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O papel do costume contra legem em face da ... - BuscaLegis

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O <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> <strong>em</strong> <strong>face</strong> <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Direito<br />

Jônatas Luiz Moreira de Paula<br />

1. Na expectativa de que o direito positivo venha apurar ain<strong>da</strong> mais as relações jurídicas,<br />

b<strong>em</strong> como regulamentar as <strong>em</strong>ergentes, verifica-se a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina averiguar o<br />

<strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>costume</strong> perante o direito no limiar <strong>do</strong> novo século.<br />

É certo que o <strong>costume</strong> <strong>em</strong>prega três funções ao direito: a de inspirar o legisla<strong>do</strong>r a<br />

normatizar condutas, a de suprir as lacunas <strong>da</strong> lei e a servir de parâmetro para a<br />

interpretação <strong>da</strong> lei. Em suma, o <strong>costume</strong> apresenta três <strong>face</strong>s: como fonte <strong>da</strong> norma a ser<br />

legisla<strong>da</strong>, como fonte supl<strong>em</strong>entar <strong>da</strong> lei e como fonte de interpretação.<br />

Porém, para aquela parcela <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina que realça o aspecto social dentro <strong>da</strong> ciência<br />

jurídica, tais funções não pod<strong>em</strong> ser considera<strong>da</strong>s passivamente. É preciso <strong>da</strong>r-lhes maior<br />

impulso, para que possa possuir posição de destaque diante <strong>da</strong> dinâmica legislativa.<br />

A título de sugestão, esse impulso pode ser exercita<strong>do</strong> pelo exame <strong>do</strong> <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong><br />

diante <strong>da</strong>s normas legisla<strong>da</strong>s.<br />

Com efeito.


2. Como é sabi<strong>do</strong>, <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> é a prática reitera<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de, com a<br />

consciência de estar crian<strong>do</strong> uma ord<strong>em</strong> conduta, conscient<strong>em</strong>ente <strong>contra</strong>rian<strong>do</strong> preceito<br />

legal.<br />

Classicamente, o <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> também pode ser denomina<strong>do</strong> <strong>costume</strong> abrogatório,<br />

por estar implicitamente revogan<strong>do</strong> disposições legais, ou desuetu<strong>do</strong>, por<br />

resultar na não aplicação <strong>da</strong> lei <strong>em</strong> virtude <strong>do</strong> desuso.<br />

É reconheci<strong>do</strong>, também, que a sua admissibili<strong>da</strong>de no ordenamento jurídico é polêmica. Os<br />

partidários <strong>da</strong> Escola Histórica <strong>do</strong> Direito, a exceção de Savigny, admit<strong>em</strong> o <strong>costume</strong><br />

<strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong>, a ponto de exclamar<strong>em</strong> "a revolta <strong>do</strong>s fatos <strong>contra</strong> os códigos".<br />

No mesmo senti<strong>do</strong> Paul FORIERS, ao asseverar que: "A lei cai no desuso, mesmo se ela<br />

não tiver <strong>costume</strong> contrário, mesmo se ela não for substituí<strong>da</strong> por outra coisa, <strong>do</strong> momento<br />

onde t<strong>em</strong> exercita<strong>da</strong> a adesão ou, se a ten<strong>do</strong>, ela <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> pereceu".<br />

Entre nós, admit<strong>em</strong> Clóvis BEVILÁQUA e Miguel Maria SERPA LOPES, entre outros.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> SILVA PEREIRA, por sua vez, rechaça a admissibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>costume</strong><br />

<strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong>.<br />

Porém, é preciso sustentar a admissibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> no direito brasileiro,<br />

a despeito <strong>da</strong>s normas prescritas no artigo 5° , II, <strong>da</strong> CF, e <strong>do</strong> artigo 2° , <strong>da</strong> LICC,<br />

determinar<strong>em</strong> o princípio <strong>do</strong> prima<strong>do</strong> <strong>da</strong> lei nas relações sociais.<br />

Pois.<br />

3. Primeiramente, cumpre destacar que a socie<strong>da</strong>de brasileira elegeu como um <strong>do</strong>s valores<br />

para o próximo milênio o neoliberalismo, consistente nas relações de consumo. E diante de<br />

uma socie<strong>da</strong>de liberal, consumista e de massa, o direito deve ser analisa<strong>do</strong> como tal, para<br />

que hajam normas regula<strong>do</strong>ras.


Deferir à socie<strong>da</strong>de brasileira a posição de "consumi<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> direito estatal", não atende, às<br />

vezes, com as expectativas populares sobre determina<strong>da</strong> norma de conduta. Não raro,<br />

depara-se com algumas situações políticas inespera<strong>da</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>em</strong> que se percebe uma<br />

absoluta inversão de valores.<br />

Logo, é preciso <strong>da</strong>r à socie<strong>da</strong>de a oportuni<strong>da</strong>de de também participar <strong>da</strong> criação <strong>do</strong> direito,<br />

como também é oportuno permitir-lhe derrogar a norma escrita, quan<strong>do</strong> esta não mais<br />

atender aos seus anseios. São os man<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> d<strong>em</strong>ocracia participativa, muito mais<br />

ampla e atuante que a d<strong>em</strong>ocracia meramente representativa.<br />

Também é preciso alertar a socie<strong>da</strong>de brasileira sobre os riscos que o neoliberalismo<br />

jurídico pode proporcionar. A respeito disso, são as palavras de Óscar CORREAS, ao<br />

criticar o suposto triunfo <strong>do</strong> capitalismo:<br />

"O grito de vitória <strong>do</strong> capitalismo, pronuncia<strong>do</strong> com to<strong>da</strong> a pompa possível ante a que<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

muro de Berlim e a destruição <strong>da</strong> União Soviética, foi acompanha<strong>do</strong> de sisu<strong>da</strong>s disquisições<br />

sobre o ‘fim <strong>da</strong> história’, que, parecia então, terminava com esse triunfo.<br />

"Passa<strong>do</strong>s poucos anos <strong>do</strong> festeja<strong>do</strong> triunfo, já o capitalismo, que não consegue-se<br />

alimentar dessas fanfarrices - que agora não parec<strong>em</strong> tão severas - volta a mostrar a sua<br />

<strong>face</strong> horrível. Este livro aparece quase ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se conclue a Conferência<br />

de Desenvolvimento Social, convoca<strong>da</strong> pela ONU, <strong>em</strong> Copenhague, aberta pelo Secretário<br />

Geral Boutros Ghali, que informou que não menos <strong>da</strong> metade <strong>da</strong> população <strong>da</strong> Terra vive<br />

na miséria. Qual é, então, o afama<strong>do</strong> triunfo <strong>do</strong> capitalismo? Ou será que seus apologistas<br />

se atreverão a proclamar, cinicamente, que essa vitória consiste na melhoria <strong>do</strong> nível de<br />

vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> primeiro mun<strong>do</strong>, unicamente?".<br />

4. Em segun<strong>do</strong> ponto, detecta-se o imenso descompasso que há entre os avanços sociais e a<br />

dinâmica legislativa. Hodiernamente, normas legais, inseri<strong>da</strong>s <strong>em</strong> códigos ou leis<br />

extravagantes, são desconsidera<strong>da</strong>s e inaplica<strong>da</strong>s, diante de uma interpretação realista <strong>do</strong><br />

direito ou <strong>em</strong> vista de novos princípios jurídicos.


Por causa <strong>da</strong> imobilização <strong>da</strong>s conquistas de novos direitos <strong>em</strong> razão <strong>da</strong> inércia legislativa,<br />

setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ag<strong>em</strong> per si, no afã de conquistá-los. E segun<strong>do</strong> Antonio Carlos<br />

WOLKMER:<br />

"As novas exigências, necessi<strong>da</strong>des e conflitos <strong>em</strong> espaços sociais e políticos fragmenta<strong>do</strong>s,<br />

tensos e desiguais, envolven<strong>do</strong> classes, grupos e coletivi<strong>da</strong>des importam na utilização de<br />

novos procedimentos, novas formas <strong>do</strong> agir comunicativo e <strong>do</strong> entendimento. É nesse<br />

interregno que aparec<strong>em</strong> novos identi<strong>da</strong>des coletivas capazes de introjetar direitos que não<br />

passam n<strong>em</strong> pela positivação estatal n<strong>em</strong> pelas instituições representativas convencionais.<br />

Trata-se <strong>do</strong> pluralismo de formulações jurídicas provenientes diretamente <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de,<br />

<strong>em</strong>ergin<strong>do</strong> de vários e diversos centro de produção normativa, adquirin<strong>do</strong> um caráter<br />

múltiplo, informal e mutável. A vali<strong>da</strong>de e eficiência desse ‘Direito Comunitário’, que não<br />

se sujeita ao formalismo a-histórico <strong>da</strong>s fontes tradicionais (lei escrita e jurisprudência <strong>do</strong>s<br />

tribunais), está <strong>em</strong>basa<strong>do</strong> nos critérios de uma nova legitimi<strong>da</strong>de gera<strong>da</strong> a partir <strong>do</strong>s<br />

valores, objetivos e interesses <strong>do</strong> to<strong>do</strong> comunitário, e incorpora<strong>do</strong> através <strong>da</strong> mobilização,<br />

participação e representação <strong>do</strong>s movimentos sociais".<br />

Assim, s<strong>em</strong> outra alternativa, defere-se aos movimentos sociais, o <strong>papel</strong> de fonte <strong>do</strong> direito,<br />

não estatal, gera<strong>do</strong>ra de direitos comunitários e <strong>em</strong>ergentes.<br />

5. Por fim, deve-se ponderar à <strong>do</strong>utrina nacional que o Anteprojeto de Lei Geral de<br />

Aplicação <strong>da</strong>s Normas Jurídicas, de autoria <strong>do</strong> Professor Harol<strong>do</strong> Valladão, <strong>em</strong> trâmite no<br />

Congresso Nacional, <strong>em</strong> conjunto com o Anteprojeto de Código Civil, prevê no artigo 4°<br />

que a lei se revoga, no to<strong>do</strong> ou <strong>em</strong> parte, de forma expressa ou tácita por lei posterior e<br />

por força obrigatória <strong>do</strong> <strong>costume</strong> ou <strong>do</strong> desuso geral, confirma<strong>do</strong> pela jurisprudência<br />

assente.<br />

Apoia sua posição na contribuição efetiva <strong>da</strong> vontade popular por via direta na formação <strong>do</strong><br />

direito positivo. E argumenta:


"Há muitos anos que defend<strong>em</strong>os <strong>em</strong> aulas e trabalhos essa participação tão justa e<br />

necessária, e sobretu<strong>do</strong> tão justa e necessária, e sobretu<strong>do</strong> d<strong>em</strong>ocrática, <strong>do</strong> direito popular<br />

autêntico <strong>em</strong> nossa ord<strong>em</strong> jurídica. Ain<strong>da</strong>, recent<strong>em</strong>ente, reproduzimos tal mo<strong>do</strong> de ver,<br />

destacan<strong>do</strong> ser o <strong>costume</strong> fonte mui relevante ... revelan<strong>do</strong> a tradição e a opinião pública<br />

espontânea e vigoran<strong>do</strong> através <strong>da</strong> jurisprudência (...).<br />

"Reconhec<strong>em</strong>os, apenas, ao povo, diretamente, aquilo que os seus representantes deixaram<br />

de fazer: mu<strong>da</strong>r uma lei absolutamente incompatível com a opinião geral <strong>do</strong> país".<br />

Daí a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de criar o direito, pois, ao <strong>contra</strong>riar uma norma escrita, a<br />

vontade popular não só diz que essa norma não lhe serve como também inspira o legisla<strong>do</strong>r<br />

a elaborar outras normas.<br />

Nessa esteira, segue-se a posição de a<strong>do</strong>tar o sist<strong>em</strong>a diretivo diante <strong>da</strong>s lacunas <strong>da</strong> lei,<br />

acolhen<strong>do</strong> primeiramente os <strong>costume</strong>s, e somente na ausência deste, ser<strong>em</strong> acolhi<strong>do</strong>s outras<br />

fontes supl<strong>em</strong>entares <strong>do</strong> direito.<br />

Fica d<strong>em</strong>onstra<strong>da</strong>, então, a níti<strong>da</strong> importância <strong>do</strong> <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> no legalismo<br />

jurídico, b<strong>em</strong> como o vital <strong>papel</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> criar o direito.<br />

6. Porém, é preciso advertir que a desord<strong>em</strong> e a insegurança jurídica não estão autoriza<strong>da</strong>s.<br />

A socie<strong>da</strong>de, ao <strong>contra</strong>riar a norma escrita, somente poderá fazer conforme os el<strong>em</strong>entos<br />

para existência e reconhecimento <strong>do</strong> <strong>costume</strong>: uso continua<strong>do</strong> (el<strong>em</strong>ento objetivo) e a<br />

opinio juris necessitatis (el<strong>em</strong>entos subjetivo). Tal como ocorreu na aquisição <strong>do</strong> direito à<br />

greve e no concubinato, situações que hoje estão recepciona<strong>da</strong>s pela ord<strong>em</strong> jurídica mas<br />

que, déca<strong>da</strong>s atrás, eram puni<strong>da</strong>s pelo direito positivo.<br />

Hodiernamente, as alienações de imóveis financia<strong>do</strong>s pelo Sist<strong>em</strong>a Financeiro <strong>da</strong><br />

Habitação, a despeito <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção <strong>contra</strong>tual entre o mutuário e a agência, constitui <strong>costume</strong><br />

<strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong>, a ponto de ser tolera<strong>do</strong> pelo agente financia<strong>do</strong>r.


7. Simultaneamente ao direito que se apresenta ca<strong>da</strong> vez mais técnico, persiste a figura <strong>do</strong><br />

<strong>costume</strong>, que mostra a correspondência social à norma legisla<strong>da</strong>, para tornar eficaz e<br />

legítimo o direito.<br />

Desta forma, mesmo no fim <strong>do</strong> Século XX e diante <strong>da</strong>s expressões "globalização <strong>da</strong><br />

economia" e "socie<strong>da</strong>de de consumo", a presença <strong>do</strong>s <strong>costume</strong>s mostra-se fun<strong>da</strong>mental nas<br />

relações jurídicas, seja para legitimar leis elabora<strong>da</strong>s, seja para derrogá-las, <strong>face</strong> a rejeição<br />

social.<br />

MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. O <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>costume</strong> <strong>contra</strong> <strong>leg<strong>em</strong></strong> <strong>em</strong> <strong>face</strong> <strong>da</strong><br />

legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Direito. Disponível <strong>em</strong>: < http://www.uepg.br/rj/a1v1at11.htm >. Acesso<br />

<strong>em</strong>: 03 out 2006.

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