Engenharia Civil – UNAMA; Mestrado em Estruturas e Construção Civil – UnB; Professor nos<br />
Cursos de Graduação em Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Engenharia de Produção, Engenharia<br />
Sanitária e Ambiental – UNAMA; Pesquisador de Projeto de Pesquisa (FI<strong>DE</strong>SA/UNAMA).<br />
*** Acadêmico do Curso de Graduação em Engenharia Civil – UNAMA; Pesquisador de Projeto de Pesquisa (FI-<br />
<strong>DE</strong>SA/UNAMA).<br />
**** Acadêmico do Curso de Graduação em Engenharia Civil – UNAMA; Pesquisador de Projeto de Pesquisa (FI-<br />
<strong>DE</strong>SA/UNAMA).<br />
***** Acadêmico do Curso de Graduação em Engenharia Civil – UNAMA; Pesquisador de Projeto de Pesquisa (FI-<br />
<strong>DE</strong>SA/UNAMA).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
30<br />
PRELIMINARY STUDY OF SEISMICITY:<br />
CLASSIFICATION, RECURRENCE AND ANALYSIS OF ITS RISKS<br />
ABSTRACT<br />
Earthquakes are a natural phenomenal caused by the movements of the lithospheric<br />
plates that produce dynamic loads that can cause vibration of the soil, landslides, tsunamis,<br />
and is harmful to most structures. As seismic studies, the analysis of magnitude and<br />
intensity of local seismic activity are important to better understand the complexity of the<br />
subject due to the fact that earthquakes are addressed only after disaster situations, and<br />
soon after, the event is forgotten. In Brazil, for being considered a country without earthquakes<br />
due to its geographical location and the late start of seismic records, this issue is<br />
of little knowledge of the population. Therefore, this study aims to spread knowledge, so<br />
that there may be a more open debate on the subject that currently is causing great<br />
destruction in the world.<br />
Keywords: Seismic Activity. Earthquake. Sismological Scales. Tectonic Plates.<br />
1 ATIVIDA<strong>DE</strong> SÍSMICA: GENERALIDA<strong>DE</strong>S<br />
A atividade sísmica mundial, através das concentrações dos epicentros delimita<br />
áreas da superfície terrestre como se fossem as peças de um quebra-cabeça. A distribuição<br />
dos sismos é uma das maiores evidências dos limites dessas peças, chamadas placas<br />
tectônicas.<br />
O restante da Terra é considerada como assísmica. Entretanto, nenhuma região da<br />
Terra pode ser considerada como completamente livre de terremotos. Cerca de 1% da<br />
sismicidade global é devida a terremotos intraplacas, os quais ocorrem longe das zonas<br />
sísmicas maiores [5].<br />
Até pouco tempo atrás o Brasil era considerado assísmico devido a dois fatos: a<br />
falta de registro e divulgação por estações sismográficas nacionais e por ele estar localizado<br />
no centro da placa Sul-Americana, consequentemente longe das atividades geológicas<br />
das bordas das placas.<br />
No início na década de 1960 o monitoramento sísmico brasileiro mostrou que,<br />
apesar de baixa, a sismicidade brasileira não pode ser desprezada, pois todos os dias<br />
pequenas movimentações são registradas pelos sismógrafos nacionais (figura 1) [9].<br />
Esses tremores que ocorrem em nosso país decorrem da existência de pequenas rachaduras<br />
causadas pelo desgaste da placa tectônica ou são reflexos de terremotos com<br />
epicentro em outros países da América Latina. Portanto, algumas obras de segurança<br />
nacional, como as barragens, se utilizam de estudos mais aprofundados que levam em<br />
consideração as tensões produzidas pela ação do sismo. Durante a análise, coeficientes<br />
de segurança como os de tombamento, flutuação e deslizamento podem ser determinados<br />
[13] a partir da aceleração do solo que um sismo produz.<br />
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31<br />
Figura 1: Mapa da sismicidade natural brasileira.<br />
Fonte: Observatório Sismológico – UnB.<br />
De acordo com dados topográficos e geológicos, as regiões que apresentam o maior<br />
número de falhas são o Sudeste e o Nordeste, seguidas pelo Norte e Centro-Oeste e, por<br />
último, o Sul. Mesmo assim, o maior abalo já registrado no país aconteceu em 1955, na<br />
Serra do Tombador, no Mato Grosso e atingiu 6,6 graus na escala Richter [14].<br />
1.1 CASO RECENTE<br />
No dia 12 de Janeiro de 2010, no Haiti, um forte tremor de magnitude 7 ocorreu a<br />
15 km da capital Porto Príncipe e devastou a região, deixando pelo menos 200 mil mortos,<br />
300 mil feridos e um milhão de desabrigados. [7].<br />
Segundo o Centro de Pesquisa Geológica Britânica (BGS, na sigla em inglês), o<br />
Haiti está localizado sobre uma falha geológica entre a placa tectônica do Caribe e da<br />
América do Norte. As duas placas estavam há 250 anos acumulando energia cada vez<br />
que passavam umas pelas outras e, era apenas uma questão de tempo para que liberasse<br />
toda essa energia [2]. O terremoto derrubou hospitais, escolas e até mesmo o palácio<br />
do governo (figura 2).<br />
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32<br />
Figura 2: Palácio do Governo haitiano após o terremoto.<br />
Fonte: O Globo online.<br />
Segundo o boletim da Agência de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos (USGS,<br />
na sigla em inglês) [18], 137 mil pessoas foram expostas ao nível X ou superior da escala<br />
Mercalli Modificada. No total, aproximadamente 17 milhões de pessoas sentiram o<br />
abalo, variando de uma “intensidade leve” a uma “intensidade extrema”.<br />
K: população vezes mil<br />
Figura 3: População estimada exposta ao terremoto.<br />
Fonte: Modificada de USGS.<br />
A figura 4 simula o tamanho da área que seria atingida caso o mesmo tremor<br />
atingisse a cidade de São Paulo. Nas zonas de tremor forte, as fundações dos prédios<br />
seriam danificadas, fendas no chão iriam se abrir, pontes cairiam e represas seriam<br />
atingidas.<br />
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33<br />
Nas regiões de tremor moderado, as pessoas poderiam acordar durante a noite,<br />
rebocos de paredes cair e as portas se abrir. Nas zonas de tremor leve, os lustres das<br />
casas balançariam e o tremor seria mais sentido em prédios altos.<br />
Figura 4: Simulação do terremoto do Haiti na cidade de São Paulo.<br />
2 ABALOS OU TREMORES <strong>DE</strong> TERRA<br />
Fonte: Último Segundo.<br />
Os terremotos ou sismos são vibrações na superfície terrestre que geram ondas<br />
sísmicas causadoras dos tremores superficiais. Esse fenômeno é resultado de movimentos<br />
subterrâneos de placas rochosas ou por deslocamentos de gases no interior da<br />
Terra. O movimento é causado pela liberação rápida de grandes quantidades de energia<br />
sob a forma de ondas sísmicas.<br />
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34<br />
Figura 5: Mecanismo de formação de ondas sísmicas.<br />
Fonte: Modificada da revista Época, 2010.<br />
A maior parte dos terremotos ocorre nas fronteiras entre placas tectônicas, ou em<br />
falhas entre dois blocos rochosos, podendo ainda ser induzido pelo homem.<br />
Entre os efeitos dos terremotos estão a vibração do solo, abertura de falhas, deslizamentos<br />
de terra, tsunamis, mudanças na rotação da Terra, além de efeitos deletérios<br />
em construções feitas pelo homem, resultando em perdas de vidas, ferimentos e<br />
altos prejuízos financeiros e sociais.<br />
Embora a palavra “terremoto” seja utilizada mais para os grandes eventos destrutivos,<br />
enquanto os menores geralmente são chamados de abalos ou tremores de terra,<br />
todos são resultados do mesmo processo geológico de acúmulo lento e liberação rápida<br />
de tensões. A diferença principal entre os grandes terremotos e os pequenos tremores<br />
é o tamanho da área de ruptura, o que determina a imensidade das vibrações emitidas.<br />
3 CLASSIFICAÇÃO DOS SISMOS<br />
Sismos de origem tectônicas, por ser mais comuns e geralmente mais devastadores,<br />
são vistos como de maior interesse de estudo.<br />
Sabe-se que a litosfera (que engloba a crosta e a parte superior do manto terrestre<br />
até cerca de 10 km de profundidade) está dividida em 6 (seis) placas rígidas chamadas<br />
de placas continentais (figura 6) ou placas tectônicas (África, América, Antártida,<br />
Austrália, Europa, e a placa do Pacífico) e 14 (catorze) placas subcontinentais (Nazca,<br />
Caribe etc) [15].<br />
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35<br />
Figura 6: Mapa das placas tectônicas.<br />
Fonte: Apollo 11.<br />
Essas placas se deslocam em movimentos horizontais. Esse fenômeno ocorre por<br />
que a litosfera é mais leve e fria, logo praticamente flutua no material mais quente e<br />
denso que fica localizado logo embaixo, chamado de astenosfera. São geradas nos primeiros<br />
200 km da astenosfera as correntes de convecção, supostamente o mecanismo<br />
que proporciona a movimentação das placas tectônicas [11].<br />
Os sismos tectônicos são justamente a consequência de um deslocamento súbito<br />
das placas ao longo das falhas, ou seja, o esforço vai se acumulando até superar a resistência<br />
das rochas (placas) que se deslocam na hora da ruptura. O evento é acompanhado<br />
por uma grande liberação de energia sob a forma de ondas elásticas que podem se<br />
propagar em todas as direções que cessam até as placas atingirem uma nova configuração<br />
de equilíbrio.<br />
Além de forças naturais certas ações do homem podem induzir pequenos tremores<br />
ou sismos de magnitude moderada a forte. Entre essas ações temos a atividade de<br />
mineração e pedreiras, injeção profunda de fluidos sob alta pressão, extração de líquidos,<br />
exploração subterrânea ou até mesmo por enchimentos de reservatórios na construção<br />
de barragens.<br />
Dentre elas a mais comum e menos entendida é a sismicidade induzida por reservatório<br />
(SIR). Ela se dá pelo fato do reservatório criar um peso adicional considerável<br />
que antes não existia causando assim um crescimento na tensão elástica. A água provoca<br />
também uma mudança do grau de saturação do solo que contribui para desestabilizálo,<br />
uma vez que lubrifica as falhas. O carregamento superficial produzido por cada me-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
36<br />
tro quadrado de água é de 10.000 N/m² ou cerca de 2.000.000 N/m² num reservatório do<br />
porte da Usina de Itaipu (com uma profundidade de 180m) [11].<br />
Com a criação do novo lago ocorre uma alteração nas condições estáticas das<br />
formações rochosas em termos da mecânica e do ponto de vista da hidráulica que causa<br />
infiltrações do fluido nas camadas rochosas profundas. Essas ações podem formar distúrbios<br />
tectônicos e, eventualmente, gerar um sismo.<br />
4 ESCALAS SISMOLÓGICAS<br />
4.1 MAGNITU<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> UM ABALO SÍSMICO<br />
A força de um terremoto é estimada por sua magnitude, que está relacionada com<br />
a energia sísmica liberada no foco e também com a amplitude das ondas registradas<br />
pelos sismógrafos.<br />
A escala de medida de energia sísmica liberada por terremotos mais conhecida é<br />
a Richter, que surgiu em 1935, idealizada pelo sismólogo americano Charles F. Richter.<br />
Após recolher dados de inúmeras ondas sísmicas liberadas por terremotos, Richter criou<br />
um sistema para calcular as magnitudes dessas ondas [6].<br />
Richter definiu a magnitude zero como aquela que proporciona uma amplitude<br />
de onda de um micrômetro (10 -3 mm) de vibração a uma distância de 100 km do epicentro.<br />
A escala de Richter é formulada por mais de trinta maneiras diferentes, dependendo<br />
do tipo de onda sísmica, do período da onda, da profundidade do foco, da distância<br />
epicentral e do tipo de solo onde se encontra o sismógrafo. A equação 1 é uma das<br />
equações mais empregadas nesse caso, em que E representa a energia liberada por um<br />
sismo no seu epicentro medida em “erg”, que é a unidade de energia no sistema CGS<br />
(centímetro-grama-segundo) e M é correspondente à magnitude na escala, que por<br />
definição não tem unidade [16].<br />
M = 0,67LogE – 7,9 (1)<br />
Aplicando-se propriedades algébricas na equação 1, tem-se que:<br />
LogE = M + 7,9 (2)<br />
0,67<br />
E = 10<br />
Sabendo-se que 1 erg equivale à 10 -7 Joules, obtém-se a partir da equação 2:<br />
( )<br />
M + 7,9 – 7<br />
0,67<br />
(3)<br />
Esta escala foi idealizada como uma escala logarítmica decimal para cobrir todos<br />
os tamanhos de terremotos, desde os microtremores com magnitudes negativas, até os<br />
super-terremotos com magnitudes superiores a 8.0. O aumento de um ponto nes-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
37<br />
sa medição implica em um aumento de dez vezes na amplitude da onda sísmica. Por<br />
exemplo, um terremoto que mede 4.0 na escala Richter é 10 vezes maior que um que<br />
mede 3.0. Não existe limite inferior ou superior nesta escala. Entretanto, a mecânica<br />
das rochas parece criar limites naturais para magnitudes abaixo de -1 e acima de 9.5 [12].<br />
Por definição, a potência é descrita na equação seguinte:<br />
P = E (4)<br />
t<br />
Onde:<br />
• P: Potência em Watt (W);<br />
• E: Energia em Joule (J);<br />
• t: Tempo em segundo (s).<br />
Sabe-se que a Usina Hidroelétrica de Tucuruí tem uma potência aproximada de<br />
8370 MW [3]. Assim compõem-se a tabela 1, bem como a figura 7 que representam uma<br />
valiosa contribuição deste trabalho, uma vez que mostram uma relação entre a magnitude<br />
de um sismo na escala Richter (M), a energia liberada (E) e o tempo necessário para<br />
gerar tal energia, tomando como base a UHE de Tucuruí no estado do Pará, com a finalidade<br />
de se compreender a dimensão da quantidade de energia que “participa” durante<br />
o processo de acontecimento de um dado terremoto.<br />
Tabela 1: Relação Magnitude, Energia e Tempo.<br />
Fonte: Elaborada pelos autores.<br />
Ainda que cada terremoto tenha uma magnitude única, os efeitos de cada abalo<br />
sísmico variam bastante devido à distância, às condições do terreno e às condições das<br />
edificações. Mesmo assim, alguns danos podem ser relacionados ao grau de magnitude<br />
do sismo (figura 7).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
38<br />
Figura 7: Equivalências entre as magnitudes, prováveis danos de um<br />
terremoto e quantidade de energia envolvida.<br />
Fonte: Modificado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas – USP, 2009.<br />
4.2 INTENSIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> UM ABALO SÍSMICO<br />
A intensidade de um abalo sísmico é uma medida qualitativa dos efeitos produzidos<br />
pelo sismo em construções, pessoas, objetos e no meio ambiente. Não existe uma<br />
relação direta entre intensidade e magnitude.<br />
A classificação pela escala Richter nos dá apenas uma ideia superficial sobre o<br />
verdadeiro impacto de um terremoto. A extensão dos estragos é avaliada pela Escala<br />
Mercalli. Essa escala surgiu em 1902 e posteriormente foi modificada em 1931 com o<br />
sismólogo italiano Giuseppe Mercalli baseando-se em danos sentidos e percebidos em<br />
estruturas e objetos no solo e por pessoas que presenciaram os tremores de terra. Esta<br />
escala tem 12 graus identificados pelos números romanos que vão do I ao XII. Para<br />
estabelecer a intensidade, ele recorreu a uma revisão dos registros históricos e entrevistas<br />
testemunhais, noticiários públicos, jornais e personalidades. Esta escala é proporcional,<br />
de maneira que uma intensidade VI é o dobro de uma intensidade IV [16].<br />
Para poder tirar proveito da informação dada pela intensidade, foram feitos<br />
estudos que correlacionam as intensidades com as características dinâmicas que são<br />
relevantes para o emprego na engenharia civil. Trata-se de uma analogia que se baseia<br />
em extrapolações que tentam identificar quais acelerações do solo podem provocar<br />
os danos associados às diferentes intensidades [15]. Estes resultados estão<br />
descritos na tabela 2.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
39<br />
Tabela 2: Escala de Intensidade – Mercalli Modificada.<br />
Grau Descrição dos Efeitos Aceleração (g)<br />
I<br />
II<br />
III<br />
IV<br />
V<br />
VI<br />
Não sentido. Leves efeitos de período longo de terremotos<br />
grandes e distantes.<br />
Sentido por poucas pessoas paradas, em andares superiores<br />
ou locais favoráveis. < 0,003<br />
Sentido dentro de casa. Alguns objetos pendurados oscilam.<br />
Vibração parecida à da passagem de um caminhão leve.<br />
Duração estimada*. Pode não ser reconhecido como um<br />
abalo sísmico. 0,004 – 0,008<br />
Objetos suspensos oscilam. Vibração parecida à da passagem<br />
de um caminhão pesado. Janelas, louças, portas fazem barulho.<br />
Paredes e estruturas de madeira rangem. 0,008 – 0,015<br />
Sentido fora de casa; direção estimada*. Pessoas acordam.<br />
Líquido em recipiente é perturbado. Objetos pequenos e<br />
instáveis são deslocados. Portas oscilam, fecham, abrem. 0,015 – 0,04<br />
Sentido por todos. Muitos se assustam e saem às ruas.<br />
Pessoas andam sem firmeza. Janelas, louças quebradas. Objetos<br />
e livros caem de prateleiras. Reboco fraco e construção de<br />
má qualidade racham. 0,04 – 0,08<br />
VII Difícil manter-se em pé. Objetos suspensos vibram. Móveis<br />
quebram. Danos em construção de má qualidade, algumas<br />
trincas em construção normal. Queda de reboco, ladrilhos ou<br />
tijolos mal assentados, telhas. Ondas em piscinas. Pequenos<br />
escorregamentos de barrancos arenosos. 0,08 – 0,15<br />
VIII<br />
IX<br />
Danos em construções normais com colapso parcial. Algum<br />
dano em construções reforçadas. Queda de estuque e alguns<br />
muros de alvenaria. Queda de chaminés, monumentos, torres<br />
e caixas d’água. Galhos quebram-se das árvores.<br />
Trincas no chão. 0,15 – 0,30<br />
Pânico geral. Construções comuns bastante danificadas,<br />
às vezes colapso total. Danos em construções reforçadas.<br />
Tubulação subterrânea quebrada. Rachaduras visíveis no solo. 0,30 – 0,60<br />
continua...<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
40<br />
continuação...<br />
X<br />
Maioria das construções destruídas até nas fundações.<br />
Danos sérios a barragens e diques. Grandes escorregamentos<br />
de terra. Água jogada nas margens de rios e canais. Trilhos<br />
levemente entortados. 0,60 – 1,0<br />
XI Trilhos bastante entortados. Tubulações subterrâneas<br />
completamente destruídas ~ 1 – 2<br />
XII Destruição quase total. Grandes blocos de rocha deslocados.<br />
Linhas de visada e níveis alterados. Objetos atirados ao ar. ~ 2<br />
Fonte: Assumpção e Neto, 2000 apud Ribeiro, 2006 [12]<br />
*Pode-se ter noção da duração ou da direção do abalo sísmico<br />
5 CONCLUSÕES<br />
A partir dos resultados comentados, apresentados em tabelas e ilustrados em figuras<br />
no presente trabalho, alguns comentários e conclusões podem ser evidenciados:<br />
Conforme visto, a análise das placas tectônicas torna-se importante para poder<br />
determinar onde possivelmente ocorrem com maior frequência os tremores de terra,<br />
sendo assim uma medida de prevenção contra possíveis catástrofes pois, na fronteira<br />
dessas placas (figura 6) é onde são detectados os maiores níveis de atividade sísmica.<br />
Entretanto, não só nessas localidades estão propícias à formação de sismos visto que,<br />
algumas atividades sísmicas já foram detectadas no interior das placas.<br />
Para melhor entendimento dos sismos, escalas de magnitude e intensidade auxiliam<br />
na quantificação e qualificação de possíveis danos que um terremoto pode causar.<br />
Na figura 7, observa-se a grandiosidade que um evento como esse pode atingir, sendo<br />
comparado inclusive à energia liberada de uma bomba atômica e o tempo que uma UHE<br />
necessitaria para gerar uma energia equivalente.<br />
Com esse embasamento, abalos como os que ocorreram recentemente no Haiti<br />
podem ser melhores entendidos. Um tremor com magnitude e/ou intensidade equivalente<br />
ocorrendo no Brasil, poderia ter destruído boa parte da região metropolitana de<br />
São Paulo, conforme simulação ilustrada na figura 4.<br />
Mesmo o Brasil sendo considerado um país assísmico, pequenos tremores e até<br />
alguns registros de magnitude elevada são identificados constantemente em algumas<br />
regiões do país.<br />
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTO<br />
Os autores agradecem à FI<strong>DE</strong>SA-Pará/Brasil e à universidade da Amazônia -<br />
UNAMA pelos recursos materiais (equipamentos) e financeiros (bolsas) colocados<br />
à disposição desta pesquisa.<br />
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41<br />
REFERÊNCIAS<br />
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[2] BGS – British Geological Survey. Disponível em: . Acesso<br />
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[4] MACHADO, J.; MASSON, C.; VERA, A.; RIBEIRO, A.; TURRER, R.; CID, T.; ARINI, J.; GUI-<br />
MARÃES, C. & FERNAN<strong>DE</strong>S, N. (2010) – Um país inteiro para reconstruir. Revista Época,<br />
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[5] FILHO, M. S. D. Física da Terra e do universo para Licenciatura em Geociências. São<br />
Paulo. Disponível em: .<br />
Acesso em: 7 dez. 2009.<br />
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[8] IAG/USP, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas. Cálculo da energia<br />
de um terremoto e de sua localização. Disponível em: . Acesso em: 1 dez. 2009.<br />
[9] MELO, C. A. E. & PEDROSO, L. J. (2005) – Estudo preliminar sobre sismicidade natural<br />
e sismicidade induzida por reservatórios. Relatório Técnico de Iniciação Científica (RTIC-<br />
CAEM01-03/05) – Universidade de Brasília, Brasília.<br />
[10] O GLOBO ONLINE – Prédios do governo e de organizações internacionais no Haiti<br />
não resistiram aos tremores. Disponível em: .<br />
Acesso em: 12 fev. 2010.<br />
[11] Observatório Sismológico. UnB. Disponível em: . Acesso<br />
em: 11 nov. 2009.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010
42<br />
[12] RIBEIRO, P. M. V. Uma metodologia analítica para a avaliação do campo de tensões<br />
em barragens gravidade de concreto durante terremotos. 162p. Dissertação (Mestrado<br />
em estruturas e construção civil) – Departamento de engenharia civil e ambiental, Universidade<br />
de Brasília, Brasília, 2006.<br />
[13] SILVA, S. F.; SANTOS JUNIOR, E. C. R.; SOARES, A. A. B.; RIBEIRO, F. R., Uma Modificação<br />
ao Método Pseudo-Estático Através de uma aproximação Analítica Proposta a Pressão<br />
Hidrodinâmica. Revista Traços, v.11, n. 24, 2010.<br />
[14] SOUZA, A. J. M. Avaliação preliminar da segurança sísmica de um perfil típico em<br />
barragem de concreto gravidade, estudo de caso barragem de Tucuruí. 67p. Trabalho<br />
de conclusão de curso (graduação em Engenharia Civil) – Universidade da Amazônia,<br />
Belém, 2009.<br />
[15] STOLOVAS, S. Dinâmica aplicada em estruturas de concreto. 283p. Curso TQS Informática.<br />
São Paulo, 2009.<br />
[16] Terremoto. Disponível em: . Acesso em: 2 dez. 2009.<br />
[17] ÚLTIMO SEGUNDO. Veja o que aconteceria se o terremoto tivesse sido em oito<br />
capitais do Brasil. Disponível em: .<br />
Acesso em: 27 jan. 2010.<br />
[18] USGS, United States Geological Survey. Pager M 7.0 Haiti Region. Disponível em:<br />
. Acesso<br />
em: 18 jan. 2010.<br />
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43<br />
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E MINERALÓGICA DO LODO<br />
DA ETA BOLONHA, ARGILAS GORDA E MAGRA<br />
PARA CONFECÇÃO DA MASSA CERÂMICA<br />
Elzelis de Aguiar Muller *<br />
Luiza Girard Teixeira Machado **<br />
Alberto Carlos de Melo Lima ***<br />
RESUMO<br />
Este trabalho apresenta as características do lodo da ETA Bolonha (Belém-Pará-Brasil) e<br />
das argilas gorda e magra utilizadas para confecção da massa cerâmica em industria<br />
cerâmica da região. Para tanto, foi necessário conhecer as características do resíduo<br />
(lodo) de ETA, pois os resíduos dependem dos sólidos suspensos presentes na água<br />
bruta e dos diferentes produtos químicos que são utilizados no tratamento da água.<br />
Para a caracterização físico e mineralógica do lodo de ETA foram utilizados amostras de<br />
lodo obtidas no decantador da ETA Bolonha. Foram determinados, teores de sólidos<br />
totais, de matéria orgânica e de umidade do lodo, e das argilas. A técnica de difratometria<br />
de raios-X foi empregada nas amostras de lodo e argila e tiveram como principais<br />
constituintes mineralógicos do lodo utilizado neste trabalho, a: caulinita (Al 2<br />
Si 2<br />
O5(OH) 4<br />
)<br />
e gibsita (Al(OH) 3<br />
). A argila gorda apresentou as seguintes fases cristalinas: caulinita,<br />
quartzo e muscovita.<br />
Palavras-Chave: Lodo de ETA. Argila gorda. Argila magra. Difratometria de Raios-X<br />
(PHYSICAL AND MINERALOGICAL CHARACTERIZATION OF SLUDGE FROM<br />
ETA BOLONHA CLAY, FAT AND LEAN MASS FOR MAKING CERAMICS)<br />
ABSTRACT<br />
This paper presents the characteristics of the sludge ETA Bolonha (Belém-Pará-Brazil) and<br />
the fat and lean clays used to make ceramic body in the ceramic industry in the region. To<br />
this end, it was necessary to know the characteristics of the residue (sludge) from ETA, as<br />
the waste depend on the suspended solids present in raw water and various chemicals that<br />
are used in water treatment. For the physical and mineralogical characterization of sludge<br />
* Mestre em Engenharia Civil (PPGEC-UFPA); professora adjunta da Universidade da Amazônia (UNAMA) e da<br />
Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail: elzelis@oi.com.br<br />
** Doutora em Ciências: Desenvolvimento Sócio Ambiental (UFPA), professora adjunta da Faculdade de Engenharia<br />
Sanitária e Ambiental e do mestrado em Engenharia Civil da UFPA<br />
***Doutor em Hidráulica e Saneamento (EESC-USP); professor titular da Universidade da Amazônia (UNAMA); professor<br />
da Universidade do Estado do Pará (UEPA)<br />
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44<br />
ETA were used samples collected in the decanter ETA Bolonha. Were determined, total solids,<br />
organic matter and moisture from the mud, and clays. The technique of diffraction of X-<br />
ray was used in samples of mud and clay and had the main mineralogical constituents of<br />
the sludge used in this study, to: kaolinite (Al2Si2O5 (OH) 4) and gibbsite (Al (OH) 3). The clay<br />
content has made the following crystalline phases: kaolinite, quartz and muscovite.<br />
Keywords: Sludge ETA. Clay Content. Clay Body and Diffraction of X-Ray<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O lodo gerado pelas estações de tratamento de água (ETAs) provenientes do<br />
processo de clarificação (decantadores e filtros), atualmente são, na maioria, lançados<br />
diretamente nos corpos d’água naturais (COR<strong>DE</strong>IRO, 1999 ), sendo esta prática enquadrada<br />
na categoria de crime ambiental (DIAS et al., 2008).<br />
Os danos ambientais causados pelo lançamento em grande quantidade desses<br />
resíduos são enormes, devido ao aumento na quantidade de sólidos em suspensão,<br />
assoreamento dos corpos hídricos, mudanças de cor, aumento das concentrações de<br />
alumínio, e ainda que incipiente, uma Demanda Química de Oxigênio (MORITA et<br />
al.,2002). Existe uma grande preocupação em torno desse assunto e diversas medidas<br />
foram tomadas com vistas a reduzir o lançamento desse resíduo nos rios e mananciais.<br />
Diversos trabalhos, como os de Tallini Júnior et al. (2006); Dias et al. (2008); Babatunde<br />
e Zhao (2007); Cosin et al. (2002); Magalhães (2003) e Teixeira et al. (2006), tratam sobre<br />
a possibilidade da incorporação do lodo como matéria-prima na indústria de cerâmica<br />
vermelha. Observa-se que o uso do lodo evita danos ao meio ambiente, particularmente,<br />
às bacias hidrográficas que incorporam estes cursos d’água, já que haverá menos<br />
lançamento de resíduos e consequentemente, o assoreamento e sua contaminação por<br />
poluentes presentes nos lodos. Desta forma, conhecer as características do lodo de<br />
ETAs para que se possa utilizá-los nas massas cerâmicas é de fundamental importância,<br />
visto que, os resíduos (lodo) variam com os sólidos suspensos presentes na água bruta<br />
e dos produtos químicos empregados no tratamento.<br />
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />
A ETA Bolonha, que abastece 65% da Região Metropolitana de Belém, tem como<br />
principais mananciais os lagos Água Preta e Bolonha e o rio Guamá. Machado (2003)<br />
comenta, em seu trabalho, que a produção de lodo gerado no processo de clarificação é<br />
de aproximadamente 105 toneladas de resíduos secos por mês, que são lançados diretamente<br />
em Igarapé, pela concessionária de serviços de abastecimento, Companhia de<br />
Saneamento do Pará - Cosanpa.<br />
Uma ETA convencional é constituída das seguintes etapas: coagulação, floculação,<br />
decantação, filtração, desinfecção, correção de pH e fluoretação. A coagulação é a desestabilização<br />
de partículas presentes na água bruta. Os principais coagulantes usados são:<br />
sulfato de alumínio, cloreto de polialumínio, sulfato férrico, sulfato ferroso clorado e<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
45<br />
cloreto férrico. A floculação implica no encontro das partículas desestabilizadas, proporcionando<br />
a formação de agregados (flocos). Nos decantadores, os flocos formados são<br />
separados da água pela ação da gravidade. A etapa de filtração tem como objetivo reter as<br />
partículas sólidas que não ficaram retidas no decantador, ou leitos porosos como de carvão<br />
ativado, areia e cascalho. As ETAs são constituídas de filtros rápidos que funcionam<br />
sob a ação da gravidade e sob pressão e são lavados a contra-corrente (inversão de fluxo)<br />
com uma vazão que possa expandir, de forma segura, o meio filtrante. Este processo de<br />
lavagem dos filtros carreia muitos resíduos e são nocivos ao meio ambiente. A etapa final<br />
do processo de tratamento é a desinfecção, que inativa os microorganismos patogênicos<br />
presentes na água através de agentes físicos e/ou químicos.<br />
Dias et al, (2008) citaram que, devido ao baixo padrão de qualidade da água<br />
bruta captada, as ETAs sofrem algumas implicações internas como aumento do consumo<br />
de produtos químicos, particularmente do sulfato de alumínio e o aumento expressivo<br />
do volume de resíduos concentrados em suas unidades de decantação e filtração.<br />
Os autores ressaltaram que esses resíduos, aqui denominados de “lodo de ETA” são<br />
lançados nos mananciais superficiais sem qualquer tratamento e agredindo dessa forma<br />
o meio ambiente. Segundo a AWWA (1990) o resíduo (lodo) gerado nos decantadores<br />
e filtros das ETAs possui composição variada de acordo com a região onde ela está<br />
localizada, com o mês de coleta e com o coagulante usado.<br />
Cordeiro (1999), ao estudar o lodo de ETAs, ressalta que há grande carência de<br />
pesquisas científicas e tecnológicas sobre o tema e que os poucos dados que existem no<br />
Brasil estão dispersos, dificultando o trabalho neste campo, e falta a conscientização<br />
efetiva sobre a importância do assunto.<br />
Segundo Richter (2001) apud Andrade (2005), de acordo com o tipo de tratamento<br />
de água empregado, diferentes resíduos provenientes dos decantadores e dos filtros<br />
serão gerados, com características diversas, quando provenientes de ETAs convencionais<br />
ou de ETAs de abrandamento.<br />
Richter (2001), Dias et al. (2008) afirmaram que as características do lodo gerado<br />
nas ETAs variam de acordo com a natureza da água bruta, captada no processo, dos<br />
processos unitários, dos produtos químicos aplicados, tipo e forma de limpeza dos<br />
decantadores, entre outros fatores.<br />
Segundo Novaes (2005), as ETAs utilizam produtos químicos na chegada da<br />
água bruta, como por exemplo, carvão ativado em pó (CAP) para controle e sabor e<br />
odor de precursores de subprodutos da desinfecção; cal virgem ou hidratada para<br />
controle do pH do processo e oxidantes como peróxido de hidrogênio e permanganato<br />
de potássio, sendo que a adição desses produtos químicos também irá afetar a<br />
composição do lodo. Ainda segundo o autor, os hidróxidos dos sais de alumínio ou<br />
ferro, que são os coagulantes mais usados, são os principais constituintes do lodo,<br />
sendo que a água de hidratação presa aos flocos faz com que fique em forma de gel<br />
gelatinoso e volumoso de difícil desaguamento. Este lodo tem propriedades de<br />
fluido tixotrópico, ou seja, é gel em estado natural e fluido quando submetido a<br />
esforços cisalhantes e de difícil sedimentação ou flotação. Na tabela 2.1 são apresentados<br />
alguns materiais encontrados em lodos de ETAs.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
46<br />
Tabela 2.1: Materiais encontrados em resíduos provenientes em<br />
processos de tratamento de água.<br />
Fonte: DOE (1990) apud Novaes (2005)<br />
Andrade (2005) enfatizou a necessidade de se conhecer as características do<br />
lodo a partir da determinação de parâmetros como: sólidos, pH, metais, nitrogênio,<br />
fósforo total, carbono orgânico total (COT) etc. A autora relacionou nas tabelas 2.2<br />
e 2.3 as características dos lodos de ETAs, segundo diversos autores.<br />
Tabela 2.2: Características dos lodos de estações de tratamento de água (parâmetros<br />
convencionais).<br />
LEGENDAS:<br />
(1) Síntese da caracterização de lodo de decantadores realizados<br />
por diversos autores<br />
(2) Resíduo de tratamento com sulfato de alumínio<br />
(3) Resíduo de tratamento comcloreto férrico<br />
(4) Resíduo do processo de abran damento por cal<br />
(5) Água de lavagem dos filtros<br />
Fonte: Adaptado de Andrade (2005).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
47<br />
Tabela 2.3: Características dos lodos de estações de tratamento de água (parâmetros<br />
não convencionais).<br />
Fonte: Andrade (2005)<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
48<br />
Machado (2003) realizou um estudo sobre os resíduos gerados na ETA Bolonha,<br />
que é também o objeto de estudo deste trabalho. Os dados obtidos pela autora estão<br />
apresentados na tabela 2.4 e apresentam as características gerais dos resíduos produzidos<br />
na ETA Bolonha.<br />
Tabela 2.4 - Características gerais dos resíduos produzidos na ETA Bolonha.<br />
* Somente lodo dos decantadores<br />
Fonte: Adaptado de Machado (2003).<br />
Os dados apresentados na tabela 2.4 mostram que o volume dos resíduos gerados<br />
no processo de lavagem dos filtros é quase 6 vezes maior do que o retirado nos<br />
decantadores mensalmente. O inverso se observa em relação aos sólidos totais encontrados<br />
nos decantadores da ETA Bolonha, que produz mensalmente 3.424 mg/L em<br />
relação aos 504 mg/L encontrados na água de lavagem dos filtros. O pH em quase todos<br />
os trabalhos apresentados nas tabelas 2.2 a 2.4 ficou dentro dos limites de 5,0 a 8,0 para<br />
as ETAs que têm o alumínio como coagulante no processo de tratamento. Os dados<br />
apresentados nas tabelas 2.2 a 2.4 possuem valores distintos e são faixas amplas. Quando<br />
se compara, por exemplo, os valores encontrados para o alumínio em diferentes<br />
trabalhos e os apresentados na tabela 2.4, observa-se a necessidade de realizar uma<br />
caracterização completa para que se defina o tipo de tratamento e a disposição final.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
49<br />
3 METODOLOGIA<br />
Para atingir o principal objetivo deste trabalho foram implantadas duas Unidades<br />
de Desaguamento do Lodo (UDL) em áreas próximas dos decantadores da ETA Bolonha,<br />
de acordo com a metodologia proposta por Cordeiro (2001), que desenvolveu uma<br />
proposta de um leito constituído de uma camada de brita nº 01 com 5cm e sobre ela a<br />
manta geotextil, com a camada de lodo atingindo até 50cm.<br />
As UDLs foram compostas de reservatórios cilíndricos com capacidades variadas<br />
(1000 litros e 500 litros), dotados de drenos de fundo e camada drenante, constituída de<br />
uma camada de seixo nº 01 com 5cm de espessura sob a manta Geotextil MT600.<br />
Os procedimentos dos ensaios de determinação do teror de umidade seguiu as<br />
normas da ABNT: NBR 6457. O ensaio de determinação da matéria orgânica foi realizado<br />
através do método do carbono orgânico e seguiu a metodologia da EMBRAPA/PA.<br />
No caso da análise por difração de raios-X, Dias et al (2008) comentaram, em<br />
seu trabalho sobre uso do lodo na fabricação de blocos, que esta técnica consiste em<br />
determinar as distâncias mantidas pelos íons ou átomos formadores dos cristais (distância<br />
interplanares), através do conhecimento do ângulo formado pelo feixe de raios-X<br />
incidente e o plano atômico e difrato, como também do conhecimento do comprimento<br />
de onda desses raios. Segundo os autores essa técnica tem sido muita utilizada<br />
na análise de inúmeros materiais cimentícios, rochas, solos e concretos, a fim de<br />
qualificar os minerais constituintes de cada material. Ressalta-se que, este último<br />
ensaio (difração de raios-X) consiste de um equipamento de raios-X (figura 3.1), com<br />
amostra em pó, cujo diagrama de refração é registrado graficamente por contador<br />
Geiger, chamado de difratograma de raios-X. O ensaio consiste em secar o resíduo em<br />
estufa e depois passar na peneira nº 100 e em seguida a amostra em pó é colocada em<br />
lâminas de vidro. Logo depois o aparelho de raios-X é acionado sobre a amostra e<br />
obtido o difratograma em contador.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
50<br />
Figura 3.1: Difratômetro de raios-X da marca Philips PW 1730, com Goniômetro PW 1050,<br />
foco normal, e com tubo de raios-x de anodo de Cu (Ká11,540598 Å). A aquisição de<br />
dados foi obtida através de uma interface e software e tratamento dos dados com o<br />
software APD (Automated Powder Diffraction). Os registros foram realizados no intervalo<br />
de 10 a 60° 2è.<br />
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Nas tabelas 4.1 e 4.2 são apresentados os teores de sólidos (iniciais e finais)<br />
determinados para o lodo após desaguamento na UDL, e os teores de carbono e matéria<br />
orgânica para os lodos desaguados e as argilas utilizadas na fabricação dos tijolos.<br />
Tabela 4.1: Teores de sólidos totais do lodo, antes e após o período de desaguamento.<br />
Tabela 4.2: Teores de matéria orgânica no lodo desaguado e argilas.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
51<br />
Nas tabelas 4.3 e 4.4 são apresentados os resultados do teor de umidade do lodo<br />
da ETA Bolonha, das argilas magra e gorda, e da massa cerâmica no inicio do processo de<br />
produção dos tijolos cerâmicos.<br />
Tabela 4.3: Teor de umidade do lodo da ETA Bolonha, das argilas magra e gorda, e da<br />
massa cerâmica – UDL1.<br />
Tabela 4.4: Teor de umidade do lodo da ETA Bolonha, das argilas magra e gorda, e da<br />
massa cerâmica – UDL2.<br />
Os teores de umidade do lodo apresentados nas tabelas 4.3 e 4.4 diferem entre<br />
si em 4,42%. Essa diferença pode ser atribuída ao tempo de desaguamento do lodo da<br />
UDL1 que foi maior (23 dias) em relação à UDL2 (15 dias). O teor de sólidos encontrado<br />
nos lotes das UDL1 e UDL2 foram de 27,87% e 23,45%, respectivamente.<br />
As amostras de lodo da ETA Bolonha apresentaram comportamento físico diferenciado<br />
dos encontrados nos solos com constantes dificuldades de manuseio do mesmo<br />
na realização dos ensaios geotécnicos, fato também relatado por Nunes e Sartori<br />
(1997), que concluiram que a constituição e o comportamento da amostra do lodo dos<br />
leitos de secagem afastavam-se radicalmente do modelo utilizado na geotecnia, com<br />
forte presença de matéria de natureza orgânica, transferindo atributos químicos que<br />
determinaram um comportamento peculiar, tanto no estado úmido quanto seco, diferenciando-o<br />
bastante dos solos ainda que orgânicos, ou mesmo turfas. Tais observações<br />
foram constatadas durante a realização dos ensaios geotécnicos realizados nas amostras<br />
do lodo deste trabalho.<br />
Os resultados referentes à difratometria de raios-X tiveram como principais constituintes<br />
mineralógicos do lodo utilizado neste trabalho, determinados por DRXP, foram:<br />
caulinita (Al 2<br />
Si 2<br />
O5(OH) 4<br />
) e gibsita (Al(OH) 3<br />
). A argila gorda apresentou na análise de DRXP<br />
as seguintes fases cristalinas: caulinita, quartzo e muscovita. A indexação dos picos basais<br />
nos difratogramas (figura 4.1 a 4.3) obtidos a partir dos materiais preparados foi<br />
realizada por comparação com o padrão do banco de dados do programa da Philips<br />
(X-pert High Score), utilizando os padrões difratométricos do JCPDS-ICDD. Foi observado<br />
também que as duas amostras de lodo apresentaram predominância de fase amorfa.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
52<br />
Figura 4.1: Difratograma de raios X - Lodo da UDL1.<br />
Figura 4.2: Difratograma de raios X - Lodo da UDL2.<br />
Figura 4.3: Difratograma de raios-X de argila gorda.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
53<br />
5 CONCLUSÃO<br />
Os estudos sobre características de lodo de ETA Bolonha e das argilas, conduziram às<br />
seguintes conclusões:<br />
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
• Os teores de sólidos da massa seca do lodo encontrado na UDL1 foi de<br />
27,9% e na UDL2 de 23,4%.<br />
• O lodo retirado da válvula de fundo do decantador, durante o processo<br />
de lavagem apresentou alto teor de sólidos totais (27,9%) em relação ao<br />
lodo coletado diretamente do fundo (23,4%).<br />
• A massa seca do lodo da ETA Bolonha apresentou um teor de carbono<br />
orgânico entre 2,35 e 2,45%.<br />
• As caracterizações mineralógicas das amostras do lodo da ETA Bolonha<br />
definiram como principais constituintes a caulinita e a gibsita. A argila<br />
gorda apresentou a caulinita, o quartzo e muscovita em sua composição<br />
mineralógica, com predominância de caulinita. O lodo e a argila gorda<br />
podem ser caracterizados como materiais plásticos.<br />
• O coagulante utilizado na ETA Bolonha (policloreto de alumínio) ocasionou<br />
uma coloração mais clara na massa cerâmica.<br />
Os autores agradecem à Cerâmica Brasília (Benevides-PA) pelo fornecimento das<br />
matérias-primas e toda a infraestrutura para a consecução deste trabalho. À Cosanpa que<br />
viabilizou as coletas. À UFPA, UNAMA, IFPA e à Embrapa/PA pelos laboratórios.<br />
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Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
54<br />
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estações de tratamento de água em blocos cerâmicos. In: Simpósio Luso-Brasileiro de<br />
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desenvolvimento de novos compostos cerâmicos. In: Congresso Brasileiro de Engenharia<br />
e Ciências dos Materiais - 17º CBEC-Mat. nov. 2006.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 43-54, jun. 2010
55<br />
AVALIAÇÃO HIDRÁULICA E <strong>DE</strong> POLUENTES DO AFLUENTE<br />
<strong>DE</strong> ESTAÇÃO <strong>DE</strong> TRATAMENTO <strong>DE</strong> ESGOTO (ETE)<br />
<strong>DE</strong> AEROPORTO <strong>DE</strong> GRAN<strong>DE</strong> PORTE<br />
Adiel José Passos da Cunha Júnio *<br />
Neyson Martins Mendonça **<br />
Márcia Valéria Porto de Oliveira Cunha ***<br />
Luiza Carla Girard Texeira Machado ****<br />
Robson Costa da Costa *****<br />
RESUMO<br />
O trabalho consistiu na avaliação hidráulica e de poluentes da Estação de Tratamento de<br />
Esgoto - ETE do Aeroporto Internacional de Belém, que teve seu delineamento experimental<br />
dividido em duas etapas: a primeira caracterizou o esgoto bruto da ETE em<br />
termos de vazão, pH, DQO, SST, N-amonical, P e E-coli, durante os períodos seco e<br />
chuvoso nos anos de 2007 a 2008, obtendo-se informações relativas à carga hidráulica<br />
per capta (L/hab.dia) e carga per capta de poluentes (g/hab.dia). E a segunda simulouse<br />
dois sistemas de tratamento distintos propostos para o efluente da ETE AIB (L.A e<br />
UASB + L.A), de modo a se obter informações da produção de lodo (L/hab.dia), consumo<br />
energético (kw), demanda de área (m 2 /hab), eficiência de DQO (E DQO<br />
), e DQO efluente<br />
(DQO EFL<br />
.). Os resultados da primeira etapa, trabalhados estatisticamente através do<br />
teste de hipótese de Kruskall-Wallis, não apresentaram diferenças estatísticas entre o<br />
período chuvoso e seco (p> a=5%) em termos hidráulicos e orgânicos, o que permitiu<br />
concluir que o esgoto da ETE AIB tem características que independem do fluxo de passageiros<br />
e funcionários. Com relação à produção de lodo, demanda (energética e específica<br />
de área), concluiu-se que o sistema UASB+LA seria a melhor alternativa para o<br />
tratamento do esgoto sanitário da ETE AIB.<br />
Palavras-Chave: Aeroporto. Carga Hidráulica. Carga de Poluentes. Tratamento de Esgoto.<br />
* Engenheiro civil pela UFPA; mestre em Engenharia Civil, Recursos Hídricos e Saneamento, pela UFPA; professor<br />
do IFPA, Área Construção Civil. E-mail: ajpcunha@yahoo.com.br<br />
** Doutor em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos; professor adjunto I do Instituto<br />
de Tecnologia da UFPA; professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFPA; coordenador<br />
do Grupo de Estudo em Gerenciamento de Água e Reuso de Efluentes – GESA.<br />
*** Engenheira sanitarista pela UFPA; mestre em Engenharia Civil, Recursos Hídricos e Saneamento, pela UFPA.<br />
Professora do IFPA, Área Meio Ambiente; Pesquisadora do GESA.<br />
**** Doutora em Ciências - Desenvolvimento Socioambiental pelo NAEA/UFPA; professora adjunta I do Instituto<br />
de Tecnologia da UFPA. Professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFPA; Pesquisadora<br />
do GESA.<br />
***** Técnico em Saneamento pelo IFPA. Estudante do Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFPA.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
56<br />
ABSTRACT<br />
EVALUATION OF HYDRAULIC AND ORGANIC LOAD FROM<br />
THE AIRPORT OF ETE LARGE<br />
This work aims the evaluation of the hydraulic and organic treatment of sewage (TEE) in<br />
the International Airport of Belém (IBA), which had its experimental design in two steps:<br />
first and second. The first step, it comprised to characterize the raw drainage of ETE in<br />
therms of flow, pH, COD, TSS, N-amonical, P and E-coli, during the dry and rainy periods<br />
in the Amazonian Region (2007 to 2008) with the objective of obtain information about<br />
the hydraulic load percapta (L / inhabitants.day) and load percapta of pollutants (g /<br />
inhabitants.day). And in the second phase, evaluation was conducted in two separate<br />
treatment systems (activated sludges and UASB-activated sludges), so to estimate the<br />
informations about the production of sludge (L / inhabitants.day), energy consumption<br />
(kw), demand for area (m 2 / inhabitants), efficiency of COD (E COD<br />
) and effluent COD (COD efl<br />
)<br />
In the first stage, the average results were: dry period ¾18,87±9,39 L / inhabitants.day;<br />
8.38 ± 5.95 gCOD / inhabitants.day; 2.92 ± 2.03 gSST / inhabitants.day; 1.85 ± 0.98 gNamoniacal<br />
/ inhabitants.day, and 0,12±0,06 gP / inhabitants.day, and rainy season<br />
23,67±7,41L / inhabitants.day; 10 ± 4.97 gCOD / inhabitants.day; 3.66 ± 1.70 gSST /<br />
inhabitants.day; 1.72 ± 1 gN-amoniacal/ inhabitants.day, and 0.14 ± 0.06 gp /<br />
inhabitants.day. These results, by applying the hypothesis test of Kruskal-Wallis, showed<br />
no statistical differences between the rainy season and dry season (p>a=5%) in hydraulic<br />
and organic terms, allowing the inference that the wastewater generated TEE in the IBA<br />
has characteristics independent of the flow of passengers + employees. In the second<br />
stage of this work, it obtained for the activated sludge’s system: Pequivalente: 1236<br />
inhabitants, sludge’s production of 1.97 L / inhabitants.day, consumption of energy for<br />
aeration of 0,744 kw, demand for 0,038 area of m 2 / inhabitants and E COD<br />
= 80% and COD efl<br />
.= 90 mg / L. and for UASB-activated sludges obtained P EQV<br />
: 1236 inhabitants, production<br />
of sludge of 1.97 L / inhabitants.day, consumption of energy for aeration of 0744 kw, 0038<br />
demand for area of m 2 / inhabitants and E COD<br />
= 80% and COD efl<br />
.= 90 mg / L. Evaluating the<br />
question generated sludge’s production, energy and specific area demand, it is clear that<br />
the adoption of the system UASB + LA is which represents the best alternative for the<br />
treatment of sewage from TEE of AIB, as that treats the same amount of sewage and the<br />
removal efficiency of COD equivalent to the system of LA smaller amount of sludge<br />
generated and energy consumption.<br />
Key words: Airport, treatment of sewage, hydraulic load , pollutants load<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Especificamente na área de saneamento o registro da vazão assume papel de<br />
destaque para a solução de problemas relacionados ao abastecimento de água, drenagem<br />
urbana, análise da capacidade de recebimento de esgotos em corpos d’água, siste-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
57<br />
mas de coleta e tratamento de esgoto (doméstico e industrial), entre outros. Baseado<br />
no parâmetro vazão são projetados os equipamentos de infraestrutura sanitária e ambiental,<br />
capazes de assegurar a qualidade de vida da população que será atendida.<br />
Contudo os projetistas e companhias de saneamento deparam-se, muitas vezes,<br />
com incertezas quanto à definição de variáveis envolvidas na concepção desses<br />
sistemas de infraestrutura sanitária e ambiental, haja vista, haver pouca disponibilidade<br />
de dados reais de vazão determinados por intermédio de medições efetivas.<br />
O reflexo na utilização de dados de vazão de pouca confiabilidade pode, por<br />
exemplo, comprometer o período de alcance do projeto de Estação de Tratamento de<br />
Água (ETA) ou Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), tendo como consequência a saturação<br />
prematura do projeto (subestimado), ou a ocorrência de situação inversa, haver<br />
superestimado os dados de vazão que ocasionam investimentos iniciais desnecessários,<br />
desperdícios econômicos e financeiros na execução de uma dada obra.<br />
A investigação profunda na etapa de obtenção de dados verdadeiros para o dimensionamento<br />
de sistemas sanitários e ambientais mostra-se de fundamental importância,<br />
sob pena de incorrer-se em erros de projeto, algumas vezes grosseiros. Campos<br />
(1994) comenta que é essencial para se iniciar o levantamento de dados para elaboração<br />
de projeto de sistema de tratamento de esgotos determinar-se a qualidade e a quantidade<br />
dos esgotos que serão encaminhados à ETE para que seja possível o dimensionamento<br />
mais próximo da realidade local e não baseado em dados obtidos em literaturas.<br />
A caracterização qualitativa e quantitativa dos esgotos é essencial para a concepção<br />
de sistemas de coleta, tratamento e disposição. O amplo e perfeito conhecimento<br />
das características do esgoto permite decidir qual a melhor alternativa de tratamento<br />
a ser empregada e como será a operação do processo deste tratamento, e também<br />
dimensionar melhor o sistema, sem riscos de incertezas e com custos adequados.<br />
Além disso, o conhecimento da composição e da quantidade de esgoto é essencial<br />
também na avaliação da operação de uma estação de tratamento e na manutenção da<br />
qualidade do sistema de tratamento.<br />
Outros exemplos de obtenção de dados de vazão são mencionados por Magalhães<br />
(2000), no qual o monitoramento dessa variável pode ser visto como processo<br />
essencial à implementação de instrumentos de gestão das águas que permitam a obtenção<br />
de informações estratégicas, acompanhado das medidas efetivadas, atualizações<br />
dos bancos de dados e direcionamento das decisões.<br />
Diante de dados de vazão de sistemas, pode-se obter resultados que visam a<br />
sua otimização operacional e o alcance de ações de planejamento relacionadas à expansão<br />
do mesmo, readequações dos setores de distribuição, como por exemplo: operação<br />
(intervenção controlada para obtenção de níveis de eficiência desejáveis); controle<br />
de gastos com energia elétrica (deve-se ter em conta que grande parte da adução,<br />
distribuição e do próprio tratamento depende de equipamentos e instalações elétricas)<br />
e controle de produção (permitir medir os volumes e vazões aportadas durante<br />
determinado período de interesse. Tais elementos são essenciais para acompanhamento<br />
do sistema visando-se o estabelecimento de séries históricas necessárias a obtenção<br />
do desempenho do sistema); dosagem de produtos químicos (obtenção de graus<br />
de concentração pré-estabelecidos).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
58<br />
O trabalho tem o intuito de avaliar a carga hidráulica e orgânica de ETE de Aeroporto<br />
de Grande Porte, analisando estatisticamente as variáveis trabalhadas e pré-dimensionar<br />
alternativas de tratamento baseado nas características do esgoto bruto.<br />
2 PROCEDIMENTOS E INSTALAÇÕES<br />
O delineamento experimental desse trabalho fora dividido em duas etapas: a<br />
primeira chamada de ETAPA I compreende a obtenção da vazão e as características físico-químicas<br />
e microbiológicas destinadas a se obter informações relativas à carga hidráulica<br />
(Litros/hab.dia) e carga orgânica (g/hab.dia) durante os períodos seco (junho a<br />
novembro) e chuvoso (dezembro a maio) que ocorreram na Região Amazônica referentes<br />
aos anos de 2007 e 2008. Para medição da vazão foi utilizado um medidor de vazão<br />
ultrassônico que foi instalado no canal de acesso à ETE sendo programado, para se obter<br />
dados coletados a cada 2 horas, com intervalos de leitura de 15 minutos, em perfis de 24<br />
horas, obtendo-se assim dados que foram armazenados no medidor e posteriormente<br />
transferidos ao computador.<br />
A obtenção dos valores de vazão fora realizada mediante a aplicação da equação<br />
de Thompson para vertedores triangulares, nos quais os valores de lâmina líquida de<br />
esgoto foram obtidas durante os perfis de 24 h com leituras intervaladas a cada 15<br />
minutos.<br />
Para caracterização da água residuária foram realizados perfis de amostragens<br />
do esgoto bruto durante 24 horas, com intervalos de coleta de 2 horas e frequência de<br />
duas vezes por mês para os períodos de chuva e estiagem durante 12 meses. As seguintes<br />
variáveis foram apuradas durante esta etapa: pH, SST, SD, DQO total, N-amoniacal,<br />
fósforo e coliformes termo tolerantes.<br />
As amostras do esgoto bruto da ETE AIB foram coletadas e armazenadas em<br />
frascos estéreis de polietileno com capacidade de 1L, devidamente identificados e<br />
mantidos sob refrigeração (< 10 °C), em caixas isotérmicas. Em seguida essas amostras<br />
foram encaminhadas para o Laboratório de Saneamento do Instituto Federal de Educação,<br />
Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), que forneceu toda a infraestrutura laboratorial<br />
disponível para a determinação das variáveis.<br />
A partir das informações de vazão e características do esgoto bruto (DQO,SST,Namoniacal,<br />
Ptotal, E-coli), foram determinados a contribuição percapta de esgoto em<br />
termos hidráulicos e das variáveis ora mencionadas.<br />
As informações levantadas durante a execução das análises e exames microbiológicos<br />
realizados nesse trabalho foram tratadas de forma estatística (descritiva e analítica),<br />
para ser estudadas, avaliadas, e apresentadas sob forma gráfica, para que, ao final possa<br />
obter um diagnóstico das características do esgoto sanitário existente na ETE AIB.<br />
O procedimento estatístico analítico utilizou o teste de Kruskall-Wallis, que é<br />
um método não paramétrico. A razão principal da escolha deste método está relacionada<br />
ao tamanho das amostras e desconhecimento da distribuição de probabilidade dos<br />
dados (condição necessária para a utilização dos métodos paramétricos). O teste em<br />
questão utilizou o pacote estatístico MINITAB versão 15.0 for Windows.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
59<br />
Na segunda etapa, a partir da característica de esgoto bruto da ETE AIB, realizouse<br />
a simulação de fluxograma de tratamento por sistemas de lodos ativados e UASB +<br />
lodos ativados, visando-se avaliar aspectos com relação à produção de lodo, consumo<br />
energético, demanda de área das unidades de tratamento envolvidas.<br />
O AIB ocupa uma área de 6.315.789,54 m² e é composto de dois sistemas de<br />
coletas e transporte das águas residuárias conforme representação esquemática exposta<br />
na figura 41. O primeiro sistema coleta as águas residuárias geradas nas dependências<br />
do INFRAERO e no terminal de passageiros, sendo destinadas para tubulações<br />
que transportam por gravidade até a Estação Elevatória de Esgoto Bruto (EEEB). O segundo<br />
sistema coleta as águas residuárias diretamente das aeronaves através do carro<br />
de drenagem que posteriormente serão lançadas na casa cloacal, seguindo por descarga<br />
hidráulica até a EEEB onde ocorre o recalque até a ETE.<br />
A operação de drenagem dos dejetos, acumulados no reservatório (tanque) das<br />
aeronaves, é realizada pelo carro de drenagem de dejetos, conhecido como Quick Toillet<br />
Unit – Unidade Rápida de Toillet (QTU). A casa cloacal é o local destinado a recebimento<br />
do esgoto oriundo das aeronaves. O esgotamento de dejetos na cloaca acontece<br />
após ter se esgotado a capacidade de armazenamento do tanque de dejetos na QTU.<br />
Após o despejo, os dejetos seguem por gravidade até a EEEB.<br />
Após a junção do efluente dos dois sistemas, estes seguem por gravidade para<br />
EEEB, que é composta de caixa de retenção de sólidos, poço úmido e poço seco. A EEEB<br />
tem como objetivo recalcar o esgoto produzido nas aeronaves e no aeroporto para a<br />
ETE, distante 515 m da EEEB, que tem a capacidade de tratar aproximadamente 360 m3/<br />
dia de esgoto, pelo processo de lodos ativados. Na figura 1 é mostrado um mapa de<br />
localização do sistema de esgotamento sanitário do AIB e na figura 2 é apresentada as<br />
unidades constituintes do sistema de esgotamento sanitário da ETE AIB.<br />
Figura 1: Mapa de localização do sistema de esgotamento sanitário da AIB<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
60<br />
Figura 2: Unidades constituintes do sistema de esgotamento sanitário - AIB<br />
A ETE AIB é composta por tratamento preliminar (grade, peneira estática, caixa<br />
de areia e vertedor triangular); um reator de mistura completa (tanque de aeração); um<br />
decantador secundário para a separação das fases sólido/líquido; calha coletora e um<br />
tanque de contato no qual ocorre a desinfecção do esgoto tratado com hipoclorito de<br />
sódio conforme fluxograma exposto na figura 3. Após tratamento, o esgoto é lançado<br />
no igarapé de Val-de-Cans.<br />
Figura 3: Fluxograma da fase líquida e sólida produzidas na ETE AIB<br />
Este trabalho é parte integrante do projeto de pesquisa intitulado Diagnóstico<br />
do Sistema de Esgotamento Sanitário do Aeroporto Internacional de Belém, visando a<br />
preservação do igarapé Val-de-Cans, referente ao edital Chamada Pública MCT/FINEP/<br />
CT-HIDRO Águas em Aeroportos 03/2005. Ressalta-se aqui, que a etapa 1 do presente<br />
trabalho fora realizada em conjunto com os discentes do curso de Engenharia Sanitária<br />
e Ambiental da Universidade Federal do Pará e do curso técnico de saneamento do<br />
Instituto Federal de Educação Ciência Tecnologia do Pará.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
61<br />
3 RESULTADOS<br />
Caracterização do esgoto bruto e obtenção das cargas hidráulicas e orgânicas<br />
Em razão do volume de informações obtidas nessa etapa experimental procurou-se<br />
apresentar as variáveis julgadas mais importantes para alcançar os objetivos<br />
traçados. Assim, as tabelas 1 e 2 apresentam as características do esgoto sanitário da ETE<br />
AIB nos períodos seco e chuvoso.<br />
Tabela 1: Características do Esgoto Sanitário da ETE AIB (Seco).<br />
Tabela 2: Características do esgoto sanitário da ETE AIB (Chuvoso).<br />
Na tabela 3 encontram-se os resultados do teste de Kruskall-Wallis para as<br />
características do esgoto bruto durante o período seco e chuvoso, considerando-se a de 5%.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
62<br />
Tabela 3: Teste de Kruskall-Wallis para pH, DQO, N-amoniacal,SST, SD e E-coli, para o<br />
período seco e chuvoso.<br />
Nas tabelas 4 e 5 respectivamente são apresentadas as características de esgoto<br />
quanto a concentração (valores médios) e de esgoto sanitário típico do município de<br />
Belém.<br />
Tabela 4: Características do esgoto sanitário quanto à concentração.<br />
Fonte: METCALF & EDDY (2003).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
63<br />
Tabela 5: Características do esgoto sanitário da ETE-Sideral.Tapanã, Belém<br />
OBS: Dados avaliados durante o período de 20/09/2007 a 24/11/2008. * Considerado valor médio<br />
Fonte: Mendonça et al. (2008)<br />
Os resultados da tabela 4 tomados como referência indicam que a composição<br />
do esgoto sanitário da ETE AIB apresenta características de esgoto médio a forte considerando-se<br />
as variáveis de DQO, SST, N-amoniacal, P e E-coli enquadram-se respectivamente<br />
médio, médio, extra-forte, fraco e forte.<br />
Considerando-se os valores médios de DQO: N-amonacal: P (tabela 1 e 2) a<br />
relação para os períodos seco e chuvoso do esgoto sanitário da ETE AIB foram, respectivamente,<br />
100: 17,6:1,2 e 100: 22,9: 1,5. Avaliando-se as relações de DQO:N-amoniacal:P<br />
e considerando-se DQO»DBO e N-amoniacal»NTK , ao se comparar com a relação DBO/<br />
N/P de 100:5:1 para tratamento aeróbio constata-se que a mesma apresenta balanço<br />
nutricional adequado para esse tipo de tratamento.<br />
E no caso de tratamento anaeróbio a relação teórica citada na literatura especializada<br />
(CHERNICHARO, 2007) é de 350:5:1 para DQO:N:P, que quando comparado com<br />
os valores dessas variáveis para o esgoto da ETE AIB obtém-se em média as seguintes<br />
relações 350:61,6:4,2 (período seco) e de 350:80,1:5,2 (período chuvoso), denotando<br />
assim a possibilidade dessa água residuária em ser tratada por processo anaeróbio.<br />
Ainda pode-se verificar com relação a DQO:N-amoniacal:P do esgoto sanitário<br />
da ETE AIB que esses valores quando confrontados com os de esgoto sanitário da ETE<br />
Sideral (Tapanã-Belém) cuja voso de 100:20:1,5 (DQO:N:P), apresentam valores similares<br />
ao de esgoto sanitário gerado no bairro do Tapanã pertencente a Belém (PA).<br />
De acordo com os valores de p observados na tabela 3, cujos valores de p foram<br />
sempre maiores que , verifica-se que não há evidências para rejeição da hipótese nula<br />
(H0) com relação a N-amoniacal, P total, SST, SD, E-coli. Com base nessa avaliação podese<br />
concluir que as características do esgoto bruto que chega a ETE AIB não apresentam<br />
influências de contribuição de águas pluviais que ocorrem entre os períodos seco e<br />
chuvoso. Provavelmente, esse fato deva-se a existência de um sistema de esgotamento<br />
sanitário (rede coletora) com baixa contribuição de águas pluviais que no caso em<br />
questão fora determinado considerando L igual a 515 m, o qual resulta em taxa de<br />
infiltração de 0,0011 L/s.m, a qual é um dos fatores responsáveis pela alteração na<br />
qualidade de esgoto.<br />
Nas tabelas 6 e 7 é apresentado o resumo estatístico descritivo de carga hidráulica<br />
e carga específica de poluentes do esgoto sanitário da ETE AIB nos períodos seco e<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
64<br />
chuvoso. Na tabela 8 é apresentado o resumo estatístico analítico através do teste não<br />
paramétrico de Kruskall-Wallis para cargas hidráulicas e específicas de poluentes para<br />
os períodos seco e chuvoso.<br />
Tabela 6: Resumo Estatístico descritivo de carga hidráulica e específica de poluentes do<br />
Esgoto Sanitário da ETE AIB (Seco).<br />
Tabela 7: Resumo estatístico descritivo de carga hidráulica e específica de poluentes do<br />
esgoto sanitário da ETE AIB (Chuvoso).<br />
Tabela 8: Teste de Kruskall-Wallis para cargas hidráulicas e específicas de poluentes para<br />
o período seco e chuvoso.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
65<br />
Analisando os resultados da tabela 6 e 7 verifica-se com base na média da produção<br />
hidráulica específica que o período chuvoso (23,67 L/hab.dia) apresentou maior<br />
valor que o seco (18,87L/hab.dia). Ainda esses dados de produção hidráulica específica<br />
quando comparados ao da literatura técnica cujo valor é de 15L/hab.dia apresentam em<br />
média valores de 1,6 (chuvoso) e 1,3 (seco) vezes superiores a essa referência. Provavelmente<br />
a diferença com relação a essa variável deve-se a complexidade dos serviços<br />
oferecidos no aeroporto (número de passageiros, número de aeronaves, número de<br />
funcionários, serviços fastfood etc.).<br />
Com relação à carga específica de poluentes, os dados da tabela 6 e 7 indicam<br />
que em média os valores de gDQO/hab.dia, gSST/hab.dia e gP/hab.dia, foram maiores<br />
no período chuvoso que no período seco, ocorrendo situação inversa para o N-amoniacal.<br />
Esse fato está intimamente ligado à ocorrência do período de festas e férias que<br />
promove maior movimentação nas atividades do AIB.<br />
Realizando-se o teste de Kruskall-Wallis para os valores de carga hidráulica e<br />
específica de poluentes os valores de p observados na tabela 8, indicam valores de p<br />
maiores que a, o que resulta em aceitar a hipótese nula (H0) de não haver diferenças<br />
estatísticas entre o período chuvoso e o período seco para as variáveis g.DQO/hab.d,<br />
g.N-amoniacal/hab.d, g.SST/hab.d e g.P/hab.dia. Isso nos permite concluir que para o<br />
esgoto bruto gerado na ETE AIB a carga hidráulica e específica de poluentes independe<br />
do fluxo de passageiros + funcionários para o período estudado.<br />
Avaliação de dois sistemas de tratamento propostos distintos<br />
Na tabela 9 é apresentado o resumo comparativo de dois sistemas propostos de<br />
tratamento simulados para a ETE AIB.<br />
Tabela 9: Resumo comparativo dos sistemas propostos de tratamento para a ETE AIB.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
66<br />
Avaliando-se os dados da tabela 9 verificam-se as seguintes inferências sobre<br />
os sistemas de tratamento:<br />
• Com relação à produção de lodo foi obtido o valor de 1,97 L/hab.d para o sistema<br />
UASB+Lodo Ativado, cujo valor segundo Andreoli et al (2001),varia entre 0,5 a<br />
1,1 L/hab.d. E para o sistema de Lodos Ativados obteve-se para a ETE AIB valor de<br />
5,73 L/hab.d , que segundo a literatura especializada ora mencionada apresenta<br />
produção de lodo específica de 3,1 a 8,2 L/hab.d. Provavelmente o valor de 1,97<br />
L/hab.d. fora da faixa recomendada pela literatura especializada pode estar<br />
relacionado ao fato do dimensionamento de reator UASB ser realizado por meio<br />
do TDH e não do tempo retenção celular, bem como as características do esgoto<br />
bruto assumidas nesse dimensionamento. Ainda é possível verificar-se que a<br />
produção específica de lodo comparando-se aos sistemas UASB+Lodo Ativado e<br />
Lodo ativados apenas têm incremento de cerca de três vezes.<br />
• Com relação a demanda energética devido ao fornecimento de oxigênio apenas<br />
para remoção da matéria carbonácea obteve-se, respectivamente, para o sistema<br />
UASB+LA e LA , 0,744 e 3,145 kw, que representa um aumento de quatro vezes.<br />
Tal incremento na potência devido a aeração deve-se, sobretudo ao fato do<br />
sistema de LA ter que tratar toda a concentração de matéria orgânica (443 mg/L<br />
DQO) presente no esgoto, enquanto que o sistema UASB+LA, responsável apenas<br />
pelo polimento de matéria orgânica proveniente do reator UASB que apresenta<br />
concentração de DQO de 146 mg/L.<br />
• Para o requisito de demanda específica de área a tabela 31 apresenta os valores<br />
de 0,038m 2 /hab. para UASB+LA e 0,044 m 2 /hab. para LA, os quais são<br />
praticamente iguais para os dois sistemas de tratamento. Avaliando-se essa<br />
informação com a literatura especializada (CHERNICHARO et al, 2001) varia de<br />
0,03 a 0,1 m 2 /hab para ETE de Lodo Ativado convencional e ETE UASB + Lodo<br />
Ativado.<br />
• Avaliando-se as questões de produção de lodo gerado, demanda energética e<br />
demanda específica de área, verifica-se claramente que a adoção do sistema<br />
UASB+LA é a que representa a melhor alternativa para o tratamento do esgoto<br />
sanitário da ETE AIB, pois essa trata a mesma quantidade de esgoto e com<br />
eficiência de remoção de DQO equivalente ao do sistema de LA gerando menor<br />
quantidade de lodo e consumo energético.<br />
4 CONCLUSÃO<br />
Com base nos resultados desse trabalho foram obtidas as seguintes conclusões<br />
principais:<br />
• O esgoto sanitário produzido na ETE AIB apresenta características de esgoto médio<br />
a forte considerando-se as variáveis de DQO (443±173 a 367±122mg/L),<br />
SST(155±71 a 151±79mg/L), N-amoniacal(78±42 a 84±31mg/L), P(5,31±2,2 a<br />
5,45±1,5mg/L) e E-coli (2,52E06±4,9E06 a 1,7E07±2,1E06 NMP/100mL).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
67<br />
• Com relação à tratabilidade o esgoto sanitário produzido na ETE AIB apresenta<br />
relação DQO/N-amoniacal/P com potencialidade de ser tratado tanto por<br />
processo anaeróbio (350: 61,6: 4,2 - período seco e de 350:80,1:5,2-período<br />
chuvoso como por processo aeróbio(100: 17,6:1,2-período seco e 100: 22,9: 1,5-<br />
período chuvoso).<br />
• Para a característica físico-química e bacteriológica (N-amoniacal, P total, SST, SD,<br />
E-coli.) ocorrida entre os períodos seco e chuvoso o tratamento dos dados por<br />
estatística analítica indicou não haver diferença na composição do esgoto bruto.<br />
• Para a carga hidráulica específica obteve-se maiores valor para o período chuvoso<br />
(23,67 L/hab.dia) que no período seco (18,87L/hab.dia). E essa quando comparada<br />
ao valor de referência de 15L/hab.dia foram 1,6 (chuvoso) e 1,3 (seco) vezes<br />
superior.<br />
• Em termos de carga específica de poluentes (gDQO/hab.dia, gSST/hab.dia e gP/<br />
hab.dia) o período chuvoso é o que apresenta maior valores quando comparado<br />
ao período seco, ocorrendo situação inversa para o N-amoniacal. Esse fato está<br />
intimamente ligado à ocorrência do período de festas e férias que promove<br />
maior movimentação nas atividades do AIB.<br />
• O tratamento estatístico pelo teste de Kruskall-Wallis indicou para os valores de<br />
carga hidráulica e específica de poluentes que o esgoto bruto gerado na ETE AIB<br />
independe do fluxo de passageiros + funcionários para o período estudado.<br />
• Para a simulação do fluxograma de tratamento por UASB + LA (1,97 L/hab.d)<br />
verificou-se que a produção de lodo seria de cerca de três vezes menor que a de<br />
LA (5,73 L/hab.d).<br />
• Para o sistema UASB+LA e LA a demanda de energia para aeração necessária à<br />
remoção de DQO teria valores de 0,744 e 3,145 kw, respectivamente, o qual<br />
representaria um aumento de quatro vezes quando comparamos os sistemas<br />
UASB+LA e LA.<br />
• Os dados simulados de produção de lodo gerado; demanda energética e demanda<br />
específica de área nos levam a concluir claramente que a adoção do sistema<br />
UASB+LA representaria a melhor alternativa de tratamento do esgoto sanitário<br />
da ETE AIB, pois seria possível tratar a mesma quantidade de esgoto e com<br />
eficiência de remoção de DQO equivalente ao do sistema de LA gerando menor<br />
quantidade de lodo e consumo energético.<br />
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Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 55-69, jun. 2010
71<br />
COMO ORÇAR OBRAS PÚBLICAS:<br />
<strong>DE</strong>SCOBRINDO O MITO DO BDI!<br />
Irandir de Castro Diniz *<br />
Renato Martins das Neves **<br />
Rui Guilherme Cavaleiro de Macedo Alves ****<br />
RESUMO<br />
As construtoras não apropriam seus consumos reais, não definem nem divulgam internamente<br />
seus parâmetros de custos. Cada orçamentista contratado tem seus próprios<br />
números e critérios, que são acumulados e guardados como segredo profissional e<br />
ético, entretanto com a evolução tecnológica e com a necessidade de redução de desperdícios<br />
na construção, os índices de consumo diminuem, implicando na variação de<br />
preço de construtora para construtora. Este artigo tem como objetivo, desenvolver um<br />
manual de como orçar obras públicas, através de levantamentos e análise das despesas<br />
diretas e indiretas, incluindo exemplo de composição de preço unitário, cálculo das leis<br />
sociais e composição da taxa do BDI (Benefícios e Despesas Indiretas).<br />
Palavras-Chave: Custo Direto. Custo Indireto. Benefícios e Despesas Indiretas – BDI. Leis<br />
Sociais e Impostos.<br />
ABSTRACT<br />
HOW TO MEASURE PUBLIC BUILDING:<br />
FINDING OUT THE MYTH OF BIE (BENEFITS AND INDIRECT EXPENSES)!<br />
The builders don’t adapt their real consumptions, they don’t define nor they publish their internally<br />
cost parameters. Each contracted estimator has their own numbers and criteria, that are<br />
accumulated and kept as professional and ethical secret, meantime with the technological<br />
evolution and with the necessity of reduction of wastes in the construction, the consumption<br />
indexes decrease, implicating in the variation of builder’s price for builder. This article as objective,<br />
develop a manual of how estimate public works, through risings and analysis of the direct<br />
and indirect expenses, including example of composition of unitary price, calculation of the<br />
social laws and composition of the tax of BIE (Benefits and Indirect Expenses).<br />
Keywords: Direct Cost. Indirect Cost. Benefits and Indirect Expenses - BIE. Social Laws and<br />
Imposed.<br />
*<br />
Engenheiro civil pela Universidade da Amazônia. Especialista em Gerenciamento e Gestão da Qualidade na<br />
Indústria da Construção Civil pela Universidade Federal do Pará; mestrando em Engenharia Civil (UFPA).<br />
**<br />
Professor doutor da Universidade Federal do Pará - UFPA<br />
***<br />
Professor doutor da Universidade Federal do Pará - UFPA<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
72<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Em um orçamento, para se chegar ao custo de execução de uma obra, devem-se<br />
prever todos os custos diretos e indiretos envolvidos, os quais englobam: materiais,<br />
equipamentos, mão de obra, encargos sociais, impostos e outras despesas necessárias<br />
à sua execução.<br />
Quando se tem os projetos bem definidos, e os materiais e equipamentos especificados<br />
de forma clara, através do planejamento da obra podem-se prever o tipo, a<br />
quantidade de operários e o tempo que se levará para executar os serviços. Baseado<br />
nessas informações pode-se levantar os custos diretos, através da elaboração das composições<br />
unitárias de preços, que incluem: material, equipamentos e mão de obra (inclusive,<br />
encargos sociais).<br />
Porém a realização de um empreendimento envolve outras despesas (custos indiretos),<br />
tais como: (a) as relacionadas à administração central – escritório da empresa e as<br />
da obra em questão – administração local da obra; (b) os impostos – federal, estadual e<br />
municipal; (c) a legalização da obra – licenças e taxas; e (d) o lucro sobre a empreitada.<br />
A cada um desses itens de despesas indiretas atribui-se um valor percentual,<br />
que, somados, passam a ser chamados de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI).<br />
É costume ter-se a falsa impressão de que o BDI representa o lucro real da<br />
empresa. Dessa forma, quando numa proposta comercial é informado o seu valor percentual<br />
(na faixa de 25 a 40%), é comum discordar-se do valor e crer que a proposta está<br />
superfaturada. Há, portanto, a necessidade de que profissionais do ramo tenham conhecimento<br />
aprofundado do assunto para não cometer falhas na hora de elaborar e/ou<br />
analisar uma proposta.<br />
Levantar despesas indiretas varia de obra para obra, de empresa para empresa,<br />
de um local para outro, visto que as despesas dependem do porte da obra e da empresa,<br />
da distância da obra em relação ao seu escritório central, de prazos e condições contratuais<br />
e de outras peculiaridades e dificuldades que cada empreendimento oferece.<br />
Desta forma não se deve praticar o BDI de uma empresa como padrão, para todo tipo de<br />
obra que se queira executar, pois uma, de duas situações pode ocorrer: (a) o preço da<br />
proposta pode ser inexequível, e (b) o preço pode estar acima da realidade.<br />
2 OBJETIVOS<br />
Apresentar, de forma detalhada, todas as despesas diretas e indiretas, tais como:<br />
materiais, mão de obra, equipamentos, encargos sociais, taxas, impostos, seguros etc.,<br />
que compõem os custos das obras de engenharia e auxiliar na definição da taxa do BDI.<br />
Auxiliar de maneira clara, estudantes, técnicos e/ou profissionais liberais que<br />
trabalham em setor de orçamento, como melhor analisar e elaborar as composições<br />
unitárias de preços na construção civil e pesada, facilitando a elaboração de uma proposta<br />
comercial, quanto à definição da taxa do BDI que deve ser adotada para uma<br />
determinada obra.<br />
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73<br />
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />
Cabem, inicialmente, algumas definições:<br />
– Orçamento: ato ou efeito de orçar; cálculo das receitas e despesas; cálculo dos gastos<br />
a fazer com uma obra projetada.<br />
– Tipos de orçamento: por preço unitário de serviço, por preço global da empreitada e<br />
por metro quadrado de construção.<br />
– Benefícios e Despesas Indiretas (BDI): taxa percentual aplicada sobre o custo direto,<br />
para cobrir todas as despesas indiretas, inclusive lucratividade da empresa.<br />
– Custos diretos: são todas as despesas vinculadas a determinados serviços que podem<br />
ser medidas por unidades determinadas e fixas sem variar com o tempo da obra.<br />
– Custos indiretos: são todas as despesas não vinculadas a uma unidade fixa. Variam de acordo<br />
com o porte da obra, o tempo de duração (atrasos, aditivos) e a metodologia de execução.<br />
– Custo Unitário Básico (CUB): o custo unitário básico de construção por m², é calculado<br />
conforme a Lei 4.591 de 16/12/1964 e o disposto na NBR 12721/1992 da ABNT, com os<br />
insumos ajustados nas condições locais para os projetos H16, H20 (quando for o caso).<br />
– Empregador: segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a pessoa física ou jurídica<br />
que emprega pessoas, assume as obrigações legais e os riscos do empreendimento.<br />
– Componentes do preço: segundo Mozart Bezerra da Silva, uma empresa construtora<br />
tem oito categorias de custos para executar uma empreitada: (1) o custo diretamente<br />
vinculado às unidades dos serviços produzidos no canteiro de obras e vendidos na<br />
planilha orçamentária do contrato; (2) o custo da estrutura técnico-administrativa<br />
montada no canteiro de obras para dar suporte aos operários; (3) o custo rateado da<br />
estrutura técnica e administrativa que dá apoio a todas as obras em andamento na<br />
sede da empresa; (4) o custo financeiro; (5) o custo decorrente dos fatores de risco e<br />
imprevistos; (6) o custo para o contratante referente ao lucro proposto pelo construtor;<br />
(7) o custo oriundo da carga tributária; e (8) o custo da representação comercial.<br />
A primeira categoria se destaca entre as demais. Denominada resumidamente<br />
de custo direto, tem a maior participação financeira no orçamento e exige uma metodologia<br />
rígida para sua definição. Engloba o cálculo do consumo de materiais e seus desperdícios,<br />
do consumo horário de equipamentos e do consumo de mão de obra com<br />
suas diversas produtividades. Todas as demais categorias de custos são orçadas separadamente.<br />
O somatório delas representa o preço do contrato. O orçamento de cada<br />
grupo é efetuado através de vinculação a grandezas apropriadas: o custo direto está<br />
vinculado à unidade e à quantidade dos serviços da obra; o custo administrativo está<br />
vinculado ao porte, complexidade e prazo de execução da obra, à distância entre o<br />
canteiro e a sede, e aos custos periódicos de salário, encargos sociais, comunicação,<br />
transporte e consumos diversos; o custo financeiro está amarrado ao fluxo de caixa do<br />
contrato; os impostos e a representação comercial são proporcionais ao preço final.<br />
A taxa do BDI, juntamente com outros coeficientes e proporções, constituem<br />
ferramentas de análise gerencial, e tomam como base de referência o montante do custo<br />
direto. São úteis para o dimensionamento empresarial do construtor e para a avaliação<br />
geral do contrato. A taxa do BDI ficou definida como o resultado do quociente do montan-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
74<br />
te do custo indireto pelo total do custo direto. O coeficiente do BDI ficou definido como o<br />
fator multiplicador que aplicado ao total do custo direto resulta no valor do contrato.<br />
Elaboração do orçamento<br />
A taxa de lucro, aplicada sobre o custo direto ou sobre os custos<br />
totais, compara o percentual de lucro almejado com níveis de produtividade<br />
ou desperdícios, reforçando a avaliação dos reflexos que o<br />
valor absoluto do lucro proposto provoca na taxa de retorno do contrato.<br />
(SILVA, 1994).<br />
As taxas indiretas da obra e da sede sinalizam equilíbrio técnico e<br />
financeiro das estruturas administrativas. As taxas indiretas de custo<br />
financeiro e risco indicam o grau de influência desses fatores no<br />
contrato.<br />
Deve-se em primeiro lugar analisar os projetos e especificações da obra e checar<br />
os quantitativos da planilha orçamentária fornecida, para que não haja nenhuma<br />
dúvida com relação aos serviços que serão realizados. Em segundo lugar é importante<br />
que as composições de preços de custos unitários estejam atualizadas, tanto os preços<br />
quanto os índices de consumo de todos os insumos, ou seja, devem ser cotados os<br />
preços de matérias, mão de obra, equipamentos e ferramentas que serão utilizados na<br />
obra; recomenda-se calcular a taxa das leis sociais; os índices de consumo de material<br />
também devem ser calculados, levando-se em consideração possíveis desperdícios. Em<br />
terceiro lugar, de posse da planilha orçamentária conferida e com os preços de custo<br />
unitário atualizado realiza-se o cálculo do custo direto da obra. Por fim, levantar e prever<br />
todas as despesas indiretas da empreitada, para através da fórmula BDI = 100 x {[(100<br />
+ A) / (100 – B)] -1} (1), calcular a taxa do BDI, e o fator multiplicador do custo direto,<br />
chegando-se ao custo final da obra.<br />
Onde: A = Todas as despesas administrativas, inclusive legalização da obra.<br />
B = Todas as despesas fiscais mais a lucratividade.<br />
De outra maneira, de posse do valor das despesas diretas e indiretas, aplicar a<br />
seguinte fórmula:<br />
BDI% = Custo Indireto X 100 (2)<br />
Custo direto<br />
Orçamento passo a passo<br />
1 De posse dos projetos, especificações e planilha orçamentária fornecida, checar os<br />
serviços descritos, para que não haja dúvida sobre o que está sendo orçado.<br />
2 As composições de preços unitários devem estar atualizadas. Os índices de consumo<br />
dos insumos, adotados pela empresa devem ser exatos e apresentar margem de<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
75<br />
segurança equivalente a 3% (desperdício); os preços de material devem ser cotados<br />
em pelo menos três fornecedores, para que se possa ter certeza do menor preço de<br />
mercado; o preço de mão de obra de acordo com tabela do sindicato da categoria<br />
deve ser acrescido dos encargos sociais, que para a construção civil varia de 120 a<br />
130%. Recomendam-se calcular, para cada obra, os encargos sociais. (Atualmente as<br />
empresas utilizam programas de orçamento para manter as composições de preços<br />
unitários atualizadas, tornando mais prático e rápido atualizarem dados).<br />
Itens que compõem o cálculo das leis sociais: Os valores percentuais do grupo A,<br />
são índices estabelecidos pelos governos, enquanto que B, C e D são calculados.<br />
CÁLCULO DA TAXA <strong>DE</strong> ENCARGOS SOCIAIS E TRABALHISTAS<br />
Quadro I: GRUPO A<br />
A1- INSS 20,00%<br />
A2- FGTS 8,50%<br />
A3- SESI 1,50%<br />
A4- SENAI 1,00%<br />
A5- INCRA 0,20%<br />
A6- SALÁRIO EDUCAÇÃO 2,50%<br />
A7- SEGURO <strong>DE</strong> ACI<strong>DE</strong>NTE DO <strong>TRABALHO</strong> 3,00%<br />
A8- SEBRAE 0,60%<br />
SUBTOTAL A 37,30%<br />
Considerações:<br />
• ANO BASE: 2005<br />
• TOTAL <strong>DE</strong> FERIADOS: 12<br />
• DOMINGOS: 52<br />
• JORNADA <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong>: 7,333h / dia<br />
• ANO PRODUTIVO: 2.088,67 h / ano<br />
Quadro II: GRUPO B<br />
B1- REPOUSOS SEMANAIS REMUNERADOS E FERIADOS 22,47%<br />
B2- FÉRIAS 14,00%<br />
B3- 13º SALÁRIO 10,53%<br />
B4- AUXÍLIO ENFERMIDA<strong>DE</strong> 0,79%<br />
SUBTOTAL B 47,79%<br />
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76<br />
• Cálculo de B1:<br />
- 64 dias x 7,333h = 4,6933 x 100 : 2.088,67 = 22,47%<br />
• Cálculo de B2:<br />
- (30 dias x 7,333h x 100 : 2.088,67) x 1,33 = 14,00%<br />
• Cálculo de B3:<br />
- (30 dias x 7,333h x 100 : 2.088,67) = 10,53%<br />
• Cálculo de B4:<br />
- (15 dias x 7,333h x 100 x 0,15 : 2.088,67) = 0,79%<br />
Quadro III: GRUPO C<br />
C1- AVISO PRÉVIO 13,07%<br />
C2- RESCISÃO SEM JUSTA CAUSA (40%) (A2 + (B)) 8,31%<br />
SUBTOTAL C 21,38%<br />
• Cálculo de C1:<br />
- 30 dias x 7,333h x 100 : (2.088,67 x 9,67) : 12 = 13,07%<br />
• Cálculo de C2:<br />
- 50% x (A2) + (A2 x B)<br />
- 50% x (8,50) + (8,50 x 47,79%) = 8,31%<br />
Quadro IV: GRUPO D<br />
D1- REINCIDÊNCIA <strong>DE</strong> A SOBRE B 17,82%<br />
D2- REINCIDÊNCIA <strong>DE</strong> A . 2 SOBRE C . 1 1,11%<br />
SUBTOTAL D 18,93%<br />
• Cálculo de D1:<br />
- 37,30 x 47,79% = 17,82%<br />
• Cálculo de D2:<br />
- 8,50 x 13,07 % = 1,11%<br />
TOTAL FINAL (A+B+C+D) 125,40%<br />
3 De posse dos preços unitários atualizados dos serviços, realizar o cálculo da planilha<br />
para se chegar ao custo direto, ou seja, sem o BDI.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
77<br />
Quadro V: Exemplo de composição de preço de custo unitário do aço.<br />
Unidade Índices/Quant Preço unitário Subtotal<br />
• Arame recozido kg 0,02 R$ 6,50 0,13<br />
• Aço CA 50 kg 1,03 R$ 3,50 3,71<br />
• Ferreiro h 0,08 R$ 2,39 0,20<br />
• Servente h 0,08 R$ 1,45 0,12<br />
• Leis Sociais % 125,40 R$ 0,32 0,40<br />
TOTAL<br />
R$ 4,56 / kg<br />
Observação: O preço de custo multiplicado pela Taxa do BDI% + 1 = Preço de Venda e 0,03<br />
kg no índice por quilo de aço, representa 3% de perda que são os desperdícios na hora<br />
do corte e dobra.<br />
4 Relacionar todas as despesas indiretas (do escritório central, com a administração local<br />
da obra, medicina e segurança do trabalho, seguros, despesas fiscais, lucratividades)<br />
para se chegar à taxa percentual do BDI, que é o fator multiplicador das despesas<br />
diretas, chegando-se ao custo final da obra. Assim, chega-se ao seguinte cálculo:<br />
Equação (2) da página 74, BDI (%) = Custo Indireto X 100<br />
Custo direto<br />
Observação: Os itens do grupo A são calculados, a lucratividade é adotada e as despesas<br />
fiscais são definidas pelos governos.<br />
4.1 Cálculo de A – As despesas administrativas, inclusive legalização da obra, estão<br />
descritas no quadro VI.<br />
Quadro VI: CÁLCULO <strong>DE</strong> A<br />
a) <strong>DE</strong>SPESAS ADMINISTRATIVAS E ADMINISTRAÇÃO LOCAL 62,84%<br />
b) ALOJAMENTO 2,00%<br />
c) REFEIÇÃO 5,62%<br />
d) TRANSPORTE 6,24%<br />
e) UNIFORME 1,30%<br />
f) MEDICINA E SEGURANÇA DO <strong>TRABALHO</strong> 3,47%<br />
g) LEGALIZAÇÃO DA OBRA 2,08%<br />
TOTAL <strong>DE</strong> A 83,55%<br />
4.2 Cálculo de B – Representa todas as despesas fiscais do quadro VII (11,31%) mais a<br />
lucratividade adotada (igual a 8%). Assim: B=11,31% + 8% = 19,31%.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
78<br />
Quadro VII: Despesas fiscais<br />
ISS 5,00%<br />
IRPJ 1,20%<br />
CSLL 1,08%<br />
COFINS 3,00%<br />
PIS 0,65%<br />
TARIFAS BANCÁRIAS 0,38%<br />
TOTAL <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SPESAS FISCAIS 11,31%<br />
Lucratividade: 8%<br />
5 Calcular BDI – Usando-se a EQ. (1) da página 74, tem-se:<br />
BDI = 100 x {[(100 + A) : (100 – B)] -1}<br />
Onde: A = Todas as despesas administrativas, inclusive legalização da obra.<br />
B = Todas as despesas fiscais mais a lucratividade, conforme quadro.<br />
BDI = 100 x {[(100 + 83,55) : (100 – 19,31)] -1}<br />
BDI = 127,47 %<br />
Neste caso é notório que as despesas indiretas chegaram a ser superior às despesas<br />
diretas, por se tratar obviamente de única e pequena obra de uma empresa, resultando<br />
em BDI altíssimo. Matematicamente para um BDI = 127,47%, calcula-se o custo direto<br />
igual a R$ 7.208,83 e para custo indireto igual a R$ 9.189,10, que pode ser comprovado<br />
através da EQ. (2) da página 74.<br />
BDI% = Custo Indireto X 100 ,<br />
Custo direto<br />
BDI = R$ 9.189,10 X 100 = 127,47 %<br />
R$ 7.208,83<br />
6 CÁLCULO DO CUSTO TOTAL DA OBRA COM BDI<br />
Despesas indiretas = Custo direto X Taxa do BDI%, então:<br />
Despesas indiretas = R$ 7.208,83 X 127,47 % = R$ 9.189,10, logo:<br />
Custo total da obra = Despesa direta + despesas indiretas, então:<br />
Custo total da obra = R$ 7.208,83 + 9.189,10 = R$ 16.397,93 ou<br />
Custo total da obra = Custo direto X (1 + BDI %)<br />
100<br />
Custo total da obra = R$ 7.208,83 X (1 + 127,47%) = R$ 16.397,93<br />
100<br />
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79<br />
7 CÁLCULO DO FATOR MULTIPLICADOR DOS PREÇOS UNITÁROS <strong>DE</strong> CUSTO<br />
Fator multiplicador = (1 + 127,47%) = 2,2747<br />
100<br />
Fator multiplicador = Custo total<br />
Custo Direto<br />
ou<br />
Então, Fator multiplicador = R$ 16.397,93 / 7.208,83 = 2,2747<br />
8 CÁLCULO DOS PREÇOS UNITÁRIOS <strong>DE</strong> VENDA<br />
Para calcular os preços unitários de venda, basta multiplicar os preços unitários de custo<br />
pelo fator multiplicador encontrado. Pegando-se o exemplo da composição de preço<br />
unitário do aço.<br />
Então, preço de venda = preço de custo X fator multiplicador, logo:<br />
Preço de Venda = R$ 4,56 X 2,2747 = R$ 10,37.<br />
Verifica-se que nesse caso hipotético a taxa do BDI, chegou a um valor superior a 100%, o que<br />
representa mais da metade do valor da obra. Isso mostra claramente a variação que ocorre<br />
com a taxa do BDI, de obra para obra e que depende da estrutura da empresa, das condições<br />
de execução, do local da obra, do risco, enfim, das peculiaridades de cada contrato.<br />
Observa-se também que em uma obra pequena a taxa do BDI tende a ser alta, ao contrário<br />
de uma grande obra, que tende a ser mais baixa.<br />
FLOXOGRAMA DO ORÇAMENTO<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
80<br />
9 ANÁLISE E DISCUSSÃO<br />
Aspectos que devem ser monitorados visando o estabelecimento da garantia de uma<br />
obra.<br />
A garantia da qualidade de uma obra se faz através do controle e planejamento em cada<br />
etapa:<br />
• Metodologia de execução: uso de equipamentos e tecnologia adequados.<br />
• Execução da obra: se as medições estão de acordo com o cronograma físicofinanceiro.<br />
• Materiais e fornecedores: quais os materiais a serem utilizados e se estão<br />
chegando a tempo, se atendem à qualidade e quantidade especificadas na obra.<br />
• Equipe de mão de obra: conferir em cada etapa realizada se foi executado de acordo<br />
com os projetos e antes de cada etapa avaliar sua capacidade de executá-la.<br />
• Financeiro: acompanhamento da relação receitas x despesas realizadas e avaliação<br />
das futuras receitas x despesas se atenderão às demandas da obra.<br />
Importância do estabelecimento de sistemas de acompanhamento e controle para as<br />
atividades de planejamento e orçamento na construção civil.<br />
Fornecer subsídios para obtenção de índices técnicos, através do monitoramento<br />
das atividades que estão sendo realizadas, permitindo com isso os ajustes necessários<br />
do que foi previsto com o executado e fornecer ao mesmo tempo um banco de dados<br />
muito importante para realização das futuras obras.<br />
Despesas consideradas indevidamente como Indiretas. Entretanto, são despesas<br />
decorrentes do desempenho financeiro no exercício do ano anterior, que na prática são<br />
pagas para garantir o equilíbrio fiscal da empresa.<br />
Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e Contribuição Social Sobre Lucro –<br />
CSSL.<br />
“O imposto se torna devido em um dado exercício financeiro sobre a renda líquida<br />
percebida no ano civil imediatamente anterior. Por conseguinte, o fato gerador do imposto<br />
ocorre a 1º de cada ano (data inaugural do exercício financeiro) e sua base de cálculo é<br />
dada pela renda líquida auferida no período de 01/01 a 31/12 imediatamente anterior<br />
(rendimentos menos deduções e abatimentos verificados no ano civil precedente)”.<br />
O art. 44 do Código Tributário Nacional institui o imposto de renda das pessoas<br />
jurídicas e estabelece que a base de cálculo do imposto de renda é o lucro real, exceto<br />
nas hipóteses excepcionais de lucro arbitrado e presumido.<br />
Na legislação vigente, o lucro real é o lucro líquido ajustado pelas adições,<br />
exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação. Lucro presumido<br />
é uma forma simplificada para determinação da base de cálculo; é obtido mediante<br />
aplicação do percentual de 8% sobre o valor da receita bruta mensal. Lucro arbitrado é<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
81<br />
determinado mediante aplicação, sobre o valor da receita bruta, do percentual do lucro<br />
presumido, acrescido de 20%.<br />
Com base no fato do imposto de renda incidir sobre o lucro líquido, ou seja, após<br />
todos os ajustes contábeis, estudo sobre BDI publicado pela Associação Brasiliense de<br />
Construtores (ASBRACO) conclui que o imposto de renda não integra o BDI.<br />
Da mesma forma, a Secretaria de Governo e Gestão Estratégica do Estado de São<br />
Paulo, ao definir a composição do BDI na contratação com órgãos da administração<br />
pública estadual, desconsiderou a taxa referente ao imposto de renda.<br />
Mostra-se bastante esta não inclusão do imposto de renda no BDI, já que por<br />
não ser um imposto que incide especificamente sobre o faturamento, não pode ser<br />
classificada como despesa indireta decorrente de execução de determinado serviço.<br />
Se a contratante concordar em pagar determinada taxa percentual do imposto<br />
de renda embutida no BDI, estará pagando um gasto que na verdade é imprevisível,<br />
podendo coincidir ou não com o valor pactuado como despesa indireta.<br />
Pode até ser que ao final do exercício o desempenho financeiro negativo de<br />
outras obras da contratada suplante o lucro obtido com a obra da contratante, e aquela,<br />
de acordo com atual legislação fiscal, não recolha imposto de renda. Assim teria sido<br />
ressarcido à contratada o valor de uma despesa que, na verdade, não se efetivara.<br />
No tocante à Contribuição Social Sobre Lucro – CSSL, esta foi instituída pela Lei<br />
nº 7.689, de 15/12/1988 e se destina ao financiamento da seguridade social. A base de<br />
cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício antes da provisão para o<br />
imposto de renda e a alíquota da contribuição é de 8%.<br />
Recentemente, a alíquota vem sendo majorada por Medida Provisória e, de<br />
acordo com a MP nº 1991 de 14/12/99, a alíquota, de 1º/5/99 a 31/1/00, deve ser acrescida<br />
de 4% e, de 1º/1/00 a 31/12/02, deve ser acrescida de 1%.<br />
Como a legislação que institui a CSSL determina que a incidência é sobre o lucro<br />
líquido do exercício, excluída a provisão para o imposto de renda, não se pode,<br />
contabilmente, definir este gasto como despesa indireta resultante da execução de<br />
alguma obra.<br />
Desta forma, assim como o IRPJ, não é adequado incluir a CSSL no BDI dos<br />
orçamentos da construção civil, já que ele não está atrelado ao faturamento decorrente<br />
da execução de determinado serviço, mas ao desempenho financeiro da empresa como<br />
um todo.<br />
Despesas indiretas que eventualmente ocorrem em determinadas obras e no escritório<br />
central.<br />
– Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de<br />
Mercadorias e Serviços (ICMS) e fretes.<br />
Quando se compra materiais e/ou equipamentos de outro estado, a empresa é<br />
obrigada a pagar o IPI sobre o produto e ainda a diferença do ICMS de um estado com<br />
relação ao outro, visto que o valor cobrado do ICMS em um é diferente do outro, assim<br />
como transportar a mercadoria até seu local de utilização, aí é necessário contratar uma<br />
transportadora que lhe cobrará pelos serviços de frete.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
82<br />
– Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Taxa de Localização de Prédios em<br />
Logradouros (TLPL).<br />
Para o escritório de uma empresa funcionar em uma cidade é necessário que<br />
seja paga à prefeitura local a taxa de licença de funcionamento e o IPTU, todos os anos.<br />
Quando uma empresa vai participar de um processo licitatório, são solicitadas as certidões<br />
negativas de débitos, caso a empresa esteja em atraso em qualquer tributo, não poderá<br />
apresentar essa certidão sem antes recolher a taxa anual e desta forma estará<br />
impossibilitada de participar da licitação.<br />
– Anuidade da empresa e dos técnicos, junto ao Conselho Regional de Engenharia,<br />
Arquitetura e Agronomia (CREA).<br />
Para uma empresa de engenharia estar habilitada tecnicamente em licitações, é<br />
necessário que também apresente certidão do CREA, para isso é necessário pagamento<br />
da licença para exercício da profissão tanto da empresa como do quadro de técnicos da<br />
mesma; essa licença vale para o ano todo, por isso é chamada de anuidade.<br />
Os órgãos contratantes, em função do porte da obra, exigem acervo técnico da<br />
empresa e/ou profissionais do seu quadro. Esses acervos são certidões que o CREA<br />
expede em nome da empresa e dos profissionais, referente às obras já realizadas,<br />
como se fosse um currículo elaborado pelo órgão fiscalizador da profissão, o CREA cobra<br />
pelo serviço.<br />
– Outras certidões: Falência e Concordata (Tribunal de Justiça do Estado), comprovação<br />
do capital social da empresa (Junta Comercial do Estado), dívida ativa da União e<br />
tributos federais (Receita Federal).<br />
Diante do que foi apresentado, exemplificado e analisado é importante ressaltar<br />
a atenção para dois assuntos:<br />
1) A carga de responsabilidade fiscal e trabalhista do construtor ao assumir os riscos do<br />
empreendimento.<br />
2) O desafio de executar obras com qualidade conforme a ISO 9000. Construir com<br />
qualidade é dever de todo prestador de serviço, desta forma uma empresa de<br />
construção civil que presta serviço com qualidade, necessita de uma equipe técnica<br />
bem treinada e competente e isso gera também despesa indireta, refletindo<br />
diretamente na taxa do BDI, por isso que a questão preço é muito discutida, porém<br />
deve-se levar em consideração os benefícios de se construir com boa qualidade o<br />
que com certeza terá maior durabilidade, evitando-se com isso manutenções e<br />
reformas precoces.<br />
Observação: Quando uma empresa tem várias obras ao mesmo tempo a tendência é<br />
que as despesas com o escritório central sejam divididas proporcionalmente entre elas,<br />
como consequência, terá a redução da taxa do BDI.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
83<br />
10 CONCLUSÃO<br />
Abrindo a caixa preta do BDI<br />
Considerando em uma análise minuciosa, de todas as despesas diretas e indiretas,<br />
dando ênfase principalmente às despesas indiretas tais como: impostos, lucratividade,<br />
suporte técnico e administrativo da empresa, da qualidade dos serviços prestados, do<br />
porte da obra, da disponibilidade de tecnologias, equipamentos e materiais mais<br />
avançados e da duração da obra, tudo isso torna o valor do BDI muito variável. O que nos<br />
permite afirmar que para cada obra devemos calcular o seu BDI e não simplesmente<br />
adotar o mesmo para todas.<br />
Conclui-se que para se obter uma objetiva e justa avaliação do BDI, devemos considerar,<br />
além de impostos e lucro da empresa, as despesas com administração central (escritório)<br />
e administração local (canteiro da obra), que apresentará grandes variações de obra<br />
para obra, pois, o BDI real só será conhecido após a conclusão da obra, visto que se trata<br />
de previsões de despesas que dependem de determinadas variáveis. Cabe então<br />
ressaltar ainda a grande importância do controle da obra, para que se possa comparar<br />
durante e no final da empreitada, tudo que se gastou com o que foi previsto gastar.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010
85<br />
PÓ REATIVO NAS OBRAS <strong>DE</strong> BELÉM:<br />
UMA NOVA TENDÊNCIA<br />
José Zacarias Rodrigues da Silva Junior *<br />
Mariana Domingues von Paumgartten **<br />
RESUMO<br />
Com o advento das novas tecnologias para o concreto, cresceu o número de processos<br />
construtivos utilizando o concreto de alta resistência para execução de elementos estruturais.<br />
O segredo dos concretos de alto desempenho está na redução da porosidade<br />
e na melhoria da zona de transição, que por conseqüência, conduz à produção de elementos<br />
que possuem o imprescindível trinômio resistência x durabilidade x economia.<br />
A redução da capacidade de lixiviação, redução da porosidade e densificação da matriz<br />
são propriedades dos concretos de pós reativos e estão diretamente ligadas às adições<br />
minerais na mistura. Neste trabalho, serão abordados o conceito do concreto de pós<br />
reativos e a necessidade da região de Belém utilizar essa nova tecnologia.<br />
Palavras-Chave: Pós reativos. Alta Resistência. Durabilidade.<br />
REACTIVE POW<strong>DE</strong>R IN CONSTRUCTIONS OF BELÉM: A NEW TREND<br />
ABSTRACT<br />
With the advent of new technologies for concrete, increased the number of construction<br />
processes using high-strength concrete for the implementation of structural elements.<br />
The secret of high performance concrete is the reduction of porosity and the<br />
improving of the transition zone, which consequently leads to the production of elements<br />
that have the essential triad resistance x durability x economy. The reduction of<br />
ability to leaching, reduction of porosity and densification of the matrix are the property<br />
of reactive powder concrete and are directly linked to mineral additions in the mix. In<br />
this study, will be discussed the concept of reactive powder concrete and the need of<br />
Belém use this new technology.<br />
Keywords: Reactive powder. Durability. Durability.<br />
* Professor M.Sc. da Universidade da Amazônia e Diretor Concreteste. Diretor Regional do IBRACON –<br />
zacajunior@unama.br<br />
** Aluna de Graduação do Curso de Engenharia Civil e Monitora da Universidade da Amazônia –<br />
mari.paumgartten@gmail.com<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
86<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Segundo Juran apud Helene & Terzian (2004) o conceito de qualidade é a adequação<br />
a determinado uso. Este conceito mudou ao longo do tempo: entre as décadas<br />
de 50 e 60, qualidade era considerada um luxo e, a partir da década de 90, uma questão<br />
de competitividade e sobrevivência, que no âmbito da engenharia civil é entendida<br />
como ser uma estrutura resistente, funcional, durável, habitável e econômica.<br />
Dentre os vários meios de atingir este objetivo as construtoras investem na<br />
tecnologia. O controle rígido do processo construtivo e a qualidade dos materiais empregados<br />
é, sem dúvida, o melhor caminho para a qualidade.<br />
Para melhorar a resistência, qualidade e durabilidade de estruturas de concreto<br />
é comum o uso de aditivos e adições. Estes podem ser para conferir maior fluidez e<br />
trabalhabilidade, ou melhorar as características no estado endurecido, como diminuir a<br />
porosidade do concreto, tornando-o menos poroso e permeável a líquidos e gases que<br />
penetram (lei de Darcy) e causam corrosão das armaduras, ou ainda permitindo substituir<br />
percentagens de cimento por adições, diminuindo assim não só a utilização de<br />
recursos não renováveis como a poluição atmosférica durante a fabricação do cimento<br />
(MIRA e FONSECA, 2008).<br />
Apesar de ser o insumo de maior consumo na engenharia, os concretos sempre<br />
apresentaram como característica negativa baixa resistência. No decorrer dos anos pesquisas<br />
foram realizadas para chegar-se ao elevado desempenho com pastas cimentícias,<br />
principalmente após a 2º Guerra Mundial. Na década 60 resistências da ordem de 650<br />
MPa foram conseguidas acelerando-se a cura (VAN<strong>DE</strong>RLEI, 2004).<br />
A obtenção de resistências cada vez mais elevadas do concreto traz benefícios<br />
em diversas áreas da sociedade, como econômicos, ecológicos e até mesmo com melhor<br />
aproveitamento e utilização de espaço, uma vez que elementos estruturais com<br />
características mecânicas mais elevadas requerem menores dimensões para determinadas<br />
cargas.<br />
Para atingir elevada resistência mecânica, dentre outras características, uma<br />
das possibilidades é o elevado consumo de cimento. Contudo tal alternativa, além de<br />
consumir matérias-primas não renováveis (calcário e argila), e melhorar as propriedades<br />
no estado fresco, acaba se tornando uma desvantagem. A temperatura ambiente é<br />
um fator incontrolável e devido a reação exotérmica de hidratação do cimento ocorrem<br />
problemas como a retração plástica. Durante o processo de cura surgem fissuras patológicas,<br />
diminuindo assim, a vida útil da estrutura.<br />
Logo, o antigo concreto de baixo desempenho abriu espaço para o concreto de<br />
alta resistência, e posteriormente, para o concreto de alto desempenho, que atualmente<br />
desperta para uma tecnologia avançada que é o concreto de pós reativos – CPR,<br />
que tem como conceito básico os concretos em cuja formulação são usados partículas<br />
que possuam um diâmetro máximo menor que 2mm, e que estão sendo pesquisados<br />
para utilização em concretos estruturais (VAN<strong>DE</strong>RLEI, 2004). A mistura endurecida com<br />
esta formulação é caracterizada por apresentar elevadas resistências à compressão axial,<br />
tração, flexão e tenacidade quando forem adicionados materiais fibrosos.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
87<br />
As propriedades mecânicas do CPR inserem-no como material cuja resistência<br />
está compreendida entre o aço e o concreto tendo em vista que estes concretos são<br />
produzidos com relações a/c da ordem de 0,15, fazendo com que os projetistas estruturais<br />
modifiquem seus critérios de dimensionamento, bem como permitem que os engenheiros<br />
e arquitetos usem a criatividade para executar peças estruturais com geometrias<br />
mais arrojadas (VAN<strong>DE</strong>RLEI, 2004). Um exemplo da aplicação do CPR em obras de<br />
arte foi a construção da Ponte de Sherbrooke, no Canadá, onde as armaduras passivas<br />
características do concreto armado, foram simplesmente substituídas pelas fibras de<br />
aço (AITCIN, 1998 ).<br />
Enquanto na região metropolitana de Belém a principal dificuldade para o desenvolvimento<br />
de concretos de alto desempenho são os agregados típicos: seixos de<br />
características friáveis e as areias muito finas, que demandam elevada relação água/<br />
cimento para obtenção da mistura, tornando-o assim permeável, mais suscetível a manifestações<br />
patológicas como corrosão da armadura, e por consequência pouco durável,<br />
a grande quantidade de indústrias de mineração e metalurgia, aliada à disponibilidade<br />
de materiais pozolânicos como sílica ativa e metacaulim propiciam o uso de concretos<br />
de alto desempenho (BARATA, 1998).<br />
2 FUNDAMENTOS DO CONCRETO <strong>DE</strong> PÓS REATIVOS<br />
2.1 CONCRETO <strong>DE</strong> ALTO <strong>DE</strong>SEMPENHO<br />
O termo concreto de alto desempenho surgiu na década de 90, como uma evolução<br />
natural do termo “concreto de alta resistência” que só enfocava as propriedades<br />
mecânicas do concreto. Hoje, as demais propriedades do concreto, destacando-se a<br />
durabilidade, são colocadas em pé de igualdade com as propriedades mecânicas.<br />
Este tipo de concreto é muito utilizado nas cidades litorâneas, onde a agressividade<br />
do meio faz com que seja necessário o uso de um concreto menos poroso, e por<br />
tanto, mais durável.<br />
Segundo Andrade (2005) qualquer concreto que permita que a estrutura resista<br />
à ação do meio, satisfatoriamente, ao longo de 50 anos, pode ser considerado de alto<br />
desempenho. Partindo deste princípio, qualquer concreto de apenas 20 MPa de fck<br />
pode ser considerado de alto desempenho, desde que atenda ao requisito de vida útil<br />
exigido para a estrutura, sendo ele empregado em regiões não litorâneas, de clima seco<br />
e sem poluição, o que nos dias de hoje, é quase impossível.<br />
Andrade (2005) afirma que um concreto para garantir a vida útil das estruturas<br />
em meios agressivos deve ter uma resistência acima de 40 MPa, e para isso necessita de<br />
adições minerais (pozolanas) de alta reatividade, como o metacaulim e a sílica ativa.<br />
Aïtcin (1998) define concreto de alto desempenho essencialmente como um<br />
concreto com relação água / aglomerante relativamente baixa, na ordem de 0,40, com<br />
uso de aditivos superplastificantes. Esse valor é próximo ao valor teórico que Powers<br />
(1968) sugeriu no passado para assegurar a completa hidratação do cimento Portland.<br />
A classificação completa para concretos de alto desempenho, segundo Aïtcin<br />
(1998), se dá em cinco categorias, conforme mostrado na tabela 1.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
88<br />
Tabela 1: Classificação do concreto de alto desempenho (AÏTCIN, 1998).<br />
Classe de concreto de alto desempenho I II III IV V<br />
Resistência à compressão (MPa) 50 75 100 125 150<br />
Este alto desempenho é obtido através de um traço com alto teor de finos, além<br />
de aditivos superplastificantes e moderadores de viscosidade, que atribuem ao concreto<br />
viscosidade moderada e baixa tensão de escoamento, mesmo resultado obtido se<br />
fosse utilizado somente cimento, porém muito mais econômico (LOTURCO, 2007).<br />
2.2 CONCRETO <strong>DE</strong> PÓS REATIVOS<br />
Conceitualmente, concreto de pós reativo é aquele que, através da adição de<br />
finos, como por exemplo a micro sílica e o metacaulim, possui alto desempenho, ou<br />
seja, além de alta resistência, possui outras propriedades como elevadas trabalhabilidade<br />
e durabilidade. Vale ressaltar que o termo alta resistência é relativo, e varia em<br />
função da época e do local de produção, como citado anteriormente. (VAN<strong>DE</strong>RLEI, 2004).<br />
Possui diversas aplicações, podendo ser usado para diminuir dimensões da estrutura<br />
devido sua alta resistência, elementos pré fabricados sujeitos à protenção, tubos<br />
pré moldados de concreto para transporte de água e outros líquidos, e armazenamento<br />
de contâineres radioativos (VAN<strong>DE</strong>RLEI, 2004).<br />
Segundo Barata (2002), as construções na Amazônia são ineficazes tanto na durabilidade<br />
quanto na resistência, o que faz com mesmo com poucos anos de vida, a<br />
estrutura já necessite intervenção para combater manifestações patológicas. A recuperação<br />
de estruturas, além de possuir elevado custo, utiliza novamente materiais e recursos<br />
não renováveis e ainda geram desconforto ao usuário.<br />
A maior durabilidade nas estruturas é obtida através da ação dos finos, que diminuem<br />
o número de vazios agindo na pasta tanto física, quanto quimicamente, tornando a<br />
mistura menos permeável. Por conseguinte, impede ou diminui consideravelmente a<br />
penetração de agentes agressivos, que acabariam por danificar o concreto armado.<br />
A utilização das adições permite reduzir consideravelmente o consumo de cimento,<br />
diminuindo a permeabilidade e por consequência, aumentando a durabilidade<br />
da estrutura, o que faz do concreto de pós reativos, segundo Vanderlei (2004), um material<br />
com uma densidade elevada, e o mínimo de defeitos como porosidade e microfissuração,<br />
que incrementa alta resistência e elevada vida útil. Na atualidade, o grande<br />
interveniente na obtenção dos pós reativos é o controle de sua granulometria.<br />
Vanderlei (2004) ressalta que a principal diferença entre o concreto convencional<br />
e o de pós reativos é a homogeneidade da pasta, uma vez normalmente a heterogeneidade<br />
entre os agregados e a pasta apresentam diferentes valores de retração, coeficiente<br />
de expansão térmica e módulo de elasticidade. No CPR essa diferença é suprida<br />
através da substituição dos grãos graúdos por finos. O uso dos grãos finos ainda provoca<br />
redução das microfissuras de origem mecânicas, químicas e termo-mecânicas, já que o<br />
tamanho da fissura varia de acordo com a área de interface agregado/pasta.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
89<br />
Atualmente nos centros de pesquisas desenvolvem-se duas linhas de pesquisa, a saber:<br />
Concreto com matriz de granulometria compacta (DSP: Densified System Containing<br />
ultra-fine particles), onde se usa um elevado teor de superplastificante e sílica ativa,<br />
incorporando agregados de alta resistência (bauxita calcinada ou granito) tendo como<br />
fundamento a redução da água de mistura.<br />
Pasta de polímero MDF (Macro – Defect Free). Esta matriz possui resistência à tração<br />
da ordem de 150 MPa, principalmente quando se usa o cimento aluminoso.<br />
Segundo Biz (2001), apud Cheyrezy (1999), o VPR foi desenvolvido para ser um<br />
produto com o mínimo de defeitos possíveis. Para isso o objetivo foi aumentar a compacidade<br />
e resistência dos materiais constituintes através da eliminação do agregado graúdo,<br />
aumentando assim a homogeneidade da mistura e diminuindo a zona de transição,<br />
além de consumos de água da ordem de 0,14 A/C.<br />
Este concreto torna-se mais denso devido à boa composição granulométrica, onde<br />
os espaços deixados pelos grãos maiores são ocupados pelos grãos menores, daí a importância<br />
da utilização de finos, aplicações de pressão antes e durante a concretagem que<br />
diminuem o ar incorporado e removem o excesso de água e tratamento térmico.<br />
Devido ao volume de finos, a baixa relação A/C torna obrigatório o uso de aditivos<br />
superplastificantes, densifica a zona de transição por ação física e química, produzindo<br />
uma microestrutura mais densa e homogênea.<br />
As adições de pozolanas no concreto apresentam bons resultados quanto à eliminação<br />
ou retardamento da reação álcali-agregado, aumento da resistência de águas<br />
sulfatadas, redução do calor de hidratação, aumento da resistência à tração, diminuição<br />
da permeabilidade e melhor reologia no estado fresco (SOUZA, 2003).<br />
Souza (2003) afirma que o uso de adições pozolânicas no estado fresco influencia<br />
no consumo de água, que tende a aumentar, ou a necessidade de aditivos superplastificantes,<br />
contudo, os formatos de esfera das pozolanas atuam como um rolamento,<br />
que se reflete em facilidade de bombeamento e lançamento do concreto. Quanto aos<br />
aspectos reológicos, há uma melhora devido ao aumento de pasta, diminuição de exsudação<br />
e segregação, além da diminuição do calor de hidratação e retração plástica.<br />
Quanto ao estado endurecido, o autor afirma a melhora na resistência á compressão,<br />
devido a estrutura interna fazendo com que a matriz ganhe resistência, resistência<br />
à tração, através da qual pode-se estimar a carga máxima pré fissura, módulo de<br />
elasticidade, responsável pelas deformações e coeficiente de Poisson.<br />
Bardella (2005), afirma que a durabilidade de estruturas é diretamente proporcional<br />
à impermeabilidade e ausência de poros do concreto, pois inibem a entrada de<br />
água e de agentes agressivos.<br />
2.3 MICROESTRUTURA<br />
O uso desta técnica implica na melhoria da zona de transição dos concretos.<br />
Segundo Mehta (1994) o conceito de zona de transição (ZT), é a interface existente<br />
entre as partículas grandes do agregado e a pasta. Ainda que seja constituída dos<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
90<br />
mesmos elementos que a pasta, a estrutura da zona de transição e suas propriedades<br />
diferem da matriz da pasta.<br />
A zona de transição na interface é considerada a limitante das propriedades<br />
do concreto. Por este motivo, o concreto rompe com resistências menores do que<br />
as existentes nos outros dois componentes principais. Não são necessários níveis<br />
muito altos de energia para aumentar as fissuras já existentes na zona de transição,<br />
onde, maiores incrementos de deformação podem ser obtidos por unidade de<br />
carga aplicada. Esse comportamento explica o fenômeno em que os componentes<br />
do concreto normalmente permanecem elásticos até a ruptura em um ensaio<br />
de compressão uniaxial, quanto o concreto em si apresenta comportamento inelástico.<br />
Nos concretos de alta resistência, espera-se uma ZT mais homogênea, assim<br />
permitindo a eficiência da transferência da carga entre o agregado graúdo e a argamassa.<br />
Assim, outras propriedades mecânicas do concreto e o alto módulo de elasticidade<br />
são diretamente ligadas à microestrutura do concreto.<br />
Figura 1: Micrografia concreto comum a 1 dia de idade – 1000x.<br />
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91<br />
Figura 2: Micrografia concreto de pós reativo a 1 dia de idade – 500x.<br />
3 PROPRIEDA<strong>DE</strong>S DO CONCRETO <strong>DE</strong> PÓS REATIVOS – CARACTERÍSTICAS PARA ESTRUTU-<br />
RAS <strong>DE</strong> BELÉM<br />
Segundo Vanderlei (2004), o CPR apresenta propriedades mecânicas elevadas,<br />
com resistência à compressão em torno de três a vinte vezes maior que o concreto de<br />
alto desempenho (CAD), e a resistência à tração dez vezes maior.<br />
Resistência à compressão é a propriedade mecânica que serve como subsídio<br />
para a avaliação de outras propriedades, tipos e qualidades do concreto. Para qualquer<br />
desempenho esperado ocorre um reflexo direto na resistência à compressão, portanto<br />
utilizamos esta propriedade para fazer a classificação do concreto.<br />
Um fator que influencia bastante a resistência à compressão é a densidade da<br />
mistura, onde tal densidade pode ser aumentada pela aplicação de pressão no concreto<br />
antes e durante a concretagem, provocando a redução do ar incorporado, remoção do<br />
excesso de água e compensação da retração química. De acordo com Richad & Cheyrezy<br />
(1995), este aumento de densidade afeta diretamente a resistência á compressão.<br />
Quanto à durabilidade, pode-se dizer que o CPR também apresenta desempenho<br />
elevado por ter uma estrutura particularmente densa da pasta de cimento hidratada, com<br />
baixíssima permeabilidade, possibilita ter alta resistência ao ataque de agente externos.<br />
3.1 LEI <strong>DE</strong> COMPORTAMENTO DO CONCRETO <strong>DE</strong> PÓS REATIVO<br />
Segundo Behloul (1995), nos seus estudos, foi analisada a propriedade de material,<br />
onde foram feitos ensaios de compressão direta, flexão em três e quatros pontos e<br />
tração direta. Na compressão o CPR apresentou comportamento em duas fases distintas.<br />
Uma escala linear com módulo de elasticidade.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
92<br />
4 PROPRIEDA<strong>DE</strong>S DOS MATERIAIS DA REGIÃO <strong>DE</strong> BELÉM<br />
O resultado do desempenho superior do CPR é uma combinação de diversas<br />
propriedades:<br />
• Diminuição da porosidade pela utilização de uma distribuição de granulometria<br />
extensa, obtida pela combinação dos finos – cimento Portland, metacaulim, pó de<br />
quartzo e agregado miúdo;<br />
• Baixíssima relação água/cimento – em torno de 0,20 e 0,25; viabilizada devido ao<br />
uso de aditivo superplastificante;<br />
• Diminuição dos problemas de moldagem devido à característica autoadensável,<br />
obtida através da utilização do superplastificante;<br />
• Praticamente não há retração, o que o torna atrativo para uso em concreto protendido.<br />
A baixa relação água/cimento e diminuição da porosidade não deixam espaços<br />
vazios para a ocorrência das variações volumétricas.<br />
No presente estudo foram utilizados materiais disponíveis na região das proximidades<br />
de Belém, com características e propriedades semelhantes às apresentadas.<br />
As propriedades de cada material estão relacionadas a seguir:<br />
• Cimento Portland: foi utilizado o cimento Portland tipo CP II-F 32, fabricado pela<br />
CIPLAN, originário de Brasília. Este cimento contém adição de material pozolânico<br />
variável entre 6 a 14%, o que confere baixo índice de permeabilidade, sendo ideal<br />
principalmente com a presença de água, características que garantem aplicabilidade<br />
na região de Belém, uma vez que há grande incidência de chuvas e presença de<br />
cloretos e sulfatos na maior parte dos rios e bacias da região.<br />
Figura 3: Cimento do tipo CP II-F 32.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
93<br />
• Aditivo superplastificante: foi utilizado o superplastificante Glenium 51, fabricado<br />
pela empresa BASF S/A. O manual do produto especifica que é um superplastificante<br />
de 3ª geração feito com base em uma cadeia de éter carboxílico modificado, ou<br />
policarboxilatos. É um líquido viscoso de cor marrom, isento de cloretos. Sua massa<br />
específica está entre 1,067 g/cm3 e 1,107g/cm3, pH de 5 a 7, viscosidade de 95 a 160<br />
cps a 20°C, e teor de sólidos entre 28,5% a 31,5%.<br />
Figura 4: Molécula de um policarboxilato.<br />
Figura 5: Ação do policarboxilato sobre as partículas de cimento.<br />
Figura 6: Manutenção da trabalhabilidade devido ao efeito esférico.<br />
• Brita nº 0: material com diâmetro máximo de 12,5mm, módulo de finura de 5,74 e<br />
abrasão Los Angeles de 42% de desgaste. Justifica-se o uso deste material devido a<br />
facilidade do seu manuseio e aplicação, sendo procedente de Marituba, fornecido<br />
pela DiBrita.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
94<br />
Figura 7: Brita 0 fornecida pela DiBrita.<br />
• Pó de quartzo: o pó de quartzo utilizado foi fornecido pela Micro Service. O ensaio<br />
granulométrico mostrou que 90% dos grãos da amostra tinham diâmetros menores<br />
que 37,37µm, 50% possuíam diâmetro menores que 10,80µm, e 10% apresentaram<br />
diâmetros menores que 1,33µm.<br />
Figura 8: Pó de quartzo utilizado no experimento.<br />
• Metacaulim: o metacaulim é uma adição mineral de alta eficácia para concretos e<br />
produtos à base de cimento Portland, destinado a inúmeras aplicações na construção<br />
civil em geral, largamente utilizado na Europa, Estados Unidos e Ásia, conferindo<br />
inúmeras vantagens, como, por exemplo, aumento de resistência mecânica e durabilidade<br />
com redução de vazios estruturais.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
95<br />
Figura 9: Metacaulim utilizado no experimento.<br />
• Areia: a areia utilizada é encontrada no município de Santa Bárbara – PA. É do tipo<br />
quartozita com grãos esféricos, é classificada como fina e possui densidade aparente<br />
de 1,61 kg/dm³.<br />
Figura 10: Areia utilizada no experimento.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
96<br />
5 METODOLOGIA EXPERIMENTAL<br />
A metodologia adotada para desenvolver o estudo experimental compreendeu:<br />
- Dosagem utilizada;<br />
- Ensaio de compressão axial;<br />
- Ensaio de absorção capilar;<br />
- Instrumentação necessária para coletar os dados dos ensaios.<br />
5.1 PROGRAMA EXPERIMENTAL<br />
A resistência à compressão ao longo do tempo foi analisada por meio de ensaio<br />
de compressão axial. Para analisar a resistência à compressão, foram adotados parâmetros<br />
para as idades de 3, 7 e 14 dias.<br />
5.1.1 Ensaios de Compressão Axial<br />
Foram adotados modelos de acordo com a norma NBR 5739, que possuem forma<br />
cilíndrica, com dimensões de 10cm de diâmetro e 20cm de altura, conforme a figura 11.<br />
Figura 11: Molde para ensaio de compressão axial.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
97<br />
5.1.2 Sistema de Aplicação de Força<br />
Os ensaios de compressão axial para análise da compressão ao longo do tempo<br />
foram realizados na prensa da marca EMIC do Laboratório de Materiais de Construção do<br />
CCET – UNAMA, que tem capacidade de carga de 100 ton.<br />
Os corpos de prova eram posicionados entre placas de aço, bem ao centro, para<br />
que as forças atuassem de forma centralizada. As bases dos corpos de prova foram<br />
posicionadas em placas de aço fixas, enquanto o topo ficava sob uma placa de aço<br />
vinculada a uma rótula, a fim de permitir uma atuação centrada.<br />
5.2 INSTRUMENTAÇÃO<br />
No ensaio de compressão axial de resistência ao longo do tempo, apenas a força<br />
máxima aplicada pela prensa foi monitorada, sendo esta a mesma que provocou a ruptura<br />
dos modelos.<br />
A prensa utilizada possuía células de carga com dispositivo automático onde o<br />
mesmo detectava o valor máximo, sendo o registro feito de forma digital e o deslocamento<br />
do atuador hidráulico tinha velocidade controlada.<br />
As leituras dos dados foram feitas por intermédio de um sistema de aquisição<br />
de dados digital, composto por um computador com um software de controle do MTESC.<br />
5.3 MATERIAIS UTILIZADOS E DOSAGEM ADOTADA<br />
Os materiais utilizados no concreto de pó reativo foram definidos no item 4. A<br />
dosagem utilizada pode ser vista na tabela a seguir:<br />
Tabela 2: Dosagem desenvolvida para o estudo do concreto de pós reativos.<br />
Material Relação (em peso) Consumo (kg/m³)<br />
Cimento 1 714<br />
Areia 1,5 1071<br />
Brita 0 0,625 446<br />
Pó de quartzo (5%) 0,050 36<br />
Metacaulim (8%) 0,080 57<br />
Superplastificante (5%) 0,050 36<br />
Água (a/c = 0,25) 0,250 179<br />
Na mistura, foi utilizada água de amassamento em temperatura ambiente e<br />
após a desmoldagem de 24 horas, os modelos eram levados à câmara úmida<br />
onde permaneciam até a data de ensaio.<br />
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98<br />
6 MOLDAGEM, A<strong>DE</strong>NSAMENTO E CURA DOS MO<strong>DE</strong>LOS<br />
6.1 MISTURA DOS MATERIAIS<br />
Inicialmente, o cimento e a areia foram misturados manualmente na padiola,<br />
até que se alcançasse uma boa homogeneidade.<br />
Em seguida, colocou-se a Brita 0 na betoneira juntamente com 50% da quantidade<br />
de água estabelecida no traço e deixou-se misturar por 1 minuto, como mostra a<br />
figura 12.<br />
Figura 12: Introdução da água junto à brita na betoneira.<br />
Após este tempo, acrescentou-se a mistura de cimento e areia, previamente<br />
homogeneizada. Com o restante da água de amassamento, foram adicionados o pó de<br />
quartzo, o metacaulim e o superplastificante, formando uma pasta fluida e coesa, onde<br />
esta foi introduzida na betoneira com o restante dos materiais e deixou-se bater por 3<br />
minutos até se obter a consistência desejada. As figuras 15 e 16 mostram a sequência do<br />
procedimento.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
99<br />
Figura 13: Mistura de metacaulim, pó de<br />
quartzo superplastificante e água.<br />
Figura 14: Mistura sendo introduzida na<br />
betoneira.<br />
6.2 MOLDAGEM DOS CORPOS <strong>DE</strong> PROVA<br />
Após a mistura estar pronta, inicia-se a moldagem dos modelos. Para isso, utilizou-se<br />
uma colher de pedreiro para auxiliar na retirada do material.<br />
A moldagem dos modelos era feita em três camadas, onde, com auxílio de um<br />
soquete eram executados 24 golpes em cada camada até se fazer o preenchimento total<br />
do molde cilíndrico.<br />
Figura 15: Concreto homogêneo.<br />
Figura 16: Preparação do modelo.<br />
Ao finalizar o preenchimento das formas com o concreto, iniciou-se o acabamento<br />
da superfície dos modelos expostos ao ar livre. A finalidade deste acabamento<br />
era tornar a superfície exposta mais plana e lisa possível e era executado com auxílio da<br />
colher de pedreiro.<br />
6.3 CURA DOS CORPOS <strong>DE</strong> PROVA<br />
Após a moldagem, deixou-se os corpos de prova por 24 horas no molde e<br />
após este período, eram retirados do molde e levados à câmara úmida.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
100<br />
Figura 17: Modelos imersos em água na câmara úmida.<br />
7 <strong>DE</strong>SCRIÇÃO DOS ENSAIOS REALIZADOS<br />
7.1 COMPRESSÃO AXIAL<br />
Foram ensaiados no total, 3 corpos de prova nas idades 3, 7 e 14 dias. Como já<br />
mencionado anteriormente, foram feitos modelos cilíndricos de 10cm x 20cm. A figura<br />
18 mostra a realização do ensaio.<br />
Figura 18: Corpo de prova sendo submetido à ensaio de compressão axial.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
101<br />
7.2 ENSAIO <strong>DE</strong> ABSORÇÃO CAPILAR<br />
Foi ensaiado um corpo de prova de dimensões 10cm x 20cm com a idade de 7<br />
dias, onde deixou-se o mesmo na estufa durante 24 horas para sua secagem completa e<br />
retirado para seu resfriamento até que alcançasse a temperatura ambiente. Após este<br />
período, o modelo foi pesado para obter a massa do corpo-de-prova seco. Em seguida,<br />
o mesmo foi imerso em água a uma altura de 1 cm dentro de um recipiente e permaneceu<br />
durante 1 minuto. Novamente, o corpo-de-prova foi pesado para obter sua massa.<br />
Figura 19: Corpo de prova imerso. Figura 20: CP sendo pesado.<br />
8 ANÁLISE DOS RESULTADOS<br />
8.1 RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO<br />
Por ocasião da hidratação das partículas de cimento, que ocorre ao longo do<br />
tempo, a resistência à compressão do concreto aumenta com a idade. Para o concreto<br />
de pós reativos, que possui composição diferenciada dos concretos usuais, a resistência<br />
à compressão apresenta comportamento semelhante.<br />
A resistência à compressão do concreto de pós reativos aumenta com o tempo,<br />
independentemente do tipo de cura adotado ou da relação água/cimento estabelecida.<br />
Nos ensaios de compressão axial em corpos de prova cilíndricos de 10cm x 20cm,<br />
com controle de aplicação de força, analisou-se a variação da resistência à compressão<br />
do concreto de pós reativos dos 3 até os 14 dias, com cura úmida. Os resultados são<br />
mostrados na tabela abaixo:<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010
102<br />
Tabela 3: Resultados dos ensaios de compressão axial.<br />
IDA<strong>DE</strong><br />
RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO (MPa)<br />
3 36,49<br />
7 52,31<br />
14 64,58<br />
8.2 ENSAIO <strong>DE</strong> ABSORÇÃO CAPILAR<br />
A propriedade que caracteriza a quantidade de água absorvida pelos vasos capilares<br />
do concreto é um fator que deve ser conhecido por quem o utiliza, pois define a<br />
possibilidade de umidade ascendente no concreto.<br />
O corpo de prova ensaiado possuía 7 dias de idade e apresentou uma absorção<br />
de água por capilaridade de 0,022 g/cm².<br />
9 OBRAS <strong>DE</strong> BELÉM<br />
Sendo nossa região possuidora de condições climáticas adversas, onde se criam<br />
sistematicamente e de forma intermitente gradientes térmicos que provocam deformações<br />
pelos esforços de tração de origem térmica, assim como também possui-se materiais<br />
agregados naturais potencialmente nativos já comprovados em ensaios realizados em<br />
laboratório da ABCP e L.A. Falcão Bauer, cuja reação álcali-agregado se processa na presença<br />
de água, e é minimizada ou inibida pela ação pozolânica na fixação de cal.<br />
O metacaulim e a sílica ativa funcionam como pozolanas altamente nativas, de<br />
sorte que a sua aplicação permite substituição do cimento, fazendo com que o calor de<br />
hidratação seja reduzido, a reação álcali-agregado seja inibida, as resistências sejam<br />
aumentadas e a porosidade reduzida. Isto conduz à execução de estruturas mais econômicas,<br />
mais duráveis e sustentáveis.<br />
Pelas características discutidas, espera-se que sua utilização pela construção<br />
civil paraense, seja o mais breve possível, para que as obras possam ter mais tempo de<br />
vida útil.<br />
10 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
• Demonstra-se que é viável executar CPR com materiais de Belém;<br />
• O uso de empacotamento granulométrico reduz substancialmente a porosidade do<br />
concreto;<br />
• Esta metodologia nos permite chegar a resistências nunca antes alcançadas na região;<br />
• O uso de superplastificantes permite produzir concretos plásticos, apesar da<br />
relação água/cimento da ordem de 0,25;<br />
• O uso das pozolanas é imprescindível para se obter um concreto altamente resistente,<br />
durável, econômico e sustentável.<br />
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103<br />
REFERÊNCIAS<br />
AÏTCIN, P. C. Hight – performance concrete London, New York: E. & f. n. Spon, 1998.<br />
ANDRA<strong>DE</strong> T. Concreto de alto desempenho. Revista O Construtor. 3. ed., ano:<br />
2005, disponível em: http://www.sindusconpe.com.br/aerQualidade/<br />
concreto%20%de20%alto%20<br />
BARATA, M. Concreto de alto desempenho no estado do Pará. UFRGS, 2002.<br />
HELENE, P; TERZIAN, P. Manual de dosagem e controle do concreto. São Paulo: Ed. Pini,<br />
2004.<br />
LOTURCO, B. Misturas plásticas. Revista Téchne. Ed. Pini. Ed. 125, ago. 2007.<br />
MEHTA, P.; MONTEIRO, P. Concreto: microestrutura, propriedades e materiais. São Paulo-SP:<br />
Ed. Ibracon, 2008.<br />
MIRA, M. A. S.; FONSECA, R. S. Aplicação de metacaulim em microconcreto de estacas<br />
moldadas in loco. UNAMA, 2008.<br />
VAN<strong>DE</strong>RLEI, R. Análise experimental do concreto de pós reativos: dosagem e propriedades<br />
mecânicas. USP, 2004.<br />
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104
105<br />
ANÁLISE <strong>DE</strong> MÉTRICAS <strong>DE</strong> ROTEAMENTO UTILIZANDO<br />
VOIP E VÍ<strong>DE</strong>O EM RE<strong>DE</strong>S EM MALHA SEM FIO<br />
André F. Riker *<br />
Elisangela S. Aguiar **<br />
RESUMO<br />
Este artigo apresenta um estudo comparativo de cinco protocolos de roteamento utilizados<br />
em redes em malha sem fio, também denominadas de Redes Mesh, sendo eles<br />
AODV (Ad Hoc On-Demand Distance Vector), OLSR (Optimized Link State Routing), OLSR-<br />
MD (OLSR – Minimum Delay), OLSR-ETX (OLSR – Expected Transmission Count) e OLSR-<br />
ML (OLSR – Minimum Loss). A análise foi feita com base em simulações realizadas no<br />
Network Simulator 2.33 levando em consideração um cenário urbano de população de<br />
baixa renda, e aspectos de qualidade de serviço e de experiência do usuário.<br />
Palavras-Chave: Redes em Malha Sem Fio. Protocolos de Roteamento. Qualidade de<br />
Experiência<br />
ABSTRACT<br />
ANALYSIS OF ROUTING METRICS USING VOIP AND<br />
VI<strong>DE</strong>O ON WIRELESS MESH NETWORKS<br />
This article presents a case study of five routing protocols used in Wireless Mesh Network,<br />
are they AODV (Ad Hoc On-Demand Distance Vector), OLSR (Optimized Link State<br />
Routing), OLSR-MD (OLSR - Minimum Delay), OLSR-ETX (OLSR - Expected Count Transmission)<br />
and OLSR-ML (OLSR - Minimum Loss). The analysis was based on performance<br />
simulation in Network Simulator 2.33 taking into account a scenario of urban low-income<br />
population, and aspects of quality of service and User Experience.<br />
Keywords: Wireless mesh network. Routing protocols. Quality of experience.<br />
* Formado em Ciência da Computação pela Universidade da Amazônia. Atualmente é graduando de Sistemas<br />
de Telecomunicações do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia e mestrando em Ciência da Computação<br />
pela Universidade Federal do Pará.<br />
** Doutoranda em Engenharia Elétrica, com êndase em computação aplicada pela Universidade Federal do<br />
Pará. Possui mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (2002) e graduação<br />
em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Pará (1999). É professora adjunto I da Universidade<br />
da Amazônia e analista de redes do Serviço Federal de Processamento de Dados SERPRO.<br />
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106<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
As redes em malha sem fio (Wireless Mesh Network), conhecidas também como<br />
Redes Mesh, se apresentam como uma tecnologia de baixo custo por não necessitar<br />
tanto do uso de cabos como as redes Wi-Fi (Wireless Fidelity) infraestruturadas ou<br />
redes cabeadas. Isto se dá devido à formação do backbone sem fio que provê comunicação<br />
entre os nós da malha estabelecida.<br />
Decorrente deste atrativo econômico, pode-se citar o projeto ReMesh (2007)<br />
como um dos que utilizam-se deste tipo de rede para fornecer acesso à internet banda<br />
larga a estudantes universitários e a áreas residenciais.<br />
Segundo Ramanathan et al. (2002), em uma rede em malha sem fio os roteadores<br />
mesh, denominados de MR (Mesh Routers) estão fixos, ainda que suas localizações não<br />
sejam predeterminadas, e formam o backbone da malha sem fio. Albuquerque (2006)<br />
destaca que os clientes, denominados de MC (Mesh Clients) podem usufruir da infraestrutura<br />
estabelecida pelos MRs, enviando seus próprios pacotes, ou desempenhar o papel<br />
de encaminhamento de pacotes que não são seus para os demais nós da rede.<br />
Este trabalho colaborativo entre os nós da rede estende a cobertura de pontos<br />
de acesso sem ser necessário que procedimentos de configuração sejam realizados<br />
pelos usuários. Isto ocorre devido à característica de auto-organização e autoconfiguração<br />
das redes Mesh.<br />
Segundo Abelém et al. (2007) ao se propor a disponibilizar o acesso à internet<br />
em universidades, colégios, escolas, hospitais e áreas residenciais, as redes em malha<br />
sem fio podem além de ser um grande instrumento de inclusão digital, ser simultaneamente<br />
uma forma de reduzir custos em serviços de telefonia utilizando-se da tecnologia<br />
VoIP (Voice over Internet Protocol) ou facilitar a propagação e popularização da<br />
transmissão de videostreaming. Além disso, poderia ser um grande instrumento para a<br />
criação de cidades digitais.<br />
No entanto, é um grande desafio transmitir dados em tempo real, como voz ou<br />
vídeo, devido à sua alta sensibilidade ao atraso. Quando a aplicação VoIP é utilizada em<br />
um ambiente mesh aumenta-se ainda mais a probabilidade de que os pacotes sofram<br />
grande atraso e afetem a qualidade de transmissão da voz devido aos múltiplos saltos<br />
executados para encaminhar os dados entre remetente e destinatário.<br />
Neste contexto, surge o protocolo de roteamento, que segundo Kurose (2006),<br />
é o responsável por determinar as rotas e consequentemente os saltos que os pacotes<br />
devem percorrer em suas transmissões do nó origem ao nó destino. Assim, o protocolo<br />
de roteamento utilizado na rede exerce uma função crucial na qualidade de serviço<br />
(QoS – Quality of Service) requerida pelo usuário e/ou aplicação, bem como na qualidade<br />
de experiência (QoE – Quality of Experience) percebida pelo usuário.<br />
Devido às semelhanças entre as redes Mesh e as redes MANET (Mobile Ad hoc<br />
Network) alguns protocolos de roteamento originalmente projetados para cenários Ad<br />
Hoc são frequentemente acrescidos de extensões e otimizações para atuarem nas redes<br />
em malha sem fio e obter maior conformidade com as características Mesh e assim<br />
fornecer maior qualidade de serviço às aplicações de áudio e vídeo.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
107<br />
Basicamente a tarefa de acrescentar extensão ou otimização a um protocolo de<br />
roteamento significa adaptar as métricas utilizadas pelo algoritmo de tal protocolo.<br />
Estas métricas consistem em parâmetros utilizados nos cálculos de roteamento para<br />
eleger qual a melhor rota para os dados serem transmitidos da origem até o destino. Um<br />
exemplo de métrica é eleger a melhor rota aquela que possuir menor número de saltos<br />
(hops) entre remetente e destinatário.<br />
Neste trabalho é realizada uma análise de qualidade de experiência. Esta é<br />
importante para comparar resultados de avaliação do ponto de vista da rede (QoS) e<br />
avaliação do ponto de vista do usuário (QoE). Tal comparação objetiva investigar como<br />
é refletido para o usuário o que uma métrica de roteamento se propõe a fazer. Este tipo<br />
de análise é relevante pois fornece uma visão prática da transmissão de vídeo no cenário<br />
proposto e isto é possível graças às ferramentas utilizadas que permitem reconstruir<br />
como seria o arquivo de vídeo recebido pelo usuário.<br />
As métricas de QoE podem ser divididas em qualitativas e quantitativas. As<br />
métricas qualitativas são de caráter subjetivo e são baseadas unicamente na opinião do<br />
usuário frente ao vídeo. A métrica qualitativa mais difundida é a Mean Option Score<br />
(MOS), onde os valores vão de 1 a 5, significando que quanto mais perto de 1 pior é a<br />
qualidade do vídeo e quanto mais perto de 5 melhor é a qualidade da aplicação, conforme<br />
é apresentado na tabela 1.<br />
As métricas quantitativas ou objetivas são métricas que utilizam cálculos matemáticos<br />
para analisar determinados parâmetros da aplicação e de posse desta análise é<br />
possível estimar a qualidade de um vídeo. Nesta etapa de estimativa, faz-se uso do<br />
processo de mapeamento de valores das métricas objetivas para as métricas qualitativas.<br />
As métricas objetivas utilizadas neste trabalho foram: Peak Signal to Noise Ratio<br />
(PSNR), Structural Similarity Index (SSIM) e Video Quality Metric (VQM).<br />
Lambrecht e Verscheure (1996) destacam que a métrica PSNR é baseada na<br />
métrica Mean Squared Error (MSE) de forma que as duas analisam frame por frame do<br />
vídeo recebido pelo usuário com o original. O PSNR é dado em dB (decibel) e pode ser<br />
mapeada para MOS segundo a tabela 1.<br />
Tabela 1: Mapeamento PSNR para MOS.<br />
PSNR MOS Qualidade<br />
< 20 1 Péssimo<br />
20 – 25 2 Pobre<br />
25 – 31 3 Regular<br />
31 – 37 4 Bom<br />
> 37 5 Excelente<br />
A métrica SSIM, segundo Takahashi et al. (2008), leva em consideração parâmetros<br />
que refletem com mais propriedade como o sistema de visão humana extrai informações<br />
das imagens ou vídeos. Os parâmetros levados em consideração para o cálculo<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
108<br />
do SSIM são: cor, luminosidade e estrutura. O valor de SSIM é dado em uma escala de 0<br />
a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 maior é a qualidade do vídeo e quanto mais<br />
próximo de pior é a qualidade do vídeo.<br />
A métrica VQM busca avaliar um vídeo ou imagem com os seguintes parâmetros:<br />
distorção de cores, distorção de pixels, ruído, e nível de “embaçamento” do vídeo.<br />
Assim, esta métrica segundo (FERRUS, 2006) é a métrica que mais se aproxima da avaliação<br />
de imagens feita pelo sistema de visão humana. A VQM é dada em valores que vão<br />
de 0 a 5 sendo que quanto mais próximo de 0 melhor qualidade tem o vídeo e quanto<br />
mais próximo de 5 pior é a qualidade do vídeo.<br />
O restante do artigo encontra-se organizado da seguinte forma, no item 2 conceitos<br />
de protocolos e métricas são apresentados. O item 3 apresenta trabalhos relacionados.<br />
A caracterização do cenário simulado e estudado é apresentada no item 4. Os<br />
resultados obtidos na análise de QoS e de QoE são apresentados no item 5. Considerações<br />
finais são feitas no item 6.<br />
2 PROTOCOLOS E MÉTRICAS <strong>DE</strong> ROTEAMENTO<br />
Segundo Przybysz et al. (2007) os protocolos de roteamento podem ser divididos<br />
em: pró-ativos, reativos e híbridos.<br />
Os protocolos pró-ativos, também conhecidos como globais, são aqueles que<br />
possuem as tabelas de roteamento constantemente atualizadas contendo dados sobre<br />
a topologia da rede. Neste artigo serão considerados os protocolos OLSR (Optimized<br />
Link State Routing) proposto por Clausen et al. (2003) e seus variantes OLSR-MD (OLSR –<br />
Minimum Delay) sugerido por Cordeiro et al. (2007), OLSR-ETX (OLSR - Expected Transmission<br />
Count) proposto por De Couto et al. (2003) e OLSR-ML (OLSR - Minimum Loss)<br />
sugerido por Passos et al. (2006), todos pró-ativos.<br />
O protocolo OLSR e seus variantes, guardam informações dos enlaces, e para<br />
tanto, enviam periodicamente pacotes de estado de enlace a todos os outros nós da rede.<br />
A mensagem denominada hello, é transmitida via endereço broadcast e deve ser entendida<br />
pelos vizinhos que este nó encontra-se ativo. Além disso, na resposta do nó que<br />
recebeu o hello deve constar quais são os seus nós vizinhos e os enlaces aptos para uso.<br />
Przybysz et al. (2007) destaca que a mensagem TC (Topology Control) contém os<br />
estados de enlace do OLSR. Cada nó da rede seleciona um conjunto de MPRs (MultiPoint<br />
Relays) a fim de reduzir a sobrecarga da rede com estas mensagens de controle.<br />
Desta forma, quando um nó transmite uma mensagem broadcast, dentre todos os vizinhos<br />
deste nó, somente os seus MPRs devem encaminhar a mensagem. Outra característica<br />
importante é quando há difusão das listas de nós MPRs. Quando isto ocorre cada<br />
nó da rede reconhece por qual MPR um determinado nó pode ser alcançado.<br />
A métrica padrão do OLSR é o número de saltos, entretanto vendo a possibilidade<br />
de alcançar melhores resultados com outras métricas, surgiram variantes deste. Por<br />
exemplo, o OLSR-MD que como métrica principal para a escolha da melhor rota, escolhe<br />
o caminho que fornecer menores valores de atraso. Esta adaptação é muito útil quando<br />
se trata de transmissão de fluxos de dados em tempo real tendo em vista a sua sensibilidade<br />
ao atraso.<br />
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109<br />
A métrica ETX (Expected Transmission Count) escolhe caminhos com menores<br />
números de transmissões esperadas na transmissão de um pacote desde o nó origem<br />
até o nó destino. O cálculo ETX é feito com base na taxa de pacotes perdidos em ambos<br />
os sentidos de um enlace da rede. Segundo De Couto et al. (2003) o objetivo principal da<br />
métrica ETX é selecionar os enlaces com maiores valores de vazão.<br />
A métrica ML (Minimum Loss) utiliza a mesma técnica de medição de atraso<br />
(AdHoc Probe) que a métrica ETX, porém diferentemente da métrica ETX, para achar o<br />
menor número de pacotes descartados fim a fim, a métrica ML não utiliza a soma da taxa<br />
de descartados e sim realiza a multiplicação dos mesmos. Segundo Campista et al. (2008)<br />
a utilização da multiplicação faz com que a rede tenha menor número ou incidências de<br />
mudança de rotas.<br />
Segundo Przybysz et al. (2007) os protocolos reativos são caracterizados por<br />
possuírem o descobrimento de rotas sob demanda e atuam de forma descentralizada,<br />
ou seja, são implementados mecanismos dinâmicos para levar dados de um nó origem<br />
que não possua rota direta para um nó destino. Como representante da técnica reativa,<br />
o presente artigo analisará o protocolo AODV (Ad Hoc On-Demand Distance Vector).<br />
Neste protocolo, quando um nó necessita transmitir para um nó destino e este<br />
não está em sua tabela de rotas, inicia-se um processo de descobrimento de rota. Para<br />
isto é transmitido um pacote route request a todos os vizinhos, que por sua vez realizam<br />
o mesmo. As mensagens são transmitidas até que o nó destino seja alcançado.<br />
Uma mensagem route reply é emitida assim que a rota até o destinatário é<br />
conhecida. Existe um campo correspondente ao número de saltos na mensagem route<br />
reply que é incrementado à medida que um nó intermediário a recebe e a retransmite.<br />
A transmissão desta mensagem em questão só acaba quando a mesma chega na origem.<br />
A mensagem hello também está presente no protocolo AODV e possui a função<br />
de manter atualizados os vizinhos da existência ou não de uma determinada rota. Isto<br />
significa que quando determinado nó não recebe por determinado período de tempo<br />
uma mensagem hello, infere-se que algum enlace da rota em questão tornou-se inválido.<br />
Outra categoria de protocolos são os denominados híbridos. Estes unem as<br />
melhores características dos protocolos pró-ativos e dos reativos. Neste tipo de atuação<br />
existe um mecanismo responsável por determinar em cada situação qual tipo de algoritmo<br />
deve ser utilizado. A forma como esta alternância de algoritmos é feita varia<br />
conforme o tipo de resultados que se busca.<br />
3 <strong>TRABALHO</strong>S RELACIONADOS<br />
Broch et al. (1998) realiza um estudo comparativo entre os protocolos DSDV<br />
(Destination-Sequenced Distance-Vector Routing), TORA (Temporally Ordered Routing<br />
Algorith), DSR (Dynamic Source Routing) e AODV sob os aspectos: overhead, razão entre<br />
pacotes recebidos e pacotes enviados e menor caminho.<br />
Em Munaretto et al. (2003), encontra-se o funcionamento do protocolo QOLSR<br />
(QoS routing over OLSR) que se propõe escolher o menor caminho que possua maior<br />
largura de banda e menor atraso.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
110<br />
Aguiar et al. (2007) se propõe a analisar comparativamente os protocolos AODV e<br />
OLSR no fornecimento de QoS para aplicações em tempo real como VoIP. Entretanto, diferentemente<br />
do que é apresentado em Aguiar et al. (2007), este estudo considera também<br />
os protocolos OLSR-MD, OLSR-ML e OLSR-ETX, um cenário diferente, incluindo a transmissão<br />
de vídeo, também considerando área de periferia, porém, além de QoS, avalia QoE.<br />
4 CENÁRIO AVALIADO<br />
Como é ilustrado na figura 1, o cenário avaliado está localizado aos arredores da<br />
Universidade da Amazônia (UNAMA). A configuração geográfica do local é formada basicamente<br />
por prédios, poucas árvores e um canal de saneamento.<br />
Figura 1: Cenário Avaliado<br />
A área é situada em meio a residências de baixa renda, escolas e hospitais<br />
públicos. Este estudo se propõe a analisar a viabilidade da implantação de uma rede em<br />
malha sem fio com objetivo de levar às populações carentes e aos prédios públicos do<br />
local acesso à internet sem fio e aplicações como VoIP e transmissões de vídeo.<br />
A aplicação VoIP é caracterizada por exigir parâmetros a serem atendidos para<br />
que o desempenho da aplicação seja satisfatório ao usuário. Os quatro parâmetros de<br />
desempenho da aplicação VoIP analisados neste trabalho são: vazão, atraso, probabilidade<br />
de bloqueio e jitter (variação do atraso).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
111<br />
Nas simulações realizadas caracterizou-se a transmissão de voz no ambiente de<br />
simulação ns (Network Simulator), na sua versão 2.33, como sendo uma fonte constante<br />
de bits de transmissão (Contant Bit Rate - CBR) com 8Kbps, pois esta taxa corresponde<br />
ao codec G.729.<br />
Justifica-se o uso de tal codec pois segundo (CALLADO et al, 2007) este possui a<br />
característica de usar baixa largura de banda e boa qualidade de áudio devido à técnica<br />
de supressão do silêncio.<br />
Para que as simulações retratassem um cenário real, um tráfego de dados de<br />
background usando o protocolo de transporte TCP (Transmission Control Protocol) foi<br />
gerado simultaneamente às chamadas VoIP usando o protocolo de transporte UDP (User<br />
Datagram Protocol).<br />
Este tráfego paralelo é crucial para obtenção de resultados válidos, visto que<br />
sua função é deixar a rede congestionada. Caracterizou-se este fluxo de dados como<br />
uma aplicação FTP (File Transfer Protocol) de transmissão em rajadas e utilizou-se o<br />
modelo de Pareto conforme apresentado em NS (2006) com valores padrões.<br />
Nas simulações não foi utilizado nenhum tipo de técnica especial para entrega<br />
de pacotes VoIP. Assim simula-se o serviço de melhor esforço presente na Internet.<br />
Kurouse et al. (2006) destaca que o serviço de melhor esforço executa o processo de<br />
entrega de dados sem fazer nenhuma distinção entre os pacotes, ou seja, todos os<br />
dados devem ser transportados o mais rápido possível. Como os protocolos de transporte<br />
TCP e UDP executam sobre IP, nenhum desses protocolos oferece garantia contra<br />
atraso às aplicações requisitantes.<br />
Além dessas características, utilizou-se um intervalo de confiança de 95 % para<br />
análise dos resultados segundo Jain (1991). A tabela 2 apresenta as informações gerais<br />
das simulações.<br />
Tabela 2: Informações gerais<br />
continua...<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
112<br />
continuação...<br />
Para que as simulações de transmissão de vídeo fossem possíveis foi necessário<br />
proceder modificações em alguns arquivos do NS. A partir das modificações implementadas<br />
foi possível utilizar a ferramenta Evalvid (2009). Esta ferramenta permite obter o<br />
vídeo recebido pelo usuário. De posse desse vídeo recebido em formato YUV, utilizouse<br />
para avaliação dos vídeos a ferramenta MSU Video Quality Measurement Tool Software<br />
(2009).<br />
5 RESULTADOS OBTIDOS<br />
5.1 ANÁLISE DA QUALIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> SERVIÇO (QOS) DO TRÁFEGO <strong>DE</strong> VOIP<br />
Na figura 2 são apresentados os valores de vazão média referentes às 4 ligações<br />
VoIP que compreendem 2 fluxos cada. Nota-se que não houve grandes diferenças entre<br />
os protocolos usados pois como em Aguiar et al. (2007) não foi aplicada nenhuma técnica<br />
de QoS para priorização do uso de largura de banda.<br />
Figura 2: Vazão média dos fluxos VoIP<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
113<br />
A divisão da banda da rede que cada protocolo estudado promoveu pode ser<br />
observada na figura 3. Estes dados apontam a porcentagem de vazão que cada fluxo<br />
VoIP consumiu da banda total da rede. Este gráfico revela que, de modo geral todos<br />
promoveram uma divisão igualitária da rede, porém, isto é devido ao fato de que as<br />
distâncias entre origem e destino das chamadas serem semelhantes, visto que sabe-se<br />
que em cenários com chamadas de diferentes distâncias, a divisão de banda tende a ter<br />
valores maiores de banda para chamadas de menor distância e valores de menores<br />
banda para chamadas longas.<br />
Figura 3: Divisão de banda dos fluxos VoIP.<br />
A figura 4 revela que os valores de atraso do protocolo OLSR utilizando-se da<br />
métrica de mínimo atraso (Minimum Delay - MD) fornece melhoria comparados ao protocolo<br />
OLSR original que utiliza a métrica de menor número de saltos. OLSR-MD, neste<br />
cenário não apresentou grande melhoria quando comparado às demais métricas ou ao<br />
protocolo reativo AODV.<br />
A métrica ETX e a métrica ML apresentaram bons resultados, merecendo serem<br />
destacadas como as métricas que forneceram aos fluxos VoIP os menores valores de<br />
atraso na maioria dos casos. No geral os valores de atraso não foram superiores às<br />
recomendações de Walker et al. (2002) onde é estabelecido um limite de 150 ms de<br />
atraso fim a fim. Caso este limite seja ultrapassado começa-se a sentir perda.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
114<br />
Figura 4: Atraso médio dos fluxos VoIP.<br />
Os valores percentuais de pacotes descartados (representada pela razão entre<br />
o número de pacotes descartados e o número de pacotes enviados) são apresentados<br />
na figura 5. Neste caso ou item, os protocolos com melhores resultados foram OLSR-<br />
MD, AODV e OLSR-ETX, por outro lado, os protocolos OLSR e OLSR-ML apresentaram<br />
casos de perdas acima de 10% dos dados enviados.<br />
Diversos fatores podem ser a causa para o descarte de pacotes de um fluxo,<br />
porém merece destaque o tipo de descarte ocasionado por congestionamento de fila.<br />
O nível de descarte na rede poderia ser melhorado caso os protocolos utilizassem mecanismos<br />
de balanceamento de carga, sendo priorizados caminhos que fornecessem<br />
menos congestionamento. No entanto, nenhuma das métricas avaliadas faz uso de tais<br />
mecanismos.<br />
Os valores de probabilidade de bloqueio ainda são muito altos em alguns casos,<br />
visto que, nos fluxos 2, 5 e 6, ultrapassam o limite máximo de 0,03 estabelecido por<br />
Walker et al. (2002) e ainda estão longe de atingir o valor ideal de 0,005. Esses valores<br />
ideais seriam necessários para uma transmissão de qualidade ótima.<br />
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115<br />
Figura 5: Porcentagem de pacotes descartados.<br />
Os dados obtidos de jitter podem ser observados na figura 6. O jitter é o parâmetro<br />
que reflete a variação do atraso. Os melhores valores de jitter para a aplicação<br />
VoIP seria por volta do zero, ou seja, para uma aplicação sensível a atraso, o ideal seria<br />
que o jitter fosse nulo, no entanto, algumas métricas ainda apresentam valores altos<br />
(negativos ou positivos).<br />
Neste item de avaliação as métricas ETX e ML foram bem sucedidas visto que<br />
tiveram os melhores valores de jitter, isto é, mais próximos de zero. Os demais protocolos<br />
obtiveram valores que revelam ainda grandes variações no atraso.<br />
Atualmente existem técnicas utilizadas para que os valores de jitter tenham<br />
menos efeito na qualidade de serviço. Uma dessas técnicas é a utilização de buffers, no<br />
entanto, mesmo com uso buffers os dados podem ser descartados caso o atraso for<br />
muito grande.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
116<br />
Figura 6: Porcentagem de pacotes descartados.<br />
Portanto, de um modo geral, as métricas propostas MD, ML, ETX possuem melhores<br />
resultados do que o protocolo OLSR original por causa de sua capacidade de<br />
qualificar um enlace com maior propriedade.<br />
Quando comparado ao protocolo reativo AODV, este ainda apresenta bons resultados.<br />
Uma boa característica apresentada pelo protocolo AODV é o seu baixo valor<br />
de atraso e de perda de pacotes.<br />
Vale destacar que os valores de probabilidade de bloqueio, que consiste na<br />
razão entre o número de pacotes descartados e o número de pacotes enviados,<br />
ainda apresentaram-se muito acima do valor ideal esperado para transmissões VoIP<br />
de qualidade.<br />
Além disso, é possível notar que apenas melhorias nos protocolos de roteamento<br />
não são soluções suficientes para o problema da transmissão de dados multimídia.<br />
É preciso haver algum tipo de classificação dos serviços, onde os pacotes prioritários<br />
poderiam receber tratamento especial.<br />
Apenas com o serviço de melhor esforço, a rede ainda gera muita perda de<br />
dados e altos valores de atraso, tornando a qualidade do serviço usuário prejudicada.<br />
5.2 ANÁLISE DA QUALIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> EXPERIÊNCIA (QOE) DO TRÁFEGO <strong>DE</strong> VÍ<strong>DE</strong>O<br />
Segundo Klima et al. (2009) os sistemas envolvendo imagem e vídeo devem ser<br />
avaliados também por um observador humano a fim de os parâmetros avaliados possam<br />
refletir na qualidade subjetiva percebida pelo sistema de visão humano.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
117<br />
Porém, os parâmetros de QoS, amplamente utilizados na avaliação de desempenho<br />
de aplicações multimídia de vídeo ou imagem, não incluem explicitamente um<br />
avaliador humano. Desta forma, os parâmetros de Qualidade de Experiência (QoE) surgiram<br />
baseados nas propriedades e atitudes relevantes que os seres humanos possuem<br />
ao explorar uma imagem.<br />
A principal função dos mecanismos de QoS é permitir as melhores formas de<br />
transferir os fluxos de tráfego pela rede. No entanto segundo Wang, et al. (2009), os<br />
usuários finais querem apenas assistir vídeos que sejam visualmente excelentes, não<br />
importando para este se os dados estão trafegando da melhor maneira possível. Para<br />
suprir esta necessidade, a qualidade de experiência visa medir parâmetros dos equipamentos<br />
da rede segundo o ponto de vista que o usuário possui.<br />
A tabela 3 apresenta os valores obtidos referente às métricas PSNR, SSIM e<br />
VQM. Os resultados apresentam melhor desempenho dos protocolos OLSR-ETX e OLSR-<br />
MD, sendo classificados com “excelente”. O protocolo AODV apresentou bons resultados<br />
e os protocolos OLSR e OLSR-ML foram classificados como “regular”.<br />
Estas classificações apresentadas na tabela 3 mostram que as métricas VQM e<br />
PSNR foram as que mais diferenciaram os protocolos, deixando mais claro quais protocolos<br />
receberiam melhores “notas” caso um usuário assistisse o vídeo recebido.<br />
Tabela 3: Resultados obtidos pelos protocolos avaliados.<br />
Protocolos VQM SSIM PSNR MOS<br />
AODV 0,76307 0,99253 36,81335 Bom<br />
OLSR 1,04347 0,98767 28.47799 Regular<br />
OLSR-ML 0,84399 0,81957 29,67611 Regular<br />
OLSR-MD 0,68084 0,99251 38,40144 Excelente<br />
OLSR-ETX 0,05546 0,99968 39,12806 Excelente<br />
A figura 7 apresenta frames do vídeo transmitido com os protocolos avaliados.<br />
Estes frames correspondem tempo de dois segundos da transmissão, a escolha do momento<br />
da captura dos frames é devido às dificuldades que a maioria dos protocolos<br />
apresentou nesse momento de transmissão.<br />
O frame original está ilustrado na figura 7.a e é a base das comparações visuais<br />
neste estudo. Esta análise de frames visa apenas dar maior respaldo as avaliações referentes<br />
às métricas de QoE utilizadas.<br />
A figura 7.b ilustra o frame referente à transmissão do protocolo OLSR e apresenta<br />
uma imagem com degradação de qualidade visual acentuada, visto que a imagem<br />
reflete bem a falha causada pelo movimento da pessoa. No entanto, a imagem ainda é<br />
passível de uma identificação visual do usuário.<br />
A figura 7.c é o resultado da utilização do protocolo OLSR-ML na transmissão do<br />
vídeo. Esta imagem apresenta uma forte degradação da qualidade visual tornando o<br />
vídeo quase imperceptível a um usuário. A imagem correspondente ao protocolo AODV<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
118<br />
pode ser vista na figura 7.d e esta apresenta também falha de movimento, deixando a<br />
imagem composta por outras imagens de fundo.<br />
Os melhores resultados são apresentados na figura 7.e e 7.f e correspondem<br />
respectivamente às métricas de roteamento ETX e MD. No entanto, partes<br />
dos vídeos correspondentes a estes protocolos ainda apresentam alguns momentos<br />
de “travamento” e falha de movimentação.<br />
6 CONCLUSÃO<br />
Figura 7: Frames transmitidos pelos protocolos avaliados.<br />
O principal atrativo das redes em malha sem fio está no fornecimento de banda<br />
larga sem fio a baixo custo a comunidades carentes. Através desta tecnologia pode-se<br />
levar conectividade a áreas de difícil acesso, onde não seria viável altos investimentos<br />
em redes que necessitam de uma grande implantação de infraestrutura.<br />
A construção da rede Mesh pode representar uma boa alternativa para fornecimento<br />
de ligações VoIP e transmissão de vídeo em ambientes públicos à medida que<br />
novas métricas de roteamento e técnicas de QoS/QoE forem capazes de fornecer melhores<br />
desempenho dos parâmetros analisados neste estudo.<br />
AODV<br />
Muitos grupos de pesquisas estão atuando no desenvolvimento das redes em<br />
malha sem fio, principalmente pelas características de baixo custo de instalação e alta<br />
flexibilidade da malha, porém vale ressaltar que ainda é necessária a definição de uma<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 105-121, jun. 2010
119<br />
padronização quanto aos produtos pré-mesh que já são oferecidos por algumas empresas.<br />
E este é um fator determinante para que a tecnologia possa alcançar mercado e<br />
torne-se presente em áreas corporativas, empresariais, residenciais e governamentais.<br />
Análises comparativas utilizando-se outros modelos de propagação desenvolvidos<br />
especificamente para áreas urbanas podem ser feitos em trabalhos futuros. Outro<br />
estudo futuro possível é a comparação entre os protocolos reativos e pró-ativos em<br />
um cenário de maior escala com maior número de nós e fluxos de VoIP e vídeo.<br />
Outro ponto desafiante são as métricas utilizadas na quantificação de QoE, como<br />
é possível notar neste trabalho, as métricas utilizadas para medir QoE já conseguem<br />
expressar o que de fato usuário pensa a respeito de um vídeo, no entanto ainda é<br />
necessário avanços nas métricas de QoE.<br />
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122
123<br />
ESTUDO SOBRE DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E SAZONAL DAS<br />
ESPÉCIES <strong>DE</strong> BAGRES MARINHOS (SILURIFORMES:<br />
ARIIDAE) DO ESTUÁRIO AMAZÔNICO<br />
Fabrício Lemos de Siqueira Mendes *<br />
Ronaldo Borges Barthem **<br />
RESUMO<br />
Pertencente à ordem dos Siluriformes os bagres marinhos e estuarinos distribuem-se<br />
pelas costas de todos os continentes, habitando áreas costeiras de região tropical e<br />
subtropical, onde vivem em águas de pouca profundidade, com fundo arenoso ou lodoso.<br />
O objetivo deste estudo é identificar as distribuições espaciais e sazonais de bagres<br />
marinhos contribuindo deste modo ao conhecimento da ecologia dessas espécies. Os<br />
espécimes foram capturados com rede de fundo sem porta. A distribuição espacial<br />
constatou que Arius phrygiatus e Hexanematichthys couma ocupam preferencialmente<br />
profundidades entre 5 a 10m, as demais espécies (Hexanematichthys parkeri, Hexanematichthys<br />
proops, Notarius grandicassis, Aspitor quadriscutis e Arius rugispinis) estão<br />
mais presentes em profundidades entre 10 a 20m. A distribuição sazonal: as espécies<br />
são abundantes durante todo o ano, com exceção de Arius phrygiatus que está mais<br />
abundante durante a estação de inverno.<br />
Palavras-Chave: Distribuição. Sazonalidade. Estuário. Amazônia. Siluriformes.<br />
ABSTRACT<br />
STUDY ABOUT DISTRIBUTION SPACE AND SPATIAL<br />
THE SPECIES OH THE CATFISH (SILURIFORMES:<br />
ARIIDAE) OF THE AMAZON STUARY)<br />
The irder Siluriformes contains marine and estuarine catfishes distributed along the coasts<br />
of all the continents, inhabiting tropical and subtropical shores where they live in<br />
shallow waters with sandy or muddy bottoms. The aim of this study is to identify spatial<br />
distribution and seasonal distribution of the species of catfishes (Siluriformes) of the<br />
Amazon stuary. Specimens were captured with bottom nets without escape doors. Arius<br />
phrygiatus and Hexanematichthys couma are the most abundant in the 5-10m depth<br />
* Professor titular da Universidade da Amazônia (UNAMA) - E-mail: fabriciolsm@gmail.com<br />
** Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) - E-mail: barthem@museu-goeldi.com.br<br />
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124<br />
range (Hexanematichthys parkeri, Hexanematichthys proops, Notarius grandicassis,<br />
Aspitor quadriscutis e Arius rugispinis) in the 10-20m range. Arius phrygiatus is the only<br />
species that has a greater abundance during the rainy season, and the other species are<br />
present both in the dry as well as the rainy season.<br />
Keywords: Catfishes. Amazon River. Distribution. Siluriformes.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Segundo Nelson (1994) a ordem dos Siluriformes é representada por mais de 30<br />
famílias, aproximadamente 412 gêneros e mais de 2.400 espécies nominais, sendo a<br />
maioria dulciaquícola. Em algumas espécies da família os acúleos das nadadeiras dorsais<br />
e peitorais representam um tipo de defesa característico da família, pois possuem<br />
um veneno hemolítico e neurotóxico. A intoxicação se dá através da inoculação do<br />
veneno na pele do atacante, provocando dor intensa no local, sendo o ferimento de<br />
difícil cicatrização; esses animais são classificados como peixes ictioacantotóxicos. (AL-<br />
MEIDA; CHAO, 1984; NELSON, 1994; SANTOS, 1952; SOERENSE, 1990).<br />
Os siluriformes ariídeos são peixes conhecidos vulgarmente como bagres marinhos<br />
ou estuarinos, descendentes de espécies de água doce (BARLETTA; CORRÊA, 1992;<br />
PITCHER; HART, 1982; TILNEY; HECHT, 1990; TOMODA, 1973). Habitam áreas costeiras de<br />
regiões tropicais e subtropicais, onde vivem em áreas de pouca profundidade, fundo<br />
arenoso ou lodoso, desovando, geralmente, nas desembocaduras dos rios. Até o seu<br />
completo desenvolvimento, os ovos são incubados nas cavidades orofaríngeas (BAR-<br />
LETTA; CORRÊA, 1992; BURGESS, 1989; CHAVES, 1994; CERVIGÓN et al., 1992; FIGUEIRE-<br />
DO; MENEZES, 1978; HIGUCHI, 1982; HUERTA-CRAIG, 1980; MOYLE; CECH, 1982; NELSON,<br />
1994; RIMMER, 1985; SANTOS, 1952).<br />
Burgess (1989), afirma que a família Ariidae apresenta onze gêneros e 144 espécies<br />
nominais, sendo que 117 pertenceriam ao gênero Arius. Para Cervigón et al.(1992).<br />
No oceano Atlântico e na costa setentrional da América do Sul, a família Ariidae é formada<br />
por quatro gêneros e treze espécies. No estuário amazônico, esta família está<br />
representada por três espécies do gênero Hexanematichthys [H. parkeri (TRAILL, 1832);<br />
H. couma (VALENCIENNES, 1840) e H. proops (VALENCIENNES, 1840)] duas espécies do<br />
gênero Arius (A. RUGISPINIS Valenciennes, 1840 e A. phrygiatus Valenciennes, 1840),<br />
uma espécie do gênero Bagre (B. bagre), uma espécie do gênero Aspistor (A. quadriscutis<br />
(Valenciennes, 1840), uma espécie do gênero Notarius [N. grandicassis (VALENCIEN-<br />
NES, 1840)] e uma espécie do gênero Cathorops [C. spixii (AGASSIZ, 1829)] (JICA, 1998).<br />
Os bagres marinhos apresentam grande importância econômica para os mercados<br />
regionais brasileiros (ARAÚJO, 1984; CONAND et al., 1995; IHERING, 1968; MISHIMA;<br />
TANJI, 1981, 1982; SANTOS, 1952). Exemplo disso é o trabalho de Reis et al. (1994), na<br />
região Sul, entre 1960 e 1992, que capturou, pela pesca artesanal, cerca de 3.359 t/ano.<br />
Conforme Guedes e Vasconcelos (1980), em Pernambuco os bagres são objeto de salga,<br />
para serem levados às localidades mais distantes da região de Itamaracá. Algumas es-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 123-132, jun. 2010
125<br />
pécies, como por exemplo, H. parkeri, além de terem um alto valor comercial pela sua<br />
carne, apresentam também valor pela sua bexiga natatória – subproduto que serve de<br />
matéria-prima de ictiocola (BARTHEM, 1985a; NOMURA, 1978; SANTOS, 1952; VERÍSSI-<br />
MO, 1970). No estuário amazônico, a família Ariidae representa mais de 80% da biomassa<br />
(JICA, 1998) e sua abundância é devido à dinâmica da mistura entre as águas continentais<br />
e oceânicas (BARTHEM, 1985a).<br />
Quanto à área de coleta, os rios Amazonas e Tocantins deságuam na costa do<br />
estado do Pará, onde formam a Foz Amazônica, na qual se dá a mistura de 20% de toda<br />
descarga dos rios do mundo com o oceano (MILLIMAN, MEAD, 1983). Apesar de o rio<br />
Amazonas ser o terceiro do mundo em volume de descargas de sedimentos, nesta<br />
região não se forma um verdadeiro delta, uma vez que a forte Corrente Equatorial, que<br />
passa pela costa NE da América do Sul, desvia a deposição dos sedimentos para a direção<br />
N-NO (MEA<strong>DE</strong> et al., 1979; SIOLI, 1966).<br />
No primeiro semestre do ano, na Foz Amazônica, ocorre um período chuvoso ou<br />
de inverno o qual é caracterizado pelo aumento da descarga dos rios, que afasta as<br />
águas marinhas da costa; e no segundo semestre ocorre o período de seca ou de verão<br />
que é caracterizado pelo inverso (BARTHEM, SCHWASSMANN, 1994; EGLER, SCHWASS-<br />
MANN, 1962).<br />
No entendimento de Sioli e Klinge (1972), a Foz Amazônica apresenta um delta<br />
interno com cerca de 380km de largura, cobrindo uma área triangular de aproximadamente<br />
85.500 km 2 , não incluindo as terras aluviais de ambos os lados e o estuário propriamente<br />
dito, com a mistura das águas dos rios Tocantins, Amazonas e do oceano<br />
Atlântico.<br />
Para Myers (1960), o estuário amazônico é formado pelas descargas dos rios<br />
Amazonas e Pará que deságuam na costa Nordeste da América do Sul, o qual é compreendido<br />
entre a foz do rio Orinoco, na Venezuela, e a baía de São Marcos, no Maranhão.<br />
O estuário amazônico abrange toda a costa dos estados do Pará e Amapá e forma um<br />
complexo ambiente aquático, de elevada produtividade biológica chegando a 385.000<br />
t/ano, que sustenta uma grande biomassa de peixes explorados comercialmente pelas<br />
frotas artesanais e industriais desses estados (BARTHEM, SCHWASSMANN, 1994; DIAS<br />
NETO, MESQUITA, 1988). Além das espécies de grande importância econômica para a<br />
região, o estuário amazônico e a vegetação circundante são considerados como um<br />
“berçário”, visto que abrigam e alimentam jovens de diversas espécies de peixes e<br />
crustáceos (BARTHEM, 1985b; DAY, JOHN, 1989; LOWE-Mc CONNELL, 1987; OLDINEZ-CO-<br />
LLART, 1987).<br />
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS<br />
Todo material utilizado neste trabalho e a metodologia de campo fez parte do<br />
projeto conjunto Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Agência de Cooperação Internacional<br />
do Japão (JICA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais<br />
Renováveis (IBAMA).<br />
O trabalho se desenvolveu no período de agosto a outubro de 1996 (estação de<br />
verão), de março a abril (estação de inverno) e agosto a outubro de 1997 (estação de<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 123-132, jun. 2010
126<br />
verão). Cada período compreendeu três viagens de quinze dias, sendo que entre uma<br />
viagem e outra houve intervalos de cinco dias (tabela 1).<br />
Tabela 1: Cronograma de viagens das coletas realizadas durante o período da pesquisa.<br />
Verão 1996 Inverno 1997 Verão 1997<br />
Dia/Mês Dia/Mês<br />
Dia/Mês<br />
08 a 22/08 07 a 21/03 08 a 22/08<br />
28 a 31/08 27 a 31/03 28 a 31/08<br />
01 a 11/09 01 a 10/04 01 a 11/09<br />
17 a 30/09 16 a 30/04 17 a 30/09<br />
01/10 01/10<br />
A área de coleta abrangeu as latitudes 0º10’ S e 2º30’ N, e longitudes 47º50’ E a<br />
50º30’ W. Toda a área foi dividida em quadrados, que foram considerados como unidades<br />
amostrais. Cada quadrado compreendia três minutos de latitude e longitude, ou<br />
aproximadamente nove milhas náuticas de lado. A área total de estudo apresentava<br />
1.330 quadrados, ou aproximadamente 42.200 km 2 (tabela 2).<br />
Tabela 2: Área de coleta agrupada em categorias de estratos de profundidade (isóbatas)<br />
e quantidade de arrastos realizados durante o período de coleta.<br />
Esses quadrados foram agrupados em três categorias de estratos de profundidade:<br />
de cinco a dez metros, de 10 a 20m e de 20 a 50m. o Estrato mais raso agrupou 539<br />
quadrados ou uma área de aproximadamente 17.200 km 2 . O estrato de profundidade<br />
intermediário, de 10 a 20m, não é contínuo, tendo uma parte pertencente ao canal dos<br />
rios e outra distribuída ao longo da costa, ambas agrupam 504 quadrados e uma área de<br />
15.700 km 2 . O estrato mais profundo, de 20 a 50m, agrupou 287 quadrados e possuía em<br />
torno de 9.300 km 2 (tabela 2).<br />
As unidades amostrais foram sorteadas aleatoriamente por estratos de profundidade,<br />
sendo 55 quadrados para o estrato mais raso, 50 para o de profundidade intermediária<br />
e 15 o de maior profundidade. Em cada quadrado foi realizado apenas um<br />
arrasto e a locação deste foi determinada com auxílio de um GPS e de cartas náuticas,<br />
publicadas pela Marinha brasileira (cartas de n° 40, 200 e 300) (tabela 2).<br />
As espécies do gênero Arius coletadas foram identificadas e quantificadas nas<br />
embarcações. As coletas foram realizadas com duas embarcações da frota piramutabei-<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 123-132, jun. 2010
127<br />
ra do estuário amazônico que arrastaram uma rede de fundo sem porta que coletou os<br />
indivíduos. As embarcações CRUSTAMAR 5 e MARILU apresentavam como características<br />
o número de registro: 7153 e 7392; marca e capacidade do motor principal: CUMMINS<br />
375 HP E CUMMINS 350 HP; tonelagem total do barco: 99,364 e 74,988 tons; comprimento<br />
do barco: 22,00 e 22,45 metros; calado (profundidade): 2,28 e 2,30 metros; largura: 6,20<br />
e 6,15 metros; tripulação: 7 e 7 pessoas; área de viagem: Costa Norte e Costa Norte,<br />
respectivamente.<br />
A velocidade de arrasto foi fixada entre dois a três nós, sempre contra a correnteza,<br />
no intervalo do nascer e pôr-do-sol, durante trinta minutos para cada estação,<br />
contando a partir do momento em que a rede chegava ao fundo.<br />
A distribuição espacial e sazonal das espécies estudadas foi analisada comparando<br />
a abundância absoluta em relação aos fatores estrato (5-10m, 10-20m e 20-50m) e<br />
estação do ano (verão 1996, inverno de 1997 e verão 1997). Utilizou-se o teste não<br />
paramétrico de Kruskal-Wallis que compara a ordem das medianas (STATISTICA for Windows,<br />
1993).<br />
3 RESULTADOS<br />
4.1 COMPOSIÇÃO POR ESPÉCIE E TAMANHO DOS ESPÉCIMES COLETADOS<br />
Coletaram-se 30.819 indivíduos dos gêneros da família Ariidae entre o verão de<br />
1996 e o de 1997. A captura não foi homogênea para os períodos estudados, sendo que<br />
nos dois primeiros (verão de 1996 e inverno de 1997) capturou-se cerca de 50% deste<br />
total. Aspistor quadriscutis foi a espécie mais abundante, representada por cerca de<br />
42% da captura total, seguida de Notarius grandicassis e Arius rugispinis, com 23% cada<br />
uma. As espécies menos abundantes foram Hexanematichthys couma e Hexanematichthys<br />
proops, que representaram 1% cada da captura total (tabela 3).<br />
Tabela 3: Espécies com seus respectivos tamanhos em cm durante o período de coleta<br />
(Me: Médio, Mi: Mínimo e Ma: Máximo).<br />
A. couma<br />
N. grandicassis<br />
H. parkeri<br />
A. phrygiatus<br />
A. proops<br />
A. quadriscutis<br />
A. rugispinis<br />
TOTAL<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 123-132, jun. 2010
128<br />
4.2 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E SAZONAL<br />
A análise da distribuição espacial e sazonal das espécies no estuário amazônico foi<br />
feita pelo teste não paramétrico de Kruskal-Wallis em que comparou a abundância desses<br />
por arrasto e estações do ano. Este foi empregado devido à distribuição das capturas não<br />
ser normal, mesmo após transformação de seus valores para este fim (log (n+1)<br />
).<br />
O teste da mediana de Kruskal-Wallis não permite analisar dois fatores ao mesmo<br />
tempo. De modo que foi analisada primeiro a distribuição espacial e depois a sazonal<br />
de todas as capturas, não tendo sido possível detectar a interação desses dois fatores.<br />
A análise do fator estrato de profundidade foi significativa para todas as espécies e<br />
para o fator estação do ano somente para Arius prhrygiatus (P
129<br />
Aspistor quadriscutis e Arius rugispinis no estrato médio (10-20m). A análise da distribuição<br />
nas estações do ano mostrou que Arius phrygiatus ocorreu em maior abundância<br />
no inverno de 1997 e as demais espécies não demonstram diferença entre os períodos<br />
de captura.<br />
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
Aos amigos Marcelo Torres, Rubens Maia, Katsushi Yoshikawa e Vitor Soares<br />
pela colaboração nas coletas e os pescadores Sr. Zé, Tio Bola, Meton e Francisco pelo<br />
conhecimento adquirido.<br />
Técnicos de laboratório senhores Raimundo Aragão e senhor Alberto Souza que<br />
sempre colocaram suas competências à minha disposição.<br />
Às bibliotecárias Ana Maria Oliveira pela revisão bibliográfica e a Graça Figueiredo<br />
e Fátima Teles pela aquisição do material bibliográfico.<br />
À UFPa, MPEG, IBAMA, JICA pela oportunidade e facilidade na elaboração do<br />
projeto inicial.<br />
À EDUEM (Editora da Universidade Estadual de Maringá) em nome de Marcus<br />
Sazzaka (editor-chefe) pela doação do livro Introdução à alimentação natural de peixes.<br />
À CAPES pela concessão da bolsa de pesquisa.<br />
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133<br />
<strong>DE</strong>TERMINAÇÃO E MO<strong>DE</strong>LAGEM DO VOLUME TOTAL <strong>DE</strong> PINUS<br />
CARIBAEA VAR BAHAMENSIS: UMA ABORDAGEM MULTIVARIADA<br />
Mário Diego Rocha Valente *<br />
João Guimarães Pinheiro **<br />
Waldenei Travassos Queiroz ***<br />
RESUMO<br />
Neste trabalho propôs-se um método para a construção de um modelo de regressão<br />
para determinar o volume de madeira total da espécie florestal Pinus caribaea var.<br />
bahamensis, em função de suas características tais como: (Índice de Área Foliar (IAF),<br />
Distribuição Angular da Folha (DAF), Diâmetro à Altura do Peito (DAP), Índice de Clareira<br />
(GAP), Idade e Altura a Área Basal (IAAB). O modelo foi determinado utilizando-se a<br />
técnica multivariada de Análise de Fatores, através do Método das Componentes Principais<br />
via Rotação Ortogonal do tipo Varimax para extração dos fatores, procurando<br />
eliminar o problema da multicolinearidade. Por fim, desenvolveu-se um modelo de<br />
Regressão Linear Múltipla com base nos Escores Fatoriais. O modelo determinado apresentou-se<br />
de fácil interpretação e utilização, usando-se dois fatores e proporcionando<br />
um bom ajuste (R²=0,91) aos dados e uma boa capacidade preditiva. Ele atendeu a todas<br />
as suposições teóricas para sua existência e utilização.<br />
Palavras-Chave: Modelo de Regressão. Volume Total de Pinus. Análise de Fatores.<br />
<strong>DE</strong>TERMINATION AND MO<strong>DE</strong>LING OF THE TOTAL VOLUME OF PINUS<br />
CARIBAEA VAR BAHAMENSIS: A MULTIVARIATE APPROACH<br />
ABSTRACT<br />
In this paper is proposed a method to build a regression model to determine the total<br />
volume of wood of the forest species Pinus caribaea var. bahamensis according its<br />
features such as: index of leaf area (IAF), angular distribution of the leaf (DAF), Diameter<br />
at breast height (DAP), index of clearing (GAP), age, height and the basal area. The<br />
model was determinated using the factors analysis multivariate technique trough method<br />
of Principal Component by Varimax orthogonal rotation to extraction of the factors<br />
eliminating the multicolinearity problem. Finally, it was developed a multiple linear<br />
* Estatístico, pós-graduando em Bioestatística pela Universidade Federal do Pará e técnico em Gestão de<br />
Infra-Estrutura de Trânsito no <strong>DE</strong>TRAN-PA.mario.valente@detran.pa.gov.br<br />
** Estatístico, pós-graduando em Ciências Florestais pela Universidade Federal Rural da Amazônia.<br />
Jgp111@yahoo.com.br<br />
*** Engenheiro agrônomo, doutor em Estatística e Experimentação Agronômica pela ESALQ-USP, professor titular<br />
da Universidade Federal Rural da Amazônia. Waldenei.queiroz@ufra.edu.br<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
134<br />
regression model based on factorial scores. The determinated model presented of easy<br />
interpretation and use, working two factors and providing a good adjust (R²=0,91) to<br />
the data and a good predictive capacity, It answered to all of the theoretical assumptions<br />
to its existence and use.<br />
Keywords: Regression Model. Total Volume of Pinus. Factors Analysis.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A flora amazônica ainda é praticamente desconhecida, com uma fantástica diversidade<br />
de plantas. O vastíssimo mar verde amazônico tem um número incalculável<br />
de espécies. Sabe-se que a Amazônia tem um gigantesco potencial madeireiro, despertando<br />
um intenso comércio, nessa área, na região, mas e necessário que tais recursos<br />
sejam mantidos de forma renovável, pois o uso indiscriminado desses vegetais pode<br />
causar, dentre outros males, a desertiûcação da região. Dentre as muitas espécies amazônicas<br />
encontra-se o Pinus caribaea var. Bahamensis.<br />
Em virtude da redução da oferta de madeira de folhosas, notadamente nas regiões<br />
Sul e Sudeste do Brasil, tem se envidado esforços para implantar florestas para<br />
suprir as necessidades de consumo e abastecimento das indústrias florestais. Neste<br />
sentido, as espécies do gênero Pinus têm sido usadas amplamente em programas de<br />
reflorestamento e, dentre esses, os Pinus tropicais têm sido usados para reflorestamentos<br />
no Brasil, notadamente nas regiões mais quentes.<br />
Hoje os plantios de Pinus no Brasil ocupam extensas áreas que compõem aproximadamente<br />
1.800.000 hectares. Na região Sul, estima-se em 1.060.000 ha as áreas<br />
plantadas com Pinus, que muito vêm contribuindo com o desenvolvimento da economia<br />
brasileira, constituindo a base para a produção de celulose e papel, embalagens,<br />
aglomerados, compensados e chapas, entre outras atividades industriais (SBS, 1998).<br />
No estado de São Paulo e nas regiões subtropicais do Brasil, os pinheiros tropicais, tais<br />
como a espécie do tipo Pinus caribaea var. bahamensis, representam alto potencial para<br />
suprimento de madeira e de celulose de fibra longa.<br />
No setor florestal, o conhecimento sobre os recursos existentes se dá por meio<br />
da medição ou estimação de atributos das árvores e das florestas, além de muitas características<br />
das áreas sobre as quais as árvores estão crescendo, por meio de instrumentos<br />
e métodos apropriados (HUSCH et al., 1993)<br />
Existem três fatores que governam a escolha das medidas a ser realizadas nas<br />
árvores: a facilidade e a velocidade que as medidas podem ser realizadas; a exatidão<br />
com que podem ser feitas e a correlação entre as medidas e características às quais se<br />
desejam uma estimativa (SPURR, 1952).<br />
De acordo com Silva e Paula Neto (1979), as medidas podem ser classificadas como<br />
diretas e indiretas. Quando são realizadas medidas diretas, faz-se, na realidade, uma<br />
determinação, enquanto as indiretas se referem à estimação (medição aproximada).<br />
Como medidas diretas, têm-se os diâmetros e as circunferências dos fustes e<br />
dos galhos das árvores, os comprimentos das toras, a espessura da casca e as alturas das<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
135<br />
árvores abatidas, entre outras. Como medidas indiretas, citam aquelas que estão fora<br />
do alcance direto do homem, sendo necessária, muitas vezes, a utilização de métodos<br />
óticos. Como exemplos dessas medidas, podem-se citar a altura e o volume das árvores<br />
em pé (SOARES et al, 2007).<br />
O conhecimento do volume total da árvore individual sobre casca é de enorme<br />
importância para o produtor florestal. Isso permite avaliar, com razoável rigor, o rendimento<br />
esperado quando um desbaste, do corte raso numa mata ou apenas de uma<br />
avaliação instantânea de existência. Uma vez que é uma variável de difícil medição<br />
direta, é necessário proceder-se à sua estimação. Para o efeito, procede-se geralmente<br />
à seleção de equações que estimem o volume da árvore em função de variáveis de mais<br />
fácil medição; é o caso do diâmetro à altura do peito e da altura total (GUIMARAES &<br />
LEITE, 1996).<br />
Diferentes condições de clima e de solo influenciam o crescimento e a relação<br />
entre as variáveis da árvore. Desta forma, a criação de modelos baseados em dados de<br />
um povoamento ou de uma região sujeita às condições uniformes de clima e de solo,<br />
permite o fornecimento aos produtores florestais de ferramentas que permitam a estimação<br />
mais exata das variáveis nesse povoamento ou região.<br />
Estudos envolvendo relações entre dados dendrométricos de dosséis florestais<br />
têm se tornado cada vez mais frequentes. Nesses estudos, é comum a aplicação de<br />
testes estatísticos com o objetivo de avaliar o grau de associação entre estes parâmetros<br />
por meio de abordagens que incluem a análise individual da ação de um parâmetro<br />
específico sobre outro (variável independente versus variável dependente) (SOUSA,<br />
1997; BERNAR<strong>DE</strong>S, 1998).<br />
Normalmente, são ajustados modelos entre parâmetros biofísicos, de forma<br />
que seja possível inferir sobre as características de um dossel florestal a partir de dados<br />
dendrométricos. Entretanto, quando da utilização de vários parâmetros simultaneamente,<br />
nem sempre os modelos são obtidos considerando-se todos os aspectos estatísticos<br />
necessários. Quando se dispõe de um grande número de variáveis, é importante<br />
entender como essas variáveis estão se comportando e como estão se relacionando.<br />
Neste contexto, as técnicas estatísticas surgem neste cenário como importantes<br />
fontes de produção de conhecimento, principalmente para estimação do volume comercial,<br />
onde o uso de equações de volume e relações hipsométricas em inventário<br />
florestal vem se constituindo operação rotineira para cálculo de volume de madeira em<br />
pé e estimativa da altura das árvores através da relação DAP e altura. Assim, o objetivo<br />
deste trabalho foi explorar os dados dendrométricos disponíveis e provenientes de<br />
plantios de Pinus carabea var Bahamensis, de modo a ilustrar a aplicabilidade e a importância<br />
do modelo de regressão em conjunto com a análise fatorial e tentar ajustar um<br />
modelo explicativo dos valores de volume de Pinus dessa região, a partir de um conjunto<br />
de variáveis biofísicas.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
136<br />
2 MATERIAL E MÉTODOS<br />
2.1 CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DA ÁREA <strong>DE</strong> ESTUDO<br />
A área de estudo consiste em plantio de Pinus caribaea var bahamensis (PCB), de<br />
uma Fazenda da Duratex Florestal S\A situada na região sudoeste do estado de São Paulo,<br />
cujas idades variam de 9,5 a 13,2 anos, caracterizando talhões maduros. Essa região apresenta<br />
como características básicas, a periodicidade de chuvas, invernos secos com deficiência<br />
hídrica, precipitação anual entre 1100 e 1400 mm, geadas pouco frequentes, temperatura<br />
media entre 16 e 19ºC, clima subtropical moderado e úmido, vegetação do tipo<br />
floresta ombrófila pluvial e campos submontanos, e altitude de aproximadamente 900<br />
metros. A variável dependente foi o volume da madeira (Pinus). As variáveis independentes<br />
consideradas inicialmente e, em princípio, explicativas do volume, foram IAF (Índice<br />
de Área Foliar), DAF (Diâmetro Angular da Folha), DAP (Diâmetro à Altura do Peito),<br />
GAP (medida da clareira), idade, altura e área basal das árvores.<br />
2.2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Em modelos de equação para estimar o volume de árvores em pé, utiliza-se<br />
constantemente uma técnica estatística chamada análise de regressão linear múltipla,<br />
na qual existe um frequente interesse com relação à natureza e significância das relações<br />
entre as variáveis independentes (altura, DAP, área basal, idade etc.) e a variável<br />
dependente (volume).<br />
Em muitas aplicações de administração, economia e principalmente nas ciências<br />
agrárias e florestais, frequentemente encontram-se variáveis independentes que<br />
estão correlacionadas entre elas mesmas e, também com outras variáveis que não estão<br />
incluídas no modelo, mas estão relacionadas às variáveis dependentes (NETER;<br />
WASSERMAN, 1974). O fato de muitas funções de regressões diferentes, proporcionar<br />
bons ajustes para um mesmo conjunto de dados é porque os coeficientes de regressão<br />
atendem várias amostras nas quais as variáveis independentes são altamente correlacionadas.<br />
Assim, os coeficientes de regressão estimados variam de uma amostra para<br />
outra quando as variáveis independentes estão altamente correlacionadas. Isso leva à<br />
informação imprecisa a respeito dos coeficientes verdadeiros, sendo esse fenômeno<br />
chamado de multicolinearidade (NETER; WASSERMAN, 1974).<br />
2.2.1 Multicolinearidade<br />
A multicolinearidade consiste em um problema comum em regressões, no qual<br />
as variáveis independentes possuem relações lineares exatas ou aproximadamente<br />
exatas. O índício mais claro da existência da multicolinearidade é quando o R² é bastante<br />
alto, mas nenhum dos coeficientes da regressão é estatisticamente siginificativo<br />
segundo o teste t convencional. As consequências da multicolinearidade em uma regressão<br />
são as de erros-padrão elevados no caso de multicolinearidade moderada ou<br />
severa e até mesmo a impossibilidade de qualquer estimação se a multicolinearidade<br />
for perfeita (GUJARATI, 2000).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
137<br />
Quando as variáveis independentes são correlacionadas, o coeficiente de regressão<br />
de uma variável independente depende de qual outra variável independente é<br />
incluída no modelo, pois adicionada ou subtraída uma das variáveis independentes<br />
mudam-se os coeficientes de regressão. Assim, um coeficiente de regressão deixa de<br />
refletir os efeitos inerentes de uma particular variável independente sobre a variável<br />
dependente, mas reflete apenas um efeito parcial (GUJARATI, 2000).<br />
A existência de multicolinearidade detectada e considerada prejudicial indica<br />
que o pesquisador deve procurar soluções para suavizar seus efeitos ruins. Várias<br />
medidas corretivas têm sido propostas, das simples às mais complexas, para suavizar<br />
os efeitos provocados pela multicolinearidade, sendo as mais usadas e citadas na<br />
literatura a remoção de variáveis, ampliação do tamanho da amostra, ridge regression,<br />
método das componentes principais, análise fatorial, redes neurais etc. (ELIAN,<br />
1988; HAIR et. al, 2005).<br />
2.2.2 Modelo estatístico de regressão linear múltipla<br />
O modelo de regressão linear múltipla descreve uma variável dependente ou<br />
resposta (Y) como função de duas ou mais variáveis independentes ou explicativas. O<br />
modelo estatístico de uma regressão linear múltipla com k variáveis regressoras<br />
X , X ,..., X ) é dado por (GREENE, 1997):<br />
(<br />
2 k<br />
Onde<br />
Y i<br />
: representa as observações da chamada variável dependente, variável explicada ou<br />
variável resposta;<br />
X ik<br />
: são chamadas de variáveis independentes, variáveis explicativas, variáveis regressoras<br />
ou covariáveis (k=1, 2,..., p);<br />
: são os parâmetros da população;<br />
: são os escores aleatórios.<br />
2.3 ANÁLISE FATORIAL (AF)<br />
A análise de fatores ou análise fatorial (AF), de modo geral, é uma técnica estatística<br />
multivariada que tem como princípio analisar a estrutura das relações ou interrelações<br />
(correlações) entre um grande número de variáveis, ou seja, descrever a estrutura<br />
de dependência de um conjunto de variáveis através da criação de fatores, que são<br />
variáveis que, supostamente, medem aspectos comuns (HAIR et al, 2005). Com o emprego<br />
dessa técnica, inicialmente podem-se identificar as dimensões isoladas da estrutura<br />
dos dados e então determinar o grau em que cada variável é explicada por cada<br />
dimensão ou fator.<br />
(1)<br />
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138<br />
Para Barroso e Artes (2003), a AF é uma técnica que descreve a estrutura de<br />
dependência de um conjunto de variáveis, através da criação de fatores, que são variáveis<br />
que, supostamente, medem aspectos comuns. Reis (2001) descreve a AF como um<br />
conjunto de técnicas cuja finalidade é representar ou descrever um número de variáveis<br />
iniciais a partir de um menor número de variáveis hipotéticas. Trata-se de uma<br />
técnica estatística multivariada que, a partir da estrutura de dependência existente<br />
entre as variáveis de interesse (em geral representada pelas correlações ou covariâncias<br />
entre essas variáveis), permite a criação de um conjunto menor de variáveis (variáveis<br />
latentes ou fatores), obtidas a partir das originais.<br />
Segundo Mingoti (2005), a AF tem como objetivo principal descrever a variabilidade<br />
original do vetor aleatório X, em termos de um número menor M de variáveis<br />
aleatórias, chamadas de fatores comuns e que estão relacionadas com o vetor original X<br />
através de um modelo linear. Neste modelo, parte da variabilidade de X, é atribuída aos<br />
fatores comuns, sendo o restante da variabilidade de X atribuído às variáveis que não<br />
foram incluídas no modelo, ou seja, o erro aleatório.<br />
2.3.1 Modelo estatístico da análise fatorial<br />
O modelo estatístico usado na análise fatorial explica uma estrutura de correlação<br />
existente entre as características, diretamente observada por meio de combinação<br />
linear de variáveis, as quais não são diretamente observadas, denominados fatores<br />
comuns, acrescidas de componente residual. Um modelo de análise fatorial pode ser<br />
apresentado na forma matricial conforme (DILLON e GOLDSTEIN, 1984).<br />
Em que:<br />
Y = é o p-dimensional vetor transposto das variáveis observadas (características),<br />
denotados por, ;<br />
= é uma matriz (p, k) tal que cada elemento x ij<br />
expressa a correlação existente<br />
entre o volume y i<br />
e o fator f j<br />
, sendo denominado matriz de cargas fatoriais com o<br />
número k de fatores menor que o número p de variáveis;<br />
(2)<br />
x ij<br />
F = é o q-dimensional vetor transposto de variáveis não-observáveis ou variáveis<br />
latentes chamadas de fatores comuns, denotado por<br />
, sendo<br />
que k
139<br />
2.3.2 Método de estimação dos escores fatoriais<br />
Dillon e Goldstein (1984) comentam que, existem na literatura vários métodos<br />
de previsão dos escores fatoriais, tais como: o método dos mínimos quadrados ponderados,<br />
método de bartlett, método de Anderson Rubin e o método de regressão. Para a<br />
definição dos fatores, estimou-se através do método de componentes principais a matriz<br />
de escores fatoriais após a rotação ortogonal Varimax da estrutura fatorial inicial,<br />
usando especificamente o método de regressão. Para cada fator f<br />
j , o i-ésimo escore<br />
fatorial extraído é definido por F , expresso da seguinte forma:<br />
ij<br />
Em que:<br />
(3)<br />
b i<br />
: são os coeficientes de regressão estimados para os n escores fatoriais comuns;<br />
x ij<br />
: são as n observações das p variáveis observadas<br />
2.3.3 Análise da confiabilidade e viabilidade da análise de fatores<br />
Uma das premissas de uma análise fatorial é que exista uma estrutura de dependência<br />
clara entre as variáveis da matriz de covariância ou de correlação. A existência<br />
de tal estrutura implica que uma variável pode, dentro de certos limites, ser prevista<br />
pelas demais. Para verificar esse fato, podem-se calcular os coeficientes de correlação<br />
parcial entre os pares de variável eliminado o efeito das demais variáveis. Espera-se<br />
que os valores obtidos sejam baixos. Diante deste problema, foram feitos testes para<br />
aferir a adequação do método à amostra de dados. Os dois principais testes aplicados<br />
foram: teste de esfericidade de bartlett e o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO).<br />
2.3.3.1 Teste de esfericidade de Bartlet<br />
Esse teste avalia a significância geral da matriz de correlação, ou seja, testa se<br />
todas as variáveis oriundas de diversos setores possuem uma possível relação em comum<br />
(DILLON; GOLDSTEIN, 1984; REIS, 2001).<br />
O teste de Bartlett testa as seguintes hipóteses nulas<br />
(4)<br />
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140<br />
Em que |R| é o determinante da matriz de correlação amostral, é a variância<br />
explicada por cada fator, n é o número de observações e p é o número de variáveis. A<br />
estatística tem uma distribuição assintótica de x 2<br />
com (0,5p(p-1)) graus de liberdade.<br />
2.3.3.2 Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)<br />
Esse teste é usado para compara as correlações parciais entre os pares de variáveis<br />
sem o efeito das demais, ou seja, testa de duas a duas variáveis e se possuem<br />
algum tipo de relação entre si (Kaiser, 1958; Reis, 2001).<br />
(5)<br />
Em que r ij<br />
é o coeficiente de correlação observado entre as variáveis i e j e a ij<br />
é<br />
o coeficiente de correlação parcial entre as mesmas variáveis que é, simultaneamente,<br />
uma estimativa das correlações entre os fatores, eliminado o efeito das demais variáveis.<br />
Os a ij<br />
deverão assumir valores próximos de zero, uma vez que se pressupõe que os<br />
fatores são ortogonais entre si.<br />
Conforme Kaiser e Rice, (1974), os valores do teste são classificados da seguinte<br />
forma:<br />
Tabela 1: Esquema geral de classificação do teste de KMO.<br />
KMO<br />
Classificação<br />
0,90 - 1,00 Excelente<br />
0,80 – 0,90 Ótimo<br />
0,70 – 0,80 Bom<br />
0,60 – 0,70 Regular<br />
0,50 – 0,60 Ruim<br />
0,00 – 0,50 Inadequado<br />
Valores do teste abaixo de 0,50 não são aceitáveis.<br />
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141<br />
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Primeiramente observou-se a ordem de grandeza das variáveis, visando detectar<br />
discrepâncias que pudessem causar problemas na análise. Posteriormente, analisou-se a<br />
viabilidade da análise fatorial a partir da matriz de correlações. O primeiro passo é um<br />
exame visual das correlações, identificando as que são estatisticamente significantes,<br />
com isso, verificou-se que, existe um número substancial de correlações maiores que<br />
0,30 (GORSUCH, 1983), supondo-se possíveis inter-relações entre as variáveis.<br />
Tabela 2: Matriz de correlação referente aos dados dendrométricos da Empresa<br />
Duratex Florestal em 2005.<br />
De acordo com a tabela 2, verificou-se que as correlações das variáveis independentes<br />
(idade, DAP, altura e área basal) com a variável dependente (volume) são moderadas<br />
acima de 0,70, e a variável mais correlacionada com o volume de madeira é a<br />
altura (r = 0,89). Observaram-se ainda uma alta correlação inversa entre as variáveis<br />
independentes IAF e GAP (r= -0,94), esses resultados fazem sentido, pois IAF e GAP são<br />
variáveis radiométricas obtidas por meio de um instrumento (LAI-2000) e são por natureza<br />
inversamente proporcional.<br />
Foi ajustado um modelo de regressão linear múltiplo para o volume de Pinus, seguindo<br />
as noções de Campos et al (1990) e Soares et al (1996), que se utilizou de uma equação de<br />
regressão para estimar o volume das árvores em estudo, de acordo com a tabela 3.<br />
Tabela 3: Ajuste inicial do modelo de regressão linear múltiplo para determinação da equação<br />
de volume de Pinus caribaea var Bahamensis da empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
142<br />
Inicialmente, foi ajustado um modelo de regressão linear múltipla para o volume<br />
de madeira de Pinus. Contudo, observou-se a presença de multicolinearidade nos<br />
dados, ou seja, verificou-se que os coeficientes, tanto de correlação de Pearson (r =<br />
0,91) quanto de determinação (R²=0,82) foram substancialmente altos e apenas a variável<br />
altura foi estatisticamente significativa com p-valor menor que o nível de significância<br />
de 0,05% e utilizando o método de regressão linear múltiplo, também se confirmou<br />
que à medida que se introduzia uma variável por vez no modelo, a natureza das mesmas<br />
também mudava, por exemplo, quando se colocou a variável DAP no modelo esta mudou<br />
o sinal das outras variáveis, indicando assim uma forte multicolinearidade nos<br />
dados. Com isso, foi realizado primeiramente a análise de fatores com as variáveis<br />
originais, para obter fatores não correlacionados das variáveis, e assim contornar o<br />
problema da multicolinearidade.<br />
O próximo passo é avaliar a significância geral da matriz de correlação com o<br />
teste de esfericidade de Bartlett, neste caso, as correlações em geral são significantes<br />
ao nível de 1% (ver tabela 4). Entretanto, isso testa apenas a presença de correlações<br />
não nulas, e não o padrão dessas correlações, assim, para testar se todas as características<br />
oriundas de diversas árvores possuem uma possível relação em comum, utilizou-se<br />
o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), ou seja, que vai testar as correlações parciais<br />
entre os pares de variáveis sem o efeito das demais, conforme tabela 2, verificou-se<br />
que, neste caso ocupa um intervalo aceitável (acima de 0,50) conforme Kaiser e Rice<br />
(1974), com um valor de 0,75 classificados como bom. Todas essas medidas indicam que<br />
o conjunto de variáveis é adequado à análise de fatores, e a análise pode prosseguir<br />
para os próximos estágios.<br />
Tabela 4: Medidas de avaliação da adequação da análise de fatores para os dados<br />
dendrométricos da Empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
Estatísticas Coeficientes P-valor<br />
Teste de esfericidade de Bartlett 268,86 0, 0012<br />
Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) 0,756 0, 0015<br />
Assim, aplicou-se a análise de fatores aos dados dendrométricos, utilizando-se<br />
o método das componentes principais para extração dos fatores via rotação ortogonal<br />
do tipo Varimax para obter melhores combinações e usando como critério para a escolha<br />
do número de fatores a extrair, o critério da raiz latente (HAIR et al., 2005; MINGOTI,<br />
2005; SANTANA, 2005).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
143<br />
Tabela 5: Resultados dos autovalores para extração de fatores, componentes<br />
de variância total explicada pelos fatores para os dados dendrométricos da empresa<br />
Duratex Florestal em 2005.<br />
A tabela 5 mostra também, os autovalores, as percentagens das variâncias explicadas<br />
e acumuladas, calculadas pelo método não rotacionado e com rotação ortogonal,<br />
contendo as informações sobre os oito fatores possíveis e seu poder explanatório relativo,<br />
utilizou-se os valores para análise (após rotação ortogonal do tipo Varimax) nos<br />
dois primeiros fatores extraídos. Percebeu-se que um modelo com apenas dois fatores<br />
seria suficiente para representar a estrutura de covariância inicial, com 23,39% de perda<br />
de informações e que expliquem 76,61% da variabilidade total dos dados originais.<br />
Sendo que o primeiro fator explica 47,38% e o segundo fator explica 29,23% Com isso,<br />
buscou-se identificar as variáveis que mais influenciam em cada fator, ou seja, as que<br />
possuem maiores cargas fatoriais.<br />
Com os resultados obtidos na tabela 6, pode-se observar que o primeiro fator<br />
possui pesos mais altos nas variáveis: DAP, altura, idade e área basal, sendo identificado<br />
como estrutura volumar. O segundo fator possui cargas fatoriais mais altas nas variáveis:<br />
IAF, GAP e DAF, sendo identificado como localização volumar.<br />
Tabela 6: Matriz de cargas fatoriais (pesos) para os dados dendrométricos<br />
da empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
Características Fator 1 Fator 2 Comunalidade<br />
Diâmetro à Altura do Peito (DAP) 0,93 0,02 0,95<br />
Idade 0,81 0,15 0,87<br />
Altura 0,95 0,04 0,90<br />
Área Basal 0,72 -0,47 0,72<br />
Índice de Área Foliar (IAF) 0,1 -0,93 0,87<br />
Distribuição Angular da Folha (DAF) 0,17 0,71 0,79<br />
Clareira (GAP) -0,04 0,97 0,79<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
144<br />
De acordo com a tabela 6, verificou-se que, a soma dos quadrados das cargas<br />
fatoriais para cada variável resulta num valor estimado da comunalidade, que é à parte<br />
da variância total explicada pelo primeiro fator, assim, o tamanho da comunalidade é<br />
um índice útil para avaliar o quanto de variância em uma dada variável é explicada pela<br />
solução fatorial, com isso, pode-se observar nesta tabela, que todas as variáveis são<br />
importantes na estrutura de covariância, pois as comunalidades são altas, acima de<br />
0,70, conforme (RENCHER, 2002).<br />
Em seguida, com a obtenção dos escores fatoriais, ou seja, medidas compostas<br />
de cada fator computado para cada indivíduo, substituindo-se as variáveis originais<br />
pelos escores fatoriais e realizou-se a regressão linear múltipla. Considerou-se como<br />
variável resposta o volume de Pinus e como variáveis explicativas os escores fatoriais<br />
referentes aos dois fatores extraídos.<br />
Ao ajustar-se um modelo com os escores fornecidos pelo primeiro fator, verificou-se<br />
que os mesmos foram significativamente importantes devido ao valor de p ser<br />
menor que o nível de significância de 5%, como mostra a tabela 7.<br />
Tabela 7: Ajuste do modelo de regressão linear simples para determinação da equação<br />
de volume de Pinus de dados dendrométricos da empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
Variáveis Coeficientes Teste t Valor de p<br />
Constante 59,59 4,31 0,000<br />
Fator 1 242,61 11,85 0,000<br />
Fator 2 -11,39 -0,572 0,003<br />
Após analisar a significância individual de cada fator de acordo com o teste t e<br />
por meio do valor descritivo (valor de p), partiu-se para analisar a significância geral do<br />
modelo de regressão, aplicando-se a análise de variância (ANOVA) aos fatores.<br />
A análise de variância mostra que se rejeita a hipótese de não haver regressão,<br />
isto é, o modelo é significativo a um nível de significância de 5%, e conclui-se que pelo<br />
menos uma variável explanatória está relacionada com o valor de volume de madeira<br />
de Pinus, conforme a tabela 8.<br />
Tabela 8: Análise de variância para a significância da equação de volume de Pinus de<br />
dados dendrométricos da empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
F.V G.L S.Q Q.M F Valor de p<br />
Regressão 2 115315,69 57657,850 70,49 0,0001<br />
Resíduo 33 26991,61 817,920<br />
Total 35<br />
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145<br />
Analisando-se as medidas de ajuste, observa-se que os valores do coeficiente<br />
de correlação múltiplo (R múltiplo), o coeficiente de determinação (R 2 ) e o coeficiente<br />
de determinação ajustado (R 2 ajustado), são consideravelmente altos, indicando alta<br />
correlação da variável dependente com as variáveis independentes, e alta explicação<br />
da variável dependente pelas variáveis independentes, indicando que o modelo ajustado<br />
explica bem a variabilidade do valor do volume de madeira de Pinus.<br />
Tabela 9: Medidas referentes ao ajuste da equação de volume de madeira de<br />
Pinus de dados dendrométricos da empresa Duratex Florestal em 2005.<br />
Medidas Estatísticas<br />
Valores<br />
Coeficiente de Correlação Múltiplo (R múltiplo) 0,90<br />
Coeficiente de Explicação (R²) 0,93<br />
Coeficiente de Explicação Ajustado (R² ajustado) 0,91<br />
Em suma, o coeficiente de determinação múltiplo, que representa a proporção<br />
da variação em Y (valor) que é explicada através do conjunto de variáveis explanatórias<br />
selecionadas, apresentou um valor igual a 91% da variação no volume pode ser explicado<br />
através da variação nas variáveis e 9% do volume são explicados por outras variáveis<br />
que não constam no modelo, conforme tabela 9.<br />
Portanto, a equação de regressão linear múltipla para os dados do volume de<br />
Pinus que descreve o relacionamento entre o valor de mercado e os dois fatores independentes<br />
é:<br />
VOLUME Pinus<br />
= 59,5978 + 242,6155*Escore do Fator 1 -10,3907*Escore do Fator 2.<br />
Sendo que o escore do fator 1 seria uma combinação linear entre as variáveis<br />
DAP, idade, altura e área basal e o escore do fator 2 por uma combinação das variáveis<br />
IAF, DAF e GAP obtidas por meio de um método de regressão linear múltipla, sendo<br />
desmembrado da seguinte forma.<br />
VOLUME Pinus<br />
= 59,5978+242,61*[(0,93*DAP)+(0,81*Idade)+(0,95*Altura)+(0,72*Área<br />
Basal)] -10,3907[(-0,93*IAF)+(0,71*DAF)+(0,97*GAP)]<br />
Assim, a equação estimada para o volume de Pinus em função de suas características<br />
pode ser usada para predizer o volume de outras árvores sem o problema da<br />
multicolinearidade.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
146<br />
4 CONCLUSÃO<br />
Este trabalho teve como objetivo a aplicação conjunta das técnicas de análise<br />
multivariada, para determinação do volume de madeira de Pinus da empresa Duratex<br />
Florestal em 2005. A transformação e redução do número de variáveis pode ser obtida<br />
pelo método da análise de fatores, sem perda significativa de informações, e obtendose<br />
variáveis não correlacionadas, por meio de dois fatores. Com os resultados obtidos<br />
da análise fatorial partiu-se para a construção do modelo de regressão linear múltipla<br />
para o volume de Pinus, evitando-se o problema de multicolinearidade. No modelo<br />
ajustado obteve-se regressão com R² maior que 91%, o que garante a consistência da<br />
regressão para estimativa do volume de madeira de plantio de Pinus.<br />
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Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 133-146, jun. 2010
147<br />
FATORES FAMILIARES E ESCOLARES PREPON<strong>DE</strong>RANTES NO<br />
<strong>DE</strong>SEMPENHO ESCOLAR DOS ESTUDANTES DAS<br />
REGIÕES NORTE E SU<strong>DE</strong>STE<br />
Diego Rafael Reis Duarte *<br />
John Anthony da Conceição Pantoja **<br />
Sérgio Castro Gomes ***<br />
RESUMO<br />
Este estudo identificou fatores determinantes da proficiência em matemática,<br />
relacionados à família e à escola, dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, nas<br />
regiões Norte e Sudeste, com foco sobre a redução das desigualdades regionais. Foram<br />
utilizados um modelo de regressão múltipla e os microdados do SAEB-2005, sendo a<br />
proficiência em matemática a variável dependente e as características pessoais,<br />
familiares, e das escolas dos alunos as variáveis explicativas. Os resultados indicam que<br />
meninos com computador em casa, gostam de matemática, e fazem a lição, obtêm<br />
melhores notas em matemática. E ainda: que a reprovação e a quantidade de pessoas<br />
morando no domicílio pioram os desempenhos. Outros resultados interessantes são<br />
que à medida que a escolaridade do pai e o número de computadores na escola<br />
aumentam eleva-se o desempenho, e a existência de aparelho de vídeo e projeto<br />
pedagógico na escola melhora o desempenho.<br />
Palavras-Chave: Desempenho. Fatores Determinantes. Desigualdades.<br />
FAMILY AND SCHOOL FACTORS PREPO<strong>DE</strong>RANT IN PERFORMANCE<br />
SCHOOL OF THE STU<strong>DE</strong>NTS OF REGIONS NORTH AND SOUTHEAST<br />
ABSTRACT<br />
This study identified determinants of proficiency in mathematics, among the variables<br />
related to family and school, of the students in the 4th grade of elementary school, in the<br />
North and Southeast, with a focus on reducing regional inequalities. We used a multiple<br />
regression model and micro data SAEB-2005, with proficiency in mathematics the<br />
dependent variable and the personal characteristics, family and school students as<br />
* Licenciado em Matemática pela Universidade da Amazônia – <strong>Unama</strong>, diegoduarte.jj@gmail.com<br />
** Licenciado em Matemática pela Universidade da Amazônia – <strong>Unama</strong>, johnanthonydacp@hotmail.com<br />
*** Professor pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Socioeconomia da Universidade da Amazônia –<br />
<strong>Unama</strong>, scgomes@unama.br<br />
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explanatory variables. The results indicate that boys with computer at home, like math,<br />
and make the lesson get better grades in math. And that failure, and the number of<br />
people living in worse performance. Other interesting findings are that as the father’s<br />
schooling and the number of computers in schools amounts to increase the performance<br />
and the existence of video equipment and teaching project at school improves<br />
performance.<br />
Keywords: Performance. Determinants. Inequalities.<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
A educação tem papel fundamental para o desenvolvimento econômico de um<br />
país, pois é um dos canais utilizados para reduzir as desigualdades sociais. No Brasil<br />
percebe-se acentuadas diferenças socioeconômicas e educacionais entre as regiões<br />
Norte e Nordeste e as demais regiões do país.<br />
Nos anos de 1990 observou-se uma ampliação do número de vagas ofertadas<br />
para o Ensino Fundamental e Médio nas quatro esferas administrativas do sistema<br />
educacional brasileiro. Segundo Luz (2006), nos anos de 1990 houve um aumento da<br />
média de escolaridade no Brasil e a ampliação do Ensino Fundamental alcançou 97,0%<br />
das crianças e 7 a 14 anos.<br />
No contexto dos estados da Amazônia Legal 1 , a média dos anos de escolaridade<br />
teve um crescimento de 22,6%, saindo de 4,69 anos, em 1990, para 5,75 anos, em 2004,<br />
registrando um crescimento absoluto de 1,06 ano. Em termos absolutos, o crescimento<br />
dos anos de escolaridade da Região Amazônica ficou 0,54 ano abaixo do registrado no<br />
Brasil (1,60 ano), para o período compreendido entre 1990 (4,8 anos) e 2004 (6,4 anos).<br />
Ao se comparar a média dos anos de estudos da Região Amazônica com a média<br />
observada na Região Sudeste e Brasil, tem-se que na Região Sudeste a média de<br />
escolaridade cresceu 29,5%, quando se compara a média de anos de estudo de 2004<br />
(6,94 anos) com a de 1990 (5,36 anos). Na Região Amazônica a média, em 1990, foi de<br />
4,69 anos, passando para 5,75 anos em 2004, crescendo 22,6%, enquanto no Brasil, o<br />
crescimento alcançou 32,8% no mesmo período. Essa situação sinaliza para o fato do<br />
crescimento nos anos de estudo ter ocorrido de forma desigual entre as várias regiões<br />
do Brasil, o que reforça as diferenças sociais, econômicas e educacionais resultando na<br />
redução do nível de oportunidades de inserção no mercado de trabalho dos jovens<br />
residentes nas regiões menos desenvolvidas do país como as Regiões Norte e Nordeste<br />
(GOMES, 2007).<br />
A partir de 1996, com a criação do Fundo de Manutenção do Desenvolvimento<br />
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUN<strong>DE</strong>F) e a nova Lei de<br />
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), tem-se a expansão do Ensino<br />
Fundamental, a interiorização do ensino superior, a ampliação das vagas nos cursos<br />
1<br />
Estados da Região Norte mais parte do território dos estados do Maranhão e Mato Grosso.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
149<br />
supletivos, além do surgimento de programas de alfabetização de adultos, o que<br />
contribui para a elevação dos anos de estudo na região (LOUREIRO, 2004).<br />
A taxa de escolarização de crianças entre 7 e 14 anos no Ensino Fundamental, na<br />
Região Amazônica, passou de 88%, em 1994, para 96%, em 2000, o que significa um<br />
elevado crescimento em um curto período de tempo, quase alcançando a meta de<br />
universalização do Ensino Fundamental (INEP, 2000).<br />
Um dos questionamentos feitos com base na ampliação do número de anos de<br />
estudos, e do número de vagas destinadas aos estudantes é sobre a qualidade desse<br />
ensino. Assim como, se a formação das habilidades e competências dos alunos atende<br />
às exigências do mercado de trabalho em que o aluno irá procurar emprego. Os<br />
resultados dos diversos testes aplicados pelo INEP indicam uma queda da pontuação<br />
nas provas de Língua Portuguesa e Matemática , isto é, apresentam evidências para o<br />
baixo nível da formação básica.<br />
Os resultados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB, 2005) que avalia<br />
o desempenho dos estudantes da 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do<br />
Ensino Médio com base nos resultados dos testes de Matemática e língua portuguesa<br />
para a Região Norte mostram que, no período de 1995 a 2003, ocorreu uma queda na<br />
pontuação auferida pelos alunos das três séries investigadas, em ambas as disciplinas.<br />
Os resultados para a Região, em 2005, mostram que houve uma inversão na<br />
trajetória da média para a 4ª série do Ensino Fundamental nas provas de língua portuguesa<br />
e Matemática que ficaram acima da obtida nos anos anteriores. Para a 8ª e a 3ª do Ensino<br />
Médio a obtenção de valores inferiores aos dos anos anteriores continua, mostrando<br />
que o desempenho dessas séries permanece em uma trajetória declinante comparada<br />
à do Brasil e da Região Sudeste, só igualando-se, ou ficando melhor ao atingido por<br />
alguns estados da Região Nordeste (INEP, 2007).<br />
Essa queda também foi percebida em outras regiões do Brasil, porém, se comparada<br />
à Região Sudeste, a pontuação obtida pelos alunos da Região Norte, em 2005, fica abaixo<br />
desta em pelo menos 22 pontos, em termos absolutos (INEP, 2007; GOMES, 2007).<br />
As estatísticas obtidas para os anos de estudos e a nota de proficiência na<br />
disciplina Matemática para o Brasil e as várias regiões mostram haver evidências<br />
significativas da disparidade existente em relação ao desempenho escolar dos alunos<br />
na 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. Diante dessa<br />
constatação, o questionamento que se faz é com relação ao efeito dos fatores<br />
relacionados à família, à escola e ao professor que estão correlacionados com o sucesso<br />
escolar do aluno e que contribuem para reduzir as desigualdades de oportunidades<br />
entre os estudantes das duas regiões.<br />
As políticas públicas voltadas para a melhoria do desempenho dos alunos do<br />
ensino básico perpassam por várias ações focadas sobre a escola, docentes, diretores e<br />
indiretamente sobre as famílias que participam dos programas de renda mínima<br />
estabelecidos pelo governo federal, como o programa bolsa escola.<br />
O objetivo geral do presente artigo é o identificar os fatores determinantes da<br />
proficiência em Matemática na 4ª série do Ensino Fundamental referente aos aspectos<br />
relacionados à família, aos atributos escolares, e à formação dos professores nas Regiões<br />
Norte e Sudeste.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
150<br />
Em termos específicos pretende-se comparar o desempenho dos alunos das<br />
Regiões Norte e Sudeste, a partir da proficiência média em Matemática na 4ª série do<br />
Ensino Fundamental dos estudantes das duas regiões; avaliar se há diferenças<br />
significativas entre as regiões com relação aos resultados das proficiências médias em<br />
Matemática; calcular os níveis de proficiência média obtido pelos estados que compõem<br />
as regiões observadas, tomando-se como base de comparação o estado de São Paulo<br />
para a Região Sudeste e o estado do Pará para a Região Norte<br />
Por fim, os resultados do estudo contribuirão para o maior entendimento sobre<br />
as disparidades da qualidade da educação entre as regiões Norte e Sudeste e<br />
consequentemente diminuir as desigualdades socioeconômicas do país.<br />
O estudo está dividido em 5 seções, incluindo-se esta introdução. Na segunda<br />
seção, é feita uma pequena revisão da literatura sobre determinantes do desempenho<br />
escolar. Na terceira seção, será abordada a metodologia e a base de dados utilizada. Na<br />
quarta seção, serão apresentados os resultados mais importantes do estudo como as<br />
análises descritivas e de regressão da amostra. E na última seção, são dadas as<br />
considerações e conclusões finais do estudo.<br />
2 REVISÃO DA LITERATURA<br />
Os estudos sobre determinantes do desempenho escolar vêm se tornando cada<br />
vez mais comuns no cenário educacional brasileiro. Este fato decorre, em grande medida,<br />
da disponibilidade de levantamentos e avaliações estatísticas sobre escolas, alunos,<br />
professores, e diretores em todo o país, alguns dos quais podemos citar: Censo Escola;<br />
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB; Exame Nacional do Ensino<br />
Médio – ENEM, entre outros.<br />
Segundo Soares (2002), a maioria dos estudos abordando os fatores associados<br />
ao sucesso escolar, no Brasil, pode ser dividido em duas categorias, de acordo com o<br />
foco adotado sobre os determinantes do desempenho.<br />
Uma destas categorias refere-se aos estudos denominados de qualitativos do<br />
desempenho. Estes focam a análise nas funções de qualidade da educação. Sendo a<br />
qualidade nesses estudos entendida como uma habilidade cognitiva de um aluno aferido<br />
através de testes padronizados de avaliação do conhecimento, como é o caso da avaliação<br />
realizada pelo SAEB que avalia o nível de conhecimento dos estudantes através da<br />
proficiência alcançada nos seus exames.<br />
Um exemplo de estudo qualitativo é o trabalho desenvolvido por Felício e Biondi<br />
(2007), que analisa os atributos escolares que possam ser alvos de políticas educacionais<br />
voltadas ao aumento da proficiência escolar. Sua maior contribuição ao tema é utilizar<br />
dados e metodologia ainda não utilizados para tal propósito.<br />
No estudo foi utilizado como amostra um painel de dados do SAEB, que<br />
possui informação de escolas que se repetem nos anos de 1999 a 2003, e também<br />
por dados do Censo Escola, que complementa as informações das escolas, ambos<br />
do INEP/MEC. Foram aplicados como metodologia de regressão e estimação, os<br />
métodos de Mínimos Quadrados Ordinários e de Efeitos Fixos. Este último tem a<br />
característica de controlar os efeitos sobre o desempenho das variáveis não<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
151<br />
observáveis que têm alguma relação com o desempenho, ou seja, controla-se o<br />
efeito daquelas variáveis não incluídas na regressão.<br />
Entre os efeitos mais robustos e significativos encontrados, tem-se que a<br />
ausência de rotatividade dos professores ao longo do ano letivo, a experiência média<br />
dos professores superior a dois anos em sala de aula e a existência na escola de conexão<br />
com a Internet afeta positivamente a proficiência média da escola. Outros resultados<br />
interessantes foram que a forma de escolha do diretor tem efeito positivo sobre o<br />
desempenho médio da escola. A existência na escola de laboratório de informática está<br />
negativamente relacionada com o desempenho, porém há evidências de que o uso de<br />
computadores para fins pedagógicos tem efeitos positivos sobre a proficiência.<br />
Em geral, nos estudos sobre determinantes do sucesso educacional, os autores<br />
dividem as variáveis explicativas do desempenho escolar em dois tipos: variáveis<br />
relativas ao aluno e suas características familiares; e as variáveis relativas à escola como<br />
professores, a infraestrutura escolar, entre outras.<br />
Segundo o Relatório Coleman (1966, apud LUZ, 2006), as características familiares<br />
e individuais do aluno são mais importantes que os fatores escolares na determinação<br />
do desempenho escolar. O relatório foi um estudo feito nos Estados Unidos em 1966,<br />
visando avaliar equidade e a qualidade educacional daquele país. Sua publicação foi<br />
precursora da enorme quantidade de estudos empíricos sobre a qualidade da educação,<br />
estimulando as discussões sobre a importância relativa dos fatores escolares para a<br />
proficiência educacional (G. NETO et al, 1994).<br />
Para César e Soares (2001), fatores escolares explicam uma porcentagem menor<br />
na formação das habilidades dos alunos, porém eles são preponderantes para provocar<br />
uma mudança na trajetória acadêmica do aluno.<br />
Segundo Barbosa e Fernandes (2001), o desempenho escolar do aluno não<br />
depende exclusivamente das suas características individuais. A escola tem a sua parcela<br />
de responsabilidade. A pesquisa avalia os fatores que marcam a diferença entre escolas<br />
e contribuem para a sua eficácia, controlando por nível socioeconômico. A pesquisa<br />
conclui que a motivação dos alunos, relação casa-escola, condições físicas da escola, e<br />
atributos associados aos professores são fatores importantes na explicação da<br />
proficiência em Matemática para os alunos da 4ª série no Brasil.<br />
A literatura sobre avaliação e desempenho escolar não é conclusiva sobre a<br />
responsabilidade da escola na proficiência dos alunos. A escola tem um impacto<br />
significante nos resultados escolares dos alunos (NUTTAL et al, 1989; MORTIMORE et al<br />
, 1988; MORTIMORE, 1993 apud LUZ, 2006).<br />
Outros autores levam em conta não só o efeito escola, mas também o efeito<br />
turma e sugerem que grande parte da dispersão dos resultados escolares até então<br />
atribuídos à escola (o efeito escola) são de fato atribuídos à turma, e que os professores<br />
é que fazem a diferença na aprendizagem (HILL E ROWE, 1994 apud LUZ, 2006).<br />
O presente artigo visa contribuir com o conjunto de pesquisas baseadas em modelos<br />
de regressão linear múltipla onde a variável dependente é o desempenho do aluno medido<br />
por sua nota de proficiência, e que tem como variáveis independentes ou explicativas fatores<br />
relacionados ao ambiente familiar, escolar e na formação e conduta dos professores, além<br />
de capturar o efeito da variável estado em cada uma das regiões em comparação.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
152<br />
3 METODOLOGIA<br />
As análises sobre o desempenho dos alunos em Matemática da 4ª série do Ensino<br />
Fundamental abrangerão os resultados obtidos pelo Sistema Nacional de Avaliação da<br />
Educação Básica (SAEB) para as Regiões Sudeste e Norte, no ano de 2005.<br />
O SAEB, é um sistema de avaliação concebido com o propósito de aferir o<br />
desempenho dos alunos da 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino<br />
Médio nas disciplinas de Português e Matemática, de forma sistemática, o que possibilita<br />
verificar a eficácia, a eficiência e a efetividade das políticas públicas voltadas à educação.<br />
O resultado do SAEB além de monitorar a proficiência dos alunos contribui para<br />
dotar os órgãos educacionais, nas três esferas de governo, de informações necessárias<br />
ao planejamento e elaboração de políticas educacionais direcionadas à melhoria da<br />
qualidade e da equidade da oferta de serviços educacionais que consigam elevar o nível<br />
de formação dos indivíduos.<br />
A partir das informações do SAEB, o Ministério da Educação – MEC e as<br />
secretarias estaduais e municipais podem definir ações voltadas para a correção das<br />
distorções e debilidades identificadas e dirigir seu apoio técnico e financeiro para o<br />
desenvolvimento e a redução das desigualdades ainda existentes no sistema<br />
educacional brasileiro (INEP, 2007).<br />
Para efeito de comparação de sistemas de ensino foram escolhidas duas regiões<br />
geográficas, quais sejam: a Região Sudeste, que obteve índices elevados de desempenho<br />
médio na avaliação realizada pelo SAEB, em 2005, e a Região Norte.<br />
As variáveis selecionadas nos microdados do SAEB-2005 foram escolhidas com<br />
base na literatura qualitativa sobre determinantes do desempenho escolar, com vistas<br />
a proporcionar uma melhor discussão sobre o tema. Foram utilizadas variáveis relativas<br />
ao aluno, suas características pessoais, de motivação pelo estudo, e de suas famílias, e<br />
das variáveis relativas à escola que o aluno frequenta como a formação do professor, os<br />
equipamentos escolares, e a localização da escola (quadro 1).<br />
As características pessoais do aluno estão sendo observadas pelas variáveis<br />
sexo de aluno, sua cor ou raça, se possui computador em casa, se mora com a mãe e<br />
com o pai, quantas pessoas moram na casa do aluno, e ainda características de<br />
motivação como gosto pela Matemática, se o aluno faz a lição de casa, se ao aluno<br />
alguma vez já sofreu reprovação, e sua defasagem escolar ou distorção série-idade.<br />
As características da família do aluno foram representadas apenas pelas variáveis que<br />
analisam a escolaridade do pai.<br />
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153<br />
Indica como o aluno se declara (branco,<br />
negro, pardo, mulato, indígena)<br />
médio<br />
série<br />
Indica a existência de antena parabólica<br />
na escola<br />
vídeo<br />
Quadro 1: Relação das variáveis selecionadas nos microdados do SAEB, descrição e<br />
referência<br />
Fonte: Elaborado pelos autores.<br />
(1) Alguns estudos analisam os equipamentos escolares como variável proxy da infraestrutura da escola.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
154<br />
Com relação às características escolares escolhemos as variáveis que analisam a<br />
formação professor, e a preocupação com seu aperfeiçoamento didático-pedagógico<br />
medido pela variável formação continuada. Foram ainda analisadas as variáveis relativas<br />
à infraestrutura da escola e seus equipamentos disponíveis como, a existência de projeto<br />
pedagógico na escola, o número de computadores, a existência de biblioteca, e dos<br />
seguintes aparelhos: televisão, aparelho de som, aparelho de vídeo, e antena parabólica.<br />
A etapa inicial de avaliação foi desenvolvida a partir dos resultados encontrados<br />
para as estatísticas descritivas de cada uma das variáveis utilizadas na pesquisa,<br />
envolvendo as seguintes medidas: menor valor, maior valor, média, quartil1, quartil3 e<br />
desvio padrão. Tabelas de distribuição de frequências da proficiência serão geradas<br />
como forma de comparar a distribuição das notas em cada região.<br />
Como forma de verificar se há diferenças significativas entre as médias obtidas<br />
para cada uma das regiões, aplica-se o teste estatístico t para testar a hipótese nula de<br />
que as médias são iguais,<br />
Para avaliar o efeito de cada um dos fatores ligados às diferentes dimensões do<br />
estudo, sobre o desempenho dos alunos, foi especificado o modelo de regressão linear<br />
múltipla abaixo:<br />
valores<br />
de X se referem às variáveis explicativas listadas no Quadro 1 e os parâmetros betas são<br />
os parâmetros a serem estimados.<br />
A equação de regressão acima será estimada utilizando-se o Método de Mínimos<br />
Quadrados ponderados, em decorrência da disponibilidade do peso de cada aluno na<br />
amostra disponível na base de dados do SAEB/2005.<br />
Para verificar se os coeficientes da regressão da proficiência, com base nos dados<br />
das subamostras referentes às regiões Sudeste e Norte, são estatisticamente diferentes<br />
aplicou-se o teste de Chow aos dados.<br />
4 RESULTADOS<br />
O resultado encontrado para o teste t de diferença das médias da proficiência<br />
de Matemática na 4ª série do Ensino Fundamental para as Regiões Norte e Sudeste<br />
mostra que há evidência estatística em nível de significância de 1,0% de probabilidade<br />
para rejeitar a hipótese de que as médias são iguais.<br />
Tais diferenças expressam as desigualdades existentes entre os sistemas de<br />
ensino nessas regiões cuja origem pode estar relacionada a fatores ligados ao<br />
desempenho escolar, como as variáveis listadas no quadro 1.<br />
Os resultados do SAEB para o ano de 2005 mostraram que a Região Sudeste<br />
apresentou proficiência média em Matemática superior à obtida pela Região Norte,<br />
207,71 e 175,88 pontos, respectivamente, para a 4ª série do Ensino Fundamental. Sendo<br />
a diferença absoluta da nota média entre as Regiões de 32,83 pontos (tabela 1).<br />
Dentre os estados da Região Sudeste, em 2005, Minas Gerais obteve a melhor<br />
nota, 218,24 pontos de proficiência média, maior que o observado para a própria Região<br />
Sudeste e inclusive para o estado São Paulo, que obteve média de 199,60 pontos, sendo<br />
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155<br />
esta a menor proficiência média da Região Sudeste. Os estados do Espírito Santo, e do Rio<br />
de Janeiro tiveram desempenhos médios, respectivamente, de 200,22 e 205,62 pontos.<br />
Tabela 1: Distribuição da proficiência em Matemática dos alunos da 4ª série do<br />
Ensino Fundamental para os estados das Regiões Norte e Sudeste, em 2005.<br />
Fonte: Inep<br />
Elaboração e cálculos: autores do trabalho<br />
Analisando-se os dados para a Região Norte, em 2005, Rondônia obteve a melhor<br />
nota, apresentando uma proficiência média de 181,39. Porém, a nota de Rondônia ficou<br />
abaixo da apresentada pelo estado de São Paulo. O estado do Amapá obteve o pior<br />
desempenho da Região Norte, pois apresentou uma média de 162,60 pontos de<br />
proficiência. O estado do Pará obteve proficiência média em Matemática de 178,19.<br />
A amplitude interquartílica para Região Norte foi de 56,45 pontos, abaixo da<br />
observada para a Região Sudeste de 76,57. Esse resultado mostra a dispersão das notas<br />
centrais. A amplitude total das notas para as Regiões Norte e Sudeste foi de 288,39 e<br />
303,84 pontos, respectivamente. Esses resultados mostram haver maior dispersão das<br />
notas na Região Sudeste, ou seja, menos equidade no resultado do teste, no entanto, a<br />
Região Norte apresenta menor dispersão para resultados abaixo dos encontrados para<br />
a Região Sudeste.<br />
As informações retiradas dos microdados do SAEB, em 2005, apontam que nas<br />
Regiões Norte e Sudeste a porcentagem de estudantes do sexo masculino e feminino é<br />
de aproximadamente 50% em ambas as Regiões (48,42% e 51,57%, respectivamente,<br />
nas Regiões Norte e Sudeste), já a porcentagem de estudantes que se declararam da cor<br />
ou raça branca é muito maior entre os estudantes da Região Sudeste, 42,84%, comparada<br />
à Região Norte, que apresenta um percentual de 29,25% de brancos (tabela 3).<br />
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156<br />
Tabela 3: Média e desvio padrão das variáveis relativas ao aluno e sua família dos<br />
estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental avaliados em Matemática pelo<br />
SAEB para as Regiões Norte e Sudeste, em 2005.<br />
D. padrão<br />
Fonte: Inep.<br />
Elaboração e cálculos: autores do trabalho.<br />
A quantidade de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental que possui<br />
computador em casa, e mora com mãe e pai ainda é maior na Região Sudeste, sendo<br />
41,07% a quantidade de alunos que possui computador em casa, e 68,91% dos alunos<br />
que moram com pai e mãe, na Região Norte estes percentuais caem, respectivamente,<br />
para 21,43% e 62,09%, vale ressaltar que a quantidade de estudantes da Região Sudeste<br />
que tem computador em casa é quase o dobro da Região Norte, demonstrando assim<br />
desigualdades socioeconômicas entre as regiões.<br />
O número de moradores no domicílio em que o aluno da 4ª série do Ensino<br />
Fundamental reside é em média de 4,6 pessoas para a Região Sudeste e de 5,05 pessoas<br />
para a Região Norte. Ou seja, o número de moradores por domicílio, em ambas as<br />
Regiões, é de 5 pessoas, aproximadamente.<br />
Há uma maior parcela de estudantes da Região Norte com o pai com Ensino<br />
Fundamental incompleto (24,06%); na Região Sudeste este percentual cai para 19, 53%.<br />
A maior parcela de estudantes na Região Sudeste tem o pai com ensino superior completo<br />
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157<br />
(21,62%), na Região Norte este percentual cai para 15,74%. O percentual de alunos com<br />
pai com Ensino Médio incompleto foi de 7,99% para a Região Norte e de 8,83% para a<br />
Região Sudeste. A proporção de alunos que tem o pai com ensino superior incompleto<br />
para a Região Norte e Sudeste foi, respectivamente, de 9,86% e 10,71%. Tal fato<br />
demonstra uma maior escolaridade dos pais na Região Sudeste.<br />
Há ainda uma grande proporção de alunos que declaram não saber a escolaridade<br />
dos pais em ambas as Regiões, 39,22% para a Região Norte, e 35,12% na Região Sudeste.<br />
Os estudantes da Região Sudeste estavam, em 2005, em média, com 0,56 anos<br />
acima da idade adequada para a 4ª série do Ensino Fundamental, que segundo o sistema<br />
de ensino escolar do país seria de 10 anos; na Região Norte essa média cai para 0,44 ano.<br />
Assim é evidente que a defasagem escolar é maior na Região Sudeste.<br />
O percentual de estudantes que declararam já ter sofrido pelo menos uma reprovação<br />
durante seu percurso escolar é bastante elevado na Região Norte comparado ao da Região<br />
Sudeste atingiu 31,94% e 19,15% dos estudantes, respectivamente, nas duas Regiões.<br />
Nas Regiões Norte e Sudeste a maior parcela dos estudantes da 4ª série do<br />
Ensino Fundamental declara gostar de estudar Matemática e faz a lição de casa<br />
regularmente, sendo estes percentuais na Região Norte de 87,96% e 95,24%, e na Região<br />
Sudeste de 91,67% e 96,38%.<br />
Tabela 4: Média e desvio Padrão das variáveis relativas à escola dos estudantes da 4ª<br />
série do Ensino Fundamental avaliados em Matemática pelo SAEB para as<br />
Regiões Norte e Sudeste, em 2005.<br />
= 1 professor com ensino<br />
= 1 professor com ensino<br />
superior<br />
= 1 professor participou<br />
de curso de aperfeiçoamento<br />
D. padrão<br />
Fonte: Inep.<br />
Elaboração e cálculos: autores do trabalho.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
158<br />
Os professores da Região Sudeste possuem melhor formação escolar, sendo<br />
que 79,23% deles possuem formação superior; na Região Norte este percentual cai para<br />
66,31%, sendo esta diferença de aproximadamente 12 pontos percentuais. O percentual<br />
de professores com Ensino Médio é muito maior na Região Norte (33,69%) comparado<br />
ao da região Sudeste (20,77%). Com relação a preocupação dos professores e dos gestores<br />
da educação quanto à qualificação didático-pedagógica no ensino da Matemática, 83,70%<br />
dos professores da Região Norte já fizeram algum tipo curso de aperfeiçoamento ou de<br />
formação continuada, na Região Sudeste este percentual eleva-se em 3,73%. Tais<br />
diferenças indicam uma melhor qualidade dos sistemas de ensino da Região Sudeste, e<br />
a deficiência dos sistemas de ensino da Região Norte, fato que pode estar levando à<br />
queda de desempenho entre as regiões (tabela 4).<br />
As escolas da Região Sudeste apresentam-se mais equipadas e estruturadas<br />
quando comparadas às escolas da Região Norte. A média de computadores por escola<br />
na Região Sudeste fica em torno de 9,87 computadores por escola, e ainda a proporção<br />
de escolas com biblioteca para utilização dos alunos alcança 86,35% delas. Na Região<br />
Norte esses valores diminuem consideravelmente, a média de computadores por escola<br />
diminui para 6,93, e a proporção de escolas com biblioteca diminui para 75,85%. Nas<br />
escolas da Região Sudeste 89,78% delas utiliza projeto pedagógico escolar, já na Região<br />
Norte 81,02% valem-se do projeto pedagógico, demonstrando considerável diferença<br />
de preocupação sobre a qualidade do ensino ministrado nessas duas regiões.<br />
O resultado do teste de Chow para avaliar se há diferença entre os coeficientes<br />
estimados pelas regressões para cada uma das regiões leva a conclusão de rejeição da<br />
hipótese nula de que os parâmetros das equações são iguais em ambas as regiões, com<br />
significância estatística de 1,0%. Assim, serão gera duas regressões, uma para cada região<br />
de análise.<br />
A tabela 5 apresenta a estimação dos coeficientes das variáveis explicativas da<br />
proficiência em Matemática dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental para as<br />
Regiões Norte e Sudeste. O coeficiente de determinação ou explicação do modelo (R 2<br />
Ajustado) é de 0,167 e 0,218 para as Regiões Norte e Sudeste, respectivamente.<br />
A variável sexo indica que estudantes do gênero masculino apresentam melhor<br />
proficiência em Matemática na 4ª série do Ensino Fundamental, cerca de 4 pontos acima<br />
dos estudantes do sexo feminino em ambas as regiões analisadas (tabela 5). Os estudos<br />
realizados por Luz (2006), Macedo (2004), Albernaz et al (2002) apresentam resultados<br />
semelhantes.<br />
A variável cor ou raça dentro da Região Norte não foi significativa para explicar a<br />
proficiência em Matemática, porém na Região Sudeste ela ganhou muito em significância<br />
(1%), indicando que os estudantes dessa região que se declararam da cor ou raça branca<br />
obtêm melhores desempenhos em Matemática, acima de 8 pontos de proficiência,<br />
comparados àqueles de outras raças (negros, pardos, mulatos, e indígenas). Isto pode<br />
significar na Região Norte que a variável raça não é tão importante na proficiência em<br />
Matemática dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, como observado na Região<br />
Sudeste, talvez devido ao fato da dispersão das raças ser muito maior na Região Norte.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
159<br />
Tabela 5: Coeficientes estimados para as equações de proficiência em Matemática dos<br />
alunos da 4ª série do Ensino Fundamental para as Regiões Norte e Sudeste, em 2005.<br />
Fonte: Inep.<br />
Elaboração e cálculos: autores do trabalho.<br />
(*) significante ao nível de 1%.<br />
(**) significante ao nível de 5%.<br />
(***) significante ao nível de 10%.<br />
A existência de computador na casa do estudante está positivamente relacionada<br />
à proficiência em Matemática nas Regiões Norte e Sudeste, com grande significância<br />
estatística (1%), indicando outra variável de destaque que possui relação com a<br />
proficiência, sendo que o desempenho desses estudantes é consideravelmente<br />
elevado, de mais de 11 pontos acima daqueles estudantes não detentores de computador<br />
em casa, em ambas as regiões.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
160<br />
Na Região Norte, a possibilidade de o aluno morar com o pai e com a mãe não se<br />
mostrou significativa para explicar o desempenho dos estudantes, por outro lado, na<br />
Região Sudeste a mesma variável apresentou coeficiente positivo a 5% de significância,<br />
sendo que estes estudantes têm cerca 2,9 pontos de proficiência acima daqueles que<br />
moram apenas com o pai ou com mãe, ou ainda com outra pessoa responsável por esse<br />
estudante.<br />
Bíondi e Felício (2007) constatam que de acordo com Método de Mínimos<br />
Quadrados Ordinários (MQO), metodologia bastante utilizada nos estudos sobre o<br />
sucesso educacional, quanto maior a proporção de alunos brancos nas escolas melhor é<br />
a proficiência média em Matemática relativamente às escolas com menor proporção de<br />
alunos não brancos. Ainda de acordo com MQO quanto maior a proporção de alunos nas<br />
escolas com computador em casa, e que morem com a mãe e pai, melhor é o<br />
desempenho médio. Entretanto, neste estudo, essas mesmas variáveis não se<br />
mostraram significativas quando se aplica o método de efeitos fixos.<br />
A variável que mede o número de moradores no domicílio do aluno também se<br />
apresentou significante para explicar o desempenho em Matemática dos estudantes da<br />
4ª série do Ensino Fundamental nas Regiões Norte e Sudeste, porém está negativamente<br />
afetando a proficiência (-2,82 para a região Norte, e -5,96 para a Sudeste), ou seja,<br />
quanto maior o número de moradores residindo na casa dos alunos menor será sua<br />
proficiência em Matemática.<br />
A escolaridade do pai está positivamente e significativamente relacionada à<br />
proficiência em Matemática, em ambas regiões, a única exceção é a escolaridade do pai<br />
com Ensino Fundamental incompleto para a Região Norte, que não se mostrou<br />
significante. A proficiência dos estudantes aumenta à medida em que a escolaridade<br />
dos pais eleva-se, sendo que os estudantes com pai com Ensino Fundamental incompleto<br />
ficam 7 pontos acima daqueles com escolaridade mais baixa, tanto na Região Norte<br />
como na Região Sudeste; o mesmo ocorre entre os estudantes que possuem pai com<br />
ensino superior completo, onde essa proficiência eleva-se cerca de 20 pontos mais. Isto<br />
demonstra o alto poder de interferência da escolaridade do pai sobre a proficiência em<br />
Matemática dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental.<br />
A literatura que aborda a escolaridade do pai como determinante do<br />
desempenho não é conclusiva sobre o sentido e a significância desse desempenho,<br />
pois alguns estudos obtêm resultados totalmente diferentes (KASSOUF e BEZERRA,<br />
2006; MACEDO, 2004).<br />
Com relação às características de motivação dos alunos pelo estudo, todas as<br />
variáveis incluídas na regressão se mostraram significativas a 1% em ambas as regiões.<br />
Nas duas regiões a variável que apresenta maior poder de influência sobre a proficiência<br />
foi a reprovação que apresentou coeficiente negativo (-13,66 para a Região Norte, e -<br />
23,13 para a Sudeste), ou seja, um aluno que já sofreu reprovação no seu trajeto escolar<br />
obtém pior desempenho relativamente aos alunos que nunca sofreram reprovação.<br />
Segundo Macedo (2006) o fato de o aluno ter repetido o ano se reflete na perda de<br />
proficiência nos testes do SAEB, considerando também que quanto mais vezes se<br />
repetiu, mais forte é o efeito negativo sobre as notas. Resultados semelhantes também<br />
podem ser vistos em Luz (2006), Bezerra e Kassouf (2006), Pereira (2004).<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
161<br />
As variáveis que medem, o gosto do aluno pela Matemática e a frequência com<br />
que o aluno faz a lição de casa, estão positivamente relacionadas a proficiência, ou seja,<br />
o aluno gostar de Matemática e fazer a lição contribui para o aumento do desempenho,<br />
relativamente aos alunos que não gostam de Matemática e não fazem lição de casa.<br />
Estas variáveis elevam a proficiência em Matemática dos alunos da Região Norte em<br />
12,77 e 10,71 pontos, respectivamente. Na Região Norte os coeficientes elevam-se ainda<br />
mais alcançado 20,50 e 18,59 pontos de proficiência.<br />
Barbosa e Fernandes (2001) obtêm resultados semelhantes, constatando que<br />
quando se controla o nível socioeconômico dos alunos a infraestrutura e os equipamentos<br />
escolares e de formação dos professores, o gosto do aluno pela disciplina de Matemática<br />
interfere positivamente e significantemente na proficiência em Matemática.<br />
É interessante notar que a variável que mede a defasagem escolar se mostrou<br />
significativa e positiva ao explicar a proficiência em Matemática em ambas as regiões,<br />
contrariando a expressiva maioria dos estudos sobre desempenho que afirmam a<br />
defasagem escolar apresenta coeficiente negativo, como pode ser visto em Macedo<br />
(2006), Kassouf e Bezerra (2006).<br />
As variáveis referentes à formação dos professores não se mostraram<br />
significativas para explicar o desempenho dos estudantes, exceto o coeficiente do<br />
professor com ensino superior completo na região Norte, porém com coeficiente<br />
negativo contrariando a maior parte da literatura sobre o desempenho escolar. Segundo<br />
Albernaz, Ferreira, e Franco (2002) a maior escolaridade por parte dos professores torna<br />
a escola mais eficaz, entretanto aumenta o peso do nível socioeconômico do aluno<br />
sobre o desempenho, ou seja, professores mais escolarizados contribuem de uma forma<br />
mais elevada para o aumento do desempenho de alunos com maior nível socioeconômico,<br />
tornando a escola menos equitativa.<br />
A existência de um projeto pedagógico na escola está positivamente relacionada<br />
ao desempenho na Região Norte, com grande significância estatística. Na Região Sudeste<br />
o projeto pedagógico da escola também está positivamente ligada ao desempenho,<br />
porém com menor significância (10%), sendo de mais de 4 pontos o aumento da<br />
proficiência dos estudantes que estudam nestas escolas em ambas as regiões. Uma das<br />
possíveis explicações para essa queda de significância a existência de projeto pedagógico<br />
quase que na totalidade das escolas da região. Este resultado evidencia, ainda, de forma<br />
fraca a utilidade do projeto pedagógico sobre o desempenho escolar das duas regiões,<br />
contrariando o resultado apresentado por Franco, Mandarino e Ortigão (2002).<br />
A variável que mede a quantidade de computadores na escola mostrou-se<br />
significativa, tanto na Região Norte, como na Região Sudeste, sendo que nesta última<br />
perde-se em significância. Entretanto, esta variável quase não acrescenta pontos na<br />
proficiência em Matemática desses estudantes, visto que na Região Norte a<br />
proficiência eleva-se aproximadamente em 0,4 ponto, enquanto na Região Sudeste<br />
eleva-se de 0,14 ponto.<br />
A existência de televisão e aparelho de som na escola se mostrou significativa,<br />
apenas na Região Sudeste, sendo esta uma relação negativa, ou seja, o fato de a escola<br />
possuir televisão está afetando negativamente, e consideravelmente, a proficiência<br />
em Matemática (15 pontos). Tal informação pode estar indicando a má utilização desse<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
162<br />
recurso pela escola. Já a existência de aparelho de som afeta positivamente o<br />
desempenho em Matemática dos estudantes da Região Sudeste, elevando a proficiência<br />
4,23 pontos mais. A existência de antena parabólica na escola também não se mostrou<br />
significativa ao explicar o desempenho dos estudantes em Matemática, tanto na Região<br />
Norte como na Região Sudeste.<br />
A existência na escola de aparelhos de vídeo (DVD, vídeocassete) se mostrou<br />
significativa, e está positivamente relacionada à proficiência em Matemática dos alunos<br />
da 4ª série do Ensino Fundamental nas Regiões Norte e Sudeste. Na Região Norte tal<br />
fato eleva consideravelmente a proficiência em Matemática (10,89 pontos). Na Região<br />
Sudeste esse aumento atinge 12,51 pontos de proficiência.<br />
Barbosa e Fernandes (2001) constatam que, feito o controle do modelo por nível<br />
socioeconômico, as variáveis relativas à infraestrutura e equipamentos escolares,<br />
formado pelos fatores de conservação do prédio, condições de funcionamento dos<br />
espaços laboratoriais e de apoio, mobiliário e equipamentos, instalações, áreas externas<br />
e de recreação, tem forte impacto na proficiência dos alunos e explicam 54% das<br />
variações entre as escolas<br />
A existência na escola de biblioteca para utilização dos alunos foi bastante<br />
significante, ao nível de 1%, apenas na Região Sudeste, elevando a proficiência dos<br />
alunos que estudam em escolas com biblioteca em 4,23 pontos. Na Região Norte esta<br />
mesma variável ainda pode ser considerada significante, entretanto em nível de<br />
significância baixo (15%), e ainda pouco acrescentado à proficiência, 1,32 ponto a mais<br />
de proficiência em Matemática.<br />
Seria interessante constar nos questionários do SAEB uma pergunta a respeito<br />
da utilização da biblioteca pelo aluno, com intuito de verificar melhor a relação da<br />
existência de biblioteca na escola com o desempenho escolar. Biondi e Felício (2007)<br />
também obtêm evidências fracas sobre a relação da biblioteca com o desempenho em<br />
Matemática, sendo essa relação positiva e significativa apenas pelo Método de Mínimos<br />
Quadrados Ordinários.<br />
Com relação à localização da escola, o estado do Pará foi tomado como base de<br />
comparação entre os estados da Região Norte, e na Região Sudeste foi tomado como base<br />
de comparação o estado de São Paulo. Os resultados obtidos pelas equações de desempenho<br />
em Matemática para a Região Norte indicam, com significância de 10%, que os estudantes<br />
dos estados do Amazonas e do Acre elevam suas proficiências em cerca, respectivamente,<br />
de 1,95 e 3,37 pontos maior que no estado do Pará. O estado de Rondônia, com significância<br />
de 5%, eleva sua proficiência 3,64 pontos mais que no estado do Pará. Os estados do Amapá,<br />
Roraima e Tocantins apresentaram pouca significância em explicar o desempenho em<br />
Matemática dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental para a Região Norte.<br />
Os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, e Minas Gerais apresentaram<br />
coeficientes positivos e elevados, ou seja, o aluno que estudar em um desses estados<br />
eleva consideravelmente sua proficiência quanto comparada com o estado de São Paulo;<br />
em termos absolutos os coeficientes de aumento do desempenho são de 11,3; 8,52;<br />
17,6 pontos, respectivamente, para os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, e Minas<br />
Gerais. Fato esperado, pois o estado de São Paulo obteve a menor desempenho médio<br />
da Região Sudeste.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
163<br />
Kassouf e Bezerra (2006) analisando a variação do desempenho dos alunos da 4ª<br />
série do Ensino Fundamental avaliados pelo SAEB, em 2003, entre as regiões brasileiras<br />
percebe-se que a região onde a escola se localiza afeta a proficiência, demonstrando<br />
que o desempenho dos alunos é favorecido caso estudem nas regiões mais<br />
desenvolvidas, como Sudeste e Sul, em comparação com as demais regiões.<br />
As informações de localização indicam também as desigualdades existentes<br />
entre os sistemas de ensino dos estados de cada Região, sendo assim uma proposta de<br />
estudo poderia estar focada na comparação entre os estados.<br />
5 CONCLUSÃO<br />
O presente estudo teve como objetivo determinar os fatores determinantes do<br />
desempenho escolar dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental nas regiões Norte e<br />
Sudeste. Para tanto se utilizou um modelo de regressão linear múltipla onde a proficiência<br />
dos alunos, obtida através de exames padronizados aplicados pelo SAEB/2005, era a variável<br />
dependente do modelo. As características dos alunos e de suas famílias, bem como as<br />
características de infraestrutura escolar, como os equipamentos da escola, a formação dos<br />
professores, e a localização das escolas foram as variáveis explicativas do modelo.<br />
Entre os resultados, referentes às características do aluno mais significativos<br />
encontrados tem-se que o estudante ser do sexo masculino e possuir computador em<br />
casa afeta positivamente o desempenho, elevando a proficiência desses estudantes.<br />
Tem-se também que a quantidade de moradores no domicílio do aluno está<br />
negativamente relacionada ao desempenho, ou seja, quanto maior a quantidade de<br />
pessoas morando com o aluno menor será sua proficiência em Matemática. Estes<br />
resultados valem para ambas as regiões.<br />
Entre os resultados referentes às características familiares mais significativos<br />
tem-se a escolaridade do pai afetando positivamente o desempenho dos estudantes<br />
das regiões Norte e Sudeste. E ainda à medida que essa escolaridade aumenta a<br />
proficiência dos alunos também se eleva.<br />
Entre os resultados referentes às características de motivação do aluno mais<br />
significativos tem-se que o aluno gostar de matemática e sempre fazer a lição da escola<br />
afetam positivamente o desempenho dos estudantes das Regiões Norte e Sudeste.<br />
Outra variável de destaque sobre a motivação dos alunos e a repetência que tem<br />
relação negativa com a proficiência em Matemática, ou seja, os alunos que sofrem<br />
reprovação apresentam pior desempenho relativamente aos alunos que nunca repetiram.<br />
Entre os resultados referente às características da escola mais significativos temse<br />
que escolas com projeto pedagógico escolar e com aparelho de vídeo elevam o<br />
desempenho dos seus alunos, outra relação positiva com desempenho e o número de<br />
computadores na escola, ou seja, quanto mais computadores a escola possuir maior<br />
será o desempenho dos seus alunos. Essas relações valem para ambas as regiões.<br />
Obtivemos ainda alguns resultados significativos apenas para a Região Sudeste.<br />
O aluno morar com pai e mãe, as escolas com biblioteca e com aparelho de som foram<br />
positivas ao explicar o desempenho. A existência de televisão na escola está afetando<br />
negativamente a proficiência.<br />
Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 147-166, jun. 2010
164<br />
Diante dos resultados encontrados e como sugestão para melhorar a qualidade<br />
da educação no país sugere-se:<br />
• a implementação de políticas educacionais como programas educacionais para<br />
aumentar a escolaridade dos pais dos alunos;<br />
• programas que disponibilizem pequenos computadores portáteis para utilização<br />
dos alunos;<br />
• programas de recuperação dos alunos que venham a sofrer reprovações como<br />
forma de melhorar sua formação e autoestima;<br />
• melhorar a formação dos professores com cursos de formação continuada;<br />
• elaboração de um projeto pedagógico escolar que possibilite uma maior qualidade<br />
e equidade do ensino;<br />
• e ainda dotar as escolas de equipamentos que favoreçam o aprendizado e também<br />
capacitem os professores para uma melhor utilização dos recursos disponibilizados<br />
pela escola.<br />
Esperamos que o presente estudo sirva de base e de motivação para futuros<br />
estudos abordando a qualidade da educação na Região Norte, com vistas ao<br />
desenvolvimento educacional da região e consequentemente uma melhora na<br />
distribuição socioeconômica, culminando com a redução das desigualdades entre as<br />
regiões brasileiras.<br />
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