COMUNICAÃÃES - Unimep
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ISSN: 0104-8481<br />
COMUNICAÇÕES<br />
Revista semestral do Programa de Pós-Graduação em<br />
Educação da Universidade Metodista de Piracicaba<br />
ANO 13, Nº2, Novembro 2006<br />
COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 05-14 • nov. de 2006 1<br />
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COMUNICAÇÕES é uma revista de produções acadêmico-científicas do Programa de Pós-Graduação<br />
em Educação da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.<br />
Está indexada em CLASE – Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (Universidade<br />
Nacional Autónoma de México), em Sociological Abstracts (Cambridge Scientific Abstracts – San Diego<br />
– USA) e Edubase (FE/UNICAMP).<br />
Diretor Geral IEP<br />
Almir de Souza Maia<br />
Reitor/Vice-Diretor Geral<br />
Davi Ferreira Barros<br />
Vice-Reitor Acadêmico<br />
Rinalva Cassiano Silva<br />
Vice-Reitor Administrativo<br />
Sergio Marcos Nogueira Tavares<br />
Diretora da Faculdade de Ciências Humanas<br />
Theresa Beatriz Figueiredo Santos<br />
Secretária<br />
Fabiana Maria Baptista<br />
Editoração Técnica<br />
Maria Luísa Bissoto<br />
Versão Inglesa<br />
Margaret Griesse<br />
Versão Espanhola<br />
Juan Covarrubias Cardenas<br />
Produção Gráfica e Impressão<br />
SUPREMA GRÁFICA E EDITORA<br />
Coordenador do Mestrado e Doutorado em<br />
Educação<br />
Bruno Pucci<br />
Comissão Editorial<br />
Raquel Gandini (coordenadora)<br />
Francisco Cock Fontanella<br />
Maria Cecília Carareto Ferreira<br />
Luiz Alberto Rocha Lira (doutorando)<br />
Luis de Souza Cardoso (doutorando)<br />
Conselho Editorial<br />
Clarice Nunes (UFF)<br />
Dermeval Saviani (UNICAMP)<br />
Francisco Cock Fontanella (UNIMEP)<br />
José Carlos Rothen (UNITMG)<br />
José Maria de Paiva (UNIMEP)<br />
Licínio C. V. da Silva Lima (Univ. do Minho, PT)<br />
Maria Angélica P. Pipitone (ESALQ-USP)<br />
Maria Cecília Carareto Ferreira (UNIMEP)<br />
Maria Cecília Rafael de Goés (UNIMEP)<br />
Angela Viana Machado Fernandes (UNESP)<br />
Maria Susana Puebla (Univ. de Rosario, AR)<br />
Newton Ramos de Oliveira (UNESP-Araraquara)<br />
Neus Sanmartí (Univ. Aut. de Barcelona, ES)<br />
Peri Mesquita (PUCPR)<br />
Pierri Sanchis (UFMG)<br />
Raquel Gandini (UNIMEP)<br />
Rosália Maria Ribeiro do Aragão (UMESP)<br />
Sandra Riscal (UFSCar)<br />
Silvio Gallo (UNICAMP)<br />
Valdemar Sguissardi (UNIMEP)<br />
UNIMEP – Faculdade de Ciências Humanas<br />
Rod. Do Açúcar, km 156 – CEP 13400-911<br />
Piracicaba - SP<br />
Fone/FAX: (19) 3124-1617<br />
E-mail: revcomunicacoes@unimep.br/<br />
ppge@unimep.br<br />
versão online: www.unimep.br/fe/<br />
revcomunicacoes<br />
Dados catalográficos<br />
COMUNICAÇÕES, Ano 13, Nº 2, novembro<br />
de 2006<br />
Piracicaba – Universidade Metodista de<br />
Piracicaba<br />
Faculdade de Ciências Humanas /<br />
Pós-Graduação em Educação<br />
188p. 25 cm<br />
Semestral<br />
ISSN 0104-8481<br />
Educação<br />
CDU<br />
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APRESENTAÇÃO<br />
AÇÃO<br />
A preocupação em instigar o leitor a ponderações sobre o espírito humano, seus<br />
embates históricos e sócio-culturais e o papel da Educação nesses embates, marca o<br />
viés argumentativo dos artigos que compõem este número da revista<br />
COMUNICAÇÕES.<br />
O artigo inicial propõe a discussão do binômio Universidade e Pós-Modernidade,<br />
e abre caminho para artigos que, sob as perspectivas filosóficas de autores como<br />
Walter Benjamin, Hannah Arendt, Friedrich Nietzsche, Theodor Adorno e Lev Vygotsky,<br />
discutem as aflições humanas e a Educação, em tempos de barbárie e (des)civilização.<br />
Tempos de crescente avanço nas tecnologias de informação, com implicações<br />
profundas na dinâmica social, nas formas sociais de educar – ou de não fazê-lo – e de<br />
aprender, que urgem serem discutidas, debatidas; como defendido pelos autores dos<br />
artigos que propõem a abordagem desse espinhoso tema. Tempos que, enfim, requerem<br />
fortemente que estudiosos da Educação se posicionem, mostrando alternativas para<br />
que se descortinem outras possibilidades do viver humano. Alternativas que passam<br />
por considerações quanto à possibilidade de uma educação sócio-comunitária<br />
emancipatória, e pela cultura escolar, nesta edição prioritariamente discutida em relação<br />
ao papel da instituição escolar no processo de formação continuada de professores e<br />
a tendências curriculares que direcionam ações didático-metodológicas para uma<br />
“educação ao pensamento crítico”. Por fim, tempos que, inevitável e circularmente,<br />
nos conduzem à nossa base mais primeva: o corpo. Como pensá-lo em tempos de<br />
transformações tão agudas? Quais os impactos da pós-modernidade sobre as<br />
concepções de nossa corporeidade e de como educá-la?<br />
Esperamos que esse número da revista COMUNICAÇÕES seja um bom convite<br />
para pensar tais questões, e que fomentemos tantas outras inquietudes e indagações.<br />
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SUMÁRIO<br />
15 POSTMODERNIDAD Y UNIVERSIDAD: ¿UNA REFLEXIÓN<br />
NECESARIA?<br />
Ernâni Lampert e María Adoración Holgado Sánchez<br />
28 EDUCAÇÃO, LÚDICO E UTOPIA EM WALTER BENJAMIN<br />
Sônia Marrach<br />
47 POLÍTICA E EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT<br />
Ivan Serra Braga<br />
57 O EXPERIMENTO FORMATIVO DE ZARATUSTRA A PARTIR DO<br />
PRÓLOGO: O APRENDIZADO DO DECLÍNIO E DA PASSAGEM<br />
Maria dos Remédios de Brito<br />
78 ESTÉTICA FILOSÓFICA VERSUS PSICOLOGIA DA ARTE: DOIS<br />
TEMAS PARA A EDUCAÇÃO<br />
Solange Puntel Mostafa<br />
89 MÍDIA: FAMÍLIA, ESCOLA E TRABALHO<br />
Regis de Morais<br />
106 PESQUISA NA INTERNET: UMA CULTURA A SER CONSTRUÍDA<br />
Adriano Rodrigues Ruiz e Fábio Ricardo Martins Morrone<br />
114 COMUNIDADE, SOCIEDADE E INTEGRAÇÃO SISTÊMICA: AS<br />
POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO SÓCIO-COMUNITÁRIA<br />
EMANCIPATÓRIA<br />
Luís Antonio Groppo<br />
132 A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA O DESENVOLVIMENTO<br />
PROFISSIONAL DO PROFESSOR<br />
Herivelto Moreira<br />
150 CONTEÚDOS ESCOLARES E DESENVOLVIMENTO HUMANO:<br />
QUAL A UNIDADE?<br />
Marta Sueli de Faria Sforni e Maria Terezinha Bellanda Galuch<br />
159 PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNATIVAS: NOVOS OLHARES<br />
SOBRE A EDUCAÇÃO DO CORPO?<br />
Patrícia Herold, Vilson Aparecido da Mata e Carlos Herold Junior<br />
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RESUMOS/ABSTRACTS/RESÚMENES<br />
1<br />
POSTMODERNIDAD Y UNIVERSIDAD: ¿UNA REFLEXIÓN NECESARIA?<br />
Ernâni Lampert e María Adoración Holgado Sánchez<br />
Resumen<br />
El estudio aborda una problemática compleja, actual y polémica, que tiene repercusión directa<br />
en la dimensión pedagógica de la universidad y consecuentemente afecta la calidad de la<br />
enseñanza universitaria. En la primera parte, el autor localiza la postmodernidad en la historia<br />
de la humanidad. Analiza de manera profundizada y según innúmeros autores, el término<br />
postmodernidad, que es abarcador y contradictorio. Caracteriza, basado en la literatura, y en<br />
diferentes áreas del conocimiento humano, el megaparadigma postmoderno. En la segunda<br />
parte, analiza la universidad como principal gestora de ciencia, que debido a los cambios<br />
transcurridos en las últimas décadas, está sin un paradigma que le sirva de ancla, y siendo muy<br />
cuestionada, pues, aun reconociendo que existen excepciones, no logra más atender a las<br />
demandas de una sociedad cada vez más competitiva. En la parte final, a título de reflexión, trae<br />
algunas consideraciones resultantes del estudio.<br />
Palabras-clave: Postmodernidad – Universidad – megaparadigma - Educación.<br />
POST-MODERNITY AND UNIVERSITY: A NECESSARY REFLECTION?<br />
Abstract<br />
This study approaches a complex, up-to-date and polemic set of problems which has a direct<br />
reflection on the pedagogical dimension of the university. Consequently, it affects the quality of<br />
the university teaching. Firstly the author places the post-modernity in the history of mankind.<br />
He analyzes in a deep manner and according to several authors, the word post-modernity<br />
which is comprehensive and contradictory. Based on the literature and on different areas of<br />
human knowledge he characterizes the post-modern mega paradigm. In the second part , he<br />
analyzes the university as the main manager of science and due to the changes which<br />
happened in the last decades, this university is without a paradigm which anchors it. As it is<br />
very questioned, yet recognizing that there are exceptions, it cannot attend the need of a each<br />
time more competitive society. In the end, as an example of reflection, he brings some<br />
considerations consequential to the study.<br />
Keywords: Post-Modernity – University - mega Paradigm - Education.<br />
PÓS-MODERNIDADE E UNIVERSIDADE: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA?<br />
Resumo<br />
O estudo aborda uma problemática complexa, atual e polêmica, que tem repercussão direta na<br />
dimensão pedagógica da universidade e, consequentemente, afeta a qualidade do ensino<br />
universitário. Na primeira parte, o autor localiza a pós-modernidade na história da humanidade.<br />
Analisa de maneira aprofundada e, segundo inúmeros autores, o termo pós-modernidade, que<br />
é abrangente e contraditório. Caracteriza, baseado na literatura, e em diferentes áreas do<br />
conhecimento, o megaparadigma pós-moderno. Na segunda parte, analisa a universidade<br />
como a principal gestora da ciência, que devido às mudanças transcorridas nas últimas décadas,<br />
está sem um paradigma que lhe sirva de âncora, e sendo muito questionada pois, ainda<br />
reconhecendo que existam exceções, não logra mais atender às demandas de uma sociedade<br />
cada vez mais competitiva. Na parte final, a título de reflexão, traz algumas considerações<br />
resultantes do estudo.<br />
Palavras-chave: Pós-Modernidade - Universidade - megaparadigma - Educação.<br />
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EDUCAÇÃO, , LÚDICO E UTOPIA EM WALTER BENJAMIN<br />
Sônia Marrach<br />
Resumo<br />
Neste artigo analisamos a questão do lúdico no pensamento pedagógico libertário de Walter<br />
Benjamin, elaborado nas primeiras décadas do século XX, quando o autor, ainda jovem,<br />
depositava esperanças na Revolução Soviética e desenvolvia um pensamento utópico. Desde<br />
1913, quando era um jovem estudante universitário, até 1931, Benjamin escreveu diversos<br />
artigos e resenhas sobre universidade, juventude, educação da criança, pedagogia socialista,<br />
brinquedo, teatro, jogos e livros infantis, focalizando os aspectos lúdicos do processo de<br />
conhecimento. Discutimos as razões que levaram o autor das teses Sobre o conceito de história<br />
a se preocupar com a criança e a juventude, examinando as relações entre seu interesse pelo<br />
lúdico e a utopia, como o outro lado de sua visão catastrófica da história.<br />
Palavras-chave: Educação – lúdico – utopia - visão da história<br />
EDUCATION, PLAYFULNESS AND UTOPIA IN WALTER BENJAMIN<br />
Abstract<br />
In this paper we deal with the question of playfulness in Walter Benjamin´s libertarian pedagogical<br />
thought. The topic was worked out in the early decades of the 20th century, when the<br />
author, still young, believed in the Soviet Revolution and developed an Utopian thought. Since<br />
1913, when he was a young university student, until 1931 Benjamin wrote various articles and<br />
reviews on such topics as university, youth, child education, socialist pedagogy, toys, drama,<br />
games and children´s books, with a focus on the playful aspects of the process of knowledge.<br />
We discuss the reasons that led the author of the theses On the concept of history to concern<br />
himself with childhood and youth, and we do it by examining the relations between his interest<br />
in playfulness and in Utopia, taken as the other side of his catastrophic view of history.<br />
Keywords: Education – playfulness – utopia - view of history<br />
EDUCACIÓN, LO LÚDICO Y UTOPÍA<br />
Resumen<br />
En este artículo analizamos la cuestión de lo lúdico en el pensamiento pedagógico liberador de<br />
Walter Benjamín, elaborado en las primeras décadas del siglo XX, quien, siendo todavía un<br />
autor joven, depositaba sus esperanzas en la Revolución Soviética y desarrollaba un pensamiento<br />
utópico. Desde 1913, cuando era un joven estudiante universitario, hasta 1931, Benjamín<br />
escribió diversos artículos y reseñas sobre la universidad, la juventud, la educación de niños,<br />
pedagogía socialista, juguetes, teatro, juegos y libros infantiles, enfocado en los aspectos lúdicos<br />
del proceso de conocimiento. Discutimos las razones que llevaron al autor de las tesis Sobre el<br />
concepto de historia a preocuparse de la niñez y la juventud, examinando su interés por lo<br />
lúdico y la utopía, como el otro lado de su visión catastrófica de la historia.<br />
Palabras-clave: Educación – lúdico – utopía – visión de la historia.<br />
3<br />
POLÍTICA E EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT<br />
Ivan Serra Braga<br />
Resumo<br />
Hannah Arendt gastou uma vida pensando a questão da política. Mas ela também gastou uma<br />
parte de sua obra para falar de educação. Para ela, a educação é a atividade social cujo escopo<br />
não poderia ser outro, senão, preparar cada nova geração a assumir seu lugar no espaço público.<br />
Mas, em uma modernidade na qual o espaço público sucumbe ante os interesses do privado, o<br />
que é educação? É no intuito de fazer uma reflexão sobre este conflito – educar para política<br />
numa época de crise política – que se elaborou este texto.<br />
Palavras-chave: educação – política - senso comum<br />
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POLITICS AND EDUCATION IN HANNAH ARENDT<br />
Abstract<br />
Hannah Arendt has spent a whole life time to think about the matter of politics. But, she also<br />
spent a part of her work to speak of education. For her, education is na social activity whose aim<br />
could not be other than preparing each and every generation to undertake its place in the public<br />
space. However, in a modern time in which the public space seems to give way to private<br />
interests, what is education? Aiming to reply that question the present text has been written.<br />
Keywords: education - politics - common sense<br />
POLÍTICA Y EDUCACIÓN EN HANNAH ARENDT<br />
Resumen<br />
Hannah Arendt dedicó su vida entera a pensar en la cuestión de la política. Pero ella también<br />
dedicó parte de su obra a hablar sobre la educación. Para ella, la educación es una actividad<br />
social cuyo objetivo no podría ser otro, sino, preparar cada nueva generación para asumir su<br />
lugar en el espacio público. Empero, en una modernidad en la cual el espacio público sucumbe<br />
ante los intereses de lo privado, ¿qué es educación? Es con el propósito de hacer una reflexión<br />
sobre este conflicto –educar para la política en una época de crisis política- que se elaboró este<br />
texto.<br />
Palabras-clave: educación – política – sentido común.<br />
4<br />
O EXPERIMENTO FORMATIV<br />
TIVO DE ZARATUSTRA A PARTIR DO PRÓLOGO:<br />
O APRENDIZADO DO DECLÍNIO E DA PAS<br />
ASSAGEM<br />
SAGEM<br />
Maria dos Remédios de Brito<br />
Resumo<br />
O objetivo deste texto é destacar algumas experiências que sejam de relevância formativa a<br />
partir do prólogo da obra: “Assim Falou Zaratustra: um livro para todos e ninguém” de Friedrich<br />
Nietzsche, que nos sirvam tanto para compreender o início do aprendizado de Zaratustra<br />
(personagem central da obra), como para perceber que no transcorrer deste processo o elemento<br />
educativo vai se constituindo. Conclui-se que o prólogo torna-se um importante estudo tanto<br />
das primeiras narrativas e transformações de Zaratustra, como para o entendimento da obra<br />
como um todo.<br />
Palavras-Chave: Zaratustra – prólogo - experiência formativa<br />
THE ZARATUSTRA’S FORMATIVE EXPERIMENT FROM PROLOGUE: THE APPRENTICESHIP OF<br />
THE DECLINE AND THE PASSAGE<br />
Abstract<br />
The objective of this paper is to highlight some relevant formative experiences found in the<br />
Prologue of Friedrich Nietzsche’s Thus Spoke Zarathustra: a book for everyone and no one.<br />
These experiences lead to the knowledge both Zarathustra’s initial learning – main personage in<br />
the work mentioned above – and the educative elements of this process. The analysis of the<br />
Prologue shows that it is fundamental for understanding Zarathustra’s narratives and metamorphoses,<br />
besides being indispensable for the comprehension of the whole work.<br />
Keywords: Zarathustra – prologue - formative experiences<br />
EL EXPERIMENTO FORMATIVO DE ZARATUSTRA A PARTIR DEL PRÓLOGO: EL APRENDIZAJE DE<br />
LA DECLINACIÓN Y DE LA TRANSICIÓN<br />
Resumen<br />
El objetivo de este texto es destacar algunas experiencias que sean de relevancia formativa a<br />
partir del prólogo de la obra: “Así habló Zaratustra: un libro para todos y para nadie” de Friedrich<br />
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Nietzsche, que nos sirvan tanto para comprender el inicio del aprendizaje de Zaratustra (personaje<br />
central de la obra), como para percibir que en el transcurso de este proceso, se va constituyendo<br />
el elemento educativo. Se concluye que el prólogo se convierte en un importante estudio tanto<br />
de las primeras narrativas y transformaciones de Zaratustra, como para el entendimiento de la<br />
obra como un todo.<br />
Palabras-clave: Zaratustra – prólogo – experiencia formativa.<br />
5<br />
ESTÉTICA FILOSÓFICA VERSUS PSICOLOGIA OGIA DA ARTE: DOIS TEMAS PARA<br />
A EDUCAÇÃO<br />
Solange Puntel Mostafa<br />
Resumo<br />
As idéias centrais da Estética filosófica do idealismo alemão são contrapostas com a Psicologia<br />
da arte delineada por Vigotski. Esse esclarece que o idealismo alemão e sua compreensão de<br />
estética baseado em premissas metafísicas e em suas ‘demonstrações da alma’ está decadente<br />
na Rússia do seu tempo. Mas descarta também a estética de baixo, referente aos estudos de<br />
leitura ou fruição/recepção da obra de arte. Formula a Lei da Reação Estética, baseada na<br />
estrutura interna da obra. O artigo apresenta a polêmica idealismo-materialismo em relação à<br />
crítica da obra de arte, dentro dos marcos dos anos vinte, na Rússia, e busca uma aproximação<br />
entre a concepção de arte de Vigotski e de Adorno no que tange ao caráter enigmático da obra,<br />
à não redução da obra à linguagem verbal (visto que é enigma e não mensagem para ser<br />
interpretada) e à potencialidade da arte para a educação e a transformação social.<br />
Palavras-chaves: estética filosófica - psicologia da arte - Vigotski - Adorno - obra de arte<br />
PHILOSOPHICAL AESTHETICS VERSUS PSYCHOLOGY OF ART: TWO THEMES FOR EDUCATION<br />
Abstract<br />
The central ideas on the Philosophical Aesthetics of German idealism are compared with the<br />
Psychology of Art as outlined by Vigotskii. Vigotskii clarifies that German idealism and its<br />
understanding of esthetics based on metaphysical assumptions and on its 'demonstrations of<br />
the soul’ was out of date in the Russia of his time. But he also rejects the aesthetics from below<br />
in relation to studies on the reading or fruition/reception of the work of art. He formulates the<br />
Law of Aesthetic Reaction based on the internal structure of work. This article presents the<br />
polemic between idealism and materialism in relation to art criticism in Russia in the nineteen<br />
twenties, and searches for similarities between Vigotskii’s concept of art and that of Adorno, in<br />
terms of the enigmatic nature of the work of art, the non-reduction of art to verbal language<br />
(since art is an enigma and not a message to be interpreted) and the potential of art to effect<br />
social transformation.<br />
Keywords: philosophical aesthetics - psychology of art – Vigotskii – Adorno – work of art<br />
ESTETICA FILOSÓFICA VERSUS PSICOLOGÍA DEL ARTE: DOS TEMAS PARA LA EDUCACIÓN<br />
Resumen<br />
Las ideas centrales de la estética filosófica del idealismo alemán son contrapuestas con la<br />
psicología del arte delimitada por Vigotski. Eso explica que el idealismo alemán y su comprensión<br />
de la estética basados en premisas metafísicas y en sus “demostraciones del alma” sean<br />
decadentes en la Rusia de su tiempo. Pero descarta también la estética de abajo, referente a los<br />
estudios de lectura o fruición/recepción de la obra de arte. Formula la Ley de la Reacción<br />
Estética, basada en una estructura interna de la obra. El artículo presenta la polémica idealismomaterialismo<br />
en relación a la crítica de la obra de arte, dentro de los marcos de los años veinte,<br />
en Rusia; y busca una aproximación entre la concepción de arte de Vigotski y de Adorno en lo<br />
toca al carácter enigmático de la obra, a la no reducción de la obra al lenguaje verbal (dado que<br />
es enigma y no mensaje para ser interpretado), y así mismo, a la potencialidad del arte para la<br />
educación y la transformación social.<br />
Palabras-clave: estética filosófica – psicología del arte, Vigotski – Adorno – obra de arte.<br />
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6<br />
MÍDIA: FAMÍLIA, ESCOLA E TRABALHO<br />
Regis de Morais<br />
Resumo<br />
Este ensaio estuda algumas relações essenciais ao mundo contemporâneo, como as verificáveis<br />
entre os “mass media” e as famílias, entre a educação escolar e os meios massivos de<br />
comunicação. Entre ciberespaço, internet e a educação em geral, bem como entre as novas<br />
tecnologias e o mundo do trabalho. Tais análises objetivam a compreensão da dinâmica que<br />
mobiliza sociedade e comunidades, sob os impactos dos novos meios de comunicação.<br />
Palavras-chave: mídia – família – escola – ciberespaço – trabalho<br />
MEDIA: FAMILY, SCHOOL AND WORK<br />
Abstract<br />
This essay studies some essential relationships of the contemporary world, such as those observed<br />
between mass media and families, between school education and massive means of<br />
communication; among cyberspace, internet and education in general, as well as among the<br />
new technologies and work. These analyses aim the understanding of the dynamic that mobilizes<br />
society and communities under the impact of the new means of communication.<br />
Keywords: media – family – school – cyberspace – work<br />
MEDIOS: FAMILIA, ESCUELA Y TRABAJO<br />
Resumen<br />
Este ensayo estudia algunas relaciones inherentes al mundo contemporáneo, como las<br />
verificables entre los “mass media” y las familias, entre la educación escolar y los medios<br />
masivos de comunicación. Entre ciberespacio, Internet y la educación en general, así como<br />
entre las nuevas tecnologías y el mundo del trabajo. Tales análisis objetivan la comprensión de<br />
la dinámica que moviliza sociedad y comunidades, bajo el impacto de los nuevos medios de<br />
comunicación.<br />
Palabras-clave: medios – familia – escuela – ciberespacio – trabajo.<br />
7<br />
PESQUISA NA INTERNET: : UMA CULTURA A SER CONSTRUÍDA<br />
Adriano Rodrigues Ruiz e Fábio Ricardo Martins Morrone<br />
Resumo<br />
Neste trabalho abordamos preocupações com a cultura escolar e possibilidades das tecnologias<br />
de informação favorecerem práticas intelectuais mais autônomas. Admitindo que somos<br />
sensíveis às mudanças tecnológicas, procuramos identificar como estudantes do ensino superior<br />
usam a Internet como instrumento de apoio e enriquecimento aos seus estudos. Para esse<br />
fim optamos por uma investigação qualitativa de caráter exploratório, combinando a observação<br />
com a conversação. O ambiente de coleta de dados foi a Unidade de Informação de uma<br />
universidade privada e os acadêmicos agindo em seu interior. Verificamos que, para a maioria<br />
dos estudantes, a Internet é familiar e que, ao fazerem pesquisas, mostram-se pouco pacientes<br />
e presos a antigos hábitos escolares. Concluímos que a construção de culturas de aprendizagem<br />
mais autônomas persiste como desafio aos professores; o aparato tecnológico se constitui em<br />
um apoio importante, porém não é suficiente para a construção de um clima intelectual desperto<br />
e atento a explorações criativas.<br />
Palavras-chave: cultura de aprendizagem – internet - autonomia<br />
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INTERNET RESEARCH: A CULTURE TO BE BUILT<br />
Abstract<br />
In this article we deal with worries on school culture and what are the possibilities of information<br />
technology to help more autonomous intellectual praxis. Admitting that we are sensitive<br />
to technological changes, we tried to identify how college students use the Internet as a support<br />
and study enrichment tool. In order to do so, we decided to make a qualitative investigation<br />
having an exploratory character, combining observation and conversation. The data was<br />
collected in the Information Unity of a private university and the scholars working inside it. We<br />
verified that for most of the students, Internet is familiar to them and that on making their<br />
researches they are a little impatient and stuck to old school habits. We have concluded that the<br />
building of more autonomous learning cultures remains as a challenge to teachers, technological<br />
apparatus is an important support but it is not enough to build an awake and focused<br />
intellectual environment to creative exploration.<br />
Keywords: learning culture – internet – autonomy<br />
INVESTIGACIÓN EN INTERNET: UNA CULTURA A SER CONSTRUIDA<br />
Resumen<br />
En este trabajo abordamos preocupaciones con la cultura escolar y las posibilidades de las<br />
tecnologías de la información para favorecer prácticas intelectuales más autónomas. Admitiendo<br />
que somos sensibles a los cambios tecnológicos, intentamos identificar la manera en que los<br />
estudiantes de enseñanza superior usan el Internet como instrumento de apoyo y enriquecimiento<br />
de sus estudios. Con ese fin optamos por una investigación cualitativa de carácter exploratorio,<br />
combinando la observación con la conversación. El ambiente de recolección de datos fue la<br />
Unidad de Información de una universidad privada y los académicos actuando en su interior.<br />
Verificamos que, para la mayoría de los estudiantes, el Internet es familiar y que, al hacer<br />
investigaciones, se muestran poco pacientes y presos de antiguos hábitos escolares. Concluimos<br />
que la construcción de culturas de aprendizaje más autónomas persiste como un desafío para<br />
los profesores; el aparato tecnológico se constituye como un apoyo importante, sin embargo,<br />
no es suficiente para la construcción de un clima intelectual despierto y atento a las exploraciones<br />
creativas.<br />
Palabras-clave: cultura de aprendizaje – Internet – autonomía.<br />
8<br />
COMUNIDADE, SOCIEDADE E INTEGRAÇÃO SISTÊMICA: AS<br />
POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO SÓCIO-COMUNITÁRIA<br />
EMANCIPATÓRIA<br />
Luís Antonio Groppo<br />
Resumo<br />
Para compreender as possibilidades de uma educação sócio-comunitária emancipatória é<br />
importante identificar, sociologicamente, os três princípios que regem a vida social<br />
contemporânea: o princípio comunitário, baseado em solidariedades tácitas, valores integradores<br />
profundos e na promessa de segurança; o princípio societário, baseado na liberdade, nas relações<br />
livremente consentidas e na promessa de emancipação e o princípio da integração sistêmica,<br />
que faz dos seres humanos meros meios para o funcionamento de sistemas fundados no poder<br />
do capital (o “mercado”) e no poder político (o “Estado”). Essa identificação é feita a partir da<br />
interpretação de obras clássicas da Sociologia sobre os temas comunidade, sociedade e sistema<br />
social.<br />
Palavras-chave: comunidade – sociedade – integração sistêmica – modernização – educação<br />
sócio-comunitária<br />
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COMMUNITY, SOCIETY AND SYSTEMIC INTEGRATION: THE POSSIBILITIES OF AN<br />
EMANCIPATORY SOCIAL-COMMUNITARIAN EDUCATION<br />
Abstract<br />
For comprehension about possibilities of an emancipator social-communitarian education, it’s<br />
important the sociological identification of the three fundaments that govern the contemporary<br />
social life: the communitarian principle, based on tacit solidarities, deep integrated values<br />
and the promise of security; the social principle, based on liberty, relations in free consent and<br />
the promise of emancipation; the systemic integration, what makes the human beings only<br />
ways to the operation of systems founded in capital power (the “market”) and politic power<br />
(the “State”). Here it’s deed with the Sociology classical works’ interpretation about the themes<br />
community, society and social system.<br />
Keywords: community – society – systemic integration – social system – modernization –<br />
social-communitarian education.<br />
COMUNIDAD, SOCIEDAD E INTEGRACIÓN SISTÉMICA: LAS POSIBILIDADES DE UMA<br />
EDUCACIÓN SOCIO-COMUNITARIA EMANCIPADORA<br />
Resumen<br />
Para comprender las posibilidades de una educación socio-comunitaria emancipadora es<br />
importante identificar, sociológicamente, los tres principios que rigen la vida social<br />
contemporánea: el principio comunitario, basado en solidaridades tácitas, en profundos valores<br />
integradores y en la promesa de seguridad; el principio societario, basado en la libertad, en las<br />
relaciones libremente consentidas y en la promesa de emancipación; y el principio de integración<br />
sistémica, que hace de los seres humanos meros medios para el funcionamiento de sistemas<br />
fundados en el poder del capital (el “mercado”) y en el poder político (el “Estado”). Esa<br />
identificación es hecha a partir de la interpretación de obras clásicas de sociología sobre los<br />
temas comunidad, sociedad y sistema social.<br />
Palabras-clave: comunidad – sociedad – integración sistémica – modernización – educación<br />
socio-comunitaria.<br />
9<br />
A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA O DESENVOL<br />
OLVIMENTO<br />
PROFISSIONAL DO PROFESSOR<br />
Herivelto Moreira<br />
Resumo<br />
O objetivo deste estudo foi identificar se a escola contribui para o desenvolvimento profissional<br />
dos professores. Optou-se pela metodologia de pesquisa qualitativa de natureza interpretativa.<br />
A técnica de coleta de dados foi a entrevista individual semi-estruturada. A amostra constituiuse<br />
de trinta professores do ensino médio de sete escolas públicas de Curitiba-PR. Os principais<br />
resultados do estudo mostram que: a) os professores buscam novos conhecimentos por conta<br />
própria e em ações solitárias, b) o intercâmbio de conhecimentos só acontece em encontros<br />
ocasionais e c) não há oportunidades para trabalhar colaborativamente por várias razões, entre<br />
as quais se destacam a falta de tempo, a infra-estrutura inadequada das escolas, o desinteresse<br />
dos colegas e a incompatibilidade de horários conjuntos para atividades.<br />
Palavras-chave: desenvolvimento profissional do professor - trabalho colaborativo - intercâmbio<br />
de conhecimentos - qualificação profissional em serviço.<br />
SCHOOL’S CONTRIBUTION TO TEACHER’S PROFESSIONAL DEVELOPMENT<br />
Abstract<br />
The objective of the present study was to identify whether the school contributes to teachers’<br />
professional development. The methodological approach was qualitative. The technique used<br />
to collect data was the individual semi-structured interview. The sample was constituted of<br />
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thirty high school teachers from seven public schools of Curitiba-PR. The main results showed<br />
that: a) teachers search for knew knowledge by themselves and in solitary actions, b) sharing<br />
only happens in occasional encounters and c) there are no opportunities to work collaboratively<br />
for several reasons such as lack of time, inadequate infrastructure of the schools, lack of colleagues'<br />
interests and timetable incompatibility.<br />
Keywords: teacher development - collaborative work - sharing knowledge - school context<br />
LA CONTRIBUCIÓN DE LA ESCUELA PARA EL DESARROLLO PROFESIONAL DEL PROFESOR<br />
Resumen<br />
El objetivo de este estudio fue identificar si la escuela contribuye al desarrollo profesional de los<br />
profesores. Se optó por la metodología de investigación cualitativa de naturaleza interpretativa.<br />
La técnica de recolección de tatos fue la entrevista individual semi-estructurada. La muestra se<br />
constituyó de treinta profesores de enseñanza media de siete escuelas públicas de Curitiba-PR.<br />
Los principales resultados del estudio muestran que: a) los profesores buscan nuevos<br />
conocimientos por cuenta propia y en acciones solitarias, b) el intercambio de conocimientos<br />
solo sucede en encuentros ocasionales, y c) no hay oportunidades para trabajar en colaboración<br />
por varias razones, entre las cuales se destacan la falta de tiempo, la infraestructura inadecuada<br />
de las escuelas, el desinterés de los colegas y la incompatibilidad de horarios conjuntos para las<br />
actividades.<br />
Palabras-clave: Desarrollo profesional del profesor – trabajo en colaboración – intercambio de<br />
conocimientos – calificación profesional en servicio.<br />
10<br />
CONTEÚDOS ESCOLARES E DESENVOL<br />
OLVIMENTO HUMANO: QUAL A<br />
UNIDADE?<br />
Marta Sforni e Maria Galuch<br />
Resumo<br />
Neste artigo discutimos a relação entre duas dimensões da educação: o desenvolvimento humano<br />
e a aprendizagem de conteúdos das diversas áreas do conhecimento. Com base na concepção<br />
de desenvolvimento humano da Teoria Histórico-Cultural nos questionamos: no ensino escolar,<br />
como são trabalhadas essas dimensões? O que na escola tem sido caracterizado como formação<br />
voltada para o desenvolvimento humano? Tomamos como objeto de análise livros didáticos de<br />
ciências de 1ª à 4ª séries do ensino fundamental adotados por escolas públicas do município de<br />
Maringá. Observamos que na tentativa de superação do ensino pautado na memorização de<br />
definições, os manuais escolares revelam uma tendência que prioriza o posicionamento “crítico”<br />
dos alunos frente a temáticas sociais, que envolvem conhecimentos científicos. Percebemos<br />
que ao priorizar o desenvolvimento de uma postura social e política a escola tem deixado para<br />
segundo plano o ensino de conceitos científicos. Das análises depreendemos que desvincular o<br />
desenvolvimento do pensamento crítico do domínio do conhecimento científico implica o<br />
esvaziamento do conteúdo da própria crítica e, conseqüentemente, da possibilidade de<br />
desenvolvimento cognitivo presente na aprendizagem escolar. A formação voltada para o<br />
desenvolvimento humano requer a apropriação de conhecimentos para que estes se<br />
transformem em instrumentos simbólicos mediadores entre o sujeito e a sociedade.<br />
Palavras-chave: ensino fundamental – aprendizagem – desenvolvimento - Teoria Histórico-<br />
Cultural - conteúdos escolares<br />
SCHOOL SUBJECT MATTER AND HUMAN DEVELOPMENT: DOES UNITY EXIST BETWEEN THEM?<br />
Abstract<br />
The relationship between two educational dimensions, human development and learning of<br />
subject matter in different areas of knowledge is discussed. Fore grounded on the concept of<br />
human development within the Historical and Cultural Theory, it may be asked how these<br />
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dimensions are being achieved in teaching at school and what is actually being characterized as<br />
training in human development within the school. School textbooks of the first grades of the<br />
junior school used in government schools in the municipality of Maringá PR Brazil are analyzed.<br />
So that memory-based teaching may be overcome, school textbooks tend towards a critical<br />
positioning of pupils facing social themes that involve scientific knowledge. It has been perceived<br />
that, on placing the development of a social and political stance in the foreground, the<br />
school has relocated the teaching of scientific concepts to a secondary level. Analyses showed<br />
that the uncoupling of the development of critical thought from the dominion of scientific<br />
knowledge implies in the deprivation of subject matter from the critical approach and, consequently,<br />
the possibility of cognitive development in learning at school. Training for human<br />
development requires the appropriation of knowledge to be transformed in symbolic instruments<br />
mediating in between the subject and society.<br />
Keywords: basic education – leaning – development - Historical and Cultural Theory - school<br />
subject matter<br />
CONTENIDOS ESCOLARES Y DESARROLLO HUMANO: ¿EXISTE UNIDAD ENTRE ELLOS?<br />
Resumen<br />
En este artículo discutimos la relación entre dos dimensiones de la educación: el desarrollo<br />
humano y el aprendizaje de contenidos de las diversas áreas del conocimiento. Sobre la base de<br />
la concepción de desarrollo humano de la Teoría Histórico-Cultural nos preguntamos: ¿Cómo<br />
son trabajadas esas dos dimensiones en la enseñanza escolar? ¿Qué ha sido caracterizado en la<br />
escuela como formación destinada al desarrollo humano? Tomamos como objeto de análisis<br />
libros didácticos de ciencias de 1ª a 4ª series de la enseñanza fundamental adoptados por<br />
escuelas públicas del Municipio de Maringá. Observamos que en la tentativa de superación de<br />
la enseñanza pautada por la memorización de definiciones, los manuales escolares revelan una<br />
tendencia que prioriza el posicionamiento “crítico” de los alumnos frente a temáticas sociales,<br />
que involucran conocimientos científicos. Percibimos que al priorizar el desarrollo de una<br />
postura social y política, la escuela ha dejado en un segundo plano la enseñanza de conceptos<br />
científicos. De estos análisis inferimos que desvincular el desarrollo del pensamiento crítico del<br />
dominio de conocimientos científicos implica el vaciamiento de contenido de la propia crítica<br />
y, consiguientemente, de la posibilidad de un desarrollo cognitivo presente en el aprendizaje<br />
escolar. La formación orientada al desarrollo humano requiere la apropiación de conocimientos<br />
a fin de que estos se transformen en instrumentos simbólicos mediadores entre el sujeto y la<br />
sociedad.<br />
Palabras-clave: Enseñanza fundamental – aprendizaje – desarrollo – Teoría Histórico-Cultural<br />
– contenidos escolares.<br />
11<br />
PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNA<br />
TERNATIV<br />
TIVAS: NOVOS OS OLHARES SOBRE A<br />
EDUCAÇÃO DO CORPO?<br />
Patrícia Herold, Vilson Aparecido da Mata e Carlos Herold Junior<br />
Resumo<br />
O objetivo desse artigo é analisar a implicações sobre a educação do corpo, trazidas pelas<br />
práticas corporais alternativas. Essa intenção se justifica pela forte presença que essas<br />
passam a ter a partir da década de 1980, arregimentando um número importante de<br />
praticantes e de profissionais por ela responsáveis. Dividimos o texto em três partes: na<br />
primeira, mostramos o processo de surgimento e desenvolvimento dessas práticas, ao<br />
mesmo tempo em que as conceituamos e diferenciamos das práticas “tradicionais”. Na<br />
segunda, elencamos algumas críticas feitas às práticas corporais alternativas. Na parte<br />
final, observarmos a importância dessas práticas, bem como o seu forte vínculo com as<br />
transformações sociais e culturais, e endossamos a necessidade dos profissionais que<br />
dela se ocupam, sobretudo os professores de Educação Física, a refletirem sobre os limites,<br />
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possibilidades e impactos que essas práticas podem ter nos mais variados processos de<br />
educação corporal.<br />
Palavras-chave: corpo - práticas corporais alternativas – educação - educação física - pósmodernidade<br />
ALTERNATIVE BODY PRACTICES: NEW REGARDS TO THE BODY EDUCATION?<br />
Abstract<br />
The aim of this article is to analyze implications on body education, rendered by alternative<br />
body practices. This goal is justified by their presence after the 80’s, gathering a huge number<br />
of adepts and professionals liked to them. We divided the text in three parts: firstly, we showed<br />
how their creation and development took place, and also several definitions and specification<br />
are given. After that, in the second part, we listed some criticisms received by these practice.<br />
Finally, after having observed the relevance possessed by these practices, as well their close<br />
relationship with cultural and social changes underway, we endorse the need for professionals<br />
who work with such practices, above all physical education teachers, to carry on further analysis<br />
about their limits, possibilities and the consequences that they might have in the several<br />
processes which touch body education.<br />
Keywords: body - alternative body practices – education - physical education - post-modernity<br />
PRACTICAS CORPORALES ALTERNATIVAS: ¿NUEVAS CONSIDERACIONES SOBRE LA<br />
EDUCACIÓN DEL CUERPO?<br />
Resumen<br />
El objetivo de este artículo es analizar las implicaciones acerca de la educación del cuerpo,<br />
aportadas por las prácticas corporales alternativas. Esta meta se justifica por la fuerte presencia<br />
que estas prácticas llegaron a tener a partir de la década de los ’80, reclutando un número<br />
importante de practicantes y de profesionales consagrados a ellas. Dividimos el texto en tres<br />
partes: en la primera, mostramos el proceso de surgimiento y desarrollo de esas prácticas, al<br />
mismo tiempo en que las conceptuamos y diferenciamos de las prácticas “tradicionales”. En la<br />
segunda, catalogamos algunas críticas hechas a las prácticas corporales alternativas. En la parte<br />
final, observamos la importancia de esas prácticas, así como su fuerte vínculo con las<br />
transformaciones sociales y culturales, y endosamos la necesidad de los profesionales que de<br />
ella se ocupan, sobre todo los profesionales de Educación Física, de reflexionar sobre los límites,<br />
posibilidades e impacto que esas prácticas pueden tener en los más variados procesos de la<br />
educación corporal.<br />
Palabras-clave: cuerpo – prácticas corporales alternativas – educación – educación física –<br />
pos-modernidad.<br />
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POSTMODERNIDAD Y UNIVERSIDAD: ¿UNA REFLEXIÓN<br />
NECESARIA?<br />
Ernâni Lampert 1 e María Adoración Holgado Sánchez 2<br />
CONSIDERACIONES PREMILINARES<br />
La humanidad, a lo largo de toda la historia, pasó por diferentes etapas evolutivas.<br />
Algunos períodos fueron más importantes que los otros para el desarrollo. Todos, con<br />
sus peculiaridades propias, colaboraron para la construcción y reconstrucción de la<br />
actual dinámica político-económico-social-cultural. De la antigüedad a la<br />
contemporaneidad, miedos, inseguridades, crisis, epidemias, miserias, atrocidades,<br />
guerras, catástrofes, conflictos étnicos, ideológicos y religiosos, como también progresos<br />
en todos los campos acompañan al hombre que entró vacío e inseguro en el tercer<br />
milenio, aun con todos los avances científicos y tecnológicos.<br />
En el mundo antiguo, las comunidades, aun estando desprovistas de herramientas<br />
e instrumentos adecuados, viviendo en pésimas condiciones, en comparación con la<br />
época actual, enfrentaron el cotidiano con destreza y lograron superar obstáculos,<br />
repartiendo los escasos recursos que la naturaleza les ofrecía para la sobrevivencia.<br />
En la Edad Media, período cronológicamente muy largo, que englobó aproximadamente<br />
mil años, el poderío de la Iglesia era evidente y el feudalismo fue adoptado como<br />
régimen político-económico. En este período, se percibió una acentuada desigualdad<br />
social. En el mundo moderno, el capitalismo afloró, la ciencia asumió papel importante<br />
y, consecuentemente, hubo progreso en todas las áreas del saber humano. La<br />
modernidad, en cuanto momento histórico, se refiere a la etapa suscitada por la<br />
Revolución Industrial en Inglaterra, por la Revolución Francesa y por la influencia<br />
ejercida por el raciocinio científico, que surgió del iluminismo, intentando organizar<br />
racionalmente la vida social.<br />
El paradigma moderno, muy criticado en la época contemporánea por no tener<br />
cumplido con sus grandes promesas, fue un marco en la historia de la humanidad,<br />
porque además de oponerse a los dogmas y a las reglas rígidas de la Iglesia, introdujo,<br />
de manera sistemática, estudios científicos. En la educación, el ambicioso programa<br />
de Cómenos de enseñarles todo a todos y de todas las formas – así como el<br />
pensamiento de Rousseau -, se constituyen en los cimientos de la educación<br />
contemporánea. La Revolución Industrial en Inglaterra, que transformó la estructura<br />
social y el tipo de escala de ocupaciones, fue un referencial de la mayor importancia<br />
en la producción, distribución y consumo de bienes. No se puede olvidar la Revolución<br />
Francesa, que abrió las puertas para el establecimiento de la democracia, de la<br />
fraternidad, de la igualdad, de la justicia social y de los derechos humanos.<br />
Como ruptura y/o continuidad del período moderno, surgió la postmodernidad,<br />
objeto del presente estudio.<br />
________________________________<br />
1 Doctor en Ciencias de la Educación; profesor Asociado Fundação Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: erncas@bol.com.br<br />
2 Doctora en Pedagogía; catedrática Universidad Pontificia de Salamanca<br />
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POSTMODERNIDAD<br />
Para Featherstone “hablar de postmodernidad es sugerir un cambio o una ruptura<br />
epocal con la modernidad, que conlleva la aparición de una nueva totalidad social con<br />
sus propios principios distintos de organización” (2000, p.24). Según el parecer de<br />
Lyotard (1998), la postmodernidad designa el estado de cultura después de las<br />
transformaciones que afectaron las reglas de juego de la ciencia, de la literatura y de<br />
las artes a partir de finales del siglo XIX. Eagleton (1998), que exploró los primordios,<br />
las ambivalencias, las historias, los sujetos, las falacias y las contradicciones del<br />
postmodernismo, señala que el término postmodernidad alude a un periodo histórico<br />
específico, que cuestiona las nociones clásicas de la verdad, de la razón, de la identidad<br />
y de la objetividad, de la idea de progreso o de emancipación universal, de los sistemas<br />
únicos, de las grandes narrativas o de los fundamentos definitivos de explicación.<br />
García Selgas y Monleón entienden por “postmodernidad una época histórica que se<br />
diferencia de la modernidad y la sucede. En ella se incluye tanto una determinada<br />
realidad socio-histórica cuanto su exposición en unas específicas condiciones<br />
epistemológicas” (1991, p.13). Ya según Jameson (2001, p.9) “el modo más seguro de<br />
comprender el concepto de lo postmoderno es considerarlo como un intento de pensar<br />
históricamente el presente en una época que ha olvidado cómo se piensa<br />
históricamente”.<br />
La postmodernidad es lo que queda cuando el proceso de modernización ha<br />
concluido y la naturaleza se ha ido para siempre. Es un mundo más plenamente humano<br />
que el antiguo, pero en él la cultura se ha convertido en una auténtica segunda naturaleza.<br />
Lo que ocurrió a la cultura pudiera ser una de las pistas más importantes para rastrear<br />
lo postmoderno. La cultura se ha vuelto un producto por derecho propio.<br />
Definir postmodernidad no es algo fácil, pues no se sabe con exactitud si ese<br />
fenónemo, relativamente reciente, representa un nuevo período en la civilización; es<br />
un cambio paradigmático, un movimiento cultural, o también puede ser considerado<br />
como una revalidación crítica de los modos modernos de pensamiento, pues cuestiona<br />
las dicotomías rígidas criadas por la modernidad entre realidad objetiva / subjetiva,<br />
facto/imaginación, secular/sagrado, público/privado, científico/vulgar. De acuerdo con<br />
Connor (2002), en vez de preguntar ¿qué es la postmodernidad?, deberíamos preguntar,<br />
dónde, cómo y por qué nace el discurso de la postmodernidad. ¿Qué está en juego en<br />
sus debates? ¿Quién los desarrolló? ¿Cómo lo hizo? Para Terrén (1999), el análisis de<br />
lo que viene después de la modernidad es complejo. El discurso de la postmodernidad<br />
ofrece una serie de dificultades específicas que obligan a aceptarla como algo<br />
fragmentado, contradictorio e incompatible. Según Nebreda “postmodernidad es un<br />
término laxo y ambiguo que ha englobado muchas cosas diferentes” (1993, p. 7).<br />
El término postmodernidad es ambiguo, que ha pasado por diferentes etapas y<br />
asumido diversos significados a lo largo de la historia. En la actualidad, aún hay una<br />
infinidad de polémicas con relación a su terminología. Seguramente es en arquitectura<br />
donde encontramos el mayor consenso. Para situar al lector, y basado en Anderson<br />
(2000), que abordó los primordios, la cristalización y los efectos posteriores de la<br />
postmodernidad, y de Compagnon (2003), que analizó las paradojas de la modernidad,<br />
presentamos algunas ideas indispensables para la comprensión de la evolución histórica<br />
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de la postmodernidad. El término apareció en la década de 30, por primera vez, en el<br />
mundo hispánico. Frederico Onis, amigo de los pensadores Unamuno y Ortega, fue<br />
quien lo introdujo para decrecer un reflujo conservador dentro del propio modernismo.<br />
El término entró para el vocabulario de la crítica hispanófona, pero raramente fue<br />
usado por los escritores subsecuentes. En la década de 1950 surgió en el mundo<br />
anglófono, como categoría de la época, y no como categoría estética. En los años<br />
1960 fue empleado en la Teoría de la Arquitectura y Crítica Literaria Norteamericana<br />
representando una nueva situación cultural, o sea, la transición de una cultura de<br />
certezas para una de incertidumbres.<br />
A partir de los años 1970, la noción de postmoderno ganó difusión más amplia y<br />
se extendió por diferentes países. En 1972, la publicación de la Revista de Literatura<br />
y Cultura Postmodernas fue un momento decisivo para que el término fuese fijado<br />
y utilizado por diferentes actores sociales, pero con connotaciones distintas. En 1979,<br />
la obra “La condición postmoderna”, del filósofo Jean-Francois Lyotard, abordó la<br />
postmodernidad como un cambio general en la condición humana. En 1989, Harbermas,<br />
uno de los opositores de la postmodernidad, impartió la conferencia Modernidad – un<br />
proyecto incompleto, en Frankfurt, en que relacionó drásticamente el postmodernismo<br />
y el neoconservantismo. Atacó al mismo tiempo el neoconservantismo social y el<br />
postmodernismo artístico. Ese trabajo ocupa una posición peculiar en el discurso de la<br />
postmodernidad. En 1982, Jameson, el mayor crítico literario marxista del mundo en<br />
la época, dio una serie de conferencias sobre el postmodernismo, enfatizando el<br />
conflicto estético entre el realismo y el modernismo. Este discurso provocó debates<br />
subsecuentes. En 1989, Callinicos, en su obra Contra el postmodernismo, hizo un<br />
análisis del background político. Harvey, en 1990, en la obra Condición<br />
postmodernidad, ofrece una teoría mas completa de sus presupuestos económicos<br />
e, en 1996, en la obra Las ilusiones de lo postmoderno, Eagleton abordó el impacto<br />
ideológico, que según Martín Serrano (1986) posee tres presupuestos:<br />
- el fascínio por las tecnologías, especialmente las comunicativas;<br />
- la realidad social y la cultura como fragmentos, rechazando las visiones<br />
globalizadoras del mundo y de la historia;<br />
- la creencia en toda relación social se resuelve en interacciones de carácter<br />
comunicativo.<br />
En función de su complejidad, de todo lo que abarca, de su ambivalencia, sus<br />
contradicciones, indefiniciones, poco consenso, muchos cuestionamientos surgen con<br />
relación a la postmodernidad: ¿- Cuál es el real significado del término? ¿– la<br />
postmodernidad es un cambio paradigmático? ¿– una revolución? ¿– una renovación?<br />
¿– una ruptura? ¿– una ideología? ¿– una crisis de la modernidad? ¿– una salida de la<br />
modernidad? ¿– un período de transición? ¿– la postmodernidad acabó con los dogmas<br />
del progreso y del desarrollo? ¿– el postmoderno es más moderno que el moderno?<br />
¿– es antimoderno o premoderno? ¿– es conservador? ¿– la postmodernidad existe?<br />
¿– ella tiene legitimidad? ¿– dónde y cómo la posmodernidad se sitúa en la historia?<br />
– En síntesis, ¿por qué tanto se habla, discursa y se escribe sobre ese fenómeno?<br />
Para Compagnon (2003), la postmodernidad es el nuevo chicle de los años 1980, que<br />
invadió las Bellas Artes – aún se puede hablar así -, la literatura, las artes plásticas,<br />
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talvez la música, pero, antes de todo, la arquitectura y también la filosofía, etc., cansadas<br />
de las vanguardias e de sus aporías, decepcionadas con la tradición de la ruptura cada<br />
vez más integrada al fetichismo de la mercadería en la sociedad de consumo.<br />
Mirándolo desde un punto de vista más amplio, se pueden deducir dos tesis que<br />
tienen relación con el surgimiento de la postmodernidad. La primera la considera un<br />
movimiento que inició en los años 1960, con el agotamiento de la modernidad, más<br />
específicamente con el movimiento estudiantil, con el avance de la tecnología, con la<br />
nueva visión del consumo e del capital internacional. Esta primera concepción, constituye<br />
una fase crítica de la sociedad moderna. En la segunda tesis, la postmodernidad<br />
representa una nueva época histórica posterior a la modernidad. Harvey (1998),<br />
refiriéndose a la postmodernidad como condición histórica, señala que la crisis de<br />
superacumulación iniciada al finalizar los años 1960, y que llegó a su auge en 1973,<br />
generó exactamente ese resultado. La experiencia del tiempo y del espacio se<br />
transformó, la confianza en asociaciones entre juicios científicos y morales rugió, la<br />
estética triunfó sobre la ética como foco primario de preocupación intelectual y social,<br />
las imágenes dominaron las narrativas, la efemeridad y la fragmentación fueron<br />
preferidas a verdades eternas y sobre la política unificada, y las explicaciones dejaron<br />
el ámbito de los fundamentos materiales y político-económicos y pasaron para la<br />
consideración de prácticas políticas y culturales autónomas.<br />
Garboggini Di Giorgi (1993) percibió el postmodernismo como una sensación y<br />
una apuesta. Una sensación de que la modernidad está rota; de que la racionalización<br />
de la vida es inaceptable y deshumana; de que la promesa del progreso es una ilusión<br />
y de que el universo es peligroso. Apuesta porque los postmodernos confían en la<br />
heterogeneidad y en la diferencia; afirman la fragmentación de experiencias; enfatizan<br />
la existencia de micropoderes capilares en el interior de la sociedad y consideran<br />
ilusorios el poder del estado y la dominación de alguna clase social. Ya para Gomes<br />
(1994) el mundo postmoderno es descentralizado, dinámico y pluralista. En él<br />
desaparecerán las reglas de la mayoría absoluta, y cada vez más hay menos lugar<br />
para la tiranía de la sociedad de masas. El sistema internacional pasó a ser multipolar,<br />
las minorías alcanzaron su derecho de expresión.<br />
Cevasco (2003), refiriéndose a las diez lecciones sobre estudios culturales, señala<br />
que, a partir de la década de 1960, se sintió otro cambio semántico en el concepto de<br />
cultura, infiltrando cambios en la organización social de un mundo conectado por los<br />
medios de comunicación de masa, donde profundas transformaciones económicas y<br />
políticas acabaron por enflaquecer un proyecto colectivo de cambio social. “Viva la<br />
diferencia” y “abajo el universalismo” son las palabras de orden de la época<br />
postmoderna. En el nuevo momento, la cultura con mayúscula, es substituida por<br />
culturas, en plural. La atención no más recae sobre la conciliación de todos, ni tampoco<br />
por la lucha de una cultura en común, sino por disputas entre las diferencias entre las<br />
diferentes identidades nacionales, étnicas, sexuales o regionales. La cultura no más<br />
transciende la política como un bien mayor, sino que representa los términos en que la<br />
política se articula. Se echaron por tierra las pretensiones a la neutralidad y a la<br />
inocencia de la cultura y se estrechó la noción de lo político, reducida, ahora, a una<br />
práctica cultural y a la defensa del particularismo de diferencias culturales. En relación<br />
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a esa problemática, Santos (2002) alerta que el dominio global de la ciencia moderna<br />
como conocimiento-regulación cambió muchas formas de saber, sobretodo aquellas<br />
que eran propias de los pueblos que fueron objeto del colonialismo occidental. Tal<br />
destrucción produce silencios que hicieron impronunciables las necesidades y las<br />
aspiraciones de los pueblos o grupos sociales, cuyas maneras de saber fueron objeto<br />
de destrucción. Bajo la portada de los valores universales autorizados por la razón, se<br />
impuso la razón de una “raza”, de un sexo y de una clase social. La cuestión es:<br />
¿Cómo realizar un dialogo multicultural cuando algunas culturas fueron reducidas al<br />
silencio, y sus formas de ver y conocer el mundo se hicieron impronunciables? ¿Cómo<br />
hacer hablar el silencio sin que él hable necesariamente el lenguaje hegemónico que<br />
pretende hacerlo hablar?<br />
Las dos guerras mundiales, marcos en la historia de la humanidad, rediseñaron<br />
el mundo. Algunos países del occidente y del oriente empezaron a investir pesado en<br />
la industria de punta, como condición indispensable para el desarrollo políticoeconómico-social-cultural;<br />
a competir entre sí; a ofrecer mejores condiciones de vida<br />
para la población, preparándose, lógicamente, para futuros conflictos. Fue en esta<br />
época que el progreso científico asumió, por la primera vez, formas amenazadoras. El<br />
constante perfeccionamiento técnico producía herramientas cada vez más sofisticadas<br />
y poderosas de destrucción y, al mismo tiempo, la industria bélica se convertía en un<br />
principio permanente de producción industrial, movilizando presupuestos gigantescos<br />
y personal especializado. La guerra fría exacerbó, aún más, la disputa entre los bloques<br />
capitalista y socialista. En el período, llamado era pos-industrial, se sintió un cambio<br />
paradigmático en la ciencia, que hasta el momento era considerada una actividad<br />
noble, desinteresada, cuyo objetivo era romper con el mundo sombrío. El impacto<br />
tecnológico provocó cambios en la forma de cómo el saber era producido, distribuido<br />
y legitimado. La ciencia pasó a ser encarada bajo el prisma de valor del uso. Según<br />
Rodrigues (2003), en el escenario postmoderno, la ciencia se asocia a la visión de<br />
tecnología cultural, incorporando en sí el valor de cambio, práctica que somete al<br />
capital y al Estado.<br />
La postmodernidad tiene una vinculación con el postindustrialismo y con todo el<br />
arsenal de nuevas ideas. La cultura de la sociedad capitalista avanzada pasó por un<br />
profundo cambio en relación a la estructura y al pensamiento. El conocimiento asume<br />
la principal fuerza de producción. La fuente de todas las fuentes se llama información.<br />
La riqueza de una potencia no se da más, únicamente, por la abundancia de materia<br />
prima, y sí por la cantidad/calidad de la información técnico-científica. A la ciencia,<br />
modo de organizar, almacenar y distribuir informaciones, le cabe mostrar que sin el<br />
saber científico y técnico, no se tiene riqueza, y la universidad, institución más importante<br />
en el cálculo estratégico-político del Estado, asume la investigación, tanto financiada<br />
como la de relevancia social. La enseñanza y la investigación, funciones históricas de<br />
la universidad, que antes intencionaba preparar hombres para descubrir la verdad, hoy<br />
en día buscan, principalmente, formar competencias para la inserción en el mercado<br />
capitalista.<br />
La historia del pensamiento occidental pasó por diferentes megaparadigmas: el<br />
premoderno, el moderno y el posmoderno. La posmodernidad es el tercer grande<br />
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cambio paradigmático, que a partir de la segunda mitad del siglo xx está vigorando,<br />
según Santos Filho (1998) presenta las siguientes características: la presencia o<br />
necesidad de sistemas abiertos; el principio de indeterminación en la ciencia; la<br />
descreencia en la metas narrativas; el foco en el universo; la denuncia de la mídia en<br />
la representación del mundo; la explosión de la información y el concomitante<br />
crecimiento de las tecnologías de la información; el capitalismo global; la humanización<br />
del mundo en todas las dimensiones; la integración entre Estado y economía o mercado<br />
y tendencias a la hegemonía del mercado; el individualismo humano como irónico,<br />
cínico, fragmentado, esquizofrénico; la caída del sujeto y la nueva concepción del<br />
tiempo y de la historia; la complementariedad entre alta y baja cultura.<br />
De las características presentadas, el rechazo de la visión de una racionalidad<br />
global, explicación de todos los fenómenos, ciertamente, afectó con más intensidad la<br />
nueva cultura en lo que concierne a la concepción de mundo, de filosofía, de educación,<br />
de ciencia, modo de vivir y encarar la existencia y del papel de las instituciones sociales.<br />
Los sistemas filosóficos, que ofrecen algún padrón universal, como las obras de Freud,<br />
Hegel, Comte e Marx, tienen alguna regencia, pero sólo en parte. Quedaron sacudidas,<br />
también, el eurocentrismo y las formas de colonialismo, internas y/o externas. El<br />
positivismo, como forma hegemónica de generar conocimientos, perdió su monopolio<br />
y credibilidad, pues ya no es más capaz de explicar la complejidad y la grande gama<br />
de fenómenos, y descubrió que la razón no es omnipotente; que la ciencia no es<br />
absoluta, que la verdad es relativa y cuestionable y que cualquier discurso universal,<br />
que no considera la diversidad entre las culturas, razas, lenguaje, credos religiosos e<br />
ideológicos, tiende a ser rechazado. De un lado, se siente la necesidad de despertar<br />
para el dinamismo de la sociedad, entender los contextos dentro de una visión<br />
interdisciplinaria; por otro, la falta de un referencial unificador para explicar los<br />
fenómenos generó una descreencia en todo y en todos, ocasionando un caos. En la<br />
nueva forma de entendimiento hay un destronamiento de la ciencia, que tiene<br />
implicaciones directas en la práctica de la investigación y en la docencia.<br />
La postmodernidad, que no tornó obsoleta la modernidad, que cuestiona la teoría<br />
cartesiana y que perdió su áncora en las metas narrativas, considera que hay muchas<br />
formas de interpretar la realidad, y que la duda es condición indispensable para la<br />
reflexión. Este movimiento cultural representa una abertura para nuevas posibilidades<br />
y, consciente de los límites de la modernidad, busca transformar lo moderno, en vez de<br />
rechazarlo totalmente. Según Rocco “(...) los postmodernos defienden la<br />
necesidad de modelos de análisis que reconozcan la complejidad de la causación múltiple<br />
arraigada en condiciones históricamente determinadas de condiciones o lugares locales<br />
o particulares” (1991, p.273).<br />
Para Kumar (1997), el mundo postmoderno es un mundo de presente eterno, sin<br />
origen, pasado o futuro; un mundo en el que es imposible encontrar un centro o<br />
cualquier punto o perspectiva de la que sea posible mirarlo firmemente y considerarlo<br />
como un todo; un mundo en el que todo lo que se presenta es temporario, mutable o<br />
tiene el carácter de formas locales de conocimiento y experiencia. Aquí no hay<br />
estructuras profundas, ninguna causa secreta o final; todo es (o no es) lo que parece<br />
en la superficie. Es dar un fin a la modernidad y a todo lo que ella prometió y propuso.<br />
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Siguiendo la línea de pensamiento, Marina señala que “las certezas viejas han<br />
desaparecido y no hemos alumbrado todavía certezas nuevas. La sociedad se ha<br />
hecho compleja y contradictoria, vivimos entre paradojas que resultan difíciles de<br />
manejar” (2000, p.24). Por su vez, para Calvo Prados “el posmoderno no tiene certezas<br />
absolutas, nada le sorprende y sus opiniones son susceptibles de rápidas modificaciones.<br />
A ello han contribuido los medios de comunicación de masas y su posibilidad de difundir<br />
las más diversas concepciones de mundo. El individuo de nuestra contemporaneidad<br />
se encuentra sometido a una avalancha de informaciones y estímulos carentes de<br />
cualquier coherencia y opta por vagar de unas ideas a otras, abandonando la idea de<br />
existencia de una sola forma de humanidad verdadera. Todo lo llena la incredulidad”<br />
(2000, p.42).<br />
Según Gonzáles Radío (1994) en la postmodernidad es posible vivir sin ideales.<br />
La vida no tiene ni presente ni ningún imperativo categórico. Hay un declive sistemático<br />
del imperio de la razón y donde todo está permitido o, en otra palabra, nada está<br />
prohibido. Es el tiempo del nihilismo, de la presencia del individuo fragmentado, donde<br />
no se trata de hacer, sino de estar; pero, además, se pasa de la tolerancia a la<br />
indiferencia y es el momento del retorno a los mitos y creencias. En definitiva, es el<br />
tiempo del “débil” y del “Light”.<br />
El prefijo “post” és ambiguo en el campo social. A partir de lo expuesto, en el<br />
que quedan evidentes la complejidad y la diversidad en el pensamiento de los estudiosos,<br />
se sitúa la postmodernidad como una fase cultural del capitalismo en sus prácticas<br />
más avanzadas, en las que la nueva tecnología de la información y comunicación<br />
ocupa posición dominante en la infraestructura económica; en el que los medios de<br />
comunicación de masa ejercen rol importante, y el proceso de consumo cultural es la<br />
propia esencia del funcionamiento del capitalismo. Observase que hay cambio en el<br />
concepto de ciencia y de verdad; una tendencia para la indeterminación; una amenaza<br />
a los valores de la cultura humanista; un reforzado aumento en el grado de<br />
fragmentación, pluralismo, eclecticismo e individualismo; esto ocurre, principalmente,<br />
en virtud de los cambios ocurridos en el trabajo y en la tecnología. Se percibe que las<br />
instituciones están debilitadas; los partidos políticos de masa ceden lugar a los nuevos<br />
movimientos sociales basados en el sexo, en la raza, en la etnia en el medio ambiente,<br />
y hay la preocupación con políticas de diferencia. Además la concentración de la<br />
población en grandes ciudades se opone a un movimiento de dispersión. Según Cordero<br />
del Castilla “la postmodernidad, que es una reacción ante los excesos de la modernidad<br />
y el uso prepotente de la razón, está haciendo surgir una reruralización del campo, con<br />
retorno de población joven y emprendedora al medio rural, con la valoración de<br />
pertenencia a un territorio y a una cultura, y con la integración de las personas en<br />
pequeñas comunidades” (2001, p.61). La arquitectura revisa la tendencia para<br />
rascacielos de apartamentos y oficinas. El énfasis recayó en proyectos de pequeña<br />
escala. Todos los cambios, que tienen diferentes significados y manifestaciones en los<br />
diversos campos del saber humano y para las personas también, invadirán las artes, la<br />
literatura, las humanidades, la administración, la economía, la matemática, la filosofía,<br />
las ciencias sociales, la teología, las ciencias exactas y la educación.<br />
Aguila Soto (2005) apunta que en las sociedades postmodernas, desde el punto<br />
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de vista económico, cada vez es mayor la producción de bienes intangibles que circulan<br />
a través de sistemas virtuales, interconectados en la red mundial. En el ámbito político,<br />
aumenta el número de organizaciones supranacionales. Socialmente, el panorama es<br />
heterogéneo, fragmentado con múltiplos estilos y formas de vida y las desigualdades<br />
sociales son cada día más drásticas. Desde el punto de vista cultural, hay una<br />
aceleración vertiginosa de la producción cultural, social y económica. La postmodernidad<br />
representa un giro social a gran escala, un proceso de cambio y evolución que se<br />
desarrolla a través de nuevos estilos de vida, en los que el ocio comienza a reivindicar<br />
un papel protagonista. El ocio se incorpora a nuestra vida cotidiana, a nuestro estilo de<br />
vida. El ocio es un derecho del hombre.<br />
Por lo tanto, con más intensidad, a partir de los años 1970, la noción de<br />
postmodernidad entra en el escenario. Aunque no haya un consenso con relación a<br />
ese fenómeno, los estudiosos señalizan algunas características marcantes: la pérdida<br />
de expectativas con relación a un futuro provisor, la rápida expansión del consumo y<br />
de la comunicación de masa, el conocimiento como mercancía, la descreencia en las<br />
metas narrativas, la valorización de la cultura, etc. A partir de los años 1990, con el<br />
derrocamiento histórico global de la izquierda, del desarrollo tecnológico de la mídia,<br />
del triunfo de la tecnología genética, de la globalización liberal, de la desregulamentación<br />
de la economía, del inchazo de las actividades financieras y de la bolsa, el rótulo<br />
postmodernidad gana aliento. Hoy en día se habla en hipercapitalismo, hiperclase,<br />
hiperpotencia, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto. La<br />
educación, para atender a una modernidad elevada a la potencia superlativa, busca<br />
retomar la legitimidad, a través de un discurso de calidad y excelencia. Diferentes<br />
mecanismos de acompañamiento y de control son utilizados para que las universidades<br />
encuentren salidas para atender a una demanda que tiene miedo de la desvalorización<br />
del diploma y de no encontrar lugar en el universo de trabajo.<br />
POSTMODERNIDAD Y UNIVERSIDAD<br />
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La universidad, principal gestora de ciencia, precisa estudiar, reflexionar sobre<br />
esa nueva cultura; lograr salidas viables y confiables para el desencantamiento y<br />
admirar la pluralidad ideológica, sin cerrar la puerta para ninguna modalidad de entender<br />
el mundo. Con relación a esa problemática, Lampert (2001) señala que la universidad<br />
dentro de la nueva visión de mundo, precisa estar abierta a las innovaciones y<br />
contradicciones que la triade, ciencia/tecnología/industria, desarrolla. La universidad<br />
no puede ser una torre de marfíl, obsoleta, dirigida solamente al pasado. Además de<br />
la reproducción de conocimiento, su incumbencia principal es generar ciencia y<br />
tecnología, al mismo tiempo que tendrá la tarea de concebir y trabajar la complejidad<br />
de los fenónemos y la pluralidad ideológica. La universidad no puede enfocar la<br />
unilateralidad, mas considerar la bipolaridad como forma de analizar el desarrollo que,<br />
de un lado, trae beneficios, conforto y bienestar a pocos, y, por otro, desterró la<br />
naturaleza, la mayor riqueza de la humanidad, y produce la atomización de los individuos,<br />
que pierden su identidad, tornándose objetos manipulados y dominados por la máquina.<br />
La universidad, que es tributaria de los principios modernos de la razón y del<br />
estado, está siendo cuestionada, pues tanto el poder político-económico del estadocapitulo1.pmd<br />
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nación como la racionalidad están perdiendo el aliento. En la óptica de la globalidad, el<br />
estado-nación está en declinio porque nuevas formas de poder están siendo establecidas.<br />
En la aldea global, la nación territorial pierde su significado; no existen fronteras y el<br />
capital es transnacional. El estado, proveedor del bienestar social, da lugar al estado<br />
de servicio de un nuevo modelo económico global. Mészáros (2003) dice que, a pesar<br />
de todos los protestos contra el Estado y combinado con fantasmas neoliberales relativos<br />
a la reculada de las respectivas fronteras, el sistema de capital no sobreviviría una<br />
única semana sin el fuerte apoyo que recibe del estado, pues este continúa siendo el<br />
último árbitro que abarca la tomada de decisiones socioeconómicas y políticas, así<br />
como el que realmente garantiza los riesgos asumidos por todos los emprendimientos<br />
económicos transnacionales.<br />
La universidad, que durante doscientos años, aproximadamente, se amparó en el<br />
mega paradigma moderno, está sin un paradigma ancorado, capaz de dar sustentabilidad<br />
a las funciones básicas de enseñanza, investigación y extensión cultural. Siguiendo la<br />
misma línea de reflexión, Goergen (1997) dice que la universidad transita del Estado<br />
para el mercado, de la razón para a heteronomia, sin que esa travesía sea acompañada<br />
por una reflexión que profundice sus consecuencias. ¿Qué vendrá después? Esa es<br />
la pregunta que los académicos deben buscar responder y, talvez, la respuesta motive<br />
propuestas alternativas o resistencias. La universidad necesita hoy de una nueva<br />
fundamentación filosófica, como ocurrió en el momento de su institución como<br />
universidad moderna. Fue el contexto de las transformaciones que habían ocurrido,<br />
elaborado por el pensamiento de Kant, Fichte, Schleirermacher, Humboldt, Comte,<br />
Taine, Descartes y otros, que dio una nueva orientación a la universidad medieval,<br />
conectándola a las dos fuerzas directoras emergentes, la razón y el Estado. Hoy se<br />
vive nuevamente una época de profundas transformaciones en las que precisamente<br />
aquellos fundamentos modernos están siendo cuestionados y la universidad debe resistir<br />
a una reflexión más radical y abierta sobre sí misma. En una palabra, es preciso lanzar<br />
la pregunta sobre el perfil que deberá ser la nueva academia del próximo siglo, que irá<br />
nacer de las transformaciones ya en curso.<br />
En esta nueva cosmovisión, la universidad precisa repensar sus convicciones. A<br />
través de una visión crítica, deberá estudiar nuevos modos de pensar, de leer el<br />
mundo, generar conocimientos y conducir el proceso de enseñanza / aprendizaje. En<br />
la dirección, Dupont y Ossandon (1998) señalan que la universidad parece ocultar la<br />
complejidad del sujeto que aprende, la complejidad de la sociedad, los paradigmas<br />
múltiplos y complementares. Por falta de una verdadera modificación en las prácticas<br />
pedagógicas y de una tentativa de aproximación sistémica de los problemas, la<br />
universidad corre el riesgo de cristalizarse y de cristalizar. La praxis de producción<br />
del conocimiento deberá estar abierta a las nuevas alternativas, hasta ahora refutadas,<br />
para justificar y explicar fenómenos, aunque de forma temporaria. De acuerdo con<br />
Santos Filho (1998) los desafíos culturales, teóricos, metodológicos y éticos colocados<br />
por la postmodernidad esperan de la universidad una respuesta arrojada y urgente.<br />
La sociedad contemporánea es contradictoria. Por un lado, es extremamente<br />
desarrollada y arrojada en determinadas áreas, pero en otros campos, es primitiva,<br />
arcaica, injusta, deshumana y no logra atender las demandas básicas de la población.<br />
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Por un lado, se presencia la destrucción ambiental, la masacre de pueblos, las aventuras<br />
militares, las amenazas nucleares, los genocidios, los fracasos políticos, sociales,<br />
religiosos, culturales; el deterioro del trabajo y una pérdida significativa de los sentidos<br />
y de los significados humanos e de la sociedad. Por otro lado, está el mundo de las<br />
finanzas, de los negocios, del comercio, del consumo, de la tecnología, así como el de<br />
la masa cultural, que crece como en ninguna otra época. Nadie es más el dueño de la<br />
verdad, pero todos, teóricamente, tienen el derecho de ser comprendidos y respetados.<br />
La universidad, inserida en este contexto, como las demás instituciones sociales,<br />
está pasando por profundas crisis y desvaloración. Aun habiendo avanzado en muchas<br />
áreas, no logra más atender las expectativas y necesidades de una demanda cada vez<br />
más exigente, competitiva, individualista y consumista. Los alumnos oriundos de<br />
diferentes clases, con peculiaridades diferentes, donde la heterogeneidad predomina,<br />
buscan un diploma, que ya está bastante desvalorizado, como condición para competir<br />
en el mercado de trabajo. La distancia entre el discurso universidad-realidad desmotiva<br />
los jóvenes que son obligados a aprender contenidos poco significativos para la vida.<br />
Considerando el escenario, muchas indagaciones son hechas y pocas respuestas<br />
plausibles son presentadas. ¿Qué podrá hacer la universidad para retomar su status?<br />
¿Que alternativas administrativas y pedagógicas la universidad, que atravesó siglos y<br />
se adaptó a los diferentes megaparadigmas, debe adoptar en los tiempos postmodernos?<br />
¿Cómo la universidad pondrá trabajar y rever cuestiones cruciales como la violencia,<br />
individualismo, inmediatismo, consumismo y competición? ¿Cómo la universidad pondrá<br />
atender al diferente sin perder su referencial unificador? ¿Cómo la universidad podrá<br />
abordar la ciencia y la tecnología con criticidad si, muchas veces, está desprovísta de<br />
recursos humanos, materiales y financieros? ¿Cómo los docentes podrán atender a<br />
esta nueva realidad? ¿Cómo la universidad podrá atender a los excluidos económica,<br />
social, digital y culturalmente? ¿Cómo la universidad puede atender a la sociedad<br />
globalizada, basada en el conocimiento y universalidad?<br />
De acuerdo con Mora (2006), el cambio de contexto para la educación superior<br />
(sociedad global, sociedad del conocimiento y universalidad) exigen la realización de<br />
reformas en el sistema educativo superior para responder a los nuevos desafíos. Los<br />
cambios deben ser de dos tipos: intrínseco (modelo pedagógico) y extrínseco (modelo<br />
organizativo de las instituciones). La idea de cambio intrínseco puede ser sintetizada<br />
en la necesidad de cambiar el paradigma educacional, partiendo de un modelo basado<br />
casi exclusivamente en el conocimiento para el otro modelo, basado en la formación<br />
integral de los individuos. Es necesario que los sistemas de educación superior dediquen<br />
especial atención al desarrollo de habilidades metodológicas “saber leer, “saber hablar<br />
y escribir”, “saber pensar y saber continuar aprendiendo”, “aprender a relacionarse y<br />
entender el mundo del trabajo” y también a “desarrollar los conocimientos de carácter<br />
práctico que faciliten la aplicación de los conocimientos teóricos”. El cambio extrínseco<br />
se refiere al modelo de organización de las instituciones de educación superior. Debe<br />
estar orientado para el aumento de flexibilidad del sistema, en un sentido temporal<br />
(facilitando la formación a lo largo de toda la vida) y operativo (facilitando el paso del<br />
sistema educativo al mercado de trabajo y entre programas dentro del sistema<br />
educativo). Esencialmente, el cambio se reduce a abrir las puertas a la sociedad y<br />
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escuchar lo que ella necesita de las universidades. Esto exige una aptitud de servicio<br />
social de las instituciones y, sobretodo, de cada uno de sus miembros, especialmente<br />
de los docentes que serán los agentes de los cambios.<br />
CONSIDERACIONES FINALES<br />
Para mantener la universidad viva, con una finalidad social, cultural, científica,<br />
humana y política, es indispensable enfrentar y superar los grandes desafíos que la<br />
postmodernidad impone a la sociedad. La universidad precisa conciliar la cultura de<br />
los jóvenes con sus objetivos primordiales, que son la transmisión del patrimonio cultural<br />
y la formación integral, pues, al contrario, estará produciendo una generación de<br />
acriticos, alienados consumistas desenfrenados, que reaccionan más por influencia<br />
de los medios de comunicación que por su propia conciencia y razón. No se puede<br />
olvidar que la universidad no es más el único espacio de difusión cultural, y con algunas<br />
excepciones, está atrasada en relación a los más sofisticados aportes tecnológicos<br />
producidos por el capitalismo avanzado, que busca de todas las formas su hegemonía.<br />
Los recursos tecnológicos de última generación logran activar, prender la atención e<br />
incluso formar la mentalidad de los jóvenes, cosa que la universidad, salvo excepciones,<br />
dificilmente logra hacer más.<br />
Educar demanda paciencia, perseverancia, ética y mucho tiempo. En la<br />
postmodernidad, la educación, fundamentada en el diálogo, en la problematización y<br />
en la interdisciplinariedad, debe preparar el hombre para convivir armónicamente con<br />
sus semejantes, con la naturaleza y con todo el cosmos. La educación necesita preparar<br />
el sujeto para renunciar al egoísmo latente, vivir para el amor y la paz, promover la<br />
justicia, aprender a desear, contemplar lo bello, discernir lo cierto del error, ir más allá<br />
de las apariencias, tornarse más humano. Desde el punto de vista cognitivo, el alumno<br />
debe aprender a observar, esquematizar los elementos de un problema, sintetizar,<br />
generalizar, deducir, decidir, juzgar, evaluar, informarse, comunicarse y tener una<br />
curiosidad intelectual/cultural y, a través de la lectura, hacer una aventura capaz de multiplicar<br />
sus perspectivas, abrir sus oídos, apurar su olfato, educar su gusto, sensibilizar su tacto y<br />
formar un carácter libre, pues, según Nietzsche (1979), el lector lee con todo el cuerpo.<br />
La postmodernidad exige una educación armónica que garantiza el bienestar del<br />
individuo y de la sociedad. En fin, un sujeto que se desacomode, establezca un equilibrio<br />
cuerpo y alma, entre el placer y la sabiduría, aprenda a trabajar las pérdidas y las<br />
incertumbres. Un sujeto capaz de reconciliarse consigo mismo, aceptar sus propios<br />
límites, perdonar sus propios errores, ser tolerante consigo mismo. Un ser que sepa<br />
hacer al otro mejor y más contento. Un sujeto capaz de aprender a encontrar tiempo<br />
para su familia, el ocio, el cuerpo, el placer, el consumo, el descanso, el amor, los otros,<br />
para la lectura, la creación, la meditación, la oración y la soledad. Un sujeto capaz de<br />
ser humilde, de silenciar, de encontrar sentido en las cosas, de estudiar y de realizar un<br />
viaje interior de autodescubrimiento, de autodeterminación y de autorealización.<br />
La educación, deber del estado, en una sociedad globalizada, debe enseñar al<br />
ciudadano a vivir en una aldea planetaria; a transformarse en un ciudadano del mundo;<br />
a aceptar la mundialización de la cultura, sin, entretanto, perder y renunciar a sus<br />
raíces culturales. Por lo tanto, en la postmodernidad, la educación debe ser un acto de<br />
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coraje, de osadía y un eterno desafío. Debemos asumir con humildad los errores<br />
históricos y tener la predisposición de superarlos para que podamos contribuir a la<br />
construcción de un mundo mejor.<br />
BIBLIOGRAFÍA<br />
AGUILA SOTO, C. Ocio, jóvenes y postmodernidad. Almería: Servicio de<br />
Publicaciones de la Universidad de Almería. 2005.<br />
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Artigo recebido em<br />
05/06/2007<br />
Aprovado para publicação em<br />
01/08/2007<br />
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EDUCAÇÃO, , LÚDICO E UTOPIA EM WALTER BENJAMIN<br />
Sônia Marrach 1<br />
INTRODUÇÃO: ESCREVENDO PARA SOBREVIVER<br />
Walter Benjamin é um dos grandes intelectuais judeus e de esquerda, nascido<br />
em Berlim em 1892 — uma área geográfica unificada pela cultura germânica, sob o<br />
Império Austro-Húngaro. Primeiro filho do casal Emil Benjamin e Paula Schönflies,<br />
foi um menino franzino e enfermiço, que desenvolveu uma relação apaixonada com<br />
os livros. Seu pai vendia tapetes e antiguidades, que comprava em Paris. Viveu a<br />
infância num meio abastado, desfrutando da fartura que a família lhe proporcionara<br />
durante o período Kaiser.<br />
Ingressou na universidade em 1913, ano em que começou a escrever sobre<br />
educação e juventude. Os textos de Walter Benjamin, escritos dentre 1913 e 1931,<br />
sobre a criança, o brinquedo e a educação, aproximam o olhar da criança ao olhar do<br />
revolucionário. Seu interesse pelo universo lúdico da criança está ligado à idéia de que<br />
brincar significa libertação, não só para a criança, mas também para o adulto autômato,<br />
pois, para Benjamin, a criança é o pai do homem. Ela é o homem na infância e conserva<br />
rastros da infância da humanidade. O universo lúdico da criança evoca o paraíso<br />
perdido da utopia.<br />
Nas universidades em que estudou exerceu intensa atividade política e cultural.<br />
Em 1919 deu um passo importante para fazer a carreira universitária, escrevendo a<br />
tese de doutorado sobre O conceito de crítica de arte no romantismo alemão, que<br />
foi defendida na Universidade de Berna, na Suíça.<br />
Mas durante os anos 1920, sob a República de Weimar, viu-se obrigado a fazer<br />
diversas atividades, tais como resenhas, artigos para jornais, suplementos e traduções,<br />
para assegurar a subsistência. Em julho de 1925 candidatou-se ao cargo de professor<br />
universitário, preparando uma tese de livre-docência (habilitation) sobre a Origem<br />
do drama barroco alemão, que foi recusada pela Universidade de Frankfurt/Main.<br />
Na década de 1930, com o agravamento da crise alemã, Benjamin escrevia a seu<br />
amigo Scholen que o “clima sufocante” da Alemanha estava “cada vez mais difícil de<br />
suportar” (KONDER, 1988, p. 46). Nessa época, Benjamin vivia sem o apoio financeiro<br />
do pai e estava sozinho, já divorciado, pagando caro à ex-mulher pela antecipação de<br />
uma herança do sogro. Fez até palestras radiofônicas remuneradas e escreveu pequenas<br />
peças teatrais para o rádio.<br />
Em plena crise da República de Weimar, Benjamin conheceu Asja Lacis, militante<br />
comunista por quem se apaixonara. Nesta época, lia História e consciência de classe,<br />
de Luckas, e buscava no legado de Marx instrumentos de análise para questionar a<br />
sociedade em que vivia. Alimentava esperanças em relação à nova sociedade que<br />
surgia com a União Soviética. No entanto, se deparava com um marxismo cada vez<br />
mais institucionalizado e percebia que o Estado criado por Lênin já não era o mesmo<br />
________________________________<br />
1 Livre-docente em História da Educação Brasileira, Unesp-Marília. Professora de História da Educação Moderna e Contemporânea<br />
da Unesp-Marília. E-Mail: soniamarrach@linkway.com.br<br />
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sob Stalin. Asja Lacis, que era cidadã soviética, foi morta num dos “expurgos” do<br />
período stalinista.<br />
Infeliz no amor, Benjamin tinha amigos de diversas tendências filosóficas, mas se<br />
sentia só, pois seus amigos não gostavam uns dos outros e cada um o queria encaminhar<br />
para sua própria linha político-filosófica. Gerschom Scholem queria que Benjamin se<br />
dedicasse à teologia judaica e fosse, como ele, morar em Jerusalém, onde decidiu viver a<br />
partir de 1923. Brecht desejava que Benjamin mergulhasse no comunismo. Adorno queria<br />
que ele cultivasse o pensamento crítico, que o levaria à dialética negativa. Mas Benjamin,<br />
embora próximo de todas essas correntes, procurava preservar sua liberdade de pensamento<br />
e pesquisava tudo, em todas as direções que lhe pareciam interessantes.<br />
Walter Benjamin viveu uma época de extraordinário florescimento cultural. Uma<br />
época que produziu Freud, Kafka, Ernest Bloch, a Escola de Frankfurt - voltada para<br />
a crítica da cultura contemporânea - da qual Benjamin foi um dos mais importantes<br />
intelectuais.<br />
Mas esta época assistiu também à destruição da cultura judeu-alemã. Como<br />
muitos intelectuais de seu tempo, Benjamin tentou o exílio para sobreviver ao massacre<br />
do nazismo. Foi viver em Paris. Mas, em maio de 1940, as tropas de Hitler invadiram<br />
a Holanda, a Bélgica e Luxemburgo. Em 14 de junho do mesmo ano Paris foi ocupada,<br />
e o governo francês, sediado em Vichy, assumiu o compromisso de colaborar com<br />
Hitler. Benjamin entregou seus escritos a Georges Bataille, que os guardou na Biblioteca<br />
Nacional. Encontrou-se com Arthur Koestler e ganhou metade dos seus tabletes de<br />
morfina, para a possibilidade de precisar suicidar-se. Prevenido, foi em busca da última<br />
saída: juntamente com um grupo de intelectuais alemães tentou a travessia clandestina<br />
da França para a Espanha. Benjamin tinha problemas cardíacos. Mesmo assim<br />
procurou fazer a passagem dos Pirineus, levando na maleta a última versão do Trabalho<br />
das passagens. A Espanha já estava sob a ditadura de Franco, mas permitia que os<br />
portadores de autorização para entrar nos Estados Unidos, como era o seu caso,<br />
atravessassem o país para chegar a Portugal para, então, cruzar o Atlântico. No<br />
entanto, quando eles chegaram, a polícia comunicou que, por ordem de Madri, a<br />
autorização estava suspensa. Para Benjamin, isso significava campo de concentração.<br />
Então, naquela noite, ele ingeriu os tabletes de morfina que tinha e morreu na manhã<br />
seguinte, dia 27 de setembro de 1940.<br />
O ESTUDANTE, A HISTÓRIA E A UTOPIA<br />
Quando ainda era um estudante de ginásio, Benjamin se interessou pelas idéias<br />
de Gustav Wyneken, pedagogo alemão que exerceu certa influência no início do século<br />
XX, mas logo foi esquecido, pois, sob o impacto da Primeira Guerra, Wyneken se<br />
deixou envolver pelo espírito belicista e pela exacerbação do sentimento nacionalista<br />
e patriótico. Benjamin logo se afastou do pedagogo, escrevendo-lhe em uma carta:<br />
“No senhor, a teoria tornou-se cega” (KONDER, 1988, p. 16).<br />
Naquela época, Benjamin participava do Movimento da Juventude Livre Alemã,<br />
colaborando na revista do movimento chamada Anfan. Seu pensamento era eclético,<br />
marcado por influências de Nietzsche, Kant e voltado para a retomada de questões<br />
metafísicas colocadas por Platão, Spinoza e pelos românticos.<br />
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Ativo no movimento estudantil, Benjamin defendia a idéia de que a teoria tinha<br />
que ser livre, independentemente dos interesses do Estado, de grupos e instituições<br />
particulares. Isto é, a teoria não podia sucumbir ao utilitarismo, se quisesse preservar<br />
a inquietação e seu poder de questionar tudo. Este era o tema do texto A vida dos<br />
estudantes, escrito em 1914, pelo jovem estudante universitário ligado às Organizações<br />
dos Estudantes Livres.<br />
Neste texto, a teoria tinha a função crítica de libertar o futuro da desfiguração<br />
do presente. Aos estudantes caberia lutar contra a petrificação do estudo, que a<br />
universidade reduzia ao mero acúmulo de conhecimentos sem sentido, e recuperar a<br />
noção de totalidade, para criar condições para a utopia, expressa na idéia de “Revolução<br />
Francesa” ou o “reino messiânico”.<br />
Em A vida dos estudantes, esboçam-se as relações entre suas preocupações<br />
com o movimento estudantil e a concepção de história que o autor desenvolveria em<br />
1940; entre a utopia e o papel do jovem na construção da utopia. A crítica principal<br />
dirige-se à concepção burocrática da vida universitária; expressão máxima da ideologia<br />
do progresso na universidade. Atrelada ao poder do Estado, a universidade tem seus<br />
fins distorcidos. Ela se torna uma “corporação de funcionários públicos portadores de<br />
grau acadêmico” (BENJAMIN, 1984, p. 32). Longe de ser uma comunidade de<br />
pesquisadores, comprometida com os grandes ideais da humanidade, onde o indivíduo<br />
atuante se expressa integralmente, a universidade afasta-se cada vez mais do mundo<br />
social. Amarrada às convenções e hierarquias, nela impera o espírito burocrático.<br />
Este se sobrepõe à pesquisa. O ensino profissionalizante sufoca o espírito criador, a<br />
informação prevalece sobre a formação e a ciência é apresentada como algo que<br />
nada tem a ver com a vida real. A vida jurídica na universidade é personificada no<br />
Ministério da Cultura. O ministro não é nomeado pela universidade, mas pelo soberano.<br />
Trata-se de uma “correspondência semivelada da instituição acadêmica com os órgãos<br />
estatais, passando por cima das cabeças dos estudantes” (BENJAMIN, 1984, p.33).<br />
Na universidade alemã, Benjamin afirma que a submissão a este estado de coisas tem<br />
sido a marca da vida dos estudantes. Eles reproduzem na universidade a discrepância<br />
entre sociedade e Estado, pois ficam distantes da sociedade, da arte e afastados das<br />
grandes questões de seu tempo.<br />
A esse “progresso”, Benjamin opõe o poder crítico das “imagens utópicas”,<br />
como a do “reino messiânico” e a da “Revolução Francesa”. E sugere os traços de<br />
sua visão do mundo social e religiosa: “As lutas da juventude são antes sentenças<br />
divinas” (BENJAMIN, 1984, p.28). Benjamin aponta para a grandeza da tarefa<br />
revolucionária dos estudantes: transformar esta corporação de funcionários públicos<br />
que é a universidade em uma “comunidade de pesquisadores”; uma comunidade livre,<br />
fundada na idéia do saber, isto é, na idéia de arte e ciência livres do enquadramento<br />
pela administração pública e com vida intelectual ativa e criadora, pois, para Benjamin,<br />
o acadêmico tem uma vinculação interior com as lutas espirituais de seu tempo.<br />
No entanto, o espírito burocrático destrói essa ligação. E até o trabalho de<br />
assistência social feito pelos estudantes perde o sentido. Pois não há uma ligação<br />
“entre a existência espiritual do estudante e seu interesse em dar assistência social<br />
aos filhos de trabalhadores e mesmo a outros estudantes”. O trabalho social torna-se<br />
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então “serviço à comunidade”, feito na base de uma contraposição mecanicista: “aqui<br />
o bolsista do povo, lá o desempenho social” (BENJAMIN, 1984, p.34).<br />
Benjamin afirma que a Organização dos Estudantes Livres ainda não<br />
compreendeu até que ponto a vida científica “implica um protesto contra a vida<br />
profissional”. E evoca o espírito tolstoiano das comunidades monásticas e dos grandes<br />
anarquistas, que rasgou o abismo entre a existência burguesa e proletária.<br />
Observa ainda um outro problema. A vida estudantil está presa às convenções<br />
sociais, como a do casamento, de modo que também Eros é dividido de forma<br />
mecanicista: de um lado o estudante farreando com as prostitutas, de outro, o seu<br />
futuro de “velho senhor”, ou pai de família. O que Benjamin questiona é a separação<br />
entre criação e procriação, entre o tempo vazio de “gozar a juventude” à espera de<br />
um cargo ou uma profissão e de chefiar uma família.<br />
Citando versos de Stefan George, ele mostra que as instituições da vida estudantil<br />
se parecem com um mercado, onde tudo é provisório, e onde os estudantes esperam<br />
apenas a chegada da etapa profissional e duradoura de suas vidas.<br />
Para destruir o pacto da juventude com o filisteu, Benjamin pergunta: “Como<br />
criar uma comunidade com mulheres e crianças, cuja produtividade é dirigida para<br />
outras direções? Ou seja, como construir a vida a partir da “unidade entre criação,<br />
Eros e juventude?” (BENJANIN, 1984, p.37).<br />
A comunidade livre proposta por Benjamin só pode ser compreendida tendo em<br />
vista sua visão do mundo romântica. Pois os elementos desta visão formam o núcleo<br />
de suas idéias religiosas e de sua utopia libertária. Segundo Löwy (1989), em 1935,<br />
Benjamin escreve um artigo sobre Bachofen, cuja obra, inspirada em fontes românticas,<br />
despertou o interesse de marxistas e anarquistas, como Elisée Reclus. Este último<br />
constitui uma das referências da utopia libertária de Benjamin.<br />
Bachofen pesquisou as sociedades primitivas, sem classes e sem Estado, que<br />
alimentavam o ideal libertário. Em Paris, capital do século XIX, Benjamin fala dos<br />
sonhos da humanidade. A utopia é inspirada pela sociedade sem classes da história<br />
primeva. “Depositadas no inconsciente coletivo, tais experiências, interpenetradas pelo<br />
novo, geram a utopia” (BENJAMIN, 1985, p.32).<br />
Esta idéia é elaborada no ensaio sobre A vida dos estudantes:<br />
Há uma concepção de história que, confiando na eternidade<br />
do tempo, só distingue o ritmo dos homens e das épocas que<br />
rápida ou lentamente correm na esteira do progresso. (...) A<br />
consideração que se segue visa, porém, a um estado<br />
determinado, no qual a história repousa concentrada em um<br />
foco, tal como desde sempre nas imagens utópicas dos<br />
pensadores. Os elementos do estado final não estão manifestos<br />
como tendência amorfa do progresso, mas encontram-se<br />
profundamente engastados em todo presente como as criações<br />
e os pensamentos mais ameaçados, difamados, desprezados.<br />
Transformar o estado imanente da plenitude de forma pura<br />
em estado absoluto, torná-lo visível e soberano no presente,<br />
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eis a tarefa da história. Contudo, esse estado não pode ser<br />
expresso através da descrição pragmática dos pormenores,<br />
da qual ele antes se furta, mas só pode ser compreendido em<br />
sua estrutura metafísica, como reino messiânico ou a idéia da<br />
Revolução Francesa. O significado histórico atual dos<br />
estudantes e da universidade, a forma de sua existência no<br />
presente merece, portanto, ser descrita apenas como parábola,<br />
como imagem de um momento mais elevado e metafísico da<br />
história. (...) O único caminho para tratar do lugar histórico<br />
do estudantado e da universidade é o sistema. Enquanto para<br />
isso faltam ainda várias condições, resta apenas libertar o<br />
vindouro de sua forma desfigurada, reconhecendo-o no<br />
presente. Somente para isso serve a crítica (BENJAMIN, 1984,<br />
p.31).<br />
Neste texto, Benjamin coloca um problema que será o cerne de suas teses<br />
Sobre o Conceito de História: a idéia de uma nova percepção da temporalidade<br />
histórica. Idéia essa que se assenta na crítica da ideologia do progresso. Em Benjamin<br />
o progresso é entendido como matriz do produtivismo econômico, técnico e científico,<br />
no sentido da razão instrumental. Tal progresso encontra sua expressão máxima na<br />
burocracia estatal, a qual regula também a vida universitária. A crítica de Benjamin<br />
procura evidenciar o outro lado da moeda deste progresso: o retrocesso da humanidade.<br />
A idéia de história concentrada em foco e repousada em uma imagem utópica implica<br />
uma nova forma de pensar a história e o tempo histórico (BENJAMIN, 1985).<br />
Essa nova concepção de história, como bem mostrou Löwy (1989), une por<br />
“afinidade eletiva” o messianismo judaico à utopia libertária. A união é tecida no pano<br />
de fundo do romantismo alemão, mais especificamente, na crítica neo-romântica do<br />
progresso, bem diferente do romantismo clássico, como se pode notar pela leitura do<br />
texto acima citado. Trata-se de uma crítica cultural romântica da civilização capitalista,<br />
do progresso técnico e da razão instrumental.<br />
Em A Vida dos Estudantes, Benjamin já dizia que as grandes questões que se<br />
colocam para a sociedade não são as da técnica e da ciência, mas, sim, as colocadas<br />
pelos românticos e pelos metafísicos. Elas constituem a fonte inspiradora das<br />
comunidades livres de estudantes em “permanente revolução do espírito”.<br />
Vejamos como ele desenvolve o problema nas teses Sobre o Conceito de<br />
História.<br />
A idéia de que um progresso da humanidade na história é<br />
inseparável da idéia de sua marcha no interior de um tempo<br />
vazio e homogêneo. A crítica da idéia do progresso tem como<br />
pressuposto a crítica da idéia dessa marcha. A história é objeto<br />
de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e<br />
vazio, mas o tempo saturado de agora. Assim, a Roma Antiga<br />
era para Robespierre um passado carregado de ‘agoras’ que<br />
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ele fez explodir do continuum da história”. Sob o capitalismo<br />
industrial, a consciência de romper com a ideologia do<br />
progresso e de explodir o continuum da história é própria da<br />
classe operária, “classe combatente e oprimida”, que consuma<br />
a “tarefa de libertação em nome das gerações de derrotados”<br />
(BENJAMIN, 1985, p. 229).<br />
Miguel Abensour (1986) sublinha três elementos fundamentais da concepção<br />
benjamniana de história: a tradição dos oprimidos, o poder destruidor da classe operária<br />
e a descontinuidade do tempo histórico. O tempo de agora é o tempo da revolução/<br />
redenção; tempo de explodir o curso do progresso, visto por Benjamin como catástrofe.<br />
Estudando essa nova concepção de tempo histórico Stéphane Moses aborda a<br />
idéia de origem em Benjamin. E mostra a existência de dois sentidos dessa noção: “o<br />
do começo e o do princípio de estruturação”. Ambos se fundem na idéia de<br />
reatualização, “marcando uma ruptura no desenvolvimento do tempo histórico”<br />
(MOSES, 1986). A utopia do futuro é interpenetrada pela experiência do passado<br />
remoto da sociedade sem classe. O tempo de agora é tempo de ruptura e de<br />
rememoração.<br />
Nas teses, depois de fazer a crítica da ideologia do progresso, Benjamin associa<br />
a rememoração à chegada do Messias: “Sabe-se que era proibido aos judeus investigar<br />
o futuro. Ao contrário, a Torá e a prece se ensinam na rememoração. Para os discípulos,<br />
a rememoração desencadeava o futuro, ao qual sucumbiam os que interrogavam os<br />
adivinhos. Mas nem por isso o futuro se converteu para os judeus num tempo<br />
homogêneo e vazio. Pois nele cada segundo era a porta estreita pela qual podia penetrar<br />
o Messias” (BENJAMIN, 1985, p. 222).<br />
Como intelectual judeu e de esquerda, Benjamin sofreu as duas experiências de<br />
opressão: viveu a vida do judeu errante e o internacionalismo proletário. Miguel<br />
Abensour mostrou a existência de uma semelhança entre a experiência proletária e a<br />
experiência judia, “dois modos de ser no mundo, de ser estrangeiro no mundo sob o<br />
signo da precariedade e da angústia”. (ABENSOUR, 1986, p. 239)<br />
Entre A Vida dos Estudantes e as teses Sobre o Conceito de História, Löwy<br />
(1989) aponta um traço da visão de mundo de Benjamin, que percorre sua trajetória<br />
intelectual mesmo após a adesão ao materialismo histórico: o romantismo constitui o<br />
núcleo de sua concepção política e religiosa. Nesse núcleo, após 1924, o marxismo vai<br />
se amalgamar à convicção libertária-messiânica. As fontes do romantismo de Benjamin<br />
são, principalmente, Schlegel e Novalis. Das fontes libertárias fazem parte os<br />
anarquistas e anarco-sindicalistas mais próximos do romantismo e de suas aspirações<br />
restitucionistas: George Sorel, Gustav Iandauer, Tolstói e Strindberg. Nas palavras de<br />
Löwy “(...) anarquismo e messianismo judaico partem das mesmas raízes neoromânticas.<br />
E ambos têm em comum uma estrutura utópico-restitucionista, uma<br />
perspectiva revolucionária/catastrófica da história e uma imagem libertária do porvir<br />
endêmico (LÖWY, 1989, p.90).<br />
Vale lembrar que, para o Benjamin das teses, o “estado de exceção em que<br />
vivemos é na verdade a regra geral”. Já as suas preocupações com relação ao<br />
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enquadramento das crianças datam de 1913, quando ele ainda era um estudante de<br />
filosofia. São, portanto, anteriores à ascensão do nazismo. Mas o nazismo era o estado<br />
de exceção e a regra. A máquina de propaganda nazista mirava as crianças e os<br />
jovens para transformá-los em peças da engrenagem totalitária do regime. Walter<br />
Benjamin combatia o enquadramento da criança e da juventude num mundo de adultos<br />
autômatos, dirigidos por enrijecidos filisteus.<br />
O enquadramento compulsório das crianças, promovido pelo Estado de exceção,<br />
é um desenvolvimento torto da dominação burguesa e da pedagogia que lhe corresponde.<br />
A “burguesia”, escreve ele, “vê seus filhos como herdeiros; os deserdados os vêem<br />
como ajudantes, vingadores, libertadores. Esta é uma diferença suficientemente<br />
drástica. Suas conseqüências pedagógicas são incalculáveis” (BENJAMIN, 1984,<br />
p.73).<br />
As teses Sobre o conceito de história consistem fundamentalmente em<br />
uma reflexão radical sobre a modernidade. Aos olhos de Benjamin a modernidade<br />
está condenada ao sempre igual da produção em série, do maquinismo, da mercadoria,<br />
da moda. Os homens transformam-se em autômatos desmemoriados e sem experiência.<br />
Por isso, no Trabalho das passagens, o inferno é apresentado como alegoria da<br />
modernidade, porque representa a catástrofe permanente, o eterno retorno das mesmas<br />
penas, como a de Sísifo, a repetição dos mesmos gestos do operário preso à linha de<br />
montagem. E o núcleo da crítica é que o progresso representado pela modernidade<br />
implica um retrocesso da sociedade, e que a vivência do choque transformou os homens<br />
em autômatos, que se esforçam para automatizar as crianças.<br />
O brinquedo - instrumento do diálogo não-verbal entre o mundo do adulto autômato<br />
e a criança - sofre as transformações condicionadas pelo progresso técnico e<br />
econômico. Em Brinquedos e jogos, a loja de brinquedos é a<br />
caricatura do capital sob a forma da mercadoria. Um diabólico<br />
alvoroço é a atmosfera fundamental. Máscaras sorriam<br />
ironicamente das caixas dos jogos de sociedade e dos rostos<br />
das bonecas com traços realistas, exercitavam seu poder de<br />
atração nas negras bocas dos canhões, chiavam ainda nos<br />
engenhosos ‘vagões de acidente’, os quais desmoronavam-se<br />
nas partes previstas quando acontecia o acidente ferroviário<br />
(BENJAMIN, 1984, p.73).<br />
No Trabalho das Passagens Benjamin afirma a identidade entre o autômato<br />
e o diabólico. Ele cita um texto de Caillos, que analisa o mito de Pandora, “autômato<br />
fabricado pelo Deus ferreiro para a desgraça dos homens” (BENJAMIN, 1986,<br />
p.850). Na atribulação da vida moderna o homem perdeu a experiência e adquiriu<br />
a vivência do choque. Num texto de 1918, chamado Programa da filosofia<br />
vindoura, Benjamin expôs as idéias que estava desenvolvendo a partir da teoria<br />
da experiência de Kant e das idéias de Hermann Cohen que, para Benjamin,<br />
ficavam prejudicadas pelo horizonte estritamente iluminista, incapaz de perceber<br />
a importância da história e da religião. Por isso, Benjamin pretendia elaborar um<br />
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conceito de experiência capaz de abarcar a complexidade das relações entre<br />
sujeito e objeto, escapando da abstrata contraposição entre um e outro. Assim,<br />
ele busca um conceito de experiência correspondente a uma existência humana<br />
plena de sentido (BENJAMIN, 1984).<br />
O homem moderno perdeu a experiência e a memória. A experiência<br />
(Erfahrung), segundo Benjamin, está ligada à comunidade tradicional, pertence a um<br />
universo pré-capitalista, onde as pessoas sabiam contar histórias que continham<br />
experiências transmissíveis de uma geração à outra. Ligada à memória, a experiência<br />
consiste em “dados acumulados, geralmente inconscientes, que se combinam nela”.<br />
Mas, pergunta ele, quem ainda encontra pessoas que sabem contar histórias como<br />
elas devem ser contadas? A partir da geração que viveu a Primeira Guerra Mundial,<br />
a experiência comunicável entrou em baixa. Em seu lugar, o desenvolvimento técnico<br />
produziu uma “angustiante riqueza de idéias” que se difunde sobre a cabeça das<br />
pessoas: astrologia, ioga, gnose, e todos os ismos das ciências. Mas, qual o “valor de<br />
todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” (BEN-<br />
JAMIN, 1985, p.115).<br />
Em um dos primeiros textos de juventude, Benjamin já abordava essa questão.<br />
O artigo se intitula “Experiência” (o título está entre aspas). Pois trata-se de uma<br />
“experiência” que não é senão a máscara do adulto filisteu, do pedagogo sisudo e<br />
cruel, que tenta impedir a experiência dos jovens. Essa “experiência” constitui uma<br />
máscara “inexpressiva, impenetrável, sempre igual. Esse adulto já experimentou tudo:<br />
juventude, ideais, esperanças, a mulher. Tudo foi ilusão (...) A amargura desses filisteus<br />
não nos proporciona nem sequer os curtos anos de juventude” (BENJAMIN, 1984,<br />
p.23).<br />
A modernidade impôs a experiência vivida do choque. O operário opera a máquina,<br />
com olhar atento e gestos automáticos; os homens da multidão aparam os choques do<br />
trânsito nas grandes cidades. Na vivência do choque (chockerlebnis) o comportamento<br />
é reativo, próprio do adulto autômato, desmemoriado, incapaz de adquirir experiência<br />
de vida e de transmiti-la às novas gerações.<br />
Diante do mundo capitalista industrial, marcado pelo progresso técnico, onde o<br />
operário está preso à linha de montagem e é relegado à condição de autômato, Benjamin<br />
volta-se para o universo lúdico da criança; para o teatro infantil, os brinquedos<br />
artesanais, os jogos, os contos de fadas. O que lhe interessa é o caráter libertador do<br />
elemento lúdico, não só para a criança, como também para o adulto.<br />
Em Rua de mão única — livro que reúne um conjunto de aforismos sobre<br />
temas variados, mesclando poesia e realidade —, o mundo da criança desperta<br />
novamente a atenção de Benjamin. Este livro exprime o impacto de sua adesão ao<br />
marxismo. E, como dizia Ernest Bloch, Rua de mão única é exemplo de seu<br />
pensamento surrealista. Vale lembrar que para Benjamin o surrealismo constitui “o<br />
último instantâneo da inteligência européia”, uma tentativa de articular o comunismo<br />
ao anarquismo.<br />
Em Panorama imperial, um dos mais ricos fragmentos deste livro, Benjamin<br />
faz uma “Viagem através da Inflação Alemã”, para constatar a miséria e a estupidez<br />
do homem moderno. Ele observa<br />
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(...) um estranho paradoxo: as pessoas só têm em mente o<br />
mais estreito interesse privado quando agem, mas ao mesmo<br />
tempo são determinadas mais que nunca em seu<br />
comportamento pelos instintos de massa. E mais que nunca<br />
os instintos de massa se tornam desatinados e alheios à vida.<br />
Onde o obscuro impulso animal (...) encontra a saída do<br />
perigo que se aproxima e que ainda parece invisível, ali a<br />
sociedade, da qual cada um tem em mira unicamente seu<br />
próprio inferior bem-estar, sucumbe, como massa cega, com<br />
inconsciência animal, mas sem o inconsciente saber dos<br />
animais (...). De modo que nela a imagem da estupidez se<br />
completa: insegurança, perversão mesmo dos instintos<br />
vitalmente importantes, e impotência, declínio mesmo, do<br />
intelecto. Essa é a disposição da totalidade dos burgueses<br />
alemães. (...) A liberdade do diálogo, a consideração pelo<br />
parceiro era natural, ela é agora substituída pela pergunta<br />
sobre o preço de seus sapatos ou de seu guarda-chuva. (BEN-<br />
JAMIN, 1987, p.21).<br />
Em Alarme de incêndio, Benjamin coloca a questão da interrupção do progresso<br />
dessa dominação, que conduziu à alienação e à coisificação do humano. A revolução<br />
proletária é entendida como uma possibilidade de se romper com esse “desenvolvimento<br />
cultural” que condiciona a estupidez (BENJAMIN, 1987, p. 45).<br />
Nesse contexto pode-se compreender a importância da criança no pensamento<br />
de Benjamin. A criança é o pai do homem, e a roda do destino começa a girar muito<br />
cedo; o que<br />
fizemos aos quinze anos representará um dia nossos atrativos.<br />
Por isso, uma coisa jamais poderá ser reparada: ter perdido<br />
a oportunidade de fugir da casa dos pais. De quarenta e oito<br />
horas de abandono nesses anos solidificados, como em uma<br />
barrela, o cristal da felicidade na vida (BENJAMIN, 1987,<br />
p.18).<br />
Em outras palavras, o que não pode ser reparado é a perda da oportunidade de<br />
fugir ao enquadramento do Panorama imperial, sob pena do Alarme de incêndio<br />
permanecer desligado durante o incêndio.<br />
Benjamin vê nas crianças futuros libertadores. As crianças não formam uma<br />
comunidade isolada. Elas fazem parte da sociedade, do povo, das classes sociais.<br />
Portanto, a criança não é o Robinson Crusoé que a pedagogia iluminista pressupõe<br />
para “meditar com pedantismo sobre a produção de objetos — cartazes, ilustrações,<br />
brinquedos ou livros — que devem servir às crianças”. Para Benjamin as rançosas<br />
especulações dos pedagogos os impede de perceber “que a terra está repleta dos<br />
mais incomparáveis objetos de atenção da ação das crianças”. Mais que pelos<br />
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inquedos, elas se interessam pelos locais de trabalho (casa, construção, jardim),<br />
onde a atuação sobre as coisas se dá de maneira fortemente visível. Nos restos de<br />
objetos de costura ou do trabalho do marceneiro, as crianças<br />
reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente<br />
para elas, e só para elas. Nesses restos elas estão menos<br />
empenhadas em imitar as obras dos adultos do que em<br />
estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo<br />
que criam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente<br />
relação (BENJAMIN, 1987, p.19).<br />
Assim, elas formam o seu mundo inserido em um maior, mundo em que meia<br />
dobrada na gaveta se transforma em bolsa, em que “uma boneca principesca<br />
transforma-se numa eficiente camarada proletária na comuna lúdica das crianças”<br />
(BENJAMIN, 1984, p. 65).<br />
O brinquedo estabelece um diálogo conflituoso entre criança e adulto, um diálogo<br />
simbólico entre a criança e a sociedade. Pedagogos e fabricantes podem determinar<br />
o brinquedo. Mas quem os corrige são as crianças que, durante a brincadeira,<br />
exercitam a imaginação e a inteligência, ainda não conformadas ao padrão do adulto<br />
autômato.<br />
Parece que, para Benjamin, o olhar da criança, como o dos surrealistas, abole a<br />
fronteira entre o sonho e a vigília e, por isso, seu gesto livre pode ser lido como um<br />
sinal secreto da utopia vindoura.<br />
TEATRO E PEDAGOGIA<br />
Nesse quadro, pode-se compreender as idéias pedagógicas de Benjamin. Elas<br />
visam a garantir a plenitude da infância, o desenvolvimento da inteligência livre de<br />
qualquer enquadramento.<br />
Seus escritos sobre o assunto são de 1928-1929 e trazem a marca otimista de<br />
quem estava bastante envolvido com o partido comunista. Mas mostram também um<br />
Benjamin que, apesar do esforço para seguir a ortodoxia do partido, continua o mesmo<br />
heterodoxo de sempre, isto é, um Benjamin que amalgama com facilidade materialismo<br />
dialético e utopia messiânica no solo do romantismo.<br />
Em Uma pedagogia comunista, Benjamin apresenta a seguinte crítica à<br />
pedagogia burguesa. Ela se funda em dois pólos, cindidos de maneira não-dialética:<br />
psicologia e ética. De um lado, enfatiza a psicologia da infância e da adolescência.<br />
De outro, propõe-se a formar o cidadão íntegro. O processo de educação consiste<br />
em um processo de adaptação às normas estabelecidas pelos psicólogos<br />
educacionais e pela moral da sociedade. Esta parte da idéia do homem universal,<br />
genérico, bem diferente do homem real. Idealiza uma essência absoluta do ser<br />
humano e da juventude. Mas, na verdade, o cidadão genérico que ela almeja não<br />
é senão o cidadão útil e confiável. Para proceder à adaptação a esses dois pólos,<br />
a pedagogia substitui “a violência pela astúcia”, ou seja, a violência simbólica<br />
converte-se em meio de educação.<br />
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Para a burguesia as crianças precisam mais dos adultos que estes delas. Baseado<br />
nesta máxima, o burguês vê seu filho como herdeiro. Já os proletários vêem seus<br />
filhos como libertadores. E isto dá uma grande diferença em termos de pedagogia. A<br />
criança proletária nasce e vive no seio da classe e não no da família; ela faz parte da<br />
prole de sua classe. E, para Benjamin, seu futuro é determinado pela situação de<br />
classes e não pela família ou por metas educacionais doutrinárias. A consciência de<br />
classe nasce da “escola da necessidade e do sofrimento”. Em outras palavras, a<br />
criança proletária é educada na classe e para o mundo e não na família para a família.<br />
“Pois a família proletária não é para a criança melhor proteção contra uma<br />
compreensão cortante do social do que seu puído casaco de verão contra o cortante<br />
vento invernal” (BENJAMIN, 1984, p. 90).<br />
Porém, para ele, a abordagem política da educação marxista ainda é insuficiente.<br />
Daí a necessidade de se elaborar uma “antropologia dialético-materialista da criança<br />
proletária”. Uma idéia desta antropologia encontra-se esboçada em Programa de um<br />
teatro infantil proletário, em que Benjamin afirma que a educação proletária dever<br />
ser construída pela consciência de classe e que o programa do partido comunista não<br />
é instrumento de uma educação infantil calcada na luta de classes, já que a ideologia<br />
só atinge a criança enquanto frases vazias de sentido. Em um ano, a criança é capaz<br />
de repetir a fraseologia do partido. Mas o que isto significa diante do grande problema<br />
que é a construção da nova sociedade e do novo homem?<br />
Para Benjamin a educação da criança proletária diferencia-se radicalmente da<br />
educação burguesa e, por isso, “não precisa, como a burguesia, de uma idéia para a<br />
qual se é educado”. Enquanto educação doutrinária parece que a educação estabelecida<br />
pelo programa do partido comunista assemelha-se à educação burguesa.<br />
Já a educação calcada na consciência de classe nada tem de doutrinária. Ela<br />
também não está preocupada em mudar de método de ensino a cada seis meses,<br />
como fazem as escolas burguesas. Nem em transmitir conteúdos abstratos para que<br />
as crianças repitam mecanicamente. Para Benjamin a educação proletária de crianças<br />
entre quatro e quatorze anos prescinde da fraseologia própria das noções gerais<br />
transmitidas pelo ensino das chamadas disciplinas científicas. A criança, escreve ele,<br />
deve ser educada “proletariamente”, e nesta idade, “apenas o verdadeiro pode atuar<br />
de maneira produtiva” (BENJAMIN, 1984, p.86).<br />
Mas o que significa ser educado “proletariamente”, o que é esse “verdadeiro”<br />
para Benjamin?<br />
Ao contrário da criança burguesa, a criança proletária não precisa de uma idéia<br />
ou de uma doutrina para ser educada. O que a criança proletária precisa, sempre<br />
segundo Benjamin, é de um contexto educativo, um terreno objetivo e delimitado e, ao<br />
mesmo tempo, capaz de abranger as diversas facetas da existência concreta e<br />
verdadeira da criança. Esse contexto é o teatro. O teatro e não a escola é o lugar da<br />
educação da criança proletária, até os quatorze anos. Pois o teatro é lugar de trabalho<br />
coletivo e a classe operária possui grande sentido de coletividade. As fábricas, as<br />
assembléias populares, são exemplos disso. E as crianças também constituem uma<br />
coletividade.<br />
Mas que tipo de teatro Benjamin propõe?<br />
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Não se trata daquele tipo de teatro cujo princípio é o de fazer propaganda de<br />
idéias supostamente revolucionárias. Na verdade, as idéias propagadas por esse tipo<br />
de teatro não resistem à primeira reflexão. Trata-se de um teatro infantil feito nos<br />
moldes do realizado pelos bolcheviques em seus primeiros tempos; os bolcheviques<br />
procuravam “organizar as crianças”. O que Benjamin propõe é um teatro capaz de<br />
despertar as crianças, a fim de que possa emergir o gesto livre delas, “a força mais<br />
poderosa do futuro”. Pois o teatro é “o fogo no qual realidade e jogo fundem-se para<br />
as crianças” (BENJAMIN, 1984, p.86).<br />
Neste teatro valoriza-se mais o jogo e o elemento lúdico da improvisação que a<br />
encenação ou a conclusão do trabalho. Pois o desempenho infantil orienta-se para o<br />
instante e não para a eternidade. O teatro, enquanto arte efêmera, é infantil.<br />
O papel do diretor é secundário. Resume-se a sugerir tarefas, conteúdos, mas<br />
não interfere na conduta moral imediata dos personagens, já que o importante é privilegiar<br />
as tensões do trabalho coletivo das crianças e não as soluções, como faz a escola.<br />
Para ele, as tensões do trabalho coletivo são os “verdadeiros educadores”. Assim,<br />
diferentemente da escola, no teatro, o trabalho do diretor nada tem a ver com o do<br />
pedagogo, que corrige as crianças baseado numa autoridade moral e intelectual.<br />
Para Benjamin a educação começa com a observação. E ao diretor cabe,<br />
primeiramente, observar as ações e os gestos infantis. Pois o gesto infantil transformase<br />
num sinal de “um mundo no qual a criança vive e dá ordens”. A tarefa do diretor,<br />
então, é esta: “Libertar os sinais infantis do perigoso reino da fantasia e conduzi-los à<br />
sua execução nos conteúdos” (BENJAMIN, 1984, p.86).<br />
O teatro constitui, assim, a melhor forma de desenvolvimento do gesto infantil,<br />
nas diversas formas de expressão: música, dança, poesia, etc. Por isso é um meio<br />
educativo capaz de se contrapor à escola. À construção pedagógica do trabalho<br />
planejado por sessões, o teatro contrapõe a representação improvisada, na qual as<br />
crianças testam as variações do papel, levando sua criatividade a plenos poderes. Às<br />
soluções pedagógicas procuradas pela escola, o teatro contrapõe um campo de tensão<br />
do trabalho coletivo. E, o mais importante, a “encenação contrapõe-se ao treinamento<br />
pedagógico como libertação radical do jogo, processo que o adulto pode tão somente<br />
observar” (BENJAMIN, 1984, p.88).<br />
Isso explica por que Benjamin elege o teatro, e não a escola, como lugar de<br />
educação da infância proletária. Enquanto a primeira subjuga a “sugestionabilidade<br />
infantil”, via “doutrinação ideológica”, o teatro é lugar do trabalho coletivo, das tensões<br />
suscitadas por esse trabalho; é o lugar do jogo, do prazer, é arte da ilusão e da libertação<br />
do autêntico gesto infantil, que une razão, imaginação e sensibilidade na ação.<br />
Enquanto a escola burguesa se esmera na disciplina, a educação proletária procura<br />
garantir a plenitude da infância e, como a classe operária, só começa a disciplinar<br />
durante a adolescência. É importante observar que o teatro, enquanto terreno onde a<br />
infância se realiza plenamente, está ligado ao espaço da luta de classes e do trabalho.<br />
Seus conteúdos e símbolos são trabalhados, mas de maneira lúdica. Isto é, não se<br />
trata de exigir das crianças um domínio de conteúdos formais, muito menos a repetição<br />
mecânica de determinados símbolos e noções. A encenação teatral, segundo Benjamin,<br />
deve funcionar como uma “pausa criativa” de um trabalho. Ela representa para<br />
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a criança uma inversão social, tal como ocorre no carnaval antigo. O mais alto convertese<br />
no último de todos e, assim como em Roma, nos dias saturnais, o senhor servia ao<br />
escravo, assim também durante a apresentação as crianças sobem ao palco e ensinam<br />
e educam os atentos educadores (BENJAMIN, 1984, p.88).<br />
Neste teatro a liberdade é requisito para o conhecimento, na medida em que<br />
assegura o desenvolvimento da inteligência viva da criança — a única capaz de construir<br />
a sociedade livre do futuro. Desta forma, o teatro é, por excelência, um meio de<br />
libertação da criança e uma maneira de assegurar a realização da infância, onde é seu<br />
lugar: no lúdico, no jogo. Para Benjamin esta é a força do teatro infantil proletário: ele<br />
constitui “o efeito do sinal secreto do vindouro, o qual fala pelo gesto infantil”. É do<br />
gesto livre de crianças livres que emerge o sinal da utopia. Ou seja, o universo lúdico<br />
infantil carrega o espírito libertário capaz de alimentar a utopia da sociedade livre.<br />
Para compreendermos esta questão precisamos percorrer os textos nos quais<br />
Benjamin volta-se para o lúdico próprio de um mundo onde ainda existia a experiência<br />
no sentido tradicional: os livros, brinquedos, jogos e contos de fada, produzidos pela<br />
cultura popular do meio artesanal.<br />
O ESPÍRITO LIBERTÁRIO DOS LIVROS, BRINQUEDOS E JOGOS<br />
Benjamin observa a existência de um “entendimento secreto entre o artesão<br />
anônimo e a criança” (BENJAMIN, 1984, p.52). Entendimento inexistente entre ela e<br />
os pedagogos iluministas, produtores de livros moralistas e edificantes, mais parecidos<br />
com um catecismo. Já o conto de fadas, tal como a antiga narração, pertence ao<br />
universo da experiência coletiva pré-capitalista. O conto de fadas põe em cena o<br />
homem liberado em cumplicidade com a natureza também liberada. Ao ler um conto<br />
de fadas as crianças o vivem como companheiras e criadoras. Elas entram no meio<br />
da fantasia e dela participam, tornando-se cenógrafos e contadores de histórias.<br />
Quanto aos livros infantis, há alguns da época Biedermeir<br />
que valem mais pela ilustração que pela mensagem edificante<br />
da pedagogia. É que apesar do desenvolvimento da vida<br />
burguesa, na primeira metade do Século XIX, houve na<br />
Alemanha um considerável florescimento do livro infantil<br />
graças ao trabalho dos ilustradores — ex-artesãos que<br />
trabalhavam nas editoras de pequenas cidades. As ilustrações<br />
despertam a palavra na criança. Diante delas, a criança libera<br />
sua fantasia:<br />
Na página dedicada à letra A, encontra-se, por exemplo, uma<br />
natureza morta construída em forma de torre, que se mostra<br />
bastante enigmática até que se descobre que águia, ameixa,<br />
âncora, aranha, avestruz, abacaxi..., estão amontoados aqui<br />
(BENJAMIN, 1984, p.56).<br />
Essa arte artesanal adaptou-se à vida pequeno-burguesa. Ela exprime a “variante<br />
popular, infantil até, dos devaneios do romantismo”. Seu engenho baseia-se nas cores<br />
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e na fantasia. Citando Goethe, a respeito do “efeito ético-sensorial” das cores, Benjamin<br />
mostra que a cor pura é o meio da fantasia da criança que brinca “e não o<br />
cânone rigoroso do artista que constrói” (BENJAMIN, 1984, p.60). A sensibilidade<br />
desses coloristas baseia-se no espírito dos jogos infantis, que se dirigem à pura intuição<br />
da fantasia: as bolhas de sabão, a policromia da lanterna mágica, aquarelas, decalcomanias.<br />
Em Velhos Brinquedos, Benjamin comenta uma exposição de brinquedos do<br />
Märkische Museum — exposição que reuniu, além de brinquedos no sentido estrito<br />
da palavra, objetos que estão no limiar deste campo: jogos de sociedade, pirâmides de<br />
Natal, blocos de construção e ilustrações.<br />
Benjamin fala dos soldadinhos de chumbo e outras figuras que pertencem ao<br />
século XVIII e são anteriores à especialização da produção e da comercialização dos<br />
brinquedos. Tais brinquedos eram comercializados pelos vendedores de artigos de<br />
marcenaria, ferragens, enfeites, ou pelos mascates de feiras.<br />
Ele dedica especial atenção à prateleira que exibia artigos de confeitaria,<br />
especialmente as bonecas feitas de açúcar e as figuras de pão e mel, conhecidas<br />
pelos contos fantásticos de Hoffmann e que sumiram da Alemanha protestante. Eram<br />
bonecas achatadas e açucaradas que, ao serem cortadas no sentido longitudinal, exibiam<br />
provérbios escritos sobre um papel com gravuras coloridas: “Todo o salário da semana<br />
gastei contigo em uma dança” (BENJAMIN, 1984, p.62).<br />
Esse universo lúdico, ao qual também pertence o teatro de fantoche, os<br />
diadoramas, minoramas, etc., desapareceu juntamente com o século XIX e atualmente<br />
é depositado em nossas cabeças via folclore, história da arte, psicanálise.<br />
Em História cultural dos brinquedos (1984) Benjamin mostra que o brinquedo<br />
faz parte do contexto econômico, cultural e das técnicas coletivas. Nada mais errôneo<br />
que dizer que o brinquedo é criação da criança ou para a criança. Os brinquedos<br />
nasceram nas oficinas dos entalhadores em madeira, fundidores de estanho, etc. Mas,<br />
com o avanço da industrialização, o brinquedo é subtraído ao controle da família,<br />
tornando-se estranho à criança e aos pais.<br />
Ele lembra o vínculo que unia a criança ao meio artesanal-popular, onde a<br />
experiência era transmitida de geração a geração e em que “madeira, ossos, tecidos,<br />
argila representavam nesse microcosmo os materiais mais importantes, (...) quando o<br />
brinquedo significava ainda a peça do processo de produção que ligava pais e filhos”<br />
(BENJAMIN, 1984, p.65).<br />
Nesse universo pré-capitalista o brinquedo é mais um resto do mundo do adulto,<br />
que se transforma em “instrumento de brincar”, do que um atraente brinquedo da<br />
indústria moderna. E eles são “tanto mais autênticos quanto menos o parecem ao<br />
adulto”. Os materiais de que eram feitos eram mais próprios para brincar; eles<br />
combinavam mais com a sobriedade que a criança tem em relação à escolha dos<br />
materiais. Já os brinquedos industriais estão mais próximos do que o adulto autômato<br />
entende por brinquedo.<br />
Em Brinquedos e jogos (1984) a questão que Benjamin explica é o porquê do<br />
crescente interesse pelas pesquisas e exposições sobre brinquedos autênticos, isto é,<br />
brinquedos e jogos provenientes da cultura artesanal-popular, que mais exprimem a<br />
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visão do mundo da criança. Para explicar essa questão é preciso compreender o que<br />
é brincar.<br />
Partindo do estudo de Kark Gröber, cuja obra constitui uma verdadeira<br />
“arqueologia” dos brinquedos e jogos, Benjamin coloca a necessidade de se<br />
compreender a arte popular e a visão do mundo infantil como configurações coletivas.<br />
Brinquedos como a roda, o arco, o papagaio, foram impostos à criança como objetos<br />
de culto. E se somente mais tarde se tornaram brinquedos, isso se deveu à imaginação<br />
infantil. A criança não determina o brinquedo, mas sim a brincadeira. Na brincadeira<br />
ela transforma o brinquedo e assim dialoga com o universo adulto.<br />
Mas o que é brincar? É fazer de conta? O que é jogar? É imitar? Será que<br />
brincar e jogar só podem ser explicados do ângulo do adulto?<br />
Lembrando a teoria gestáltica dos gestos lúdicos de Willy Haas, Benjamin aponta<br />
a relação entre brincadeira e jogos com as experiências primordiais, através das quais<br />
os homens tornam-se senhores se si.<br />
Willy Haas propõe as seguintes formas fundamentais do gesto lúdico: as<br />
brincadeiras de perseguição correspondem à perseguição entre gato e rato; ao gesto<br />
do goleiro e do tenista, corresponde o da fêmea defendendo os filhotes do ninho; à<br />
disputa pela bola de futebol ou de pólo, a luta dos animais pelo osso, pela presa ou pelo<br />
objeto sexual.<br />
Benjamin propõe ainda a necessidade dessa teoria investigar a dualidade e o<br />
enigmático magnetismo entre o bastão e o arco, pião e fieira, bola e taco. Para ele,<br />
antes de penetrarmos, pelo arrebatamento do amor, a<br />
existência e o ritmo freqüentemente hostil e não mais vulnerável<br />
de um ser estranho, é possível que já tenhamos vivenciado<br />
essa experiência desde muito cedo, através dos ritmos<br />
primordiais que se manifestam nesses jogos como objetos<br />
inanimados nas formas mais simples. Ou melhor, é exatamente<br />
através desses ritmos que nos tornamos senhores de nós<br />
mesmos (BENJAMIN, 1984, p.75).<br />
O ponto de partida desse estudo é, para ele, a lei que rege o universo lúdico: a lei<br />
da repetição, na qual Freud descobriu um “além do princípio do prazer”. Esta lei é a<br />
alma do jogo e nada dá mais prazer à criança do que fazer mais uma vez. No mundo<br />
da criança esse impulso de repetição não é menos poderoso que o impulso no amor<br />
sexual. Toda experiência profunda deseja ser repetida, ou seja, busca restabelecer a<br />
situação primordial da qual nasceu o primeiro impulso.<br />
A criança e o adulto, diz Benjamin, agem conforme este verso de Goethe: “Tudo<br />
correria com perfeição, se se pudesse fazer duas vezes as mesmas coisas”. Mas só<br />
duas vezes seria pouco para a criança. Ela quer repetir inúmeras vezes. Para Benjamin<br />
a repetição não é somente produto de uma busca em que crianças e adultos<br />
procuram se assenhorear de terríveis experiências primordiais. Trata-se também de<br />
saborear renovadamente as vitórias e os triunfos. Assim, o adulto alivia sua alma,<br />
contando novamente suas experiências. Ao fazer mais uma vez, no jogo ou na brincadeira,<br />
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a criança cria novamente o fato vivido desde o início. Aqui ele descobre a essência da<br />
brincadeira e do jogo: fazer sempre de novo e não imitar ou “fazer como se fosse”.<br />
Benjamin lembra que os hábitos são “formas petrificadas e irreconhecíveis de<br />
nossa primeira felicidade, de nosso primeiro terror”. E que mesmo os hábitos mais<br />
enrijecidos são inculcados na criança através de jogos e brincadeiras acompanhadas<br />
de versinhos.<br />
E mesmo o pedante mais insípido brinca ao máximo quando<br />
ele é pedante o máximo. Apenas ele não se lembrará de suas<br />
brincadeiras (...) Mas quando um moderno poeta diz que para<br />
cada homem existe uma imagem em cuja contemplação o<br />
mundo inteiro desaparece, para quantas pessoas essa imagem<br />
não se levanta de uma velha caixa de brinquedo? (BENJAMIN,<br />
1984, p.65).<br />
O universo lúdico dos brinquedos, jogos, contos de fadas, está vinculado à<br />
experiência coletiva do meio popular artesanal pré-capitalista. Quando esse universo<br />
se levanta de uma caixa de brinquedos, ele propicia ao adulto autômato um caminho<br />
para tornar-se senhor de suas experiências primordiais, provocando a recordação da<br />
felicidade primeira, a rememoração da experiência perdida e do paraíso perdido. E,<br />
então, por que os antigos brinquedos atraem tanto crianças e adultos, por que salas de<br />
exposição de brinquedos como as do Märkische Museum jamais ficam vazias?<br />
É que brincar significa libertação.<br />
Rodeadas por um mundo de gigantes, as crianças criam para<br />
si, brincando, o pequeno mundo próprio, mas o adulto que se<br />
vê acossado por uma realidade ameaçadora, sem perspectivas<br />
de solução, liberta-se dos horrores do mundo através da<br />
reprodução miniaturizada. A banalização de uma existência<br />
insuportável contribuiu consideravelmente para o crescente<br />
interesse que jogos e brinquedos infantis passaram a<br />
despertar após o final da guerra (BENJAMIN, 1984, p.66).<br />
A UTOPIA E A HISTÓRIA VIVIDA COMO CATÁSTROFE<br />
Isso ajuda a explicar o interesse de Benjamin pela criança, pelos brinquedos, teatro,<br />
jogos e contos de fada. Diante do progresso tecnológico, da regressão da humanidade e<br />
da transformação do homem em autômato, o universo lúdico da criança, produzido no<br />
meio artesanal da cultura popular, evoca a lembrança da experiência e da memória perdidas<br />
no limbo sempre-igual da modernidade. O pensamento de Benjamin parece orientar-se<br />
pelas seguintes correspondências: a criança, o homem na infância, conserva rastros da<br />
infância da humanidade. O universo lúdico dos brinquedos, jogos, contos de fada evoca o<br />
paraíso perdido da sociedade primitiva, sem classes e sem Estado.<br />
Vale lembrar que, no Trabalho das Passagens, a utopia surge interpenetrada<br />
pelos elementos oriundos do paraíso perdido da história primeva, em que homem e<br />
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natureza, liberados, vivem em cumplicidade um com o outro. Depositadas no<br />
inconsciente coletivo, as experiências desse paraíso perdido, em ligação recíproca<br />
com o novo, dão nascimento à utopia. Na sociedade utópica de Benjamin, o jogo<br />
infantil constitui o modelo do trabalho livre, isto é, do trabalho não-dirigido à produção<br />
do valor. Nesse sentido, ele recorre à Fourier, propondo que o prazer de jogar mais<br />
uma vez seja o cânone do trabalho voltado para o melhoramento do homem e da<br />
natureza (BENJAMIN, 1986). O que Benjamin procura não é restaurar o universo<br />
lúdico pré-capitalista ou o comunismo primitivo. Mas, sim, tecer relações dialéticas<br />
entre o passado pré-capitalista e a possibilidade da utopia da sociedade sem classes;<br />
entre o universo lúdico da criança e a sociedade utópica. Trata-se de reencontrar,<br />
através da rememoração — provocada talvez por uma caixa de brinquedos, o universo<br />
lúdico do paraíso perdido, e fazer dele uma força espiritual para a construção da<br />
sociedade utópica, onde o trabalho se assemelha ao jogo infantil e a terra se parece<br />
com um canteiro de obras, trabalhado pelas crianças, que fugiram do enquadramento<br />
do “Panorama Imperial”.<br />
A utopia messiânica/libertária de Walter Benjamin é uma contrapartida do Estado<br />
de exceção, que engendra revolta e a idéia de uma revolução, na época, vista como<br />
possível. A utopia quer organizar uma nova ordem. Diferentemente da ideologia, a<br />
utopia implica um vôo da realidade e dos interesses imediatos por ela colocados. “Mas<br />
não existe topia sem utopia”, esta é a contrapartida daquela e, nesse sentido, a utopia<br />
faz parte da realidade, baseia-se no seu movimento, enfim, considera as tendências<br />
que brotam do movimento mais profundo da realidade da qual se origina (MAFFESOLI,<br />
1981, p.42).<br />
A utopia messiânica/libertária de Benjamin constitui ainda o reverso de sua visão<br />
catastrófica da história:<br />
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus.<br />
Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que<br />
ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua<br />
boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter<br />
esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde<br />
nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe<br />
única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as<br />
dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar<br />
os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra<br />
do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele<br />
não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele<br />
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas,<br />
enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa<br />
tempestade é o que chamamos progresso (BENJAMIN, 1985,<br />
p.226).<br />
Benjamin escreveu as teses Sobre o Conceito de História (1985) sob o impacto<br />
do tratado de não-agressão entre Stalin e Hitler. Para a oposição de esquerda, na qual<br />
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Benjamin está incluído, o pacto abalou profundamente a confiança na capacidade de<br />
resistência dos comunistas. Para Benjamin o tratado significou “o fim de uma esperança<br />
ainda viva na vitória contra a ‘catástrofe’” (GAGNEBIN, 1982, 14). E ele sofreu a<br />
catástrofe na própria pele, nos campos de refugiados que os nazistas instalaram na<br />
França invadida pela Alemanha e na fronteira entre a França e a Espanha, quando ele<br />
tentava se refugiar. Quando os funcionários aduaneiros disseram que a fronteira<br />
acabava de ser fechada, o desespero diante da possibilidade de ser entregue aos<br />
alemães o levou ao precipitado suicídio.<br />
Em suma, a utopia messiânica/libertária é produto de duas experiências sofridas sob<br />
o signo da angústia e da precariedade: a do judeu errante e a do internacionalismo proletário,<br />
das primeiras décadas do século XX. Desde seus primeiros escritos, a revolução é<br />
apresentada com caráter religioso, salvador. Após sua adesão ao marxismo, a revolução<br />
passa a ser tarefa atribuída aos proletários do mundo, mas seu caráter messiânico/redentor<br />
se mantém. Nas Teses de 1940, diante do desespero frente à catástrofe cada vez mais<br />
ameaçadora, a presença do sagrado cresce: “o Messias não vem apenas como salvador;<br />
ele vem também como vencedor do Anticristo” (BENJAMIN, 1985, p.224).<br />
Lembrando Maffesoli, o sagrado cresce à medida que a verdade diminui e a<br />
ilusão aumenta, embora o ápice da ilusão seja também o ápice do sagrado<br />
(MAFFESOLI, 1978, p.94). Parece que Enriquez tem razão quando afirma a<br />
impossibilidade do homem moderno viver a angústia da vida sem se referir à ordem<br />
transcendente, ao sagrado que nos ultrapassa, ao mito. Pois a utopia da boa sociedade<br />
do futuro — onde todos vivem em igualdade de condições, repartindo o fruto do<br />
trabalho realizado como um jogo infantil, onde todos têm os mesmos direitos, vivendo<br />
uma verdadeira democracia — é também um mito necessário da vida moderna<br />
(ENRIQUEZ, 1992).<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ABENSOUR, M. W. B. entre Mélancolie et Révolution. Passages W.B. et Paris.<br />
Paris: Keinz Wismann et CERF, 1986.<br />
BENJAMIN, W. Rua de mão única. In: ______. Obras escolhidas. vol. 2. Trad.<br />
Rubens R. Torres Filho e José Carlos M. Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987.<br />
______. Parigi, capitale del XIX secolo. Torino: Einaud, 1986.<br />
BENJAMIN, W. Sobre o conceito de História. In: ______. Obras escolhidas. vol.<br />
1. Trad. Jeanne M. Gagnebin e S. P. Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985.<br />
BENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In:______. Obras escolhidas. vol. 1. Trad.<br />
Jeanne M. Gagnebin e S. P. Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985.<br />
BENJAMIN, W. Paris, Capital do Século XIX. In: KOTHE, F. R. (org. e trad.).<br />
Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p. 32.<br />
BENJAMIN, W. Reflexões: A Criança, o Brinquedo, a Educação. Trad. Marcus<br />
V. Mazzari. São Paulo: Summus, 1984.<br />
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BENJAMIN, W. História cultural do brinquedo. In: ______. Reflexões: A Criança,<br />
o Brinquedo, a Educação. Trad. Marcus V. Mazzari. São Paulo: Summus, 1984.<br />
ENRIQUEZ, E. O mito do bom poder. (Palestra). Fundação Getúlio Vargas, 4<br />
maio 1992.<br />
GAGNEBIN, J. M. Walter Benjamin: Os cacos da história. São Paulo: Brasiliense,<br />
1982.<br />
KONDER, L. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Campus,<br />
1988.<br />
LÖWY, M. Redenção e utopia: o judaísmo libertário na Europa Central. São Paulo:<br />
Cia. das Letras, 1989.<br />
MAFFESOLI, M. A violência totalitária: ensaio de antropologia política. Rio de<br />
Janeiro: Zahar, 1981.<br />
______. Lógica da dominação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.<br />
MOSES, S. L’idée d’origine chez Walter Benjamin. Passages Walter Benjamin et<br />
Paris. Paris: Keinz Wismann et CERF, 1986.<br />
Artigo recebido em<br />
08/02/2007<br />
Aprovado para publicação em<br />
08/05/2007<br />
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POLÍTICA E EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT<br />
Ivan Serra Braga 1<br />
INTRODUÇÃO<br />
Em “A Condição Humana” Hannah Arendt assevera que o homem habita o<br />
mundo em três níveis que, para ela, seriam a própria tessitura da Vita Activa, a saber:<br />
o trabalho, o labor e a ação. Em outras palavras:<br />
Com a expressão vita activa, pretendo designar três atividades<br />
humanas fundamentadas; o labor, o trabalho e a ação. Tratase<br />
de atividades fundamentais porque a cada uma delas<br />
corresponde uma das condições básicas mediante as quais a<br />
vida foi dada ao homem na Terra (ARENDT, 1981, p. 15).<br />
Para Arendt, essas atividades se distribuiriam em dois espaços: o espaço público<br />
e o privado.<br />
Na esfera privada ficariam, tomando-se como referência em sua reflexão, a<br />
Grécia antiga, as atividades do trabalho e do labor. É no âmbito privado que os<br />
homens eram forçados a buscar formas de garantir coletivamente sua subsistência,<br />
tanto na confecção de alimentos, quanto na procriação da espécie humana. Tal atividade,<br />
que outra finalidade não tem senão a manutenção e reprodução da vida biológica no<br />
homem, foi chamado pela pensadora de labor.<br />
O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico<br />
do corpo humano, cujo crescimento espontâneo, metabolismo<br />
e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais<br />
produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A<br />
condição humana do labor é a própria vida (ARENDT, 1981,<br />
p. 15).<br />
Além do labor, Hannah Arendt ainda reconhecia outra atividade restrita à esfera<br />
privada e componente da Vita Activa denominada, por ela, de trabalho. Se de um lado<br />
o labor visava a produção do que é necessário à subsistência e perpetuação da vida, o<br />
trabalho visava a construção do que é útil e belo. A grande diferença entre o produto<br />
do trabalho e o produto do labor é que este último era destruído tão logo fosse produzido,<br />
uma vez que se presta apenas à manutenção do processo vital, que não pode continuar<br />
sem que se “destrua”, por exemplo, os alimentos, transformando-os em energia para<br />
o corpo. Já o produto do trabalho, diferentemente do produto do labor, não se presta a<br />
criar coisas que se desfaçam tão logo sejam criados; antes, visam transcender à<br />
própria existência individual de seu criador:<br />
________________________________<br />
1 Doutor em Educação pela <strong>Unimep</strong>. Professor universitário da Anhanguera Educacional e da Faculdade Tecnológica de Piracicaba.<br />
E-mail: nananenet@yahoo.com.br<br />
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O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente<br />
diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas<br />
fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo<br />
se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas<br />
individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade<br />
(ARENDT, 1981, p. 15).<br />
Tal asserção de Hannah Arendt parece muito razoável na medida em que<br />
ninguém, a priori, construiria uma casa para que ela fosse reduzida a nada em poucas<br />
horas, nem se constrói ferramentas para que quebrem tão logo se inicie o trabalho, e<br />
muito menos se constrói um monumento em perpetuação da memória de alguém no<br />
intuito de que o mesmo desapareça na mesma velocidade da digestão em um organismo<br />
vivo. Antes, pelo contrário, o produto do trabalho é feito para durar e, se possível,<br />
durar muito mais que seu criador.<br />
Todavia, Arendt chama a atenção para o fato de que na esfera privada, onde se<br />
pratica o trabalho e o labor, o homem é constantemente lembrado de sua fragilidade,<br />
de sua necessidade de sobreviver e, portanto, de sua condição de mortal, na medida<br />
em que é obrigado a exercer atividades que lhe preservem a vida, enquanto indivíduo<br />
e enquanto espécie. Mas, na medida em que está sujeito às necessidades, é o homem<br />
livre? Aristóteles afirmava que a liberdade seria constituída de quatro elementos, a<br />
saber – status, inviolabilidade pessoal, liberdade de atividade econômica e o direito de<br />
ir e vir. Na medida em que era escravo de suas necessidades, o homem devia trabalhar<br />
e laborar, exercendo, desta forma, atividades “econômicas”, que certamente lhe<br />
subtraiam a liberdade, o que responde à pergunta acima levantada, negativamente.<br />
Como então poderia o homem ser livre? A solução dos antigos se dividia em dois<br />
momentos: a escravidão e a ascensão à esfera pública. Nas palavras de Arendt:<br />
O que todos os filósofos gregos tinham por certo, por mais<br />
que se opusessem à vida na polis, é que a liberdade situa-se<br />
exclusivamente na esfera política; que a necessidade é<br />
primordialmente um fenômeno pré-político, característico da<br />
organização do lar privado; e que a força e a violência são<br />
justificadas nesta última esfera por serem os únicos meios de<br />
vencer a necessidade – por exemplo, subjugando escravos -<br />
e alcançar a liberdade. Uma vez que todos os seres humanos<br />
são sujeitos à necessidade, têm o direito de empregar a<br />
violência contra os outros; a violência é o ato pré-político de<br />
libertar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade<br />
no mundo (ARENDT, 1981, p. 40).<br />
A escravidão, a submissão de um homem por outro, era uma prática corrente na<br />
Antigüidade. Entendia-se que, por mais desumana que fosse a escravidão, estar<br />
preso às necessidades era não ter uma existência autenticamente humana; afinal,<br />
qualquer animal está preso às necessidades. Uma existência autenticamente humana,<br />
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acreditavam os antigos, força os homens à independência das necessidades prementes<br />
de trabalhar e laborar; o que só seria possível se alguém trabalhasse em seu lugar.<br />
Ora, nada mais lógico, no contexto antigo, do que escravizar alguém para se conquistar<br />
esta liberdade. Mas, com que intuito deve o homem estar livre das necessidades? A<br />
resposta era a ascensão à esfera pública, o espaço da política, da ação. Desta feita,<br />
escravizando outros homens, os antigos tinham tempo para dedicar-se a questões<br />
mais elevadas do que suas elementares necessidades biológicas.<br />
Na esfera pública o homem podia realizar e falar o que ninguém ainda realizara<br />
ou falara, isto é, trazer à tona o novo em ação e discurso de sorte que ao fazê-lo cada<br />
um podia tornar-se imortal, e, assim, estar um pouco mais próximo dos deuses - senão<br />
em sua eternidade, certamente em sua imortalidade. É assim que teria surgido a história:<br />
a ciência que serve para imortalizar grandes palavras e atos de homens e povos,<br />
elevando-os a um nível de existência um pouco mais digno do que a mera subsistência<br />
da vida (ARENDT, H. 2001, pp. 69-126). Mas, o que exatamente seria ação e o que<br />
seria o espaço público, no pensamento arendtiano? Por ação se entenda a atividade<br />
exercida entre os homens, a própria expressão do ser destes, que sem o discurso que<br />
a acompanha ficaria totalmente desprovida de sentido. O espaço público, neste contexto,<br />
poderia ser entendido enquanto a própria realidade circundante, na qual tudo o que<br />
vem ao público pode ser visto e ouvido por todos, isto é, seria a totalidade dos fenômenos<br />
apreendidos por todos nós, e que nos é reconhecida como sendo o próprio mundo.<br />
Nas palavras de Kant (2002, p. 351): “Mundo (...) significa o conjunto matemático de<br />
todos os fenômenos e a totalidade da sua síntese (...)”.<br />
Profundamente marcada pela filosofia da Existenz alemã, Hannah Arendt<br />
acreditava ser o mundo um artefato humano na medida em que seu significado se<br />
constrói na cooperação dos sentidos individuais e o senso comum da coletividade.<br />
Ora, se a coletividade participa da construção deste mundo através do senso comum,<br />
o mundo é um construído coletivo, algo que pertence à pluralidade humana.<br />
Tem-se assim demarcada a linha que divide o espaço privado do público. Enquanto<br />
o primeiro é o locus da violência – destruição do alimento no labor; destruição da<br />
matéria na confecção do que é útil ou belo; escravidão-, o outro é o locus da liberdade,<br />
da imortalidade e da pluralidade daqueles que habitam em pé de igualdade um mundo<br />
comum. Porém, a ação humana possui um caráter de imprevisibilidade e produz,<br />
concomitantemente, resultados irreversíveis na teia de interações humanas na esfera<br />
pública. Daí a importância da faculdade de julgar: influenciada pela moral kantiana<br />
Hannah Arendt via no juízo a capacidade de avaliar o teor e os impactos de nossa<br />
ação em meio à pluralidade humana e a capacidade de dar-lhe certo controle por meio<br />
das leis e, assim, ajudar a preservar a esfera pública dos efeitos nefastos da ação e do<br />
discurso. É curioso notar que a palavra grega para lei – nomon - tem o mesmo radical<br />
da palavra muro, isto é, a lei tanto cerca e protege a esfera pública de problemas<br />
internos, quanto a mantém separada do âmbito privado, com sua violência e necessidade<br />
inerentes, que tragariam a “imortalidade”, bem como ameaçariam a própria<br />
continuidade da vida pública. Em outras palavras: “A organização da polis, fisicamente<br />
assegurada pelos muros que rodeavam a cidade, e fisionomicamente garantida por<br />
suas leis – para que as gerações futuras não viessem a desfigurá-las inteiramente – é<br />
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uma espécie de memória organizada” (ARENDT, 1981, p. 27).<br />
O exposto até aqui mostra que a vida pública, isto é, o próprio mundo, é um<br />
construído coletivo, elaborado por meio do senso comum, que também se presta para<br />
julgar, discernir e manter a ética, a moral e a lei no espaço público 2 e, assim, assegurar<br />
sua sobrevivência às presentes e futuras gerações. Porém, na construção da<br />
modernidade, justamente este senso comum será profanado, abrindo, assim, a<br />
possibilidade de crise do mundo, da realidade e com ela a própria vida pública. Veja-se<br />
isso mais de perto a seguir.<br />
A MODERNIDADE E A PERDA DO SENSO COMUM: O DECLÍNIO DA POLÍTICA<br />
O senso comum é uma ferramenta inerente ao espírito humano, que juntamente<br />
com os cinco sentidos, permite uma avaliação do que venha ser o real, realidade ou<br />
mundo.<br />
Que se faça notar aqui que se as experiências dos sentidos são totalmente<br />
individuais - não se pode saber como o outro vê ou como o outro sente o gosto de algo<br />
-, por outro lado é o senso comum que permite dar a estas experiências totalmente<br />
subjetivas dos sentidos um caráter de objetividade. Neste sentido, então, vale dizer<br />
que o mundo, que aqui é entendido como sendo o espaço público onde tudo pode ser<br />
visto e ouvido por todos, é um construído coletivo, isto é, é produto da pluralidade dos<br />
homens, que por causa do senso comum podem construir um senso de “mundo”.<br />
O problema é que no século XVII – no qual, de acordo com Anthony Guiddens,<br />
inicia-se a modernidade - a tradição ocidental seria assaltada por uma avalanche de<br />
neoplatonismo, que lançava o senso comum à beira da marginalidade na construção<br />
do conhecimento humano. Note-se que o senso comum só pode trabalhar com o real,<br />
isto é, com o mundo dos entes concretos apresentados aos sentidos. O neoplatonismo<br />
do século XVII, deveras notório na obra de Descartes e de Leibnitz, tentava reforçar<br />
a antiga predominância das idéias sobre a realidade sensível, tão dogmatizada pelo<br />
pensamento de Platão e tão perpetuada na teologia medieval. Mas, o que é a idéia?<br />
Quando a palavra idéia fora usada por Platão ela significava o “arquétipo de todas as<br />
coisas existentes”. Isto não quer dizer outra coisa senão que, por exemplo, apesar de<br />
haver vários tipos de mesa, o modelo in abstracto de mesa corresponde à “verdadeira”<br />
mesa, de sorte que todas as mesas existentes no mundo seriam apenas a manifestação<br />
visível e imperfeita da verdadeira mesa. Desta feita, pode-se concluir que todo<br />
pensamento platônico foi construído sobre a dicotomia “realidade versus aparência”,<br />
dando a entender que este mundo concreto captado pelos sentidos e transformado em<br />
conceito de “realidade” pelo senso comum ocupava o segundo lugar em face da<br />
primazia do mundo invisível das idéias.<br />
É neste solo idealista que Descartes viria a fundar sua teoria do conhecimento.<br />
________________________________<br />
2 Em sua Crítica da Razão Pura, Kant escrevia na parte concernente às antinomias da razão, que o senso comum encontra muito maior<br />
facilidade de descender de princípios ideais até os casos particulares, do que descrever o caminho ascendente, isto é, das condições<br />
até o incondicionado, a premissa maior. No campo da moral, significa afirmar que apesar das teses defendidas pela razão pura serem<br />
muito especulativas e sujeitas a contradições, elas são todavia, úteis ao campo da moral, enquanto reguladores da ação humana; afinal<br />
é mais fácil ao homem vulgar – que vive tão só em seu senso comum – assimilar e referendar sua ação por meio de princípios transcendentais<br />
do que questioná-los e tentar um fundamento empírico – talvez impossível de existir – para seu agir.<br />
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Em Regras para Direção do Espírito, regra III, escreveria ele que só se pode<br />
chegar ao verdadeiro conhecimento das coisas, por meio de dois atos do espírito: a<br />
intuição e a dedução, entendidas como atos do pensamento, atuantes num nível<br />
puramente inteligível, sem nenhuma referência aos sentidos e ao mundo sensível os<br />
quais, para Descartes, servem apenas para confundir o entendimento e desviá-lo da<br />
verdade. Assim:<br />
(...) vamos enumerar aqui todos os atos de nosso entendimento<br />
por meio dos quais podemos chegar ao conhecimento das<br />
coisas sem receio de engano; não se admitem mais que dois, a<br />
saber, a intuição e a dedução...Entendo por intuição, não o<br />
testemunho flutuante dos sentidos, nem o juízo enganador de<br />
uma imaginação de composições inadequadas, mas o conceito<br />
do espírito puro e atento (...) Assim, cada homem pode intuir<br />
com o espírito Quanto à dedução, dizia Descartes que é<br />
“movimento contínuo e ininterrupto do pensamento”<br />
(DESCARTES, 2001, p. 78).<br />
Desta feita, no idealismo cartesiano, os sentidos ficariam suspensos e as<br />
características reais dos entes dados in concreto seriam aproveitadas apenas na<br />
medida em que fossem reduzidas a uma ordem matemática, puramente formal. Neste<br />
contexto então, qual o papel do senso comum? Nenhum, sem sombra de dúvidas, na<br />
medida em que sua matéria-prima, o testemunho dos sentidos, era simplesmente<br />
ignorada. É obvio que Descartes, o pai da metafísica moderna, não tinha em mente o<br />
perigo a que estava lançando o campo da política - espaço da ação, do discurso e da<br />
liberdade humanas. Ora, como poderia em tal contexto continuar vivo o espaço público,<br />
se seu agente construtor, o senso comum, e, por extensão, seu alimentador, os sentidos,<br />
simplesmente são renegados a uma posição subalterna no espírito humano? Além<br />
disso, no pensamento arendtiano é ao senso comum (os quais para ela são sinônimos<br />
de bom senso e juízo) que se deve, como já visto, a capacidade humana de aplicar os<br />
princípios morais e éticos às questões práticas pertinentes à ação humana, a<br />
“substância” de vida política. Conclui-se, assim, que o neoplatonismo cartesiano, que<br />
ensinou o ocidente a desconfiar dos sentidos e do senso comum, acabou por destruir<br />
não apenas o sentido de “mundo” ou “realidade” – o que permite pensar em termos<br />
de espaço público - como também destruiu a concepção de verdade inerente a este<br />
espaço. Deve-se ter em mente, que contrariamente ao filósofo cuja verdade só se<br />
pode vislumbrar no mais secreto recôndito do pensamento humano, a verdade na<br />
esfera pública é todo evento, em palavras e ação, que possa ser visto e ouvido<br />
por todos, testemunhados pelo senso comum e os sentidos de todos nós. Assim, o<br />
declínio da verdade do homem comum da esfera pública se dá na medida em que<br />
sua origem, o senso comum e os sentidos, são renegados a um papel secundário<br />
frente à solitária reflexão filosófica que prescinde destes meios para atingir uma<br />
verdade, muitas vezes, puramente inteligível e, assim, independente da pluralidade<br />
dos homens.<br />
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É assim que ao pensamento arendtiano, o modus cogitandi da filosofia cartesiana,<br />
que re-introduz na tradição ocidental a predominância das idéias sobre o senso comum,<br />
acabou por contribuir, juntamente com a invenção da cartografia e a expropriação da<br />
acumulação capitalista – que não vem ao caso discutir agora – para o isolamento do<br />
homem moderno da esfera pública, o espaço da ação e da liberdade, sujeitando assim<br />
sua ação às atividades da esfera privada – o trabalho e o labor.<br />
A EDUCAÇÃO E A POLÍTICA<br />
Em sua obra “Entre o Passado e o Futuro”, Hannah Arendt (2001, p.227) fez<br />
uma observação um tanto quanto alarmante, para qualquer educador, ao afirmar que<br />
a educação americana passava por uma crise no final dos anos 1960; uma crise<br />
entendida por ela como tendo correlação direta com a crise da república norteamericana.<br />
Segundo a autora a educação contemporânea estaria colocando todas as<br />
regras do juízo humano normal à parte, o que estaria causando uma deterioração<br />
deste mesmo juízo, que, para Hannah Arendt, seria o próprio senso comum, por meio<br />
do qual os cinco sentidos individuais estão adaptados a um único mundo comum a<br />
todos nós e com a ajuda do qual (senso comum) nele nos movemos. Dito de outra<br />
forma:<br />
O fato importante é que, por causa de determinadas teorias,<br />
boas ou más, todas as regras do juízo humano normal foram<br />
postas de parte. Um procedimento como esse possui sempre<br />
grande e perniciosa importância, sobretudo em um país que<br />
confia em tão larga escala no bom senso em sua vida política.<br />
Sempre que, em questões políticas, o são juízo humano<br />
fracassa ou renuncia à tentativa de fornecer respostas, nos<br />
deparamos com uma crise; pois essa espécie de juízo é, na<br />
realidade, aquele senso comum em virtude do qual nós e nossos<br />
cinco sentidos individuais estão adaptados a um único mundo<br />
comum a todos nós, e com a ajuda do qual nele nos movemos.<br />
O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal<br />
mais seguro da crise atual. Em toda crise, é destruída uma<br />
parte do mundo, alguma coisa comum a todos nós. A falência<br />
do bom senso aponta (...) o lugar em que ocorreu esse<br />
desmoronamento (ARENDT, 2001, p. 227).<br />
Para que se possa compreender a correlação entre alienação da esfera pública<br />
e a crise da educação deve-se ter em mente o conceito de autoridade, tal qual os<br />
romanos a concebiam. Para eles autoridade, “auctoritas”, significa a obrigatoriedade<br />
que cada nova geração tem de dar continuidade ao que os antepassados iniciaram<br />
(ARENDT, 2001, p. 111). No caso de Roma, o que os antepassados iniciaram foi a<br />
república. Assim, era dever de cada geração dar continuidade a esta fundação. Neste<br />
sentido, a perpetuação do espaço público é dever de cada nova geração que dele se<br />
utiliza. Mas, quem deve assumir esta responsabilidade? Certamente que são os adultos.<br />
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Mas, onde a educação entra em tudo isso? Observe-se que o papel da educação é<br />
justamente preparar cada nova geração, ainda em sua infância, a assumir a<br />
responsabilidade que seus pais, avós e bisavós tiveram de assumir antes dela. Ora, o<br />
problema é que uma vez que a modernidade foi construída na alienação do homem da<br />
esfera pública, as gerações que deveriam cuidar do espaço reservado à ação e ao<br />
discurso simplesmente se eximem de tal empreitada. Em “A Condição Humana”,<br />
Arendt asseverava que a modernidade teria não apenas afastado o homem da vida<br />
política, mas transformado o espaço público em espaço privado. Isto é notável no<br />
equacionamento da ação – conceito terminantemente político - com trabalho e labor.<br />
É como se a república se transformasse em um grande lar, onde o exercício da vida<br />
pública consistisse em gerenciar trabalho e labor. Em tal estado de coisas a autoridade<br />
entrara, é óbvio, em declínio, juntamente com o espaço público. Não seria vão lembrar<br />
aqui, que em A República de Platão, este foi tomar como modelo de governo atividades<br />
inerentes à esfera privada – o trabalho do artesão, a “autoridade” do senhor sobre seu<br />
escravo, do tutor sobre seus pupilos - afinal, em seu tempo, a polis estava em franco<br />
declínio, tal como na modernidade, e com ela a concepção genuinamente política de<br />
autoridade.<br />
É em semelhante contexto de crise do espaço público e, consequentemente, da<br />
autoridade, que os adultos, e isto inclui os educadores, não querem mais exercer o seu<br />
papel de instruir os outros acerca do mundo, e da responsabilidade que nossas palavras<br />
e ações assumem nele. Confirmando esta asserção, lemos:<br />
A autoridade foi recusada pelos adultos, e isso somente pode<br />
significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a<br />
responsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianças<br />
(...) a qualificação do professor consiste em conhecer o mundo<br />
e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua<br />
autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume<br />
por este mundo” de sorte que qualquer “pessoa que se recuse<br />
a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo, não<br />
deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em<br />
sua educação (ARENDT, 2001, p. 239).<br />
É nesse quadro que Hannah Arendt assiste, na América do Norte, ao declínio da<br />
educação pari passu ao declínio do Estado-Nação norte americano. A alienação do<br />
homem moderno do espaço público levou-o a recusar assumir sua responsabilidade<br />
para com este espaço, fazendo dele um irresponsável frente às futuras gerações, que<br />
não estariam aprendendo qual deveria ser a atitude correta frente ao espaço comum<br />
da ação e do discurso. Em resposta a este adulto sem autoridade, a educação, na<br />
visão de Hannah Arendt, teria fragmentado o mundo da criança do mundo adulto,<br />
fazendo a criança aprender de uma forma que lhe seja inerente, isto é, “aprender<br />
brincando”, tal como ensina, por exemplo, o método pragmático, sem que, contudo,<br />
esta mesma educação estivesse se comprometendo em preparar esta criança para<br />
ser adulta.<br />
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Nesta situação, ao invés de se aproximar a criança do adulto e fazê-la perceber<br />
que um dia ela também vai crescer e ter que assumir as responsabilidades inerentes<br />
não só à vida privada, mas também à vida pública, ela fica isolada deste processo de<br />
preparação para a fase adulta, faltando-lhe, desta maneira, o modelo necessário do<br />
que é ser adulto.<br />
Para concluir, nesta reflexão sobre a educação no pensamento de Hannah Arendt,<br />
nota-se uma estreita correlação entre uma crise do espaço público - próprio da era<br />
moderna -, uma crise da autoridade a ele inerente e, por extensão, uma crise da<br />
educação.<br />
Torna-se oportuno, neste ponto do presente texto, anunciar sua intenção em<br />
responder se de fato a análise de Hannah Arendt acerca da crise da educação, como<br />
reflexo de uma crise política, procede e, em se constatando que sim, tentar saber se<br />
nos últimos 34 anos – contados a partir da crítica feita pela autora à educação - a<br />
pedagogia de alguma forma teria desenvolvido alguma resposta a esta questão de<br />
interesse não só do “Joãozinho que precisa aprender a ler”, mas, principalmente, uma<br />
questão de perpetuação, ou não, da esfera pública, que é do interesse de todos nós.<br />
NOTAS FINAIS: HANNAH ARENDT TINHA RAZÃO?<br />
Segundo o historiador e educador Moacir Gadotti a teoria pedagógica da Escola<br />
Nova foi a que mais se disseminou no mundo ocidental, em decorrência de sua<br />
capacidade de formar indivíduos capazes de uma tenaz postura ativa e pragmática<br />
perante o mundo. Deveras, sua influência no modo de pensar o ensino foi tão decisiva,<br />
para as demais escolas da pedagogia que a sucederam, que essas foram em maior ou<br />
menor grau influenciadas pela suas idéias.<br />
Por outro lado, não seria correto ver a Escola Nova como uma ruptura com as<br />
concepções pedagógicas que a precederam. Na realidade, sua postura pragmática,<br />
com ênfase no “aprender fazendo”, pari passu a um anseio de revolucionar o ensino<br />
das massas, encontra suas raízes na pedagogia realista moderna, na positivista e<br />
socialista que a antecederam, guardadas as devidas divergências entre estas diferentes<br />
matizes da pedagogia na modernidade; fincando, a Escola Nova, suas raízes em<br />
praticamente todas as demais propostas de ensino subseqüentes. Desta forma, apesar<br />
de a Escola Nova ter seu mérito de inovadora em sua proposta e métodos de ensino,<br />
ela se mantém presa aos paradigmas que fundamentam o pensamento moderno: o<br />
ergo cogito cartesiano e o empirismo científico.<br />
Como visto anteriormente, o cogito cartesiano levou a uma inadequação dos<br />
sentidos e do senso comum na construção do real. Antes, o cogito cartesiano encontra<br />
a verdade na solidão da interioridade, pois é lá que estão depositadas as idéias inatas.<br />
Ora, se a verdade está na solitude, porque então senso comum? Qual sua utilidade,<br />
uma vez que o eu pensante prescinde da presença dos outros para a construção do<br />
real, do mundo, de espaço comum a todos, o espaço público?<br />
Concomitantemente, o pensamento empírico gerava no mundo moderno a<br />
convicção de que o “eu” só pode conhecer o que ele mesmo faz. Numa passagem<br />
atenta pelas principais vertentes do pensamento pedagógico na modernidade (não é o<br />
caso de fazer esta passagem aqui, pois, ocuparia muitas páginas), do realismo ao<br />
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pensamento pedagógico crítico, a todo tempo se vê que a visão moderna de que os<br />
sentidos não constróem o conhecimento, e de que só é possível aprender fazendo, se<br />
constituíram na pedra de toque das principais escolas pedagógicas do século XVIII<br />
para cá.<br />
Portanto, não é de todo implausível que se concorde com Hannah Arendt quando<br />
ela denuncia uma correlação entre crise política e crise da educação: na medida em<br />
que a modernidade significou a alienação do homem da esfera pública – a construção<br />
do espaço público é fenomenológica para Hannah Arendt, isto é, os sentidos e o senso<br />
comum dão a textura do real – a educação nada mais teria feito, pelo menos até o<br />
momento em que ela escrevia (final dos anos 1960), senão aprovar paradigmas de<br />
ensino que ajustavam os indivíduos ao modus cogitans da modernidade. Mesmo a<br />
pedagogia socialista, com sua proposta anti-alienação, não escapa à crítica arendtiana.<br />
Apesar de toda a couraça materialista-realista do socialismo, ele também se teria<br />
mostrado incapaz de devolver o homem ao senso comum e à confiança nos sentidos,<br />
até porque alienação, para o socialismo, diz respeito a uma alienação do produto do<br />
trabalho. Além disto, a teoria social socialista não serve para tratar de política do<br />
ponto de vista arendtiano, uma vez que vê a esfera dos negócios públicos como sendo<br />
super estrutura, para usar uma expressão gramsciana. Isto significa dizer que, para<br />
o socialismo, a esfera dos negócios públicos nada mais é do que a expressão do modo<br />
como os homens se organizam para produzir e distribuir a riqueza. Como bem afirma<br />
Hannah Arendt, em “A Condição Humana”, só o fato de ver a política como forma<br />
de gerir recursos financeiros e econômicos já é um claro sinal da decadência da<br />
esfera pública no Ocidente moderno. Para Hannah Arendt o espaço público é distinto<br />
do privado pelo fato de significar fundamentalmente a fuga da necessidade de trabalhar<br />
e laborar inerente a este último. Assim, enquanto o espaço privado se constitui no<br />
locus do trabalho e do labor, a esfera pública, como já explicado anteriormente, é o<br />
lugar da ação, entendida fenomenologicamente enquanto a maneira do homem se<br />
manifestar aos seus companheiros humanos, não resguardando nenhuma semelhança<br />
com o sentido de praxis socialista.<br />
Portanto, em um momento histórico onde o espaço privado, projetado no público,<br />
transforma-o não no locus da manifestação do homem, mas, antes, reserva-o à gestão<br />
econômico-financeira; num momento em que os homens são convidados a abandonar<br />
o senso comum e com ele a faculdade de julgar do espírito em nome do cogito e da<br />
experiência científica, não é de se admirar que a educação, que para Hannah Arendt<br />
deveria preparar as crianças e os jovens para assumir sua responsabilidade pelo mundo<br />
(o lugar onde tudo pode ser visto e ouvido por todos), esteja preparando as gerações<br />
do futuro para o mercado e seu indispensável saber científico-tecnológico. Se tal não<br />
fosse verdade, não seria necessário que pensadores de peso na história contemporânea,<br />
como Walter Benjamim, Marcuse, Hockheimer, Adorno, Heidegger, dentre outros,<br />
apontassem para o nefasto predomínio da razão instrumental e da tecnocracia sobre<br />
qualquer outra forma alternativa de o homem enxergar o mundo e a si mesmo nele.<br />
Outrossim, nunca, em toda história da Educação, houve tanta rejeição pela<br />
autoridade do que na pedagogia contemporânea. Como já visto, Hannah Arendt via na<br />
Educação, exercida pela autoridade adulta, a maneira de preparar a criança para o<br />
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mundo, isto é, o espaço público no qual todos têm que conviver. Todavia, na medida<br />
em que há uma fragmentação do mundo (que deveria ser uma unidade, uma vez que<br />
é o espaço público onde todos, crianças, jovens adultos, velhos crianças, têm que<br />
conviver) em “mundo da criança” vs “mundo do adulto” – basta ler Liberdade sem<br />
medo de Alexander S. Neill, ou ainda Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação<br />
de Walter Benjamin para se ter uma idéia disto – comprova-se que o temor de Hannah<br />
Arendt, de que os adultos estivessem se eximindo de exercer sua autoridade sobre as<br />
crianças no intuito de prepará-las para assumir sua responsabilidade frente ao espaço<br />
comum a todos os homens, tem respaldo concreto na história contemporânea.<br />
Haveria uma saída para este estado de coisas? De que forma poderia a educação<br />
servir de instrumento para o resgate do espaço público no mundo contemporâneo?<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ARENDT, H. A Condição Humana. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1981.<br />
_______. Entre o Passado e o Futuro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.<br />
DESCARTES, R. O Discurso do Método e Regras para Direção do Espírito.<br />
São Paulo: Martin Claret, 2001.<br />
KANT, E. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martin Claret, 2002.<br />
Artigo recebido em<br />
08/02/2007<br />
Aprovado para publicação em<br />
02/05/2007<br />
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O EXPERIMENTO FORMATIV<br />
TIVO O DE ZARATUSTRA A<br />
PARTIR DO PRÓLOGO: O APRENDIZADO DO DECLÍNIO E<br />
DA PAS<br />
ASSAGEM<br />
SAGEM<br />
Maria dos Remédios de Brito 1<br />
SOBRE O DECLÍNIO E A PASSAGEM: UM EXPERIMENTO EDUCATIVO<br />
O aprendizado de Zaratustra marca diferentes posições diante do fluxo pelo<br />
qual passa para conferir aquilo que está sendo apreendido e pensado. O próprio prólogo 2<br />
registra alguns encaminhamentos que serão considerados importantes à formação,<br />
mas sem querer submetê-los à tirania de uma identidade, que não pode passar por<br />
desvios e fissuras; não há em Zaratustra um acúmulo de saberes, mas uma ebulição<br />
de vivências e experiências. O seu percurso já impõe uma crítica a todo tipo de educação<br />
que denomina uma finalidade linear.<br />
O seu movimento formativo no prólogo vem sendo simbolizado exatamente pelos<br />
dez anos em que fica na montanha quando, ao abandonar sua terra natal, rompe com<br />
o conforto do lar para, então, aprender a amar a solidão. É a partir de um ambiente,<br />
que no primeiro momento lhe parece estranho – a montanha – ,que ocorre o eco de<br />
um sublime espírito, que, pelo esforço e força de desfazer o desligamento com tudo<br />
que é comum, pode produzir e conduzir a si mesmo. O "si mesmo" não é postulado<br />
como uma propriedade de que se dispõe e se toma como controle, ou mesmo uma<br />
estabilidade para uma identidade, não é algo enclausurado pelos seus valores, sem<br />
que isto queira demandar um itinerário fixado. Como num trabalho de reconstituição,<br />
de vigoramento, ele aflora outros sentidos. Alimentando outra intelectualidade sob o<br />
ponto de vista de outros sabores e odores, a sua paixão torna-se maior e grandiosa. É<br />
por isso que a nobreza é posta como critério distintivo, que põe Zaratustra em um<br />
patamar afirmativo.<br />
É na manifestação da retirada do lugar familiar, é na caracterização da<br />
extrapolação ao ver o que está vulgarizado pela palavra, pela linguagem ou pelo costume,<br />
que ele efetiva um outro olhar: não mais ver de lado, ou de baixo. Mas é de cima<br />
da montanha que Zaratustra percebe o que é "vulgarizado", o "ritualizado" pelas crenças<br />
e verdades que podem ser postas em outros eixos, inclusive a sua própria vida. Quando<br />
ele vai para a montanha já vai com um processo de reflexão, portanto, é com o olhar<br />
de quem está de cima que a visão, os sentidos, podem ser ampliados. O que leva a<br />
________________________________<br />
1 Profa. Dra. de Filosofia da Educação da Universidade Federal do Pará, Faculdade de Educação-Campus de Abaetetuba. E.mail:<br />
mrb@ufpa.br<br />
2 No aforismo § 342 da "FW/GC", Nietzsche retoma da mesma forma o início do Prólogo de "Za/ZA". O prólogo de Zaratustra foi escrito<br />
juntamente com a primeira parte do livro e mandado para a publicação em fevereiro de 1883, o que poderia nos levar a supor que este<br />
valeria apenas para esta parte e não para as outras. Contudo, diz Suffrin-Hèber que ele pode muito bem ser visto como o corpo estrutural<br />
de todo o livro, pois "o prólogo constitui uma introdução sistemática, muito estruturada, ao conjunto de Zaratustra, um recenseamento<br />
dos problemas e um levantamento de todos os conceitos" (cf. SUFFRIN-HÈBER, 1994, p. 8). Destaca-se que no prólogo Nietzsche<br />
apresenta os temas como: a morte de Deus, o além-do-homem e o último-homem, temas estes que, como os discursos da primeira parte,<br />
são questões importantes para o entendimento do aprendizado de Zaratustra, pois este ensina, mas também aprende ao ensinar,<br />
mostrando que a educação, o aprendizado, não se configuram pelo repasse mecânico, mas o aprender, aqui, está efetivamente ligado às<br />
experiências e às vivências da vida, o que faz destacar o repensar do que seria ensinar e aprender.<br />
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dizer que o trabalho formativo não pode permitir ser viabilizado apenas de um lugar, de<br />
uma forma, de uma maneira, até porque isso não é possível, pois, quando se lida com<br />
o que é humano, escorre-se sempre pelos abismos. Ir para a montanha não é garantia,<br />
ele apenas quis dar mobilidade de constituir sobre si mesmo e sobre outros a capacidade<br />
de ver em perspectiva, em experimento, já que, do "alto", o mundo, a vida, podem ser<br />
configurados em pluralidades interpretativas, pois é com o vôo do olhar, da reflexão,<br />
que se pode transformar e criar – o "alto, "a montanha", "acima", não podem ser<br />
compreendidos como valores superiores ao terreno, pois ele não fala por oposição,<br />
mas como metáfora de alguém que está imbuído por sentimentos mais vigorosos.<br />
Para tal, é necessário fazer certo desvio de tudo que parece reto e mergulhar no<br />
sinuoso e nas incertezas. Portanto, a imagem metafórica da montanha mostra uma<br />
ampliação dos sentidos, ele vê em ângulos diferenciados, destacando que aquele que<br />
se permite caminhar e avançar sobre o seu si mesmo tem que estar preparado para<br />
ver as coisas sempre em outro foco. Não quer uma vida padrão, nem um método<br />
para se ver o mundo da mesma forma. Impor esse tipo de conduta é matar todo o<br />
potencial criador de qualquer indivíduo. Zaratustra aprendeu que a vida é um mar<br />
aberto, e aqueles que pretendem navegar na aventura de si mesmos têm que ver que<br />
as ondas sempre mudam. Por isso, não quer ser fixado. Zaratustra abre-se como<br />
educador exatamente no instante em que inicia seu educar-se a si mesmo, ou seja, seu<br />
processo formativo. E ao se permitir fazer uso também da narrativa, visto que não é<br />
só Zaratustra quem narra, caberia até mesmo perguntar: quem é o narrador em<br />
Zaratustra? Pois são tantos os que narram, mas ao contar seus dramas, sua história,<br />
sua vivência, mostrando sua compreensão de mundo, de vida, faz, ao mesmo tempo, a<br />
sua crítica sobre todas as coisas que percebe ao seu redor. Ele efetivamente educa.<br />
Após esse processo de amadurecimento não é à toa que, numa certa manhã, faz todo<br />
um discurso de agradecimento ao sol 3 e, como ele, diz que precisa doar o seu supérfluo<br />
(Überflüssig), conta da necessidade de descer, pois está excedendo, há uma inexorável<br />
vibração em seu coração. Como o sol, que ao entardecer deve partir, descer, ele quer<br />
isso. É exatamente por isso que: “(...) tenho que baixar às profundezas: como fazes tu<br />
à noite, quando desapareces atrás do mar, levando ainda luz ao mundo inferno, ó astro<br />
opulento (überreich)” (NIETSZCHE. F, Za/ZA, 2002, Prólogo § 1).<br />
Quer a bênção deste astro iluminado. Nota-se que Zaratustra não pergunta sobre<br />
a conservação e é essa sua vontade de amor que escorrega sobre si mesmo, seu<br />
compromisso se torna singular com a vida e por isso “cumpre-lhe acolher a morte no<br />
seu seio” (YAFAR, R. 2001, p.145), ou seja, ama o desaparecer, aqueles que não se<br />
preservam, que transbordam, que vão até o abismo, que se lançam para a vida, para o<br />
________________________________<br />
3 Quando ao discurso de agradecimento ao sol, que ocupa grande parte das reflexões de Zaratustra, diz Roberto Machado: “essa<br />
referência ao sol é importante. Além da evidente paródia ao mito platônico, em cuja caverna o sol entra, a presença determinante do astro<br />
no início da trajetória de Zaratustra faz deste um personagem luminoso, resplandecente (...)” (MACHADO, R., 1997, p. 35). Curt Paul<br />
Janz, cita, no entanto, uma carta de Nietzsche a Peter Gast de 23 de abril de 1883, que diz: “Hoje, aprendi por acaso o significado de<br />
Zaratustra, isto é, estrela de ouro. Fiquei feliz por este acaso” (apud MACHADO, R., 1997, p. 36). Roberto Machado (1997) argumenta<br />
que Zaratustra, no início de sua trajetória, é um personagem luminoso, resplandecente, fulgente. Mas nem sempre foi assim. Este início<br />
assinala uma transformação, uma metamorfose. Como o sol que declina, o Zaratustra quer declinar, pois deseja dar e distribuir, quer<br />
descer, do mesmo modo que o sol faz à noite. A descida de Zaratustra e seu declínio são para oferecer um presente ao homem, o alémdo-homem.<br />
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11/13/2007, 3:09 PM
desconhecido, que não têm medo de erro. Porque, acima de tudo, amam a vida e<br />
sabem precipitar-se. Ele ama a sua própria descida.<br />
Seu espírito está deliciado com outras intuições, interpretações, isto é claramente<br />
manifestado na alegria que sente com a luz e com o brilho, porque parece que ele<br />
mesmo viveu uma grande transformação, uma espécie de passagem (Übergang) do<br />
sol às cinzas e ao fogo, ou seja, ele mostra o seu cruzamento de formação; em vez das<br />
cinzas que levara para a montanha ele agora quer levar fogo ao vale, levando a crer<br />
que o homem, através de sua força criadora, é mutável, está sempre aprendendo. O<br />
seu coração está transformado, por isso quer doar o seu supérfluo, que não pode ser<br />
visto como os restos de Zaratustra, mas é a dinâmica da sua própria vontade de vida.<br />
Neste primeiro momento, Zaratustra se mostra como um doador.<br />
O que ele dispõe nessas suas primeiras narrativas é que a educação do prólogo<br />
viabiliza a superação do peculiar, da abstração das verdades, da crença dogmatizada,<br />
da mesquinharia, da falta de riqueza, da vida padronizada, dos ideais absolutizados,<br />
enfim, deve superar tudo que torne o homem sem querer. Portanto, todo o seu perfil<br />
afirmativo e criador destacado é dominado não pela carência, mas pela abundância<br />
(Überfluss) 4 , pelo excesso de amor. Ao querer descer de sua montanha ele remete à<br />
idéia de rasgar novamente o que é cotidiano, da convivência comum, mas isto não é<br />
feito por capricho, nem porque cansou de sua solidão, de sua sabedoria, ou de si<br />
mesmo, o que só o deixaria ser mais um homem nivelado. Ele identifica a sua segurança,<br />
que não é uma segurança qualquer, que esteja, por exemplo, calcada na produção<br />
material ou mesmo calcada em verdades. Mas ela está ligada à mudança de perspectiva,<br />
por isso não quer esquivar-se do seu ocaso. E diz: “devo ter o meu ocaso”. 5<br />
Neste caso ele apresenta a queda, o seu rebaixamento, o seu declínio (Untergang),<br />
mas não esquece de apresentar também a sua passagem (Übergang), pois o saber é<br />
destacado na capacidade de aceitar o mais pesado para surgir a leveza, ou seja, essa<br />
vontade de ocaso de Zaratustra visa à dissolução, à destruição, se precipitar, ir ao<br />
fundo do mais escuro no sentido de escapar de si mesmo e alcançar-se novamente<br />
com outro rosto e com um novo olhar, mais íntimo e profundo. Pois o aprendizado e a<br />
educação, para serem significativos, não se resumem a resultados quantitativos, há a<br />
necessidade de que o indivíduo e até mesmo a cultura em que ele esteja inserido se<br />
proponham a aceitar o divergente, o contraditório, a profundeza, o conflito, até mesmo<br />
aquilo que não quer ser visto. É dessa forma que a vida quer caminhar no limiar da<br />
destruição e da construção. Aí está o aprendizado do seu declínio. Para isso, o feio, o<br />
desconhecido, o nebuloso devem ser vividos, pois isto faz parte do experimento vital.<br />
________________________________<br />
4 A noção de abundância, excesso, supérfluo, pode ser uma indicação para a vontade de potência, de expansão e crescimento, de<br />
afirmação ativa, construtiva, que deseja a superação.<br />
5 O tradutor de Nietzsche em espanhol, Andrés Sánchez Pascual, esclarece, sobre ocaso (untergang), palavra - chave em Alemão na<br />
descrição da filosofia de Zaratustra: "Este verbo em alemão condiz com várias matizes (...) Untergehen, primeiro significa caminhar<br />
(gehen), descer, ir para baixo. Em segundo significa pôr-do-sol; 'o ocaso' e por último, Untergehen como substantivo, afundamento,<br />
destruição, decadência. Assim é o título da obra de Spengler "Der Untergang dis Abendlands (...). De todas as formas, Nietzsche joga<br />
em inúmeras ocasiões com a palavra alemã composta e a contrapõe a outras palavras (...) (Cf: Za/ZA. Tradução de Andrés Sánchez<br />
Pascual. Ed. Alianza. Nota de número 5 da edição de 2002). Pode-se ver que Nietzsche tanto trabalha com a noção de luz, de<br />
esclarecimento, força ativa, como com o lado negativo, reativo, a descida, o ir para baixo até as profundezas. Isto sendo compreendido<br />
em dinamicidade, num processo de tensão, de luta, de forças.<br />
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Desse modo, há que se mergulhar no labirinto existencial, do que é fracasso, do que<br />
não tem riqueza. Mas isso não quer dizer que Zaratustra queira ser visto como mais<br />
profundo ou mais prudente do que os outros homens 6 , pois o que o diferencia não é o<br />
seu orgulho ou a sua avidez, mas a sua capacidade de pontuar um outro tipo de razão,<br />
que não seja esta que se contente com a banalidade da vida, ou seja, o seu tipo de<br />
razão não aceita a objetividade exacerbada, o modo calculista de viver, pois isso só<br />
torna o homem pequeno. A razão Zaratustriana se entranha por uma rede que duela e<br />
anseia por uma justificação da destruição geradora, que se elabora e se cria diante do<br />
fogo da vida. Portanto, não é uma razão objetivada, divinizada, mas inventiva.<br />
Por isso, o rosto do declínio deve ser descoberto, ou seja, o degradado, a pobreza,<br />
o negativo, o gaguejante têm que ser expostos, pois para Zaratustra nenhum indivíduo,<br />
nenhuma cultura, podem problematizar a si mesmos se não souber enfrentar a sua<br />
própria miséria. Vê-se que o declínio ensina dois movimentos significativos, que se<br />
configuram conjuntamente: um é o desamor, a ruína, e outro, a travessia, a passagem.<br />
A vida se sacrifica porque visa à superação, pois é aniquilando que se pode criar.<br />
Assim, o lado trágico da vida não pode ser encoberto, ao contrário, deve ser afirmado,<br />
pois é através dele que se pode compreender o ponto diverso da constituição humana.<br />
Dessa forma, o mundo pode parecer aberto, para que ele possa ser interpretado e<br />
percorrido. Tem-se que desaprender os esquemas que foram inculcados e impostos a<br />
todos nós.<br />
Desse modo, o personagem central insere uma outra dinâmica a respeito da<br />
formação, esta não pode se contentar com as coisas menores, mas nem por isso deve<br />
desviar-se delas, pois elas devem ser o móvel de exigência para que o indivíduo faça<br />
a sua ultrapassagem, inclusive do que há de pequeno em si mesmo. É por isso que<br />
Zaratustra coloca a importância de sentir o desprezo para que se possa alcançar o<br />
verdadeiro sentido do declínio.<br />
O aprendizado Zaratustriano nos leva a pensar, a colocar a vida em outra<br />
configuração, pois, sobretudo o lado noturno da vida é que pode ser o ponto constitutivo<br />
de um outro cenário para si mesmo. É destacando o que há de sombrio que o homem<br />
pode avançar sobre o seu cansaço. Com o declínio desafia a mediocridade, pois, sem<br />
negar o nojo, a alma deve caminhar pela infelicidade, sentir a agonia, mas também<br />
descobrir o prazer da alegria. É dessa maneira que a passagem é uma abertura<br />
formativa, que dá ao personagem a possibilidade de configurar para si hábitos<br />
diferenciados. O aprendizado que visa ser demonstrado no declínio é que a sede pela<br />
embriaguez da vida, a profusão de conflitos, as necessidades, a procura por ruídos e<br />
ruínas podem levar o indivíduo a dizer sempre mais do que antes, porque o segredo de<br />
toda grandeza está mesmo em saber conviver com o perigo. Há, portanto, um contramodelo<br />
formativo: se a formação comum quer a solidez, desviar-se do horror, quer<br />
configurar certezas, por outro lado o homem torna-se cada vez mais distinto da<br />
contradição, do ocaso, da insegurança e do fracasso, tornando-se um indivíduo<br />
fragilizado. Deste modo, a idéia de formação posta pelo prólogo não pretende levar<br />
________________________________<br />
6 Verificar a tese de Alexandre Belfort Silveira Alves da Silva O saber do Declínio: A filosofia de Nietzsche à luz de Zaratustra. Tese<br />
(Doutorado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1996.<br />
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ninguém à conformidade. Mesmo se há idéias que mobilizem a superação, isto não<br />
quer dizer que se queira fixar uma natureza, pois o próprio sentido de superação não<br />
está aprisionado em si mesmo. A superação é movimento pelo qual o homem é capaz<br />
de superar o que está aí, o que parece fixado; é dessa forma que se pode fomentar a<br />
idéia de uma Bildung para além da formação solidificada, perenizada em normas, leis<br />
e deveres já pré-estabelecidos e fora daquele que o constrói.<br />
É com a alma que saiba conviver com a dor e com a alegria, com o adverso da<br />
vida, que Zaratustra fala da metáfora da taça que quer transbordar (überfliessen) e<br />
esvaziar 7 , destacando tanto o sentido de abundância (positivo, afirmativo), como o da<br />
perda (negação). Esses elementos não podem ser deixados em segundo plano, visto<br />
que ambos são importantes para a constituição. Zaratustra pontua seu aspecto formativo<br />
a partir de um lado da vida, que parece não ser visto, ou seja, destaca a sujeira e a<br />
limpeza, a fim de mostrar para o homem moderno que ele ainda não é capaz de<br />
entender o que seja realmente a profundidade. Não é à toa que ele reivindica para si<br />
mesmo a necessidade de favorecer, em nome da nobreza, a sua determinação, ou<br />
melhor, a sua constituição.<br />
Todo o percurso de Zaratustra não deixa de ser visto como necessário para um<br />
diálogo profundo e revelador para o homem com quem está pontuando, trocando e<br />
vivenciado as suas perspectivas de valores, de vida, dando para si mesmo uma<br />
radicalidade de expressão e comunicação. Nesse processo, mesmo Zaratustra tendo<br />
certa segurança da sua própria conduta, não deixa de perguntar para si mesmo: como<br />
conviver com os homens sem se perder? Ou refazendo a pergunta: como conviver<br />
também com tipo de cultura dos modernos, sem se perder? Há um certo receio a<br />
respeito de sua descida? Mas este será o seu desafio, já que entende que o homem<br />
que pretende ver o abismo deve ter forças para ver o abismo de si mesmo. E decide<br />
que quer doar um presente para os homens, mas tal doação não vem por esmola. Ora,<br />
mas o que leva Zaratustra a querer estar entre os homens, quando anteriormente isto<br />
pode ter sido o motivo de seu afastamento? O que o faz sentir a necessidade de mãos<br />
estendidas? O que o faz querer doar? O que está em excesso? Isso nos leva a pensar<br />
que a educação de Zaratustra insiste na necessidade de que o homem aprenda a amar<br />
mesmo aquilo que parece sujo, só dessa forma pode construir uma excelência. É por<br />
isso que a sua idéia de ensinar está ligada àquilo que está excedendo. Então, nos<br />
inspira a pensar: se o ensinar tem o seu sentido a partir do excesso, é porque aquele<br />
que se põe como educador, ou mesmo que se põe a trocar experiências, antes de tudo<br />
deve ser educado, cultivado, para favorecer inspirações, para que seja capaz de instigar<br />
o bom gosto, a grandeza, a exuberância, e, especialmente, para si mesmo, como fora<br />
dito no capítulo anterior.<br />
A Bildung Zaratustriana do prólogo foge a qualquer tipo de formação para o<br />
rebanho; é por isso que ele inspira a necessária atividade de se sujar as mãos, o corpo,<br />
tornando-se limpo também pela pobreza, naquilo que é feio, pois é assim que a vida se<br />
________________________________<br />
7 Nesta metáfora pode-se ver a noção de oposição e até mesmo de contradição, elementos que são pertinentes ao movimento, ao vira-ser,<br />
ou mesmo à procura para mudar, afirmar novas configurações, que é o que Zaratustra quer. Portanto, a taça que quer transbordar<br />
leva-nos a pensar numa atividade de afirmação ativa, e a taça que quer esvaziar a uma atividade negativa. Por isso, Zaratustra oferece<br />
a imagem desta tensão, pois é com ela que ele vai pontuando seu aprendizado, seu processo de formação.<br />
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quer. É na junção da beleza e do horror que o homem pode sentir ainda caos em si<br />
mesmo.<br />
O formativo de Zaratustra procura destacar a presença de um auto-entendimento,<br />
que precisa, sim, da presença do outro (pois mesmo na montanha, Zaratustra não<br />
estava só, encontra-se em companhia dos seus animais – a águia e a serpente 8 –, ele<br />
apenas naquele momento tinha certa dificuldade de estar entre os homens, o que não<br />
é indiferença e falta de sociabilidade), mas é exigente de certa dureza que se tem que<br />
impor para si mesmo, a autodisciplina, o enfrentamento dos seus próprios demônios e<br />
o saber conviver com certa solidão. Zaratustra é esse que carrega a si mesmo, não<br />
como um salvador dos homens, mas como um pensador que exige que a vida o atravesse<br />
em si mesmo, é como um trabalho de transversalidade, de tensionalidade e ebulição<br />
de que ele dispõe para enfrentar a sua própria dor e alegria. É como um pensamento<br />
visceral, que corta a si mesmo, que ele se pensa. É com o rigor que se pode avançar<br />
sobre as próprias fraquezas e vitórias. É por isso que Zaratustra foi para a montanha,<br />
há nele o desejo de aprender a desfazer, constituir, reconstituir, cortar sentidos, sobretudo<br />
para fortalecer outros. Fora do controle, da regra geral, que não prescreve mais, atua<br />
sobre o seu próprio efeito, pois não pretende ocupar nenhum lugar ao lado da verdade.<br />
A sua formação (o seu tornar-se o que se é) não pode ser vista a partir de uma força<br />
reguladora, que permita vê-lo a partir de um desenvolvimento integral de certas<br />
inclinações progressivas, não há algo que delimite o valor de sua existência, porque<br />
também não vive nem quer uma vida só sua. Ele caminha entre pinturas e máscaras,<br />
entre cortinas e fios, num pensar que se desloca diante da celebridade dos festejos<br />
trágicos, que se desdobram em experimentos de si mesmo.<br />
A sua perspectiva de formação incorpora o sentido de expatriado, por isso não<br />
se pode pensar o formativo em Nietzsche/Zaratustra pensando em uma unidade, em<br />
uma fixidade e muito menos em um progresso linear pessoal. Neste sentido é importante<br />
fazer de seu pensamento um confronto com a educação, visto que esta parece conviver<br />
ainda com um mundo absolutizado, conformado, matando o que pode haver de criativo<br />
no indivíduo.<br />
É exemplar a saída de Zaratustra de sua terra natal, apontando indícios para se<br />
entender que a formação não tem um lugar, um itinerário a ser seguido, e muito menos<br />
uma homogeneidade processual. Por isso, ele se mostra também inseguro, porque não<br />
há uma estrada, um caminho reto, estes são tortuosos, as veredas são entrincheiradas,<br />
o que nos leva a pensar que a formação passa por uma viagem, que tem que ser<br />
inventada e não descoberta, indo efetivamente de encontro ao tipo de formação<br />
regularizada, que mantém uma organicidade processual, que acredita que possa retirar<br />
do indivíduo, pôr para fora um "eu" determinado.<br />
Se a educação passa pelo modelamento (porque o homem tem que aceitar sujar<br />
________________________________<br />
8 Sobre a águia e a serpente, há um texto interessante de David S. Thatcher. Neste texto ele procura justificar a importância que<br />
Nietzsche em "Za/ZA" confere ao mundo animal. Fazendo uma espécie de resgate da tradição, mostra o porquê da amizade do personagem<br />
central com esses dois animais e por que Nietzsche, ao referenciar a águia e a serpente como amigas, reverte numa saída da própria<br />
tradição. (Cf: THATCHER, S. David. Eagle and Serpent in Zarathustra. In: Nietzsche-Studien. Internationales Jahrbuch für die<br />
Nietzsche - Forschung Heuausgegeben von Mazzino Montinari: W. Müller-Lauter, Heinz Wenzel. Band 6. Berlin/New York: Walter<br />
de Gruyter, 1977). É interessante notar que Zaratustra classifica a serpente como sendo a sua prudência e a águia a sua avidez (Za/ZA.<br />
Prólogo § 10).<br />
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as mãos na sujeira do mundo e da vida, ele precisa absorver determinados costumes),<br />
por outro lado, é pela constituição do exercício da resistência, da quebra com o que lhe<br />
foi inculcado, que dá voz à sua palavra. Por isso foi para a montanha, para pensar<br />
sobre si mesmo, sobre seus valores e os valores instituídos. É de fundamental<br />
importância na educação do prólogo que o indivíduo deva tomar para si o seu<br />
direcionamento, sob pena de ser sucumbido. Se em algum momento Zaratustra carregou<br />
(e não se esquiva de carregar) o fardo, foi para ser e saber ser um destruidor e dar<br />
significado à sua fala e à sua palavra. É sem dúvida na sua formação que ele pode<br />
efetivamente nos educar, não como alguém que se impõe como educador, mas é a sua<br />
escritura que o leva a ser quando se lança ao movimento de tornar-se a si mesmo.<br />
Então pergunta-se: no prólogo Zaratustra se mostra com um ar professoral?<br />
Não, como diz Scarlett Marton: “as posições que avança tampouco se baseiam em<br />
argumentos ou razões; assentam-se em vivências. (...) Recusando teorias e doutrinas,<br />
rejeitando a erudição, ele sempre apela para sua experiência singular” (MARTON,<br />
S., 2001, p. 29). Antes, as suas lições são para si mesmo. Por isso, não é como um<br />
condutor de alguém que obtém a verdade, mas como um provocador, que conta a sua<br />
própria história diante do experimento de outras histórias, porque ele fala da história<br />
das idéias, da cultura. É assim que ele se mostra, e como tal quer fazer o declínio para<br />
ensinar aos homens o sentido do seu ser. Zaratustra sem nenhum ar professoral nos<br />
mostra a imagem da generosidade do pensamento, de alguém que visa doar um presente,<br />
que quer trazer um brinde e não imposições, dogmas ou verdades a ser ensinadas.<br />
Mas como fazer esse comunicado aos homens? De que forma pode fazer o seu<br />
anúncio?<br />
Sem apresentar nenhuma náusea, ele desce da sua montanha e depara com<br />
uma das figuras do declínio: o velho eremita que deixara a sua choupana para ir à<br />
procura de raízes no mato. O velho eremita diz que Zaratustra não é desconhecido,<br />
que já o vira passar por lá antes, mas que agora está transformado, o que leva a dizer<br />
que a afirmação criadora se mostra na figura do próprio Zaratustra:<br />
Zaratustra está transformado, Zaratustra tornou-se criança,<br />
Zaratustra despertou; que pretendes, agora, entre os que<br />
dormem? Vivias na solidão, como num mar e o mar te<br />
transportava. A de ti, queres ir a terra? A de ti, queres<br />
novamente arrastar tu mesmo o teu corpo? (NIETSZCHE, F.<br />
Za/ZA, 2002, Prólogo § 2).<br />
Zaratustra respondeu que quer ir até os homens, pois: “Ama os homens”<br />
(NIETSZCHE, F. 2002, Prólogo § 2). Sem ressentimento ou culpa, não quer esconderse<br />
atrás da máscara divina, mas antes pretende enfrentar o rosto do homem. Dessa<br />
maneira, o velho eremita testemunha tal vontade criadora; se outrora ele vira um<br />
corpo debilitado pela negatividade, que simbolizava a tristeza, hoje, notoriamente, ele<br />
está iluminado. Mas, o eremita previne o Zaratustra do que seja estar entre os homens,<br />
parece querer assustá-lo; no entanto, ao fazer isso, mostra o rosto do ressentimento e<br />
do pessimismo perante a vida e o homem. Por isso, ao contrário de Zaratustra, o<br />
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eremita quer o afastamento dos homens porque ele ama a Deus: “não amo os homens.<br />
O homem é para mim coisa por demais imperfeita. O amor aos homens me mataria”<br />
(NIETSZCHE, F. Za/ZA, 2002, Prólogo § 2). No final deste diálogo de Zaratustra<br />
com o eremita é apresentado o tema da morte de Deus, e Zaratustra percebe que o<br />
eremita ainda não se deu conta deste acontecimento e talvez não queira roubar-lhe a<br />
fé pela qual construiu a sua vida, do mesmo modo que o eremita jamais saberá qual a<br />
perspectiva formativa que virá depois. Portanto, as experiências fundamentais para o<br />
criador lhe são retiradas, como o desprezo e o nojo. O eremita jamais saberá o que<br />
pode ter de grande porque "recusa" saber que o declínio traz um novo sentido. Por<br />
tudo isso, Zaratustra não deixa de amar os homens, porque de alguma forma ele sabe<br />
que esse amor é que pode abrir um novo sentido trágico para a criação. Por polidez<br />
ele não revela ao eremita que Deus está morto e talvez por compreender que ele não<br />
é homem para ser enfrentado.<br />
Desse modo, a experiência do declínio também demanda compreender o<br />
sentido da morte de Deus, já que esta emite um outro tipo de constituição. Um dos<br />
significados da morte de Deus pode ser visualizado como a própria imagem da<br />
"mudança", que permite conduzir o pensamento para a necessidade de substituir os<br />
valores vigentes, que sedimentam os valores éticos e morais da cultura ocidental.<br />
Zaratustra efetivamente sabe disso. Há, portanto, urgência de "explodir" a noção de<br />
homem como criatura e de Deus como criador, pois é deixando de ver o mundo como<br />
transcendente que a noção de valor-avaliação pode ser introduzida. É a partir de um<br />
contra-movimento que os procedimentos tradicionais podem ser alterados. Esta é a<br />
sua inclinação. A morte de Deus aponta para a abertura de múltiplas entradas e<br />
possibilidades, pois agora é dada ao homem a possibilidade de criar. E é por isso que<br />
Nietzsche adota a razão como um regulamento destrutivo. Como diz Giorgio Colli:<br />
“Nietzsche adota regularmente a razão como arma destrutiva, e a dirige contra os<br />
credos, as opiniões, contra os dogmas” (COLLI, G., 1978, p. 61).<br />
A morte de Deus reivindica uma supressão do além, da crença no mundo<br />
extraterreno, e todas as garantias ficam sem fundamentos. Se, para Nietzsche, o<br />
dualismo é um traço característico de nossa cultura, ele carrega consigo um princípio<br />
moral: de um lado o reino divino, e do outro o terreno. Dessa forma, não só o mundo<br />
é depreciado, mas o próprio homem e a sua vida são degenerados pela culpabilidade<br />
e pelo ressentimento. Ele não só percebe a vigência da moral compassiva, mas constata<br />
que na prática ela é efetivada. A sua crítica à dualidade é porque este pensar impõe<br />
como necessária a formação da docilidade, da piedade, da caridade, bem como<br />
encaminha a vida e o mundo para uma sistematização, uma espécie de necessidade<br />
para fixar e ordenar, que, para ele, são nocivas à formação do homem, incapacitandoo<br />
para enfrentar a vida na dinamicidade. O ensino-aprendizado de Zaratustra não<br />
pode ser visto fora desse diálogo fecundo com a tradição.<br />
Zaratustra, com a morte de Deus, quer revelar que não existem mais valores<br />
universais, pois o solo que os sustentava está morto; todas as garantias para a ordem<br />
da vida e do mundo, a partir da ótica metafísica, foram quebradas, perderam todos os<br />
sentidos, mostrando o rosto do nada querer, o nojo pela própria vida, a face do niilismo.<br />
Por outro lado, é com o reconhecimento de que Deus morreu que o homem pode<br />
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exercer sua liberdade, sua criação, sua afirmação de novos valores, é neste sentido<br />
que ele pode voltar-se para si mesmo. Portanto, essa passagem é bastante ilustrativa<br />
para a idéia de criação. Zaratustra quer dizer que não existe nenhuma autoridade<br />
externa que possa nos conduzir. Assim, não é mais possível pensar a formação a<br />
partir da finalidade, da lógica das certezas e verdades, antes o aprendizado deve<br />
mergulhar na "unidade" da multiplicidade. "O tornar-se o que se é" não tem uma<br />
realidade a ser esperada, ou um ideal a ser seguido.<br />
Sobretudo, Zaratustra quer denunciar e alertar que se está sob a condição da<br />
vontade reativa, essa vontade niilista, que deseja o nada. Mas isso nos leva a indagar<br />
a partir de um olhar nietzscheano: Quem deseja conservar tal vontade? Quais as suas<br />
forças? Como se constitui o homem inserido neste patamar cultural? O que ele pretende<br />
afirmar ou negar? O que deseja essa cultura que visa, acima de tudo, degenerar? Ou<br />
mesmo o que faz com que os débeis possam contaminar os fortes? Nietzsche sabe, de<br />
certa forma, que foi grande a empreitada de tal declínio, de tal enfraquecimento. A<br />
decadência se põe como educação, como uma pedagogia minguante, da doença, e ela<br />
é tão poderosa porque soube escamotear-se em melhoramento. Ela se impõe como<br />
dominação em todos os campos, inclusive na questão social e econômica. A decadência<br />
se infiltra em todos os patamares da vida do homem, e Nietzsche se preocupa<br />
efetivamente com esta questão, pois com ela o indivíduo torna-se domesticado e,<br />
sobretudo, manejável.<br />
Todo o diálogo de Zaratustra não deixa de ser uma luta contra o seu presente,<br />
contra a cultura do seu tempo. Mas Zaratustra quer ensinar a maneira afirmativa de<br />
viver e é por isso que ele anuncia o além-do-homem, que acima de tudo quer criar e se<br />
alinhar pela criação, que deve impor um novo querer, e ao mesmo tempo denunciar o<br />
pessimismo configurado com o niilismo reativo. Por isso, Zaratustra ama os homens,<br />
ao contrário do velho eremita que devota o seu amor a Deus, apostando que só o<br />
homem, no exercício da criação, da imaginação, pode libertar a si mesmo do suposto<br />
paraíso, e fincar seus pés na terra, por meio da atividade esclarecedora e criadora.<br />
Mas no prólogo a morte de Deus ainda é ignorada pelos homens, que parecem imersos<br />
no mundo da tradição valorativa.<br />
SOBRE O ALÉM-DO-HOMEM E O ÚLTIMO-HOMEM: PARA UMA LEITURA<br />
FORMATIVA<br />
Impulsionado pelo seu amor ao homem, o além-do-homem, sem sombra de dúvida,<br />
está ligado ao projeto de transvaloração de todos os valores. Neste propósito, Zaratustra<br />
desce da montanha, chega à cidade mais próxima e dirige-se ao povo, reunido na<br />
praça do mercado, se mostrando como um presenteador, alguém que leva um brinde,<br />
expondo, assim, a sua abertura perante o outro. Pode-se dizer que aqui há a outra<br />
aparição do rosto do declínio, bem como um eixo fundamental de experiência sofrida<br />
pelo personagem que desencadeará outros significados diante da sua formação e do<br />
seu aprendizado. Segundo Scarlett Marton (2001) ele procura introduzir uma estratégia<br />
de comunicação: diz que o além-do-homem está por vir: “eu vos ensino o além-dohomem.<br />
O homem é algo que deve ser superado. O que fizestes para superá-lo?”<br />
(NIETZSCHE, F. Za/ZA, 2002, Prólogo § 3). Ele é o sentido da terra, não seria então<br />
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o ser que Zaratustra coloca acima, já demarcando que a sua comunicação vislumbra<br />
a criação, a avaliação humana, demasiadamente humana.<br />
Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra e não<br />
acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas! São<br />
envenenadores, que os saibam ou não. São desprezadores da<br />
vida, são moribundos e eles estão, também, envenenados, a<br />
terra está cansada deles: que desapareçam! (NIETZSCHE, F.<br />
Za/ZA, 2002, Prólogo § 3).<br />
Tudo isso foi recebido com desprezo e zombaria. Zaratustra tenta mostrar para<br />
o povo a que condições de embuste ele está submetido, como a negatividade se impôs<br />
e debilita todo o poder criador do indivíduo. Assim, de forma quase insistente, pede o<br />
sentido da terra, ao mesmo tempo em que procura denunciar os envenenadores, os<br />
moribundos, os desprezadores da vida. Logo mais, tenta mostrar para o povo que: “O<br />
homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem, uma corda sobre<br />
o abismo (...) O que é grande, no homem, é ser ponte e não uma meta: o que pode<br />
amar-se no homem, é ser uma transição e um ocaso” (NIETSZCHE, F. Za/ZA, 2002,<br />
Prólogo § 3). Ele quer demarcar que o além-do-homem é uma disposição para oposição<br />
ao homem moderno, aos homens bons, cristãos e outros niilistas (NIETZSCHE, F.<br />
EH/ EH. Por que escrevo livros tão bons, §1), uma disposição para um novo pensar,<br />
ou seja, para a necessidade de se perguntar sobre o próprio homem, quem ele é e qual<br />
o seu sentido, não como uma essência autêntica do homem. O sentido da terra é o seu<br />
grande desafio para o homem. Retirando desde já qualquer noção metafísica e religiosa<br />
sobre a compreensão de homem, ele vem confrontar a grande náusea com a<br />
necessidade de afirmar novos valores, ou seja, ele se mostra como uma analogia que<br />
vem destacar a grande miséria, a sujeira de toda cultura e aqueles que a produzem,<br />
mas, por outro lado, ele é o rosto do luxo e da grandeza humana. Sua grandeza está<br />
em ser uma corda estendida, ele é a ponte entre a besta humana e o além-do-homem.<br />
O que é rico e digno de amor é exatamente não se colocar como um fim, uma fixidade,<br />
mas uma travessia, uma transição, por isso longe da conservação ele é um abismo,<br />
uma vida em construção, em disposição, não um progresso a ser alcançado. O alémdo-homem<br />
seria o tipo homem liberto das crenças, dos conceitos fixados, das verdades,<br />
dos dogmas, dos valores absolutos, capaz de compreender que a moral, a ciência, não<br />
passam de questões envolvidas por interesses e não podem ser vistas apartadas desses.<br />
Ele não pode ser compreendido como natureza humana. Mas ele é só um sentido,<br />
o sentido do ser do homem, do ser da terra, ou seja, é visto como uma exigência<br />
e não como uma realidade. Ele é tão somente um homem livre, que não vê mais<br />
valores absolutos e crenças determinadas. Ao contrário, a sociedade, a cultura,<br />
são vistas desmascaradas, dentro delas há organizações que giram em torno de<br />
normas, de leis, de deveres, de direitos, dos quais emanam uma diversidade de<br />
interesses. O além-do-homem não deixa de ser uma viabilidade de crítica e de<br />
denúncia, que Nietzsche utiliza para fazer o seu desmascaramento, a sua crítica,<br />
mostrando a insuficiência da cultura do seu tempo.<br />
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Apresenta o homem como alguém que está caminhando, não como um fim em<br />
si. O seu grande valor está em saber atravessar o abismo de si mesmo. Portanto, o<br />
que deve ser superado é o homem sobre o homem, o obstáculo não é outro, mas ele<br />
mesmo. Neste contexto, do ponto de vista formativo, Zaratustra nos inspira uma imagem<br />
educativa oferecida pela figura do além-do-homem, que é de fundamental importância<br />
para a educação, no sentido de que pode levá-la a repensar a própria noção de homem<br />
de que a educação tanto fala. Nietzsche/Zaratustra vê o homem não como uma<br />
essência, como algo imutável, como quer a educação tradicional humanista, que parece<br />
já criar uma imagem fixa e dada do homem, pela qual a educação tem que expor para<br />
fora, tem que retirar, tem que conduzir. Do mesmo modo a educação pragmática, pela<br />
necessidade de ser útil ao sistema, quer moldar, enquadrar, dar forma, instrumentalizar<br />
o indivíduo, o que leva a negligenciar todas as possibilidades de criação e de superação.<br />
Há na vida moderna um discurso a favor da criatividade, mas por trás de tudo isso se<br />
tem um indivíduo rude, menor, emaranhado pela engrenagem do sistema, onde tudo<br />
parece igual, e neste sentido até a intelectualidade é atrofiada. Em favor disto, o<br />
homem torna-se coisificado.<br />
O sentido humano que a referida imagem coloca é de um tipo que está em<br />
formação constante, não tem um fim em si mesmo, não está acabado. O valor do<br />
homem está exatamente em ele ter essa capacidade de superação e de travessia.<br />
Portanto, o homem não é uma criatura semelhante a Deus e, por outro lado, não tem<br />
um "eu" acabado, esperando por alguém que o desperte; o humano é muito mais do<br />
que tudo isso que o classifica. Estas visões devem ser derrubadas, questionadas já<br />
que são efetivamente nocivas para se perceber o homem enraizado na terra. Pensar<br />
o homem a partir do olhar nietzscheano é percebê-lo como criador e avaliador.<br />
A defesa formativa, que inspira essa imagem, é de uma educação para a<br />
superação, que exprime uma corporeidade elegante, rigorosa em imaginação, que<br />
esteja para além dos limites, que não esteja condicionada e se deixa levar pela facilidade,<br />
mas um tipo que saiba exercitar o esquecimento como força plástica curativa. Ele é<br />
esse tipo que desafia o peso. Por isso, a sua imagem representa um estado de leveza.<br />
Mas o seu trabalho não é fácil, diante de uma vida que perdeu a poesia, a paixão. Essa<br />
é uma das perspectivas mais difíceis de se realizar e talvez não se realize. O homem,<br />
apresenta Zaratustra, deve superar o que está debilitado em si, o embuste cultural<br />
pelo qual lhe foram impostos tanto os valores da tradição, como o ritmo da produção<br />
e do consumo. É essa a grande insistência de Zaratustra, este é o seu labor. Porém, é<br />
bom lembrar que o sentido da superação não pode ser visto como processo evolutivo,<br />
como algo que sai da menoridade para a maioridade. Não é uma meta, uma finalidade,<br />
também não tem o sentido de superar uma raça superior. Mas há aqui um impasse por<br />
parte do além-do-homem de Nietzsche, pois ele não apresenta no texto de Zaratustra<br />
desenvolvimento satisfatório de explicitação por parte do autor. Vale ressaltar também<br />
que a superação do homem não pode ser compreendida sob o olhar da metafísica<br />
dualista, como a substituição do corpo pela alma, por exemplo, pois não é um espírito,<br />
e não pode ser compreendido como uma espécie humana superior. Ele é entendido<br />
como aquele que recusa o extraterreno e afirma a terra e a vida como elas são, ele é<br />
essa vontade de afirmar, de construir, de transvalorar, procurando um outro tipo de<br />
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azão. Por isso é que se entende que o além-do-homem define o "sentido a terra"<br />
como uma crítica corrosiva às compressões metafísicas e religiosas do homem.<br />
Sendo, então, o sentido da própria existência humana, ele é a busca de superar o<br />
nada querer, o niilismo deixado pela morte de Deus, pois o homem, que sentiu as<br />
profundezas da decadência, só tem sentido se souber inventar. Mas Zaratustra mostra<br />
uma tensão: o sentido da existência se dá somente com a criação do além-do-homem?<br />
Ele é o único caminho? É bom notar que Zaratustra não fala do além-do-homem<br />
como alguém que possa escravizar e dominar os últimos homens. Antes estes são<br />
vistos como tipos. De toda forma, o discurso de Zaratustra ao povo tem um teor<br />
extremamente provocativo, ele quer tocar na própria vontade, para despertá-la a se<br />
movimentar além do niilismo. Zaratustra deseja evocar ilustrativamente uma espécie<br />
de educação da vontade de afirmação e criação com essa figura, que seja capaz de<br />
despertar o homem da banalidade, da irresponsabilidade e da diversão, buscando uma<br />
profunda responsabilidade formativa de um esforço que a humanidade deve pensar<br />
para além do imediato, pois requer a intensificação do próprio existir, da sua própria<br />
direção. A alegoria dessa figura pode ser entendida como um pensamento que seja<br />
suficientemente forte, capaz de fazer a leitura de um mundo empoeirado, envernizado<br />
pela superficialidade. Ele é essa manifestação, essa força que sugere ao homem a<br />
possibilidade de reverter a desordem à qual a racionalidade e a tecnificação moderna<br />
chegaram a levar o indivíduo.<br />
Dele emana acima de tudo a coragem de o homem dispor da sua própria lei,<br />
submeter-se ao seu próprio comando, o que logicamente é muito difícil diante de um<br />
mundo que perdeu a subjetividade, e é vigorado pela lei da mesmice. O homem parece<br />
estar diluído, há nele, sobretudo, o espírito pacificador de um indivíduo resignado aos<br />
ditames do capitalismo e da lógica burguesa. De modo que a perspectiva formativa<br />
posta por esta figura vai de encontro à homogeneização do humano, ao seu<br />
aplanamento. Longe dos esquemas, das articulações menores, esta figura pretende<br />
romper com os valores massificados para que a vida possa fazer sua superação. Seu<br />
mundo não pode querer estar preso a verdades ou dogmas, pois seu sentido é a<br />
superação. Portanto, o exercício educativo, que permite essa imagem, articula-se a<br />
partir de uma "transmutação" de todos os valores vigentes.<br />
O homem nivelado, agora, deve tornar-se apenas uma pré-condição para que o<br />
tipo maior e inventor possa aparecer. É na insistência de evidenciar essa vida barata<br />
que o justificador pode emergir. Esse talvez seja um dos grandes desafios para a<br />
filosofia da educação, pensar e refletir sobre que tipo de filosofia pode ser apropriada<br />
diante de um mundo que tornou tudo menor, e em que o homem, a vida, parecem bem<br />
mais adaptados e convertidos à cultura do rebanho.<br />
É necessário denunciar o contentamento visto na praça do mercado. Essa é a<br />
tarefa formativa que Zaratustra insiste em mostrar para aqueles homens que ainda<br />
podem ouvir, este é um dos ensinamentos que ele expõe na praça. Por isso, quer<br />
tocar no orgulho, na virtude e no próprio desprezo, pois talvez o temor de se ver<br />
diluído, enfraquecido, possa promover a vontade de afirmação de outras tábuas. Mas<br />
Zaratustra fora tratado com escárnio pelo povo do mercado, suas palavras não tiveram<br />
importância. Assim, disse para seu coração: “não me compreenderam, não sou a boca<br />
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para esses ouvidos” (NIETSZCHE, F. Za/ZA. 2002, Prólogo, § 5). Ele só estava<br />
convidando-os para tornarem-se criadores. Então diz: “Vou, portanto, falar-lhes do<br />
que há de mais desprezível: ou seja, do último-homem” (NIETSZCHE, F. Za/ZA.<br />
2002, Prólogo, § 5), do amor do último homem, e do perigo deste:<br />
Que é amor? Que é criação? Que é nostalgia? Que é estrela?<br />
Assim pergunta o último-homem, e pisca os olhos. A terra se<br />
tornou pequena então, e sobre ela saltita o último-homem,<br />
que torna tudo pequeno. Sua estirpe é indestrutível, como a<br />
pulga; o último-homem é o que mais tempo vive. "Nós<br />
inventamos a felicidade", dizem os últimos-homens, e piscam<br />
os olhos. Abandonaram as regiões onde é duro viver, pois a<br />
gente precisa de calor. A gente, inclusive, ama o vizinho e se<br />
esfrega nele, pois a gente precisa de calor. Adoecer e<br />
desconfiar, consideram-no perigoso: a gente caminha com<br />
cuidado. Louco é quem continua tropeçando com pedras! E<br />
com homens! Um pouco de veneno, de vez em quando, produz<br />
sonhos agradáveis. E muito veneno, por fim, para ter uma<br />
morte agradável. A gente continua trabalhando, pois o<br />
trabalho é um entretenimento. Evitamos, porém, que o<br />
entretenimento canse. Já não nos tornamos nem pobres, nem<br />
ricos: as duas coisas são demasiado molestas. Quem ainda<br />
quer governar? Quem ainda quer obedecer? Ambas as coisas<br />
são demasiado molestas. Nenhum pastor e um só rebanho!<br />
Todos querem o mesmo, todos são iguais: quem sente de outra<br />
maneira segue voluntariamente para o manicômio (...)<br />
(GIACOIA JUNIOR, O. 2001, p 16).<br />
A figura do último-homem mostra uma humanidade que não tem grandeza, não<br />
há caos dentro de si, tudo se encaminha para a tranqüilidade e harmonia. Este não<br />
sabe o que é criação, o que é amor. Condenado à mediocridade, torna-se igual e<br />
uniforme. Isso faz parte de uma cultura minguante, que põe o homem como massa de<br />
manobra em todos os sentidos da vida, portanto tal figura é pobre, obediente,<br />
contentando-se com pequenas coisas. Tal figura pode ser vista como ameaça para o<br />
surgimento de todo tipo elevado. E essa ameaça não passa do resultado representado<br />
pela noção do esclarecimento, do racionalismo, da tecnificação da vida e do indivíduo,<br />
da mecanização e até mesmo do atrofiamento da sensibilidade, o que leva a um<br />
paradoxo: ao mesmo tempo em que a modernidade nos conduz para o avanço da<br />
técnica, da ciência e do esclarecimento, ela desemboca num sutil reverso do próprio<br />
homem, levando-o ao seu declínio e empobrecimento. Por isso, a noção de progresso,<br />
dada pelo trabalho da razão, do cultivo da ciência, se volta, por outro lado, para o<br />
homem, com todo o seu teor de perversidade e aniquilamento de todas as suas<br />
possibilidades criativas. Nietzsche quer dizer, neste contexto, que parece que o homem<br />
só faz se auto-conservar, pois é a dimensão instrumental, que demarcada na<br />
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acionalidade, pontua o ajuste entre meios e fins. A vida e o mundo foram também<br />
obscurecidos pelo esclarecimento, aos poucos se foi reduzindo a criatividade, a atividade<br />
reflexiva, e, ao mesmo tempo, ao indivíduo, paulatinamente inibido, restou apenas a<br />
possibilidade de viver de forma medíocre. Este, por outro lado, foi perdendo seu<br />
potencial de crescimento, de desenvolvimento, produzindo um corpo dócil, para usar<br />
um termo de Michel Foucault (1987), um corpo debilitado.<br />
Porém, este tem o máximo orgulho do seu saber, da sua cultura, exatamente o<br />
que lhe faz ofuscar os olhos, morder a língua e embotar seus ouvidos. Mas é este<br />
conhecimento que acha que o faz distinguir de pastores e cabras. Por isso, o últimohomem:<br />
(...) é caricatura satírica do ideal que animava a crença da<br />
modernidade Aufklärung: a convicção de que nas vicissitudes<br />
da história é preciso reconhecer a laboriosa e heróica<br />
peregrinação do gênero humano, na curva de um progresso<br />
infinito, em busca do fim último de sua existência: a<br />
consecução da felicidade e da bem aventurança sobre a terra,<br />
o advento glorioso do primado universal da razão e da justiça.<br />
Encontramos aqui, em versão resumida o tema comum do fim<br />
da história passada como realização da essência verdadeira<br />
da humanidade (GIACOIA JUNIOR, O., 2001, p. 15).<br />
O último-homem, agora senhor do espetáculo, perdeu toda a sua capacidade de<br />
ser sujeito para tornar-se mero objeto, sendo, portanto, o maior representante da<br />
racionalidade fria e mórbida. Estando imerso no interior de um mundo banalizado pela<br />
comercialização, não deixa marcas e experiências criativas, já que seus sentidos,<br />
consumidos pela superficialidade, perderam a cor e o colorido. O risco do últimohomem<br />
é a possibilidade de se atingir a fase mais terrível, que seria a vontade de nada,<br />
a ausência de todo amor e anseio que o homem possa ter.<br />
Caminhando pela multidão deixou de efetivar sua singularidade, para ser diluído<br />
pelo conforto e pelo prazer. Representante da felicidade e da justiça, indivíduo fascinado<br />
e deslumbrado pelo glamuor da venda e da compra, consumidor compulsivo, perde<br />
de vista o componente mais importante de sua vida: a conscientização. Portanto, podese<br />
inferir que o último homem não deixa de ser o efeito mais perverso daquilo que<br />
Adorno e Hokheimer (1985), na Dialética do Esclarecimento, denominaram de Indústria<br />
cultural.<br />
As preocupações nietzscheana atualizam a fundamental necessidade de se<br />
perceber o declínio que vem se constituindo no aspecto cultural e formativo do indivíduo<br />
e da extrema urgência de se repensar a educação para formação. Dessa forma,<br />
Nietzsche torna-se um denunciador da imagem bizarra daquele que se tornou portavoz<br />
do contentamento e de tudo aquilo que se chama progresso e tecnologia. Expõe<br />
tudo isso para que o homem tome consciência das coisas à sua volta, para que possa<br />
anunciar um projeto de vida fora do esgotamento, da objetivação e da padronização.<br />
Não é à toa que ele procura colocar em cheque aquilo que é mais perverso, ou tudo<br />
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aquilo que ele mais preza - a cultura -, pois esta, em última instância, leva-o ao<br />
perecimento. Envolvido pela auto-satisfação, é incapaz de desprezar a si mesmo, pois<br />
está acabado e impotente. Sendo assim, representa o niilismo reativo, pois aceita:<br />
(...) a desertificação da vida, o esgotamento do caos, o<br />
congelamento da estrela, errando longe de todos os sóis. Ele<br />
dramatiza a ameaça niilista representada pela absolutização<br />
do desejo de manutenção e reprodução infinita de uma vida<br />
desprovida de tensões, contrastes, distâncias e conflitos - mas<br />
também despojada da grandeza de toda verdadeira<br />
personalidade. (GIACOIA JUNIOR, O., 2001, p. 17)<br />
Este homem negligencia todo aspecto trágico da existência como elemento vital<br />
para sua constituição. Dessa maneira, Zaratustra põe seu pensamento em outra ordem<br />
de interpretação daquela vigente, ou seja, fora da reificação e da normalização: o<br />
ponto de partida é a oposição sobre o modo histórico-cultural, que tem ressonância em<br />
todo modo de vida na sua atualidade. A grande questão é: como resgatar uma Bildung<br />
para o cultivo que efetiva uma grande razão que permita com que o indivíduo pense<br />
um projeto de autonomia? Tudo leva a crer que a formação caminha entre a tensão do<br />
que seja superar e aquilo que se produz na sociedade, há uma espécie de paradoxo no<br />
que demanda a perspectiva de formação, ao mesmo tempo em que se deseja um<br />
homem criador, por outro lado, os próprios ditames socioculturais levam para uma<br />
formação alienadora. Contudo, diferentemente da cultura e da educação dominantes,<br />
que utilizam muito bem o esvaziamento do homem em atitude e ação, produzindo<br />
somente homens sujeitados, pondo-os em extrema dependência, tornando-os<br />
verdadeiramente rebanhos, Zaratustra é exigente de uma reconstrução, é por isso que<br />
faz questão de mostrar a imagem do último-homem. O pensar Zaratustriano pede um<br />
corpo imanente, ao mesmo tempo em que grita pela urgência de novos valores. No<br />
entanto, isso não é partidário, nem muito menos uma religião a ser seguida e defendida.<br />
O pedido é por uma individualidade, um corpo que saiba mover-se para além do pequeno<br />
prazer, da compaixão, do culto a todos os ídolos. Neste sentido, a sua atividade do<br />
pensar se torna perigosa, desafiante, o que toda a cultura tende a negar. De fato,<br />
Zaratustra/Nietzsche exige uma transformação da cultura e da própria educação, o<br />
que leva a dizer que ele se torna um pensador da cultura.<br />
Por isso, a escola, as instituições de modo geral, são efetivamente dirigentes de<br />
uma mentalidade reativa. Por outro lado, os indivíduos conduzidos por elas não fazem<br />
nenhuma manifestação, aceitam ser manipulados, pois dentro de si não comportam<br />
nenhum grito de liberdade. O último-homem também foi configurado por essa educação<br />
e cultura dominantes de espírito pobre, que navegam a favor das grandes massas,<br />
que, por outro lado, desprezam a singularidade, pois o seu porto seguro é um moralismo<br />
escravo, dependente. Sendo a favor de uma educação medíocre, a cultura dominante<br />
reforça a obediência, a conformação. Tudo parece fora do que é próprio, o indivíduo<br />
não é incentivado a ver o mundo fora de ordem. Só se tem que seguir os gestos e as<br />
manifestações dos outros. A educação a serviço dos dominantes só pode reforçar<br />
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uma formação rasteira, o que leva o indivíduo a ficar preso aos seus ditames, não<br />
podendo pensar sobre a sua própria vida, pois a sua formação não permite tal reflexão.<br />
Cada vez mais, está sob a ameaça desse homem danificado, pois, se hoje a escola é<br />
mais democratizada, isto se dá numa época de indiferença e pobreza. A educação tem<br />
se tornado o espaço maior da má-formação, pois incentiva a uniformização, o<br />
congelamento da vida, a compartimentalização de saberes, a moralização da educação.<br />
Portanto, pode-se efetivamente perceber que o último homem não deixa de ser o<br />
exemplo mais típico da mais aberrante figura que a sociedade massificada e irracional<br />
tende a configurar e que Zaratustra vê na praça do mercado.<br />
Dessa forma, em que medida, neste caso, a formação pode contribuir para<br />
emancipar homens criadores, afirmadores, capazes de exercer o caos em suas vidas<br />
para poder criar? É certo que se vive em sociedade, e se tem que exercer alguns<br />
mandos, mas também se tem que exigir a subversão. Criar o caos dentro de cada um<br />
não quer dizer que se tem que fazer uma desorientação da vida. O que se quer é<br />
reverter aquilo que aprisiona o querer, que torna o homem sem mando de si mesmo,<br />
de modo que o homem deve produzir conflitos para poder criar. Contudo, a educação,<br />
a igreja e a política desejam, sobretudo, o consenso, a igualdade, a universalização das<br />
idéias, como se todos fossem iguais. A educação serve para configurar a forma, cada<br />
vez o último-homem, dando ao homem a resignação, a fala contida, o corpo curvado,<br />
em que aos poucos o indivíduo vai sendo podado em todas as suas possibilidades de<br />
criação, transformando-o em um mero repetidor de experiências alheias, negando o<br />
que seria a possibilidade de torná-lo mais nobre.<br />
Assim, como é possível libertar-se do que é imposto, para configurar uma criação,<br />
se quase sempre a educação se converte em doutrina, em repetição para além dos<br />
experimentos próprios? O homem é alinhado a métodos e a regras. Até que ponto esse<br />
tipo educativo pode ser de grande serventia para a emancipação? É contra esse mau<br />
gosto estabelecido, essa alimentação pesada, essa vida endurecida, esse desfavorecimento<br />
da vida, que Zaratustra nos alerta, e o seu discurso se atualiza, pois ele sabe que tudo<br />
caminha para aniquilar as possibilidades de experiência do indivíduo. Tudo isso nega a<br />
vontade, a força e todo querer de ação, e em seu lugar se colocam como grandes virtudes<br />
a caridade, a solidariedade, a negação de si em prol do outro, em prol da submissão. E,<br />
provavelmente, Nietzsche percebia isto. Ir de encontro a essa caricatura de formação é<br />
pensar sobre a própria formação, desfazendo-a para o tornar-se o que é. Somente<br />
aprendendo no desaprender dessa formação rasteira é que se pode arriscar a pensar<br />
sobre si mesmo como criador. Entrementes, Zaratustra nos mostra duas perspectivas<br />
formativas das quais podemos tirar proveito como leitores: ou se pensa uma educação<br />
para o homem superado, ou se continua aceitando uma educação para homem nivelado.<br />
Essa última já está instaurada e requer máxima urgência que seja colocada em destaque.<br />
Chega de escamoteá-la, já está passando da hora de reconhecer que esse tipo de educação<br />
só contribui para destruir o homem. A primeira é ainda um projeto, não se fez realizável,<br />
nem sabemos como fazê-lo. A sua relevância está em destacar a sua necessidade, a sua<br />
promessa. Nem sabemos se isso é possível. Mas não é como um pragmático que Zaratustra<br />
pensa, nem é esse o seu propósito. Assim, é no exercício poético do pensar que se pode<br />
fazer a resistência num mundo que parece ter perdido o gosto e o sabor.<br />
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Como se pode notar, nos discursos sobre o além-do-homem e o último homem<br />
na praça do mercado, Zaratustra realizou movimentos de ensino-aprendizagem<br />
significativos. O personagem entende que o seu ensinamento, naquele momento, não<br />
pode ser compreendido, os ouvidos do povo do mercado estão embotados. Ele aprende<br />
que deve selecionar seus leitores e decide não mais falar para o povo, é necessário<br />
discernir o público para conseqüentemente discernir a mensagem.<br />
O povo não será capaz de compreendê-lo, pois é incapaz de saber o que é<br />
grandeza, uma vez que está mais próximo do lodo, da bajulação, do entretenimento,<br />
vivendo sob o comando de um niilismo reativo e preguiçoso. Para esses homens do<br />
entretenimento não há significado nenhum na mensagem de superação, de travessia,<br />
de ultrapassagem, que Zaratustra argumenta. E como podem realmente ouvi-lo, se<br />
ainda não sabem o que é excelência? Pois o homem das letras, o erudito, não passa de<br />
um semiculto, de um filisteu e todo o seu saber não foi suficiente para superar o<br />
animal que ainda está escondido em si, da mesma forma que toda a sua vestimenta,<br />
seu esconderijo dado pela cultura, só faz torná-lo pequeno ao achar que a razão pode<br />
levá-lo ao topo do mundo. Esse homem é digno ainda de riso.<br />
Estes homens não têm descoberta, não têm necessidade de pensar, de trabalhar<br />
a criação, antes, são homens que mergulham no espetáculo e na alienação de suas<br />
próprias vidas, negando para si mesmos a possibilidade de se perceber diferentes, isso<br />
Zaratustra aprende. Contudo, é este pensar que os faz saltitar de um lado para o<br />
outro, sem objetivos, perdidos entre cores e máscaras, entre disfarces e crenças,<br />
entre demônios e deuses. Zaratustra reconhece que não soube fazer uma boa escolha.<br />
E entende que os homens do mercado estavam preocupados com a tagarelice, com a<br />
banalidade, com o conforto momentâneo, com os gestos rudes. E, por isso, se<br />
apresentavam de maneira arrogante e indiferente. Então, se no primeiro momento o<br />
seu ensino era para todos, no final do seu discurso ele se mostra mais seletivo.<br />
Zaratustra compreende que a tarefa de vencer o niilismo pode ser negada pelo<br />
bem-estar prometido, pelo prazer da diversão do mundo moderno. Porém, o fracasso<br />
de Zaratustra é um "aparente fracasso" ou um "fracasso parcial", já que a partir dele<br />
houve um aprendizado: ele aprende que o homem com quem estava dialogando ainda<br />
não está preparado para ouvi-lo e entendê-lo; o fenômeno da banalidade, os gestos<br />
vulgares, são algo marcado na cultura moderna e isso ele pretende evidenciar, pois<br />
este é um projeto de vida da cultura massificada. Essa figura pequena é um sintoma<br />
de total decadência, e, portanto, a tarefa educativa/cultural de nosso tempo se torna<br />
cada vez mais urgente, já que a degradação e a perspectiva desestruturante tomam<br />
conta de todos os ramos da vida, até mesmo no aspecto valorativo, moral e ético. No<br />
fundo, o maior fracasso foi dos homens do mercado, que não compreenderam sua<br />
comunicação, e não propriamente de Zaratustra. Com essa experiência com o povo<br />
do mercado Zaratustra também aprende que existe outro modo de compreensão de<br />
vida e que a sua interpretação não poderia ser entendida naquele momento, existia<br />
outra demanda de interesses, o que nos leva a entender que muitas vezes o professor<br />
impõe a sua verdade, a sua interpretação de mundo e negligencia outras interpretações.<br />
A comunicação foi fundamentalmente educativa, tanto para ele como para seus<br />
leitores, em um duplo movimento: no primeiro Zaratustra é educado pelo "fracasso"<br />
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de sua comunicação, que não foi em si um fracasso; no segundo ele nos educa porque<br />
nos leva a pensar sobre em que perspectiva o homem está inserido e em que medida<br />
quer avançar sobre si mesmo, ou seja, se quer ainda o rastejante, o liquidado em amor<br />
e paixão, ou se quer ter uma vontade justificadora. O sentido afetivo que traz o diálogo<br />
Zaratustriano é forte, desconcertante, apresenta o que ainda se vive, ao mesmo tempo<br />
em que mostra que o homem moderno deve assumir a sua autodeterminação. Há<br />
cada vez mais a necessidade de projetar um ser humano que possa estar preparado<br />
para uma tarefa de grande responsabilidade. O diálogo com o povo do mercado é<br />
formativo uma vez que Zaratustra entende que a sua comunicação está para além<br />
daquele homem do presente.<br />
Agora, no final do prólogo, não se mostra mais como um doador, um presenteador,<br />
mas como um denunciador, um crítico. Aprende que sua comunicação não é para<br />
aqueles homens de gestos vulgares, que estalam as línguas: “Demasiado tempo, decerto,<br />
vivi na montanha, por demais escutei os córregos e as árvores: falo com eles, agora,<br />
como os pastores de cabra” (NIETSZCHE, F. Za/ZA, 2002, Prólogo § 5). Ou seja,<br />
demarca a distância sobre o homem do seu tempo, mostrando que seu diálogo é<br />
extemporâneo. Contudo, reconhece que apesar de tudo sua alma está serena, embora<br />
o povo ache que ele é apenas um zombador. Mudado, pelo seu próprio experimento,<br />
dá-se conta de si e dos outros, e, portanto, educa-se, e, por outro lado, inspira aqueles<br />
com disposição para educar-se também. Depois de presenciar uma cena com o povo,<br />
aparece um saltimbanco que caminha sobre a corda que está entre duas torres,<br />
suspensa sobre a praça e o povo; no meio da corda vem um bufão exigindo que o<br />
saltimbanco saia do caminho, mas este se aproxima e pula por cima dele fazendo-o<br />
perder o equilíbrio. É exatamente perto de Zaratustra que o saltimbanco se "espatifa"<br />
no chão. Após este fato, todo o povo começa a sair da praça, mas Zaratustra não se<br />
move. Este será, então, o primeiro companheiro de Zaratustra, embora morto. Ao<br />
anoitecer, a praça do mercado fica envolta em uma grande escuridão, aí está a primeira<br />
escuridão por que passa o personagem central, mas Zaratustra permanece sentado, e<br />
sobre a noite vem um vento frio. Ele resolve levantar e diz:<br />
Em verdade, uma bela pescaria fez hoje Zaratustra! Não<br />
pescou nem um homem, mas um cadáver". Assombrosa é a<br />
existência humana e ainda sem qualquer sentido: um bufão<br />
pode tornar-se-lhe fatal. Quero ensinar aos homens o sentido<br />
do seu ser: que é o além-do-homem, o raio que surge da negra<br />
nuvem. Mas ainda estou longe deles e meu sentido não fala a<br />
seus sentidos (NIETSZCHE, F. Za/ZA, 2002, Prólogo § 7).<br />
A sua mensagem não é para aquele momento. Assim, toda a primeira parte é um<br />
presente que está no futuro. Nesta passagem é importante notar que, curiosamente,<br />
aquele cadáver, o homem morto, suscitou ao Zaratustra reflexão: dialogou com ele,<br />
fez meditações, pois ele disse muita coisa da condição humana. O cadáver é uma<br />
metáfora utilizada por Zaratustra para dizer que os homens com quem tentou dialogar,<br />
comunicar certa sabedoria, estão fechados em si mesmos, enclausurados em suas<br />
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concepções, estão efetivamente mortos para saber receber outras vivências, sentir<br />
outras experiências. Toda a sua tentativa para descrever e demonstrar uma existência<br />
liberta, que pudesse conduzir o homem para o seu próprio destino, não fora<br />
compreendida. Sendo assim, o cadáver é o homem que perdeu os sentidos, a<br />
sensibilidade, é o tipo acabado, incapacitado de fazer aberturas. Ele vai se dando<br />
conta da sua distância diante daqueles homens do mercado, que já estão fossilizados<br />
em seus saberes. Mas, no fundo, gostaria de dialogar com um homem aberto para a<br />
vida, porém eis que se abateu sobre ele um morto, o tipo moderno, que já não pensa,<br />
não quer discutir, não tem nenhuma tensão dentro de si, e assim mesmo é um cadáver.<br />
Mas põe o cadáver nas costas e começa a caminhar. Após poucos passos, um<br />
homem o cerca e murmura algo em seu ouvido. Quem fala é o bufão, que pede para<br />
Zaratustra deixar a cidade o mais depressa possível, pois são muitos os que o odeiam.<br />
“Odeiam-te os bons e justos, chamam-te de seu inimigo e desprezador; odeiam-te os<br />
crentes da verdadeira fé, e chamam-te o perigo da multidão” (NIETSZCHE, F. Za/<br />
ZA 2002, Prólogo § 8). Zaratustra percebe que seu discurso chegou a ser inoportuno,<br />
indesejado. Assim, o bufão se põe como aquele que representa o corpo do últimohomem.<br />
E, sob o cenário da diversão, onde o homem se encontra, Zaratustra encontra<br />
outra verdade. Ele demora, reflete, não se deixa ser sucumbido. Por isso, dorme e<br />
acorda sob a aurora. Admirado, olha a floresta, sente também o silêncio, e olha para si<br />
mesmo. Levanta depressa e vê uma nova verdade, ou seja, aprende que de<br />
companheiros ele precisa, mas não mortos, pois não são discípulos submissos, sem<br />
voz, sem fala, que ele quer:<br />
Uma luz raiou em mim: de companheiros, eu preciso, e vivos -<br />
não de companheiros mortos e cadáveres, que levo comigo<br />
aonde quero" (...) Companheiros, procuro o criador, e não<br />
cadáveres; nem, tampouco, rebanhos e crentes. Participantes<br />
na criação, procura o criador, que escrevam novos valores<br />
em novas tábuas (NIETSZCHE, F. Za/ZA, 2002, Prólogo § 9).<br />
Nesse contexto, Zaratustra reporta-se para o perfil do criador, deste ele pretende<br />
agora se tornar companheiro. Ou seja, longe da massa, daquele tipo uniforme, pois<br />
estes não podem ser seus discípulos. Zaratustra não é nenhum pastor e não quer ser<br />
nenhum rebanho. “Não pastor, devo ser, nem coveiro. Não quero mais, sequer, falar<br />
novamente ao povo; pela última vez, falei a um morto” (NIETZSCHE, F. Za/ZA,<br />
2002, Prólogo § 9), e diz ainda: “Participantes na criação, procura Zaratustra; que tem<br />
ele a ver com rebanhos, pastores e cadáveres!” (NIETZSCHE, F. Za/ZA, 2002,<br />
Prólogo § 9). O conteúdo formativo de Zaratustra é exemplar, pois aquele que pretende<br />
ser livre e senhor não pode também aprisionar, visto que este feito seria a sua própria<br />
prisão. Não quer companheiros mortos, mas vivos, que o sigam, porque antes de tudo<br />
deseja seguir a si mesmo. O seu aparente fracasso, ou o seu fracasso parcial, lhe<br />
revelou uma outra perspectiva de relação, e, portanto, de educação, não quer ser um<br />
cão de rebanho. O seu papel formativo nesta fala é colocar muitos para fora do<br />
rebanho.<br />
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Agora, quer unir-se aos que criam e não ao povo. Portanto, pode-se dizer que do<br />
aparente ou parcial fracasso emergiu um novo aprendizado, ele educou-se. O verdadeiro<br />
educador, pode-se dizer a partir dessa experiência de Zaratustra, não pode querer<br />
rebanhos, antes o mestre deve ser a favor de que os discípulos o superem, pois os<br />
crentes, os servidores, são de certa forma como cadáveres que precisam ser<br />
carregados. O verdadeiro educador deve apreciar companheiros vivos, instigantes,<br />
descobridores, pois é dessa forma que eles podem trocar experiências e vivências.<br />
Zaratustra "aprende" gradativamente a necessidade de selecionar e sai da perspectiva<br />
de um doador para um homem mais prudente. Como educador não pretende ser<br />
divinizado, nem muito menos imortalizado. Antes de tudo, ele quer "sucumbir" e o<br />
discípulo em justa medida deve saber assassiná-lo para poder avançar, ir adiante. Não<br />
é como um sujeito objetivado que quer ser visto, nem como uma figura paterna, com<br />
uma voz do comando, da norma e da lei. Pois o sujeito que deseja escrever a sua<br />
singularidade deve necessariamente sustentar sua palavra, orientar-se por si mesmo,<br />
elaborar seus sinais, efetivar sua passagem. Neste caso, Zaratustra tenta justificar os<br />
criadores, sem idealizações: eles são inventores, sobretudo de si mesmos.<br />
Assim, no último item do prólogo, ele fala do meio-dia, hora dos mais criativos,<br />
dos mais seletos: seria o momento da tomada de consciência, em que ele vai ter que<br />
passar por outras experiências e tomar outras atitudes. Zaratustra fala com seus<br />
animais, a águia e a serpente, já remetendo à noção do eterno retorno, que abordará<br />
posteriormente. Em círculos a águia está com uma serpente enrolada no pescoço,<br />
não como inimiga, mas como amiga, como numa aliança, simbolizando de maneira<br />
mais radical a superação de todos as dualidades. E assim o ocaso de Zaratustra é<br />
iniciado. Por fim, o prólogo demarca de forma considerável um tipo de formação, bem<br />
como serve para apontar os fios filosóficos fundamentais que iram ser aprofundados<br />
nos transcorrer da obra.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.<br />
COLLI, G. Después de Nietzsche. Barcelona: Editorial Anagrama,1978.<br />
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JANZ, C. P. Friedrick Nietzsche; infância y juventude. Trad. Jacob Muños.<br />
Madrid: Alianza Editorial, 1994.<br />
______. Friedrick Nietzsche; los diez años de Basiléia. 1869/1879. Trad. Jacob<br />
Muños. Madrid: Alianza editorial, 1987.<br />
GIACOIA JUNIOR, O. Entre o Caos e as Estrelas. Revista Impulso, Piracicaba/<br />
Ed. <strong>Unimep</strong>, vol. 12, n. 28, p. 11-22, 2001.<br />
MACHADO, R. Zaratustra: tragédia nietzscheana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,<br />
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de Assim Falou Zaratustra. Revista Impulso, Piracicaba/Editora UNIMEP, vol. 12,<br />
n. 28, 2001.<br />
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano: Um livro para espíritos livres.<br />
Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 2000.<br />
______. Así habló Zaratustra: Un libro para todos y para nadie. Introducción,<br />
traducción y notas de Andrés Sánchez Pascual. Madrid: Alianza Editorial, 2002.<br />
______. Ecce Homo: Como alguém se torna o que é. Tradução, notas e posfácio de<br />
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.<br />
______. A Gaia Ciência. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São<br />
Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />
SUFFRIN-HÈBER, P. O "Zaratustra" de Nietzsche. Trad. Lucy Magalhães. Rio<br />
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.<br />
SILVA, A. B. Silveira da. O saber do Declínio: A filosofia de Nietzsche à luz de<br />
Zaratustra. Tese (Doutorado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio<br />
de Janeiro, 1996.<br />
THATCHER, S. David. Eagle and Serpent in Zarathustra. In: Nietzsche-Studien.<br />
Internationales Jahrbuch für die Nietzsche - Forschung Heuausgegeben von<br />
Mazzino Montinari: MÜLLER-LAUTER, W., WENZEL, H. Band 6. Berlin/New<br />
York: Walter de Gruyter, 1977.<br />
YAFAR, A. R. O ateísmo como vontade de ocaso. Cadernos Nietszche, São Paulo,<br />
n. 11, 2001.<br />
Artigo recebido em<br />
21/03/2007<br />
Aprovado para publicação em<br />
20/06/2007<br />
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ESTÉTICA FILOSÓFICA VERSUS PSICOLOGIA OGIA DA ARTE:<br />
DOIS TEMAS PARA A EDUCAÇÃO<br />
Solange Puntel Mostafa 1<br />
INTRODUÇÃO<br />
Qualquer pesquisador desejoso de reescrever a história da arte-educação, no<br />
Brasil, não terá dificuldades; o próprio texto oficial dos Parâmetros Curriculares<br />
Nacionais historiciza, em décadas, o longo movimento que culminou na inserção das<br />
artes nas escolas brasileiras. O movimento do ensino de arte, nas escolas brasileiras,<br />
consolida-se na década de 1990, como resultado de dois movimentos importantes: a<br />
valorização da livre expressão e o entendimento da arte como conhecimento. Mas<br />
qual é o tipo de conhecimento que caracteriza a arte?<br />
Os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam a necessidade de estabelecimento<br />
de um quadro de referências conceituais solidamente fundamentado, para que a arte<br />
atinja o pretendido grau de conhecimento, de igual nível com as demais disciplinas.<br />
Não raro, a proposta triangular do fazer artístico, fruição e contextualização<br />
implica em aportes da teoria histórico-cultural de Vigotski, um autor, aliás, citado nos<br />
PCNs de Arte, em duas obras relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem:<br />
Pensamento e Linguagem e a Formação Social da mente. O texto mesmo, em que<br />
Vigotski analisa as questões relacionadas à arte e à crítica (materialista) da arte, fica<br />
sem muita análise na literatura dos educadores. Mais ainda, ficam desconhecidas as<br />
polêmicas travadas entre o idealismo alemão e o materialismo histórico com relação à<br />
concepção de arte e de crítica. Assim, este artigo traz o percurso histórico da passagem/<br />
coexistência entre as duas correntes, respondendo a um dos conclames dos PCNs,<br />
numa tentativa de adensar o saber docente sobre o fenômeno artístico. No quadro<br />
materialista ainda se tentará aproximações entre as concepções artísticas de Vigotski<br />
e Adorno.<br />
A ESTÉTICA NO IDEALISMO ALEMÃO DE KANT E SCHILLER<br />
A formação cultural do homem (Bildung) foi uma das preocupações centrais do<br />
idealismo alemão; mas do homem abstrato, apesar de histórico; o idealismo alemão<br />
tematizou o homem como consciência transcendental num primeiro momento kantiano,<br />
e como consciência histórica, no segundo momento hegeliano. Schiller está vivendo o<br />
primeiro momento do iluminismo, o momento do esclarecimento (Aufklärung); Kant<br />
já havia convocado a humanidade ao dito de Horácio “Sapere aude”! (Ousa saber) e<br />
a questão de Schiller era entender o que impedia o enraizamento da Aufklärung na<br />
vida cotidiana. Para ele, a formação estética do homem, favorece a sua formação<br />
ética “(...) esse duplo efeito é o que eu exijo incansavelmente da bela cultura e para<br />
o qual ela encontra também no belo e no sublime os instrumentos necessários”<br />
(SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.38). Estamos diante de um filósofo que, ao<br />
________________________________<br />
1 Professora Pesquisadora e Vice-Coordenadora do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí – Univali (Itajaí) – SC.<br />
E-mail: smostafa@terra.com.br<br />
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mesmo tempo em que está desfrutando dos ensinamentos de Kant, na Alemanha dos<br />
feudos e principados – os ensinamentos de Kant apontam para a superioridade da<br />
razão humana - está também presenciando os horrores da revolução francesa e,<br />
portanto, percebendo os limites de um Estado racional.<br />
Kant pensou um modelo de subjetividade em que o sujeito é dividido em três<br />
instâncias: a sensibilidade, o entendimento e a razão. A sensibilidade é passiva e por<br />
ela temos intuições sensíveis; o entendimento é ativo, portanto porta características<br />
próprias do que entendemos por sujeito; a razão colabora para manter juntos<br />
sensibilidade e entendimento. Schiller está lendo Kant, que é seu contemporâneo e<br />
tido como mestre da filosofia alemã setecentista e, ao mesmo tempo, cético de uma<br />
regeneração política das barbáries provocadas pelas guilhotinas francesas: “(...) Sim,<br />
estou tão longe de crer no início de uma regeneração no âmbito político, que os<br />
acontecimentos da época antes me tiram por séculos todas as esperanças disso”<br />
(SCHILLER apud BARBOSA, 2004 p.23). A degeneração da revolução francesa<br />
em terror vai fazer o filósofo refletir que “(...) o esclarecimento do qual as camadas<br />
mais altas de nossa época não sem razão se vangloriam, é apenas cultura teórica<br />
(...)” (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p. 25); Schiller pondera sobre os limites<br />
do Aufklärung (esclarecimento) dez anos após a convocação de Kant, defendendo,<br />
agora, o poder formador da arte e do gosto.<br />
O texto em que Kant responde à pergunta sobre ‘o que é o esclarecimento’<br />
deixa claro que ser esclarecido é o homem independente da tutela de outro homem; o<br />
início imponente do texto deixa claro o individualismo iluminista: “(...) esclarecimento<br />
é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade<br />
é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo”<br />
(KANT, s/d).<br />
Kant pressupõe, portanto, um sujeito totalmente individual, ao mesmo tempo em<br />
que transcendental, porque universal. Universalidade cuja transcendência se materializa<br />
em cada homem individual. Mesmo o dever moral, para Kant, se resolve no imperativo<br />
categórico da razão: “Tu deves” é um preceito moral, porque assim exige a razão. A<br />
razão é que aponta o dever e indica o que é bom e correto. Kant, além de fazer a<br />
crítica da razão pura e da razão prática, se expressa também sobre o juízo estético,<br />
em que, novamente, o gosto fica subordinado à razão.<br />
Com Kant a arte se autonomiza porque não está ligada nem à razão pura, nem à<br />
razão prática (moral e dever), sendo apenas uma “captadora” de formas; a arte para<br />
Kant tem a função de captar as formas do mundo sensível. Mas a sensibilidade está<br />
totalmente subordinada à razão. Schiller vai fazer com que a razão se incline para o<br />
gosto, aproximando as inclinações e a razão, fazendo com que elas atuem juntas.<br />
Não podem os sentimentos dominarem a razão, nem pode a razão destruir os<br />
sentimentos. E a natural convergência desses dois elementos está na Estética, na<br />
apreciação do belo. A razão precisa do sentimento, a fim de que a moral racional seja<br />
desejada, e o comportamento moral seja valorizado. O juízo estético é totalmente<br />
desprovido de interesse para Kant. Tal juízo não é uma ação da razão ou do entendimento,<br />
e sim do sentimento. Mas Schiller, por estar se movimentando no interior da filosofia<br />
Kantiana e por ser um homem do seu tempo, não está, em nenhum momento,<br />
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entendendo a educação estética do homem como uma educação social ou socialmente<br />
determinada. O sujeito de Schiller é também um sujeito solitário, individual e transcendental,<br />
sem nenhuma influência dos demais sujeitos ou do ambiente social em geral.<br />
Ele deve agir moralmente de forma tão auto-determinada quanto o sujeito de Kant,<br />
apenas que deve trazer a sensibilidade para mais perto do entendimento e da razão;<br />
para assim, apreciar o belo e deixar-se engravidar pelo sentimento, porque isso favorece<br />
tanto o juízo científico, quanto o juízo prático, todos ainda subordinados à razão pura.<br />
O homem da Educação Estética de Schiller é, portanto, um homem tão transcendental<br />
quanto o de Kant, apesar de ser um homem, digamos, mais estético ou mais<br />
esteticamente determinado; porém, ainda um homem que se autodetermina, embora<br />
agora se auto-determine esteticamente. A beleza e o belo em Schiller surgem, também,<br />
pelo imperativo da razão:<br />
(...) a razão, por motivos transcendentais, faz a exigência:<br />
deve haver uma comunidade entre impulso formal e material,<br />
isto é, deve haver um impulso lúdico, pois que apenas a<br />
unidade da realidade e forma, de contingência e necessidade,<br />
de passividade e liberdade, completa o conceito de<br />
humanidade (SCHILLER, 1990 p. 82).<br />
No conceito de impulso lúdico, Schiller depositará a unidade perdida entre razão<br />
e sensibilidade: “(...) Pois, para dizer tudo de vez, o homem joga somente quando é<br />
homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga”<br />
(SCHILLER, 1990 p. 82); no impulso lúdico, razão e sensibilidade atuam juntas e não<br />
há mais predomínio de uma sobre a outra.<br />
AS REPERCUSSÕES DO IDEALISMO DE SCHILLER NO SÉCULO XIX<br />
Schiller participa do movimento alemão ‘Sturm und Drang’ (tempestade e ímpeto)<br />
o movimento literário pré-romântico entre 1770 e 1780, que propiciou as bases para o<br />
desenvolvimento do novo estilo, na Alemanha, e depois no resto do mundo. O movimento<br />
se estendeu a outros setores da cultura, marcado por um anti-colonialismo francês da<br />
cultura alemã. Com repercussões em todo o século XIX, o movimento que norteou a<br />
idéia de formação cultural (Bildung) traz em seus aspectos mais marcantes: 1) o<br />
culto da natureza como fonte geradora; 2) o gênio como força criativa; 3) a concepção<br />
deísta da divindade; 4) o sentimento pátrio expresso no culto da liberdade e 5) o<br />
sentimentalismo amoroso.<br />
Faz parte do espírito da época nesta passagem do século XVIII para o XIX uma<br />
espécie de revolução cultural por sua referência ao sentimento, à história, à nação, à<br />
tradição e ao irracional, contra o predomínio da crítica e da razão setecentista. O<br />
século XIX é chamado por Cambi (1999) o “século da pedagogia”. E não apenas<br />
pelas propostas especificamente pedagógicas de Herbart, Pestalozzi ou Frobel, mas<br />
pela combinação da influência kantiana em homens como Herbart e Schiller: um<br />
pensando os passos do ensino aprendizagem com a lógica kantiana, e o outro expandindo<br />
essa lógica para a sensibilidade, fazendo a crítica da crítica, mas sem conseguir romper<br />
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com a filosofia kantiana.<br />
Seja por ter discordado de Kant, seu contemporâneo, seja pela força enunciativa do<br />
título do seu livro - Educação Estética do Homem - seja pela força do próprio idealismo<br />
alemão do século XIX, que lhe sucedeu com os nomes de Fitche, Schelling e Hegel, o fato<br />
é que Schiller tornou-se um nome de destaque na teorização sobre Estética filosófica em<br />
algumas dissertações brasileiras na área da educação (MONTEIRO, 2005).<br />
A ESTÉTICA DO MATERIALISMO HISTÓRICO VIGOTSKIANO<br />
A força do idealismo alemão atinge também a Rússia do século XX, espaçotempo<br />
de Vigotski, em que pese este espaço-tempo estar revolucionado pelas premissas<br />
do materialismo histórico de Karl Marx. Como conseqüência, Vigotskii esclarece que<br />
o idealismo alemão e sua compreensão de estética, baseados em premissas metafísicas<br />
e em suas ‘demonstrações da alma’, está decadente na Rússia do seu tempo.<br />
Parafraseando Fechner, Vigotski chama esta estética de ‘estética de cima’<br />
esclarecendo que o método especulativo do idealismo alemão pós-kantiano fora quase<br />
que inteiramente abandonado, apesar de ainda presente num ou noutro dos grandes<br />
psicólogos russos da sua época.<br />
A discussão iniciada por Vigotski aponta um “divisor de águas”, que separa<br />
as correntes estéticas em duas grandes tendências o “(...) psicológico e o não<br />
psicológico – que abrangem quase tudo que há de vivo nessa ciência” (VIGOTSKI,<br />
2001 p.7). Se esta divisão da estética esteve nas últimas décadas do século XIX e<br />
início do século XX entre o psicológico e o filosófico, ela irá sofrer nova configuração<br />
com a introdução das premissas marxistas na Rússia, o que irá possibilitar a Vigotski<br />
pensá-la em nova dicotomia: “(...) o divisor de águas (...) passa hoje por uma linha<br />
inteiramente diversa: agora separa a sociologia da arte da psicologia da arte (...)”<br />
(VIGOTSKI, 2001 p. 9).<br />
Rejeitando a sociologia da arte como constructo decisivo para entendermos o<br />
que é arte Vigotski nos diz que “(...) ninguém, como Plekhanov explicou com tanta<br />
clareza a necessidade teórica e metodológica do estudo da psicologia para uma teoria<br />
marxista da arte” (VIGOTSKI, 2001, p.10). Assim, pode-se dizer que a estética do<br />
materialismo histórico em Vigotski é uma psicologia da arte, título do seu livro. Talvez<br />
devido ao enraizamento do materialismo histórico na Rússia, Vigotski entende ser<br />
urgente “(...) delimitar com toda a precisão o problema psicológico da arte do problema<br />
sociológico”. (VIGOTSKI, 2001, p. 23). Entende que a arte não pode ser explicada<br />
diretamente a partir das relações econômicas. As relações da arte com a sociedade<br />
são complexas “(...) e de modo algum podem ser reduzidas a uma forma simples e<br />
unívoca de reflexo” (VIGOTSKI, 2001, p. 21).<br />
Vigotski menciona então o próprio Marx no texto da critica à economia política,<br />
dizendo-nos que “(...) no fundo é a mesma questão da complexa influência da<br />
superestrutura que Marx levanta” (VIGOTSKI, 2001, p. 22), isto é, deve haver um<br />
motivo para que obras do passado ainda continuem a nos encantar no presente, se as<br />
relações econômico-sociais do passado e do presente são tão díspares. A resposta de<br />
Vigotski é que nenhuma estética evita a psicologia.<br />
Estamos então num registro completamente diferente do idealismo alemão, não<br />
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só porque aqui se fala em relações sociais revolucionárias de classe, mas também<br />
porque o psiquismo humano está sendo considerado e já com aportes freudianos;<br />
afinal, a Rússia revolucionária é contemporânea de Freud e aceita parte das suas<br />
premissas.<br />
Vigotski recusa a arte como conhecimento em sua crítica ao formalismo russo<br />
(inclusive o lingüístico); acolhe a arte como procedimento e esclarece quais as teses<br />
freudianas aceitáveis para ele, um materialista. Concorda que a obra seja regida por<br />
aspectos inconscientes, mas discorda da psicanálise, por ela não levar em consideração<br />
os aspectos da consciência ou a interpretação consciente e racional, que o artista ou<br />
leitor faz, dessa ou daquela obra. Segundo o autor a psicanálise escolheu como objeto<br />
de estudo a vida inconsciente e suas manifestações; assim, esta ciência considera o<br />
artista como alguém que se situa psicologicamente entre um sonhador e um neurótico;<br />
numa posição intermediária entre o sonho e a neurose, duas manifestações do<br />
inconsciente. A conseqüência imediata desta posição é considerar o ato criador como<br />
“devaneio” ou projeção de uma frustração do desejo não realizado, freqüentemente<br />
associado à sexualidade. Discordando disso, mas incorporando o método psicanalítico,<br />
Vigotski retira alguns valores da contribuição da psicanálise, que ele quer explicitar na<br />
sua análise psicológica da arte:<br />
No cômputo geral, esses valores se resumem ao seguinte: a<br />
incorporação do inconsciente, a ampliação da esfera da<br />
pesquisa, a indicação de como o inconsciente em arte se torna<br />
social (VIGOTSKI, 2001 p.98).<br />
Vigotski aproxima Freud de Schiller quando discute a concepção de arte para<br />
Freud (conflito entre o principio do prazer e o principio da realidade) e que, em Schiller,<br />
traduz-se na teoria do jogo, em que são destacados os aspectos da pulsão e instinto da<br />
dimensão estética.<br />
Nas três instâncias kantianas da subjetividade, a saber, sensibilidadeentendimento-razão,<br />
deveria haver para Schiller uma alternância (jogo) mais<br />
equilibrada entre a intuição sensível e racionalidade. Schiller também dá grande<br />
importância à imaginação: “(...) nas asas da imaginação o homem abandona os<br />
limites estreitos do presente” (SIQUEIRA apud DUARTE, 1998 p. 187). Mas o<br />
livre jogo das faculdades parece a Vigotski insuficiente porque não permite<br />
entender a arte como ato criativo, reduzindo-a “(...) a função biológica de exercitar<br />
os órgãos, isto é, acaba por reduzi-la a algo sumamente insignificante no adulto”<br />
(VIGOTSKI, 2001. p.313).<br />
Vigotski prefere então as “(...) teorias que mostram ser a arte uma descarga<br />
indispensável de energia nervosa (...)” (VIGOTSKI, 2001, p.313), numa espécie de<br />
equilibração em momentos críticos de nosso comportamento. Deriva daí o seu conceito<br />
de catarse.<br />
A crítica materialista histórica da arte para Vigotski não significa interpretação e<br />
preparação para a percepção da obra de arte da obra, e não interfere no efeito que a<br />
obra de arte suscita em nós. A crítica materialista de arte para Vigotski “(...) mobiliza<br />
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as nossas forças conscientes para contrapor-se ou propiciar de certo modo os impulsos<br />
suscitados pela arte”. (VIGOTSKI, 2001, p. 322).<br />
Fica para o leitor julgar a superioridade da compreensão (psicológica) e<br />
materialista da história em relação à estética filosófica do idealismo alemão. E entre o<br />
projeto político pedagógico de um estado estético-ético-educador de Schiller (que é a<br />
um só tempo platônico e kantiano, pois o belo simboliza a moralidade e o bem) e a<br />
crítica materialista da história.<br />
A ESTÉTICA DO MATERIALISMO HISTÓRICO DE ADORNO<br />
Se Schiller pensa a formação estética do homem diante dos horrores da revolução<br />
francesa do século XVIII, Adorno se vê diante da barbárie nazista no século XX.<br />
Como integrante da Escola de Frankfurt compartilha com os demais integrantes dessa<br />
uma revisão da teoria tradicional da ciência, que agora deveria ser crítica. A teoria<br />
crítica tem como modelo a crítica da economia política de Marx. Os frankfurtianos<br />
pretendem superar o economicismo marxista estendendo as determinações econômicas<br />
também para os fenômenos culturais (em dissenso com as preocupações de Vigotski,<br />
o qual estava preocupado em articular uma explicação propriamente psicológica para<br />
a reação estética).<br />
Vigotski não descartava as explicações sociológicas, mas elas, sozinhas, não<br />
davam conta da resposta que procurava. A aproximação com Freud é importante<br />
para a Escola de Frankfurt para entender em que medida o indivíduo estaria<br />
incorporando características da sociedade capitalista; conceitos como o de reificação,<br />
alienação ou repressão serviram aos propósitos de entender a articulação da cultura<br />
com os princípios de troca no capitalismo (princípios ausentes em Vigotski). Outra<br />
questão comum entre os frankfurtianos foi rediscutir o conceito de Ideologia; por<br />
último, esses intelectuais fazem, em conjunto, uma crítica radical à idéia de progresso.<br />
A tarefa da estética para Adorno é refletir como cada obra reflete o todo social<br />
sem possuir janelas para o mundo. A obra afasta-se da sociedade para falar dela de<br />
modo crítico; Adorno aprecia a arte (moderna) porque ela expressa o sofrimento de<br />
cada um de nós ao sublimar desejos, sonhos, ideais, prazeres. O sofrimento de que<br />
fala Adorno é o sofrimento do momento histórico do nazismo; assim entende-se porque<br />
a arte apresenta figuras humanas distorcidas, construções gramaticais sem sentido,<br />
músicas sem melodias. Para Adorno a arte moderna é abstrata tanto quanto é abstrato<br />
o novo, pois não contém nada de concreto; o novo aponta para o que ainda não existe,<br />
não foi visto, é indizível. A abstração da arte moderna é mais radical, profunda e<br />
verdadeira do que a abstração da razão esclarecida, cujo abstracionismo serve para o<br />
domínio de coisas e pessoas. A ordem interna da obra não é a dos conceitos.<br />
A estética diz respeito à singularidade da obra, de sua inteireza como algo único;<br />
a obra não exprime alguma coisa, não serve de veículo para comunicar uma mensagem.<br />
Toda obra de arte é enigmática e é necessário um processo mimético para entender a<br />
obra. O sujeito apreciador tem que mobilizar forças, que não são mobilizadas no seu<br />
dia-a-dia pela indústria cultural. A arte procura relembrar ao sujeito sua dimensão de<br />
natureza, corporal, desejante, através não da sua recaída na magia, mas na estruturação<br />
radical da obra.<br />
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O COMUM NOS MATERIALISMOS DE VIGOTSKI E ADORNO<br />
Apesar dos contextos diferenciados dos marxismos praticados pelos dois autores<br />
nota-se alguns pontos em comum entre eles. O primeiro seria a autonomia da obra de<br />
arte. Quando Vigotski enuncia a fórmula do seu método, que começa na forma da<br />
obra, “(...) passando pela análise funcional dos seus elementos e da estrutura (...)”<br />
para então caminhar em direção à “(...) recriação estética e o estabelecimento das<br />
suas leis gerais” (VIGOTSKI, 2001, p. 27) ele está também ao mesmo tempo dizendo<br />
que “(...) é necessário tomar por base não o autor e o espectador, mas a própria obra<br />
de arte” (VIGOTSKI, 2001, p. 25).<br />
Se Vigotski sugere a análise da própria obra, Adorno também entende que o<br />
caráter enigmático da obra pode ser percebido na própria estrutura da obra. A estrutura<br />
da obra revela e oculta significados para Adorno. O sujeito tem que imitar a obra,<br />
aproximar-se dela, penetrar sua estrutura interna; na mimesis arcaica o individuo imita<br />
a natureza e o mito, da mesma forma, na contemporaneidade, o indivíduo deve imitar<br />
a obra de arte, confundindo-se com ela para entendê-la. “As obras de arte, através da<br />
autonomia da sua forma, interdizem-se de em si incorporarem o absoluto, como se<br />
fossem símbolos” (ADORNO, 1970, 123).<br />
Ambos os autores recusam o caráter de linguagem da obra de arte. Vigotski não<br />
chega a mencionar Saussure, o pai da Lingüística, cujos cursos foram anteriores a<br />
1910 e publicados em 1916; porém, em sua crítica à arte como conhecimento, ele<br />
demonstra conhecer a dupla articulação da linguagem (significado e significante), não<br />
vendo qualquer sentido em reduzir a obra de arte a uma questão de linguagem<br />
(VIGOTSKI, 2001, p.32-35). Adorno vai dizer que a arte não é nem conceito, nem<br />
intuição “(...) e eis porque protesta contra a separação” (ADORNO, 1970, p. 115).<br />
Da mesma maneira Adorno entende que a arte não se presta à comunicação de<br />
conteúdos pré-estabelecidos. O processo de comunicação, para Adorno, é parte da<br />
racionalidade instrumental, que toma todas as coisas como meios para atingir um fim<br />
(FREITAS, 2003, p. 46). Para ambos a obra não comunica conhecimentos, mas<br />
sentimentos; para Adorno, através do processo mimético, produzem-se transformações:<br />
a não comunicabilidade imediata da obra torna-a enigmática. Vigotski refere-se ao<br />
‘enigma de Hamlet’ enquanto Adorno entende ser uma das tarefas da estética refletir<br />
como cada obra reflete o todo social, sem possuir dicas de como isso acontece; a obra<br />
se constituiria num enigma, mais do que num mistério: o enigma oculta, mas oferece<br />
pistas para a inteligibilidade. Adorno dirá que “Todas as obras de arte, e a arte em<br />
geral, são enigmas (...) o facto de as obras de arte dizerem alguma coisa e no mesmo<br />
instante a ocultarem coloca o carácter enigmático sob o aspecto da linguagem”<br />
(ADORNO, 1970, p. 140).<br />
Assim, quando Eagleton (2003, p.146) entende que o sublime no marxismo é o<br />
corpo do ser humano e que a estética marxista aponta para a realização dos sentidos<br />
e não, como no idealismo schilleriano, em sua liberação, compreende-se as diferenças<br />
entre a estética do marxismo e a estética do idealismo filosófico: uma centrada no<br />
corpo e outra na alma humana.<br />
É assim que a catarse em Vigotski produz uma “(...) complexa transformação<br />
dos sentimentos (...)” (VIGOTSKI, 2001, p. 270) porque vivida numa dimensão<br />
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psicofísica. Algo acontece no corpo (descarga de energia) apesar de que “(...) é<br />
nessa unidade de sentimento e fantasia que se baseia qualquer arte” (VIGOTSKI,<br />
2001, p. 272).<br />
Para o marxismo adorniano a questão do corpo é ainda mais pungente; a dialética<br />
do esclarecimento mostra, na interpretação de Ghiraldelli (2001, p.71, grifo do autor)<br />
uma “(...) story da história da filosofia (...)”, em que o corpo de Ulisses é sacrificado<br />
em favor da racionalidade instrumental. As duas grandes correntes epistemológicas,<br />
racionalismo e empirismo, aos propor-nos modelos de construção de subjetividade,<br />
nunca consideraram a existência do corpo; Adorno quer uma filosofia e uma arte que<br />
não escondam mais a barbárie humana, ao contrário, possam revelá-la. Só assim o<br />
corpo pode ser compreendido como um organismo que tem sentidos e sentimentos.<br />
Do contrário ele se torna frio, calculista (astuto) e portador de uma racionalidade<br />
instrumental, que o impede da criação e fruição artísticas.<br />
A crítica que Vigotski faz à concepção de arte como conhecimento é importante<br />
para distinguir a sua contribuição fora do cognitivismo: “(...) a arte é trabalho do<br />
pensamento, mas de um pensamento emocional inteiramente específico (...) precisamos<br />
avançar e mostrar o que distingue a psicologia da arte de outras modalidades do<br />
mesmo pensamento emocional”. (VIGOTSKI, 2001, p. 57). O avanço conseguido<br />
pelo autor vai culminar no conceito de catarse. Vigotski descreve diversas teorias do<br />
sentimento de autores contemporâneos, pontuando as lacunas de cada uma. Percebe<br />
a necessidade de explicar a “(...) relação interna que existe entre o sentimento e os<br />
objetos susceptíveis da nossa percepção (...)” apoiando em sistemas psicológicos que<br />
tem interpretação baseada “(...) na relação existente entre fantasia e sentimento”<br />
(VIGOTSKI, 2001 p.263). Ele considera que “(...) o sentimento e a fantasia não são<br />
dois processos separados entre si, mas, essencialmente, o mesmo processo, e estamos<br />
autorizados a considerar a fantasia como expressão central da reação emocional”<br />
(VIGOTSKI, 2001, p.264). Desta afirmação é importante entender a relação das<br />
expressões central e periférica das emoções. E Vigotski identifica como uma relação<br />
inversa, ou seja, quando mais complexa e intensa a fantasia (expressão central), menos<br />
intensidade e menor tempo da reação emocional (expressão periférica). Esta relação<br />
se deve à intensidade de energia, quando aumenta num pólo (central), diminui no outro<br />
(periférico).<br />
Este processo da expressão dos sentimentos é manifestado externamente e<br />
internamente. Então podemos entender que uma manifestação emocional<br />
expressivamente percebida não condiz com a emoção interna. Relacionando com a<br />
emoção estética temos: “(...) o traço distintivo da emoção estética é precisamente a<br />
retenção de sua manifestação externa, enquanto conserva ao mesmo tempo uma<br />
força excepcional” (VIGOTSKI, 2001, p.267).<br />
Mas apenas este traço não qualifica uma reação estética da obra de arte<br />
diferenciando-se de uma reação de um sentimento comum. Vigotski investiga os<br />
assim chamados sentimentos híbridos, como afirmam alguns psicólogos. Ele se<br />
baseia no Princípio da antítese de Darwin para acrescentar um novo traço na<br />
reação estética que se constitua na diferença dessa reação com um sentimento<br />
comum:<br />
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Nenhum outro termo, dentre os empregados até agora na<br />
psicologia, traduz com tanta plenitude e clareza o fato, central<br />
para a reação estética, que as emoções angustiantes e<br />
desagradáveis são submetidas a certas descargas, a sua<br />
destruição e transformação em contrários, e de que a reação<br />
estética como tal se reduz, no fundo, a essa catarse, ou seja,<br />
a complexa transformação dos sentimentos (VIGOTSKI, 2001<br />
p. 270).<br />
Como, para o autor, as emoções suscitadas pelo material e pela forma estão em<br />
permanente antagonismo, há a provocação da catarse. Essa emoção é a Lei da Reação<br />
Estética, ou seja, seria a destruição de sentimentos ou entendimentos prévios que<br />
portamos por vê-los expostos na obra de arte de forma antagônica ou contraditória,<br />
causando-nos uma nova emoção:<br />
(...) a base da reação estética são as emoções suscitadas pela<br />
arte e por nós vivenciadas com toda realidade e força, mas<br />
encontram a sua descarga naquela atividade da fantasia que<br />
sempre requer de nós a percepção da arte. Graças a esta<br />
descarga central, retém-se e recalca-se extraordinariamente<br />
o aspecto motor externo da emoção, e começa a nos parecer<br />
que experimentamos apenas sentimentos ilusórios. É nessa<br />
unidade de sentimento e fantasia que se baseia qualquer arte.<br />
Sua peculiaridade imediata consiste em que ao nos suscitar<br />
emoções voltadas para sentidos opostos, só pelo princípio da<br />
antítese, retém a expressão motora das emoções e, ao por em<br />
choque impulsos contrários destrói as emoções do conteúdo,<br />
as emoções da forma, acarretando a explosão e a descarga<br />
da energia nervosa (VIGOTSKI, 2001, p. 272).<br />
Tanto para Vigotski, quanto para Adorno, a arte está longe de ser a busca do<br />
belo, pois isso é a posição típica dos idealismos kantiano e schilleriano; Vigotski considera<br />
essa posição hedonista e primária, infantil e superada; Adorno aprecia a arte moderna<br />
justamente porque ela destoa do belo, provocando o choque.<br />
O PAPEL DA CRÍTICA DE ARTE<br />
A dimensão psicofísica, contida no conceito de catarse, permite a Vigotski pensar<br />
o corpo humano de forma projetiva. Assim, ele alude ao futuro em que haverá a<br />
reconstrução de toda a sociedade humana em novos princípios; nessa reconstrução, o<br />
autor inclui não apenas os processos econômicos e sociais, mas, também, o papel que<br />
a arte desempenhará nesse futuro. Tal alusão se volta, portanto, ao “novo homem” ou<br />
ao “homem do futuro”: “Não se pode nem imaginar que papel caberá à arte nessa<br />
refusão do homem, quais das forças que existem, mas não atuam no nosso organismo<br />
ela irá incorporar à formação do novo homem” (VIGOTSKI, 2001, p. 329).<br />
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Vigotski ressaltou que há um sentido educativo na arte e a prática relacionada a<br />
este sentido dividi-se em uma crítica de arte no campo social e uma crítica da arte no<br />
sentido psicológico. A critica no sentido social “(...) consistiria especialmente em servir<br />
de mecanismo transmissor entre a arte e a sociedade” (VIGOTSKI, 2001, p. 321).<br />
Mas sem interferir na estética da obra esta crítica precisa ampliar a capacidade estética.<br />
Ele critica a educação da arte (do seu tempo) em que se tinha uma “(...) concepção<br />
“publicística” da arte (...)” (VIGOTSKI, 2001, p. 323). O autor está criticando as<br />
escolas russas do seu tempo, onde “(...) os alunos decoravam fórmulas sociológicas<br />
falsas e fictícias concernentes a essa ou àquela obra de arte” (VIGOTSKI, 2001, p.<br />
323); não se conclua daí que não se deva ensinar arte.<br />
No sentido psicológico a crítica organiza as experiências do cotidiano, direcionando<br />
a ação ou os efeitos provocados pela arte: “Do ponto de vista psicológico, o papel da<br />
crítica consiste em organizar as conseqüências da arte” (VIGOTSKI, 2001, p. 321).<br />
Também para Adorno o papel da crítica é assegurar o conteúdo de verdade das<br />
obras, expresso nas formas artísticas; a arte está duplamente articulada, seja no<br />
movimento do Espírito, seja no movimento social real. Mas há, na concepção adorniana<br />
de arte, algo bastante particular e distinto da concepção de Vigotski: o necessário<br />
sofrimento humano que toda obra de arte contemporânea deve expressar. Não nos<br />
esqueçamos que o processo de socialização ou hominização descrito na Dialética do<br />
Esclarecimento (1985) é um processo de repressão e recalque de uma grande<br />
quantidade de impulsos corporais, sensíveis e emocionais. Adorno acha mais<br />
conveniente, então, não conjecturar a forma da arte na sociedade transformada.<br />
Adverte, porém, que “(...) valia mais desejar que um dia melhor a arte desapareça do<br />
que ela esquecer o sofrimento” (ADORNO, 1970, p.291). O prazer da fruição estética<br />
existe, mas não é o mesmo do prazer proporcionado pela indústria cultural, sinônimo<br />
de diversão, relaxamento, distração: o prazer virá pelo aspecto de auto-conhecimento<br />
que a obra proporciona.<br />
As diferenças históricas e culturais nas quais as duas concepções de arte são<br />
gestadas são enormes. Vigotski está fundando a psicologia objetiva da arte numa<br />
Rússia esperançosa de novas relações sociais. Adorno está tentando encontrar uma<br />
fórmula para contrapor à racionalidade instrumental – numa época em que o<br />
autoritarismo stalinista russo já era notável. Um se movimenta no campo da psicologia.<br />
Outro no campo da filosofia. Mas em que pesem as imensas diferenças de propósitos<br />
e de situações históricas entre eles, ambos entendem ser, a Arte, a possibilidade de<br />
transformação da sociedade e do humano.<br />
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Artigo recebido em<br />
19/07/2006<br />
Aprovado para publicação em<br />
03/07/2007<br />
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MÍDIA: : FAMÍLIA<br />
AMÍLIA, , ESCOLA E TRABALHO<br />
Regis de Morais 1<br />
É surpreendente que, ao extraordinário desenvolvimento e aperfeiçoamento dos<br />
meios de comunicação de massas, não tenha correspondido um nível mais rico e<br />
preciso de informação para as sociedades. É, de início, surpreendente isto. Mas ao<br />
nos debruçarmos sobre as relações existentes entre os valores da sociedade de consumo,<br />
as ideologias de mercado e as “obsessividades” por poder – coisas estas que dinamizam<br />
a mídia e são por ela dinamizadas, nossa surpresa se desfaz e cede o passo a<br />
preocupações mais nítidas e objetivas com a destinação do ser humano de hoje.<br />
Uma dessas preocupações se volta para a família, como instituição fundamental<br />
das sociedades. Afinal, desde o declínio do patriarcalismo, que tem propriamente<br />
ocasião no movimento ascensional da primeira Revolução Industrial (século XIX), a<br />
família tem estado açoitada pelos tufões de transformações civilizatórias que fazem<br />
difícil percurso, que se estende de um mundo agro-pastoril até às realidades urbanoindustriais,<br />
nestas últimas situando-se as participações midiáticas em sociedades<br />
icônicas (ou da imagem). Tem, a instituição familial, buscado uma nova identidade, um<br />
novo rosto, em meio a grandes sofrimentos; sofrimentos que, sendo dessa instituição<br />
basilar, fazem contorcer-se em desconforto a sociedade humana ocidental como um<br />
todo. As dificuldades da família são, necessariamente, os primeiros recursos explicativos<br />
de descompensações que se traduzem em alcoolismos e drogadicções, que são filhos<br />
diretos da desesperança e do medo; são também as explicações fundamentais dos<br />
individualismos que vêm inviabilizando formas comunitárias de vida e que se encontram<br />
na base de generalizados comportamentos auto e heterodestrutivos. Assim como não<br />
podemos meramente abolir o fato de que os organismos se constituem de células,<br />
também é-nos vedado ignorar que as sociedades continuam constituindo-se de famílias.<br />
Ora, células doentes produzem tecidos doentes, que fazem órgãos e mesmo todo o<br />
organismo enfermo.<br />
Bem sabemos que, desde Herbert Spencer, tem apresentado seus perigos essas<br />
imagens organicistas. Todavia, tomando os cuidados necessários, retomamos aqui tais<br />
imagens com o intuito de dar maior plasticidade às nossas idéias. Afinal, não pode<br />
deixar de chamar-nos a atenção o fato de que a bibliografia que atualmente se pode<br />
encontrar, sobre a estrutura familial e sua dinâmica, em campos como o sociológico, o<br />
filosófico e o campo da antropologia social, é bastante reduzida se contraposta às<br />
dimensões e profundidades da problemática visada. Felizmente, a psicologia social e<br />
a teologia, por exemplos, têm sido mais pródigas quanto à bibliografia em tela. Fica,<br />
porém, o fato maior de parecer estar “fora de moda” estudar-se cientificamente a<br />
realidade familial; o que equivaleria estar “fora de moda” preocupar-nos com a básica<br />
saúde social.<br />
Outra preocupação quanto aos destinos do homem hoje, volta-se para as<br />
instituições escolares, nas quais é processada a educação formal. Impossível não<br />
________________________________<br />
1 Doutor e Livre Docente em Educação, professor titular aposentado da Unicamp, professor titular do Centro Universitário Salesiano<br />
de S. Paulo (UNISAL/Americana,SP). E-mail: flym@mpcnet.com.br<br />
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11/13/2007, 3:29 PM
vermos duas situações escolares deste início de século XXI: a) a das escolas rendidas<br />
à sociedade de consumo e que se deixam, até prazerosamente, manipular pelo portavoz<br />
do consumismo (a mídia); b) a das escolas mais politizadas e críticas, que acabam<br />
por viver tensas relações com os meios de comunicação de massas. Já se tem repetido<br />
amplamente que as escolas são, inevitavelmente, ressoadoras da macrossociedade;<br />
isto é, se a grande sociedade se encontra em dificuldades, as escolas sofrem; se o<br />
ambiente social está em tempos de paz, as escolas também distendem seu cotidiano.<br />
Está claro para quase todos que os valores derivados da chamada “ética do<br />
interesse”, apenas voltada para as lucratividades, não podem ser os valores que inspirem<br />
uma educação humanizada e não entregue a pragmatismos grosseiros. Nisto consistem,<br />
principalmente, as tensões entre mídia e educação – na medida em que esta última<br />
não tenha abdicado a formar cidadãos prontos à solidariedade comunitária e social, e<br />
em que os queira formar para um encontro sensível e inteligente com a vida.<br />
Do mesmo modo é importante preocupação de agora como se estão apresentando<br />
os ambientes de trabalho. Hoje sabemos bem que as racionalizações do trabalho<br />
introduzidas, por exemplo, por Taylor (taylorismo) e Fayol, podem ser transformadas<br />
na mais brutal exploração desumanizante. Frisamos a expressão verbal podem, de<br />
vez que o princípio de racionalização em seus elementos primeiros não obriga a qualquer<br />
descaminho; é possível equilibrar-se tal princípio com respeito ao ser humano<br />
trabalhador, desde que se procure tomá-lo por seu lado são.<br />
Ocorre que, mesmo aqui, tanto a mídia impressa quanto a áudio-visual, tem exercido<br />
influências nem sempre benéficas sobre as relações laborais, bastando para tanto que<br />
entre em equívocos tais como: a deificação da competitividade, a estrita valorização dos<br />
êxitos piramidais (que necessariamente levem aos mais altos cargos) ou a só valorização<br />
da eficiência, com descaso pelas qualidades humanas e mesmo morais dos que trabalham.<br />
Nestas páginas, interessado como temos estado nas relações entre mídia e<br />
educação, procuraremos trazer, de um lado, análises de traço mais sociológico e, de<br />
outro, reflexões filosófico-antropológicas – tudo isto de forma fiel às nossas formações<br />
em ambas as áreas de conhecimento, pois estas se complementam muito bem para<br />
melhores elucidações do tema que ora nos propomos a examinar.<br />
1. A FAMÍLIA E OS EFEITOS DA MÍDIA<br />
As famílias surgem como expressão de desejo de intercomunicação afetiva,<br />
seja na expansão de sentimentos, seja na necessidade de mútuos amparos. Em seu<br />
desenvolvimento, precisaremos também, entendê-las como redes (tramas) existenciais<br />
de sustentação dos seus membros, de modo especial dos mais dependentes.<br />
Isto se evidencia, sobretudo, quando as crianças tomam consciência – por volta<br />
de dois anos e meio a três – da mortalidade. Aqui usamos a expressão “tomar<br />
consciência” no sentido de penetrar reflexivamente a gravidade das perdas.<br />
Praticamente todas as crianças, afiança-nos a Psicologia, entram em depressão por<br />
esse período, algumas revelando uma melancolia amedrontada e outras quase nada<br />
exteriorizando. O fato que aqui nos prende a atenção é que tais crianças não ficam<br />
ainda temerosas de sua própria morte, mas das que podem atingir seus entes queridos,<br />
que constituem sua sustentação no mundo.<br />
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Não podemos também ignorar as famílias como espaços políticos, de vez que<br />
todo espaço humano é político, implicando correlações de forças e de poderes. Na<br />
organização familial, há os que definem limites e há os que devem respeitá-los, há os<br />
que estabelecem horários para os outros cumprirem, há os mantenedores e os mantidos,<br />
etc. É, a família, a primeira unidade complexa da sociedade, uma vez que constituída<br />
por indivíduos que são, se assim podemos exprimir-nos, as unidades simples. Ora,<br />
quando se fala em liame social está-se usando importante imagem da sociedade como<br />
sendo um tecido. Indivíduo, família, classe social e agrupamentos maiores, constituem<br />
as microfibras e as macrofibras que, enlaçando-se, configuram a sociedade maior.<br />
Ao observarmos atentamente, chama-nos por primeiro a atenção a estruturação<br />
interna (endoestruturação) da família. No mundo contemporâneo o grupo familial<br />
apresenta menores proporções, iniciando mais nuclearmente sua estruturação pela<br />
dinâmica espontaneamente estabelecida entre paternidade e filiação; mas ainda é<br />
freqüente que membros correlatos consangüíneos componham o grupo (avós, tios,<br />
primos adotivos e outros). O significativo é que tal grupo normalmente se comporta<br />
segundo a obediência a leis ou princípios tacitamente implícitos como as<br />
necessidades hierárquicas, a silenciosa proibição do incesto, os liames afetivos, etc.;<br />
e, é evidente, em meios civilizados é também conduzido por leis explícitas estabelecidas<br />
pelo Código Civil e, neste sentido, especializadas no Direito de Família.<br />
A esta endoestrutura corresponderá, em condições de normalidade, uma<br />
ectoestruturação da vida familial, em razão da necessidade de este grupo primário<br />
articular-se aos meios comunitário e social, fazendo amizades e conhecimentos,<br />
dispondo-se a assumir compromissos externos para assegurar sua sadia inserção no<br />
tecido social maior. É certo que encontramos famílias tipicamente insulares, arredias<br />
à maior parte das formas de convivialidade; são, estas, famílias que comumente<br />
traduzem certa sociopatia que, por razões melhor estudadas pela psicologia social, se<br />
exprime mediante exclusivismo, medo de expor-se, isolamento. O preço disto – e<br />
referimo-nos a um ônus nada pequeno! – é a irrealização do seu papel social<br />
maior, inviabilizando para si as ótimas experiências das solidariedades, as quais<br />
fazem os educandos da família muito mais felizes e de trato agradável. Afinal,<br />
em termos de resultado maior, a família integrativa é amadurecimento e apoio às<br />
decisões que precisam ser tomadas pela macrossociedade, bem como é reforço<br />
para os seus movimentos.<br />
Até aqui temos estado preocupado em, ainda que com traços rápidos, estabelecer<br />
a configuração essencial da família, para que, com este desenho, tentemos compreender<br />
melhor as intervenções dos meios de comunicação de massas no básico contexto da<br />
formação social. Agora é chegado o momento de procurarmos ver de que múltiplos<br />
modos a família contemporânea está envolvida e, em grande medida, subjugada pela<br />
sociedade de consumo.<br />
Como temos considerado, a mídia é inequívoco porta-voz do consumismo; já por<br />
implicações de patrocínio de muitas das atividades midiáticas, já por ser, por exemplo,<br />
o acesso ao ciberespaço o meio de maior lucratividade; também por razões ideológicas<br />
nem sempre confessáveis das classes dirigentes. Na medida em que tenhamos clara<br />
a pobreza dos valores da sociedade de consumo e constatemos que tal sociedade<br />
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conta com poderes de efetiva penetração nas massas de opinião, iremos já imaginando<br />
os impactos midiáticos sobre a estrutura e a dinâmica familiais.<br />
Alguns exemplos disto podemos dá-los de modo objetivo, com os seguintes itens:<br />
a) A insistente divulgação de um pragmatismo social utilitarista que, sem dúvida, é<br />
cada vez mais problemático, na exata medida em que busca legitimar a lógica<br />
industrialista e comercial que se configura na fórmula que nos veio da primeira fase<br />
da Revolução Industrial (século XIX): homem = produção = dinheiro (H = Pr = $);<br />
como se vê, trata-se de uma fórmula antropologicamente catastrófica, de vez que faz<br />
da vida humana diretamente mercadoria.<br />
b) Como conseqüência, fortalece-se a inversão de valores do ter em lugar de ser,<br />
instalando no meio social e, logo, na realidade das famílias, tais aflições aquisitivas<br />
geradoras de sérias frustrações e atritos grupais. Numa realidade social em que as<br />
coisas valem cada vez mais e as pessoas cada vez menos, coisas como ser mais<br />
honrado, mais culto ou – num sentido global – ser mais pessoa, vão deixando de<br />
interessar. Não é necessário grande esforço de inteligência para percebermos o quanto<br />
essa inversão axiológica pode levar (e tem levado) a desequilíbrios e dificuldades para<br />
algo tão sutil como a dinâmica familial.<br />
c) A “legitimação” dos conflitos entre gerações, causada pela transformação da infância,<br />
da adolescência e da juventude em mercados específicos. Tão planejada como<br />
irresponsavelmente, os mentores do consumismo resolveram perspectivar as fases do<br />
desenvolvimento humano em segmentos de consumo de produtos específicos a serem<br />
criados para felicitá-los e delinear de modo novo sua identidade. Em pouco tempo,<br />
havia roupas exóticas para adolescentes e jovens, uma profusão de investimentos<br />
fabris em brinquedos (freqüentemente derivados de personagens da mídia), também<br />
músicas de adolescentes e jovens, sem que faltassem programas de rádio, filmes<br />
cinematográficos e cenas de televisão, voltados todos para pintar o adulto ou como<br />
desagradável ou como ridículo.<br />
d) Divulgação, especialmente pela televisão e hoje em chats de internet, de imagem<br />
inteiramente distorcida do ideal de liberação sexual. Ao contrário de movimento<br />
contestador das repressões ao corpo e à sexualidade sem, porém, abrir-se mão de<br />
relacionamentos responsáveis, o absurdo de se trazer para as relações interpessoais a<br />
idéia industrial de produto descartável. As famílias se encontram atônitas, de vez que<br />
o divulgado pela mídia com o elegante nome de “liberação sexual” não tem passado<br />
de uma banalização dos sentimentos, corrompidos apenas em atração sexual<br />
passageira, às vezes praticada com extrema inconseqüência e ausência de respeito<br />
por si e pelo outro. Como se pode ver, o específico trabalho educacional das famílias<br />
mostra-se cada vez mais prejudicado.<br />
e) Ora, a sociedade produtivista e consumista, com estrita colaboração de programações<br />
midiáticas, tem acentuado forte crise axiológica, a qual não significa ausência de valores,<br />
pois nenhum tempo vive sem valores, significando – isto sim – outras coisas como:<br />
• Valores que se articulam a um sentimento básico (tronco) negativo, como o<br />
individualismo consumista e sua neurose de lucratividade. Uma vez atados a<br />
um tronco central negativo, os valores dali conseqüentes mostram-se<br />
problemáticos.<br />
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• Também é de se considerar certa quantidade de valores conflitantes como,<br />
por exemplo, o ensinamento familiar do valor da honestidade como integridade<br />
de caráter que, às vésperas do exame vestibular, é transformado num discurso<br />
imoral que diz ser necessário “vencer na vida a qualquer preço”.<br />
• Valores fluidos e sem firmeza, só pregados e cobrados em momentos de<br />
conveniência, em outras horas silenciados.<br />
• A mais, a existência inequívoca de valores obsoletos que se insiste em aplicar<br />
a tempos novos. Afinal, a vida é dotada de um tal dinamismo que condena<br />
ignorarmos transformações sociais que pedem nossos esforços para<br />
repensarmos nossas posições, atualizando coerentemente nosso esquema de<br />
valores. Hoje mais do que no passado vivemos tempo de vertiginosas<br />
mudanças sociais que exigem de cada qual uma bem mais acentuada<br />
flexibilidade axiológica. Nem se imagine que o que aqui se advoga é a troca<br />
volúvel e irresponsável de valores; o que se defende é a necessidade de real<br />
atenção para com as mudanças significativas da vida social e, como<br />
conseqüência, uma revisão sensível e inteligente do esquema axiológico tendo<br />
sempre em vista o tronco essencial de idéias e crenças que norteia a<br />
sociocultura.<br />
Em contatos com pais, mães, professores e adolescentes, temo-los encontrado<br />
bastante aturdidos com a expansão ideológica de uma mídia empresarial que não se<br />
tem comprometido com o futuro da sociedade, permanecendo alheia ao intuito de<br />
auxiliar na formação de cidadãos melhores, com vistas a um mundo mais amigo.<br />
Temos ouvido, não sem perplexidade, pais e professores dizerem-nos, noutras palavras,<br />
que estão desistindo; isto porque “o que fazemos, educacionalmente, a duras penas no<br />
exercício cotidiano, a mídia desfaz de forma rápida com a eficácia de um discurso<br />
editado e, principalmente, feito através da força das imagens”.<br />
Eis, portanto, um quadro preocupante. Algumas pistas devem ser propostas nas<br />
conclusões deste ensaio.<br />
2. AS RELAÇÕES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR COM OS MEIOS DE<br />
COMUNICAÇÃO DE MASSAS<br />
Após milênios de aprendizagem espontânea com a natureza e com as interações<br />
humanas, que normalmente ocorria em um mundo ágrafo, a relação ensinoaprendizagem<br />
foi-se progressivamente especializando graças ao surgimento e ao<br />
aperfeiçoamento da escrita, até institucionalizar-se em ambientes escolares<br />
propriamente. Assim, muitos modelos de funcionamento escolar foram sendo<br />
experimentados ao longo da história, chegando-se aos ambientes de ensino hoje<br />
conhecidos.<br />
Digamos que as escolas são instituições organizadas para ensinar e educar,<br />
mediante estruturas progressivas de cursos que devem auxiliar o desenvolvimento da<br />
cidadania, respeitando as fases evolutivas da psicologia humana. Assim, são dois os<br />
compromissos fundamentais das escolas: 1) oferecer suporte e condições para o<br />
progresso individual dos alunos, dando-lhes o ensino sistemático que a família não<br />
pode dar e auxiliando os educandos a que visualizem cada vez com mais nitidez seus<br />
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direitos e deveres de membro de uma sociocultura; 2) garantir, considerando os ritmos<br />
e avanços da vida comunitária e da social, a preparação de pessoas sintonizadas com<br />
os fundamentos de sua realidade coletiva.<br />
O trabalho educacional concernente às famílias as escolas não podem fazer,<br />
pois, se as famílias trabalham a fase ante-conceptual dos seus educandos, nestes<br />
estimulando, em clima de pura afetividade, o desenvolvimento dos valores primeiros e<br />
essenciais à existência, às escolas tocam tarefas diversas. Há uma fase evolutiva à<br />
qual chega o ser humano na qual as escolas cumprem, sistematicamente, um papel já<br />
burocrático-afetivo, voltado para um trabalho intelectual com o educando, que ultrapassa<br />
as possibilidades da família.<br />
Não podemos também negligenciar o fato de ser, o ambiente escolar, local de<br />
intensificação das relações sociais dos educandos, espaço naturalmente propiciador<br />
de transição que leva das influências do núcleo exclusivo da família aos impactos<br />
maiores da sociedade polinuclear. Nas escolas as crianças vão descobrindo certas<br />
possibilidades de conspiração e clandestinidade, ali iniciando o seu questionamento<br />
das antes sagradas orientações familiares; trata-se de uma experiência com a<br />
multiplicidade, ao mesmo tempo fascinante e difícil.<br />
Pensando na atuação das escolas (sobretudo nas relações de ensinoaprendizagem),<br />
é necessário, neste ensaio, que levantemos algumas interrogações<br />
como estas: as escolas têm estado atentas aos ritmos e às exigências das efetivas<br />
mudanças sociais? Ou, candidamente, vêm procurando aplicar lógicas velhas para a<br />
solução de problemas novos? Por exemplo: qual a relação que tem sido mantida entre<br />
as ações de ensino e educação das escolas e a chamada “sociedade das imagens”?<br />
Um especialista das comunicações como Tony Schwartz, que era apreciado por<br />
McLuhan, diz que estamos agora vivendo em uma sociedade pós-literária. Escreve<br />
Schwartz:<br />
Nossa sociedade sofreu dramática modificação qualitativa a<br />
partir do advento do telefone, rádio e televisão: tornamo-nos<br />
uma sociedade pós-literária. A telecomunicação eletrônica,<br />
mais do que a palavra impressa, é agora nosso principal meio<br />
de comunicação não-pessoal (1985, p. 25).<br />
Uma vez tendo, as sociedades modernas, evoluído de uma condição agro-pastoril<br />
para outra urbano-industrial, e tendo, dentro desta última, logrado existência a sociedade<br />
da imagem, precisamos observar se as escolas se deram ao esforço de transformaremse<br />
também para apresentar sintonia com o mundo atual e a este prestar serviços de<br />
verdadeira relevância.<br />
Hoje pesquisas nos informam que o tempo diário de exposição de crianças e<br />
adolescentes às programações de TV, por exemplo, está entre quatro horas e meia a<br />
cinco horas. Ao levarmos em conta a celeridade da linguagem televisiva em sua<br />
precipitação produzida por cortes de cena e, às vezes, de imagens resultantes das<br />
técnicas de editoração, fazemos melhor (e mais assustadora) idéia do bombardeio de<br />
informações e ideologia a que os educandos normalmente estão expostos. Como já<br />
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se tem repetido, imagens são de fácil e rápida digestão; ocorre que problemas começam<br />
a ser estudados quanto às formas de metabolização do que é rapidamente digerido. A<br />
organização psico-corporal das pessoas pode ter bons aproveitamentos “alimentares”<br />
do digerido, infelizmente sendo mais comum que a trama confusa de informações se<br />
transforme em toxinas que se fazem prejudiciais à referida organização humana. Se<br />
a tudo isto acrescentarmos a persuasividade das ficções de jogos (de videogame e de<br />
computador) e os desnorteamentos facilmente verificáveis nos “papos” de chat,<br />
constataremos que os educandos acabam, quase sempre, se vendo diante de um<br />
processo que, aqui como metáfora, vamos chamar de “esquizofrenia cultural”.<br />
Damos este nome porque o que, como educador, temos percebido é que o mundo<br />
– sobretudo de crianças e adolescentes, mas não só – apresenta-se como uma realidade<br />
partida e dividida. De um lado, vive-se, com dificuldade, o mundo sistematizado das<br />
relações ensino-aprendizagem, o qual com freqüência utiliza linguagens um tanto<br />
ultrapassadas para comunicação; caracteriza este mundo a busca de uma construção<br />
intelectual lógica e ordenada, bem como a tentativa de veicular valores mais ou menos<br />
tradicionalistas. De outro lado, impõe-se atrativo espetáculo de imagens<br />
despreocupadas de coerência vital construtiva, bem mais voltadas para o lado circense<br />
do entretenimento. No meio disto, muito perplexas, as famílias também atraídas pelos<br />
sons e imagens e carregando certo remorso de não estarem logrando educar os seus<br />
filhos.<br />
Anota a pesquisadora Maria Luiza Belloni: “... os jovens, em sua maioria,<br />
consideram que aprenderam algo importante e sério pela televisão. Para eles, a telinha<br />
tem uma legitimidade, como fonte de saber, semelhante à escola” (2001, p. 31). Será<br />
que soaria como exageração nossa afirmarmos que isto se está dando, também, com<br />
grande parte dos adultos – inclusive os envolvidos na educação sistemática? Não<br />
devemos menoscabar os poderes da mídia televisiva.<br />
Temos observado que as imagens são, para os educandos, coisas vivas que, de<br />
um ou de outro modo, passam a habitar-lhes a interioridade. E com as imagens editadas<br />
têm disputado espaço em seu mundo íntimo, mas disputado muito acanhadamente, a<br />
esfera dos discursos intelectuais e morais que, por alguma deficiência nas ações<br />
educativas, não parece viva. Assemelha-se, isto sim, a um eco que vem de regiões<br />
não muito identificáveis mais, quase como se fosse um conjunto de ruídos no meio das<br />
comunicações midiáticas. Estes discursos se tornaram desnecessários, sendo o caso<br />
de os dispensarmos? Não vemos assim, em absoluto. Há uma grande reconstrução,<br />
intelectual e moral, a se fazer após o forte impacto da sociedade icônica; mas não é<br />
uma reconstrução a ser feita contra a sociedade pós-literária de Tony Schwartz, mas<br />
com ela. Cumpre aos educadores, uma vez tendo recebido preparo técnico e apoio<br />
para tal, sair de sua timidez identificando melhor o lugar existencial a partir do qual<br />
discursam e promovendo verdadeiro “aggiornamento” que faça os seus ensinamentos<br />
inteligíveis às novas e novíssimas gerações.<br />
Acreditamos que, hoje mais do que nunca, a didática precisa renascer dos âmbitos<br />
da teoria das comunicações e da psicologia educacional mais avançada. A queixa<br />
de desmotivação discente em sala de aula é generalizada, sendo que isto acaba levando<br />
ao chamado burnout – nome científico dado atualmente ao stress profissional. E os<br />
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que empregam e administram corpos docentes não “se tocam” quanto ao fato de que<br />
precisam investir nas atualizações técnicas dos professores; trata-se de investimento<br />
com retorno lucrativo certo, de vez que os pais estão desesperados por encontrar<br />
escolas nas quais os seus filhos se sintam felizes. Ora, essa felicidade deriva de<br />
coisas como: a) o educando comungar imagens e outras linguagens com sua escola;<br />
b) que ele se sinta acolhido como ser humano em formação, não apenas como um<br />
número de ficha que rende dinheiro para a escola.<br />
Alguns dirão (cremos até que muitos) que essas coisas são difíceis e caras. Nós<br />
responderíamos: se se aprender a fazê-las, não serão difíceis; e, quanto ao trato<br />
acolhedor diríamos que postura humana nunca custou dinheiro. Todavia, inexiste coisa<br />
de bom resultado que não exija algum investimento inicial. E, o que é certo: se tais<br />
medidas não forem tomadas e esses trabalhos não forem feitos, as escolas praticamente<br />
nada poderão ante as forças da mídia.<br />
Profissionais de comunicação televisiva e alguns teóricos até se têm esforçado<br />
muito para convencer-nos da grande inocência midiática, às vezes argumentando<br />
mesmo que as imagens de TV nada acrescentam ou impõem aos espíritos; se há<br />
efeitos de erotismo e violência, por exemplo, isto ocorre apenas porque as mensagens<br />
acordaram e estimularam forças negativas que já estavam na psique da população.<br />
Sabemos, todavia, desde o psicanalista Carl G. Jung que temos em nossas personalidades<br />
regiões sombrias, de onde pode decorrer o que é ruim e o que é bom; estendemos o<br />
conceito junguiano para o de “sombras civilizatórias”, com as mesmas possibilidades.<br />
Ocorre que toda a inocência da mídia vem abaixo quando nos damos conta de que ela<br />
sabe estar lidando com a fragilidade do ser humano, o que tem de aumentar muito<br />
suas responsabilidades ao instigar nossas sombras pessoais e civilizatórias.<br />
O sociólogo Edgar Morin, em sua obra intitulada Para sair do século XX (1986),<br />
faz inicialmente um apontamento que reconhece a importância e o poder da mídia, nas<br />
seguintes palavras:<br />
Os mídia constituem o melhor sistema de informação que se<br />
pode conceber. Uma trama cerrada que cobre a superfície<br />
do globo, capta e transmite imediatamente o fato.<br />
Pesquisadores e jornalistas mergulham nos problemas que<br />
surgem no seio das sociedades. A todo instante temos a<br />
possibilidade de ver/saber o que está acontecendo. Podemos<br />
ter, diariamente, conhecimento da história que está realizando.<br />
O planeta Terra tornou-se a laranja azul que podemos<br />
contemplar a todo momento (1986, p. 31).<br />
Lamenta, porém, o mesmo cientista, o que tem sido feito com as comunicações,<br />
observando que seus processos nos estão submetendo a três males, que são os da:<br />
superinformação, da subinformação e da pseudo-informação. Escreve Morin:<br />
Enquanto a informação dá forma às coisas, a superinformação<br />
nos submerge no informe”. (...) Assim, ao invés de ver, de<br />
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perceber os contornos, as arestas daquilo que os fenômenos<br />
trazem, ficamos cegos dentro de uma nuvem de informação<br />
(MORIN, 1986, p. 31).<br />
Digamos que este é um lado tão intensamente solar da informação que tende a<br />
deslumbrar-nos (cegar-nos). Segundo, todavia, argumenta o pensador aqui focalizado,<br />
a mesma informação tem o seu lado lunar, com zonas de sombra informacional que<br />
se faz uma alternância de ruídos confusos ou de silêncios sociológicos. Quanta<br />
informação tem sido retida no filtro dos poderes, em troca de grandes favores aos<br />
grupos de comunicação! Ambos esses aspectos – o solar e o lunar – podem operar<br />
aspectos alucinatórios, transformando a comunicação em deformação, substituindo a<br />
lucidez por transtornos interpretativos (MORIN, 1986, pp. 23-31). Já a pseudoinformação<br />
é a consagração da mentira. Anota Morin:<br />
Não se vê o que é, vê-se o que não é; e, assim, o que não é (é<br />
uma ‘vil calúnia’) é: os pseudofatos proclamam a sua verdade<br />
(pela boca dos porta-vozes, dos atores forçados); e confessam<br />
(pela boca dos acusados) (MORIN, 1986, p. 37).<br />
Em resumo, as comunicações que foram idealizadas como um expediente de<br />
libertação humana de suas limitações ao provinciano, local e estreito, foram<br />
emaranhados por múltiplos interesses e transformadas em um cárcere do caos –<br />
talvez ainda mais limitante. As crescentes dificuldades percepcionais, já estudadas<br />
por Émile Durkheim ao longo de sua obra sociológica, no dealbar do século XX, que<br />
iniciavam a caracterizar as sociedades urbano-industriais com seus ritmos velozes de<br />
vida cotidiana, são perfeitamente confirmadas pelos resultados oriundos dos ritmos,<br />
por exemplo, da linguagem televisiva.<br />
Já vimos que a sociedade da informação apresenta ritmos evolutivos vertiginosos<br />
(MATTELART, 2002, passim). E lembra-nos o diretor do Laboratório de Comunicação<br />
e Política do (CNRS) Centre National de Recherches Scientifiques (Paris), Dominique<br />
Wolton, que hoje precisamos reconhecer uma “televisão geralista e a televisão<br />
fragmentada”. Escreve Wolton:<br />
(...) O que opõe fundamentalmente as duas formas de televisão<br />
é a oposição entre programação e edição, ou, se preferirmos,<br />
entre o menu e o à la carte. A programação remete à mídia<br />
geralista que, para satisfazer a diferentes públicos, constrói<br />
uma grade de ofertas suscetível de gerar múltiplas<br />
expectativas: é a idéia do menu. A edição remete, ao contrário,<br />
à unidade do produto, ou seja, ao programa singular que<br />
cada espectador escolhe assistir, sem que tenham qualquer<br />
ligação uns com os outros. É a oposição entre televisão de<br />
menu e televisão à la carte (...). (WOLTON apud BACCEGA,<br />
2003, p. 46).<br />
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Um ponto de vista assim, quando levado também à programação e edição de<br />
propagandas, facilita-nos ver que, com utilização das TVs a cabo, hoje se objetiva não<br />
apenas gostos e expectativas específicos, mas sobretudo mercados de pontual<br />
especificidade. Em sua disputa por atenção, as propagandas são veiculadas para<br />
aposentados, adolescentes, jovens, homens e mulheres de meia-idade vaidosos,<br />
sexólatras e outros. Do mesmo modo que distinguimos, sem grandes dificuldades, em<br />
mídia impressa ou em outdoors, mensagens destinadas à atenção de públicos<br />
específicos.<br />
Evidentemente, tudo isto questiona, com sua velocidade e com o teor dos valores<br />
que veicula, a atividade educacional das escolas. Uma vez mais temos que perguntar<br />
se as escolas têm buscado preparar-se para essas tantas complexidades da ação das<br />
mídias. E, nesta altura, será inevitável o olharmos para aspectos dificílimos trazidos<br />
pelas mídias ditas novíssimas. Trata-se de algo tão delicado e, mesmo, impressionante,<br />
que abordaremos numa seção à parte.<br />
3. CIBERESPAÇO, INTERNET E EDUCAÇÃO<br />
Muito antes da internet e de se falar em ciberespaço, o gênio criador dos<br />
computadores, Norbert Wiener, escreveu seu notável livro intitulado Cibernética e<br />
sociedade. Pois com décadas de antecedência, certamente por conhecer e intuir o<br />
potencial da invenção de sua equipe de pesquisadores, Wiener mostrava grande<br />
preocupação com as destinações e encaminhamentos que o mundo daria à informática.<br />
Naquela obra seu autor revela nítida consciência das promessas e ameaças contidas<br />
nas possibilidades da informática, tal como é expressa nas seguintes passagens<br />
exemplificativas:<br />
A nova revolução industrial é, pois, uma espada de dois<br />
gumes. Pode ser usada para o benefício da Humanidade,<br />
mas somente se a Humanidade sobreviver o bastante para<br />
ingressar num período em que tal benefício seja possível. Pode<br />
ser também usada para destruir a Humanidade, e se não for<br />
empregada inteligentemente, pode avançar muito mais nesse<br />
caminho. Há, contudo, sinais esperançosos no horizonte<br />
(WIENER, 1970, p. 159).<br />
Adiante, o mesmo cientista responsabiliza enfaticamente os seres humanos quanto<br />
ao futuro que venham a dar aos potenciais da informática, escrevendo:<br />
(...) o homem que (...) atribui à máquina o problema de sua<br />
responsabilidade, quer ela seja ou não capaz de<br />
aprendizagem, estará atirando sua responsabilidade aos<br />
ventos, apenas para vê-la de volta sentada num furacão<br />
(WIENER, 1970, p. 183).<br />
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Observando o que ocorre hoje no ciberespaço, não podemos contraditar Wiener<br />
em suas palavras de que “Há, contudo, sinais esperançosos no horizonte”, de vez que<br />
parte das intercomunicações e a circulação de informações científicas constituem um<br />
grande triunfo humano quanto às anteriores limitações de tempo e espaço. Mas,<br />
veremos logo adiante, que suas apreensões e temores nada tinham de infundados.<br />
Com a singeleza da observação comum constatamos, hoje, que a internet tem – quem<br />
sabe se apenas por enquanto? – um pouco de Deus e muito de demônios. Basta que<br />
se saiba “navegar” ou que se tenha um competente internauta à mão para darmos<br />
conta de oferecer uma quantidade impressionante de exemplos claramente destrutivos<br />
da rede internacional de computação. Não negligenciaremos essa tarefa<br />
exemplificativa, principalmente no intuito de fazermos mais informados professores e<br />
pais que, eventualmente, ainda se mantenham distanciados de aspectos do ciberespaço.<br />
Sites, que portugueses e espanhóis melhor chamam de sítios, multiplicam-se<br />
espetacularmente, como “lugares” de se encontrar isto ou aquilo no ciberespaço.<br />
Alguns causam impactos nocivos que vão tornando um tanto mórbida a concepção de<br />
vida a partir do século XX, como os sites que divulgam, com sensacionalismo que mal<br />
esconde certo sorriso macabro, fotos e clips explícitos de acidentes, de assassinatos<br />
– corpos mutilados, sangue e miséria humana. Tudo como se se presenteasse a um<br />
jovenzinho impressionável álbuns inteiros de institutos de medicina legal; isto é: estranha<br />
pulsão destrutiva faz que se exiba os aspectos mais brutais do viver e do morrer, e isto<br />
a seres com mentes e organizações nervosas despreparadas.<br />
Encontramos, também, sites que divulgam cultos satânicos e fazem aberta apologia<br />
da agressividade guerreira, isto no findar-se de um século XX que, segundo o<br />
pesquisador britânico William Eckhardt (1992), responde por setenta e três vírgula<br />
três por cento das mortes por guerra – diretas e indiretas – dos últimos cinco mil<br />
anos. Tais sites pregam abertamente a destruição e os extermínios.<br />
A estes somam-se sites de pornografia e sexo virtual, inevitavelmente deprimentes<br />
para internautas levemente dotados de sensibilidade humana e bom gosto. Ali se<br />
aborda a zoofilia, bem como os atos de perversão em que se urina e defeca nos<br />
rostos dos parceiros e que recebem, metaforicamente é claro, o nome ciberespacial<br />
de escatologia. Agora, para internautas tecnicamente competentes ou quase nada<br />
amadores, há como acessar temas declaradamente criminosos como a pedofilia, a<br />
necrofilia e o estupro. Para semelhante grau técnico de “navegação” são<br />
disponibilizados sites crípticos, espertamente ocultos, que ensinam a se invadir códigos<br />
de agências bancárias e mexer em saldos de contas, como fazem vez por outra os<br />
hackers – ladrões especializados do ciberespaço.<br />
Relativamente a vícios, destacam-se os chats (ou salas de bate-papo), pois<br />
há chats eróticos com trocas de fotografias lúbricas reproduzidas por intermédio<br />
de scanners, levando o clima desses intercâmbios a temperaturas só imagináveis<br />
para quem o avalia e acompanha. Além disto, há também os chats de tal modo<br />
numerosos, móveis no ciberespaço e utilizadores de linguagens codificadas, que<br />
podem ser utilizados – e com mais freqüência do que se imagina o são – para<br />
tráfico de drogas ilícitas, com orientações de pontos e procedimentos bem como<br />
atendimento direto de encomendas.<br />
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Aqui estamos, sumariamente, apresentando alguns exemplos fatuais. Certamente<br />
haveria bem mais a apontar-se, apenas não sendo isto do interesse destas páginas. O<br />
fato é que educadores (das famílias e das escolas) vão sendo ridicularizados, ou em<br />
razão de sua inocência em meio a fatos como estes, ou pelo mais grave motivo de sua<br />
conivência. Como vimos, pornografias, sexo virtual, compras e vendas de drogas<br />
ilícitas, campanhas caluniadoras (de pessoas) ou comprometimentos negativos de<br />
produtos industriais por pseudo-informação e competição suja, todas estas e outras<br />
mais são coisas que põem em grandes dificuldades os empenhos educacionais. Ora,<br />
se tudo isto tem a ver com a educação como um todo, tem diretamente a ver com as<br />
responsabilidades de ensino/educação específicas das escolas como meios formacionais<br />
sócio-comunitários.<br />
Fica claro o bombardeamento dos esforços motivacionais, pois, numa<br />
sociedade assim cabe a pergunta de tantos adolescentes e jovens: “Saber para<br />
quê?” Quase nenhuma exemplaridade os norteia, enquanto que muita<br />
exemplaridade de sinal negativo os desnorteia. Inevitável o aviltamento das<br />
virtudes pessoais e de cidadania pelos estranhos “valores” da caótica sociedade<br />
produtivista e consumista. Talvez possamos mesmo, de um ponto de vista<br />
psicológico, falar em desestruturação de personalidades com esses<br />
empobrecimentos resultantes de verdadeiras confusões axiológicas.<br />
O filósofo Pierre Lévy, grande interessado em temas ciberespaciais, chama a<br />
humanidade contemporânea a fazer escolhas e tomar decisões terríveis ante a<br />
cibercultura. Esta transformou-se num “lugar” de tudo, verdade e mentira, ciência e<br />
banalidades, informações edificantes e monstruosamente destrutivas. Lévy diz-nos<br />
que é chegado o momento das decisões responsáveis e das escolhas radicais (LÉVY<br />
apud Lemos, pp. 14 a 16); ora, ao lembrarmos-nos da advertência, que encontramos<br />
ao longo da obra de Erich Frömm, de que a humanidade terá chegado maximamente<br />
a uma conturbada adolescência, temos que nos fazer algumas perguntas como: entre<br />
os “valoreternismos” já criticados por Mário de Andrade na década de 1920 e essa<br />
“geléia geral”, cujo nome foi dado por Gilberto Gil, não existirão matizes menos alheios<br />
às possibilidades evolutivas atuais dos seres humanos? Será que temos, agora, o<br />
direito de exigir um tal senso de responsabilidade de uma humanidade que não encontra<br />
apoio em seu próprio mundo para amadurecer?<br />
O psiquiatra suíço Paul Tournier, e também pensador social, em belo livro intitulado<br />
Mito y neurosis en nuestro tiempo (1976), diz-nos que a Antigüidade terá sido a idade da<br />
poesia e, portanto, a infância da humanidade. Depois, esta passou pela Idade Média, que<br />
o autor compara à idade escolar, de obediência e aprendizagem com as autoridades<br />
“adultas”. Até que, com a Idade Moderna chega propriamente à adolescência, encontrandose<br />
a humanidade ocidental de hoje não mais do que em uma primeira juventude<br />
(TOURNIER, 1976, pp. 10-12). Pode-se ver que Tournier avançou mais que Frömm.<br />
Mas mesmo assim, nos albores da juventude o sentido de responsabilidade não está tão<br />
pronto quanto a visão de Pierre Lévy gostaria; o esquema de valores ainda está vacilante,<br />
as incertezas ainda são muitas, os conflitos básicos dificilmente estarão resolvidos, de<br />
modo que de pouco vale ter chegado “a hora das responsabilidades”, escolhas e decisões<br />
para um “ser” imaturo e em processo de crescimento interior.<br />
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Em Minas Gerais deu-se o triste fato de três adolescentes terem atraído para<br />
fora da cidade uma coleguinha, terem-na amarrado a uma árvore e a esfaqueado até<br />
à morte, sob a influência de uma música intitulada Altar of Sacrifice, da banda Slayer.<br />
Claramente há elementos psicológicos subliminares que instigam sombras psíquicas<br />
capazes de “detonar” uma instintividade que não tem sido estudada pelos defensores<br />
desse ciberespaço pós-moderno carregado com toneladas de lixo civilizatório.<br />
Parece-nos, assim, que o problema central é ético e político, projetando-se sobre<br />
as responsabilidades do poder legislativo (o qual, em nossa realidade, parece viver<br />
sob pressões de lobbies problemáticos), no sentido de que leis sejam feitas para<br />
regular, com vistas à cidadania equilibrada, as programações radiofônicas, televisivas<br />
e o tráfego do ciberespaço em seus aspectos qualitativos. Lévy coloca a questão<br />
como problema de consciência de cada qual, mas, claramente, por enquanto pelo<br />
menos não pode ser coisa individualizada, apenas de foro íntimo.<br />
Neste passo da história, a educação, que deve ser a mais eficaz medicina da<br />
sociedade, está precisando ser socorrida. São perversamente desiguais os poderes se<br />
pensados entre a mídia, as famílias e as escolas.<br />
4. NOVAS TECNOLOGIAS, MÍDIA E MUNDO DO TRABALHO<br />
Na relação da mídia com o mundo do trabalho, deverá ter prioridade o aspecto<br />
midiológico, livremente entendido como as transformações socioculturais geradas<br />
pela informação tecnologicamente processada e veiculada, sobre os aspectos midiáticos,<br />
vistos estes como os suportes de informação na “mass media”. Isto porque aqui<br />
interessarão novas tecnologias que se afinam com o midiático, mas não são propriamente<br />
mídia, bem como a própria mídia incidindo sobre a vida laboral.<br />
O sociólogo Alan G. Johnson (1997) faz alguns questionamentos que, de forma<br />
direta ou indireta, têm a ver com a realidade do trabalho; não poderíamos ignorá-los,<br />
neste ponto do presente ensaio. Por exemplo, escreve Johnson:<br />
De que modo a mídia se relaciona com a explosão na<br />
tecnologia dos computadores e em seu potencial de transmitir<br />
imensos volumes de informações através de redes, tal como a<br />
Internet? Qual a relação entre a mídia e outras grandes<br />
instituições sociais como o Estado, as grandes empresas, a<br />
educação e a religião organizada? (JOHNSON, 1997, p. 45).<br />
(...)De que modo o efeito cumulativo de muitos meios de<br />
divulgação de massa que transmitem mensagens semelhantes<br />
molda as populações e suas maneiras de interpretar a<br />
realidade social? (JOHNSON, 1997, p. 45).<br />
Segundo Alan G. Johnson, na sociedade da informação constataremos mudanças<br />
na estrutura ocupacional; poder crescente das empresas transnacionais de exercer<br />
controle sobre trabalhadores e buscar operações que fujam às restrições impostas<br />
pelos governos nacionais (1997, p. 214). A informatização, a telemática, a robótica e<br />
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as chamadas deslocalizações operacionais vêm confirmando, a olhos vistos, o que<br />
lemos acima em Johnson: transformações na estrutura ocupacional e expedientes<br />
operacionais novos. Tudo isto claramente facilitado pelos aproximadamente 113<br />
paraísos bancários e fiscais que propiciam, dentre outras coisas, ágil mobilização de<br />
capitais e recursos.<br />
É o próprio Johnson ainda que adverte:<br />
Da mesma maneira que a industrialização tornou possível<br />
produzir imensos volumes de bens materiais, o aparecimento<br />
de computadores de alta velocidade e da tecnologia da<br />
comunicação tornou viável produzir, processar e transmitir<br />
volumes imensos de informação (1997, p. 214).<br />
Ora, como a informação trafega por níveis diferentes, na relação mídia e trabalho<br />
há que se sutilizar a abordagem, estabelecendo matizações para o tema da informação<br />
e enfrentando-se inclusive o risco de alguma inadequação terminológica. Todavia,<br />
não será difícil fazer inteligíveis nossos pontos de vista. A sutilização aludida implica<br />
que estudemos aspectos como: a) aquilo que causa impacto no indivíduo como cidadão,<br />
em termos de impregnação ideológica, propaganda e outros condicionamentos que as<br />
pessoas, inevitavelmente, trazem para o trabalho; b) alterações nas formas e relações de<br />
produção e suas interdependências com a tecnologia de propaganda; exemplos: novas<br />
exigências de qualificação laboral, nova exigência de polivalência por parte do trabalhador,<br />
bem como Intranet nas empresas, ora como racionalização do uso de dados e informações,<br />
ora como “policiamento” on line de produtividade, pontualidade e excelência.<br />
Em relação aos condicionamentos de mídia sofridos pelo cidadão, nada corre<br />
muito diferente do que antes analisamos para as famílias e as escolas, talvez bastando<br />
que aqui enfatizemos a deificação da competitividade, a inerme submissão às chamadas<br />
leis de mercado, a obsessiva valorização dos êxitos piramidais (visando os cargos<br />
mais elevados como forma de auto-estimar-se), como também o endeusamento de<br />
uma eficácia pragmatista que às vezes volta as costas para a qualidade humana de<br />
vida. O qualitativismo nos veio do âmbito empresarial mesmo, mas hoje precisamos<br />
empregá-lo ao cotidiano de nossas vidas, se não quisermos um envelhecimento amargo<br />
e sob o peso da revolta de nossas famílias. Não há como atribuirmos à mídia de<br />
divulgação de valores e opiniões um angelismo de que ela não é merecedora; nos<br />
teleteatros, nos telejornais, nas radiodifusões e nos cadernos da imprensa impressa<br />
sobre empresas e administração – em tudo isto encontramos, mais aqui e menos ali,<br />
uma pregação contumaz da guerra contra o outro (competição) à qual se ligam as<br />
obsessivas escaladas por sucesso material, junto com as martelações neoliberais acerca<br />
do deus-mercado.<br />
Coisa que pudemos observar em grandes empresas foi o fato de que, quando<br />
uma campanha publicitária é posta “no ar” e “nas ruas”, um grupo grande de gerentes<br />
com seus funcionários imediatos é tomado de angústia, “torcendo” para que a campanha<br />
dê os resultados esperados; vê-se que os cargos e empregos de muita gente ficam,<br />
súbito, dependentes do mundo indominável da propaganda. Por razões como estas e<br />
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como outras, a mídia de opinião, começando a agir desde fora, é condicionadora dos<br />
cidadãos e, por isso, causa já impactos sobre a vida intra-empresas.<br />
A esta altura, todavia, queremos propor uma distinção entre mídia de opinião (ou<br />
ideológica) e mídia de dados (ou operacional). Naturalmente, a primeira procura criar<br />
quadros mentais ideologicamente objetivados, enquanto a segunda se constitui de meios<br />
de comunicação de massas que labora com a realidade silenciosa de dados. Ora, a<br />
informatização de Bancos, empresas industriais e comerciais, escolas (sobretudo<br />
Universidades e grandes faculdades), mostrou-se e se vem mostrando como mídia<br />
substituinte de grande parte do trabalho humano. As burocracias de feitura eletrônica<br />
mostram-se claramente necessárias em sociedades altamente complexificadas; no<br />
entanto, elas têm sido impostas de forma unicamente diminuidora de custos para as<br />
empresas (e conseqüente aumento de lucro), aparentemente sem quaisquer atenções<br />
às necessidades maiores da organização social do trabalho. Ouvidas as vozes dos<br />
profetas do ócio inteligente ou do ócio desfrutado, o que hoje temos? De um lado,<br />
massas de desempregados; de outro, empregados que têm de se submeter a jornadas<br />
desdobradas de trabalho, exigindo-lhes que desempenhem várias funções.<br />
O sociólogo Ivo Lesbaupin (2000), lembra-nos de que os pactos entre a<br />
automação, a telemática e a robótica por alguns estudiosos têm sido chamados<br />
de Terceira Revolução Industrial e – isto deve chamar nossa atenção – são pactos<br />
que o rádio, a televisão e os jornais (que estamos considerando algumas das<br />
mídias de opinião) têm defendido e tentado justificar, mais de formas indiretas<br />
mas às vezes diretamente. Do ponto de vista neoliberal, o mercado é que deverá<br />
produzir reajustes na organização laboral; se isto é verdadeiro, será preciso<br />
descobrir algum modo de humanizar esse mecanismo gélido chamado mercado,<br />
que até aqui tem sido muito mais o tapume por detrás do qual escondem-se<br />
perversas formas de políticas sociais (e isto desde o primeiro liberalismo econômico<br />
da modernidade) (LESBAUPIN, 2000, p. 16).<br />
Karl Marx, em seu célebre “Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia<br />
Política”, focaliza formas de trabalho naturalmente muito anteriores à automação.<br />
Mesmo assim, auxilia-nos a compreender realidades contemporâneas, ao escrever:<br />
(...) na produção social da vida, os homens contraem<br />
determinadas relações necessárias e independentes da sua<br />
vontade, relações de produção que correspondem a uma<br />
determinada fase de desenvolvimento das suas forças<br />
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção<br />
forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre<br />
a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual<br />
correspondem determinadas formas de consciência social. O<br />
modo de produção da vida material condiciona o processo<br />
da vida social, política e espiritual em geral. Não é a<br />
consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo<br />
contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência<br />
(K. MARX, apud FISCHER, 1970, p. 154).<br />
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Transformadas as forças produtivas, mudam-se os modos de produção; e os<br />
novos modos de produção trazem também novas relações de produção. A humanidade<br />
contemporânea tem procurado forma de acolher as mais recentes tecnologias sem<br />
que o ser humano se veja expropriado do sentido essencial de sua vida: o trabalho.<br />
Não será demasiado observarmos que, dentre as aqui denominadas mídias<br />
operacionais, será necessário ainda distinguirmos as mídias operacionais interativotécnicas<br />
(oferta de dados sem quaisquer intervenções) das mídias operacionais<br />
interativo-intervencionais (quando não há unilateralidade, sendo necessário “clicar”<br />
ou preencher campos para obter-se determinados resultados). De todo modo,<br />
paralelamente a uma mídia de opinião com características ideológicas, há uma mídia<br />
operacional que é técnica e mobiliza, praticamente sem mediações do trabalho humano,<br />
circulações econômicas e financeiras.<br />
Ora, se, ao crermos em Marx, “não é a consciência do homem que determina o<br />
seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência”, não<br />
teremos dificuldades de constatar que os atuais modos e relações de produção –<br />
amparados pelas mídias que lhes são porta-vozes – erigem tipos humanos muito<br />
peculiarmente empobrecidos espiritualmente.<br />
CONCLUSÕES<br />
Não estamos autorizados a ver, nos meios de comunicação de massas, apenas<br />
negatividades e problemas. Já vimos que os suportes midiáticos, além de deverem ser<br />
compreendidos por mais complexas investigações midiológicas (com seus aspectos<br />
históricos, sociológicos, econômicos e políticos), fazem parte desse quadro mais vasto<br />
denominado evolução humana. As teleconferências, em especial as médicas e<br />
científicas em geral, os esforços de educação à distância e outros benefícios da<br />
informação rápida são importantes conquistas humanas.<br />
Mas é inegável que esses primeiros tempos de mídia eletrônica têm posto<br />
problemas às realidades familial, escolar, social em termos mais gerais, e de trabalho.<br />
Por exemplo, hoje se vai estabelecendo uma tensão entre, de um lado, a coisa sadia da<br />
socialização pelo trabalho em ambientes nos quais as pessoas se reúnem para produzir<br />
e conviver e, de outro lado, o trabalho on line (feito solitariamente em casa).<br />
Estamos em um momento da vida social em que, visivelmente, velhos valores<br />
desgastaram-se e já não nos servem; e ainda não temos novos que firmemente nos<br />
amparem em nosso viver cotidiano. É uma hora nebulosa de nossa situação civilizatória.<br />
No entanto, não cessam avanços tecno-científicos que põem ao nosso dispor meios e<br />
suportes cujo uso exige muita ética – esta ética que esteve tão exilada, que foi a<br />
grande proscrita do século XX.<br />
Tudo vai mal? Não temos o que fazer por nós mesmos e por nossos semelhantes?<br />
Estas são questões impactantes que reboam em nossas mentes. Sejamos sinceros:<br />
não tudo, mas quase tudo tem andado mal. Mas é por isto que temos muito o que<br />
fazer; temos um imenso trabalho pela frente. Como costumava dizer o matemático e<br />
filósofo inglês Bertrand Russell, nos momentos civilizatórios ou predomina o impulsopoder,<br />
ou o impulso-amor. O que se verifica, não sem verdadeira lástima, é que o<br />
impulso-poder tem-se imposto e dirigido a realidade da mídia e das relações de trabalho;<br />
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quanto à família e às escolas, por mais que se disfarce, não tem sido tão diferente.<br />
Certamente o impulso-amor haveria de fazer nosso mundo muito mais amigo e habitável.<br />
Pediríamos que estas palavras não fossem mal interpretadas. Ao pesquisador<br />
não compete ser pessimista e nem otimista. Compete-lhe historicizar e contextualizar<br />
o que investiga, para uma compreensão despreocupada de ornatos ou de enfeiamentos.<br />
Eis uma leitura das relações entre mídia e educação. Jamais pensamos que seja<br />
a leitura, no sentido de única ou definitiva. Fizemos nossas análises, expusemos nossos<br />
pontos de vista com possíveis elementos para reflexões outras dos que nos honrarem<br />
com sua leitura. Afinal, sem as forças da intersubjetividade expomo-nos ao<br />
encarceramento fanatizado de nossas próprias e solitárias idéias.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:<br />
BACCEGA, M. A. Televisão e escola – uma mediação possível? São Paulo: Ed.<br />
SENAC, 2003.<br />
BELLONI, M. L. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2001.<br />
ECKHARDT, W. Civilizations, Empires and Wars – a quantitative study of the war.<br />
North Carolina/London: MacFarland and Company Ind./Publishers Jefferson, 1992.<br />
FISCHER, E. O que Marx realmente disse. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />
1970.<br />
JONSON, A. G. Dicionário de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.<br />
LEMOS, A. Cibercultura – tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto<br />
Alegre: Sulina, 2002.<br />
LESBAUPIN, I. Poder local x exclusão – a experiência das prefeituras democráticas<br />
no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />
MATTELART, A. História da sociedade da informação. S. Paulo: Loyola, 2002.<br />
MORIN, E. Para sair do século XX. 30ª reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,<br />
2002.<br />
SCHWARTZ, T. Mídia: o segundo deus. S. Paulo: Summus Edit., 1985.<br />
TOURNIER, P. Mito y neurosis en nuestro tiempo. Buenos Aires: Asociación<br />
Editorial La Aurora, 1976.<br />
WIENER, N. Cibernética e sociedade. 3. ed. S. Paulo: Cultrix, 1970.<br />
Artigo recebido em<br />
21/11/2006<br />
Aprovado para publicação em<br />
30/03/2007<br />
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PESQUISA NA INTERNET: : UMA CULTURA A SER<br />
CONSTRUÍDA<br />
Adriano Rodrigues Ruiz 1 e Fábio Ricardo Martins Morrone 2<br />
INTRODUÇÃO<br />
A revolução tecnológica propiciada pela informática cria a sensação de que nos<br />
encontramos diante de um momento bom para mudanças educacionais porque<br />
conhecimentos e vínculos são construções que ocorrem no interior, e sob a influência,<br />
de uma cultura e da oferta de condições técnicas.<br />
O computador revolucionou o mundo da informação e abriu novos canais para a<br />
comunicação entre as pessoas, fornecendo matéria-prima para o conhecimento e<br />
para vínculos interpessoais. Com isso, sua presença gera expectativas favoráveis ao<br />
fortalecimento de culturas de aprendizagem abertas ao exercício da autonomia<br />
intelectual e moral.<br />
Nesse contexto surgem perguntas como estas: os alunos navegam pela Internet<br />
com desenvoltura? Que culturas de aprendizagem estão ganhando vida, em ambientes<br />
que dispõem de recursos computacionais? A autonomia está sendo exercitada nesses<br />
ambientes?<br />
A partir dessas interrogações passamos a levantar hipóteses acerca do convívio<br />
de uma cultura bem estabelecida, com padrões definidos – a escolar –, e as aberturas<br />
da Internet para um mundo sem fronteiras, com múltiplos códigos e ilimitadas<br />
possibilidades.<br />
Na busca de elementos para um esboço de respostas freqüentamos durante um<br />
mês a Unidade de Informação IV de uma universidade privada, observando e dialogando<br />
com acadêmicos dos últimos anos do curso de Direito, enquanto eles navegavam pela<br />
Internet, fazendo tarefas propostas por seus professores ou em atividades de<br />
entretenimento.<br />
Por essa via identificamos a familiaridade dos alunos com a Internet e alguns<br />
traços que caracterizam a forma como eles navegam, ao executarem trabalhos escolares<br />
ou incursões em sites de entretenimento.<br />
UMA ASPIRAÇÃO: EDUCAR PARA A AUTONOMIA<br />
Uma das críticas mais persistentes dirigidas à escola é a que aponta a pequena<br />
atenção ao exercício da autonomia, à falta de oportunidade de os alunos administrarem<br />
a própria aprendizagem. A adoção de modelos, as tarefas repetitivas, o controle de<br />
diversos matizes estão entre suas características bem conhecidas e de há muito<br />
criticadas.<br />
Na vida escolar os alunos são objeto de regulação externa, vêem-se diante de<br />
horários a cumprir, de tarefas a fazer, de respostas a repetir, de informações sobre o<br />
________________________________<br />
1 Professor doutor, aposentado pela Universidade Estadual de Maringá e docente do Programa de Mestrado em Educação da Unoeste.<br />
E-mail: arruiz@uol.com.br<br />
2 Mestre em Educação pela Unoeste. E-mail: fabio.morrone@itelefonica.com.br<br />
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quanto estão aprendendo, de aprovações ou reprovações. Eles são convidados a aderir<br />
à verdade da autoridade: se o professor falou, podem confiar! Sobre lições aprendidas<br />
na escola, Papert (1993) declara que a mais bem compreendida é a que estabelece:<br />
não se pode aprender sem ser ensinado.<br />
Seguindo o tom de desencanto, Jacquard (1996) argumenta que o sistema<br />
educativo, em vez de ser o domínio privilegiado, em que cada um tome consciência<br />
das imensas possibilidades humanas e aprenda a exercitá-las, é, de modo geral,<br />
organizado de maneira a incitar cada um a cortar as próprias asas. Em lugar de<br />
favorecer o desenvolvimento de personalidades diferenciadas, esforça-se para produzir<br />
em série indivíduos conforme as normas. Assim a “escola serve quase sempre para<br />
inserir cada um numa via onde repita docilmente as respostas, encontradas desde há<br />
muito por outros, a perguntas que não fez”.<br />
Essa sabedoria prioriza o controle externo e a apresentação de modelos a serem<br />
seguidos. A ética adotada é a da hierarquia, da obediência à moda, como salienta<br />
Savater (1996) – se todos fazem, é aceitável! A epistemologia mais admitida é a<br />
retratada pela metáfora bancária de Paulo Freire: o aprender é similar à construção<br />
de paredes, é a arte de juntar “tijolinhos”. Nesse modelo a informação é “guardada”<br />
pelo professor e distribuída com parcimônia aos alunos.<br />
Na época em que o computador provoca transformações no mundo do trabalho,<br />
que causam perplexidades, a competência para a tomada de decisões torna-se<br />
necessária diante dos renovados mecanismos de exclusão. Isso impõe ao mundo da<br />
educação novos desafios e compromissos de ruptura com sabedorias e práticas que<br />
se tornaram obsoletas.<br />
Situações de ruptura com as práticas instituídas, segundo Tedesco (1998, p.83),<br />
exigem das pessoas o exercício da capacidade de “escolher entre diferentes opções possíveis<br />
para resolver um problema”. Ele acrescenta que “as condições da vida moderna produziram<br />
um aumento notável dos âmbitos sobre os quais o cidadão deve decidir”, assim, os “jovens<br />
de hoje são convocados a escolher, a tomar decisões que até pouco tempo eram definidas<br />
por autoridades externas ao indivíduo”. Por isso, ensinar a escolher se transformou em<br />
“uma tarefa importante da educação para a paz e a democracia”.<br />
Ao apontar o norte para a escola Tedesco (1998, p.83) insiste em que “o<br />
desenvolvimento da capacidade de escolher supõe uma pedagogia muito diferente da<br />
vigente em nossos sistemas escolares”. A ênfase teria como foco o “trabalho em<br />
equipe, a solidariedade ativa entre os membros do grupo e o desenvolvimento da<br />
capacidade de escutar”.<br />
Freire (1989, p.43) já alertara que uma das tragédias do homem moderno está<br />
em ser comandado pela publicidade, “ideológica ou não, e por isso vem renunciando<br />
cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir. Vem sendo expulso da órbita das<br />
decisões”. A compreensão do que ocorre é feita por uma elite, que interpreta a realidade<br />
e emite receitas a serem seguidas. Assim, a maioria “afoga-se no anonimato nivelador<br />
da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito.<br />
Rebaixa-se a puro objeto”.<br />
Na renovação de compromissos educacionais o pano de fundo exibe a<br />
impropriedade de uma educação que se satisfaça ao formar pessoas aptas para repetir<br />
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lições. Os desafios foram reescritos, autonomia, criatividade, sabedoria para tomar decisões<br />
e a fé nas possibilidades do humano passaram a ser ferramentas mais importantes que<br />
conhecimentos armazenados. O mundo ficou menos previsível, o antigo traçado dos<br />
caminhos se desfez, e a educação ganhou o compromisso de ajudar cada pessoa a ter<br />
ousadia para ser sujeito na invenção ou reinvenção de sua singularidade.<br />
A Internet oferece oportunidades de escolhas, de decisões sobre rumos a serem<br />
tomados; por isso, voltamos nossas atenções para discussões que o seu uso tem gerado,<br />
no meio educacional.<br />
A INTERNET E EXPECTATIVAS FAVORÁVEIS PARA A AUTONOMIA<br />
Como existem anseios por uma educação mais desperta para a autonomia, todo<br />
avanço significativo da tecnologia de informação faz surgir expectativas de mudanças.<br />
Com isso, a Internet tem chamado a atenção de pesquisadores atentos a novas<br />
aberturas educacionais.<br />
Seymour Papert (1997) mostra-nos que vivemos um bom momento para a<br />
semeadura de um clima intelectual orientado pelo aprender, liberto das tutelas. Ele<br />
está a nos convidar a olhar com carinho para a possibilidade de cada pessoa assumir<br />
o comando de seu desenvolvimento, de sua formação como aprendiz competente e<br />
autônomo. No livro A família em rede, diz que a Internet surge como um novo oásis<br />
próprio para aprendizagens. Consiste na oportunidade para dar asas a interesses<br />
pessoais e na excitação da busca da aquisição de conhecimentos. E acrescenta, quanto<br />
à própria experiência:<br />
Comparo esta situação à consulta de dicionários e<br />
enciclopédias que eu gostava de fazer em miúdo, quando o<br />
tempo era mais livre, e que faço quando tenho ocasião. (...)<br />
Os partidários da disciplina podem encarar isto como um<br />
desperdício de tempo. Sei, no entanto, que os interesses e o<br />
conhecimento que começaram deste modo tiveram um papel<br />
importante na minha atividade intelectual. Estou plenamente<br />
convencido de que navegar na Internet apresenta o potencial<br />
necessário para produzir benefícios semelhantes e até maiores<br />
(S. PAPERT, 1997, p. 93).<br />
Nesse mesmo contexto ele aponta uma preocupação: que a Internet possa ser<br />
usada para estimular formas pouco reflexivas para o trato com conhecimentos. Por isso,<br />
afirma: “critiquei severamente a escola por ser demasiado diretiva, mas existe também o<br />
perigo óbvio se incentivarmos uma abordagem ‘saltitante’ nas atividades intelectuais”.<br />
Em outras palavras, “o lado negativo assume importância apenas se a excitação de navegar<br />
se tornar o modelo dominante de relacionamento com o conhecimento”.<br />
Com essa preocupação o autor argumenta que o problema que pais e<br />
educadores têm que enfrentar consiste em ajudar os alunos a assumirem o<br />
comando do próprio desenvolvimento, pois todas as pessoas têm que definir seus<br />
papéis, ao longo da vida.<br />
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Na imensidão da Internet, além da face construída com seriedade, os navegantes<br />
encontram regiões “obscuras”. Falando delas, Papert (1997, p. 113) considera o diálogo<br />
e a honestidade como constituintes da melhor saída. Os comportamentos “esquisitos”<br />
precisam ser “compartilhados e discutidos, em de vez de serem assunto tabu, espreitados<br />
e nunca mencionados por existirem receios de reprimendas ou risos abafados”. Assim,<br />
para se enfrentar enganos, o melhor procedimento é “criar uma cultura de honestidade<br />
absoluta”.<br />
Sob o olhar de Papert, a Internet é um mundo aberto e convidativo para viagens,<br />
nem todas constituídas apenas de boas paradas. Isso abre possibilidades para que os<br />
educadores conversem sobre questões éticas, sobre valores, além, é claro, a respeito<br />
do acesso a conhecimentos e vínculos. Os usuários vêem-se diante do desafio de<br />
avaliar a confiabilidade de informações, de identificar argumentações contraditórias,<br />
de optar frente a hipóteses divergentes etc.<br />
Com sua usual inspiração poética, acerca da Internet, Rubem Alves (2003) nos<br />
diz que, de repente, “os saberes começaram a pulular fora dos limites da ‘escola<br />
tradicional’. Circulam livres no ar – sem depender de turmas, salas, aulas, programas,<br />
professores, livros-texto –, dotados do poder divino da onipresença: o aprendiz aperta<br />
um botão e viaja instantaneamente pelo espaço”. Os antigos limites desapareceram,<br />
e o "aprendiz se descobre diante de um mundo imenso, onde não há caminhos<br />
predeterminados por autoridades exteriores. Viaja ao sabor da sua curiosidade, quer<br />
explorar, experimenta a surpresa, o inesperado, a possibilidade de comunicação com<br />
outros aprendizes companheiros de viagem".<br />
Diante de abertura tão grande, surgem perguntas e a tomada de consciência de<br />
que os desafios continuam. Tedesco (1998, p. 70) ressalta que as tecnologias “nos dão<br />
informações e permitem a comunicação, condições necessárias do conhecimento e<br />
da comunidade”. Ele alerta, contudo, que “a construção do conhecimento e da<br />
comunidade é tarefa das pessoas, não dos aparatos”. A contribuição da tecnologia é<br />
permitir que o tempo, “que agora é utilizado para transmitir ou comunicar, seja dedicado<br />
à construção de conhecimentos e vínculos, sociais e pessoais, mais profundos”.<br />
Savater (2000, p. 152) assevera que a crença apocalíptica de que o computador<br />
vai abolir o espírito é tão errônea quanto a “beatitude trivial dos que acreditam que a<br />
inteligência desses aparelhos conseguirá dar-lhes a agilidade mental que lhes falta”.<br />
Para a construção de um clima intelectual ativo é indispensável a paciência para<br />
conhecer, submeter à prova hipóteses, duvidar de certezas, ouvir o que os outros<br />
estão a dizer, dar significado às coisas e entreter-se com a poesia das relações. Para<br />
esse percurso Papert recomenda o empenho em se seguir uma disciplina que conduza<br />
a uma boa dieta mental. Ela consiste no balanceamento entre situações em que a<br />
pessoa estuda pacientemente algum tema (em profundidade) e as marcadas por passeios<br />
ligeiros.<br />
A existência de culturas de aprendizagem mais autônomas implica o abandono<br />
de controle, de imposições e do governo desde fora. Isso fortaleceria o desafio de as<br />
pessoas assumirem mais riscos, ao inventarem-se como aprendizes, responsabilizaremse<br />
por uma dieta intelectual. O interessar-se por si mesmo é que vai permitir<br />
experimentações e o fortalecimento de estilos próprios para conhecer.<br />
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A compreensão de que o mundo educacional clama por mudanças e as<br />
expectativas favoráveis a inovações, que surgem com a Internet, conduziram-nos ao<br />
diálogo com universitários, no momento em que eles faziam incursões pelo ciberespaço.<br />
OUVINDO E OBSERVANDO ALUNOS<br />
O propósito desta pesquisa foi identificar como estudantes do ensino superior<br />
usam a Internet como instrumento de apoio aos seus estudos. Assim, optamos por<br />
uma investigação qualitativa, com caráter exploratório. O ambiente de coleta de dados<br />
foi a Unidade de Informação de uma universidade privada e os acadêmicos agindo<br />
em seu interior.<br />
Durante um mês permanecemos na unidade de informação observando o dia-adia<br />
dos freqüentadores, fomos perguntando e registrando manifestações e comentários<br />
dos acadêmicos sobre os trabalhos que estavam a fazer.<br />
A primeira constatação foi acerca da desenvoltura com que os acadêmicos<br />
"navegam". O computador é algo bastante familiar na vida dos alunos ouvidos, conforme<br />
alguns números mostram:<br />
• 82% classificaram seu conhecimento sobre "navegação" na Internet entre<br />
aceitável e excelente;<br />
• 74% dos alunos possuem computador em casa;<br />
• 64% utilizam o computador no trabalho;<br />
• 80% fazem uso do computador na Universidade;<br />
• 96% sabem conectar um computador à Internet;<br />
• 68% tiveram seu primeiro contato com um computador entre 11 e 19 anos de<br />
idade;<br />
• 46% tiveram contato com a Internet entre os 16 e 20 anos de idade.<br />
Esses números indicam que os acadêmicos, alvo de nossas atenções, estão<br />
distantes daquilo que chamamos de exclusão digital. A partir dessa constatação a<br />
pergunta que ganhou corpo foi: como os incluídos digitais exploram a Internet como<br />
ferramenta de enriquecimento da vida universitária?<br />
Quanto aos sites visitados percebemos uma ampla diversidade. Com o propósito<br />
de quantificação, pedimos a 50 alunos que freqüentavam a Unidade que citassem os<br />
sites preferidos em suas navegações. Aproximadamente 42% dos sites acessados<br />
são de pesquisa e os 58% restantes são de diversão, passatempo, envio de e-mail,<br />
leitura de notícias, programação de televisão, receitas, curiosidades, envio de cartões<br />
eletrônicos, fofocas, esportes, fotos de artistas, filmes em lançamento, músicas, turismo<br />
e humor.<br />
Contudo, nos sites de pesquisa, os alunos mostraram-se menos pacientes do que<br />
nos de entretenimento. Pudemos perceber que alguns alunos chegavam à unidade,<br />
passavam a navegar e iniciavam pesquisas-relâmpago. Atribuímos essa designação<br />
ao procedimento que consiste em escolher um artigo, selecioná-lo, copiá-lo e gravá-lo<br />
no disquete. Na seqüência, vêm os passeios pelos e-mails e por sites de entretenimento.<br />
Pela constância desse ritual passamos a perguntar aos acadêmicos o porquê de<br />
suas pesquisas serem tão apressadas. Entre as respostas, destacamos:<br />
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– tenho pressa, a aula já vai começar;<br />
– vim correndo do trabalho e preciso ir para a aula correndo;<br />
– não tenho tempo para pesquisar mais, já achei o que queria;<br />
– a minha parte é só essa, o resto é do grupo, por isso não preciso pesquisar<br />
muita coisa;<br />
– eu faço rapidinho mas eu sempre pego os resultados finais, assim nunca vai<br />
ser igual a outro trabalho;<br />
– no trabalho eu tenho tempo de ler o que capturo aqui, agora não dá, se não<br />
entrar daqui a pouco o professor não me deixa entrar mais;<br />
– é que o trabalho é para a próxima aula e eu tenho que imprimir correndo no<br />
laboratório, não dá tempo pra mais nada;<br />
– o resultado é um só, não precisa mais, depois eu encho lingüiça;<br />
– todo mundo faz isso.<br />
Essas manifestações são típicas da cultura escolar, revelam a falta de paciência<br />
para a busca e a atribuição de pouco significado para o trabalho que está sendo feito.<br />
Parecem indicar que a tarefa é algo que o aluno esta fazendo para o professor, não<br />
algo que ele faz para si próprio.<br />
Ao perguntarmos sobre a confiabilidade do conteúdo do artigo copiado, ouvimos<br />
respostas como estas:<br />
– como eu vou saber?;<br />
– ué, se está publicado na Internet é porque é bom;<br />
– eu nem conheço a matéria, o professor ainda não explicou;<br />
– isso importa? Está na Internet;<br />
– mas o site é confiável, é da Veja!;<br />
– quem escreveu é Desembargador;<br />
– foi escrito por um jurista conhecido;<br />
– nunca me preocupei com isso.<br />
Essas falas acabam demonstrando algo bem conhecido e preocupante do mundo<br />
escolar: é aquilo que Piaget (1997) chamou de "verdade da autoridade", caracterizada<br />
como postura não interrogativa diante de enunciados proferidos por autoridades, entre<br />
elas os professores e os livros. Por esse caminho, corre-se o risco de que a Internet<br />
venha a ingressar no rol de autoridades reverenciadas.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
As inquietações que decorrem de uma revolução tecnológica, como a possibilitada<br />
pelo computador, são estimulantes para o aprofundamento de reflexões sobre construção<br />
de um clima intelectual inquieto e mais arrojado, na busca de comportamentos<br />
autônomos, em que as pessoas assumam parcelas crescentes da responsabilidade<br />
pelo “educar-se”. Isso nos convida a pensar em princípios que fortaleçam a<br />
responsabilidade pessoal, em uma espécie de ética voltada para o cultivo de hábitos<br />
intelectuais, em que os esforços de aprendizagem conduzam a obrigações interiorizadas,<br />
distintas das ditadas pela autoridade do professor ou por outras pressões vindas de<br />
fora.<br />
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Esse clima de possíveis mudanças, com fortalecimento de culturas de<br />
aprendizagem mais auto-dirigidas que a escolar, implicaria o estabelecimento de novos<br />
pactos, tanto com parceiros no desafio de conhecer, quanto os de natureza mais pessoal,<br />
ligados ao projeto de vida de cada pessoa, ao auto-conhecimento e à disciplina<br />
intelectual. Teríamos aí um caminho em que as regras ditadas pelo exterior seriam<br />
substituídas pelas decisões pessoais, em que tomar decisões acerca da escolha de<br />
aprendizagens deixaria de ser algo centralizado nos professores.<br />
Na renovação de compromissos educacionais os desafios seriam reescritos;<br />
autonomia, criatividade e sabedoria para tomar decisões passariam a ser aquisições<br />
mais importantes que conhecimentos armazenados. Como o aparato tecnológico é<br />
generoso, ao liberar-nos de muitos fazeres, encurtar caminhos e armazenar informações,<br />
a boa nova poderia ser a dedicação de mais tempo para a vivência de desafios que<br />
fortalecessem a singularidade dos aprendizes e a construção de interações.<br />
Porém, o que pudemos verificar foi a Internet sendo usada sob o espírito que<br />
clama por controle, pela presença de alguém que cobre realizações. Em outras palavras,<br />
vimos os alunos, diante do computador, movidos pelos hábitos escolares que são<br />
criticados há muito. Entendemos que faltam a eles a paciência e o zelo para se deterem<br />
em buscas consistentes.<br />
O aparato tecnológico e a desenvoltura dos alunos para o seu uso são apoios<br />
relevantes, em ambientes educacionais, contudo não são determinantes de inovações.<br />
Novas relações na arte de aprender acarretam mudanças que alcançam a interioridade<br />
das pessoas, uma vez que os equipamentos tecnológicos não liberam professores e<br />
alunos de seus desafios. A esse respeito, Valente (2003) já destacou que a questão da<br />
Informática na Educação não se resume à compra e instalação de computadores nas<br />
escolas.<br />
Será que não estamos perdendo uma oportunidade para a renovação de nossas<br />
perguntas e para a superação de algumas crenças educacionais?<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ALVES, R. Que pipoquem experimentos. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 jul.<br />
2003. Caderno Sinapse.<br />
FREIRE, P. A educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,<br />
1989.<br />
JACQUARD, A. Acuso a economia triunfante. Lisboa: Publicações Europa –<br />
América, 1996.<br />
PAPERT, S. A máquina das crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.<br />
PAPERT, S. A família em rede. Lisboa: Relógio D’água, 1997.<br />
PIAGET, J. Sobre pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.<br />
SAVATER, F. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />
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SAVATER, F. A ética do amor-próprio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />
TEDESCO, J. C. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 1998.<br />
VALENTE, J.A. Formação de educadores para o uso da informática na escola.<br />
Campinas: Unicamp, 2003.<br />
Artigo recebido em<br />
20/10/2006<br />
Aprovado para Publicação em<br />
13/06/2007<br />
COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 106-113 • nov. de 2006 113<br />
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COMUNIDADE, SOCIEDADE E INTEGRAÇÃO SISTÊMICA:<br />
AS POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO SÓCIO-<br />
COMUNITÁRIA EMANCIPATÓRIA<br />
Luís Antonio Groppo 1<br />
INTRODUÇÃO<br />
O termo comunidade vem sendo tratado pelos cientistas sociais com cuidado,<br />
desconfiança e até negação, dada a grande carga ideológica que possui, a qual pode<br />
criar muita confusão por sua abrangência semântica e apelo emocional que apenas a<br />
sua pronúncia é capaz de trazer.<br />
Bauman (2003) afirma que, antes de tudo, a palavra comunidade guarda<br />
sensações, sugerindo coisas boas e “um lugar confortável e aconchegante” onde<br />
“estamos seguros”, “não há perigos ocultos”, “todos nos entendemos bem”, “nunca<br />
somos estranhos entre nós” e “podemos contar com a boa vontade dos outros”. Enfim,<br />
“o que esta palavra evoca é tudo aquilo de que sentimos falta” (BAUMAN, 2003, p.<br />
7). O desejo de segurança sempre foi um forte sentimento entre os homens, tanto<br />
capaz de estimular a boa vontade daqueles que se percebem como carentes desta<br />
proteção, quanto capaz de ser manipulado, ao longo da história e no presente, pelos<br />
mais hediondos projetos políticos e doutrinas.<br />
Acredito que não seja o caso de rejeitarmos, sumariamente, o termo com base<br />
nesta provável confusão semântica e carga ideológica. Não é necessário, apesar dos<br />
riscos, inventar ou utilizar outra palavra mais neutra, já que é bom, tal como sugere<br />
Wright Mills (1965), fazer uso, justamente, de termos praticados na vida cotidiana<br />
quando se referem, de algum modo, ao conjunto de fenômenos ou aspectos da realidade<br />
que se deseja investigar.<br />
É preciso deixar claro, desde já, os pressupostos filosóficos desta digressão.<br />
Considero que a espécie humana caracteriza-se, ao menos, por duas circunstâncias<br />
que se realizam em sua vida social: o primeiro, oriundo do caráter “natural” desta<br />
espécie, é a própria vida (como sobrevivência, vivência e reprodução); o segundo,<br />
oriundo do que é um “para além” do natural, que é algo particularmente humano ainda<br />
que necessite da vida para florescer, é a liberdade, talvez melhor, o desejo de liberdade<br />
ou a capacidade do ser humano querer “ser mais”.<br />
Considero o termo “comunidade” como expressão de um aspecto importante da<br />
humanidade. Considero-o como expressão de uma das lógicas ou princípios que regem<br />
a vida social – muito provavelmente, o primeiro princípio da vida em sociedade: o<br />
princípio comunitário. Lógica e princípio que se referem principalmente àquilo que<br />
primeiro esperam e necessitam os seres humanos dos seus semelhantes: a segurança,<br />
ou seja, a garantia da vida.<br />
________________________________<br />
1 Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, professor do Programa de Mestrado em Educação do Centro Unisal, Unidade Americana.<br />
Autor dos livros: Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas (Rio de Janeiro: Difel, 2000), Uma onda<br />
mundial de revoltas: movimentos estudantis de 1968 (Piracicaba: Editora <strong>Unimep</strong>, 2005) e Autogestão, universidade e movimento<br />
estudantil (Campinas: Autores Associados, 2006). E-mail: luis.groppo@am.unisal.br<br />
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Contudo, provavelmente desde o primeiro momento em que os indivíduos<br />
encontraram abrigo na vida social sob o princípio comunitário, devem ter surgido desejos<br />
de liberdade, emancipação e autonomia, tanto de partes do grupo comunitário, quanto<br />
dos indivíduos – principalmente dos indivíduos. Emerge, assim, o princípio societário: a<br />
“sociedade”, no sentido mais restrito do termo, como associação ou relações sociais<br />
regidas pela lógica societária. A sociedade, neste sentido restrito, tende a oferecer aos<br />
indivíduos e grupos aquilo que a comunidade muitas vezes dificulta, por sua ênfase na<br />
segurança; ou seja, o princípio da sociedade oferece, promete ou cultiva a liberdade.<br />
Assim nos colocamos diante da questão: qual dos dois princípios rege, enfim, a<br />
vida social atual? Qual das lógicas domina as relações sociais contemporâneas: a<br />
comunitária ou a societária? Vivemos em comunidade ou em sociedade?<br />
A resposta mais imediata afirmaria o predomínio do principio societário, pois,<br />
afinal, a vida urbana, as relações de mercado, a autonomização das esferas da política,<br />
ciência, arte etc. parecem ter expandido como nunca a liberdade dos indivíduos. As<br />
portas para a livre expressão e realização dos indivíduos estariam, assim, escancaradas.<br />
Apologistas da vida moderna e contemporânea parecem afirmar isto tanto quanto<br />
seus mais duros críticos, os conservadores. Os apologistas apontam a necessidade<br />
apenas de meros ajustes para o reforço do sistema societário. Os conservadores<br />
denunciam as desgraças de uma vida insegura e desencantada, que abandonou as<br />
bênçãos da proteção e dos valores da comunidade.<br />
Acredito ser necessário refletir um pouco mais sobre esses argumentos, tanto<br />
dos apologistas quanto dos conservadores. Proponho que uma terceira lógica social<br />
exista; lógica esta que domina – não de modo absoluto, mas hegemônico – a vida<br />
social atual; lógica que, várias vezes anunciada ao longo da história humana, forjou-se<br />
durante as diversas civilizações e ganhou status de inexorabilidade justamente na<br />
civilização moderna: a integração sistêmica.<br />
Integração sistêmica é o termo provisório a que recorro aqui para denominar<br />
este terceiro princípio da vida social. A integração sistêmica é a lógica dos artefatos,<br />
não do humano, ainda que tais objetos tenham sido criados pelos seres humanos. Tais<br />
artifícios desenvolvem lógicas próprias, convocando indivíduos e grupos sociais a ficar<br />
ao seu dispor.<br />
Comunidade e sociedade são lógicas presentes, em diferentes proporções,<br />
conforme o tempo e o contexto, em todos os grupos e relações sociais, de modo que<br />
não pode haver vida social sem a existência destas duas lógicas ao mesmo tempo,<br />
mesmo quando a presença de uma delas seja mínima e a da outra quase absoluta.<br />
Mas este caráter de inerência à vida humana não existe na integração sistêmica. Pelo<br />
contrário, a integração sistêmica ganha espaço justamente através da sua manipulação<br />
e absorção dos outros princípios.<br />
Portanto, a integração sistêmica não é imprescindível à vida social, dado o seu<br />
caráter maquinal, “artificial”. Comunidade e sociedade são lógicas sociais relacionadas<br />
a aspectos fundantes e fundamentais da vida humana: segurança (garantia da vida) e<br />
liberdade (expressão da vontade). Já a integração sistêmica faz de lógicas materiais,<br />
e não da proteção e da liberdade, o fundamento da vida social. Duas das principais<br />
modalidades desta lógica sistêmica são o dinheiro e o poder. A lógica do poder vai se<br />
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materializar, no mundo moderno e contemporâneo, no Estado. A lógica do dinheiro, no<br />
mercado capitalista, com seus oligopólios, grandes empresas e poderes privados.<br />
O próprio percurso da sociologia, desde o final do século XIX, ilustra a<br />
“descoberta” e a investigação de cada um destes princípios da vida social, bem como<br />
a colonização das duas lógicas humanas pela lógica maquinal. A sociologia de Émile<br />
Durkheim, tanto quando discute a solidariedade social como quando discute a “educação<br />
moral”, parece buscar a redefinição do princípio comunitário na complexa vida social<br />
moderna. Max Weber, outro nome fundamental da sociologia da virada do século XIX<br />
ao XX, por sua vez, quando elege como seu principal tema de investigação a ação<br />
social racional e a racionalização da vida social, parece buscar a redefinição do princípio<br />
societário. O desenvolvimento ulterior e posterior da história, porém, parece ter<br />
significado o que nomeio como a “perversão” dos princípios da comunidade e sociedade.<br />
A lógica do poder parece ter principalmente pervertido – e, deste modo, colonizado a<br />
seu favor – a lógica comunitária, apregoando uma pretensa nação da qual o Estado<br />
seria a expressão, atingindo o auge da perversão no fenômeno do totalitarismo. A<br />
lógica do dinheiro (um ou ambos: dinheiro e/ou poder?) parece ter sido notavelmente<br />
a perversão do princípio societário, através da regressão da racionalidade humana a<br />
uma “razão instrumental” e à busca da “eficácia”.<br />
Em grande parte, o argumento acima retoma as idéias do sociólogo contemporâneo<br />
Jürgen Habermas – que filia-se à Escola de Frankfurt, a mesma que abrigou Theodor<br />
Adorno e a sua crítica da transformação da razão iluminista em razão instrumental.<br />
Habermas argumenta na mesma direção de Adorno, quando demonstra a constante<br />
transformação dos construtos que emergem do “mundo da vida” (em que os agentes<br />
buscam o entendimento, por meio da “razão comunicativa”) em artefatos funcionais<br />
aos “sistemas sociais”, mostrando que há o risco permanente do avanço da razão<br />
técnica sobre campos da vida humana em que a razão comunicativa seria imprescindível.<br />
Habermas afirma ainda que este perigoso movimento desenhado pela modernidade é<br />
percebido, explicado e ao mesmo tempo legitimado, pela sociologia funcionalista e por<br />
Talcott Parsons.<br />
Enquanto os funcionalistas demonstram a adequação dos indivíduos e grupos às<br />
“funções” de um organismo social cada vez mais concebido como um sistema, Parsons,<br />
no percurso de sua obra, parte do suposto da racionalidade da ação social para<br />
o predomínio da racionalidade dos “sistemas” – tornando-se, assim, o principal pensador<br />
do que chamei de “integração sistêmica”.<br />
O roteiro da discussão está desenhado. A seguir, procuro desenvolver estes<br />
argumentos apenas esboçados, decompondo-os em análises mais precisas.<br />
1. PRINCÍPIO COMUNITÁRIO<br />
Apesar da relativa confusão semântica, sentimental e ideológica suscitada pelo<br />
termo “comunidade”, considero necessário reavaliar os três sentidos principais de<br />
comunidade que identifico na Sociologia: como tipo de grupo social, como lógica da<br />
vida social e como parte do curso da vida individual.<br />
A comunidade, em seu sentido mais clássico na Sociologia, foi conceituada como<br />
um tipo de grupo social – justamente, aquele mais primitivo, tradicional e original da<br />
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vida humana. A oposição comunidade-sociedade foi mesmo um dos principais temas<br />
da sociologia do século XIX. Inicialmente, foram pensados como duas formas<br />
totalmente antagônicas de vida social: a comunidade, ligada a unidades sociais pequenas<br />
e tradicionais, e; a sociedade, como uma grande associação de indivíduos no mundo<br />
moderno. Também, representavam duas temporalidades distintas: a comunidade, a<br />
tradição, o passado, o primitivo; a sociedade, o moderno, o presente e o futuro<br />
(FICHTER, 1973; WIRTH, 1973).<br />
Neste sentido, se associou à comunidade as relações comunitárias, os grupos<br />
primários, a proximidade espacial/ territorial, a família, a aldeia e o bairro tradicional.<br />
Associou-se à sociedade as relações societárias, os grupos secundários, as relações<br />
estabelecidas entre indivíduos com interesses em comum, mesmo no caso de haver<br />
entre eles separação espacial, a empresa, o partido, o clube, a universidade, a cidade.<br />
Wirth (1973) supera esta concepção estrita da comunidade – como tipo de grupo<br />
social – bem como a oposição que fazia da sociedade o avesso daquela. Para ele,<br />
comunidade e sociedade são aspectos da vida social, existentes em quaisquer grupos<br />
e relações sociais. Comunidade e sociedade transformam-se, assim, nos princípios<br />
comunitário e societário, presentes em qualquer momento da vida social. O princípio<br />
comunitário refere-se à simbiose (ou seja, relações de tipo “natural” e “orgânico”) e<br />
a laços territoriais. O princípio societário, ao consenso e comunicação (ou seja,<br />
àquilo que envolve entendimento, linguagem 2 e troca de símbolos). Gostaria de destacar,<br />
da contribuição de Louis Wirth, a idéia de que o princípio comunitário denomina aquela<br />
dimensão da vida social regida pela “simbiose”, ou seja, pela colaboração natural,<br />
espontânea e automática entre indivíduos e grupos; trata-se de relações ou aspectos<br />
das relações sociais fundadas em padrões da ordem do tácito. Nenhuma relação ou<br />
grupo social, certamente, é regido somente por este princípio, já que a vida humana<br />
sempre envolve a linguagem, o diálogo, a busca do entendimento. Neste segundo<br />
momento, rege o princípio societário, pois já não bastam os acordos tácitos e há<br />
necessidade de transcendê-los. Neste segundo sentido, como lógica da vida social, a<br />
comunidade está mais ligada a solidariedades sociais de tipo automático, espontâneo e<br />
determinado de antemão, entre indivíduos e grupos 3 . Já a sociedade se refere a<br />
associações voluntárias e conscientes entre indivíduos e grupos em busca de uma<br />
meta comum consensualmente admitida.<br />
É importante frisar também o caráter original “rural” da comunidade, enquanto<br />
que, por sua vez, a sociedade refere-se àquilo que é mais “urbano”. Segundo Ianni<br />
(2000) é na cidade que, historicamente, sempre floresceram movimentos sociais, políticos,<br />
filosóficos, científicos e artísticos. A cidade sempre foi o lugar da “sociedade”, no<br />
sentido de que é um ambiente que favorece mais a liberdade e a emancipação individual,<br />
– ou seja, onde se abrem mais espaços e oportunidades para a expressão<br />
daquilo que diferencia o ser humano dos demais seres da natureza, a liberdade. O ser<br />
________________________________<br />
2 Referendo “linguagem” (como intercomunicação lingüística entre indivíduos) e não “língua” (criação coletiva enraizada nas<br />
subjetividades), distinção importante para entender, adiante, a noção de comunidade de Ferdinand Tönnies.<br />
3 Essa também é a observação de Tönnies (apud Bauman, 2003, p. 15). Para ele “o entendimento ao estilo comunitário (...) não precisa<br />
ser procurado, e muito menos construído; esse entendimento já ‘está lá’, completo e pronto para ser usado”.<br />
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humano necessita da proteção comunitária, talvez, do mesmo modo que outros animais<br />
sociais, mas esta proteção se torna, ao mesmo tempo, pressuposto e barreira para a<br />
expressão da “segunda natureza” humana: a vontade de ser mais. Assim, apresentase<br />
um conflito: de um lado, a liberdade jamais floresce sem a garantia da segurança e<br />
proteção, e de outro a liberdade precisa romper os limites da segurança comunitária,<br />
quando estes se tornam excessivos.<br />
A sociedade, a cidade, são também as organizações em que pode se gestar o<br />
“público”, como mundo da comunicação, da suposição da igualdade entre indivíduos,<br />
na arena de debates e dos valores coletivos mais gerais. Este mundo público, tantas<br />
vezes desejado, vez ou outra quase realizado, teve inúmeras figurações ao longo da<br />
história: pólis, civitas, democracia, comuna, república, parlamento, assembléia,<br />
conselho popular, etc.<br />
Como princípios da vida social temos então o princípio da comunidade em que as<br />
relações proporcionam uma integração simbiótica entre as pessoas e os grupos e o<br />
princípio societário em que as relações são comunicativas. Assemelha-se tal conceito<br />
operacional de comunidade, como descrição de certos tipos de relações e necessidades<br />
do corpo social, ao conceito de solidariedade social de Durkheim.<br />
Na verdade, em dois momentos de sua obra e de dois modos diferentes o princípio<br />
comunitário é evocado por Émile Durkheim. O próprio Durkheim não usou o termo<br />
comunidade, mas a idéia de integração simbiótica encontra-se presente no seu conceito<br />
de solidariedade. Trata-se de um conceito “materialista”, pressupondo que ela, a<br />
solidariedade social, emerge da divisão do trabalho social. Num segundo momento de<br />
sua obra, quando passa a discutir principalmente sociologia religiosa e educação moral,<br />
Durkheim passa a enfatizar a sociedade como um “ente moral” (ORTIZ, 2002); a<br />
integração simbiótica passa a emergir também, ou principalmente, conforme a<br />
interpretação que se der, da religião que, por sua vez, é a expressão sacralizada da<br />
ordem moral.<br />
Durkheim abarca, desse modo, as duas dimensões mais evocadas quando se<br />
procura descrever o conteúdo da comunidade: de um ponto de vista material e<br />
econômico, quando a comunidade se define a partir da simbiose territorial e da<br />
dependência econômica mútua 4 ; e de um ponto de vista cultural e simbólico, quando a<br />
sacralidade da comunidade é evocada, uma vez que expressa valores morais e religiosos<br />
e fundamenta, pelos símbolos compartilhados, a identidade coletiva. Buscando sintetizar<br />
estas duas dimensões, podemos dizer que a integração simbiótica promovida ou suposta<br />
pelo princípio comunitário pode se basear tanto no compartilhar de atividades materiais<br />
fundamentais para a sobrevivência do grupo, quanto em valores simbólicos e identidade<br />
cultural cultivados. Há uma dimensão tanto material quanto simbólica na comunidade,<br />
que, acredito, costumam ser indissociáveis - ainda que uma e outra, por vezes, fique<br />
mais visível.<br />
Voltando ao início deste item, a comunidade pode ser considerada como um tipo<br />
de grupo social. Mas a utilidade desta compreensão é relativa, já que, na verdade, o<br />
________________________________<br />
4 Segundo J. H. Fichter (1973, p. 154), a comunidade pode ser definida como “grupo territorial de indivíduos com relações recíprocas,<br />
que se servem de meios comuns para lograr fins comuns”.<br />
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que existem ou existiram, no máximo, são ou foram grupos sociais concretos em que<br />
a lógica comunitária predominou de modo quase absoluto, mas jamais exclusivo. Já<br />
naquela concepção de comunidade como uma lógica da vida social, a comunidade é<br />
um aspecto presente em todas as relações e grupos sociais, tanto quanto a sociedade.<br />
Esta concepção parece ser mais útil para descrever o grau de importância e a forma<br />
que assume, em cada grupo ou relação social, o princípio societário e o comunitário,<br />
bem como a combinação destas duas lógicas sociais inerentes à vida humana coletiva.<br />
Mas resta ainda, como anunciado no início deste item, uma terceira compreensão<br />
possível de comunidade. A comunidade é também uma parte da vida dos indivíduos,<br />
aquela parte da vida em que passamos nos “grupos primários” 5 . O caráter comunitário<br />
ainda é quase total ou parte fundamental de instâncias socializadoras como família,<br />
grupos de parentesco, vizinhança, bairro, grupos de amigos etc.<br />
Na verdade, nascemos em “comunidade” (ao menos, nascíamos): família,<br />
parentes e, várias vezes, vizinhança, tornam possível a sobrevida dos que chegam a<br />
este mundo; tais comunidades criam também padrões e referências, contra os quais<br />
nos revoltamos e que precisamos nos libertar – ao menos em parte – na juventude.<br />
Na juventude, vivemos em “grupos secundários” voltados à “socialização secundária”<br />
(como as escolas), ao mesmo tempo em que formamos ou mantemos grupos de amigos<br />
com certo caráter primário-comunitário. Na idade adulta, continua a alternância entre<br />
grupos primários e secundários iniciada na juventude. Mas, se formamos famílias,<br />
parece ser predominante a vinculação a grupos secundários (como empresa,<br />
associações, clube, partido, movimento, igreja etc.) A velhice é um certo retorno, até<br />
mesmo desejado, à comunidade (tradicionalmente, espera-se que seja a família que<br />
um dia formamos), de quem ansiamos acolhida e cuidado. A comunidade preenche,<br />
neste sentido, tanto alguns momentos do cotidiano, quanto algumas partes do curso da<br />
vida.<br />
Como parte da nossa vida, o princípio comunitário aparece na forma de grupos<br />
primários, dos quais esperamos cuidado, relações afetivas mais regulares e socialização.<br />
A comunidade cria o ser individual que pode desejar ou não, precisar ou não, romper<br />
em parte ou totalmente com estes grupos primários. Ou seja, é o princípio comunitário<br />
de crucial importância para fundamentar a individualidade, a liberdade, os valores e as<br />
consciências. Exceto talvez nas que vivem quase que totalmente imersas apenas no<br />
princípio comunitário, como as tribos indígenas, em todas as sociedades humanas o<br />
curso da vida e o tempo social observam uma alternância entre comunidades e<br />
associações, entre relações primárias e secundárias. Em algumas ocasiões, como na<br />
infância e nas sociedades tradicionais, há menor liberdade de movimento entre estes<br />
grupos e relações. Em outras, como na maturidade e nas sociedades modernas, há<br />
uma suposta liberdade.<br />
Contudo, para um número cada vez maior de pessoas no mundo contemporâneo,<br />
não há nem liberdade individual, nem proteção comunitária. Se considerarmos a<br />
diminuição da presença do Estado no cuidado com a população, que resulta e que se<br />
________________________________<br />
5 Sobre grupos primários e socialização, ver Peter e Brigitte Berger (1978) e também S.N. Eisentadt (1976).<br />
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evela na constituição de favelas, guetos, campos de refugiados, podemos supor que a<br />
precariedade da liberdade torna-se evidente. Pela precarização das suas funções<br />
sociais, o Estado torna-se muitas vezes um Estado policialesco (BAUMAN, 1999),<br />
eliminando dessa forma qualquer preocupação com a questão da liberdade pessoal.<br />
Neste terceiro sentido parece ficar mais patente a importância da comunidade<br />
em qualquer tempo e lugar. Foram muitos e diversificados os projetos e práticas de<br />
uma socialização primária realizada por associações que se desejavam metamorfosear<br />
em comunidades (como, por exemplo, no início do século XIX, as cooperativas do<br />
industrial britânico, o socialista utópico Robert Owen). Quanto à integração sistêmica,<br />
como foi exposto acima, sempre pareceu pouco preocupada com a segurança e a<br />
proteção dos indivíduos; deste modo, onde e quando precisa de alguns deles, tão somente<br />
preserva rudimentos do princípio comunitário para dar conta da função reprodução da<br />
vida humana.<br />
Não se deve, porém, idealizar nenhum dos dois princípios que se contrapõem à<br />
integração sistêmica. Certamente, as lógicas comunitária e societária são imanentes e<br />
necessários à vida social. Contudo, a história é prenhe de protestos contra os excessos<br />
tanto da organização comunitária quanto da sociedade. Em inúmeras ocasiões, os<br />
indivíduos e grupos se viram sufocados pelo exagero, desvio, distorção, manipulação e<br />
desenganos destas lógicas que conformam a vida social. Acima de tais falhas, no<br />
entanto, as mais perigosas são justamente as perversões daqueles princípios, quando<br />
a lógica da vida social passa a girar de modo completamente independente daquilo<br />
que é propriamente humano. É o caso da ação baseada no modelo de relações sociais<br />
que chamamos de integração sistêmica, que, esboçada diversas vezes ao longo da<br />
história, encontrou na modernidade a melhor oportunidade para sua sedimentação e<br />
hegemonia.<br />
2. DA SOLIDARIEDADE SOCIAL À INTEGRAÇÃO SISTÊMICA<br />
Antes de nos aprofundarmos na questão do predomínio da integração sistêmica<br />
seria útil lembrar a definição de “solidariedade social” dada por Émile Durkheim.<br />
Considero este conceito como a expressão do princípio de integração simbiótica, portanto<br />
da integração comunitária, típica das sociedades modernas Esta seria a solidariedade<br />
orgânica própria das sociedades modernas – enquanto as sociedades pré-modernas<br />
eram regidas pela solidariedade mecânica. Costuma-se afirmar que a solidariedade<br />
orgânica corresponde à sociedade, tanto quanto a solidariedade mecânica à comunidade.<br />
Contrariando esta interpretação, proponho que a solidariedade orgânica refirase<br />
também à comunidade, ou melhor, ao princípio comunitário, já que Durkheim vai<br />
em busca daquilo que, na vida social moderna – mais especificamente, na sua divisão<br />
social do trabalho –, promova o fundamento da integração social. Este fundamento<br />
não é “pensado” pelos indivíduos, não é acordado conscientemente por eles, mas é<br />
sim algo que emerge – ou melhor, que deveria emergir – espontaneamente da divisão<br />
social do trabalho.<br />
A solidariedade mecânica tenderia a gerar uma vida social “comum” (daí, talvez,<br />
sua associação ao princípio comunitário): valores religiosos comuns penetram toda a<br />
vida e os indivíduos aderem de modo unânime a práticas e crenças comuns. As<br />
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sociedades sob tal solidariedade lembram a estrutura orgânica dos animais anelídeos 6 ,<br />
cujos anéis e sua disposição seriam análogos aos clãs - segmentos homogêneos e<br />
semelhantes entre si que formam as sociedades pré-modernas. Já as sociedades sob<br />
solidariedade orgânica lembram um organismo complexo, cujos órgãos coordenam-se<br />
e subordinam-se reciprocamente, em que cada órgão é diferenciado dos demais e<br />
possui função específica. A tendência é que, nessas sociedades, os indivíduos não se<br />
agrupem em clãs, mas sim em torno da atividade social a que se dedicam, em seu<br />
meio “profissional”, num espaço social marcado pela função de cada especialidade.<br />
Seriam fundamentais, portanto, nestas sociedades, as organizações profissionais –<br />
prenunciadas pelas corporações de ofício (ainda de caráter local) - a divisão interregional<br />
do trabalho e a especialização das cidades. Mas tais sociedades ainda não se<br />
fundavam no seu tipo mais puro, ideal, ainda que viessem se fortalecendo as formas<br />
que as anunciavam. Deste modo, logo viria o dia em que a organização social e política<br />
“terá uma base exclusiva ou quase exclusivamente profissional” (DURKHEIM, 1990,<br />
p. 66). Cada ordem profissional funcionaria como uma comunidade moral, fornecedora<br />
de regras para regular as especializações e promover esta solidariedade orgânica,<br />
alertando sobre a importância de cada função para o todo social.<br />
Durkheim também afirma que a solidariedade social é mais forte quanto mais<br />
numerosos e complexos forem os contatos e relações entre os homens. Neste sentido,<br />
a sociedade moderna teria uma solidariedade social mais poderosa que as tradicionais,<br />
muito mais que as tribais: as ligações materiais e morais entre os homens seriam muito<br />
mais numerosas e necessárias. Seria – ou deveria ser – mais forte ainda a “comunidade”<br />
no mundo moderno? Talvez, sim. Louis Wirth (1973) baseado certamente na noção de<br />
solidariedade orgânica de Durkheim, afirma que, se a sociedade moderna abriga muito<br />
mais divergências de interesses, ao mesmo tempo, promove muito mais a<br />
interdependência entre indivíduos e grupos.<br />
Na solidariedade orgânica o indivíduo se liga de modo indireto ao sistema social,<br />
por intermédio das partes secundárias que o constituem. O organismo social, aqui,<br />
define-se como um sistema de funções diferentes e especiais que unem relações<br />
definidas – ainda que persista, com menor importância, o outro lado da sociedade,<br />
como “conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos<br />
os membros do grupo” (DURKHEIM, 1990, p. 82). Se a solidariedade mecânica<br />
implica na dispersão das individualidades no coletivo, a solidariedade orgânica necessita<br />
da diferenciação individual, bem como do desenvolvimento de personalidades<br />
individuais. O que supostamente seria um enfraquecimento da solidariedade social, só<br />
o é, na verdade, do ponto de vista da consciência coletiva – que precisa deixar espaço<br />
para o desabrochar das consciências sociais particulares –já que a coesão que resulta<br />
é mais forte, já que cada indivíduo depende mais ainda da sociedade cujo trabalho é<br />
socialmente dividido. Como num organismo complexo, quanto mais individualização e<br />
especialização das suas partes, mais unidade ele terá.<br />
Dito assim, parece haver em Durkheim o projeto de recriar a solidariedade social<br />
a partir da individualização, da liberdade individual e do princípio societário. Mas<br />
________________________________<br />
6 Comparação feita por Durkheim (1990). Os anelídeos são um filo que engloba vermes de corpo mole e formado por anéis homólogos.<br />
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logo Durkheim demonstra que a excessiva liberdade das partes, a incapacidade destas<br />
se integrarem, é o maior risco que correm as sociedades complexas, pois levam à<br />
anomia. A anomia é causada, justamente, pela falta de regulamentação das relações<br />
entre as partes/ órgãos que formam a sociedade. A grandiosidade dos mercados<br />
nacionais e mundiais e o caráter ainda muito recente da industrialização e das relações<br />
entre patrões e empregados na grande indústria, seriam algumas das causas desta<br />
desregulamentação. Torna-se necessário, talvez urgente, a reorganização da vida social<br />
em torno das organizações profissionais, como discutido acima.<br />
Assim, no texto A divisão social do trabalho, Durkheim propõe um projeto de<br />
reengenharia social (ou replanejamento social), um ajuste de grupos, de funções e do<br />
modo de transmitir valores e atribuições sociais. A solidariedade orgânica era ainda uma<br />
obra incompleta da modernidade, cabendo à sociologia recomendar intervenções pontuais<br />
e reformas que ajudariam a consolidar, enfim, a organicidade do novo complexo social.<br />
Talvez Durkheim tenha achado, mais tarde, isto insuficiente. Nas suas obras tardias, o<br />
replanejamento completa-se com uma “moralização” da sociedade, no sentido de consolidar<br />
e transmitir os valores morais que expressavam a consciência coletiva e garantiriam a<br />
adequação do espírito individual – via disciplina e apego à vida coletiva – a regras e<br />
valores dos grupos sociais (DURKHEIM, 1947; 1978). Assim, pode-se dizer que Durkheim<br />
trouxe à tona as duas dimensões do princípio comunitário: a dimensão econômico-material,<br />
fundada na interdependência para a produção social da vida; e dimensão simbólicocultural,<br />
fundada no compartilhamento de valores e identidade comum.<br />
Como afirmei acima, à luz da teoria de Durkheim, não seria correto associar<br />
solidariedade mecânica à comunidade, e solidariedade orgânica à sociedade. Ambas<br />
as “solidariedades” falam de comunidade, ou seja, da possibilidade e necessidade da<br />
simbiose entre os indivíduos que compõem uma coletividade. A solidariedade traduz o<br />
princípio comunitário da integração simbiótica e espontânea.<br />
Historicamente, diversos fatores acabaram levando a uma “substituição” da<br />
solidariedade orgânica pela integração sistêmica. Entre esses fatores temos a<br />
atomização social resultante da dissolução dos grupos comunitários tradicionais, gerando<br />
o que foi designado pelos sociólogos como sociedade de massas (MILLS, 1978). Essa<br />
atomização social se mostra nas instituições que ganham autonomia e independência<br />
em relação aos indivíduos (a tese weberiana da “gaiola de ferro”, discutida abaixo) e<br />
no predomínio, na organização da vida coletiva, das lógicas materiais (como a do<br />
poder e do capital/dinheiro), que se descolam das necessidades reais dos homens.<br />
Ficaria para outro expoente da Sociologia clássica, Max Weber (1864-1920), consolidar<br />
a análise do princípio societário. Ao contrário de Durkheim, Weber não concebe os<br />
grupos sociais como entidades separadas dos indivíduos, com existência independente<br />
deles. Deste modo, a vida social só pode vir à tona e se manter através das interrelações<br />
entre os indivíduos. Assim, Weber toma as ações dos indivíduos como ponto<br />
de partida para sua sociologia, mais especificamente, a ação social – um tipo de ação<br />
individual referida a pelo menos mais um outro indivíduo.<br />
A questão fundamental da obra de Weber também reforça o caráter “societário”<br />
da sua concepção predominante de vida social. Trata-se da questão da racionalidade<br />
ocidental moderna. O processo de racionalização acaba por constituir o próprio fulcro<br />
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da modernidade, para Weber. A modernidade, como processo de racionalização, deve<br />
ser entendida em três aspectos: o desencantamento do mundo (isto é, o abandono das<br />
explicações mágico-religiosas que davam sentido ao mundo e à vida, a autonomização<br />
das esferas sociais (economia, política, direito, arte, ciência etc. passam, cada qual, a<br />
funcionar com base em legitimidade própria, oriunda de suas finalidades intrínsecas) e<br />
o predomínio das ações sociais do tipo racional com relação a fins (e da dominação<br />
burocrático-legal). Deste modo, principalmente em “A Ciência como vocação”, Weber<br />
(1993) indica o que seria lido pela sociologia do século XX como os “riscos” da<br />
modernidade: a nova busca do irracional, dado o esvaziamento do sentido da vida com<br />
a sua dessacralização, a burocratização excessiva e a ruptura do indivíduo – enquanto<br />
agente social – em inúmeras “personalidades” ou “papéis” sociais, assumidos em<br />
cada esfera de ação social em que este se move e, finalmente, a desconfiança quanto<br />
à racionalidade resultante das chamadas ações racionais (como as crises econômicas<br />
e as desigualdades sociais).<br />
Destes elementos definidores da modernidade e de seus riscos, destaco o tema<br />
da autonomização das esferas de ação social. Esta autonomia significa que cada<br />
esfera desenvolve uma “legalidade” própria, tornando para si mais claros os seus<br />
objetivos intrínsecos e transformando em procedimentos reconhecidos e legítimos os<br />
meios mais adequados para atingir tais fins. Neste momento, uma certa tensão e até<br />
ambigüidade aparecem na obra de Weber. A racionalidade, pensada inicialmente por<br />
ele como pressuposto da liberdade da ação, na medida em que predomina nas situações<br />
sociais modernas, faz com que os indivíduos convertam-se, de sujeitos, a meros<br />
portadores de sentidos pré-estabelecidos pela legalidade própria da esfera social. Como<br />
o próprio Weber (1967) discute em sua obra mais conhecida, A ética protestante e o<br />
espírito do capitalismo, a liberdade e a vocação transformam-se na “gaiola de ferro”.<br />
Interpretando esses e outros riscos da modernidade, a obra de Theodor W. Adorno<br />
(1903-1969), situado um pouco mais adiante no tempo em relação a Weber, vai<br />
considerar que houve a redução da razão iluminista (o “esclarecimento”) a uma razão<br />
instrumental – fonte de uma nova forma de dominação e embrutecimento dos indivíduos.<br />
A razão instrumental é justamente a forma degradada daquela “racionalidade em<br />
relação a fins” com que Weber constituiu sua sociologia compreensiva. Horkheimer e<br />
Adorno (1985) descrevem que a mesma racionalidade aplicada para a dominação da<br />
natureza (que se desencanta, se desmistifica), desde logo passa a ser usada para a<br />
dominação da natureza humana, do ser humano, que se torna tão coisificado quanto<br />
as matérias-prima que dão origem às mercadorias. Considero que, entre outros<br />
resultados, Adorno reconheceu um modo de geração da integração sistêmica,<br />
justamente aquela que perverte e coloniza o princípio societário. Neste sentido, como<br />
aponta Cohn (1979), a liberdade humana que para Weber só pode ser fundada em<br />
escolhas racionalmente orientadas, gera seu avesso, a saber, a dominação por normas<br />
racionalmente legitimadas (a integração sistêmica).<br />
Em paralelo à obra de Adorno – mas trilhando um caminho muito diferente –, o<br />
sociólogo norte-americano Talcott Parsons (1902-1979) foi, no meu entender, aquele<br />
que melhor descreveu este princípio da integração sistêmica. Ainda que, na verdade,<br />
buscasse legitimá-la e a confundisse com a integração societária.<br />
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Segundo Habermas (1987), o ponto de partida da obra de Parsons, assim como<br />
o de Weber, é o agente e a ação individual. Neste sentido, Parsons buscava fixar<br />
também o princípio societário como o paradigma da vida social. No entanto, desde o<br />
início, o paradigma da ação social vai entrar em tensão com a teoria sistêmica. A obra<br />
de Parsons, mesmo que ele procure negar, parte de uma teoria da ação social e chega<br />
a uma teoria do sistema social. Nesta, cada vez mais ganhará espaço a teoria sistêmica,<br />
em que a integração dos agentes pelo consenso é substituída pela integração sistêmica,<br />
em que a racionalidade instrumental (baseada no agente) vai sendo substituída pela<br />
racionalidade sistêmica. Apesar de não ser justo restringir a obra de Parsons apenas<br />
a esta metamorfose do societário em sistêmico, sua obra reflete também a<br />
predominância histórica de um terceiro princípio de organização da vida social: a<br />
integração sistêmica.<br />
Já em sua primeira etapa a obra de Parsons se encaminha para o dilema descrito<br />
acima – teoria da ação ou teoria sistêmica? Primeiro, Parsons parece retomar a teoria<br />
utilitarista, quando afirma ser o ator motivado basicamente em evitar privações e<br />
obter satisfações. As motivações do ator (o que este considera como satisfatório ou<br />
insatisfatório) não são apenas determinadas biologicamente, mas socialmente, por<br />
padrões sociais (ROCHER, 1976). Desde então, Parsons parece caminhar para o<br />
que eu chamaria de absolutização dos valores e da situação social na determinação da<br />
ação social. Assim, o voluntarismo, a criatividade e a liberdade, pretensos fundamentos<br />
da ação, ou, ao menos, possibilidades que emanam da relativa indeterminação do<br />
humano, cedem vez ao tema da imposição dos valores aos agentes.<br />
Uma das limitações de Parsons é que, mesmo diante do paradoxo descrito a<br />
seguir, continuou a usar o ponto de vista do indivíduo isolado e de sua ação singular<br />
como princípio da sua teoria da ação, não levantando a possibilidade de que as interrelações<br />
e entendimentos recíprocos entre os agentes seriam o verdadeiro suporte da<br />
ação social. Parsons chega assim a uma situação de perplexidade: a ação, definida de<br />
modo utilitarista e individual, não permite desenvolver um mecanismo explicativo sobre<br />
como o modo pelo qual seriam construídos sistemas de ação a partir dos agentes. Sua<br />
teoria da ação iria passar por novos reajustes, dissolvendo-se cada vez mais na teoria<br />
sistêmica (HABERMAS, 1987).<br />
Parsons refina seu conceito de sistema. Seu modelo inicial era funcionalista,<br />
considerando o sistema como um conjunto ordenado de elementos que tende a<br />
conservar a organização atual; neste, estrutura e função eram conceitos centrais.<br />
Posteriormente, conforme afirma Habermas (1987), Parsons migra para um modelo<br />
funcionalista sistêmico, tomado da biocibernética, que considera que os sistemas mantêm<br />
sua organização em meio a um entorno supercomplexo variável e só parcialmente<br />
controlável; mais importante, para o sistema, que manter o equilíbrio, é agora manter<br />
os seus limites; também, estruturas e processos tornavam-se equivalentes, já que<br />
ambos podiam cumprir os imperativos funcionais do sistema. A maior abstração desta<br />
nova teoria sistêmica aumentou o seu grau de precisão, mas afastou ainda mais sua<br />
teoria dos princípios comunitário e societário, princípios esses que por serem humanos<br />
necessitam de “funções”, “estruturas” e “imperativos” voltados ao que é humano, e<br />
assim à vida e à liberdade.<br />
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Em seu mergulho meta-teórico no estudo da “função” o grande sociólogo brasileiro<br />
Florestan Fernandes (1972) revelou também, de um certo modo, esta transmutação.<br />
Fernandes demonstrou os limites do funcionalismo do antropólogo Bronislaw Malinowski,<br />
em que o sistema cultural cumpria, em cada sociedade de um modo particular, a<br />
consecução de funções referentes à sobrevivência e reprodução humanas. Para além<br />
da concepção teleológica de função e da concepção mecanicista (que considerava os<br />
elementos da relação entre um fato social e seus efeitos socialmente úteis como<br />
determinados, e não determinantes), Fernandes (1972, p. 234) considerou a concepção<br />
mais elaborada de função aquela que a define como<br />
(...) relação de interdependência entre uma atividade parcial<br />
e uma atividade total ou entre um componente estrutural e a<br />
continuidade da estrutura, em suas partes ou como um todo,<br />
representando os elementos dessa relação, de modos diversos<br />
e em graus variáveis, quer como determinados, quer como<br />
determinantes.<br />
Podemos considerar, no entanto, que por menos rigorosa que fosse a idéia de<br />
função em Malinowski, ela aparecia como aspecto central da vida humana. Já a<br />
função social em abstrato, derivada da noção matemática de função, inclusive por<br />
causa de sua superioridade teórica, revelava que era possível emergir – e até se<br />
tornar hegemônica – uma lógica social que transcenderia ou instrumentalizaria aquilo<br />
que era propriamente humano, em prol de objetos/ artefatos cujos limites e propriedades<br />
são autônomos em relação ao ser humano (mesmo tendo sido criados por ele).<br />
Em sua trajetória sociológica Parsons logo se encaminhou para a definitiva<br />
construção de uma teoria da sociedade fincada não sobre a teoria da ação, mas sobre<br />
teoria dos sistemas. Surge daí, conforme Habermas (1987, p. 340) propõe, uma teoria<br />
sistêmica da sociedade: “(...) a sociedade é entendida como um sistema em um meio<br />
ou entorno, que pode alcançar a autonomia ou independência (self-suficiency)<br />
mediante a capacidade de auto-reger-se e que é capaz de mantê-la ao largo de sua<br />
existência” (grifos do autor). Em breve, a própria integração social tornar-se-á apenas<br />
integração sistêmica, concebida de modo abstrato e genérico, como função de assegurar<br />
a coesão do sistema, sempre à mercê do entorno supercomplexo: não se trata de<br />
manter indivíduos reais unidos, mas antes de manter a integridade do sistema intacta<br />
(cf. HABERMAS, 1987; PARSONS, s/d; 1970). A lógica dos sistemas passa a ser a<br />
lógica de processos e objetos interdependentes. Nesta lógica, os próprios seres humanos<br />
se “coisificam”, submetidos a funções e estruturas que podem ser deduzidas das<br />
lógicas dos artefatos. Ainda que surja o conceito de “comunidade societária” (operando<br />
no coração do sistema social) para dar conta da integração entre os indivíduos, a vida<br />
e a liberdade humana parecem muito distantes daquilo que é funcional e dinâmico<br />
nestes sistemas virtuais.<br />
É verdade, pode-se argumentar, que Parsons interpreta, mesmo que não totalmente<br />
cônscio disto, a hegemonia deste novo princípio social, a integração sistêmica. Mas,<br />
para além disto, a teoria de Parsons parece contemplar também – mas aí tão somente<br />
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confundindo os três princípios da vida social – a colonização dos princípios comunitário<br />
e societário pela integração sistêmica. Concordo com Habermas, quando afirma que<br />
é próprio dos agentes sociais o uso da linguagem na busca do entendimento, cultivado<br />
no que ele chama de “mundo da vida” – que identifico como a “sociedade”. Ele<br />
mesmo demonstrou como Parsons construiu uma teoria em que a linguagem, nos<br />
âmbitos que deveriam ser o do “mundo da vida”, é substituída por meios de controle<br />
(que chamo também de “meios artificiais”). Existem meios de controle, que Habermas<br />
reconhece como atuantes e mesmo necessários, nos sistemas sociais: dinheiro (no<br />
âmbito da economia) e poder (no âmbito político). Mas Parsons vai além, e quer fazer<br />
mesmo dos âmbitos sociais e culturais, que parecem escapar da lógica artificial, sistemas<br />
tecnicamente submetidos a meios artificiais. E Parsons nomeia estes outros meios de<br />
controle, equivalentes na comunidade societária e no sistema cultural a poder e dinheiro:<br />
respectivamente, a influência e o compromisso valorativo, supostas “moedas” de troca<br />
entre agentes e sistemas 7 .<br />
Embora não aceitando a teoria da integração sistêmica, julgo que seja necessário<br />
estudá-la. É útil compreender como operam essa lógica e sistema que vêm colonizando<br />
a vida, o comunitário e o societário.<br />
3. “GUERRA CONTRA A COMUNIDADE”<br />
Gostaria de recuperar os argumentos acima discutidos num ponto de vista<br />
mais histórico, ainda que igualmente restrito. A história recente observa esta<br />
hegemonia da integração sistêmica, com base na lógica objetiva dos artifícios,<br />
que ganham autonomia e submetem para si os indivíduos e as coletividades<br />
humanas. Os principais promotores desta integração maquinal são, num certo<br />
sentido, velhos atores da história: Estado e mercado. Juntamente com exércitos<br />
invasores, Estado e mercado promoveram, ao longo dos tempos, intervenções<br />
esporádicas nos grupos humanos, via saque, pilhagem ou especulação. A vida<br />
comunal tradicional, em suas inúmeras versões, quase sempre significou muito<br />
pouca liberdade individual, rara fartura material para a grande maioria e, nem<br />
assim, garantiu segurança e proteção “eterna” contra saques, incursões bélicas e<br />
ações destas instituições movidas por lógicas extra-humanas (Estado e mercado).<br />
Não é o caso, novamente, de idealizar os grupos comunitários tradicionais ou<br />
pré-modernos, apenas lembrar que se fundamentavam em um sistema produtivo<br />
voltado a objetivos e necessidades inerentes ao grupo, aos seus membros, o que<br />
Ferdinand Braudel (apud BURKE, 1997, p. 59), chama de “vida material” 8 ,<br />
referindo-se à vida econômica elementar nas comunidades.<br />
________________________________<br />
7 O coroamento desta abstração das noções de função e sistema se dá com o sociólogo alemão Niklas Luhman (1990). Nele, até o<br />
artefato perde sua primazia. A própria lógica funcional em si ganha autonomia e é “determinante”. Paradoxalmente – e Luhman gosta<br />
dos paradoxos – a sociedade é enfim reconhecida como fundada em “comunicações”. Mas são tais comunicações, na verdade, “funções”.<br />
Não são os indivíduos quem conformam a sociedade (eles são apenas seu entorno), mas, sim, tão somente, as “comunicações”. Logo,<br />
as comunicações não são processos lingüísticos, mas sim processos de “seleção” – e a lógica social funcionalista ganha, enfim,<br />
autonomia completa em relação ao ser humano. Ver também Izuzquiza (1990).<br />
8 A expressão “vida material” tem o mesmo significado da expressão “civilização material”, que é definida como sendo “ações<br />
recorrentes, processos empíricos, velhos métodos e soluções manipuladas desde tempos imemoriais”.<br />
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Apesar do esquematismo deste argumento, ele indica, me parece que<br />
corretamente, que boa parte da vida humana se fez no interior de grupos<br />
predominantemente comunitários, os quais produziam, para si mesmos, a sobrevivência<br />
econômica e os valores sociais. Nessa história, os capítulos em que vigoram as<br />
civilizações ocupam posição secundária. A história das civilizações, deste modo, foi a<br />
história de esporádicos desenvolvimentos de Estados e economias “mercantis”, em<br />
torno de cidades, exércitos e burocracias, os quais retiravam sua “energia vital”<br />
justamente do saque discriminado ou indiscriminado das economias locais, quase sempre<br />
camponesas. Também, vez por outra, tanto a civilização quanto as comunidades locais<br />
eram vítimas das pilhagens dos que costumamos chamar de povos “bárbaros”.<br />
Contudo, a história do “Ocidente” europeu, em parte graças ao desenvolvimento<br />
do escravismo nas civilizações greco-romanas, irá gerar a principal ruptura desta<br />
predominância da “vida material”. Das ruínas do modo de produção escravista irá<br />
brotar, na Idade Média Européia, o feudalismo, cuja lógica sócio-econômica, à<br />
semelhança do escravismo, opera na constante extração por uma classe (nobrezaclero)<br />
da produção econômica de outra classe (camponeses servilizados). Trata-se,<br />
como explica Egziaber (2005) do esboço de um sistema produtivo generalizado todo<br />
ele voltado ao objetivo de extração, não mais primordialmente voltado ao auto-sustento<br />
do coletivo local. Deste modo, o feudalismo foi uma preparação para o capitalismo,<br />
um nível econômico acima da “vida material”. Já sob a vigência plena do capitalismo,<br />
os capitalistas passam, cada vez mais, a organizar a própria vida econômica desde seu<br />
lócus produtivo, fazendo eles próprios diretamente a extração de recursos.<br />
Bauman (2003, p. 30 e 36) descreve como a modernização sócio-econômica<br />
européia foi, também, uma verdadeira “guerra contra a comunidade”, legitimada pela<br />
suposta “libertação do indivíduo”, realizando concretamente a retirada dos trabalhadores<br />
das velhas rotinas de trabalho e produção, que passaram a ser consideradas pelos<br />
novos poderosos como “autônomas demais, governadas por sua lógica própria e não<br />
negociável, (...) por demais resistentes à manipulação e à mudança” dados os seus<br />
“excessivos laços de interação humana”. Segundo Bauman o problema não era a<br />
“preguiça” destes trabalhadores (motivo atribuído pelos que realizaram a<br />
“reengenharia” social em prol do capitalismo industrial), mas sim a necessidade de<br />
“torná-los aptos a trabalhar num ambiente novo em folha, pouco familiar e repressivo<br />
(...), numa rotina artificialmente projetada e coercitivamente imposta e monitorada”.<br />
Entendo ter sido esta guerra contra a comunidade uma das faces da predominância<br />
da integração sistêmica.<br />
Se Bauman descreve este conflito como uma guerra contra modos tradicionais<br />
de trabalho e produção da vida, Karl Polany (2000) descreve em A grande<br />
transformação a destruição dos tecidos sociais de proteção econômica de indivíduos<br />
e coletividades. Nesta obra, Polany analisa a implementação da sociedade de livre<br />
mercado na Inglaterra, no século XIX. Teria acontecido uma guerra, movida pelo<br />
Estado, contra o que Polany e John Gray (1999) chamam de “mercados sociais”,<br />
compostos por tradições, usos e formas sociais de proteção às localidades contra a<br />
voracidade da pura especulação comercial. Tais “mercados sociais”, como formas<br />
comunitárias de proteção, teriam sido postos abaixo deliberadamente por uma agressiva<br />
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política do Estado inglês, desejoso de moldar a sociedade do “livre mercado”, ou<br />
melhor, a “sociedade para o mercado”. Se, por um lado, o crescimento econômico<br />
nacional foi beneficiado, por outro, a liquidação de modos costumeiros de segurança<br />
econômica trouxe o desalento, a fome e a miséria para as camadas populares, talvez<br />
como nunca na história. John Gray (1999) indica que, atualmente, está se dando a<br />
repetição deste fenômeno em alguns países anglo-saxões (Inglaterra, EUA e Nova<br />
Zelândia), os quais, por meio da ideologia da globalização, juntamente com o Fundo<br />
Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros organismos econômicos<br />
multilaterais, desejam a ampliação da escala desta dissolução dos “mercados sociais”<br />
em âmbito mundial.<br />
Antes e durante estas duas ondas de liberalização econômica no “Ocidente”, no<br />
“Primeiro Mundo”, deu-se no “Terceiro Mundo” a outra frente de batalha contra o<br />
comunitário, também em prol da decomposição de tecidos sociais criados para a<br />
proteção e alívio de indivíduos e grupos. Esta outra guerra aconteceu, muitas vezes<br />
em surdina, nestes processos históricos que tentaram “ocidentalizar” o mundo, pelo<br />
colonialismo, imperialismo, neoimperialismo e, até mesmo, através de políticas nacionais<br />
de desenvolvimento. Hoje, esta decomposição é retomada através do que chamamos<br />
de globalização. Mesmo quando brotaram destas regiões do planeta, Estados nacionais<br />
formalmente independentes, ao lado de agências internacionais de “desenvolvimento<br />
econômico”, foram os algozes a lógica comunitária. Eles tinham muito claro para si a<br />
necessidade de romper laços, valores, instituições, tradições e criações do tecido social<br />
que poderiam servir como barreiras à implementação dos vetores da<br />
“modernidade”, vetores como mercado, técnica, tecnologia, indústria, individualismo,<br />
progresso e identidade nacional (LATOUCHE, 1996; KORTEN, 1996).<br />
Chegando aos dias atuais, Milton Santos (2002, p.54) parece identificar na<br />
globalização uma intensificação deste processo de implementação da integração<br />
sistêmica através do esvaziamento do sentido comunitário. Ainda mais que a hegemonia<br />
dos objetos, tem-se a hegemonia da própria lógica maquinal em si mesma:<br />
“(...) a violência estrutural resulta da presença e das<br />
manifestações conjuntas, nessa era da globalização, do<br />
dinheiro em estado puro, da competitividade em estado puro<br />
e da potência em estado puro, cuja associação conduz à<br />
emergência de novos totalitarismos (...)”.<br />
Ele chama este processo de hegemonia do “Projeto Racional Hegemônico”,<br />
cujo efeito na vida social é a de uma verdadeira ameaça ao que resta do princípio<br />
comunitário:<br />
Na esfera da sociabilidade, levantam-se utilitarismos como<br />
regra de vida mediante a exacerbação do consumo, dos<br />
narcisismos, do imediatismo, do egoísmo, do abandono da<br />
solidariedade, com a implantação, galopante, de uma ética<br />
pragmática individualista. É dessa forma que a sociedade e<br />
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os indivíduos aceitam dar adeus à generosidade, à<br />
solidariedade e à emoção com a entronização do reino do<br />
cálculo (a partir do cálculo econômico) e da competitividade.<br />
CONCLUSÃO<br />
Defender o princípio comunitário não implica necessariamente em desvalorizar<br />
a lógica societária. Ambos são necessários, em combinação, continuidade,<br />
interdependência e até mesmo em contradição, como conteúdos da vida social, dos<br />
grupos sociais, das relações humanas e do curso da vida em si mesmo. O ser humano<br />
não é “ser” sem a segurança, a proteção, a identidade, o sentido do comum, o cuidado<br />
e a afetividade, os quais permeiam a lógica comunitária. E não é “humano” sem a<br />
possibilidade de desejar e expressar o desejo da liberdade e do querer “ser mais”,<br />
contidos no princípio societário. Como afirma Paulo Freire (2004, cap. 1) sem o<br />
reconhecimento de sua incompletude, do direito de “ser mais”, o homem se coisifica,<br />
permanece em condição similar a do animal. Analogamente, diria eu, que sem o<br />
reconhecimento do caráter comunitário da vida social, o homem nem chega a ser<br />
verdadeiramente “ser”, de modo que a humana liberdade jamais poderá florescer,<br />
nem mesmo para se rebelar contra o estreitamento dos limites que a lógica comunitária,<br />
por si só, restringe o indivíduo desejante e os grupos sociais. Se há adversário aos que<br />
almejam a emancipação humana, ela está, hoje, em outro lugar, em outra sintonia. É o<br />
totalitário da lógica dos objetos e poderes artificiais que controlam, oprimem e até<br />
suprimem o humano. É o que chamei de integração societária.<br />
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conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Nacional/Edusp, 1973. p. 96-<br />
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______. A ciência como vocação. In: Ciência e política: duas vocações. 9. ed. São<br />
Paulo: Cultrix, 1993.<br />
WIRTH, L. Delineamentos e problemas da comunidade. In: FERNANDES, F. (org.).<br />
Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e<br />
de aplicação. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Edusp, 1973.<br />
Artigo recebido em<br />
21/11/2006<br />
Aprovado para publicação em<br />
26 /06 /2007<br />
COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 114-131 • nov. de 2006 131<br />
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A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA O<br />
DESENVOL<br />
OLVIMENTO PROFISSIONAL SIONAL DO PROFESSOR<br />
SOR 1<br />
Herivelto Moreira 2<br />
INTRODUÇÃO<br />
A importância atribuída ao desenvolvimento profissional do professor em serviço<br />
para o avanço das discussões das questões educacionais na escola tem sido enfatizada<br />
na literatura educacional nacional e internacional. Os estudos desenvolvidos por autores<br />
oriundos de diferentes instituições de ensino superior em âmbito nacional (PIMENTA,<br />
1996; LÜDKE, 1996; GATTI, 2000; ANDRÉ, 1999 entre outros), e, em nível<br />
internacional (NÓVOA, 1995, 2002; PERRENOUD, 2002; SCHÖN, 1995;<br />
ALARCÃO, 2003; TARDIFF, 2000, entre outros), confirmam a importância da<br />
formação continuada para o professor.<br />
Por exemplo, André (1999, p.85) em um estudo que analisa teses e dissertações<br />
na área da educação defendidas no período de 1990 a 1998, revela que dos 410<br />
trabalhos analisados, 295 (72%) tratam da formação inicial, 73 (17,8%) abordam a<br />
formação continuada e 42 (10,2%) têm como foco a profissionalização docente e a<br />
identidade profissional. Na opinião da autora essas produções representam o ponto de<br />
abrangência e dos conteúdos pesquisados, uma vez que analisam diferentes níveis de<br />
ensino e contextos variados.<br />
No entanto, os sucessivos progressos nas ciências continuam impondo muitas<br />
demandas aos professores em termos do conhecimento da disciplina e do conhecimento<br />
pedagógico, do entendimento dos fatores culturais e psicológicos que afetam a<br />
aprendizagem do aluno, do domínio das tecnologias da informação e comunicação e<br />
da absorção, em determinados casos, de novas responsabilidades em termos do<br />
planejamento curricular etc.<br />
Essas demandas naturais levam a uma redefinição do trabalho do professor, a<br />
uma reconceptualização de seu desenvolvimento profissional e conseqüentemente, a<br />
um aumento da relevância de seu papel em muitas atividades na escola.<br />
Por muitos anos os professores têm participado de cursos ofertados pelo estado<br />
ou pelas universidades para melhorar suas qualificações, suas habilidades individuais<br />
e também para melhorar sua remuneração, mas para a grande maioria desses<br />
professores o desenvolvimento profissional se traduz em cursos que abordam a última<br />
novidade na sua área e que possa ser realizado em uma tarde ou um final de semana.<br />
Para o professor são inegáveis as contribuições e os benefícios que esses cursos<br />
trazem. Entre os principais benefícios podemos citar: crescimento pessoal e profissional,<br />
maior segurança no trabalho e, em alguns casos e instituições, avanço na carreira. As<br />
escolas também se beneficiam, principalmente por terem em seu quadro professores<br />
mais qualificados para trabalhar com os alunos na sala de aula.<br />
________________________________<br />
1 O presente artigo é resultado do projeto de pesquisa “A apropriação e o uso do conhecimento pelo professor”, apoiado pelo CNPq,<br />
processo 30530/2002-9.<br />
2 Doutor em Educação, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia junto a Universidade Tecnológica<br />
Federal do Paraná. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: heri.moreira@uol.com.br<br />
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No entanto, dada a massificação do ensino, o crescente aumento do número de<br />
professores, a deterioração das condições de trabalho, a falta de uma formação<br />
continuada eficaz e a desvalorização do profissional da educação, será que os<br />
professores têm o apoio necessário das escolas para poderem crescer e se desenvolver<br />
profissionalmente, a fim de atender a todas as exigências de uma profissão tão<br />
importante e complexa?<br />
Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi identificar, a partir de uma amostra de<br />
sete escolas do município de Curitiba-PR, se a instituição escolar contribui para o<br />
desenvolvimento profissional dos professores de ensino médio.<br />
REVISÃO DA LITERATURA<br />
O desenvolvimento profissional de professores vem alcançando neste início do<br />
século XXI, em todo o mundo, um papel de grande destaque. O interesse sobre o<br />
assunto é muito grande entre pesquisadores e acadêmicos (ALARCÃO, 2003;<br />
ANDRÈ, 1999; GATTI, 2000; IMBERNÓN, 2001; LÜDKE, 1996; MARIN 1998;<br />
MOREIRA, 2003; NÓVOA, 1995; 2002; PERRENOUD, 2002; PIMENTA, 1996;<br />
SCHÖN, 1995a; TARDIF, LESSARD e LAHAYE; 1991 e outros) e tem se efetivado<br />
em vários países, inclusive no Brasil, por meio de diversas modalidades, caracterizadas<br />
como cursos de longa ou curta duração ou como um conjunto de atividades ou<br />
procedimentos de formação centrados nas escolas.<br />
Na opinião de Rego e Mello (2002, p.3),<br />
(...) além da intensa produção teórica sobre diversos aspectos<br />
envolvidos na formação docente, um bom indicador da<br />
importância atribuída à temática é a crescente circulação de<br />
informações sobre o assunto decorrentes do intercâmbio entre<br />
dirigentes e técnicos de diferentes países, membros de<br />
governos nacionais e de agências internacionais.<br />
Esse interesse surge em função das transformações que vêm ocorrendo na<br />
sociedade em várias áreas que, por si sós, confrontam a escola e os professores com<br />
maiores desafios e demandas. Mas, mais do que isso, as atuais mudanças da e na<br />
sociedade são tão complexas e influentes, que não podemos esperar que os professores<br />
cuidem dessa tarefa individualmente da mesma maneira como se fazia há uma ou<br />
mais décadas.<br />
Para encarar esses desafios e demandas, o desenvolvimento do professor em<br />
serviço é considerado vital, pois existe atualmente um consenso sobre sua importância<br />
e muitos autores concordam que as condições de trabalho nas escolas exercem uma<br />
grande influência sobre esse desenvolvimento.<br />
No entanto, as escolas de ensino médio no Brasil, em sua grande maioria, continuam<br />
as mesmas escolas do século passado, avessas às inovações e às mudanças tão decantadas<br />
pelos teóricos da educação. O que predomina é um modelo de escola e salas de aulas<br />
burocráticas, tipificadas por sua dimensão pedagógica uniforme, centralizada, rotineira e<br />
pela recusa da diversidade e da heterogeneidade das pessoas e das situações.<br />
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Além disso, muitas escolas não oferecem as mínimas condições de trabalho<br />
para os professores e são acusadas de terem um desempenho medíocre apesar de o<br />
discurso oficial acentuar o investimento que se faz na educação.<br />
O currículo escolar é basicamente um conjunto de disciplinas isoladas com pouca<br />
ou nenhuma relação entre elas. O corpo docente das escolas de ensino médio é, em sua<br />
grande maioria, formado por um conglomerado de professores especialistas, preocupados<br />
apenas com suas disciplinas e suas aulas. Em geral, os professores tratam os problemas e<br />
as necessidades dos alunos com uniformidade, seguem regras e procedimentos universais<br />
e suas habilidades estão baseadas em práticas muitas vezes ultrapassadas, uma vez que a<br />
autoridade é fundada na hierarquia e na lealdade à administração.<br />
A sala de aula do professor é proibida para outros professores, o que obviamente,<br />
inibe qualquer forma de colaboração. Essa organização burocrática da escola impede<br />
a interação e a colaboração entre os professores. Por essa razão, é muito difícil falar<br />
em renovação pedagógica a partir das escolas e dos professores, já que estes estão<br />
inseridos em um sistema em que predomina a lógica do centralismo burocrático.<br />
Outro aspecto importante a ser enfatizado é que parece haver uma suposição de<br />
que todos os professores compartilham uma orientação comum em relação aos aspectos<br />
pedagógicos, profissionais e organizacionais de suas tarefas. Contudo, tal suposição<br />
não é realista. Os professores não formam um bloco monolítico com as mesmas<br />
atitudes, crenças, filosofias educacionais, valores e orientações profissionais e, talvez,<br />
nem contam com as mesmas concepções sobre qual é o grande objetivo da educação.<br />
Além de todas essas questões, há uma certa precariedade das políticas salariais<br />
e de incentivo à carreira e, devido a isso, muitos profissionais são obrigados a exercer<br />
suas atividades em condições absolutamente inadequadas e desmotivadoras, já que<br />
muitas escolas são desprovidas de recursos físicos, materiais didáticos e tecnológicos<br />
e também humanos.<br />
Com todas essas condições adversas, nem mesmo os profissionais mais<br />
competentes conseguem chegar a bons resultados. Os investimentos na estrutura<br />
física dos equipamentos escolares, nos projetos pedagógicos ou nas condições salariais<br />
dos docentes, elementos extremamente importantes, não são suficientes para garantir<br />
o sucesso das transformações educacionais necessárias. Por exemplo, isso pode ser<br />
confirmado nos resultados anuais no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),<br />
conforme relatórios disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa Anísio Teixeira (INEP)<br />
em seu sítio http:// portal.mec.gov.br.<br />
No que se refere ao desenvolvimento profissional, especificamente, ainda que<br />
muitos estudos relatem experiências exitosas com os professores, poucos se detêm<br />
na análise da própria escola como espaço de formação e as inúmeras facetas, positivas<br />
ou negativas, que esse espaço apresenta. Por essa razão, em que pesem essas<br />
iniciativas, poucas dizem respeito à formação em serviço de equipes escolares<br />
integradas, multidisciplinares e multifuncionais.<br />
Rego e Mello (2002, p.26) argumentam que os programas de formação continuada<br />
para o professor devem ser capazes de proporcionar aos docentes espaços sistemáticos<br />
de reflexão conjunta e investigação no contexto da escola, em relação aos problemas<br />
concretos, enfrentados no cotidiano.<br />
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Sendo assim, é preciso oferecer alternativas mais eficazes que possibilitem um<br />
desenvolvimento profissional de melhor qualidade e:<br />
a) proporcionem oportunidades de aprendizagem aos professores, por meio do<br />
trabalho coletivo e do intercâmbio das experiências reais do cotidiano da<br />
escola;<br />
b) colaborem na elucidação de aspectos relacionados à disciplina com as quais<br />
os professores trabalham, às questões pedagógicas do ato de ensinar e ao<br />
relacionamento com alunos, colegas, gestores e colaboradores;<br />
c) proporcionem um tempo adequado para o desenvolvimento profissional;<br />
d) assegurem que as escolas tenham sistemas confiáveis de avaliação do impacto<br />
do desenvolvimento profissional nas práticas dos professores e na<br />
aprendizagem dos alunos.<br />
O desenvolvimento profissional do professor deve também levar em consideração<br />
os saberes do docente (saberes da experiência, saberes do conhecimento e saberes<br />
pedagógicos) e a valorização desses saberes, que estão intimamente vinculados às<br />
diferenças, anseios e necessidades dos professores.<br />
Por essa razão, as propostas de desenvolvimento profissional do professor devem<br />
levar em conta essas diferenças evitando situações padronizadas e homogêneas,<br />
conhecidas como pacotes prontos, que ignoram tais diferenças e não consideram o<br />
contexto no qual o docente está inserido, possibilitando, assim, a introdução do trabalho<br />
colaborativo como uma estratégia para melhorar o desenvolvimento profissional na<br />
própria escola.<br />
Uma breve revisão na questão do trabalho colaborativo, como tema exclusivo<br />
de pesquisa, mostrou que essa questão tem sido tratada mais sob a perspectiva teórica<br />
do que propriamente de uma perspectiva empírica. Costa (2006) cita vários autores<br />
(PONTE, 2000; PENTEADO, 2000; ITACARAMBI, 2001; PONTE et al., 2003) e<br />
argumenta que<br />
(...) algumas pesquisas têm evidenciado que o uso das<br />
tecnologias de informação e comunicação na formação inicial<br />
e na prática docente pode contribuir efetivamente para o<br />
desenvolvimento intelectual e profissional dos professores se<br />
for criado e desenvolvido um contexto marcado pelo trabalho<br />
colaborativo entre professores, formadores e especialistas em<br />
informática, os quais, juntos, planejam, executam e refletem/<br />
avaliam os resultados obtidos.<br />
Nunes (2005) ao analisar a formação continuada de professores desenvolvida<br />
pela Secretaria da Educação Básica do Ceará no período de 1995-2002, na perspectiva<br />
de dois dos seus protagonistas: professores e equipe técnico-pedagógica, utilizou uma<br />
abordagem qualitativa que consistiu, basicamente, em reunir os professores em grupos<br />
para abordagem de um tema concreto, discutindo textos e apresentando sínteses a<br />
todos os participantes. Os principais resultados foram: a) a necessidade de valorizar a<br />
organização do trabalho docente na escola, b) o clima de trabalho e de amizade entre<br />
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as professoras participantes do estudo como um aspecto positivo, c) a valorização do<br />
trabalho em equipe, porque as professoras aprendem mais e melhor nas trocas de<br />
experiências com seus companheiros.<br />
Finalmente, a autora constatou que as escolas estão se abrindo para os trabalhos<br />
em grupos, mas falta fortalecê-los como espaços formativos, corroborando a<br />
importância que tem sido ressaltada na literatura da área.<br />
Os resultados apresentados por Nunes (2005) corroboram a posição de vários<br />
autores citados nessa revisão de que a formação centrada na escola ainda não se<br />
constitui uma realidade nos cenários investigados, embora algumas escolas estejam<br />
dando passos nessa direção.<br />
Little (1990) argumenta que o trabalho colaborativo nas escolas pode ser visto<br />
em termos de quatro variantes em um contínuo que vai da independência à<br />
interdependência. A primeira variante é definida como contatos ocasionais e diz<br />
respeito aos contatos oportunistas que acontecem na sala dos professores antes e<br />
depois das aulas, no intervalo das aulas e nos corredores da escola com a finalidade<br />
de contar histórias e explorar idéias. Os professores trabalham independentemente e<br />
satisfazem as demandas do cotidiano com incursões ocasionais em busca de idéias<br />
específicas, soluções ou certezas. A segunda variante é a ajuda e a assistência que<br />
ocorre quando, espontaneamente, os professores pedem e oferecem ajuda aos colegas<br />
para resolver questões pedagógicas ou situações que acontecem na sala de aula.<br />
A terceira variante é o compartilhar que acontece quando há a troca de materiais,<br />
métodos e novas idéias. Isso se dá com mais freqüência entre aqueles professores<br />
que têm mais afinidade. A quarta e última variante é o trabalho colaborativo que, em<br />
sua essência, se efetiva em reuniões que enfatizam a responsabilidade do ato de<br />
ensinar e as idéias compartilhadas sobre os principais aspectos da prática pedagógica.<br />
As três primeiras variantes são importantes, mas o trabalho colaborativo é<br />
considerado por vários autores como uma condição necessária para o desenvolvimento<br />
profissional, pois ele se torna essencial, não porque proporciona o apoio social aos<br />
professores, mas porque força os participantes a tornar público e compreensível para<br />
os colegas o conhecimento da experiência.<br />
No entanto, seria muito simplista afirmar que o trabalho colaborativo poderá<br />
levar automaticamente ao desaparecimento do isolamento e de outras características<br />
do trabalho do professor, pois a adoção de uma perspectiva colaborativa na escola<br />
não é um processo rápido e, em um primeiro momento, pode provocar desânimo entre<br />
os professores, pois seus esforços muitas vezes não são suficientemente reconhecidos<br />
pela direção da escola, nem pelos próprios alunos.<br />
Também é preciso levar em consideração que nem todos os professores podem<br />
estar suficientemente preparados para atuar em colaboração, sendo então necessário<br />
propiciar ao professor as condições e o tempo fora da sala de aula para trabalhar em<br />
equipe. Seminários permanentes, em que a prática habitual seja a de escrever e refletir<br />
sobre os temas da escola e da sala de aula, ajudam o professor a superar carências<br />
em sua formação.<br />
Para Nóvoa (2002) o aprender contínuo se ampara em dois pilares: o professor<br />
como agente e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente. A<br />
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formação continuada deve representar um trabalho coletivo que dependa da reflexão<br />
e da experiência dos professores como instrumentos permanentes de análise.<br />
Em relação à escola, enquanto espaço de desenvolvimento profissional<br />
permanente, Nóvoa argumenta ser necessário mudar o contexto em que os professores<br />
atuam, pois a instituição escolar não pode mudar sem o empenho dos professores e<br />
estes não podem mudar sem uma transformação das escolas em que trabalham.<br />
Portanto, o desenvolvimento profissional dos professores tem que estar articulado<br />
com a escola e seus projetos.<br />
Nessa perspectiva, a escola desempenha um papel fundamental no<br />
desenvolvimento profissional do professor, pois, como Nóvoa (2002) sugere, a escola<br />
não é somente o local em que o aluno aprende, mas é o local onde o professor também<br />
aprende, uma vez que é no espaço real e concreto da escola, em torno dos problemas<br />
pedagógicos ou educacionais, que se desenvolve a verdadeira formação.<br />
Além disso, a escola não seria mais apenas o espaço em que se reproduz o<br />
conhecimento, mas sim um ambiente de caráter mais relacional, mais dialógico e<br />
aberto às instâncias sociais, com um novo enfoque para a definição de conteúdos,<br />
estratégias de ensino e propostas de formação docente.<br />
Na opinião de Imbernón (2001) a formação continuada centrada na escola<br />
ampara-se em uma série de pressupostos, com a escola sendo o foco do processo de<br />
reflexão e ação e como núcleo básico para o desenvolvimento profissional docente,<br />
considerando o professor sujeito e não objeto de sua formação.<br />
No entanto, a escola como um dos pilares dessa formação pode não estar<br />
possibilitando mudanças significativas no desenvolvimento profissional do professor.<br />
As soluções tradicionalmente adotadas (deixar a qualificação por conta dos próprios<br />
professores por meio de ações solitárias em cursos ofertados pela secretaria de<br />
educação e/ou pela universidade) têm aspectos positivos e negativos. Os aspectos<br />
positivos estão relacionados à possibilidade de o professor interagir com profissionais<br />
de outras instituições, compartilhar experiências com outros professores para melhorar<br />
sua prática pedagógica e evitar o isolamento profissional próprio da natureza do trabalho<br />
do professor.<br />
Os aspectos negativos estão relacionados com as iniciativas solitárias, que podem<br />
levar os professores a se acomodar e ficar muito tempo sem participar em cursos de<br />
qualificação, participação em cursos que muitas vezes não estão relacionados com a<br />
realidade da escola e dos alunos (planejados por especialistas ou burocratas que ignoram<br />
a experiência dos professores) e a participação em cursos que desenvolvem apenas<br />
as competências científicas em detrimento das competências pedagógicas. Por essas<br />
razões, cada vez mais parece imperioso que se modifiquem essas formas tradicionais<br />
de conceber o desenvolvimento profissional em serviço.<br />
METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS<br />
A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa de natureza interpretativa. Essa<br />
abordagem foi escolhida por melhor definir o problema, tendo como base a realidade<br />
dos docentes. Segundo Moreira e Caleffe (2006) na pesquisa qualitativa o foco da<br />
investigação está na essência do fenômeno e a visão de mundo é função da percepção<br />
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do indivíduo. O objetivo, então, é fazer com que as pessoas que estão participando do<br />
estudo falem por si próprias, de maneira a evidenciarem suas perspectivas com palavras<br />
e em ações. Portanto, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e<br />
naturalista do que está sendo estudado.<br />
Os participantes do estudo foram trinta professores do ensino médio de sete<br />
escolas públicas de Curitiba. O município de Curitiba possui 97 escolas de ensino<br />
médio. A escolha dessas escolas prendeu-se ao fato de as mesmas serem de grande<br />
porte, isto é, abrigarem de 1.561 a 2560 alunos de diferentes níveis socioeconômicos<br />
e culturais e, estarem localizadas em bairros populosos do município. Neste sentido,<br />
não é possível afirmar (e nem era essa a intenção) que essas escolas possam representar<br />
um universo de 97 escolas de ensino médio do município de Curitiba.<br />
Em relação à técnica de amostragem e considerando os objetivos do estudo<br />
optou-se pela amostragem não-probabilística. Para manter a coerência com os princípios<br />
da abordagem qualitativa, a amostra dos participantes do estudo foi intencional, o que<br />
significa dizer que foram selecionadas aquelas pessoas que poderiam contribuir para<br />
o estudo. Nesse tipo de amostragem, como sugerem Bogdan e Biklen (1994, p.96), o<br />
número de participantes do estudo não é definido a priori, pois “as entrevistas caminham<br />
até a altura em que o estudo atinge aquilo que se designa de saturação de dados, ou<br />
seja, o ponto da coleta de dados a partir do qual a aquisição das informações se torna<br />
redundante”. Devido aos procedimentos adotados neste tipo de amostragem não é<br />
possível a generalização dos dados obtidos na amostra para a população. Portanto, as<br />
experiências descritas por esses professores não podem ser generalizadas para além<br />
dos participantes desse estudo.<br />
A amostra constituiu-se de 10 professores e 20 professoras com média de idade<br />
de 44 anos. Dos 30 participantes, 5 docentes estavam no estágio inicial na carreira (5<br />
anos de experiência ou menos), 14 no estágio intermediário (6 a 12 anos de experiência)<br />
e 11 no estágio avançado (13 anos de experiência ou mais). Desse total, 21 professores<br />
possuíam pós-graduação, sendo 17 em nível de especialização e 4 em nível de mestrado.<br />
Ministravam em média 36 aulas semanais e a média de tempo no magistério era de<br />
aproximadamente 22,9 anos.<br />
A técnica usada para a coleta de dados foi a entrevista individual semi-estruturada.<br />
Esse tipo de entrevista parte de um protocolo que inclui um número de temas a serem<br />
discutidos durante a mesma, mas que não são introduzidos da mesma maneira, na<br />
mesma ordem, nem se espera que os entrevistados sejam limitados nas suas respostas,<br />
nem que respondam a tudo da mesma forma. Ao usar esse tipo de entrevista é possível<br />
exercer um certo tipo de controle sobre a conversação, embora se permita ao<br />
entrevistado alguma liberdade. O protocolo de entrevista foi elaborado a partir da<br />
experiência do pesquisador e da literatura na área.<br />
Antes de iniciar as entrevistas cada participante do estudo assinou um termo de<br />
(livre) consentimento com garantia do anonimato e do sigilo das informações. As<br />
entrevistas realizaram-se no próprio local de trabalho dos professores e foram gravadas<br />
e transcritas literalmente. A análise dos dados foi indutiva, isto é, construíram-se<br />
abstrações à medida que os dados particulares foram coletados e foram se agrupando.<br />
Os dados passaram por um processo de segmentação, isto é, divididos em unidades<br />
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de significados relevantes, embora tenha sido mantida a conexão com o todo. A análise<br />
iniciou com a leitura de todos os dados, de modo a proporcionar a familiarização do<br />
pesquisador com eles. Os segmentos de dados foram categorizados de acordo com<br />
um sistema organizacional que deriva, predominantemente, dos próprios dados.<br />
O objetivo desse tipo de análise foi tentar discernir similaridades conceituais,<br />
melhorar o poder discriminativo das categorias e descobrir padrões.<br />
A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS<br />
Para analisar os dados foi utilizado o método comparativo constante que é<br />
compatível com essa abordagem metodológica. O método comparativo constante<br />
de análise de dados qualitativos associa a combinação de categorias indutivamente<br />
com uma comparação simultânea de todas as unidades de significado obtidas<br />
(GLASER e STRAUSS, 1967). Assim que cada nova unidade de significado é<br />
selecionada, ela é comparada com todas as outras unidades de significados e<br />
subseqüentemente agrupada (categorizada ou codificada) com unidades de<br />
significado similares. Nesse processo, houve espaço para o aperfeiçoamento<br />
contínuo das categorias, ou seja, elas puderam ser modificadas, incorporadas ou<br />
omitidas, e ainda novas categorias puderam ser geradas e outras relações foram<br />
descobertas.<br />
As categorias apresentadas a seguir emergiram dos dados e a tentativa foi a de<br />
retratar, o mais fielmente possível, o que pensam os professores sobre a contribuição<br />
da escola para seu desenvolvimento profissional.<br />
O contexto escolar como limitador do desenvolvimento profissional<br />
Quando foi indagado aos participantes do estudo se a escola propiciava momentos<br />
ou atividades para encorajar a aquisição de conhecimentos, a maioria respondeu que<br />
não. Os professores falam sobre essa questão com certo constrangimento e afirmam<br />
que a escola pública não está preparada e não tem condições para isso. Na opinião<br />
deles a escola apenas repassa, por meio de editais, informações sobre os cursos que<br />
estão sendo promovidos pela secretaria de educação e pelas universidades. Eis o que<br />
alguns professores participantes do estudo falaram:<br />
A escola repassa a informação através de editais do que está<br />
acontecendo. Tudo o que chega das universidades, da<br />
secretaria de educação e os convites que são recebidos são<br />
colocados em edital. Estou falando isso na área de biologia,<br />
mas isso ocorre em todas as áreas. (Professora de Biologia,<br />
12 anos de magistério).<br />
Eu acho que a escola na realidade, às vezes repassa da<br />
seguinte maneira: “olha, vai ter um curso...”, não vejo que<br />
haja uma satisfação de nos preparar e que você participe. É<br />
assim: “quem quiser fazer o curso que vá”. Porque para você<br />
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fazer um curso, tem que ter a concordância da direção e você<br />
não pode faltar à aula, não tem substituto. Então se você vai<br />
fazer o curso é um sacrifício para sua escola e daí você tem<br />
que acabar cedendo (Professor de Geografia, 22 anos de<br />
magistério).<br />
Olha é um tanto quanto difícil falar sobre isso, porque a escola<br />
não propicia, mas não propicia também porque a gente sabe<br />
das condições que a escola tem hoje, a escola pública em<br />
geral. Ela não propicia esses momentos. A direção sempre<br />
está informando os professores sobre cursos que são<br />
ofertados. Eles sempre estão informando. Vai ter um curso de<br />
Matemática em tal lugar, ou vai ter curso tal época. Eles<br />
passam a informação para a gente. (Professor de Matemática,<br />
5 anos de magistério).<br />
Para minimizar essa situação a maioria dos professores, quando pode, busca<br />
novos conhecimentos por conta própria e em ações solitárias, sem prejuízo para suas<br />
atividades na escola. Outros se limitam a realizar leituras em suas áreas específicas.<br />
Eis o que alguns professores afirmaram:<br />
Tem que ser por conta, tem que ser porque se não você não<br />
vai fazer nada. Até na outra escola sim, mas acontece que<br />
você estar em duas escolas, isso me poda, tanto é que eles<br />
estão oferecendo um curso, para ir para Faxinal do Céu e eu<br />
não posso porque tenho aulas aqui. (Professora de<br />
Matemática, 24 anos de magistério).<br />
Eu busco sozinha, eu vou em outros lugares, eu adquiro, eu<br />
tenho bastante coisa também sabe, vou na minha outra escola<br />
que também tem biblioteca, às vezes trago coisas de lá para<br />
cá, faço troca de materiais. É o jeito, não dá para depender<br />
somente disso, tem que dar um jeito. (Professora de Educação<br />
Artística, 18 anos de magistério).<br />
Eu não faço. Eu só faço aquilo que já falei: leio revistas.<br />
Leio porque eu gosto. Não porque eu queira me aprimorar<br />
em questões educacionais. (Professor de Física, 8 anos de<br />
magistério).<br />
Nessa categoria não foi observada nenhuma diferença de opinião entre os<br />
professores nos diferentes estágios na carreira. É possível afirmar que isso acontece<br />
devido ao fato de os professores estarem todos submetidos às mesmas condições de<br />
trabalho, regras e normas das escolas.<br />
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É possível perceber, pela fala dos professores, que a escola não impede a<br />
participação deles em cursos para melhorar sua qualificação, mas também não ajuda.<br />
O professor que tem interesse busca sua qualificação por conta própria, fortalecendo<br />
o modelo de desenvolvimento profissional baseado apenas nos interesses e necessidades<br />
do professor.<br />
No entanto, se a escola não conta com mecanismos e nem infra-estrutura para<br />
propiciar um desenvolvimento profissional mais eficaz, poderia, ao menos, aproveitar<br />
e utilizar a experiência dos professores, que de uma maneira ou de outra, buscam essa<br />
formação para compartilhar os conhecimentos adquiridos com os colegas. Isso é o<br />
que será analisado na próxima categoria.<br />
O contato ocasional como mecanismo para compartilhar conhecimentos<br />
Quando perguntamos aos professores se eles têm a oportunidade de compartilhar<br />
com os colegas os conhecimentos adquiridos em cursos fora da escola, dos trinta (30)<br />
professores participantes do estudo, vinte (20) afirmaram que sim, pois na opinião<br />
deles as escolas em que eles trabalham dão apoio a essas iniciativas, mas que essa<br />
troca acontece apenas em encontros ocasionais. Entretanto, dez (10) responderam<br />
que não, porque a escola em que trabalham não oferece nenhuma condição para que<br />
isso ocorra. Seguem as opiniões mais representativas sobre essa questão:<br />
Eu tive oportunidade de compartilhar porque outros fizeram<br />
o curso junto comigo. Então nós trocávamos idéias, até na<br />
hora do recreio mesmo, mas fora disso não temos essa<br />
oportunidade de troca. A razão é a falta de tempo. Não dá<br />
tempo. Não é nem culpa da direção, pois nós não temos tempo.<br />
O tempo passa muito rápido, você tem muita coisa para fazer.<br />
(Professora de Português, 8 anos de magistério).<br />
Só por meio de conversas informais. Quando nós nos<br />
encontramos no corredor e no intervalo. É muito raro, mas<br />
não há um momento específico para fazer isso. Eu acho que<br />
se houvesse seria muito importante. (Professora de Química,<br />
5 anos de magistério).<br />
Não. São encontros ocasionais. Normalmente eu troco<br />
informações com os colegas. A gente chega para dar aula 15<br />
minutos antes, na hora do intervalo nós conversamos 15<br />
minutos também. Então são esses momentos que a gente tem.<br />
Após o término das aulas nós ficamos 10 a 15 minutos na<br />
sala de professores até guardar o material. Normalmente a<br />
gente tem esses momentos para trocar idéias e conversar. O<br />
que aconteceu lá em Faxinal do Céu? O que aconteceu<br />
naquele curso que você fez? Foi bom o curso? (Professor de<br />
Matemática, 5 anos de magistério).<br />
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No dia-a-dia sim, mas apenas conversando. As conversas de<br />
corredores e salas de professores são importantíssimas.<br />
Quando a gente se esbarra no café é melhor do que nas<br />
reuniões. Aquele tempinho a mais que você fica no intervalo,<br />
quando você está contando para um colega o que fez na última<br />
aula ou o que você vai trabalhar na próxima ou até um<br />
problema que você teve com um aluno. Esse cotidiano é<br />
importante. (Professora de Biologia, 12 anos de magistério).<br />
As respostas dos professores a essa questão, mesmo daqueles que responderam<br />
afirmativamente, isto é, que nas escolas em que trabalham existem condições para<br />
compartilhar conhecimentos, confirmam que a colaboração no ambiente da escola só<br />
acontece por meio de contatos fortuitos nos corredores, na sala dos professores e<br />
ocasionalmente na semana de planejamento pedagógico (no início das aulas).<br />
Para aprofundar um pouco mais essa questão perguntamos aos professores<br />
sobre a possibilidade dessa troca acontecer no horário destinado à hora-atividade.<br />
Todos os professores participantes do estudo responderam que a hora atividade é tão<br />
somente para fazer outras coisas como, por exemplo, corrigir provas e trabalhos,<br />
preparar aulas e transparências, conforme o que disse uma das entrevistadas:<br />
Eu fico sozinha. Eles não fazem um horário em que todos os<br />
professores de Português possam se reunir. Tem outros<br />
professores que conseguem. Eu acho isso muito importante<br />
para poder ver como o outro colega trabalha, o que ele<br />
conseguiu. Seria muito importante. Eu sei que só duas<br />
professoras conseguiram bater esse horário, daí você fica<br />
sozinha. (Professora de Inglês, 8 anos de magistério).<br />
O professor exerce um trabalho solitário e, nesse sentido, sua profissão é diferente<br />
de outras profissões, pois a natureza do trabalho não proporciona o estabelecimento<br />
de uma cultura compartilhada com os colegas de profissão, baseada no movimento do<br />
conhecimento para experimentar na companhia de colegas. Os professores, na maioria<br />
das vezes, estão sós na sala de aula, com um grupo de alunos, sem nenhum supervisor<br />
à vista, com altas expectativas interiorizadas, um conjunto de metodologias para aplicar<br />
e apenas alguns adultos para compartilhar, crescer e aprender. Isso fica bem evidente<br />
na fala de outra professora:<br />
É mais um processo individual do que um processo coletivo<br />
de conseguir sentar e repassar. É mais aquele processo de<br />
troca com aquele colega que você tem mais afinidade de<br />
chegar e passar o texto, de citar uma referência bibliográfica<br />
e de indicar um site, mas coletivamente é mais difícil. Falta de<br />
tempo e de infra-estrutura da escola. Nós percebemos que as<br />
pessoas que têm interesse vão atrás. É a grande contradição,<br />
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a busca do professor é essa, mas o dia-a-dia da escola acaba<br />
impedindo. Sabe aquelas propostas em que o professor deveria<br />
se afastar, se eu não me engano é uma proposta de um<br />
candidato a governador, a cada determinado período de tempo<br />
o professor tivesse que se afastar e fazer um período de estudo<br />
e de mergulhar realmente na academia e na busca do<br />
conhecimento acho que seria o ideal, ou concomitantemente<br />
com uma carga horária menor de trabalho que possibilitasse<br />
isso. (Professora de História, 18 anos de magistério).<br />
Além dos problemas discutidos, os professores indicam que há outros<br />
empecilhos, que devem ser levados em consideração, como a falta de interesse dos<br />
próprios professores, a cultura da não-interferência e a falta de um comprometimento<br />
pedagógico, para que se estabeleça uma perspectiva que privilegie e altere esse<br />
isolamento profissional. Os professores nos estágios inicial e intermediário na carreira<br />
tomam mais a iniciativa para estabelecer um contato efetivo com colegas mais antigos<br />
na escola, mas muitas vezes não encontram muito respaldo para essas ações. Isso<br />
provavelmente aconteça pela maneira como os professores mais novos são socializados<br />
no ambiente da escola.<br />
OS OBSTÁCULOS AO TRABALHO COLABORATIVO<br />
O isolamento profissional é uma importante característica do trabalho do professor.<br />
Esse isolamento na opinião de Fullan e Hargreaves (2000, p.20) “limita o acesso<br />
a novas idéias e a soluções melhores, acumula estresse internamente, fracassa em<br />
reconhecer e elogiar o sucesso e permite a existência e a permanência da<br />
incompetência em detrimento dos estudantes, dos colegas e dos próprios professores”.<br />
Ao serem perguntados sobre a questão do trabalho colaborativo, boa parte considera<br />
isso muito importante, mas reconhece que não tem oportunidades para trabalhar<br />
colaborativamente por várias razões, dentre as quais destacamos a falta de tempo, a infraestrutura<br />
inadequada das escolas, o desinteresse dos colegas, a incompatibilidade de horários<br />
das horas-atividade, a natureza do trabalho do professor e assim por diante. Um dos<br />
docentes entrevistados fez a seguinte declaração sobre essa questão: “O trabalho do<br />
professor é totalmente isolado. Não existem condições para o trabalho colaborativo nem<br />
no calendário e nem voluntariamente”. (Professor de Química, 5 anos de magistério).<br />
Outro professor também opinou sobre essa questão e apresentou a razão do<br />
porquê isso realmente não se efetiva na escola:<br />
Não. Não, porque as cargas horárias nossas, de todos os<br />
professores, são muito altas nós não temos horários para isso.<br />
Então quando alguém tem uma certa disponibilidade o outro<br />
está em sala de aula e vice-versa. Então nós não podemos<br />
sentar e trocar informações juntos. Que seria importante. Seria<br />
muito importante. (Professor de História/Geografia, 10 anos<br />
de Magistério).<br />
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No entanto, mesmo aqueles professores (a minoria) que acreditam que têm a<br />
oportunidade de trabalhar colaborativamente possuem uma visão ingênua do que isso<br />
significa, como indica uma das falas de um entrevistado: “Sim, tenho, pois na sala dos<br />
professores sempre discutimos as questões, os problemas que aparecem e juntos<br />
procuramos a melhor forma de resolver”. (Professor de Educação Física, 14 anos de<br />
Magistério). A opinião abaixo representa como a colaboração (ou a ausência dela)<br />
acontece na escola:<br />
Na hora do recreio, na sala dos professores, entre uma bolacha<br />
e outra, quando o grupo não está assim tão estressado e não<br />
quer falar de uma banalidade qualquer. Não é todo o dia que<br />
você entra na sala dos professores e pode discutir questões de<br />
sala de aula e da escola. Eu não consigo compartilhar muita<br />
coisa, é cada um na sua. É só aula e aula como transmissão de<br />
informação, ponto, fez isso fez, informou direitinho, informou e<br />
na prova vai verificar se os alunos conseguiram guardar e está<br />
tudo certo. (Professora de Geografia, 12 anos de magistério).<br />
Contudo, ingressar em dinâmicas colaborativas implica também enfrentar<br />
numerosas resistências, negações e barreiras, que nascem e se desenvolvem no diaa-dia<br />
do trabalho do professor. Essas barreiras afetam os professores, independente<br />
do estágio na carreira. Seguem as opiniões mais representativas sobre essa questão:<br />
Eu falo bastante coisa, porque sou mais nova aqui, e acho<br />
que sou muito empolgada, estou na empolgação ainda, eu<br />
quero falar, ou vamos fazer isso, tem vezes que tem coisas<br />
bem legais e eu comento com os outros professores. Então,<br />
tem alguns professores que a gente percebe que têm mais<br />
abertura, agora tem professores que não têm. Não que eu<br />
esteja criticando os colegas, mas pra eles está ótimo vir dar<br />
aula e ir embora. Então com aqueles professores que são mais<br />
abertos, a gente conversa, faz projetos diferentes. Então, têm<br />
alguns que infelizmente não e não se compartilha. (Professora<br />
de Física, 4 anos de Magistério).<br />
Não, não tenho. Não existe espaço para isso. O que acontece<br />
é que esporadicamente você sai para almoçar fora com algum<br />
professor ou na hora do lanche você troca o que você<br />
aprendeu. Mas não se tem um espaço ou tempo para sentar e<br />
repassar as novidades. Primeiro porque existe a falta de interesse<br />
dos próprios professores. Segundo, porque não se<br />
criou ainda esse compromisso pedagógico na maioria das<br />
escolas estaduais. (Professora de História e Geografia, 10<br />
anos de magistério).<br />
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Não. Só se eu quiser. Aqui eu não tenho. Não existe um<br />
momento para isso. Essa é a falha. Não é criado um momento<br />
na escola para dividir. Não é repassado. Essa é a falha na<br />
educação. Alguns adquirem e guardam para si. Geralmente<br />
não podem aplicar o que vêem lá, guardam como conhecimento<br />
próprio. (Professora de Letras-Português/Inglês, 18 anos de<br />
magistério)<br />
Entretanto, alguns professores participantes desse estudo percebem que é possível<br />
trabalhar colaborativamente com os colegas de disciplina, o que já representa um<br />
avanço para o trabalho coletivo, embora isso ainda aconteça de modo incipiente, como<br />
evidencia a opinião de outro professor sobre essa questão:<br />
Sim, nós temos um grupo em que a gente conversa, então a<br />
gente tem mais dois professores do 1º ano de Química, daí<br />
um vem e fala “olha fiz uma prática de laboratório, deu<br />
certo, o pessoal gostou, não quer fazer para o teu<br />
também?”, então a gente vai trocando, né. E essa troca<br />
tem ajudado bastante porque, coisas que você ainda não<br />
usou em sala e deu certo para o outro, você pode tentar e<br />
se eu usei e deu certo posso passar para outro professor,<br />
ainda mais que a gente começou este ano. (Professor de<br />
Química, 1 ano de magistério).<br />
Todas as opiniões dos participantes do estudo demonstram que o trabalho<br />
colaborativo é mais um processo individual do que um processo coletivo. É mais um<br />
processo de troca entre aqueles professores de uma mesma disciplina que se têm<br />
mais afinidades. Essa é a grande contradição, muitas vezes há o interesse do professor,<br />
mas o dia-a-dia da escola acaba dificultando qualquer iniciativa.<br />
No entanto, o trabalho colaborativo não se reduz a pequenas trocas e encontros<br />
fortuitos, pois ele significa: a) compartilhar preocupações docentes com outros<br />
professores (inclusive de outras disciplinas) como colegas; b) contrastar as tomadas<br />
de decisões adotadas nas tarefas educacionais que sucedem as aulas e c) permitir a<br />
formação de grupos de estudos para definir problemas e projetos, considerando os<br />
valores e as perspectivas de todos os participantes.<br />
COMENTÁRIOS FINAIS<br />
O objetivo desse estudo foi identificar se a escola contribui para o desenvolvimento<br />
profissional dos professores de ensino médio de sete escolas públicas do município de<br />
Curitiba.<br />
No que se refere à escola, os professores participantes deste estudo indicam<br />
que ela não impede que o desenvolvimento profissional aconteça, mas também não<br />
colabora, nem facilita, tal desenvolvimento. O desenvolvimento profissional é deixado<br />
sob a responsabilidade, interesse e necessidades individuais dos professores que, em<br />
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sua maioria, tende a buscá-lo (quando conseguem) nos cursos de aperfeiçoamento,<br />
treinamento, atualização e reciclagem ofertados pela Secretaria Estadual de Educação.<br />
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que os conhecimentos adquiridos<br />
pelos professores nesses cursos não são compartilhados com outros colegas, por várias<br />
razões, como o individualismo do próprio professor, a cultura da não-interferência, a<br />
natureza do trabalho do professor (falta de tempo) e a falta de oportunidades e de<br />
condições nas escolas.<br />
Em relação ao trabalho colaborativo, boa parte dos docentes o considera muito<br />
importante, mas reconhece que não tem oportunidades para trabalhar<br />
colaborativamente, pelas mesmas razões já relatadas anteriormente. Os que acreditam<br />
que trabalham colaborativamente têm uma visão muito ingênua do que significa o<br />
trabalho colaborativo.<br />
Os maiores desafios enfrentados por esses professores para implementar seu<br />
desenvolvimento profissional são a falta de tempo, a infra-estrutura inadequada das<br />
escolas e a falta de apoio. Os professores acreditam que precisam de tempo para<br />
investir em seu desenvolvimento profissional, para que possam entender novos<br />
conceitos, aprender novas habilidades, desenvolver novas atitudes, pesquisar, refletir,<br />
avaliar, tentar novas abordagens e integrá-las às suas práticas e ainda ter tempo para<br />
planejar o seu próprio desenvolvimento profissional.<br />
Nesse sentido, os professores participantes desse estudo são vítimas de um<br />
tempo escolar contra-produtivo. O desenvolvimento profissional e a colaboração<br />
acontecem antes e depois da aula ou nas férias, durante períodos de planejamento ou<br />
no limitado número de horas-atividade, o que reduz o tempo necessário para outras<br />
tarefas.<br />
Os professores têm que sacrificar o tempo pessoal e, freqüentemente,<br />
experimentam a insatisfação ao tentar preencher todas as demandas das atividades.<br />
O horário escolar não incorpora o tempo para consulta ou para a observação de<br />
colegas engajados nas atividades profissionais, tais como a pesquisa, a aprendizagem,<br />
o ensino de novas habilidades, o desenvolvimento curricular etc.<br />
Mas talvez o mais desafiador para esses professores e para essas escolas, para<br />
institucionalizar o desenvolvimento profissional que tenha como locus a instituição<br />
escolar, é a cultura que prevalece nas escolas, que geralmente considera que o único<br />
local apropriado para os professores é o da sala de aula, isolando-os e não os encorajando<br />
ao trabalho colaborativo.<br />
Essa é uma cultura que não privilegia a aprendizagem dos professores e na qual<br />
as decisões sobre suas necessidades de desenvolvimento profissional não são tomadas<br />
por eles e sim pelo Estado, pelos núcleos de educação, ou seja, pelos gestores da<br />
educação.<br />
Portanto, o sistema educacional não vê o desenvolvimento profissional como<br />
uma parte intrínseca do trabalho dos professores, na tentativa de torná-los mais<br />
produtivos em sala de aula e parece não ser favorável a qualquer iniciativa que os<br />
tirem da sala de aula. Pôde-se observar que os professores se sentem culpados ao<br />
deixarem suas atividades de sala de aula para participar de outras atividades,<br />
principalmente aquelas que se referem à formação continuada.<br />
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Um aspecto importante a ser enfatizado é que as escolas pertencem a um sistema<br />
educacional e estão sujeitas a diferentes níveis de decisão, que podem influenciar e<br />
muitas vezes impedir tentativas de mudanças internas.<br />
Por essa razão, a implementação de um padrão mais efetivo de desenvolvimento<br />
profissional em serviço exigirá um esforço maior de todos os atores da escola: diretores,<br />
professores e equipe pedagógica, na tentativa de tentar eliminar as falhas das<br />
abordagens tradicionais, que são freqüentemente criticadas por terem pouco efeito<br />
nas práticas pedagógicas do professor, nas mudanças organizacionais, serem<br />
fragmentadas, improdutivas, ineficientes, não-relacionadas com a prática, sem<br />
intensidade e sem acompanhamento.<br />
Neste sentido, o desenvolvimento profissional deve ser: contínuo, incluir<br />
treinamento, prática e retroalimentação, oportunidades para a reflexão individual e a<br />
investigação colaborativa; colaborativo: proporcionar oportunidades para os professores<br />
interagirem com os colegas; focado na aprendizagem do aluno: que deverá, em<br />
parte, orientar a avaliação de sua efetividade; incentivador e apoiador dos<br />
professores em iniciativas baseadas na escola; fundamentado nos saberes do professor<br />
e reconhecedor dos professores como profissionais e aprendizes adultos.<br />
As escolas precisam se tornar locais de desafio intelectual, aprendizagem, e<br />
crescimento, ou seja, ambientes que alimentem a qualidade do pensamento do professor e<br />
que estabeleça o estágio para o desenvolvimento de uma paixão pela aprendizagem contínua,<br />
não deixando a responsabilidade do desenvolvimento profissional apenas para o professor.<br />
Para que isso ocorra é preciso assegurar condições organizacionais para que os<br />
professores possam trabalhar em equipe, compartilhar e discutir suas práticas, anseios e<br />
angústias com os colegas, realizar pesquisas, apresentar trabalhos publicamente, participar<br />
efetivamente da elaboração do projeto pedagógico da escola, definindo, coletivamente,<br />
prioridades e metas, projetos curriculares e de avaliação institucional, formas de<br />
acompanhamento de professores iniciantes, temas para a formação continuada e prioridades<br />
para a utilização dos recursos disponíveis na escola.<br />
Em síntese, o desenvolvimento profissional do professor deve estar centrado na<br />
escola sem ser unicamente escolar, sobre as práticas escolares dos professores,<br />
desenvolver na prática um paradigma colaborativo e cooperativo entre os<br />
profissionais da educação. Deve basear-se no diálogo e visar à redefinição de suas<br />
funções e papéis, à redefinição do sistema de ensino e à construção continuada do<br />
projeto pedagógico da escola.<br />
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COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 132-149 • nov. de 2006 149<br />
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CONTEÚDOS ESCOLARES E DESENVOL<br />
OLVIMENTO<br />
HUMANO: QUAL A UNIDADE?<br />
Marta Sueli de Faria Sforni 1 e Maria Terezinha Bellanda Galuch 2<br />
“Temos de assegurar as duas pontas da corrente: revolucionar<br />
o ensino, o que implica em revolução social e dar<br />
nossa aula amanhã cedo” (George Snyders).<br />
SOBRE A PROBLEMÁTICA<br />
Na epígrafe acima Snyders parece nos colocar frente a uma perspectiva de<br />
dupla atuação na educação escolar: perseguir as grandes mudanças econômicas,<br />
políticas e sociais, tendo em vista o desenvolvimento humano – que pode ser conseguido<br />
em um período de longo prazo, e, ao mesmo tempo, levar a termo uma ação pedagógica<br />
pontual, direta, imediata, na realidade tal como ela se apresenta.<br />
Dos escritos de Snyders depreendemos que a escola é o espaço privilegiado<br />
para a transmissão da cultura produzida historicamente e que essa formação científica<br />
não pode se desvincular da formação política. A formação política pressupõe o<br />
desenvolvimento de capacidades que permitem ao sujeito proceder à crítica da sociedade<br />
e do conhecimento nela produzido, portanto sua base é o saber sistematizado. Também<br />
a abordagem Histórico-Cultural confere papel fundamental à instrução escolar no<br />
desenvolvimento humano. Ao se referir ao desenvolvimento do homem nos planos<br />
filogenético e ontogenético, Vygotsky amplia o conceito de mediação da teoria marxista,<br />
referindo-se, além dos instrumentos físicos, aos instrumentos simbólicos como<br />
mediadores da atividade humana. Os instrumentos materiais estão ligados às atividades<br />
práticas; os instrumentos simbólicos – dentre os quais a linguagem tem papel de destaque<br />
–, às atividades mentais com signos e sistemas simbólicos.<br />
Nas palavras de Luria e Yudovich:<br />
A linguagem, que encerra a experiência de gerações, ou da<br />
humanidade, falando num sentido mais amplo, intervem no<br />
processo do desenvolvimento da criança desde os primeiros<br />
meses de vida. Ao nomear os objetos e definir, assim, as suas<br />
associações e relações, o adulto cria novas formas de reflexão<br />
da realidade na criança, incomparavelmente mais profundas<br />
e complexas do que as que ela poderia formar através da<br />
experiência individual (LURIA, YUDOVICH, 1987, p. 11).<br />
No contexto escolar, a linguagem se expressa, também, nos conteúdos das várias<br />
ciências. Os conceitos dessas ciências são objeto de ensino e de aprendizagem no<br />
________________________________<br />
1 Doutora em Educação/USP, Professora do Departamento de Teoria e Prática d Educação e do Programa de pós-graduação em<br />
Educação da Universidade Estadual de Maringá, e-mail: martasforni@uol.com.br<br />
2 Doutora em Educação: História, Política, Sociedade - PUC/SP, Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do<br />
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. e-mail: galuch@brturbo.com.br; mtbgaluch@uem.br<br />
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cotidiano da sala de aula. Tais conceitos são portadores de níveis de pensamento<br />
próprios de complexos processos mentais:<br />
Os conceitos científicos, com suas atitudes totalmente distintas<br />
para o objeto, mediados através de outros conceitos com seu<br />
sistema hierárquico interno de relações mútuas, constituem a<br />
esfera em que a tomada de consciência dos conceitos, ou seja,<br />
sua generalização e domínio, surgem, ao que parece, em<br />
primeiro lugar. Uma vez que a nova estrutura da generalização<br />
surge em uma esfera do pensamento, se transfere depois, como<br />
qualquer estrutura, como um determinado princípio de<br />
atividade, sem necessidade de aprendizagem alguma, a todas<br />
as restantes esferas do pensamento e dos conceitos. Deste<br />
modo, a tomada de consciência vem pela porta dos conceitos<br />
científicos (VYGOTSKY, 1982, 213).<br />
Essa potencialidade formativa presente na aprendizagem conceitual é o que<br />
justifica a estreita relação estabelecida nessa abordagem entre a instrução escolar e o<br />
desenvolvimento mental da criança. Nesse sentido, não há oposição entre os anseios<br />
pelo desenvolvimento humano de modo geral e a aula que se prepara para “amanhã<br />
cedo”. Também no conteúdo escolar, e por que não dizer sobretudo nele, estão presentes<br />
elementos constituintes do desenvolvimento dos sujeitos. Nessa perspectiva, a atividade<br />
de ensino traz em si a unidade das duas dimensões da educação. Segundo Davidov:<br />
Os problemas de ensino e da educação que impulsionam o<br />
desenvolvimento estão estreitamente ligados à fundamentação<br />
lógico-psicológica da estruturação das disciplinas escolares.<br />
O conteúdo destas e os meios para desenvolvê-las no processo<br />
didático determinam essencialmente o tipo de consciência e<br />
de pensamento que se forma nos estudantes durante a<br />
assimilação dos correspondentes conhecimentos, atitudes e<br />
hábitos (DAVIDOV, 1988, p. 99).<br />
Com base nesses pressupostos, voltamos a atenção para a prática de sala de<br />
aula, com o intuito de refletir sobre a relação entre essas duas dimensões da educação<br />
no fazer pedagógico. No ensino escolar são trabalhadas concomitantemente ou há<br />
predominância de uma delas? O que, na escola, tem sido caracterizado como formação<br />
voltada para o desenvolvimento humano? Os conteúdos trabalhados apontam a<br />
possibilidade de desenvolvimento no sentido exposto pela abordagem Histórico-Cultural?<br />
O POTENCIAL FORMATIVO DO CONTEÚDO ESCOLAR<br />
Na busca de dados para a análise poderíamos utilizar diferentes procedimentos<br />
e recursos. Dentre os possíveis, encontram-se os planejamentos das aulas realizados<br />
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pelos professores, os documentos oficiais, o currículo e o projeto político-pedagógico<br />
da escola, as avaliações e os cadernos dos alunos, a prática docente revelada por<br />
meio de observações, filmagens ou entrevistas com o próprio professor, como também<br />
os livros didáticos. O desvelamento do ensino não é algo que se alcança com facilidade.<br />
A educação escolar é um processo que envolve diferentes elementos: políticas,<br />
atores, práticas, programas curriculares, interações entre pessoas, ou seja, a escola se<br />
constitui em local de socialização que aparece na relação com outras formas de<br />
socialização (GALUCH, 2004).<br />
Dentre as diferentes possibilidades, privilegiamos o livro didático, porque é um<br />
dos instrumentos que mais diretamente têm servido de apoio ao professor. Muitas<br />
vezes, o livro didático é seguido e reproduzido em sala de aula, chegando a ter seu<br />
índice utilizado como planejamentos de aula, determinando o que se ensina, como se<br />
ensina e a seriação dos conteúdos, bem como as atividades que os alunos devem<br />
realizar em cada uma das unidades. Mesmo quando este recurso não é adotado para<br />
uso dos alunos é por ele que o professor se orienta. Desse modo, freqüentemente,<br />
constitui-se em um dos referenciais bibliográficos mais consultados pelo professor<br />
para a elaboração e sistematização das suas aulas.<br />
Para a definição dos livros a serem tomados como objeto de análise selecionamos<br />
uma determinada área de conhecimento, a saber: ciências naturais. A partir de então,<br />
fizemos um levantamento dos títulos mais utilizados junto a 18 escolas públicas do<br />
município de Maringá, das quais 14 estaduais e 4 municipais.<br />
Nesse levantamento constatamos que a coleção de livros didáticos de ciências<br />
naturais mais utilizada, da qual todos os volumes são recomendados pelo “Guia do<br />
Livro didático de 1ª a 4ª séries – Livros recomendados”, é: “Ciências - Descobrindo o<br />
Ambiente” (1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries), de Nyelda Rocha de Oliveira e Jordelina Lage<br />
Martins Wykrota, publicada pela Editora FTD. Assim, nossa análise foi realizada com<br />
base nos conteúdos apresentados nessa coleção.<br />
Até há pouco tempo predominavam os livros didáticos que introduziam um<br />
conceito por meio de pequenos textos ou de uma única frase, cujas definições<br />
aparecem numa determinada seqüência e logo em seguida as atividades são<br />
organizadas de tal forma que dos alunos espera-se apenas que localizem no<br />
texto determinadas palavras ou frases para responderem às questões. Com<br />
relação à avaliação, cabe aos alunos “estudar” os “questionários”, de modo a<br />
memorizarem as perguntas e respostas, que o resultado desse processo será<br />
considerado como aprendizagem.<br />
Na última década uma nova tendência tem marcado os debates educacionais e<br />
perpassado todas as áreas do ensino: a formação da autonomia intelectual, do<br />
pensamento crítico. Na tentativa de estar em sintonia com essa tendência alguns<br />
livros didáticos têm mudado a forma de organizar e apresentar os conteúdos e atividades.<br />
Muitos passaram a enfatizar situações em que os alunos são levados a discutirem<br />
entre si e, em seguida, posicionarem-se “criticamente” frente a temáticas sociais que<br />
envolvem conhecimentos científicos. Espera-se do aluno uma postura dinâmica e<br />
reflexiva diante dos assuntos em pauta. O texto abaixo, referente ao estudo da<br />
eletricidade, ilustra bem essa tendência:<br />
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Hoje em dia, você liga a TV, acende uma lâmpada, liga um<br />
brinquedo à pilha. Parece mágica, não é? Tudo funciona tão<br />
fácil, por causa da eletricidade! 1) Observe como a<br />
eletricidade é usada em sua casa. Faça uma lista de<br />
exemplos. 2) Sem eletricidade, como seria sua vida? Imagine<br />
como seria o mundo sem eletricidade. Comente com seus<br />
colegas e sua professora o que você imaginou. 3) A<br />
eletricidade é muito útil. Mas, para ela ser utilizada,<br />
precisamos ter cuidado. Junto com seus colegas, organize uma<br />
lista de cuidados que devemos tomar com a eletricidade<br />
(OLIVEIRA e WYKROTA, 1990a, p. 113).<br />
Sabe-se que ao ingressar na escola o aluno possui um saber espontâneo, adquirido<br />
nas experiências vividas em diferentes situações e espaços sociais. A escola trabalha<br />
com o conhecimento científico e, ao transmitir determinado conteúdo, transmite,<br />
também, formas de pensar, analisar, reelaborar e agir. É importante ressaltar, ainda,<br />
que para se posicionar conscientemente diante de qualquer fato, fenômeno ou conceito,<br />
é imprescindível o saber sistematizado. É difícil, por que não dizer impossível, o aluno<br />
emitir opiniões que ultrapassem o conhecimento empírico, imediato, se os conceitos<br />
espontâneos, que ele adquiriu em situações da sua vida cotidiana, forem tomados<br />
como pontos de partida e de chegada.<br />
O exercício da crítica requer que a análise dos fatos não seja guiada por explicações<br />
preconcebidas. Livres de interpretações a priori e pautando-se em conhecimentos<br />
científicos, os sujeitos demonstrarão atitudes conscientes e esclarecidas. Podemos tomar<br />
como exemplo a necessidade de economizar energia elétrica. É certo que um cidadão<br />
deve participar do movimento em prol da redução do consumo nacional de energia. Mas,<br />
que conteúdos a escola pode oferecer para que o assunto tenha significado para o aluno?<br />
Antes de ingressar na escola, não raro, a criança já foi convocada por alguns de<br />
seus familiares a apagar luzes e desligar aparelhos elétricos para diminuir os gastos<br />
com energia elétrica. Todavia, essa regulação não oferece conhecimento que lhe<br />
permite se apropriar do conceito de energia elétrica, nem tampouco compreender<br />
como ocorrem a produção e a distribuição desta energia, o que exige a relação entre<br />
conceitos, envolvendo a abstração e a generalização.<br />
Em casa, parece ser natural a energia elétrica estar disponível para o consumo,<br />
sendo necessário apenas apertar alguns botões. Na escola, é fundamental ter acesso<br />
ao saber que conduz ao conceito de eletricidade. Esta é base para aprofundar<br />
conhecimentos sobre a produção de energia elétrica, sua forma de distribuição, projetos<br />
públicos, produção e consumo nacional e mundial, utilização de energia pelas indústrias,<br />
usinas hidrelétricas em funcionamento, conseqüências ambientais da construção de<br />
usinas hidrelétricas, dentre outros. Isso leva os alunos a perceberem que economizar<br />
energia não implica apenas na redução da conta de sua residência, mas num ato de<br />
dimensão coletiva e social.<br />
Com o objetivo de contribuir para a formação de cidadãos críticos, alguns livros<br />
didáticos, em determinados momentos, apresentam assuntos que envolvem a aplicação<br />
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científica e tecnológica, bem como fatores econômicos, políticos e sociais, diante dos<br />
quais os alunos são solicitados a realizar julgamentos com base em informações<br />
insuficientes para instrumentalizar uma análise consciente.<br />
Vejamos um exemplo:<br />
Cientistas inventam venenos para combater pragas.<br />
Agricultores usam defensivos agrícolas para aumentar a<br />
produção de alimentos. Industriais fabricam e vendem venenos<br />
afirmando que eles controlam as pragas.O governo estabelece<br />
leis para a defesa do ambiente. Os meios de comunicação<br />
alertam para a defesa do ambiente. As pessoas conscientes<br />
preocupam-se com o envenenamento do ambiente devido ao<br />
uso de pesticidas. Agora, pense e converse com seus colegas<br />
e sua professora: quem vocês acham que está com a razão:<br />
Cientistas? Industriais? Governo? Jornalistas? Ecologistas?<br />
Por quê? (OLIVEIRA e WKROTA, 1990c, p. 79).<br />
Vale lembrar que esta característica é um dos critérios que levaram esse livro a<br />
ser recomendado pelo Guia do Livro Didático. O fato de o aluno estar em contato<br />
com problemas atuais que exigem uma posição é extremamente importante. Todavia,<br />
o que nos chama a atenção é que podemos cair no extremo de o ensino ficar nas<br />
opiniões pessoais.<br />
Não se trata de apenas dizer quem está ou não com a razão. É preciso analisar<br />
os diferentes aspectos envolvidos. Todos podem estar com a razão, olhando, cada um<br />
de seu ponto de vista e interesses. Os cientistas pesquisam algo que é do interesse da<br />
própria sociedade e indústrias; pesquisam produtos que aumentam a produtividade, a<br />
lucratividade, dentre outros. Não pesquisam por puro prazer e interesse pessoal; são<br />
patrocinados por empresas e órgão empenhados em descobrir novos produtos e novas<br />
técnicas de produção.<br />
Para que os alunos falem e se posicionem a respeito de problemas do mundo<br />
atual é preciso que os conheçam com profundidade e sem preconceitos; que<br />
compreendam, sobretudo, as relações de trabalho implicadas.<br />
Se para desenvolver o pensamento reflexivo nos alunos a escola se limitar a<br />
perguntas que exigem do aluno respostas sobre o que acham ou sentem, como por<br />
exemplo, “Você acha que receber água encanada e tratada é direito de todas as<br />
pessoas?” (OLIVEIRA e WYKROTA, 1990b, p. 97), ou, “Como você se sente sabendo<br />
que é parte da biosfera” (OLIVEIRA e WYKROTA, 1990d, p. 53), corre-se o risco<br />
de não haver apropriação conceitual, bem como de o papel mediador do professor se<br />
anular. Se uma criança é capaz de dar uma certa opinião sobre um assunto, deve-se<br />
partir daquilo que ela já domina para trabalhar questões mais complexas.<br />
As discussões de Vygotsky acerca dos conceitos espontâneos e científicos<br />
acabaram se restringindo no espaço escolar à valorização dos conhecimentos prévios<br />
dos alunos, porém, cabe lembrar que ele também destaca a interdependência de ambos<br />
no processo de desenvolvimento intelectual. Segundo Vygotsky os conceitos<br />
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cotidianos “crescem” com os conceitos científicos, pois estes oferecem estruturas<br />
para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos em relação à<br />
consciência e ao seu uso deliberado. A tendência de apresentar o conteúdo de modo<br />
informal, ou seja, a ausência de sistematização observada nos livros didáticos<br />
consultados, parece fundamentar-se no princípio segundo o qual a aprendizagem de<br />
conceitos científicos deve ser realizada de maneira espontânea. No entanto, o próprio<br />
Vygotsky ressalta:<br />
(...) se o caminho do desenvolvimento dos conceitos científicos<br />
repetisse, no essencial, o caminho do desenvolvimento dos<br />
espontâneos, o que trariam de novo a aquisição e o sistema<br />
de conceitos científicos ao desenvolvimento intelectual da<br />
criança? Só o aumento, só a ampliação do círculo de<br />
conceitos, só o enriquecimento do seu vocabulário<br />
(VYGOTSKY, 2001, p. 351).<br />
Desejar que os conceitos científicos percorram os mesmos caminhos dos<br />
conceitos espontâneos, como, às vezes, se almeja na escola, significa, portanto, eliminar<br />
as possibilidades de interação formativa propiciada justamente pela forma diferenciada<br />
com que ambos se desenvolvem (SFORNI, 2004). Referindo-se à relação entre<br />
aprendizagem de conceitos e desenvolvimento, Hedegaard diz:<br />
Os conceitos corriqueiros são desenvolvidos espontaneamente<br />
numa relação dialética com os conceitos científicos, que são<br />
mediados pelo ensino. No entanto, se os conceitos científicos<br />
não forem incluídos, todo o desenvolvimento da criança será<br />
afetado (HEDEGAARD, 2002, p. 201).<br />
Nesse sentido, desvincular o desenvolvimento do pensamento crítico do domínio<br />
do conhecimento científico implica o esvaziamento do conteúdo da própria crítica e,<br />
conseqüentemente, da possibilidade de desenvolvimento cognitivo presente na<br />
aprendizagem escolar. Se o objetivo é desenvolver nos alunos uma postura científica<br />
é preciso que o ensino ofereça-lhes condições para perceberem a ciência como um<br />
modo de pensar e agir em busca do conhecimento. Certamente não basta a transmissão<br />
árida de princípios e conceitos. Como também não bastam dizeres que cobram do<br />
aluno atitudes – como de preservação da natureza, economia de energia elétrica –<br />
que demonstrem uma postura social e política. É preciso oferecer-lhes conhecimentos<br />
que os façam entender as implicações de suas atitudes. A crítica pressupõe<br />
entendimento, reflexão e análise e sua qualidade está diretamente relacionada à<br />
qualidade do conteúdo trabalhado na escola, pois só há análise quando se tem<br />
conhecimento. Deixar o conteúdo científico em segundo plano significa retirar do<br />
ensino a possibilidade de concorrer para o desenvolvimento de capacidades cognitivas<br />
nos estudantes, que lhes permitam analisar a realidade não só naquilo que ela é, mas<br />
também naquilo que ela pode vir a ser. Segundo Luria e Yudovich (1987, p.11) “todo<br />
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este processo de transmissão de saber e da formação de conceitos, que é a maneira<br />
básica com que o adulto influi na criança, constitui o processo central do desenvolvimento<br />
intelectual infantil”.<br />
A possibilidade de desenvolvimento para Luria e Yudovich (1987) está no fato<br />
de que esses novos conhecimentos organizam a atividade da criança em um nível<br />
mais elevado e qualitativamente novo; permitem a formação de aspectos complexos<br />
da atividade consciente e voluntária. Isto porque a palavra insere os sujeitos em uma<br />
nova modalidade de interação com os objetos e fenômenos, e nessa interação são<br />
desenvolvidas e modificadas as funções psíquicas superiores.<br />
A palavra passa a ser assim um fator excepcional que dá<br />
forma à atividade mental, aperfeiçoando o reflexo da<br />
realidade e criando novas formas de atenção, de memória e<br />
de imaginação, de pensamento e de ação (LURIA e<br />
YUDOVICH,1987, p.11).<br />
Segundo Luria (1991, p.80) a linguagem desempenha papel essencial na formação<br />
da consciência, ao possibilitar o processo de abstração e generalização, pois “as<br />
palavras de uma língua não apenas indicam determinadas coisas como abstraem as<br />
propriedades essenciais destas, relacionam as coisas perceptíveis a determinadas<br />
categorias.”<br />
Ao internalizar o código lingüístico, o significado também é internalizado,<br />
resultando na elaboração de formas de pensamento, pois a aquisição de conhecimentos<br />
historicamente construídos favorece o desenvolvimento da consciência:<br />
A presença dos significados lingüísticos modifica a natureza dos<br />
conteúdos sensoriais na consciência, na medida em que estes<br />
significados (re)elaboram a percepção que o sujeito tem do real,<br />
impulsionando o desenvolvimento das formas tipicamente<br />
humanas de comportamento (PALANGANA, 1989, p. 136).<br />
Em síntese, o leque de possibilidades para o indivíduo compreender, analisar e<br />
expressar a realidade objetiva depende da qualidade da linguagem que ele internaliza<br />
e, na escola, linguagem é conteúdo das diferentes ciências. A qualidade requerida na<br />
atualidade pode ser garantida quando se dispõe de um norte metodológico capaz de<br />
dar unidade aos significados apreendidos.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Com as discussões realizadas neste trabalho não estamos querendo dizer que a<br />
escola deva retornar ao enciclopedismo. Entendemos, que no ensino, a linguagem<br />
mediada nas relações de aula será uma possibilidade de conduzir à reflexão se não se<br />
limitar a uma lista de termos técnicos, definições ou emissão de opiniões pessoais<br />
elaboradas ao acaso. O que confere ao aluno um pensamento mais complexo, reflexivo,<br />
é a capacidade de utilizar os conceitos como instrumentos de sua atividade mental:<br />
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Ao apossar-se de formas de discurso desenvolvido, a criança<br />
adquire a capacidade de formar conceitos, mas também de<br />
deduzir conclusões de uns supostos; assimila relações lógicas,<br />
conhece leis que estão muito mais para além dos limites da<br />
experiência pessoal directa; em conclusão, assimila a ciência<br />
e adquire a capacidade de prever e predizer fenômenos, coisa<br />
que não poderia fazer se se limitasse a ser uma simples<br />
testemunha (LURIA, 1991, p. 125).<br />
Enfim, para que a aprendizagem seja realmente promotora do desenvolvimento<br />
é necessário que esteja pautada no conhecimento científico. Isso significa:<br />
Domínio dos conteúdos específicos, próprios de cada área<br />
do saber, sejam eles integrantes das ciências da natureza ou<br />
das ciências sociais e da filosofia. [...] de nada adianta, para<br />
as classes populares, que o educador tenha uma posição<br />
política favorável a elas se tiver um saber medíocre, posto<br />
que a efetiva emancipação da humanidade implica na<br />
apropriação do que há de mais avançado em termos de saber<br />
e de técnica produzida até hoje. Para dar um exemplo bem<br />
claro: o momento predominante – mas não único – que faz de<br />
um físico um educador emancipador não está no seu<br />
compromisso político, mas no seu domínio do saber e da<br />
difusão do conteúdo específico e de um modo que sempre<br />
estejam articulados com a prática social (TONET, 2005, p.<br />
234).<br />
Priorizar a aprendizagem de conceitos na “aula de amanhã” é o modo de a<br />
escola contribuir para o desenvolvimento humano, mesmo que seus resultados sejam<br />
percebidos apenas em um período de longo prazo.<br />
Porém, para que os conceitos atuem sobre o desenvolvimento dos estudantes é<br />
necessário que a escola organize situações em que estes conhecimentos sejam<br />
processados e transformados em instrumentos simbólicos mediadores entre o sujeito<br />
e a sociedade. Essa não é uma tarefa fácil, cuja complexidade demanda diálogo entre<br />
as áreas específicas do conhecimento e aquelas que se ocupam dos processos de<br />
ensino e aprendizagem.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
DAVIDOV, V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscou: Progresso,<br />
1988.<br />
GALUCH, M. T. B. Experiência e práticas docentes: o ensino de ciências nas<br />
séries iniciais do ensino fundamental. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade<br />
Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.<br />
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HEDEGAARD, M. A zona de desenvolvimento proximal como base para o ensino.<br />
In: DANIELS, H. (org.) Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002.<br />
LURIA, A R.; YUDOVICH, F. I. Linguagem e desenvolvimento intelectual na<br />
criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.<br />
LURIA, A R. Pensamento e Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.<br />
OLIVEIRA, N. R. De; WYKROTA, J. L. M. Ciências – descobrindo o Ambiente.<br />
V. 1. Belo Horizonte: Formato, 1990a.<br />
______. Ciências – descobrindo o Ambiente. V. 2. Belo Horizonte: Formato,<br />
1990b.<br />
______. Ciências – descobrindo o Ambiente. V. 3. Belo Horizonte: Formato,<br />
1990c.<br />
______. Ciências – descobrindo o Ambiente. V. 4. Belo Horizonte: Formato,<br />
1990d.<br />
PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky:<br />
a relevância do social numa perspectiva interacionista. Dissertação de mestrado -<br />
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989.<br />
SFORNI, M. S. de F. Aprendizagem conceitual e organização do ensino:<br />
contribuições da Teoria da Atividade. Araraquara: JM Editora, 2004.<br />
TONET, I. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ijuí: Unijuí, 2005.<br />
VYGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:<br />
Martins Fontes, 2001.<br />
______. Obras escogidas II. Madrid: Visor, 1982.<br />
Artigo recebido em<br />
21/07/2006<br />
Aprovado para publicação em<br />
14/11/2006<br />
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PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNA<br />
TERNATIV<br />
TIVAS: NOVOS OS OLHARES<br />
SOBRE A EDUCAÇÃO DO CORPO?<br />
Patrícia Herold 1 , Vilson Aparecido da Mata 2 e Carlos Herold Junior 3<br />
INTRODUÇÃO<br />
Na atualidade, verifica-se que o culto ao corpo, ao bem-estar individual e à<br />
saúde são fenômenos ligados com a prática de atividades físicas. O número de<br />
academias e de tecnologias que as sustentam, bem como a quantidade de pessoas<br />
praticando as mais variadas formas de atividades corporais, cresce sensivelmente.<br />
Por si só esse fato chama a atenção de vários especialistas, responsáveis tanto<br />
pela concretização dos objetivos dessas pessoas, quanto pela reflexão que almeja a<br />
compreensão das razões desse fenômeno. Afinal, esse conjunto de práticas, e a forma<br />
como elas vêm sendo analisadas e valorizadas, endossam um processo de superação/<br />
surgimento de discursos e práticas educacionais que afirmam a relevância do corpo e<br />
de sua educação.<br />
Em meio a essas questões, um outro fenômeno chama a atenção. Entre a grande<br />
quantidade de exercícios físicos, modalidades desportivas e atividades corporais, há<br />
um conjunto de práticas que são pensadas como fundamentalmente diferentes de<br />
todas as outras e que, por isso mesmo, seria capaz de trazer não somente resultados<br />
estéticos ou fisiologicamente mensuráveis, mas, também, uma grande gama de<br />
benefícios morais, sentimentais e intelectuais, antes só concebidos pelas instituições<br />
educacionais: são as práticas corporais alternativas. No âmbito da Educação Física,<br />
Matthiesen (1999, p. 131) constata que por “alternativas” se entende o seguinte:<br />
[...] de uma forma ou de outra, pretendem-se como uma opção<br />
aos conteúdos comumente para não dizer, classicamente<br />
desenvolvidos por essa área, como é o caso do esporte e da<br />
ginástica, revelando “novas” formas de intervenção no âmbito<br />
da educação do corpo e, mais que isso, capazes de contraporse,<br />
muitas vezes, à forma existente, negando-a a fim de apontar<br />
para a criação de, quem sabe, uma “outra” ou “nova” e<br />
“diferenciada” de Educação Física.<br />
Alguns autores (ALBUQUERQUE, 2001; RONDINELLI, 2001 e DEUTSCH,<br />
2003) que vêm estudando essas práticas verificam que elas se fortalecem a partir dos<br />
anos 80, fazendo um importante contra-ponto ao "boom" das academias embaladas<br />
pelas aulas aeróbicas, que também tiveram crescimento considerável no mesmo<br />
momento (COSTA e PALAFOX, 1993). Assim, pode-se definir que, a partir da década<br />
________________________________<br />
1 Graduada em Educação Física pelo CESUMAR/Maringá – PR.<br />
2 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – PR.<br />
3 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor Adjunto do Departamento de Pedagogia da Unicentro,<br />
Guarapuava, PR. Email: carlosherold@hotmail.com<br />
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de 1980, as práticas corporais tiveram um crescimento extremamente importante sob<br />
a égide de um par de termos que expressavam características educacionais opostas<br />
entre si: ou as práticas corporais são tradicionais, tidas como que buscando somente<br />
o adestramento do corpo; ou elas são alternativas, concebidas para atingir objetivos<br />
mais “amplos” pela importância educativa que possuem. O que se quer não seria mais<br />
a busca de um “corpo perfeito”, mas o desenvolvimento “integral” das “potencialidades<br />
humanas”. As práticas corporais alternativas se diferenciariam das práticas tradicionais<br />
por não estarem intimamente ligadas à educação do corpo-máquina, “apenas”. As<br />
práticas alternativas almejariam buscar a vivência por experimentação através do<br />
corpo, respeitando as reações causadas na totalidade individual (MATTHIESEN, 1996).<br />
Ou seja, as práticas corporais alternativas são vistas e propagandeadas como práticas<br />
educativas por excelência, que trariam em si a possibilidade de “finalmente” termos<br />
uma educação corporal que considerasse o ser humano em todas suas capacidades,<br />
para além das finalidades estéticas e fisiológicas.<br />
O fato de essas práticas serem, na sua maioria, adotadas e assumidas em<br />
ambientes não-escolares, não deve obscurecer o fato de que sua amplitude e suas<br />
justificativas, ao tocarem uma parte importante da sociedade, podem resultar, a médio<br />
e longo prazo, em conseqüências diretas nas estruturas curriculares, sobretudo na<br />
disciplina de educação física. Se considerarmos que essa disciplina tematiza aquilo<br />
que se chama “cultura corporal” (CASTELLANI FILHO, 1997), como<br />
negligenciarmos a relevância para o entendimento das questões educacionais<br />
concernentes ao corpo, possibilitada pela crescente adesão a essas práticas? A ginástica,<br />
no século XIX e o esporte no século XX, não foram dois conjuntos de práticas corporais<br />
desenvolvidos em ambientes não escolares, mas que acabaram por definir as idéias a<br />
respeito da “educação física”? É nesse sentido que as conseqüências educacionais<br />
das práticas corporais alternativas devem ser observadas e é esse caráter que<br />
orientará as análises dessas práticas neste trabalho.<br />
Para definir nosso objeto de estudo, entretanto, é necessário abordá-lo com autores<br />
que, apesar de não se deterem na questão especificamente educacional, oferecem<br />
reflexões interessantes para pensá-la a partir das referidas práticas. Além disso, no<br />
que tange a essas práticas, o limite entre o terapêutico, o educacional e o recreativo é<br />
extremamente tênue. Essa advertência é fundamental, pois a pesquisa mostrou que<br />
práticas terapêuticas alternativas e práticas corporais alternativas estão extremamente<br />
ligadas pelas fontes filosóficas nas quais se apóiam. Além disso, o número de estudos<br />
sobre medicina alternativa e terapias psicológicas alternativas é muito maior, além de<br />
apresentarem um viés crítico mais saliente. Matthiesen (1999), a esse respeito, mostra<br />
que essas práticas vêm, “em sua grande maioria, de áreas como a psicologia e a<br />
fisioterapia...” (p. 131). A relevância deste estudo para a reflexão sobre a educação<br />
corporal justifica-se, assim, por “incorporar” às questões pedagógicas uma temática<br />
amplamente debatida em outras áreas do conhecimento e que não deve ser<br />
negligenciada pelos especialistas em educação. Por conta disso, mesmo tendo um<br />
norte eminentemente educativo, este trabalho focaliza especificamente as práticas corporais<br />
alternativas, enxergando-as no âmbito das análises das terapias alternativas, todas elas no<br />
interior das transformações históricas da sociedade a partir da década de 1970.<br />
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Refletir sobre essas práticas é o grande objetivo, verificando quais são suas<br />
bases e limites, bem como buscando pensá-las como mais um instrumento valioso<br />
para o aumento da compreensão sobre a “Cultura Corporal” a ser tematizada nas<br />
estruturas educacionais. Para Castellani Filho (1997), cabe a Educação Física<br />
proporcionar reflexões pedagógicas a esses temas da “Cultura Corporal”, que tem<br />
lugar na sociedade de forma geral, dando sentido e estimulando um maior entendimento<br />
desse “novo olhar sobre educação do corpo”, sua importância e vínculos históricos.<br />
Este estudo pretende entender como as transformações na sociedade influenciaram<br />
na concepção do corpo e de educação do corpo implícitas nas práticas corporais<br />
alternativas, identificando qual a crítica dos proponentes dessas atividades e a relação<br />
destas com os dilemas sociais, filosóficos e políticos da contemporaneidade.<br />
Para isso, dividimos o texto em três partes. Na primeira parte, buscaremos definir<br />
o discurso que apóia as práticas corporais alternativas, tentando entender como ele<br />
vai contra os pressupostos sobre a educação do corpo construídos na modernidade.<br />
Além disso, a identificação dessas práticas com transformações políticas e filosóficas<br />
será buscada, no sentido de verificar que essas práticas têm uma relação muito próxima<br />
com as lutas econômicas, políticas e ideológicas que acontecem na nossa sociedade<br />
atualmente.<br />
Na segunda, uma crítica desses pressupostos filosóficos será feita, tendo por<br />
base autores que, ao analisarem o “movimento alternativo”, tanto na medicina e na<br />
psicologia, quanto na educação física, buscam evidenciar a mútua influência entre<br />
atividades corporais alternativas e sociedade. Na terceira, a guisa de conclusão,<br />
endossamos a importância das atividades corporais alternativas enquanto práticas e<br />
discursos educacionais sobre o corpo, evidenciando que a necessidade de analisá-las<br />
criticamente não significa nem sua aceitação irrefletida, nem a recusa peremptória.<br />
Defendendo que essa é uma das condições para que seja feita uma reflexão mais<br />
ampla sobre os diferentes processos de educação do corpo na atualidade.<br />
1 - PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNATIVAS: CONCEITOS E REPRESENTAÇÕES<br />
SOBRE UMA “NOVA EDUCAÇÃO DO CORPO”<br />
Há que se verificar que a conotação "alternativa" dada às atividades físicas<br />
recebeu um grande apoio da psicologia. No final da década de 1970 e início da de<br />
1980, Russo (1993, p.11) nota um incremento considerável de terapias psicológicas<br />
baseadas na execução das mais variadas práticas corporais. De acordo com a autora<br />
esse movimento surgiu, no Brasil, no interior da classe média carioca, como uma<br />
reação à “elitista” terapia psicanalítica, baseada somente na verbalização.<br />
Da psicologia, esse movimento "alternativo" chegou à Educação Física, sem os<br />
objetivos terápicos, porém com as mesmas características: uma prática não agressiva,<br />
baseada no prazer, no respeito às individualidades, na ludicidade, etc. Mattiessen (1996),<br />
analisa as características das atividades físicas corporais concebidas como<br />
"alternativas”:<br />
Contrariamente ao adestramento forçado do corpo, ao<br />
desenvolvimento de músculos já super desenvolvidos que<br />
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fazem o corpo sofrer, próprio, segundo elas, de atividades<br />
como o esporte e a ginástica, as práticas corporais alternativas<br />
propõem sua própria forma de educação do corpo, valendose<br />
de movimentos suaves e precisos que ajudariam a soltar os<br />
músculos e a liberar uma energia até então desconhecida<br />
(MATTHIESEN, 1996, p.14).<br />
Contrastando as noções de corpo e educação modernas com as “alternativas”,<br />
Albuquerque (2001) verifica que este contraste surge no seio da contra cultura, em<br />
meados dos anos 60 que: “(...) procurou construir modos de agir, sentir, pensar e curar<br />
distantes do dualismo hierárquico que sustenta a modernidade. Assim, esse movimento<br />
se expressou no plano social como uma reação contra a padronização e o materialismo<br />
competitivo da cultura convencional" (ALBUQUERQUE, 2001, p.35). Esse movimento<br />
ainda gerou um outro, chamado de cultura alternativa, em que se verifica a presença<br />
marcante de questões ligadas ao “autoconhecimento, saúde, psicoterapia e ecologia”<br />
(ALBUQUERQUE, 2001, p.36).<br />
Ao debruçar-se, também, sobre a necessidade de buscar as bases do movimento<br />
“alternativo” dentro das práticas corporais, Rondinelli (2001) afirma que a racionalização<br />
das experiências humanas despertou a necessidade de manifestações contra a<br />
modernidade e demonstra que as práticas corporais alternativas se opõem a ela.<br />
Outro ponto a ser considerado é a forte presença da cultura oriental no interior<br />
desse movimento de contestação da "modernidade" em relação às atividades físicas.<br />
Rondinelli (2001) verifica que “as práticas corporais alternativas presentes na sociedade<br />
atual não devem ser vistas como apenas um novo tipo de atividade física. Elas são<br />
parte de um movimento emergente na sociedade que possui, dentre outros traços,<br />
uma inegável face religiosa” (p.43).<br />
Observa-se que a separação entre corpo e consciência tornou-se o grande ponto<br />
de apoio na análise das atividades corporais alternativas e um dos grandes apelos<br />
“educativos” que elas possuem. As atividades ofertadas pelas academias, por exemplo,<br />
teriam se tornado atividades mecanizadas, repetitivas, em que o praticante mais se<br />
assemelhava a um robô – concebido como uma somatória de “peças” - e não como<br />
um indivíduo. Surge, então, a base para se pensar em práticas que fossem capazes de<br />
negar a dualidade corpo e mente, buscando atividades nas quais o cultivo da consciência<br />
corporal e a autodescoberta fossem requisitadas. Assim, a busca de identidade, o<br />
autoconhecimento e a consciência corporal tornaram-se partes e objetivos obrigatórios<br />
das atividades classificadas como “alternativas”.<br />
Matthiesen (1996) revela que esse fato, somado às transformações em relação<br />
à visão do corpo, provocaram a proliferação de locais direcionados às atividades físicas<br />
e livros sobre autoconhecimento. Nesse contexto:<br />
(...) a Educação Física, que, enquanto educação do corpo,<br />
desenvolve conteúdos como o esporte e a ginástica em geral,<br />
cujo padrão de corpo exibe formações musculares<br />
protuberantes e bem torneadas, próprias daqueles que se<br />
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submetem a trabalhos com sobrecarga muscular, cujo extremo<br />
seria o corpo do ‘body-builder’, de outro lado, as práticas<br />
corporais alternativas preocupam-se, na verdade, com a<br />
experimentação, por parte do indivíduo, de seus<br />
‘preliminares’, ‘manipulações’, ‘posições’, de forma que<br />
vivenciem seu próprio corpo por meio da experiência<br />
“(MATTHIESEN, 1996, p.12-13).<br />
Matthiesen (1996) ainda relata que a Educação Física acabou por enfrentar<br />
uma contraposição aos seus conteúdos, mostrando que as práticas corporais alternativas<br />
como “(...) a ‘antiginástica’, a ‘hatha-yoga’, o ‘tai-chi-chuan’, a ‘dança’, a ‘expressão<br />
corporal’, a ‘dramatização’, a ’bioenergética’...” (1996, p.15), a partir da década de<br />
1980, se mostraram preocupadas com termos que refletem a educação em relação ao<br />
corpo.<br />
Um outro trabalho importante para análise e crítica das práticas corporais<br />
alternativas é o conjunto de reflexões entabulado por Marcellini et alli (2005). Apesar<br />
dos autores dedicarem-se às terapias alternativas, a forma como as criticam é<br />
extremamente elucidativa para os dilemas e discursos que são defendidos por<br />
praticantes e proponentes das atividades sem o cunho terapêutico, mas com a<br />
preocupação formativa. Ao iniciarem os seus estudos, já afirmam que eles querem<br />
verificar como a aceitação das terapias e das práticas alternativa reflete um debate<br />
mais amplo do que o concernente à cura e ao lazer:<br />
Através desta pesquisa nós nos propomos verificar a hipótese<br />
segundo a qual a atração massiva de outros modelos de corpo<br />
e outros tipos de cuidados poderia ser lido como um indicador<br />
de mudança mais geral de relações entre indivíduos e os<br />
saberes científicos e tecnológicos nas sociedades ocidentais<br />
(MARCELLINI et alli, 1996, s.p.).<br />
Ao lançarem esse pressuposto, Marcellini et alli (2005), fazendo coro com outros<br />
analistas das terapias alternativas, afirmam que o corpo é o lugar privilegiado das<br />
atenções tanto dos terapeutas quanto dos pacientes:<br />
O corpo é o lugar de compromisso dentro da alternativa, ou<br />
seja, do compromisso com uma outra maneira de cuidar, que<br />
lembra a busca de uma outra maneira de ser, de uma maneira<br />
de ser com o outro, de uma maneira de comunicar,<br />
compreender, de perceber e de ver (MARCELLINI et alli, 2005,<br />
s.p.).<br />
O fortalecimento e a popularização das terapias alternativas relaciona-se<br />
intimamente com uma atitude de extrema afinidade em relação ao irracionalismo, ao<br />
imponderável e ao desmedido. O que os autores observam é o surgimento de um<br />
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sentimento que prima pela busca de uma libertação do racional, do tecnológico, que<br />
passam a serem vistos como fontes de opressão e de doenças e que, por isso mesmo,<br />
devem ser criticados e postos de lado. E, mais uma vez, a grande porta pela qual a<br />
saída é possível é o corpo e sua educação. Todo esse projeto terapêutico, que prima<br />
pela negação da racionalidade, só pode ser alcançado pelo elogio e pela consideração<br />
ao cuidado e cultivo corporal. Esse posicionamento é tão claro e tido como<br />
inquestionável que Marcellini et alli (2005) se perguntam se essa postura não está se<br />
configurando uma nova “crença”, que para formar-se como tal, lança mão de trabalhos<br />
na psicologia, tal qual os de Reich. De acordo com os autores:<br />
O que surge deste trabalho, é a busca de um além da<br />
tecnociência e do racional através da experiência terapêutica.<br />
É um projeto global de ultrapassagem dos conhecimentos<br />
estabelecidos, que provoca amplamente a questão do corpo,<br />
que é mediado e concretizado por ele. (...) “A gente pode se<br />
perguntar se uma verdadeira mitologia não está sendo<br />
elaborada em torno das práticas terapêuticas, a partir da<br />
noção de energia por exemplo, a partir de Reich (...)’”(2005,<br />
s.p.).<br />
O caráter quase religioso que o fortalecimento desse “movimento” pressupõe<br />
pode ser observado no “vocabulário” utilizado por praticantes e proponentes.<br />
Interessante observar que ao mesmo tempo em que essas terapias buscam a “base<br />
material”, “concreta”, que advém do corpo, elas apelam para um vocabulário “etério”,<br />
em que conceitos tais como “energia” e “forças”, ou “aura” e “espectros”, são também<br />
muito recorrentes. Os proponentes das práticas alternativas acabam sendo vistos como<br />
“sábios”, como “possuidores de uma energia”, ou de uma “visão”, que superam a<br />
limitada condição do homem “comum”. Ou seja, ventila-se uma visão de homem,<br />
mundo, ciência e, conseqüentemente, de sociedade, com um caráter místico e religioso,<br />
incapaz de ser explicado pela “limitada ciência (cartesiana demais) do homem”:<br />
A gente encontra também enormemente referências a poderes<br />
e a dons supostos dos terapeutas, quais sejam a capacidade<br />
“ver”, no sentido de "ter visões" sobre o invisível, ou uma<br />
capacidade excepcional de perceber e sentir (as vibrações,<br />
as energias etc). Toda uma mitologia de bruxo e de curandeiro<br />
como mediadores entre o self e uma outra realidade do mundo<br />
(MARCELLINI et alli, 2005, s.p.).<br />
E o “movimento” que é feito pelas práticas alternativas não é fácil de ser<br />
apreendido, afinal, ao mesmo tempo em que criticam o limitado paradigma cartesiano,<br />
utilizam-se amplamente dele, sobretudo para dar às suas propostas de prática e cura<br />
um maior respaldo e mais aceitabilidade frente ao grande público, ou para fazer com<br />
que elas sejam “respeitas” pelos institutos de pesquisa e pelos hospitais.<br />
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E as contradições se avolumam ainda mais. O discurso pautado pelas “energias”,<br />
pelas “forças”, capazes de serem vistas somente pelo terapeuta, dotado de “visão”, e<br />
que, acima tudo, possui respaldo científico (de uma ciência a ser abandonada e limitada)<br />
implica um outro posicionamento: o fato de libertar o indivíduo do “controle” das<br />
variáveis intervenientes em sua vida, em sua consciência e em sua saúde. E assim<br />
que Marcellini et alli (2005) expressam essa idéia:<br />
As diferentes terapias parecem caminhar juntas ao proporem<br />
uma plataforma clara, salvadora e encantadora: existe uma<br />
outra realidade que a científica e tecnológica, uma realidade<br />
povoada de forças (superiores) e de energias (internas e<br />
externas), que escapam a toda racionalização e ao controle<br />
do indivíduo, com o qual o terapeuta pode nos colocar em<br />
contato. Essas terapias se apresentam como as vias de acesso<br />
a “uma espécie de espaço leve, mal delimitado, estendido,<br />
regressivo, que as religiões estabelecidas ocupam e um outro<br />
espaço, expansivo, que a tecnociência submete a razão à suas<br />
razões (s.p.).<br />
Ainda nesse contexto, Marcellini el alli (2005) relatam que as terapias alternativas<br />
fazem com que o indivíduo abandone a idéia de controle, se contrapondo com algumas<br />
práticas desportivas. Elas dão outro valor ao corpo:<br />
As terapias alternativas não aparecem mais somente como o<br />
lugar de educação a um outro corpo, mas como uma busca,<br />
através do corpo, da uma iniciação a uma outra visão do<br />
mundo, na qual o homem moderno poderia se liberar de uma<br />
responsabilidade individual pesada, valorizando forças que<br />
o ultrapassam. As terapias alternativas oferecem ao mesmo<br />
tempo um controle corporal sobre a realidade e o acesso a<br />
um outro mundo em que o indivíduo não é mais um ator<br />
responsável, mais um objeto guiado por uma cosmologia<br />
complexa que não tem o indivíduo como centro (2005, s.p.).<br />
Para Marcellini et alli esse “Novo mundo revelado aqui no e pelo corpo, se<br />
misturando entre religião e ciência, tendo questão de reenviar ao termo de ilusão a<br />
injunção de si com o controle do mundo, abrindo uma via de reencantamento do mundo”<br />
(2005, s.p.).<br />
2 - A PÓS-MODERNIDADE E AS PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNATIVAS:<br />
ELEMENTOS PARA A CRÍTICA<br />
É importante demarcar uma preocupação que objetiva entender o papel do professor<br />
de Educação Física e como as atividades corporais alternativas respondem ao<br />
surgimento de um novo ideário educacional e, também, como isso traz uma concepção<br />
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de corpo, que ao apoiar as práticas alternativas, dão a elas um caráter altamente<br />
terapêutico. Tudo isso buscando evidenciar como essas práticas, suas justificativas e<br />
seus resultados são, em última instância, traços constitutivos e formadores de um<br />
contexto de acelerada transformação oriunda das crises da sociedade.<br />
Como conseqüência, ao se ter como principal inquietação as questões relativas<br />
à cultura corporal a serem pedagogizadas pelo professor de Educação Física, deve-se<br />
ter o cuidado para diferenciar essa análise das de outros profissionais, que também<br />
lidam com as atividades corporais com preocupações não pedagógicas, mas sim<br />
terapêuticas ou artísticas. Entretanto, esse cuidado não deve negligenciar que o limite<br />
entre o discurso pedagógico e o terapêutico é difícil de ser percebido quando se<br />
focalizam as justificativas e as filiações filosóficas do “movimento alternativo”. Tratase<br />
de um movimento educacional que enxerga a formação humana de um ponto<br />
de vista terápico, da mesma maneira que se configura em uma terapia que se diz<br />
superadora dos “limites” da modernidade ao enxergar a cura como um grande<br />
processo educacional de “auto-descoberta”.<br />
No desenvolvimento deste estudo verificamos que o desenvolvimento e a prática<br />
das atividades corporais alternativas estão de tal forma relacionados com as dimensões<br />
terapêuticas e médicas, que abordar essas atividades e fazer sua crítica, sem analisar<br />
trabalhos que as concebem na dimensão clínica, não foi possível. Foi observado, também,<br />
que as atividades corporais alternativas, tanto em sua dimensão recreativa e pedagógica,<br />
quanto terapêutica, estão fortemente imbuídas das transformações políticas, culturais<br />
e filosóficas que marcam o surgimento daquilo que Lyotard (1989) chama de condição<br />
pós-moderna.<br />
Esse conjunto de idéias vem de encontro às concepções que foram construídas<br />
quando a sociedade capitalista dava seus primeiros passos, mas a endossa e apóia na<br />
atualidade. O que passa a ser buscado é a libertação em relação à forma moderna de<br />
cuidado e educação corporal, que, em última instância, são vistos como uma forma de<br />
castigo e de instrumentalização. Nesse sentido, Nicolino (2003) não vê muita diferença<br />
entre o mundo moderno e o medieval, a não ser pelo fato deste “punir” o corpo de<br />
forma direta, ao passo que a modernidade “vigia” o corpo de forma a não precisar<br />
tocá-lo.<br />
Diagnosticar as relações sociais existentes entre as práticas corporais alternativas<br />
e as transformações que ocorrem na sociedade é uma tarefa ainda a ser feita de<br />
forma sistematizada, uma vez que a fragmentação dos estudos indica uma<br />
predominância da idéia de que apenas essas atividades responderiam às necessidades<br />
de emancipação dos homens, a partir do corpo e da sua educação.<br />
2.1. PARA ALÉM DOS DUALISMOS E AQUÉM DA CRÍTICA: AS TERAPIAS<br />
ALTERNATIVAS COMO EDUCAÇÃO DO CORPO<br />
Clayton (2002) em um texto que analisa o modo como a “pós-modernidade”<br />
pede um novo conceito de medicina, de paciente, de corpo e de doença, defende o<br />
surgimento desse novo paradigma, dando a ele um caráter possibilitador de superar os<br />
limites existentes na forma de se encarar os assuntos citados pelo referencial cartesiano.<br />
Ao definir o objetivo do seu artigo Clayton diz:<br />
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Esse artigo considera a corrente proliferação de desordens<br />
no interior das perspectivas que negam o modelo biomédico<br />
cartesiano. Considerando as doenças pós-modernas nos<br />
termos da mudança de paradigma social no qual eles emergem,<br />
o dualismo mente/corpo não é mais um modelo satisfatório de<br />
explicação (2002, s.p).<br />
A forma como o dualismo cartesiano é rejeitado é o que vai definir o apego das<br />
práticas terapêuticas ao modelo pós-moderno. Ao negar o fato de que o homem é<br />
composto pela razão que comanda e pelo corpo que é comandado Clayton (2002)<br />
enfatiza a necessidade de valorizar de forma intensa os sentimentos, a subjetividade,<br />
em detrimento do antigo valor dado à razão, ao discurso e à objetividade. É interessante<br />
observar que a autora, ao verificar essa necessidade, a justifica como um argumento<br />
de caráter altamente pragmático, a saber, o fato de o mundo atual impor novas formas<br />
de doenças que ela define como doenças pós-modernas: “(...) as doenças pós-modernas<br />
questionam o fundamento sobre o qual o privilégio do racional oposto à explicação<br />
fenomenológica da realidade é construído” (Clayton, 2002, s.p.).<br />
A autora deixa bem claro que as definições que aceita são tributárias de todo um<br />
processo de questionamento oriundo da falência dos modelos modernistas de explicação<br />
tanto da natureza, da sociedade, quanto do próprio homem. Clayton (2002) afirma que<br />
uma das vantagens do modo pós-moderno de pensar é o fato deste modelo não apelar<br />
e não buscar a existência “da verdade”. Isso, tanto para a autora, quanto para o pósmodernismo<br />
de forma geral, é um dos exemplos dos limites da modernidade, que ao<br />
defender a existência do conhecimento correto, era autoritária e limitadora, pois excluía<br />
formas “alternativas” de explicar os fenômenos que estudava. Contra o “absolutismo”<br />
da verdade a autora defende a existência de várias formas de se explicar a mesma<br />
coisa.<br />
Ao afirmar a inexistência de padrões inquestionáveis de verdade e correção, o<br />
mesmo acaba ocorrendo com o esforço humano de explicar seus estados subjetivos.<br />
O dualismo cartesiano perde toda importância, afinal, o próprio conceito sobre corpo<br />
e mente adquire a mesma fluidez, a mesma impossibilidade de ser apreendido, ou seja,<br />
nada de absoluto pode ser dito sobre a mente ou sobre o corpo que não possa ser<br />
questionado. Rondinelli (2001) afirma que a racionalização das experiências humanas<br />
despertou a necessidade de manifestações contra a modernidade e demonstra que as<br />
práticas corporais alternativas se opõem a ela, buscando negar o dualismo cartesiano,<br />
que separa as dimensões de corpo e alma, e fortalece o funcionamento corporal<br />
independente da idéia de essência, e entendendo o corpo e a mente como sendo uma<br />
unidade.<br />
Se os antigos limites ficam comprometidos, fica enfraquecido também o antigo<br />
predomínio do espírito, da mente e da razão sobre o corpo e sobre os sentimentos.<br />
Esses dois últimos, como resultado, passam a serem mais valorizados e, em alguns<br />
casos, tornam-se os únicos referenciais existentes para se elaborar diagnósticos e<br />
tratamentos. Por isso, as “doenças pós-modernas” afetam, sobretudo, o corpo, e são<br />
curadas pelo corpo. Nesse sentido: “Se subjetividade é um contínuo estado de fluxo, o<br />
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corpo e a mente são referentes instáveis. Por isso, o corpo, como lugar de experiência,<br />
deve ser alvo de investigações extras” (Clayton, 2002, s.p.).<br />
No que diz respeito às doenças, a maneira clássica da medicina de abordá-las<br />
como do corpo, ou do espírito, perde força. As doenças pós-modernas são,<br />
resumidamente, doenças psicossomáticas, em que a impossibilidade de definir o que é<br />
orgânico e o que é mental é total, a julgar pelo desenvolvimento atual das ciências<br />
biomédicas, neurológicas e psicológicas.<br />
A dissolução de fronteiras modernas não se resume entre as “entidades” que<br />
formam cada ser humano. Clayton (2002) mostra também que o próprio limite entre<br />
um self e o outro é desfeito. A autora mostra que isso explica, entre outras coisas, o<br />
fato de boa parte das práticas alternativas apelarem para sessões coletivas e<br />
valorizarem a presença do outro, do grupo, na solução de problemas de cada integrante.<br />
Afinal, diz a autora, o que é “Verificado conjuntamente com as desordens<br />
psicossomáticas é a incerteza dos limites do self e o do outro” (s.p.).<br />
A forma como o paradigma pós-moderno atinge as práticas alternativas e<br />
valorizam o corpo é, indubitavelmente, baseado na crença de que não há<br />
“realidade” fora do discurso. As possibilidades de se dizer algo sobre algum fato<br />
é exatamente o número de “realidades” que existe. Ou seja, não há um corpo<br />
natural, a ser analisado por uma mente racional autônoma, que aprende os<br />
mecanismos corporais que sempre existiram. É o que Clayton (2002) defende ao<br />
citar o teórico francês Jean Baudrillard:<br />
(...) Afinal, se cada sintoma pode ser produzido e não ser<br />
aceito como um fato da natureza, então cada doença pode<br />
ser considerada como simulável e simulada, e a medicina perde<br />
seu significado pelo fato de apenas saber tratar a” verdadeira<br />
“doença por suas causas objetivas”. (BAUDRILLARD apud<br />
CLAYTON, 2000, s.p.).<br />
As práticas alternativas de diagnóstico e tratamento devem levar isso em conta,<br />
devem continuar a se preocuparem em amenizar o sofrimento de quem as procura,<br />
mas sem esquecer que esse tratamento não pode mais se apoiar no dualismo moderno,<br />
que atribuía a realidade a um mecanismo que deveria ser descoberto e posto em<br />
funcionamento “correto”. Agora, assumem os terapeutas pós-modernos, sempre há<br />
uma causa que não pode ser buscada e descrita racionalmente, sendo possuído e<br />
descoberto somente pelo paciente, com a ajuda do terapeuta. O terapeuta perde a<br />
autoridade que tinha sobre o paciente, e o professor sobre seu aluno. O paciente e o<br />
aluno se tornam mais ativos no seu tratamento e na sua prática, afinal, ele “fabrica”<br />
ou “constrói” “seus” sintomas, “suas” doenças e “seus” tratamentos.<br />
Contrariamente a tudo isso as práticas médicas tidas como tradicionais abordam<br />
o indivíduo, seu corpo, suas doenças e seu tratamento como passíveis de serem<br />
“corretamente” definidos pela razão, de serem formalizados e serem aplicados a todos<br />
indistintamente. Por isso, Clayton (2002) relata as constantes críticas que os médicos<br />
sofrem a respeito da impessoalidade de sua abordagem, a “frieza” no relacionamento<br />
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entre médico e paciente e, conseqüentemente, a limitação e a agressividade dos<br />
tratamentos. De acordo com Clayton (2002, s.p) isso ocorre porque<br />
A medicina ocidental tende focalizar o corpo em termos de<br />
interação causal de partes divisíveis. Tem mantido com sucesso<br />
essa compartimentalização do corpo usando o modelo<br />
científico para selecionar, organizar e categorizar a<br />
investigação científica.<br />
O que a autora observa sobre a medicina ocidental ela acaba expressando pela<br />
palavra “destruição”, que sintetiza o debate entre os dois tipos de medicina em questão:<br />
Nada é mais fundamentalmente destruidor para a medicina<br />
alopática que a proposição colocada pelo corpo pós-humano<br />
que desafia a idéia cartesiana de um self autônomo e que por<br />
isso sugere um repensar das noções de subjetividade, baseado<br />
sobre a divisão entre corpo e mente (CLAYTON, 2002, s.p.).<br />
O que se quer é a individualização das abordagens médicas. Somente com essa<br />
característica é que a “complexidade” exigida para o entendimento de cada<br />
subjetividade pode ser contemplada. É o que diz Clayton:<br />
Como as grandes narrativas não são mais consistentes com a<br />
perspectiva pós-moderna e as pequenas narrativas tornaramse<br />
as alternativas preferidas, a validação da experiência<br />
subjetiva é refletida na emergência de abordagens relativistas<br />
da medicina (2002, s.p.).<br />
É no interior desse processo de crítica e propostas sobre as práticas terapêuticas<br />
que novas abordagens sobre o corpo surgem, tanto como resultado quanto como causadores<br />
das transformações que estamos analisando. Clayton (2002) deixa isso claro ao afirmar:<br />
O projeto humanista dependente de uma subjetividade estável<br />
não é mais uma posição inquestionável. A habilidade do corpo<br />
humano para produzir uma reflexão sobre a realidade social<br />
dos indivíduos é uma demonstração contrária ao reducionismo<br />
científico (Clayton, 2002, s.p.).<br />
Ou seja, a questão do corpo vem como ponto de apoio das abordagens<br />
“alternativas”, que conjuntamente com as transformações sociais, políticas e filosóficas<br />
da sociedade, começam a propor novas maneiras de se encaminhar as práticas<br />
terapêuticas. Essa idéia é um dos exemplos de que, com o fortalecimento das teorias<br />
pós-modernistas, o corpo aparece como algo que ainda possibilita um dos únicos<br />
referenciais para análises sobre a realidade social:<br />
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Em particular, isso sugere que o mais acurado e relevante<br />
foco no conhecimento é o que é feito pelo corpo, não pela<br />
mente, pois o corpo pós-humano é um sujeito fenomenológico,<br />
um conjunto de demonstrações da experiência cultural e social,<br />
que é talvez a mais exata narrativa da realidade social<br />
(2002, s.p.).<br />
Clayton ao constatar a forma como o corpo passa a assumir um outro estatuto<br />
na atualidade acaba por defender uma outra forma de encará-lo e, também, de tratálo.<br />
Não que essas considerações já não tivessem sido feitas na história da filosofia<br />
(Merlau-Ponty, por exemplo). A importância de Clayton (2002) nesta análise, porém,<br />
é que ela faz um contraponto para se pensar as questões filosóficas e o seu impacto<br />
no movimento “alternativo” na medicina. Por isso é que, ainda com Clayton (2002),<br />
nota-se que uma “nova” (ou “alternativa”) proposta sobre a forma de encarar o corpo<br />
é defendida.<br />
Há que se notar, por outro lado, que a defesa do novo ideário sobre o corpo não<br />
é unânime. Há estudiosos que, assim como Clayton (2002), percebem o surgimento<br />
de uma outra maneira de encarar o corpo, mas buscam muito mais a crítica do que a<br />
aceitação das novas concepções sobre o corpo. É o que veremos na próxima parte do<br />
trabalho.<br />
2.2. AS CRÍTICAS ÀS PRÁTICAS CORPORAIS ALTERNATIVAS E AOS LIMITES<br />
DE SEUS “NOVOS OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO DO CORPO”<br />
As conseqüências dessas constatações no campo médico e terapêutico são<br />
elucidadas por Dworkin (2005), quando ele nota o modo como a medicina conhecida<br />
como alternativa ganha espaço no interior mesmo de hospitais e grandes centros<br />
clínicos. O autor, que diferentemente de Clayton (2002), posiciona-se contrariamente<br />
sobre esse fenômeno, observa que as práticas médicas alternativas, apesar de suas<br />
diferenças no que diz respeito aos procedimentos, têm, todas elas, um ponto em comum:<br />
a atenção que dão ao corpo. Assim diz Dworkin (2005):<br />
O que hoje é chamado de medicina alternativa cobre um amplo<br />
leque de disciplinas, a maioria das quais é guiada pela crença<br />
que o corpo humano possui mais que realidade material.<br />
Supostamente, o corpo humano surge como uma energia que<br />
pode ser guiada por manipulações externas (s.p.).<br />
O autor constata também que o crescimento do apelo “alternativo” dentro da<br />
medicina é tão forte que ela começa a tornar-se um importante negócio: “Medicina<br />
alternativa é agora grande o bastante para atrair a atenção dos legisladores e o público<br />
de intelectuais”. Continua Dworkin (2005, s.p.): “Hospitais colocam clínicas de medicina<br />
alternativa nos seus campos porque análises de marketing revelam um intenso interesse<br />
público nessa área”. O autor não nega a existência de importantes mudanças<br />
paradigmáticas no interior da medicina, que vem levando médicos, pacientes e Estados<br />
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a buscarem novas maneiras de encarar o homem, o corpo e as doenças, mas ele<br />
verifica também pontos que merecem análise não só devido ao apelo econômico, mas<br />
também pelo próprio funcionamento e resultado das terapias.<br />
Em suas pesquisas, Dworkin (2005) observou que os pacientes preferem a<br />
medicina alternativa por acharem-na menos agressiva e mais individualizada. Porém,<br />
diz o autor, “Se a terapia alternativa falha, os pacientes retornam para a medicina<br />
alopática” (DWORKIN, 2005, s.p.).<br />
Dworkin (2005), ao se mostrar suspeito em relação ao movimento “alternativo”,<br />
oferece um importante apoio para observarmos mais criticamente o modo como a<br />
sociedade vem “pedindo” uma nova maneira de entender a corporeidade. Não que as<br />
críticas dirigidas ao paradigma moderno da medicina, da educação e do corpo não<br />
sejam importantes, mas sim que é preciso investigar a direção para a qual eles apontam.<br />
Tendo como fundamento a constatação de que o corpo vem como o ponto de<br />
apoio das abordagens “alternativas” em medicina e a ligação dessas abordagens com<br />
o nascimento de um novo ideário filosófico e político, verificamos que o mesmo pode<br />
ser dito sobre as práticas corporais alternativas e seu apelo educacional. Das análises<br />
que encontramos para embasar nosso estudo sobre as práticas corporais alternativas,<br />
os estudos de Brohm (2001) também buscam posicionar-se de forma crítica, pois<br />
relacionam essas práticas com as mudanças da sociedade capitalista, sobretudo, as<br />
transformações que concernem a mercantilização das atividades humanas.<br />
O autor francês, ao diagnosticar as várias ideologias que cercam as práticas<br />
corporais e o culto ao corpo, que acontecem na sociedade capitalista, vê nas práticas<br />
corporais alternativas, uma das expressões mais fortes da maneira como a alienação<br />
do modo de produção atinge os indivíduos em sua educação da corporeidade:<br />
(...) faceta das ideologias corporais se inscreve no imenso<br />
campo praxiológico onde o corpo é cuidado, colocado em<br />
forma, revitalizado, readaptado, reeducado. A série de novas<br />
formas técnicas de tratamento do corpo é infinita:<br />
psicomotricidade, relaxamento, bioenergia, ginástica estática,<br />
ginástica meditativa, expressão corporal, psicoterapia corporal,<br />
ginástica de manutenção, gym-tonic, hélio e<br />
talassoterapia (BROHM, 2001, p.21).<br />
Para Brohm (2001) não há diferenças entre as práticas tidas como tradicionais<br />
e as alternativas: ambas inscrevem-se como formas educacionais de instrumentalização<br />
do corpo, que se manifestam tanto nas concepções de homem e sociedade altamente<br />
reacionárias, como com o desenvolvimento de uma indústria esportiva altamente<br />
lucrativa, que se centra exclusivamente no trabalho sobre o corpo e seu cuidado. A<br />
não existência de diferenças entre práticas tradicionais e alternativas no que diz respeito<br />
a sua mercantilização não desvia Brohm (2001) de se dedicar exclusivamente às<br />
práticas corporais alternativas, verificando como o discurso defendido pelos praticantes<br />
e proponentes enseja elementos ideológicos.<br />
O primeiro ponto desse discurso, que Brohm (2001) observa, é a apologia sobre<br />
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a necessidade de se buscar a fonte de originalidade ou autenticidade corporal. Tratase<br />
de conceber o corpo como uma fonte de tudo o que homem precisa para sua<br />
felicidade, mas que não se manifesta devido às atribulações cotidianas no trabalho, na<br />
vida em sociedade etc. Se o corpo, possuidor “natural” de tudo o que o homem precisa<br />
para viver com total autenticidade, não conseguir “expressar” essas características<br />
de forma tranqüila, tratar-se-ia, então, de “ensinar” as pessoas a buscarem em si algo<br />
que a vida em sociedade não proporciona. É nesse ponto que Brohm (2001) vê a idéia<br />
acrítica dos proponentes e praticantes de atividades corporais, pois buscam resolver<br />
os problemas do mundo atual, resultados das complexas relações sociais entre classes,<br />
simplesmente permitindo ao corpo liberar, via processos terápicos-educativos, suas<br />
forças, energias e sentimentos reprimidos pela sociedade:<br />
Ao libertar o corpo, fazendo abstração das relações de classe<br />
e de produção nas quais ele está inserido, procura-se agir<br />
sobre o corpo como uma esfera íntima de propriedade privada.<br />
Assim fazendo a gente oculta o que constitui o mal-estar do<br />
corpo social: ao privatizar completamente a análise numa<br />
contemplação narcisística permanente e numa autoestimulação<br />
quase erótica, protege-se o corpo dos conflitos<br />
políticos, livrando-o do estresse social. Os métodos da moda<br />
se apresentam por outro lado como métodos de resolução dos<br />
conflitos pela via corporal. Seria suficiente estar bem consigo<br />
mesmo para reencontrar o equilíbrio fundamental, que é<br />
recusado ao homem pela ‘sociedade mecanizada’ (BROHM,<br />
2001, p. 30).<br />
O autor sumariza essa constatação ao dizer que “trata-se de um programa político<br />
implícito de terapia social pelo corpo” (BROHM, 2001, p.30). O que Brohm busca<br />
com essa afirmação é relacionar as atividades corporais alternativas com as<br />
transformações mais amplas da sociedade, de forma a encará-las como mais uma<br />
manifestação ideológica, que visa propagar uma visão de homem e sociedade atinada<br />
com valores típicos da sociedade capitalista e necessários para o funcionamento dessa<br />
sociedade.<br />
Brohm (2001) também identifica esse processo de mercantilização do corpo<br />
pelas atividades corporais alternativas ao relacioná-lo com o surgimento do ideário<br />
pós-mordeno. E, ainda, o autor endossa a dificuldade que essas práticas adicionaram<br />
para serem diferenciadas entre educacionais, terapêuticas, recreativas, etc. Assim se<br />
expressa o autor:<br />
A extensão sobre o mercado capitalista de todas as novas<br />
técnicas do corpo que visam a assegurar sua saúde e seu<br />
bem-estar é a expressão de um processo de civilização que<br />
transformou o corpo em objeto de consumo no mercado da<br />
forma e do bem-estar consigo mesmo (...) Sobre a influência<br />
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das inovações californianas e das modas pós-modernas, essas<br />
técnicas corporais tornaram-se também técnicas psicoterapêuticas,<br />
artísticas, culturais e, quiçá, místicas (BROHM,<br />
2001, p. 40).<br />
Uma outra faceta observada é a forma como, na atualidade, o capitalismo associa<br />
o corpo ao prazer. Interessante observar é que essa visão tem por base a visão oposta,<br />
gerada na época do capitalismo industrial, em que Brohm (2001) nota o predomínio de<br />
uma visão puritana e “protestante” sobre o corpo. Este devia ser poupado, educado e<br />
bem alimentado, não pelas sensações prazerosas que isso propiciaria, mas sim pela<br />
quantidade de energia que poderia proporcionar no trabalho. Isso é mais uma<br />
manifestação da crise do capitalismo: “A crise da ideologia burguesa é focalizada na<br />
crise do corpo burguês. (...) Com o declínio da ideologia puritana uma nova ideologia<br />
do aproveitar, da liberdade corporal e da felicidade pouco a pouco emergiu” (BROHM,<br />
2001, p.58).<br />
Para expressar o surgimento dessa visão de corpo relacionada com o prazer e<br />
não mais com o esforço, o sociólogo verifica que um dos pontos é a vinculação do<br />
corpo com as forças e características da natureza. Mais uma vez, trata-se de associar<br />
o caráter alternativo das práticas com valores opostos aos da vida urbana, acelerada<br />
e concorrencial da atualidade, vendo na educação do corpo a possibilidade de se fazer<br />
aflorar outros valores, atinados com harmonia, calma, suavidade e equilíbrio, valores<br />
esses que a sociedade capitalista não consegue promover. Isso não significa um<br />
posicionamento crítico, mas sim uma posição ingênua e irrealista por não considerar<br />
as transformações históricas que já ocorreram na sociedade, defendendo um retorno<br />
ao paraíso perdido por intermédio da educação corporal:<br />
Essa busca romântica de acordo do homem e da natureza<br />
postula explicitamente a homologia entre energia natural e a<br />
energia corporal. Viver em harmonia com a natureza tornase<br />
a nova palavra de ordem dos ‘corpo-expressionistas’ que<br />
revelam sua nostalgia de um tempo de ouro pré-industrial,<br />
pré-urbano onde o homem teria estado em equilíbrio com o<br />
seu corpo, com os outros e com o ambiente natural, ideologia<br />
recorrente que alimenta as numerosas idéias ’verdes’ ou<br />
‘ecologistas’ (BROHM 2001, p.73).<br />
Analisar o corpo e suas atividades de forma contundente passa pelo<br />
reconhecimento das relações sociais, que embasam a construção da corporeidade<br />
humana, que não é meramente natural ou ecológica, mas sim social, histórica e política.<br />
Brohm (2001) também denomina o “movimento alternativo” de “concepção hortícula”<br />
de irracionalismo em torno do corpo. Ao ser visto como um depositório de energias<br />
cósmicas e naturais, o corpo passa a ser tematizado de forma a não permitir nem a<br />
reflexão sobre si, nem sobre as forças sociais que o formam:<br />
Esse novo irracionalismo, que deveria ser elevado a um<br />
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grande futuro e que quer também um retorno a terra e a<br />
natureza, esquece totalmente que o corpo não é em si uma<br />
bolha de energia cósmica, mas essencialmente uma relação<br />
social ou uma instituição e que não são as leis cósmicas que<br />
regem o corpo, mas as relações sociais incorporadas (BROHM,<br />
2001, p.78).<br />
Tendo por base esses posicionamentos Brohm (2001) faz questão de enfatizar,<br />
que apesar deles serem aplicáveis tanto às atividades tradicionais quanto às alternativas,<br />
são estas últimas que merecem mais atenção. Afinal, as práticas alternativas são<br />
propagandeadas como fontes de uma certa contestação aos valores defendidos pela<br />
sociedade capitalista, que em última instância, reprimiria as energias naturais do corpo,<br />
redundando em infelicidade, violência e insatisfação. Entre outras coisas, isso explica<br />
a força com que as práticas corporais alternativas se apegam às características advindas<br />
das práticas orientais:<br />
Bem, evidentemente esse é o caso das técnicas místicas<br />
orientais, que insistiram sobre o fato de que o corpo humano<br />
é uma parcela no oceano energético. Entre a energia cósmica<br />
e a energia biológica a osmose seria total e o corpo seria o<br />
mediador entre o universo físico e a sociedade. Meditação<br />
transcendental ou transpessoal, Zen, Tai Chi, Aikido, Yoga,<br />
Tantrismo, Tai Do, são algumas das asceses do espírito pelas<br />
“vias do corpo” que visam canalizar e controlar a energia<br />
corporal e integrar no interior do fluxo universal por meios<br />
psicossomáticos (BROHM, 2001, p. 93).<br />
Não se trata de desqualificar a filosofia oriental. Pretendemos chamar a atenção<br />
para a forma como essa filosofia é recorrentemente utilizada para expressar o que<br />
seria correto em detrimento da filosofia ocidental, vista como fonte de “dualismos”.<br />
Ou seja, reconhecer a importância de uma filosofia é algo completamente diferente<br />
de considerá-la como uma solução milagrosa para os impasses educacionais (nesse<br />
caso, o dualismo corpo e mente) de uma outra. A mesma posição é apresentada por<br />
Le Breton (2003) ao tentar construir uma antropologia do corpo:<br />
A exploração sensorial que favorece (...) a sofrologia, as<br />
massagens, a yoga, as artes marciais, entre outras práticas,<br />
propõe um uso inédito do corpo, traduz essa necessidade<br />
antropológica de uma aliança nova com uma corporeidade<br />
subutilizada na modernidade (LE BRETON, 2003, p. 128).<br />
Além dessa questão sobre as influências orientais, os autores salientam também<br />
o estímulo encaminhado pelo desenvolvimento da cultura californiana. Le Breton (2003)<br />
afirma que as práticas corporais alternativas assumem a força educacional e formativa<br />
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que têm após sua passagem pela Califórnia, onde o recurso a tradições esotéricas<br />
legitima a busca do “ouro escondido nas dobras da carne” (Le Breton, 2003, p.177).<br />
Dessa forma, ao analisarmos as atividades corporais alternativas, devemos atentar<br />
para as vinculações sociais e políticas que são presentes e reais, porém, não facilmente<br />
observadas por professores e praticantes. Conforme diz Nicolino (2003):<br />
O corpo, tanto nas sociedades primitivas quanto nas<br />
consideradas “civilizadas”, é objeto de apropriação e<br />
dominação, as técnicas corporais utilizadas modificam de uma<br />
para outra, mas os significados impressos no corpo são<br />
coletivamente construídos. Nesse sentido, o controle<br />
permanente sobre os corpos (...) expressa processos<br />
direcionados para o rendimento, exigência de uma sociedade<br />
moderna e industrializada, além de preservar interesses de<br />
um determinado grupo, desenvolvidos num sistema<br />
estratificado e hierarquizador (NICOLINO, 2003, p.14).<br />
Essa advertência é de grande valor, sobretudo para o professor de Educação<br />
Física, que ao preocupar-se com os vínculos mais amplos de sua prática profissional,<br />
deve ser capaz de vislumbrar, por traz do discurso elogioso ao corpo, às suas energias,<br />
sua liberdade e expressão, uma íntima relação com uma sociedade em crise.<br />
CONCLUSÕES: POSSIBILIDADES DE UM NOVO OLHAR SOBRE OS “NOVOS<br />
OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO DO CORPO”<br />
COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 159-178 • nov. de 2006 175<br />
Optamos por tematizar neste trabalho uma dimensão das práticas corporais que<br />
ganhou grande notoriedade, alcançando, assim, um imenso número de praticantes e,<br />
mesmo, de defensores no interior das universidades, dos institutos de pesquisa e dos<br />
hospitais: as atividades corporais alternativas.<br />
Escolhemos esse conjunto de atividades pois elas, além da grande aceitação já<br />
observada, também são vistas como uma das fontes de contestação de valores<br />
“cientificistas”, “de rendimento”, de instrumentalização do corpo, enfim, idéias que<br />
foram e são debatidas na educação e na educação física, e que formam a base de<br />
uma mudança de postura em relação à educação do corpo, sobretudo a partir da<br />
década de 1980. Nesse sentido, partimos do fato de que implícito ao fortalecimento<br />
dessas práticas está o desenvolvimento de uma concepção de educação corporal que<br />
se põe como “alternativa”, ou “nova”. Assim, este trabalho foi construído tendo por<br />
base a crença que esse objeto de pesquisa é de extrema relevância para as questões<br />
educacionais; afinal, trata-se de uma temática que fornece um dos modelos utilizados<br />
pelos professores para questionarem os valores “ensinados” em suas aulas por<br />
conteúdos “tradicionais”, tais quais as modalidades esportivas e as diferentes formas<br />
de ginástica.<br />
Na primeira parte, verificamos que a referida popularidade dessas práticas é<br />
capaz de ser observada no grande número, nos variados formatos e, sobretudo, pelo<br />
fato de elas se apresentarem como atividades opostas às “tradicionais”, preocupandocapitulo_11.pmd<br />
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se não com a performance, não com a aparência, não com o resultado, mas com o<br />
bem-estar do praticante, para com a “verdadeira” expressão de suas necessidades e<br />
desejos. Tudo isso conseguido não através da “malhação”, mas de um longo processo<br />
educativo de auto-conhecimento corporal. Utilizando-se, sobretudo, de autores que<br />
pensam o caráter alternativo dentro da medicina, vimos que eles afirmam a proeminência<br />
do corpo para a construção e popularização dessa “nova visão” sobre homem, ciência<br />
e sociedade. O caráter “alternativo”, tanto da medicina quanto das práticas corporais,<br />
acontece concomitantemente com o surgimento do ideário pós-moderno, descrente<br />
da racionalidade, da existência de uma realidade, da capacidade do homem em conhecêla<br />
e, principalmente, construí-la de acordo com um projeto coletivamente pré-concebido.<br />
Um outro limite verificado na defesa das práticas corporais alternativas é a falta<br />
de uma reflexão mais ampla, que busque efetivamente relacioná-las com questões<br />
sociais e históricas. Em íntima relação com o limite filosófico apontado no parágrafo<br />
anterior notamos que as práticas corporais alternativas formam um conjunto de<br />
concepções, que longe de refletir criticamente sobre a corporeidade do homem, a<br />
relativiza, a desvaloriza e tudo isso ao mesmo tempo em que a elogia da forma a mais<br />
intensa possível. É por isso que Brohm (2001) e Le Breton (2003) vêem que essas<br />
práticas agem por compensação: elogiam a harmonia, o autoconhecimento e o equilíbrio<br />
em uma sociedade em que valores opostos são exigidos e praticados cotidianamente.<br />
É com espanto que constatamos que os discursos sobre a “nova educação do corpo”,<br />
imbricados nas práticas corporais alternativas, acabe por corroborar uma teoria<br />
educacional ingenuamente liberal, em que os discursos pedagógicos holísticos,<br />
“complexos” e observadores da sensibilidade e integralidade humanas, reverteriam<br />
uma prática social baseada na fragmentação, no racionalismo tecnológico e na<br />
instrumentalização do corpo e da sua educação.<br />
Por outro lado, essas constatações devem sustentar que uma postura tão ingênua<br />
e limitada seria concluir que as práticas corporais alternativas e seu apelo educativo<br />
deveriam ser abandonados. O contrário é a posição defendida por este trabalho e que<br />
é apresentado como conclusão e ponto para elaboração de novas reflexões sobre as<br />
possibilidades educacionais dessas práticas corporais. Matthiesen (1999) observa que<br />
paralelamente a grande procura por essas atividades, a reflexão sobre elas por parte<br />
dos profissionais em educação deve se dar de forma mais intensa, justamente pelo<br />
fato de elas ainda não serem “hegemônicas”, mas sim “alternativas” (p.136). A área<br />
de educação física deve, assim, buscar entender e democratizar esse entendimento<br />
sobre os vínculos entre essas práticas, a educação corporal que advogam e as mudanças<br />
que acontecem na sociedade capitalista atual.<br />
Ao refletir a corporeidade dessa forma, ao reconhecer as vinculações entre a<br />
forma como o homem vê e educa sua corporeidade e a dos outros, podemos colaborar<br />
com a defesa de corporeidade historicamente situada, que não seja refém dos exageros<br />
racionalistas - tal como são as práticas ditas “tradicionais” - nem do irracionalismo da<br />
apologia do sensual, da aparência e do individualismo corporal - como é o caso das<br />
práticas alternativas, quando não passadas pelo crivo da análise. Senão, longe de<br />
cumprir a “promessa” de uma educação da corporeidade livre e libertadora das amarras<br />
sociais, as práticas corporais alternativas acabam por limitar ainda com mais força as<br />
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eduzidas possibilidades educacionais oferecidas por uma sociedade baseada na<br />
exploração produtiva e mercadológica do corpo. Uma sociedade contraditória em<br />
suas bases e que, por isso, é também contraditória em relação ao corpo: explora-o<br />
quando o elogia, e o instrumentaliza quando promove o desenvolvimento de suas forças<br />
e qualidades.<br />
Foi para a superação dessa dificuldade e para a problematização dessas<br />
contradições que passam pela sociedade, pelo corpo, pela educação, pela atuação do<br />
professor de educação física, pelas práticas corporais tradicionais e pelas práticas<br />
corporais alternativas, que esse trabalho espera ter oferecido uma colaboração.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ALBUQUERQUE, L. M. B. As Invenções do Corpo: modernidade e contramodernidade.<br />
Revista Motriz, vol.7, n.1, pp 33-39, jan-jun, 2001.<br />
BROHM, J. M. Le Corps Analyseur – essays de sociologie critique. Paris: Anthropos,<br />
2001.<br />
CASTELLANI FILHO, L. Projeto de Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino<br />
Fundamental: uma proposta pedagógica para a Educação Física. Revista da Educação<br />
Física, Maringá/UEM, 8(1), pp. 11-19, 1997.<br />
CLAYTON, B. Postmodern maladies. In: Current Sociology, London, v. 50(06), p.<br />
839-851, 2002. Disponível em http://www.pineforge.com/isw4/overviews/pdfs/<br />
Clayton.pdf<br />
COSTA, S. B.; PALAFOX, G. H.M. Características Especiais da Ginástica de<br />
Academia no seu Processo Evolutivo no Brasil. Revista da Educação Física,<br />
Maringá/UEM, 4 (1), pp. 54-60, 1993.<br />
DWORKIN, R. Science, faith and Alternative Medicine. In: Policy Review,<br />
n.108. Disponível em acesso 18/<br />
09/2005.<br />
DEUTSCH, S. Estados Emocionais e Movimento. Revista Motriz, vol. 9, n.1, pp.25-<br />
28, jan/abr, 2003.<br />
LE BRETON, D. Anthropologie du corps e modernité. 3. ed. Paris: Quadrige<br />
Puf, 2003.<br />
LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna. Lisboa: Gadiva, 1989.<br />
MARCELLINI A., TURPIN J.P., ROLLAND Y., RUFFIÉ S. Itinéraires<br />
thérapeutiques dans la société contemporaine Le recours aux thérapies alternatives:<br />
une éducation à un « autre corps. In: Corps et culture. Disponível em<br />
http://www.revues.org/corpsetculture/numero5/article8.html. Acesso 15 de Setembro<br />
de 2005.<br />
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MATTHIESEN, S. Q. A educação física e as práticas corporais alternativas: a produção<br />
científica do curso de graduação em educação física da UNESP – Rio Claro de 1987<br />
a 1997. Revista Motriz, v. 5, n. 2, p.131-137, 1999.<br />
______. A educação do corpo e as práticas corporais alternativas: Reich,<br />
Bertherat e Antiginástica. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia<br />
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1996.<br />
NICOLINO, A. da S. A Formação do Profissional das Práticas Corporais<br />
Alternativas. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) - Universidade<br />
Estadual Paulista, Rio Claro, 2003.<br />
RONDINELLI, P. A face encantada da cultura corporal. Revista Motriz, v. 7, n. 1,<br />
p. 41-44, 2001.<br />
RUSSO, J. O corpo contra a palavra. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.<br />
SILVA, A. M. da. Elementos para Compreender a Modernidade do Corpo Numa<br />
Sociedade Racional. Cadernos CEDES, ano XIX, nº48, ago 1999.<br />
Artigo recebido em<br />
12/03/2007<br />
Aprovado para publicação em<br />
23/07/2007<br />
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NORMAS DA REVISTA A COMUNICAÇÕES<br />
Linha Editorial<br />
COMUNICAÇÕES, desde seu primeiro número, em junho de 1994 tem sido um<br />
veículo de estimulação e divulgação da produção acadêmica, quer dos integrantes do<br />
Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, quer de outros pesquisadores e<br />
colaboradores; objetivando a publicação de textos acadêmicos que tratem do tema Educação<br />
em sua complexidade, abrangendo suas dimensões políticas, filosóficas, sociológicas,<br />
históricas e de processos de ensino-aprendizagem. COMUNICAÇÕES quer ser um<br />
lugar de encontro de pesquisadores e educadores e aceita colaborações sob a forma de<br />
artigos, resenhas, crônicas, ensaios e debates. A revista é semestral, circulando em junho<br />
e novembro. COMUNICAÇÕES está indexada em três agências: no México, Clase/<br />
Universidad Autónoma de México, em Sociological Abstracts (Cambridge Scientific<br />
Abstracts – San Diego – USA) e no Brasil, em EDUBASE, da FE-UNICAMP.<br />
COMUNICAÇÕES participa da Rede de Periódicos em Educação, cujo<br />
primeiro encontro se realizou em 1997 na UNIMEP. Acredita que o esforço comum<br />
dos editores de revistas universitárias de educação possibilitará um melhor nível de<br />
qualidade das revistas, maior intercâmbio entre os pesquisadores da área e melhor<br />
conceituação dos programas de graduação e pós-graduação em educação.<br />
Condições<br />
Ao encaminhar trabalho para análise da comissão editorial da revista<br />
COMUNICAÇÕES o autor abdica de encaminhá-lo simultaneamente para publicação<br />
em livros ou periódicos, quer seja no país ou no exterior. A revista se compromete a,<br />
em 180 dias a contar do recebimento do material, comunicar ao autor(es) o aceite ou<br />
não do trabalho.<br />
O texto pode ser escrito em português ou espanhol. Em se tratando de tradução,<br />
o original deverá ser anexado. Cabe ao autor criar os intertítulos para o seu trabalho,<br />
em letras maiúsculas e sem numeração. As resenhas devem conter todas as<br />
informações para identificação do livro comentado (autor; título, tradutor, se houver;<br />
edição, se não for a primeira; local; editora; ano; total de páginas; e título original, se<br />
houver). No caso de teses/dissertações, segue-se o mesmo princípio, no que for<br />
aplicável, acrescido de informações sobre a instituição na qual tiver sido produzida.<br />
Avaliação e publicação<br />
Após análise inicial os trabalhos serão encaminhados para avaliação de<br />
pareceristas ad hoc indicados pela Comissão Editorial; serão considerados a adequação<br />
do texto à linha editorial da revista, pertinência, originalidade e qualidade da redação.<br />
Todo o processo de análise dos trabalhos submetidos é feito sem a identificação do<br />
autor, assim observa-se que, no texto, não poderão constar quaisquer referências que<br />
dêem margem à identificação do autor/autores. Os trabalhos aceitos serão publicados<br />
conforme calendário proposto pela comissão editorial. Nos casos em que os pareceristas<br />
recomendarem revisões ou outros esclarecimentos os pareceres serão enviados ao<br />
autor/autores para a adequação ou justificação. Os artigos recusados poderão ser<br />
novamente submetidos, desde que acatadas as observações dos pareceristas.<br />
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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO AÇÃO DE ARTIGOS<br />
ESTRUTURA<br />
Dimensão do trabalho<br />
Artigos devem conter entre 10 e 20 páginas.<br />
Título e, se for o caso, subtítulo: precisa(m) indicar claramente o conteúdo do<br />
texto e ser(em) conciso(s). O título deve ter no máximo 10 palavras; subtítulos: no<br />
máximo 15 palavras.<br />
O resumo, contendo entre 150 a 200 palavras, deverá informar, sempre que<br />
cabível, o objetivo, o método de análise, o referencial teórico e as considerações finais.<br />
A página deverá ser configurada em A4 com margens superior e inferior de 2<br />
cm e margens esquerda e direita de 2,5 cm.<br />
Identificação<br />
Para assegurar o anonimato devem ser enviados em folha à parte o título e<br />
subtítulo do trabalho (quando houver), nome(s) do(s) autor(es), titulação acadêmica,<br />
função e origem (instituição e unidade), posição que ocupa e e-mail, (dados que serão<br />
informados ao leitor), telefone e endereço para contato da comissão editorial.<br />
A primeira página do texto deve conter: título e, se for o caso, subtítulo, resumo,<br />
título em inglês, abstract, e entre três e seis palavras-chave e respectivas keywords.<br />
O(s) nome(s) do(s) autor(es) e da instituição devem ser omitidos nessa primeira página.<br />
APRESENTAÇÃO GRÁFICA<br />
Os artigos deverão ser apresentados em arquivo do Word (versão 6.0 ou posterior)<br />
acompanhado de duas cópias impressas, seguindo a formatação indicada abaixo:<br />
Resumo/abstract<br />
Devem ser alinhados (justificados), fonte Times New Roman em Itálico, corpo 10.<br />
Títulos<br />
Os títulos dos artigos devem ser centralizados, fonte Times New Roman e Negrito,<br />
corpo 12.<br />
Subtítulos<br />
Os Subtítulos dos artigos devem ser centralizados, fonte Times New Roman e<br />
Negrito, corpo 10.<br />
Texto<br />
O texto deve ser alinhado (justificado), e na fonte Times New Roman corpo 12<br />
e espaço simples.<br />
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Citações<br />
Conforme norma NBR 10520/2002 da ABNT, as citações diretas até 3 linhas<br />
devem ser inseridas no parágrafo pertinente e transcritas entre aspas. Citações diretas<br />
com mais de 3 linhas devem ser digitadas com recuo de 4 cm da margem esquerda,<br />
fonte diminuída (sugerimos Times New Roman, 11) e espaço simples e sem aspas.<br />
Nas citações do sistema numérico ou autor-data, as entradas pelo sobrenome do<br />
autor, pela instituição responsável ou título incluído na sentença devem ser em letras<br />
maiúsculas e minúsculas; observando-se a seguinte diferenciação: a) quando estiverem<br />
entre parênteses devem ser em letras maiúsculas.<br />
Exemplo:<br />
“As culturas humanas são simbólicas na medida em que são fundadas sobre, e<br />
corporificam, um conjunto sistematicamente inter-relacionado de idéias a respeito do<br />
sentido da vida” (BROCKELMAN, 2001, p. 51).<br />
b) quando estiverem no corpo do texto, devem ser usadas letras minúsculas, exemplo:<br />
Werner Jaeger (1986, p. 75) afirma que “a crença de que a educação espartana<br />
era uma preparação militar unilateral deriva da Política de Aristóteles”.<br />
No caso de até 3 autores:<br />
Quando a indicação dos autores estiver no corpo do texto, escrever os sobrenomes<br />
dos autores, exemplo:<br />
Coll, Marchesi e Palácios (2004, p....)<br />
Após a citação, os sobrenomes dos autores devem vir entre parênteses, separados<br />
por ponto-e-vírgula, exemplo:<br />
(COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004, p...)<br />
* No caso de mais de 3 autores escreve-se o nome do autor principal, seguido da<br />
expressão et al.<br />
Citação direta de até três linhas:<br />
Esta citação pode ser inserida no próprio parágrafo, entre aspas. Observar<br />
rigorosamente as indicações bibliográficas.<br />
Citação direta com mais de três linhas:<br />
Aparece em parágrafo separado, com tamanho de letra menor que as letras<br />
utilizadas no texto, espaço simples de entrelinhas a 4 cm da margem esquerda do<br />
texto e praticam-se dois espaços entre os parágrafos anterior e posterior.<br />
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Citação de fonte:<br />
Utilizar o sistema autor data previsto na norma NBR 10520/2002 da ABNT,<br />
conforme exemplos abaixo:<br />
Citação livre, sem a transcrição de palavras do autor. Ex.:<br />
Putnam (1973) sugere que...<br />
Citação textual:<br />
Após a citação colocar os seguintes dados:<br />
(SOBRENOME DO AUTOR, ano da obra, página).<br />
Exemplo:<br />
Entender a política social no Brasil é conhecer as diversas<br />
transformações histórico-estruturais que o Estado atravessa<br />
ao longo de sua existência. E falar do planejamento da política<br />
social implica o conhecimento dos planos do governo<br />
elaborados nesse sentido. (LIMA, 1982, p.21).<br />
Quando o nome do autor está presente no texto, o sobrenome deve vir com<br />
letras minúsculas. Por exemplo:<br />
Lima (1982, p.21) afirma<br />
Entender a política social no Brasil é conhecer as diversas<br />
transformações histórico-estruturais que o Estado atravessa<br />
ao longo de sua existência. E falar do planejamento da política<br />
social implica o conhecimento dos planos do governo<br />
elaborados nesse sentido.<br />
Quando forem citados dois autores com o mesmo sobrenome, diferenciá-los da<br />
seguinte forma:<br />
(BARBOSA, C., 1958)<br />
(BARBOSA, O., 1958)<br />
Quando forem citadas obras do mesmo autor, diferenciá-las da seguinte forma:<br />
(RESIDE, 1927a)<br />
(RESIDE, 1927b)<br />
As letras “a” e “b” também deverão aparecer nas referências.<br />
Notas de rodapé<br />
As notas de rodapé servem para ilustrar o texto, sem quebrar a seqüência<br />
argumentativa.. Devem ser digitadas dentro das margens, ficando separadas do texto<br />
por um espaço simples de entrelinhas e por filete de 3 cm, a partir da margem esquerda.<br />
A letra utilizada é menor que o tamanho da letra usada no texto. Inicia-se na mesma<br />
margem do parágrafo do texto e usa-se espaço simples de entrelinhas.<br />
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Referências<br />
As referências, com todas e apenas as obras citadas no texto, devem constar<br />
ao final do trabalho, corpo 12, fonte Times New Roman, em espaço simples, e espaço<br />
duplo entre elas, seguindo a norma da ABNT NBR 6023/2002. Exemplos:<br />
Livro:<br />
01 autor:<br />
ALLEN, C. L. A psiquiatria de Deus: fórmulas seguras para se conseguir e manter<br />
a saúde mental e espiritual. 5. ed. Venda Nova: Bethânia, 1981.<br />
ARIÈS, P. Historia Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaksman. 2ª. Ed.<br />
Rio de Janeiro: Zahar Editores,1981.<br />
02 autores:<br />
CRESPI, F.; FORNARI, F. Introdução à sociologia do conhecimento. Trad. Antonio<br />
Angonese. Bauru: Edusc, 2000.<br />
03 autores:<br />
COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e<br />
educação. Trad. Fátima Murad. 2a. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.<br />
Mais de 03 autores:<br />
Colocar o nome do autor principal, seguido da expressão et al.<br />
Capítulo de livro<br />
POPKEWITZ, T. S. História do currículo, regulação social e poder. In: SILVA, T. T.<br />
da (Org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994<br />
(Ciências sociais da educação) ISBN 85.326.1317-9.<br />
Autor do capítulo é o mesmo do livro:<br />
SILVA, T. T. da. Monstros, fantasmas e clones: os fantasmas da Pedagogia Crítica.<br />
In: _____. Pedagogia dos Monstros: os prazeres e os perigos da confusão de<br />
fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. Cap. 1, p.11-21.<br />
Várias obras de um mesmo autor:<br />
Colocar o nome da obra mais recente, as demais obras devem vir em ordem<br />
decrescente de data, substituindo-se o nome pelo traço (teclar 6 vezes espaço) e<br />
ponto final; exemplo:<br />
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183<br />
11/13/2007, 4:14 PM
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e<br />
Terra, 1983.<br />
______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.<br />
–Documento com autoria institucional:<br />
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Adaptação de<br />
ocupações e o emprego do portador de deficiência. Tradução de E. A da Cunha.<br />
Brasília, DF: CORDE, 1997. 182 p.<br />
Enciclopédias:<br />
TROPICA color encyclopedia of exotic plants and trees from the tropics and<br />
subtropics. East Rutherford: Roehrs, 1978. 1119 p.<br />
Sites:<br />
CUNHA, E. Os Sertões. São Paulo: três 1984. Disponível em: http://<br />
users.cmg.com.br>. Acesso em: 4 jun.2001.<br />
CD-ROM (Livros):<br />
LORENZI, H.; SOUZA, H. M. Plantas ornamentais no Brasil: arbustivas,<br />
herbáceas e trepadeiras. Nova Odessa: Plantarum, 1996. 1 CD.<br />
ALTOÉ, A. O trabalho do facilitador no ambiente logo. In: VALENTE, J. A. ( Org).<br />
O professor no ambiente logo: formação e atuação. Campinas: Ed. UNICAMP,<br />
1996. p. 71-89.<br />
Dissertação/tese/ trabalho de conclusão de curso:<br />
PAIVA, José Maria de. A imagem que a Igreja tem da realidade brasileira: um<br />
estudo através das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Tese (Doutorado em<br />
Educação) - Universidade Estadual de Campinas, 1985.<br />
Trabalhos publicados em eventos: seminários, encontros, mesas redondas, simpósios,<br />
conferências: (03 exemplos):<br />
TSOU, C. L. Kinetics of irreversible modification of enzyme activity. In: ANNIVER-<br />
SARY CELEBRATION OF THE THIRD WORLD ACADEMY OF SCIENCE,<br />
10th, 1993, Trieste. Proceedings... Trieste: T.W.A.S., [1993]. P. 155-174.<br />
GARCIA, M.O. Formación, actividades y perspectivas de las profesionales en nutrición.<br />
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE NUTRICIONISTAS, 3.; ENCONTRO LATINO-<br />
AMERICANO DE NUTRICIONISTAS, 1., 1965, Rio de Janeiro: Anais... Rio de Janeiro:<br />
Associação Brasileira de Nutricionistas, 1968. p. 283-292<br />
184 COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 179-188 • nov. de 2006<br />
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184<br />
11/13/2007, 4:14 PM
DAL MORO, E.T.L. Educação especial brasileira frente à política nacional: definições<br />
e princípios norteadores. In: CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE<br />
EDUCAÇÃO ESPECIAL, 3, 1998, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: Ministério<br />
de Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial, 1998. v. 02, p. 250-<br />
251, ref. 051.<br />
Artigo em Periódico:<br />
com 01 autor:<br />
TRIGUEIRO, D. Expansão do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos<br />
Pedagógicos, Brasília, Mec/Inep, v. 108. p. 209-234. Out/dez, 1967.<br />
com dois autores:<br />
MAIA, N.B.; FURLANI, A. M. C. Especiarias, aromáticas e medicinais. Boletim<br />
Técnico do Instituto Agronômico de Campinas, Campinas, n. 100, p. 75-76, 1996.<br />
em formato de documento eletrônico:<br />
SOUZA, F. C. Formação de bibliotecários para uma sociedade livre = University<br />
education or librarians for a free society. Encontros BIBLI. Revista de<br />
Biblioteconomia e Ciência da Informação, Florianópolis, n. 11, p. 1-13, jun. 2001.<br />
Disponível em: < http://www.encontros-bibli.ufsc.br>. Acesso em: 30 jun. 2001.<br />
Artigo publicado em Jornal:<br />
constando a identificação do autor:<br />
LEITE, F. Ovelhas nascem de ovários congelados. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30<br />
jun. 2001. Folha Ciência, p. 10.<br />
na ausência do nome do autor:<br />
DÓLAR tem alta de 0,52% e bolsa sobem 1,17%. O Estado de S. Paulo, São Paulo,<br />
30 jun. 2001. Caderno B, p. 13.<br />
Documentos Eletrônicos-Homepages: três exemplos abaixo:<br />
Mencionar os dados da obra-autor, título, órgão que disponibiliza, data, endereço<br />
eletrônico e data de acesso.<br />
ANDRADE, L. A. B.; SILVA, E. PEREIRA DA. O conhecer e o conhecimento:<br />
comentários sobre o viver e o tempo. Rev. Cien. & Cogn., on line, Rio de Janeiro,<br />
Ano 2, v.04, mar. 2005. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/ Acesso<br />
em 22 agosto 2007. ISSN 1806-5821<br />
DENNETT, D. The myth of double transduction.<br />
Disponível em ‹ http://www.tufts.edu/~dennett/tran. › Acesso em 7 de jan. de 2001.<br />
COMUNICAÇÕES • Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP • Ano 13 • Nº 2 • p. 179-188 • nov. de 2006 185<br />
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Publicação com dados incompletos:<br />
Considerando a falta de um elemento a ser citado, e tendo-se a certeza deste<br />
dado, ele pode ser colocado entre colchetes. Pode-se utilizar também uma data<br />
aproximada.<br />
1- [ 1968?] – para década possivelmente correta<br />
2- [ ca. 1961] – significando cerca de<br />
3- [ 1961, 2006] – para o registro de décadas utilizar a numeração com quatro<br />
algarismos<br />
4- [s.d.] data da publicação não indicada, desconhecida<br />
5- [S.l.] local. da publicação não indicado, desconhecido.<br />
6- [ s.n.] nome de editor não indicado, desconhecido.<br />
7- [S.n.t.] local, editora e data não indicados, desconhecidos.<br />
Ilustrações/Gráficos/Fotografias/Desenhos<br />
Precisam ter título conciso, grafado em letras maiúsculas, corpo 10 alinhado (esquerda)<br />
Times New Roman (Negrito). Devem ser inseridos nos pontos exatos de suas<br />
apresentações e os seus arquivos originais devem ser enviados separadamente (p.ex.:<br />
Excel, CorelDraw, PhotoShop, PaintBrusch, etc). As fotografias devem oferecer bom<br />
contraste, foco nítido e precisam ser oferecidas em arquivos em formato "tif" ou "gif".<br />
Tabelas<br />
As tabelas devem ser editadas no Word. Sua dimensão precisa estar de acordo<br />
com as margens do arquivo editado. Devem vir inseridas nos pontos exatos de suas<br />
apresentações ao longo do texto. Utilizar corpo 9, Times New Roman para o texto e<br />
Negrito para o título.<br />
Responsabilidade e alterações<br />
A comissão editorial se reserva o direito de editar os textos recebidos, com o<br />
objetivo de manter a homogeneidade e a qualidade da publicação, mantendo o estilo e<br />
as idéias do(s) autor(es).<br />
As idéias expostas nos trabalhos são de responsabilidade dos autores, não<br />
representando posição oficial da Revista e do Programa de Pós-Graduação em<br />
Educação da Faculdade de Ciências Humanas /UNIMEP.<br />
Os trabalhos deverão ser encaminhados para:<br />
Universidade Metodista de Piracicaba - PPGE<br />
Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, Bloco7.<br />
Rod. do Açúcar. km 156<br />
CEP: 13400-911 – Piracicaba - SP.<br />
Contatos poderão ser feitos pelo telefone: (19) 3124-1617 ou por e-mail:<br />
apged@unimep.br<br />
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Outras informações<br />
O(s) autor(es) receberá 3 exemplares da revista Comunicações.<br />
Os originais não serão devolvidos aos autores.<br />
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PARECERIST<br />
ARECERISTAS AS DOS ÚLTIMOS 2 NÚMEROS<br />
Águeda Bernadete Bittencourt (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP)<br />
Angela Maria Vianna Morgante (Universidade de São Paulo – USP)<br />
Cezar Romero Amaral Vieira (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Conrado Ramos (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP Araraquara)<br />
Elias Boaventura (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Eloisa Matos Höfling (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP)<br />
Francisco Cock Fontanella (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Gisele Maria Schwartz (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP Rio Claro)<br />
Hilário Fracalanza (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP)<br />
José Maria de Paiva (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Josiane M. de Souza (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Luis Claudio Dallier (Universidade Interativa COC, EAD)<br />
Marcos Mazzotta (Universidade de São Paulo – USP)<br />
Maria Angélica Penatti Pipitone (Universidade de São Paulo – USP/ESALQ)<br />
Maria Cecília de Oliveira Micotti (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –<br />
UNESP Rio Claro)<br />
Maria Cecília Rafael de Góes (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Maria Evelyna Pompeu do Nascimento (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP)<br />
Maria Leticia Giacobbini (Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP)<br />
Newton Ramos de Oliveira (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP<br />
Araraquara)<br />
Nilce Alternfelder Silva de Arruda Campos (Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP)<br />
Peri Mesquida (Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR)<br />
Raquel Pereira Chainho Gandini (Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP)<br />
Renato Kraide Soffner (Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL/Americana)<br />
Sandra Aparecida Riscal (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar)<br />
Sílvio Donizetti Gallo (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP)<br />
Suely Amaral Mello (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP Marília)<br />
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