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a importância das histórias de vida na formação do professor - pucrs

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192 Wolney Honório Filho<br />

[...] não era mais ape<strong>na</strong>s a aquisição <strong>de</strong> uma cultura<br />

científica relativa a um conjunto <strong>de</strong> discipli<strong>na</strong>s e a<br />

sua história, mas mais fundamentalmente a tomada<br />

<strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista<br />

possíveis sobre si mesmo e seu meio, a atenção<br />

voltada para os pressupostos constitutivos da epistemologia<br />

<strong>do</strong> apren<strong>de</strong>nte, a integração consciente <strong>do</strong><br />

processo consciencial às práticas, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

verbalização <strong>das</strong> experiências, o po<strong>de</strong>r-comunicar<br />

com terceiros, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong><br />

diferenciação com as teorizações e experimentações<br />

<strong>de</strong> outrem, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> às<br />

ações empreendi<strong>das</strong> (JOSSO, 2010, p. 31).<br />

Essa concepção empreendida por Josso traz, portanto,<br />

o foco <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate sobre formação para o indivíduo<br />

apren<strong>de</strong>nte. Mas contra o quê, em relação a que outras<br />

concepções a autora está se posicio<strong>na</strong>n<strong>do</strong>? Segun<strong>do</strong><br />

Josso, <strong>na</strong> linguagem comum, “[...] a formação po<strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rada como a ação <strong>de</strong> uma instituição, como<br />

o conjunto <strong>das</strong> modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta ação, como ação <strong>de</strong><br />

exortação ou como ati<strong>vida</strong><strong>de</strong> própria da pessoa” (JOSSO,<br />

2010, p. 37).<br />

A formação, <strong>na</strong> perspectiva sociológica (aquisição<br />

<strong>de</strong> linguagem i<strong>de</strong>ntificação), coloca o indivíduo como<br />

aquele que apren<strong>de</strong> a “[...] tor<strong>na</strong>r-se membro da socieda<strong>de</strong><br />

e que cultiva este elo” (JOSSO, 2010, p. 39). Toman<strong>do</strong>-se<br />

a universida<strong>de</strong> como um coletivo on<strong>de</strong> o apren<strong>de</strong>nte<br />

passa, após a aprovação no vestibular, a ser um <strong>de</strong> seus<br />

membros, temos aqui uma compreensão <strong>de</strong>ssa primeira<br />

dificulda<strong>de</strong> em termos <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong>: saber fazer<br />

parte <strong>de</strong>sse coletivo, apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sua linguagem e se<br />

i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> com ela. Como isso se dá? Talvez, pelas<br />

conversações, novas amiza<strong>de</strong>s, salas <strong>de</strong> aula, acesso à<br />

linguagem acadêmica, etc.<br />

Porém, essa socialização primária não po<strong>de</strong>ria ser<br />

ameaçada pelo crescimento da autonomia <strong>do</strong>s indivíduos<br />

apren<strong>de</strong>ntes? Pensar no crescimento da autonomia <strong>do</strong>s<br />

apren<strong>de</strong>ntes seria indagar sobre a emergência <strong>do</strong> individualismo<br />

no interior <strong>de</strong>ssas concepções. Para Josso,<br />

<strong>na</strong> concepção sociológica, a emergência <strong>do</strong> indivíduo<br />

é apresentada como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma “socialização<br />

fracassada”, mediante a qual este, “interrogan<strong>do</strong>-se a<br />

si mesmo sobre suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s possíveis, coloca a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma escolha sobre seu porvir” (JOSSO,<br />

2010, p. 40).<br />

O contraste entre a interiorização <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />

socialmente construída e a emergência autônoma <strong>do</strong><br />

indivíduo é i<strong>de</strong>ntificada por Josso, com as contribuições<br />

da Psicologia Social, ao indicar as armadilhas <strong>das</strong><br />

“programações psíquicas e comportamentais induzi<strong>das</strong><br />

pela socialização” (JOSSO, 2010, p. 41).<br />

Ciampa (1998, 2007) apresenta um estu<strong>do</strong> sobre a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> nos ajudar a enten<strong>de</strong>r esse contraste.<br />

O autor aponta que somos uma totalida<strong>de</strong>, “uma totalida<strong>de</strong><br />

contraditória múltipla e mutável, no entanto u<strong>na</strong>. Por mais<br />

contraditório, por mais mutável que seja, sei que sou eu<br />

que sou assim, ou seja, sou uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contrários, sou<br />

uno <strong>na</strong> multiplicida<strong>de</strong> e <strong>na</strong> mudança” (CIAMPA, 1988,<br />

p. 61). Esse autor <strong>de</strong>scarta a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

estática, trans-histórica e reforça que é no fazer sócio,<br />

político, cultural que o indivíduo se constrói. No seu<br />

conjunto, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s refletem e reagem frente à<br />

estrutura social (CIAMPA, 1988, p. 67).<br />

A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é algo móvel, uma metamorfose, diz<br />

Ciampa (1988, p. 74). Suspeito que essa é uma dimensão<br />

<strong>do</strong> indivíduo que os apren<strong>de</strong>ntes têm pouca consciência.<br />

Se não, vejamos. É comum, em sala <strong>de</strong> aula, o aluno, ao<br />

explorar oralmente sua compreensão <strong>de</strong> texto, colocar no<br />

início <strong>de</strong> suas afirmações as seguintes frases: “Professor,<br />

não sei se isso é verda<strong>de</strong>”; “Professor, isso está certo?”.<br />

A indagação sobre certeza e verda<strong>de</strong> são evidências, no<br />

contexto <strong>do</strong> ensino-aprendizagem aqui <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um<br />

conhecimento fora <strong>do</strong> sujeito apren<strong>de</strong>nte, distante <strong>de</strong> suas<br />

próprias interpretações, dan<strong>do</strong> a enten<strong>de</strong>r que o papel <strong>do</strong><br />

aluno é acertar o alvo <strong>do</strong> conhecimento que o <strong>professor</strong><br />

<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>, interiorizar o mo<strong>de</strong>lo cognitivo <strong>de</strong> interpretar<br />

<strong>do</strong> outro, no caso, <strong>do</strong> <strong>professor</strong>. O apren<strong>de</strong>nte não tem<br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intérprete, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> quem produz<br />

interpretação, leitura, visão sobre o tema estuda<strong>do</strong>, mas<br />

<strong>de</strong> alguém que não sabe, não conhece. A explicação <strong>do</strong><br />

texto, <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, não é por sua conta.<br />

Entretanto, é Severi<strong>na</strong>, perso<strong>na</strong>gem <strong>de</strong> Ciampa<br />

(2007), quem po<strong>de</strong> nos ajudar a <strong>de</strong>smistificar esse fato:<br />

A gente po<strong>de</strong> transformar o veneno em remédio [...]. A<br />

gente [...] não vai mudan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma hora para outra; vai<br />

mudan<strong>do</strong> por etapa, <strong>de</strong>vagarzinho; cada dia que a gente<br />

vai passan<strong>do</strong>, cada hora, cada minuto, cada segun<strong>do</strong> da<br />

<strong>vida</strong> da gente, a gente vai sentin<strong>do</strong> e perceben<strong>do</strong> as<br />

coisas, ven<strong>do</strong> as coisas <strong>de</strong> outro ângulo, diferente <strong>do</strong><br />

que a gente era [...] (CIAMPA, 2007, p. 110).<br />

Ciampa mostra-nos que, mesmo Severi<strong>na</strong> ten<strong>do</strong><br />

inicialmente uma concepção estática <strong>de</strong> si, ela muda ao<br />

longo da <strong>vida</strong>, <strong>de</strong>vagarinho...<br />

Em pauta, portanto, temos um movimento <strong>de</strong> formação<br />

enquanto socialização, ou seja, “[...] interiorização <strong>de</strong><br />

uma realida<strong>de</strong> socialmente construída e fornecen<strong>do</strong><br />

ao indivíduo um conjunto <strong>de</strong> comportamentos e <strong>de</strong><br />

significações” (JOSSO, 2010, p. 40-41). Esse movimento<br />

ca<strong>na</strong>liza possibilida<strong>de</strong>s educativas que po<strong>de</strong>m levar o<br />

indivíduo a relações <strong>de</strong> “submissão e influências”. Mais<br />

ainda, no que tange às mediações entre ele e o coletivo,<br />

as nuances po<strong>de</strong>m chegar a riscos <strong>de</strong> conformações e <strong>de</strong><br />

alie<strong>na</strong>ções, bem como <strong>de</strong> resistência, como vem sen<strong>do</strong><br />

indica<strong>do</strong>.<br />

No terreno da Antropologia, a formação é tida como<br />

enculturação, um processo on<strong>de</strong> o indivíduo adquire<br />

Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 189-197, maio/ago. 2011

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