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Guardiões da Memória - Jornalismo da UFV

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – <strong>UFV</strong><br />

Centro de Ciências Humanas – CCH<br />

Departamento de Artes e Humani<strong>da</strong>des – DAH<br />

Curso de Comunicação Social/ <strong>Jornalismo</strong><br />

COM 490 – Projetos Experimentais em <strong>Jornalismo</strong><br />

Guardiões <strong>da</strong> Memória<br />

lembranças de congados<br />

Autor: Felipe Luchete de Oliveira<br />

Orientadora: Profª Ms. Kátia de Lourdes Fraga<br />

Viçosa - MG<br />

Novembro de 2008


UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – <strong>UFV</strong><br />

Centro de Ciências Humanas – CCH<br />

Departamento de Artes e Humani<strong>da</strong>des – DAH<br />

Curso de Comunicação Social/ <strong>Jornalismo</strong><br />

COM 490 – Projetos Experimentais em <strong>Jornalismo</strong><br />

Guardiões <strong>da</strong> Memória<br />

lembranças de congados<br />

Autor: Felipe Luchete de Oliveira<br />

Orientadora: Profª Ms. Kátia de Lourdes Fraga<br />

Projeto experimental apresentado ao<br />

Departamento de Artes e Humani<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa como parte<br />

dos requisitos para obtenção do grau de<br />

Bacharel em Comunicação Social/ <strong>Jornalismo</strong>.<br />

Viçosa - MG<br />

Novembro de 2008<br />

1


FOLHA DE APROVAÇÃO<br />

Defesa: 28 de novembro de 2008, 14 horas. Casa 43, Vila Giannetti, Viçosa - MG.<br />

Banca examinadora:<br />

_____________________________________________________<br />

Kátia de Lourdes Fraga<br />

Mestre em Comunicação e Professora do curso de Comunicação Social/ <strong>Jornalismo</strong> <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa – <strong>UFV</strong> (MG)<br />

_____________________________________________________<br />

Carla Cristina Oliveira de Ávila<br />

Mestre em Artes e Professora do curso de Dança <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa –<br />

<strong>UFV</strong> (MG)<br />

_____________________________________________________<br />

José Raimundo Silva Costa<br />

Mestre em Economia Familiar e Professor do curso de Serviço Social <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Presidente Antônio Carlos – UNIPAC (Campi Ubá e Leopoldina – MG)<br />

2


Quem cresce num mundo que é pura, bela, ver<strong>da</strong>deira, literatura, deve,<br />

se tiver uma centelha de talento, começar qualquer dia a escrever (...)<br />

Não, não sou um romancista; sou um contador de histórias fabulosas<br />

(...) Escrevo em português, mas, no fundo, traduzo enquanto escrevo,<br />

de muitas outras línguas. Assim, posso escrever numa língua própria e<br />

não tenho de submeter-me à tirania <strong>da</strong> Gramática e dos dicionários. A<br />

Gramática e a Filologia foram inventa<strong>da</strong>s por pessoas que eram<br />

inimigas <strong>da</strong> poesia (...) Eu não preciso inventar histórias. Elas vêm ao<br />

meu encontro, achegam-se a mim, forçam-me a escrevê-las... Isto se<br />

passa de maneira tão conseqüente e inevitável que, às vezes, chego a<br />

acreditar, que eu mesmo, João, sou uma história que eu contei”<br />

JOÃO GUIMARÃES ROSA<br />

3


AGRADECIMENTOS<br />

Agradeço a quem me ensinou a importância <strong>da</strong> honesti<strong>da</strong>de e do respeito. Agradeço a<br />

quem dedicou a mim atenção com especial carinho. Agradeço a quem serviu a mim de<br />

exemplo, a quem compartilhou momentos de riso e de lágrimas, a quem comigo brincou,<br />

<strong>da</strong>nçou, pe<strong>da</strong>lou, escreveu, atuou, viajou, pesquisou. Agradeço a quem me despertou o<br />

interesse pelas constelações e a quem me aceita como sou. Agradeço a quem colaborou com a<br />

concretização desse sonho e a quem prestigia meu trabalho. E ain<strong>da</strong> a Quem me concede a<br />

vi<strong>da</strong> e tamanhos privilégios.<br />

4


RESUMO<br />

O projeto experimental Guardiões <strong>da</strong> Memória: Lembranças de Congados utiliza o<br />

livro-reportagem como suporte para contar momentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de personagens do Congado,<br />

oriundos de quatro locali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> região circunvizinha de Viçosa (MG): Seu Dola e Seu Zeca,<br />

de São José do Triunfo; Seu Chiquito, de Cachoeira de Santa Cruz; Seu Zizinho, de Paula<br />

Cândido, e Dona Quininha, de Ponte Nova. As falas desses senhores carregam saberes<br />

ancestrais, elementos identitários <strong>da</strong> cultura negra, relações com o sagrado, vivências alegres<br />

e experiências de sofrimento. São memórias que preservam e constroem cultura. Na dinâmica<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea, marca<strong>da</strong> pelo ritmo acelerado, pelo acesso dos indivíduos à<br />

significativa quanti<strong>da</strong>de de informações e conseqüentemente pelo esquecimento, faz-se<br />

importante o desenvolvimento de propostas com o objetivo de registrar esses ricos saberes,<br />

geralmente passados de geração a geração de forma oral. As características do livroreportagem<br />

possibilitam ao jornalista compreender e retratar de modo mais adequado os<br />

conhecimentos <strong>da</strong> cultura popular. Esse veículo não-periódico difere-se <strong>da</strong> rotina jornalística<br />

industrial, geralmente limita<strong>da</strong> às pressões do tempo e às técnicas padroniza<strong>da</strong>s; permite a<br />

prática de estilos literários e potencializa os recursos do jornalismo.<br />

Palavras-chave:<br />

congado; cultura; jornalismo; livro-reportagem; memória.<br />

5


SUMÁRIO<br />

1. Introdução<br />

...................................................................... p. 7<br />

2. Referencial Teórico<br />

...................................................................... p. 12<br />

2.1. <strong>Jornalismo</strong> e suas Engrenagens<br />

...................................................................... p. 12<br />

2.2. Cultura, Memória e seus Guardiões<br />

...................................................................... p. 15<br />

2.3. Congado e sua Teia Discursiva<br />

...................................................................... p. 18<br />

2.4. Livro-Reportagem e suas Potenciali<strong>da</strong>des<br />

...................................................................... p. 22<br />

3. Metodologia<br />

...................................................................... p. 25<br />

3.1. Apuração<br />

...................................................................... p. 25<br />

3.2. Edição<br />

...................................................................... p. 27<br />

4. Descrição<br />

...................................................................... p. 29<br />

5. Considerações Finais<br />

...................................................................... p. 31<br />

Referências Bibliográficas<br />

...................................................................... p. 35<br />

6


1. INTRODUÇÃO<br />

“Nóis tamo fazendo nossa festa aí, não tamo sabendo se tem gente gritando,<br />

nem se não tem nem na<strong>da</strong>. E vamos continuar assim até quando Deus quiser.<br />

Que a hora que Deus falar assim: ‘agora num é mais seu dia’, aí não é<br />

mesmo não” 1 .<br />

As imagens grava<strong>da</strong>s pela câmera balançavam com o movimento do carro, enquanto<br />

subíamos os morros do bairro localizado na ci<strong>da</strong>de mineira distante 180 quilômetros <strong>da</strong><br />

capital. Os olhos atentos questionavam quem seriam as pessoas que chegavam segurando<br />

equipamentos de filmagem, com a antiga moradora <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de senta<strong>da</strong> no banco de trás.<br />

Naquele momento, meus olhos buscavam as ruas, as pessoas, o céu de brigadeiro e o olhar de<br />

Dona Quininha refletido no espelho. Ao mesmo tempo em que torcia para aquele momento<br />

nunca terminar, aguar<strong>da</strong>va ansiosamente para vivenciar outros semelhantes. Tive certeza de<br />

que tudo estava no caminho certo; por isso e para isso eu seria jornalista.<br />

A viagem começara em maio de 2007, quando passei a apurar a história do Grupo<br />

Afro Ganga Zumba, em Ponte Nova, para participar de um concurso de <strong>Jornalismo</strong> Cultural.<br />

Durante a elaboração <strong>da</strong> reportagem radiofônica, me envolvi com os gangazumbeiros e os<br />

integrantes do Gengibre – Programa Interdisciplinar sobre Cultura Popular. O programa de<br />

pesquisa, formado por docentes e discentes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa, contribuía<br />

com a formação acadêmica necessária para o trabalho de campo, enquanto a comuni<strong>da</strong>de<br />

compartilhava suas memórias. As entrevistas aconteciam na casa do Seu Pedrinho Catarino,<br />

um dos mais empenhados e simpáticos membros do Grupo Afro Ganga Zumba.<br />

Acompanha<strong>da</strong>s de risa<strong>da</strong>s, intervenções e sucos de limão, caracterizavam-se mais pela prosa<br />

mineira do que pelo interrogatório jornalístico. Por isso, as poucas conversas previstas no<br />

início do trabalho se transformaram em encontros semanais com duração de dois meses.<br />

Alguns colegas de curso não entendiam a demora em finalizar a reportagem ou o motivo de<br />

gastar uma fita de 60 minutos somente com a fala de Seu Pedrinho. Afinal, somos<br />

acostumados a encarar o <strong>Jornalismo</strong> como uma ativi<strong>da</strong>de de dinâmica rápi<strong>da</strong>, apressa<strong>da</strong>. Mas<br />

para mim, a abor<strong>da</strong>gem do trabalho <strong>da</strong>quela comuni<strong>da</strong>de só era possível soma<strong>da</strong> à<br />

participação em algumas <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s oficinas; às brincadeiras com as crianças que<br />

1 Trecho <strong>da</strong> entrevista de Maria Theodora <strong>da</strong> Silva, a Dona Quininha, concedi<strong>da</strong> a mim e à professora Carla<br />

Ávila, em 13 de abril de 2008, para o projeto Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de<br />

Cachoeira de Santa Cruz, Paula Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo e o livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong><br />

Memória: Lembranças de Congados.<br />

7


corriam pela sede do grupo; às conversas sobre assuntos diversos; aos almoços preparados<br />

pela Dona Efigênia.<br />

Com o fun<strong>da</strong>mental auxílio <strong>da</strong> orientadora Kátia Fraga, elaborei um texto claro e<br />

sensível, com o objetivo de retratar fielmente o sentimento de orgulho compartilhado pelos<br />

integrantes do Ganga Zumba. O material editado, com cantos, depoimentos e minha locução,<br />

teve a duração de 4’58", dois segundos a menos que o tempo máximo exigido pelo concurso.<br />

Assim, surgia o principal problema enfrentado até o momento: o espaço limitado e a<br />

conseqüente sensação de que ótimos conteúdos não puderam ser incluídos na reportagem<br />

final.<br />

O resultado do concurso foi divulgado no fim do ano e, embora minhas lágrimas<br />

tenham indicado certa frustração, as recompensas já haviam sido conquista<strong>da</strong>s. Dona Efigênia<br />

chorou ao ouvir a reportagem e Arlindo Marcos fez questão de repetir o áudio para as<br />

meninas novas no grupo entenderem o que é ser gangazumbeiro. Além disso, naquele<br />

semestre eu estava mais compenetrado nos estudos e nas ativi<strong>da</strong>des do Gengibre e já sabia o<br />

tema do meu projeto experimental para conclusão de curso: um livro-reportagem sobre o<br />

Congado na região.<br />

Em 2008, a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura <strong>da</strong> <strong>UFV</strong> concedeu-me uma bolsa com<br />

a aprovação do projeto de extensão Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de<br />

Cachoeira de Santa Cruz, Paula Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo, orientado pela<br />

professora Carla Ávila, docente do curso de Dança <strong>da</strong> <strong>UFV</strong> e coordenadora do Programa<br />

Gengibre. Foi acompanhado de sua competência que subi o morro de Ponte Nova, no dia 13<br />

de abril, para registrar as falas de Maria Theodora <strong>da</strong> Silva, a Dona Quininha. Na primeira<br />

parte do trabalho, entrevistamos os representantes do Congado nas quatro locali<strong>da</strong>des<br />

aponta<strong>da</strong>s no título do projeto. Ouvimos histórias de vi<strong>da</strong> e declarações de quem vive o<br />

Congado intensamente e afirma continuar a tradição enquanto puder – até quando Deus<br />

deixar, como disse Dona Quininha. Essas entrevistas seguiram o ideal no qual acredito –<br />

compartilhado pelas professoras Carla Ávila e Kátia Fraga: é possível captar informações por<br />

meio de uma conversa sem pressa, que ouça mais e questione menos, que valorize a cultura de<br />

ca<strong>da</strong> representante <strong>da</strong> sabedoria popular. Ao transmitir o conteúdo dessas entrevistas, o<br />

jornalista não precisa tentar se esconder por meio de recursos sintéticos e “imparciais”, como<br />

o lead 2 , a pirâmide inverti<strong>da</strong> 3 , a ausência total de adjetivos, a consulta automática aos manuais<br />

de re<strong>da</strong>ção.<br />

2 Parágrafo inicial <strong>da</strong> matéria jornalística com a característica de expor logo no começo do texto um resumo do<br />

fato noticiado. Responde às perguntas básicas: o quê, quem, como, onde, quando e por quê (PENA, 2006, p. 42).<br />

8


Diante <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de jornalística realiza<strong>da</strong> nas re<strong>da</strong>ções atualmente, cujo conceito de<br />

notícia geralmente consiste no acontecimento factual, cujo deadline 4 impossibilita uma<br />

apuração mais profun<strong>da</strong> e cujas regras de re<strong>da</strong>ção padronizam o texto, o livro-reportagem<br />

aparece como meio mais adequado para representar a cultura popular 5 . Esse “veículo de<br />

comunicação impressa não-periódico”, segundo Edvaldo Pereira Lima, “apresenta<br />

reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios de<br />

comunicação jornalística periódicos” (2004, p. 26). Dessa forma, pode contribuir com o<br />

registro <strong>da</strong> memória individual e coletiva de comuni<strong>da</strong>des detentoras de ricos saberes.<br />

São cantigas, embaixa<strong>da</strong>s, mitos, histórias e experiências de vi<strong>da</strong>, tradicionalmente<br />

transmitidos de forma oral, como explica Geraldo Augusto Virgílio, o Seu Dola:<br />

“Não tem escrita nem na<strong>da</strong>, eles... Do tempo deles não tem escrita de na<strong>da</strong>.<br />

O que nóis sabe papai contava dele, depois nós participava com eles. Então<br />

agora as embaixa<strong>da</strong> que eu sei, aprendendo junto com eles. Ninguém, num<br />

deixou escrito não” 6 .<br />

Esses conhecimentos enfrentam as mu<strong>da</strong>nças intensas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea,<br />

que promove novas combinações de espaço-tempo e o processo de “reorganização <strong>da</strong><br />

experiência, na medi<strong>da</strong> em que as relações sociais fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s no contato direto até então,<br />

passam a ser substituí<strong>da</strong>s pela mediação tecnológica” (PICCININ, 2006). A comunicação de<br />

massa, ao funcionar como “multiplicador <strong>da</strong> mobili<strong>da</strong>de” (THOMPSON, 1998, p. 167),<br />

disponibiliza vasto arsenal de experiências mesmo a quem não se desloca fisicamente. Nesse<br />

mundo de megabytes, conforme define Felipe Pena, “nunca foi tão fácil armazenar memória.<br />

Entretanto, a amnésia nunca esteve tão presente. O excesso de informação convive com o<br />

esquecimento imediato” (2006, p. 73).<br />

Essa amnésia presente e imediata constitui o principal fator <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de do<br />

esquecimento, caracteriza<strong>da</strong>, segundo Olga Von Simson (2000), pelo ritmo acelerado do meio<br />

3 Relato que prioriza em ordem decrescente as informações mais importantes do assunto. A hierarquização<br />

facilita o trabalho de edição, pois se for preciso diminuir o texto, elimina-se o último parágrafo, sem prejuízo do<br />

entendimento <strong>da</strong> matéria (PENA, 2006, p. 48).<br />

4 Prazo final para término <strong>da</strong> matéria.<br />

5 O conceito de cultura popular apresenta interpretações varia<strong>da</strong>s. Não cabe aqui abor<strong>da</strong>r todos os preceitos já<br />

formulados, pois isso seria objeto de outra pesquisa. Neste trabalho, considero cultura popular como “uma <strong>da</strong>s<br />

maneiras possíveis de representação que pessoas, classes ou segmentos sociais utilizam para expressar suas<br />

experiências e vivências” (MACHADO, 2007, p. 2). Utilizo também a definição de Lara Linhalis Guimarães:<br />

“Da cultura popular fazem parte objetos ou práticas que são compartilhados em seus significados pelas classes<br />

sociais excluí<strong>da</strong>s do bloco do poder em determinado momento histórico e situação social” (2006, p. 23).<br />

6 Trecho <strong>da</strong> entrevista concedi<strong>da</strong> a mim e à professora Carla Ávila, em 21 de abril de 2008, para o projeto<br />

Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de Cachoeira de Santa Cruz, Paula Cândido, Ponte<br />

Nova e São José do Triunfo e o livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong> Memória: Lembranças de Congados.<br />

9


urbano, além <strong>da</strong> já referi<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de avassaladora de informações, proporciona<strong>da</strong> pelos<br />

avanços tecnológicos. A conseqüência dessa dinâmica seria uma socie<strong>da</strong>de marca<strong>da</strong> pela<br />

ausência <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de selecionar fatos e vivências para serem lembra<strong>da</strong>s; pela per<strong>da</strong> do<br />

poder de filtrar e escolher o que deve ser preservado ou descartado.<br />

No ritmo alucinante <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de, com mu<strong>da</strong>nças acelera<strong>da</strong>s e<br />

dissolução de certezas e referenciais, recorrer à memória é mais do que uma<br />

compensação. É uma tentativa desespera<strong>da</strong> de encontrar alguma estabili<strong>da</strong>de<br />

diante <strong>da</strong> reordenação espacial e temporal do mundo (PENA, 2006, p. 72).<br />

Acredito, como concebe o Programa Gengibre, que a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tradição pode<br />

coexistir com as mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de. Não é preciso negar os artifícios <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de contemporânea para o passado continuar no presente. É possível, portanto, utilizar<br />

o livro-reportagem – produto oriundo <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de – para materializar as heranças de<br />

manifestações populares.<br />

O presente projeto tem como objetivo auxiliar, ain<strong>da</strong> que modestamente, com o<br />

registro jornalístico de um patrimônio cultural imaterial 7 existente na região circunvizinha a<br />

Viçosa, a partir <strong>da</strong>s lembranças dos seguintes congadeiros: Maria Theodora <strong>da</strong> Silva,<br />

conheci<strong>da</strong> como Dona Quininha, de Ponte Nova; Geraldo Augusto Virgílio, o Seu Dola, e<br />

José <strong>da</strong> Paixão Virgílio, o Seu Zeca, ambos de São José do Triunfo; Francisco de Souza, o<br />

Seu Chiquito, de Cachoeirinha, e Sebastião Ambrósio Jerônimo, o Seu Zizinho, de Paula<br />

Cândido.<br />

Não é uma “tentativa desespera<strong>da</strong>”, nem um tema inventado somente para obter o<br />

diploma de conclusão de curso. Trata-se do resultado <strong>da</strong> vivência acadêmica na Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal de Viçosa, ambienta<strong>da</strong> no ensino (importantes disciplinas como Antropologia;<br />

Sociologia; Sociologia <strong>da</strong> comunicação; Comunicação compara<strong>da</strong>; Psicologia; Pensamento<br />

brasileiro; Técnicas de escrita, entrevista e pesquisa jornalística; Re<strong>da</strong>ção; Radiojornalismo),<br />

na pesquisa (estudos e trabalhos de campo do Programa Gengibre) e na extensão (encontros<br />

entre os Guardiões <strong>da</strong> Memória, convívio com o Grupo Afro Ganga Zumba e debates do Café<br />

com Papo). Esse trabalho também só foi possível devido à vivência local, aos quatro anos<br />

dialogando com a mineiri<strong>da</strong>de, com o encanto de um povo que convi<strong>da</strong> “vamo chegar?” e<br />

prepara um cafezinho, ou até um saboroso almoço, como muitas vezes acontecia com os<br />

Repórteres de Bicicleta. Em manhãs de domingo, eu e a amiga Ellen Araujo pe<strong>da</strong>lávamos<br />

7 Na classificação <strong>da</strong> Unesco, compreende o patrimônio de um povo “contido nas tradições, no folclore, nos<br />

saberes, nas línguas, nas festas e em diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente,<br />

recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo”.<br />

10


para encontrar notícias populares que, como na música <strong>da</strong> mineira Ana Carolina, voavam<br />

pelos ares. Dos ares, as varia<strong>da</strong>s histórias iam para as páginas de nosso blog 8 , conta<strong>da</strong>s em<br />

textos, vídeos e imagens.<br />

Esse livro-reportagem, portanto, é uma forma de praticar as tantas e tão varia<strong>da</strong>s<br />

aprendizagens. É uma forma de agradecer os grandes momentos. E de contribuir.<br />

8 www.reporteresdebicicleta.blogger.com.br<br />

11


2. REFERENCIAL TEÓRICO<br />

2.1. <strong>Jornalismo</strong> e suas Engrenagens<br />

Em janeiro de 2008, observei jornalistas de vários meios de comunicação<br />

entrevistando o embaixador de um grupo de Folia de Reis, na ci<strong>da</strong>de de Jundiaí (SP). Os<br />

profissionais <strong>da</strong> área questionavam há quantos anos o grupo havia sido criado, o que eles<br />

apresentariam naquele dia, o que se comemorava no Dia de Reis. O entrevistado identificouse<br />

como Dival, mas um dos repórteres insistiu para que ele dissesse o nome completo. No dia<br />

seguinte, os jornais impressos e televisivos citavam seu nome “ver<strong>da</strong>deiro” e informavam a<br />

<strong>da</strong>ta e o local <strong>da</strong> apresentação, o ano de criação <strong>da</strong> companhia e depoimentos de espectadores.<br />

Detalhes e informações muito mais ricos compõem essa manifestação. Um exemplo?<br />

Seu Dival contou-me que começou a participar <strong>da</strong> Folia de Reis ain<strong>da</strong> criança, quando uma<br />

promessa de sua mãe foi atendi<strong>da</strong> e, por milagre, ele curou-se de um problema na perna. Aí<br />

está o contexto, o motivo que o leva a organizar a companhia todos os anos, porém os<br />

jornalistas não se preocuparam em conhecê-lo.<br />

Não os culpo. Talvez muitos deles estivessem com pressa, para fazer a cobertura de<br />

mais acontecimentos, ou na<strong>da</strong> tinham lido sobre o assunto. Na apuração cotidiana,<br />

a imprensa luta contra o relógio, briga com a concorrência, desse modo<br />

praticando em muitas ocasiões o exercício de uma informação pública<br />

imprecisa, incompleta [...] o profissional muitas vezes recebe um número<br />

descontrolado de pautas 9 a cumprir, não raro sem qualquer orientação sobre<br />

o tema de que vai tratar e sobre o qual, circunstancialmente, pouco ou na<strong>da</strong><br />

sabe (LIMA, 2004, p. 32).<br />

A produção jornalística segue uma rotina industrial. Conforme a hipótese do<br />

newsmaking 10 , as empresas de comunicação possuem procedimentos organizacionais<br />

unificados para determinar quais fatos cotidianos são noticiáveis, em meio à abundância de<br />

informações. A notícia é um produto à ven<strong>da</strong>, de acordo com Cremil<strong>da</strong> Medina (1988), e a<br />

organização do trabalho orienta-se de forma a captar acontecimentos pontuais, cumprir o<br />

tempo cronometrado e homogeneizar as narrativas: “seus parâmetros são a pauta, indicando o<br />

9 A pauta consiste no “primeiro roteiro para a produção de textos jornalísticos e material iconográfico” (FOLHA<br />

DE S. PAULO, 2006, p. 47). Indica os caminhos a serem percorridos, sugerindo perguntas e formas de<br />

abor<strong>da</strong>gem ao repórter (BARBEIRO; LIMA, 2003, p. 65).<br />

10 Origina<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 1970, a partir de relatos oriundos <strong>da</strong> observação participante em re<strong>da</strong>ções jornalísticas<br />

(WOLF, 2006, p. 186).<br />

12


que coletar para reduzir o desperdício de tempo, e o copy desk 11 , processo de pasteurização<br />

dos textos, atribuindo-lhes linguagem compatíveis com o estilo <strong>da</strong> casa” (MELO, 1985, apud<br />

LIMA, 2004, p. 100). José Marques de Melo critica o modelo de re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> pirâmide<br />

inverti<strong>da</strong> e o “culto <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de – sacramentado nos manuais de re<strong>da</strong>ção, canonizado pelas<br />

instruções de serviço” (1985, apud LIMA, 2004, p. 101).<br />

As rotinas de produção atingem não só a mídia impressa. No telejornalismo, por<br />

exemplo, Regina Mota identifica técnicas que reduzem a complexi<strong>da</strong>de dos retratos humanos:<br />

As fórmulas repeti<strong>da</strong>s pelos manuais copiados <strong>da</strong>s emissoras norteamericanas<br />

reduzem a abor<strong>da</strong>gem de milhares de temas [...] Limites<br />

impostos à imagem, duração e articulação dos fragmentos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

impedem que as narrativas telejornalísticas possam singularizar os<br />

acontecimentos (2004, p. 85).<br />

Esse ritmo produtivo e reducionista, como apontou a autora, não é inerente às origens<br />

do jornalismo: teve início nos Estados Unidos, no século XIX. Em um período de<br />

transformações sociais, econômicas, tecnológicas e políticas (O’BOYLE, 1968, apud<br />

TRAQUINA, 2005, p. 35), os jornais até então envolvidos com causas políticas cederam lugar<br />

ao desenvolvimento <strong>da</strong> imprensa como veículo de comunicação de massa. A produção<br />

jornalística direcionou-se à informação global e atual, “em que o tempo exerce um controle<br />

tirânico” (TRAQUINA, 2005, p. 38). O significativo aglutinamento de indivíduos, propiciado<br />

pelo crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des, e a conseqüente difusão de diferentes princípios também<br />

influenciaram modificações.<br />

Com sua visão de jornalismo como negócio e para atingir um público mais<br />

amplo, a imprensa americana começou a adotar padrões de objetivi<strong>da</strong>de e de<br />

linguagem. A finali<strong>da</strong>de era atingir ao máximo de leitores com formações<br />

diferentes e graus de instrução díspares (BELO, 2006, p. 24).<br />

Não por acaso, a imprensa brasileira importou o modelo norte-americano na déca<strong>da</strong> de<br />

1950. A época era marca<strong>da</strong> pela euforia em relação à industrialização, à urbanização e à<br />

tecnologia. No início do século XX, o jornalismo brasileiro voltado aos textos literários e<br />

panfletários, como na Europa, já havia começado a abrir espaço para o noticiário e a<br />

reportagem (BELO, 2006, p. 31). Mas foi pouco antes do plano de metas do presidente<br />

11 O termo designa o cargo de um profissional responsável por revisar os textos dos jornalistas e formatá-los de<br />

acordo com as regras <strong>da</strong> empresa (GOMES; COSTA; BATISTA, 2004, p. 20). Gomes, Costa e Batista, ao<br />

definirem o conceito, contam que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues ironizou a tarefa do cargo, adotado<br />

pelo Jornal do Brasil em 1956. Segundo ele, “no dia em que o mundo acabasse, o copydesk, do JB, noticiaria o<br />

fato sem um ponto de exclamação” (p. 20, apud VENTURA, 1988, p.288).<br />

13


Juscelino Kubitschek, quando os jornais Diário Carioca e Última Hora introduziram na<br />

imprensa o lead, a pirâmide inverti<strong>da</strong>, a pauta e o manual de re<strong>da</strong>ção, que “as notícias passam<br />

a se sobrepor à opinião e o jornalismo subordina-se à lógica capitalista <strong>da</strong> indústria cultural”<br />

(PEREIRA, 2007, p. 50). Lógica empresarial, segundo Taís Assunção Curi Pereira, volta<strong>da</strong> a<br />

um público amplo e ao mercado publicitário, resultando na racionalização do trabalho, na<br />

redução de custos e em textos estan<strong>da</strong>rdizados.<br />

Como adverte Felipe Pena (2006, p. 132), esses pressupostos de “rotinização” não<br />

podem ser apontados como deterministas. Outros fatores sociais influenciam o modo como os<br />

meios de comunicação e os jornalistas desempenham seus papéis. No entanto, identificar o<br />

processo mecanizado do jornalismo contemporâneo permite a compreensão <strong>da</strong> forma como as<br />

manifestações populares são retrata<strong>da</strong>s (quando retrata<strong>da</strong>s): como na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> Folia de<br />

Reis supracita<strong>da</strong>, são reduzi<strong>da</strong>s a um fato objetivo, uma mera apresentação no espaço público<br />

ou um acontecimento exótico que despertou a atenção <strong>da</strong>s pessoas.<br />

Além <strong>da</strong>s críticas aos procedimentos viciados e aos comprometimentos<br />

mercadológicos (ou até ideológicos), cabe ressaltar que a padronização do texto, nota<strong>da</strong><br />

sobretudo pela utilização do lead, é uma tentativa de adicionar cientifici<strong>da</strong>de à produção<br />

jornalística, de tornar a narrativa menos prolixa, menos subjetiva, e de relatar sucintamente<br />

<strong>da</strong>dos de um acontecimento. Consiste em uma forma de facilitar o trabalho apressado nas<br />

re<strong>da</strong>ções. É, porém, incoerente utilizar técnicas como essa para a cobertura <strong>da</strong> cultura popular,<br />

pois a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s manifestações brasileiras não é representa<strong>da</strong> corretamente em<br />

informações sintéticas, de forma resumi<strong>da</strong> e fragmenta<strong>da</strong>. As máscaras, as fitas, os<br />

instrumentos, os rituais, os passos, ca<strong>da</strong> elemento <strong>da</strong> Folia de Reis, <strong>da</strong> Cavalha<strong>da</strong> ou do<br />

Congado, por exemplo, apresenta uma profundi<strong>da</strong>de simbólica. “As pessoas parece que estão<br />

se divertindo, mas fazem isso para não esquecer quem são” (BRANDÃO, 1984, p. 10). Fazem<br />

isso para fortalecer seus laços, para manter o sentido de pertencimento no ambiente social<br />

com o qual convivem. Cultivam uma herança que o lead não mostra.<br />

14


2.2. Cultura, Memória e seus Guardiões<br />

A comuni<strong>da</strong>de é imagina<strong>da</strong>, de acordo com Stuart Hall, portanto não algo genético ou<br />

natural do ser humano. Entretanto, ela compreende um sistema necessário, construindo<br />

sentidos que influenciam nossas ações e interferem na concepção que temos de nós mesmos.<br />

“Ela dá significado e importância à nossa monótona existência, conectando nossas vi<strong>da</strong>s<br />

cotidianas com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após a nossa<br />

morte” (HALL, 2001, p. 52). Ser homo sapiens depende de ser homo socius 12 , pois a<br />

formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de depende tanto <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s características próprias como<br />

também do sentido de pertença, de ser membro de uma coletivi<strong>da</strong>de. Afinal, “o que seria<br />

desse ‘eu’, se não fizesse parte de uma ‘comuni<strong>da</strong>de afetiva’ de um ‘meio efervescente’ – do<br />

qual tenta se livrar no momento em que ‘se lembra’?” (HALBWACHS, 2006, p. 12).<br />

Esse processo de construção do “eu” realiza-se sobre um conjunto simbólico,<br />

denominado por Jonathan Turner de cultura (TURNER, 2000, p. 34). Tais símbolos,<br />

constantemente usados e transformados pelo homem, mediam as experiências, as ações, os<br />

pressupostos e os pontos de vista, como se fossem lentes para enxergar o mundo. Não são<br />

guias coercitivos capazes de nos determinar o que fazer, e sim uma estrutura mental de<br />

interpretação 13 .<br />

A palavra cultura, segundo Alfredo Bosi, deriva de colo, ou aquilo que deve ser<br />

cultivado 14 . De início relacionado estritamente à produção agrária, o termo passou a ter um<br />

significado moral e intelectual: conjunto de idéias, valores e conhecimentos que abrange a<br />

dimensão cumulativa do passado – herança de outras gerações – e também a dimensão do<br />

projeto, de futuro – “não basta que nós herdemos do passado to<strong>da</strong>s essas riquezas, é preciso<br />

que continuemos aprofun<strong>da</strong>ndo certos veios; se a cultura está sempre in progress, ela está<br />

sempre em fase de desvios” (ibidem).<br />

Para Von Simson, cultura é memória, pois a cultura de uma socie<strong>da</strong>de fornece filtros<br />

aos indivíduos, o poder de seleção que nos permite realizar escolhas e decisões futuras.<br />

Maurice Halbwachs, ao elaborar o conceito de memória coletiva, defende que “a<br />

rememoração pessoal está situa<strong>da</strong> na encruzilha<strong>da</strong> <strong>da</strong>s redes de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des múltiplas em<br />

que estamos envolvidos” (HALBWACHS, 2006, p. 12).<br />

12 BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 75.<br />

13 Para Max Weber, “o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu” (apud<br />

GEERTZ, 1989, 4).<br />

14 Entrevista concedi<strong>da</strong> à Revista de Cultura e Extensão, <strong>da</strong> Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de São Paulo, número 0, julho-dezembro de 2005.<br />

15


O homem lembra, logo existe 15 . Lembra não apenas para reviver, repetir o passado,<br />

mas para reconstruir, cultivar referências para o presente. Sem a memória,<br />

ca<strong>da</strong> ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a ca<strong>da</strong><br />

momento, um mergulho do passado esvaziado para o vazio do futuro. É a<br />

memória que funciona como instrumento biológico-cultural de identi<strong>da</strong>de,<br />

conservação, desenvolvimento (MENEZES, apud SANTOS, 1994).<br />

As socie<strong>da</strong>des orais – aquelas que, por definição de Pierre Lévy, não dispõem de<br />

outras tecnologias como a escrita e a informática – formam a memória coletiva recorrendo à<br />

dramatização, à personalização e às narrativas. Os cantos, as <strong>da</strong>nças e os gestos exercem uma<br />

função mnemotécnica: o ritual reafirma ciclicamente histórias e experiências ancestrais;<br />

“permite essa transposição, do aqui e agora para tempos imemoriais, para locais sagrados,<br />

onde tudo se originou” (ABIB, 2005, apud GUIMARÃES, 2006, p. 29). Dessa forma, os<br />

membros <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des sem escrita, ou que não fazem uso intenso dela, não têm atitudes<br />

exóticas, apenas criam estratégias de codificação diferentes <strong>da</strong>s nossas. As formas de<br />

expressão popular, denomina<strong>da</strong>s de folkcomunicação 16 , são meios de representar-se, e<br />

estão impregna<strong>da</strong>s não só por misticismos, mas também por formas de<br />

sobrevivências, de lutas; refletem situações concretas, são práticas de um<br />

mundo real, foram construí<strong>da</strong>s, estão entremea<strong>da</strong>s no cotidiano [...] antes de<br />

serem representações religiosas, estéticas e mesmo imagéticas de uma época,<br />

as práticas culturais foram ou são parte de um mundo real em que, ao se<br />

produzir relações sociais de produção também se constroem, ao mesmo<br />

tempo, cultura (MACHADO, 2007, p. 2-3).<br />

Essas práticas culturais, como são parte do mundo real e cotidiano, estão fortemente<br />

liga<strong>da</strong>s às histórias e às experiências dos membros do grupo (GUIMARÃES, 2006, p. 28), em<br />

particular dos líderes e dos idosos. As recor<strong>da</strong>ções individuais dos anciãos auxiliam na<br />

formação <strong>da</strong> memória coletiva de suas comuni<strong>da</strong>des. Reconhecidos pela experiência adquiri<strong>da</strong><br />

ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e responsáveis por organizar os saberes tradicionais e retransmiti-los às<br />

novas gerações por meio <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de, esses senhores são denominados por Olga Von Simson<br />

de Guardiões <strong>da</strong> Memória. Como afirma Larissa Oliveira Gabarra, “a memória do povo<br />

africano não utiliza suportes escritos ou iconográficos. Sua maior fonte de conhecimento são<br />

15 Pena (2006, p. 72), em alusão à afirmação de Descartes.<br />

16 Termo criado por Luiz Beltrão, em 1967. “Em termos gerais, pode-se dizer que folkcomunicação é<br />

comunicação em nível popular. Por popular deve-se entender tudo o que se refere ao povo, aquele que não se<br />

utiliza dos meios formais de comunicação” (LUYTEN, 1983, apud MELO, 2004, p. 12).<br />

16


os velhos, as pessoas - memórias 17 que ensinam para os filhos e netos aquela tradição” (2003,<br />

p. 4).<br />

A própria origem etimológica <strong>da</strong> palavra tradição significa transmitir, entregar a uma<br />

geração seguinte 18 . Significa deixar referências, portanto memória e cultura. Essa herança,<br />

vale a ressalva, não permanece estática: transforma-se a ca<strong>da</strong> festa, a ca<strong>da</strong> história conta<strong>da</strong><br />

pelos guardiões;<br />

há que se pensar a festa, parte <strong>da</strong> cultura popular, cola<strong>da</strong> ao social. Por isso,<br />

mais do que tradição, passado e lembrança, ela se reinaugura todos os anos,<br />

acompanhando o tempo, a história, transforma-se e recria-se, até mesmo para<br />

continuar existindo. (KATRIB, 2006, p. 377)<br />

Como completa Carla Ávila,<br />

muitas alterações são necessárias à manutenção do sentido que ca<strong>da</strong> tradição<br />

contém, o que explica a reinvenção cotidiana de muitas manifestações ditas<br />

‘folclóricas’ na atuali<strong>da</strong>de. Não devemos confundir, porém, essa reinvenção<br />

cotidiana com certas práticas de apropriação cultural que subvertem o<br />

significado simbólico de ca<strong>da</strong> ‘tradição’ em nome de uma<br />

representação/ideologia dominante (2007, p. 73).<br />

Nas transformações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea, o registro <strong>da</strong> memória em suportes<br />

tangíveis pode ser uma alteração necessária, embora não se desmereça a tradição oral. Longe<br />

de substituir, seria uma ferramenta complementar para a perpetuação a gerações seguintes.<br />

Instituições e pesquisadores de várias áreas atuam com esse objetivo. O jornalismo poderia<br />

contribuir? Sim, desde que fuja às engrenagens industriais anteriormente explicita<strong>da</strong>s. Isso é<br />

possível, acredito, por meio do livro-reportagem. Mas, antes de apontar as características<br />

desse suporte, é importante explicitar a memória e a identi<strong>da</strong>de presentes no Congado.<br />

17 Grifo meu.<br />

18 FELTRIM; RANGEL, 2004, p. 89.<br />

17


2.3. Congado e sua Teia Discursiva<br />

“Foi formado o Congado. Desde Chico Rei, Chico Viola. Veio disto. Esses<br />

dois home que tiraram Nossa Senhora do Rosário <strong>da</strong> mata. Esses dois home.<br />

Então, ele formou o Congado. Eu era menino, ouvi falar assuntos do<br />

Congado, fui e entrei na ban<strong>da</strong> também [...] Isso é do tempo de Dom Pedro<br />

II. Tiradente [...] Congado é desse tempo” 19 .<br />

O Congado é uma manifestação popular de formação afro-brasileira composta de autos<br />

e <strong>da</strong>nças dramáticas, coroação de reis e rainhas, embaixa<strong>da</strong>s e atos litúrgicos (ÁVILA, 2007,<br />

p.17), em homenagem a santos de devoção negra. Embora existam particulari<strong>da</strong>des nas<br />

varia<strong>da</strong>s regiões do país em que é realiza<strong>da</strong>, inclusive diferentes nomenclaturas – conga<strong>da</strong>,<br />

congo, baile-de-congos, reisado de Nossa Senhora do Rosário –, apresenta como núcleo<br />

convergente a aparição aos escravos de Nossa Senhora, segurando um rosário. O mito conta<br />

que homens brancos, padres e ban<strong>da</strong>s de música tentaram levar a imagem para a igreja, mas<br />

ela não permaneceu no altar, voltando sozinha para onde foi encontra<strong>da</strong> (na mata, em uma<br />

loca de pedra, no mar ou no deserto). Então os negros a transportaram, por meio de orações,<br />

cantos, toques de instrumentos e <strong>da</strong>nças, e a santa ficou definitivamente na igreja. Segundo a<br />

narração de Seu Chiquito,<br />

“juntou os claro, foi lá com ban<strong>da</strong> de música, cantando, com todo<br />

enterriasmo, trouxe ela pra igreja. Eles colocaram ela na igreja, ‘essa aqui é<br />

nossa’. E eles foi embora pra casa. Quando eles foi outro dia que eles<br />

chegaram lá. Cadê ela? Aí juntou os negro [...] com cavaquinho, viola,<br />

pandeiro, já foi cantando e chamando por ela, batendo, pula <strong>da</strong>qui, pula<br />

<strong>da</strong>li... Foi chegando perto dela. Do lugar. Aí eles trouxe ela pra igreja.<br />

Colocou ela na igreja, ela ficou. Ficou sendo dos negro. É por isso que nós<br />

adora ela” 20 .<br />

Dessa forma, a expressivi<strong>da</strong>de cultural dos africanos e/ou de seus descendentes possui<br />

eficácia mágico-religiosa, capaz de<br />

realizar uma comunicação com o sobrenatural e dele conseguir recursos e<br />

intercessão para sua vi<strong>da</strong> na terra. A capaci<strong>da</strong>de de entrar em contato com o<br />

19 Antonio Francisco de Sousa, em trecho de entrevista concedi<strong>da</strong> a mim e à professora Carla Ávila, em 29 de<br />

junho de 2008, para o projeto Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de Cachoeira de Santa<br />

Cruz, Paula Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo e o livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong> Memória:<br />

Lembranças de Congados.<br />

20 Francisco de Souza, o Seu Chiquito, em trecho de entrevista concedi<strong>da</strong> a membros do Programa Gengibre, no<br />

dia 07 de setembro de 2008, para o projeto Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de Cachoeira<br />

de Santa Cruz, Paula Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo e o livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong> Memória:<br />

Lembranças de Congados.<br />

18


sagrado é monopólio dos negros congadeiros. Se, na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

concreta, ele é escravizado, humilhado e explorado <strong>da</strong>s piores formas<br />

possíveis, como conta nossa história brasileira e mineira, na vi<strong>da</strong><br />

transcendente, ou melhor, nas relações com o plano místico, espiritual, ele<br />

tem poder, sua <strong>da</strong>nça e seu canto têm eficácia junto aos seus santos<br />

protetores (GIOVANNINI JUNIOR, 2005, p. 93).<br />

Nesse cenário mítico, Nossa Senhora do Rosário ouviu a súplica do povo negro e<br />

informou a Princesa Isabel sobre o ocorrido, atuando indiretamente na libertação dos<br />

escravos:<br />

“chegou na igreja, eles cantaram, cantaram pra santa lá e saiu de costa e a<br />

frente, a santa ficou lá, num vortô mais do lugar onde ela tinha sido<br />

apareci<strong>da</strong>. Então ela que deu intuição pra rainha porque ela num podia<br />

conversar. Mas conversou no pensamento. Pra cabá com aquela vi<strong>da</strong>” 21 .<br />

Então, todos os anos, a ban<strong>da</strong> de Congado rememora a len<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>cional, em louvor e<br />

agradecimento à santa; “como as narrativas mitopoéticas <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de de todos os povos, a<br />

transcrição <strong>da</strong> fábula pelos congadeiros fun<strong>da</strong>-se num ato criador textual coletivo que produz<br />

uma teia discursiva [...]” (MARTINS, 1997, p. 49).<br />

O cortejo real, o levantamento de mastro, as embaixa<strong>da</strong>s, as músicas, os passos, a<br />

coroação de reis e rainhas e os banquetes coletivos fazem parte dessa teia discursiva repeti<strong>da</strong> e<br />

resignifica<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> festa. Trata-se, segundo Le<strong>da</strong> Maria Martins, de uma “estrutura<br />

organizacional complexa, dissemina<strong>da</strong> em uma tessitura ritual que desafia e ilude qualquer<br />

interpretação apressa<strong>da</strong> de sua simbologia e significância” (1997, p. 44).<br />

Existem autores que procuram compreender a simbologia do Congado a partir <strong>da</strong><br />

definição de sua procedência. As explicações são controversas, como aponta Roberto<br />

Benjamin:<br />

Muito se tem discutido sobre a origem <strong>da</strong> festa. Ora se considera niti<strong>da</strong>mente<br />

portuguesa, filia<strong>da</strong> às “reinages” <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média européia, em que era<br />

comum a escolha de reis e rainhas, por ocasião dos festejos populares. Ora se<br />

filia à tradição de coroação de reis e conflitos de dinastias africanas (1977, p.<br />

3).<br />

Alceu Maynard Araújo defende a primeira hipótese. Segundo ele, o folguedo é uma<br />

reminiscência <strong>da</strong> tradição oral que descreve a luta do lendário Imperador Carlos Magno contra<br />

21 Trecho <strong>da</strong> entrevista de Maria Theodora <strong>da</strong> Silva, a Dona Quininha, concedi<strong>da</strong> a mim e à professora Carla<br />

Ávila, em 13 de abril de 2008, para o projeto Tradição e Identi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong>s por congadeiros de<br />

Cachoeira de Santa Cruz, Paula Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo e o livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong><br />

Memória: Lembranças de Congados.<br />

19


os mouros inimigos do cristianismo, na península Ibérica. O episódio seria preservado nas<br />

romarias, em versos e novelas; e as novelas, quando teatraliza<strong>da</strong>s, teriam se transformado na<br />

Cavalha<strong>da</strong>.<br />

Ao passar para o Novo Mundo, os povoadores oriundos de Portugal e de<br />

Espanha, portadores <strong>da</strong> civilização ocidental, implantaram, como era de se<br />

esperar, as suas formas de recreação. Mas, no Brasil, nos primórdios de sua<br />

vi<strong>da</strong> social, existiam duas classes distintas: a de senhores e a de escravos.<br />

[...] A cavalha<strong>da</strong> [..] ficou com os senhores, com os fazendeiros, com a<br />

nobreza <strong>da</strong> terra. [...] Para o escravo, [...] o episódio centenário foi<br />

teatralizado, ajustando-se ao teatro de rua – a conga<strong>da</strong> – catequese <strong>da</strong>s<br />

massas, encarecendo a necessi<strong>da</strong>de de conversão (ARAÚJO, 2004, p. 264).<br />

A conclusão do autor é de que o Congado teve uma função social; “é folclore artificial,<br />

criado pelo catequista, visando uma função sublimadora (psicanálise) dos escravos e outra<br />

integradora do pagão” (ARAÚJO, 2004, p. 270).<br />

Já para Larissa Oliveira Gabarra, “a origem do Congado está na África, no Cortejo aos<br />

Reis Congos. O Cortejo ao Rei e à Rainha era uma expressão de confiança dos súditos em<br />

seus governantes, que lhes proporcionariam a prosperi<strong>da</strong>de na paz e a fertili<strong>da</strong>de” (2003, p.<br />

3). Expressão de confiança que continuaria no Novo Mundo, após a incursão colonialista de<br />

Portugal no Império do Congo, no século XVIII, quando<br />

foram vendidos, entre os negros aprisionados para serem escravos, vários<br />

membros <strong>da</strong>s famílias que disputam o trono do Congo. No Brasil, esses<br />

membros <strong>da</strong> família real africana foram motivo aglutinador <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />

negra (ibidem).<br />

Há ain<strong>da</strong> uma terceira versão, a qual considero mais adequa<strong>da</strong>: “o Congado somente<br />

ocorre em terras brasileiras, assimilando uma complexa rede de significados religiosos<br />

cristãos e africanos, advindos de povos de origem banto [...]” (ÁVILA, 2007, p. 16).<br />

Conforme Le<strong>da</strong> Maria Martins, a manifestação aglutina matrizes diversas; multifaceta<strong>da</strong>,<br />

origina-se dos cruzamentos entre os arquivos simbólicos africanos e o dogma cristão. Afinal,<br />

de acordo com a pesquisadora, a cultura negra é a cultura <strong>da</strong>s encruzilha<strong>da</strong>s 22 , fruto de<br />

interseções, confluências, desvios, relações, entre as memórias africanas e outros códigos e<br />

sistemas simbólicos. Tal perspectiva, embora possa ser confundi<strong>da</strong> com a idéia de<br />

sincretismo, considera na festa de Nossa Senhora do Rosário a existência de vias de<br />

elaborações discursivas, e não a mera justaposição de elementos distintos.<br />

22 MARTINS, 1997, p. 26.<br />

20


O rei congo simboliza a conversão dos congoleses ao cristianismo, e a rainha conga<br />

carrega a liderança <strong>da</strong> rainha angolana Njinga Nbandi 23 . As embaixa<strong>da</strong>s rememoram as<br />

mensagens envia<strong>da</strong>s por reis europeus e africanos, através de embaixadores 24 . A organização<br />

expressa o saber do povo banto, “que concebe o indivíduo como expressão de um cruzamento<br />

triádico: os ancestrais fun<strong>da</strong>dores, as divin<strong>da</strong>des e ‘outras existências sensíveis’, o grupo<br />

social e a série cultural” (MARTINS, 1997, p. 37). Funde também reminiscências de outras<br />

culturas, “num só ato recor<strong>da</strong>dor, tornado possivelmente ‘nacional’ mesmo para a escravaria<br />

de outras raças e nações” (CASCUDO, 1984, apud MARTINS, 1997, p. 34). A coroação de<br />

reis negros reterritorializa a organização social e ritual africana. O batuque dos tambores<br />

restitui a memória do sujeito. As irman<strong>da</strong>des permitem a identificação de valores comuns.<br />

[...] eram essas práticas e representações que faziam dos negros sujeitos<br />

fortes, persistentes, que conseguiram restabelecer-se frente a tantos conflitos<br />

e tensões que, muitas vezes, os impediam de reme-morar traços diversos de<br />

suas origens, <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de a elas, mas que acabavam por impulsionar o<br />

grau de pertencimento e de tradução <strong>da</strong> sua cultura e <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de<br />

(KATRIB, 2006, p.377).<br />

Até hoje, quando o mastro se levanta, as espa<strong>da</strong>s apontam para o céu e a coroa passa<br />

para o rei festeiro do ano seguinte, a identi<strong>da</strong>de negra se reafirma. A memória mantém-se<br />

viva.<br />

23 A lendária rainha Ginga, nasci<strong>da</strong> em 1582, liderou os povos ambundos-jagas e resistiu durante vários anos ao<br />

império português, aceitando, por fim, o batismo cristão, quando recebeu o nome de Ana de Sousa (SOUZA,<br />

2002, apud ÁVILA, 2007, p. 15-6).<br />

24 GIOVANNINI JUNIOR, 2005, p. 107.<br />

21


2.4. Livro-Reportagem e suas Potenciali<strong>da</strong>des<br />

“Associar a produção jornalística à memória, à história, parece contraditório,<br />

considerando-se que a matéria do jornalismo é o novo, o que acaba de acontecer” (PEREIRA,<br />

2007, p. 78). Mas e se considerarmos o conceito de atuali<strong>da</strong>de de forma mais ampla? Edvaldo<br />

Pereira Lima prefere usar o termo contemporanei<strong>da</strong>de, afirmando que o livro-reportagem, ao<br />

tratar o tempo de modo elástico, oferece a compreensão do factual através de uma análise do<br />

contexto histórico, dos efeitos, dos desdobramentos, de causas e conseqüências (2004, p. 30-<br />

1). A memória, portanto, por permear nossas relações sociais contemporâneas, é atual; é<br />

notícia.<br />

O livro-reportagem possui características favoráveis ao trabalho com a memória e a<br />

cultura popular. Difere-se <strong>da</strong> produção jornalística como texto urgente. Permite um tempo de<br />

convivência com o entrevistado, um entendimento do contexto do assunto e uma preocupação<br />

com a narrativa significativamente superiores à rotina industrial. Preenche “vazios deixados<br />

pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários <strong>da</strong> televisão, até mesmo<br />

pela internet [...]” (LIMA, 2004, p. 4). Estende a função meramente informativa do jornalismo<br />

cotidiano e amplia ao leitor a compreensão dos fatos. Proporciona, enfim, uma série de<br />

liber<strong>da</strong>des, aponta<strong>da</strong>s por Lima – liber<strong>da</strong>de temática, liber<strong>da</strong>de de angulação, liber<strong>da</strong>de de<br />

fontes, liber<strong>da</strong>de temporal (2004, p. 82-7). Completa Belo:<br />

O estilo do escritor-jornalista muitas vezes se vê sufocado pelas exigências<br />

de tempo, espaço e manuais de estilo <strong>da</strong>s re<strong>da</strong>ções em que trabalha. No livro,<br />

o texto ganha contornos amplos: permite uma concepção mais literária, dá<br />

margem a diferentes construções, quase sempre impraticáveis em um jornal<br />

ou uma revista [...] Não é à toa que o livro-reportagem tem sido praticamente<br />

o único meio de se exercer, no Brasil, o jornalismo literário, gênero em que a<br />

experimentação é possível e em que forma e conteúdo gozam de igual<br />

importância (BELO, 2006, p. 119).<br />

No jornalismo literário 25 , outros recursos são possíveis:<br />

25 Há divergências no Brasil para a classificação do conceito de jornalismo literário. Alguns pesquisadores e<br />

jornalistas reduzem-no à produção impressa do século XIX, período no qual escritores como Machado de Assis e<br />

José de Alencar escreviam crônicas, folhetins e até assumiam a edição dos periódicos. Outros utilizam-no como<br />

sinônimo do new journalism. Há quem o defina como a crítica de obras literárias. E muitos discor<strong>da</strong>m <strong>da</strong><br />

nomenclatura. Durante o 1º Salão do Jornalista Escritor, realizado em São Paulo em novembro de 2007, o<br />

jornalista Eric Nepomuceno classificou todo o jornalismo como um gênero literário. Na mesma ocasião, Audálio<br />

Dantas disse que o que se chama inapropria<strong>da</strong>mente de jornalismo literário consiste em um texto melhor<br />

produzido. Afirmou Ruy Castro: “Não sei o que é isso”. Para ele, existem apenas dois tipos de jornalismo: bom e<br />

ruim. Utilizo a definição dos professores Celso Falaschi, Edvaldo Pereira Lima, Rodrigo Stucchi e Sergio Vilas<br />

Boas, <strong>da</strong> Academia Brasileira de <strong>Jornalismo</strong> Literário, disponível no site Texto Vivo: “obras impressas ou<br />

22


Não se trata apenas de fugir <strong>da</strong>s amarras <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção ou de exercitar a veia<br />

literária [...] Significa potencializar os recursos do <strong>Jornalismo</strong>, ultrapassar os<br />

limites dos acontecimentos cotidianos, propiciar visões amplas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de,<br />

exercer plenamente a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, romper as correntes burocráticas do lead,<br />

evitar os definidores primários 26 e, principalmente, garantir pereni<strong>da</strong>de e<br />

profundi<strong>da</strong>de aos relatos (PENA, 2006, p. 13).<br />

Destaco a potenciali<strong>da</strong>de de exercitar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, defendi<strong>da</strong> por Pena. Para o autor,<br />

esse conceito tão gasto, tão desacreditado, é na ver<strong>da</strong>de um dever. Deveria ser um<br />

compromisso do jornalista escolher um tema capaz de contribuir com o bem comum e com a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.<br />

Tom Wolfe, um dos representantes do new journalism 27 , acrescenta outro importante<br />

compromisso – o compromisso com o leitor (2005, p. 32). O narrador-jornalista, segundo ele,<br />

era nos anos 60 um chato, um espírito com personali<strong>da</strong>de apaga<strong>da</strong>, em meio a um tom de bege<br />

pálido, capaz de fazer os leitores chorarem de tédio. Por isso ele começou a desenvolver um<br />

tipo de reportagem mais intensa, mais detalha<strong>da</strong> e mais “colori<strong>da</strong>”:<br />

O que me interessava não era simplesmente a descoberta <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de<br />

escrever não-ficção apura<strong>da</strong> com técnicas em geral associa<strong>da</strong>s ao romance e<br />

ao conto. Era isso – e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção,<br />

no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais<br />

do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo<br />

tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... para exercitar tanto<br />

intelectual quanto emocionalmente o leitor (WOLFE, 2005, p. 28).<br />

Wolfe sugere um jornalismo que avance limites, descreva o ambiente e os diálogos<br />

dos personagens e não reduza a complexi<strong>da</strong>de do mundo (2005, p. 238). No posfácio de seu<br />

livro, Joaquim Ferreira dos Santos afirma que, no Brasil, os repórteres encontram-se presos<br />

nas re<strong>da</strong>ções, apurando declarações por e-mail, escrevendo matérias curtas, tendo de apurar<br />

várias histórias por dia. Como conseqüência, “a reportagem por aqui foi brilhar nos livros, que<br />

sempre observam tiragens expressivas quando apresentam esse ícone irresistível – jornalistas<br />

em ação” (2005, p. 244).<br />

audiovisuais que combinem o vigor <strong>da</strong> pesquisa com a arte de contar uma história ver<strong>da</strong>deira, com personagens<br />

reais, lugares reais, situações reais”, onde se insere o livro-reportagem.<br />

26<br />

Fontes recorrentes nos meios de comunicação, como autori<strong>da</strong>des e especialistas famosos usualmente<br />

entrevistados (PENA, 2006, p. 22).<br />

27 Movimento originado em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960, nos Estados Unidos, resultado <strong>da</strong> insatisfação de<br />

jornalistas em relação às regras de objetivi<strong>da</strong>de. Destacam-se Truman Capote, Gay Talese e Tom Wolfe. O<br />

próprio Wolfe diz que não faz idéia de quem cunhou a expressão new journalism (novo jornalismo, em<br />

português), nem quando isso aconteceu. Também afirma que não se tratava de nenhum movimento, pois não<br />

havia manifestos ou reuniões: “o que aconteceu foi que, de repente, sabia-se que havia uma espécie de excitação<br />

artística no jornalismo, e isso sim já era uma novi<strong>da</strong>de” (WOLFE, 2005, p. 40-1).<br />

23


O resultado depende, claro, do profissional. O suporte não determina o conteúdo. As<br />

singulari<strong>da</strong>des do livro-reportagem, to<strong>da</strong>via, ampliam as possibili<strong>da</strong>des do jornalista entrar em<br />

ação. Ampliam as oportuni<strong>da</strong>des de captar diálogos e expressões faciais, observar detalhes de<br />

ambientes, relacionar passado e presente, promover a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, ampliar a visão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

e conquistar o leitor. Dessa forma, o livro-reportagem apresenta-se como o melhor meio para<br />

o jornalista retratar a herança identitária que se incorpora nas falas de Dona Quininha, de Seu<br />

Dola, de Seu Zeca, de Seu Chiquito e de Seu Zizinho. Falas que representam a sabedoria<br />

ancestral, comunicam-se com o sagrado, estabelecem o sentimento de uma comuni<strong>da</strong>de<br />

imagina<strong>da</strong>. Falas de guardiões do Congado, <strong>da</strong> tradição, <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong>s encruzilha<strong>da</strong>s. Falas de<br />

Guardiões <strong>da</strong> Memória.<br />

24


3. METODOLOGIA<br />

O processo de realização do livro-reportagem seguiu duas etapas principais: apuração<br />

do tema e edição do material coletado. Ca<strong>da</strong> momento apresentou ativi<strong>da</strong>des varia<strong>da</strong>s,<br />

descritas nos parágrafos seguintes. Cabe ressaltar que, apesar <strong>da</strong>s classificações sistemáticas,<br />

tais momentos foram muitas vezes desenvolvidos paralelamente, sem qualquer divisão rígi<strong>da</strong>.<br />

3.1. Apuração<br />

A primeira fase compreendeu a captação do material, por meio <strong>da</strong> metodologia de<br />

pesquisa e de entrevistas. Foi feita a revisão bibliográfica de assuntos relacionados ao tema,<br />

perpassando o estudo de conceitos teóricos, a leitura de livros-reportagem e a análise de<br />

projetos experimentais em jornalismo. Os representantes do Congado retratados no livro<br />

foram previamente contatados e informados sobre os objetivos <strong>da</strong> pesquisa. O trabalho<br />

prosseguiu após a aceitação dos cinco convi<strong>da</strong>dos: Francisco de Souza, Geraldo Augusto<br />

Virgílio, José <strong>da</strong> Paixão Virgílio, Maria Theodora <strong>da</strong> Silva e Sebastião Ambrósio Jerônimo.<br />

Antes <strong>da</strong>s primeiras abor<strong>da</strong>gens, houve a preocupação em estu<strong>da</strong>r textos <strong>da</strong>s áreas de<br />

Antropologia e História Oral. Esse embasamento teórico foi fun<strong>da</strong>mental para a definição de<br />

modos como poderia abor<strong>da</strong>r as comuni<strong>da</strong>des 28 . Afinal, como defendi anteriormente, o<br />

jornalista não deve encarar sua presença em tais comuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> mesma forma como atuaria<br />

na cobertura de um evento, por exemplo. No primeiro caso, é muito importante vivenciar o<br />

contexto no qual ele se insere, conhecer as pessoas, ouvi-las, aceitar um café e nem sempre se<br />

preocupar em fazer perguntas objetivas, pontuais.<br />

Assim, foi adota<strong>da</strong> a princípio a técnica <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, conforme denominação de<br />

Roger Bastide, caracteriza<strong>da</strong> por “permitir ao pesquisado contar a sua própria vi<strong>da</strong>, ao acaso<br />

<strong>da</strong>s lembranças, sem procurar retê-lo ou dirigi-lo” (KOSMINSKY, 1984, p. 31). A partir <strong>da</strong><br />

decupagem e <strong>da</strong> análise dessas primeiras conversas, realiza<strong>da</strong>s nas residências dos próprios<br />

entrevistados, foi possível delimitar os assuntos abor<strong>da</strong>dos para as intervenções seguintes.<br />

Nessas entrevistas iniciais, estive acompanhado <strong>da</strong> professora Carla Ávila, coordenadora do<br />

28 Sobre essa preocupação teórica, cito algumas <strong>da</strong>s questões estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s: os métodos qualitativos de pesquisa<br />

utilizados pela Antropologia – observação participante, entrevista aberta, contato direto com o universo<br />

investigado (VELHO, 1978, p. 36); a atuação do pesquisador e sua relação com o objeto de estudo (SILVA,<br />

2000); a tarefa do pesquisador em transformar o exótico em familiar (DAMATTA, 1978, p. 28); a importância<br />

<strong>da</strong> História Oral para captar testemunhos de assuntos não arquivados (BRIOSCHI; TRIGO, 1987, p. 635) e o uso<br />

do gravador (KOSMINSKY, 1984, p. 32).<br />

25


Programa Gengibre e do projeto de extensão ao qual me referi na introdução desta pesquisa.<br />

Embora tenha realizado as entrevistas seguintes sozinho, durante todo o processo estive<br />

amparado pela orientação <strong>da</strong>s professoras Carla e Kátia Fraga.<br />

As entrevistas foram registra<strong>da</strong>s em suporte escrito e audiovisual. O gravador e o<br />

bloco de anotações serviram como instrumento de registro em to<strong>da</strong>s as conversas e, em<br />

algumas ocasiões, houve gravações em vídeo.<br />

Além <strong>da</strong>s fontes acima cita<strong>da</strong>s, entrevistei pessoas que convivem com ca<strong>da</strong> uma delas:<br />

filhos, esposas, amigos, parentes. Às vezes em conversas informais, outras vezes com horário<br />

marcado para tal fim, o relato dessas pessoas foi fun<strong>da</strong>mental para a apuração, pois revelaram<br />

pontos de vista diferentes sobre determinado acontecimento, acrescentaram detalhes,<br />

confirmaram <strong>da</strong>dos, contaram novas histórias.<br />

A entrevista, de acordo com Eduardo Belo, possibilita captarmos “o detalhe, a<br />

percepção humana <strong>da</strong>s coisas, o caráter psicológico dos personagens e a impressão que os<br />

fatos causaram a quem os vivenciou” (2006, p. 89). O autor faz questão de ressaltar,<br />

entretanto, que se basear “apenas no relato do personagem e dos que o conheceram é<br />

substancialmente mais pobre do que uma investigação profun<strong>da</strong> feita com base em uma<br />

pesquisa histórica [...] (2006, p.50). Portanto, foi imprescindível a pesquisa de documentos<br />

oficiais, livros, matérias de jornais, folhetos, fotografias, vídeos. Alguns materiais foram<br />

disponibilizados pelos próprios entrevistados, outros foram encontrados após longas horas de<br />

consulta na Biblioteca Municipal de Viçosa, na Biblioteca Central <strong>da</strong> <strong>UFV</strong>, nos arquivos dos<br />

jornais Folha <strong>da</strong> Mata e Tribuna Livre e em sites <strong>da</strong> Internet.<br />

Durante a produção <strong>da</strong> obra, diante <strong>da</strong> falta de muitos detalhes, consegui contatar<br />

ain<strong>da</strong> outras fontes, que me informaram assuntos variados, como a criação do lago <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa, o projeto de emancipação do distrito de São José do Triunfo<br />

e a história de Ponte Nova.<br />

Outra preocupação ao longo <strong>da</strong> primeira fase foi com as fotografias que iriam compor<br />

o livro, por considerar tais imagens extremamente importantes para a narrativa. Além <strong>da</strong><br />

função ilustrativa, a fotografia tem a capaci<strong>da</strong>de de ampliar e reforçar as palavras,<br />

“contribuindo para a construção de um imaginário a respeito dos acontecimentos traduzidos<br />

como fragmentos metonímicos do mundo” (TAVARES; VAZ, 2004). Consegui compor<br />

amplo acervo de imagens: fotografei cenas de festa, de entrevista e de cenários <strong>da</strong>s<br />

comuni<strong>da</strong>des e tive a contribuição dos Guardiões, que cederam parte de seus arquivos<br />

pessoais. Contei com o apoio de membros do Programa Gengibre, <strong>da</strong> pesquisadora Maria<br />

Tafuri do Carmo Paniago – empréstimo de fotos do Congado de São José do Triunfo no fim<br />

26


<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80 – e do fotógrafo Luiz Bareza. Em seu site na internet, Luiz tinha fotos dos<br />

ônibus <strong>da</strong> extinta empresa Transportes Uruguai, onde Seu Zizinho trabalhou no Rio de<br />

Janeiro. Após contatá-lo, ele gentilmente me autorizou a usá-las. Também encontrei na<br />

internet, no site <strong>da</strong> Biblioteca Nacional, a cópia <strong>da</strong> Lei Áurea, e fui informado de que poderia<br />

utilizá-la. Importante destacar o privilégio de ter acesso a duas fotos antigas <strong>da</strong> festa de Nossa<br />

Senhora do Rosário em Paula Cândido, as quais pude fotografar... e admirar.<br />

27


3.2. Edição<br />

O próximo passo do projeto experimental consistiu na organização do material<br />

coletado, incluindo a decupagem quase integral <strong>da</strong>s entrevistas. Dessa forma, pude selecionar<br />

as histórias, as imagens, os <strong>da</strong>dos e as descrições que narraria no livro, iniciando o processo<br />

de re<strong>da</strong>ção dos capítulos.<br />

Para Eduardo Belo, essa segun<strong>da</strong> etapa é menos trabalhosa. “No livro-reportagem, a<br />

apuração costuma tomar mais tempo que a elaboração” (2006, p. 64). Não se trata, to<strong>da</strong>via, de<br />

uma tarefa fácil, segundo Edvaldo Pereira Lima:<br />

os segmentos que formam uma narrativa extensa, como a de um livroreportagem,<br />

requerem hábil tratamento de montagem, de estruturação e<br />

ordenação do conjunto de ações, ambientes, personagens, discussões,<br />

questões, de modo a haver, no todo, uma uni<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> com lógica,<br />

graça e harmonia (LIMA, 2004, p. 166).<br />

Embora a prática do jornalismo literário permita ao escritor maior liber<strong>da</strong>de na<br />

narrativa, imprimindo estilo próprio ao texto, utilizei técnicas de edição aponta<strong>da</strong>s por Belo,<br />

Lima e Felipe Pena. No caso do primeiro autor, optei por não usar o padrão acadêmico de<br />

notas bibliográficas (BELO, 2006, p. 95) e procurei incluir na escrita, quando possível, as<br />

cinco características do new journalism descritas por ele: reconstituir os fatos<br />

minuciosamente; descrever cena por cena; reconstituir ambientes e épocas; evitar menção <strong>da</strong>s<br />

fontes no corpo do texto e evitar passagens abruptas (2006, p. 122-3).<br />

De acordo com Lima, “a cadência <strong>da</strong> narrativa deve acompanhar os ciclos ascendentes<br />

e descendentes de tensão, de modo que o leitor seja levado, ritmicamente, num crescendum,<br />

em on<strong>da</strong>s, até o ponto culminante em que a grande reportagem possa ser encerra<strong>da</strong>” (2004, p.<br />

166-7). Para tanto, o narrador não precisa se preocupar em contar a história de forma<br />

rigi<strong>da</strong>mente cronológica:<br />

o homem inventou o cinema e o jornalismo impresso moderno apoderou-se<br />

dos cortes de tempo e espaço, <strong>da</strong>s inversões <strong>da</strong> lógica convencional para<br />

justapor, avançar célere em flash-forward antecipando o tempo, recuar em<br />

corte para o passado em flash-back, para resgatar o que já foi (2004, p. 167).<br />

Apesar de seguir uma linha cronológica para contar a trajetória dos personagens, não<br />

me prendi à mesma, baseado nas afirmações de Lima – e também por acreditar que, por li<strong>da</strong>r<br />

com a memória como objeto de estudo, seria incoerente com a proposta do trabalho.<br />

28


Como se trata de uma obra jornalística, ou seja, de não-ficção, to<strong>da</strong>s as afirmações<br />

presentes no livro foram inseri<strong>da</strong>s após declaração de pelo menos um dos entrevistados,<br />

consulta a uma ou mais fontes documentais e/ou observação do autor. Quando determinado<br />

depoimento me deixou com dúvi<strong>da</strong>s, por exemplo, refiz a pergunta à mesma pessoa em<br />

ocasiões posteriores (em alguns casos, formulei a questão para outras pessoas). Nos poucos<br />

casos em que as informações se contradisseram, usei a que constava em registros escritos,<br />

como documentos oficiais, ou a qual julguei mais coerente. Segundo Pena, o jornalismo<br />

literário não se baseia na veraci<strong>da</strong>de, mas na verossimilhança, na mimetização <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

Essa mimetização não é sinônimo de invenção, e sim de uma “representação direta do real por<br />

meio <strong>da</strong> contextualização e interpretação de determinados acontecimentos” (2006, p. 103).<br />

Sobre o desfecho, Lima sugere que a construção seja cui<strong>da</strong>dosa, “arquiteta<strong>da</strong> com<br />

critério para sintetizar o âmago de to<strong>da</strong> uma viagem de compreensão ao centro do território do<br />

desconhecido, ao âmbito do complexo. E mais perguntas” (2004, p. 170). Como assim, mais<br />

perguntas? No livro-reportagem, segundo Lima, existe essa flexibili<strong>da</strong>de: o leitor não precisa<br />

se deparar com respostas prontas. Pode refletir, adentrar novas esferas de perguntas, reordenar<br />

a percepção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Isso porque o suporte é menos tolhido, permite a experimentação.<br />

“Porque tem fôlego para abarcar dimensões grandiosas e no fim não cercar a ver<strong>da</strong>de como<br />

absoluta e perene” (ibidem).<br />

Durante o processo de re<strong>da</strong>ção dos capítulos, a professora Kátia Fraga, como minha<br />

orientadora, leu, revisou, fez observações e discutiu comigo eventuais mu<strong>da</strong>nças e<br />

acréscimos. Ain<strong>da</strong> tive o apoio de dois revisores: a amiga e colega de turma Ellen Araujo fez<br />

importantes apontamentos e Antonio Sérgio de Oliveira, meu pai e professor de Língua<br />

Portuguesa, foi responsável pela revisão final.<br />

Com o texto pronto e revisado, somado às imagens seleciona<strong>da</strong>s durante a etapa de<br />

edição do material, o livro foi diagramado e impresso, para ser apresentado à banca<br />

avaliadora. Serão entregues cópias do livro aos cinco entrevistados. Planejo ain<strong>da</strong> obter<br />

recursos financeiros para disponibilizá-lo a comuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> região de Viçosa e bibliotecas<br />

públicas. Para que a sabedoria e a história dos Guardiões <strong>da</strong> Memória não fiquem somente<br />

registra<strong>da</strong>s em um projeto de conclusão de curso, como também sejam conheci<strong>da</strong>s e<br />

reconheci<strong>da</strong>s.<br />

29


4. DESCRIÇÃO<br />

O livro-reportagem Guardiões <strong>da</strong> Memória: Lembranças de Congados é composto de<br />

cinco capítulos. O primeiro, Encruzilha<strong>da</strong>s, contextualiza o leitor a respeito de questões<br />

considera<strong>da</strong>s pilares para a compreensão dos temas tratados ao longo <strong>da</strong> obra. O segundo,<br />

intitulado Homens Direitos, conta a trajetória de Seu Dola e Seu Zeca, respectivamente rei<br />

congo e capitão <strong>da</strong> guar<strong>da</strong> de São José do Triunfo (distrito de Viçosa). Sempre Majestade tem<br />

como protagonista Seu Chiquito, rei do meio em Cachoeira de Santa Cruz (distrito de<br />

Viçosa), e De Olho no Futuro narra momentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do rei congo de Paula Cândido, Seu<br />

Zizinho. Sonhos de Menina, o último capítulo, é sobre Dona Quininha, de Ponte Nova.<br />

Entre os assuntos abor<strong>da</strong>dos no primeiro capítulo – narrativas fun<strong>da</strong>cionais sobre as<br />

origens do Congado; a importância <strong>da</strong> manifestação para o reconhecimento identitário negro;<br />

a economia e a povoação <strong>da</strong> Zona <strong>da</strong> Mata mineira; a coexistência entre tradição e<br />

contemporanei<strong>da</strong>de e a definição de Guardiões <strong>da</strong> Memória, basea<strong>da</strong> na pesquisadora Olga<br />

Von Simson (2000) – apresenta-se o conceito de cultura <strong>da</strong>s encruzilha<strong>da</strong>s, de Le<strong>da</strong> Maria<br />

Martins 29 . Este conceito norteia to<strong>da</strong> a narrativa do livro. Assim como a cultura negra, as<br />

histórias conta<strong>da</strong>s nos cinco capítulos se inter-relacionam em muitos momentos, apresentando<br />

características comuns entre os personagens retratados, como se o leitor chegasse a<br />

encruzilha<strong>da</strong>s no meio do caminho.<br />

Nessas inter-relações, ca<strong>da</strong> capítulo finaliza com as percepções dos Guardiões sobre as<br />

mu<strong>da</strong>nças do mundo atual e inicia com a sutil associação a um dos quatro elementos <strong>da</strong><br />

natureza (de acordo com proposição do filósofo grego Empédocles, formula<strong>da</strong> cerca de 450<br />

anos antes de Cristo e ain<strong>da</strong> presente no imaginário coletivo, apesar de refuta<strong>da</strong> pela ciência).<br />

O primeiro capítulo inicia com a terra, em oposição ao céu, narrando a situação de um<br />

escravo que acredita estar próximo <strong>da</strong> morte. A cena de Seu Zeca an<strong>da</strong>ndo na chuva, logo no<br />

começo do segundo capítulo, remete à água. Sempre Majestade inicia com um acontecimento<br />

relatado por Seu Chiquito: o do homem que não respeitou o Congado e caiu no fogo. O quarto<br />

capítulo descreve o vento que balança as folhas do arbusto de guiné (portanto, ar) e prossegue<br />

contando sobre o pai de Seu Zizinho, que era corta-vento. Em Sonhos de Menina, a narrativa<br />

volta a tratar <strong>da</strong> terra – a terra preta – e cita no final a história do negro no buraco.<br />

A opção por esse retorno ao início procura representar a perspectiva cíclica do tempo<br />

na cultura popular:<br />

29 MARTINS, 1997, p. 26.<br />

30


O seu fun<strong>da</strong>mento é o retorno de situações e atos que a memória grupal<br />

reforça atribuindo-lhes valor. Tempo sazonal, tempo do lavrador, marcado<br />

pelas águas e pela seca. Tempo lunar: tempo <strong>da</strong>s marés, tempo menstrual.<br />

Tempo do ciclo agrário, <strong>da</strong> semeadura à ceifa, com a pausa necessária ao<br />

repouso <strong>da</strong> terra. Tempo do ciclo animal: do cio ao acoplamento, <strong>da</strong> gestação<br />

ao parto, <strong>da</strong> criação ao abate ou à nova reprodução (BOSI, 1999, p. 11).<br />

O canto que encerra a leitura também faz essa referência: se a morte não chegar<br />

primeiro, o narrador e os personagens voltarão no ano seguinte. Como o Congado, que se<br />

renova a ca<strong>da</strong> ano.<br />

Dados do material:<br />

Número de páginas: 209<br />

Formato: 17 cm x 23,5 cm<br />

Capa: colori<strong>da</strong>, papel cartão.<br />

Início de capítulos: Papel vegetal, gramatura 90g/ Papel sulfite 90g, colorido.<br />

Páginas: Papel sulfite 75g.<br />

31


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Sentei na poltrona do ônibus e comecei a anotar na agen<strong>da</strong> o nome dos entrevistados<br />

que seriam citados no livro. Era mais um dia no qual o estu<strong>da</strong>nte universitário saía do centro<br />

de Viçosa e iria fazer entrevistas. Quando o veículo estava deixando a rodoviária, o<br />

funcionário encarregado de vender as passagens perguntou-me onde eu desceria. “Paula<br />

Cândido”, afirmei. Então ouvi a má notícia: “Esse ônibus vai pra Cajuri”. Pois é, eu havia<br />

entrado no ônibus errado e, se não bastasse, aquele que se destinava a Paula Cândido havia<br />

acabado de sair. O próximo seria mais de duas horas depois.<br />

Sem escolhas, decidi correr. Subi depressa <strong>da</strong> rodoviária até o ponto próximo ao<br />

cemitério e ao tiro de guerra. Sabia que o ônibus faria uma para<strong>da</strong> ali. Corri e o vi à distância.<br />

Quase desisti, entretanto decidi ir até o fim. Cansado, vi ao longe quando o veículo parou,<br />

esperou a subi<strong>da</strong> de passageiros e começou a ir embora. Até que brecou. O motorista me viu<br />

correndo (talvez alguém tenha avisado a ele) e esperou a minha entra<strong>da</strong>. Cheguei em Paula<br />

Cândido ain<strong>da</strong> com o coração batendo forte, mas não me atrasei para a conversa com Seu<br />

Zizinho.<br />

Esse breve relato conta um dos acontecimentos não revelados anteriormente. Quem lê<br />

o referencial teórico, as descrições metodológicas e mesmo o livro-reportagem provavelmente<br />

não visualiza os percalços pelos quais passei, nem o prazer de ca<strong>da</strong> situação vivencia<strong>da</strong> para a<br />

realização dessa obra. Prazer vivenciado já no caminho para as comuni<strong>da</strong>des, de ônibus ou de<br />

carona, por um paulista de ci<strong>da</strong>de grande, atento à paisagem vista pela janela: estra<strong>da</strong>s de<br />

terra, casarões de antigas fazen<strong>da</strong>s, pessoas com chapéu de palha, criação de animais.<br />

Sempre me senti muito bem tratado nos lugares pelos quais passei. Desde abril,<br />

quando iniciei as entrevistas, até novembro, fui recebido com um sorriso no rosto em to<strong>da</strong>s as<br />

visitas aos Guardiões <strong>da</strong> Memória. Eles compartilhavam suas histórias; me ofereciam café,<br />

pão, broa, refrigerante, comi<strong>da</strong>; explicavam detalhes pacientemente; não se incomo<strong>da</strong>vam se<br />

eu fizesse muitas perguntas ou se ficasse até tarde. Na volta para casa, sentia uma alegria<br />

intensa, refletindo sobre o privilégio de conhecê-los e de ter conquistado a confiança de ca<strong>da</strong><br />

um deles.<br />

Esse enorme privilégio se estendeu também a outros familiares e conhecidos: Dona<br />

Rê, em São José do Triunfo; Seu Zé e Dona Fatinha, em Paula Cândido; Seu João, Seu<br />

Antonio, Benega e Paulinho, em Cachoeira de Santa Cruz; Seu Pedrinho, Dona Efigênia e os<br />

demais gangazumbeiros, com o carinho de sempre, em Ponte Nova. Todos me concederam,<br />

32


além de boas entrevistas, ótimos momentos. Dedicaram a mim especial atenção, por vezes até<br />

nos dias de festejo, quando já tinham um monte de preocupações mais importantes.<br />

Nas minhas intervenções, procurei tratá-los com o mesmo respeito e a mesma<br />

simpatia. Durante as entrevistas ou conversas, não tentei assumir um papel de “neutrali<strong>da</strong>de”,<br />

como um pesquisador que apenas analisa externamente o objeto de estudo. Por outro lado,<br />

não tentei me inserir artificialmente no contexto <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Comportei-me simplesmente<br />

de modo sincero, deixando clara a minha intenção e tratando-os de acordo com os meus<br />

valores e com ca<strong>da</strong> situação. Encarei o trabalho como uma troca, uma oportuni<strong>da</strong>de de<br />

compartilhar saberes e experiências. Assim, nesse envolvimento com a comuni<strong>da</strong>de, recebi as<br />

bênçãos de Seu Antonio, jantei com Seu João e com Seu Zizinho, fui chamado de “filho” por<br />

Dona Rê...<br />

Nos dias 20 e 21 de setembro, acompanhei a ban<strong>da</strong> de Congado de Cachoeirinha na<br />

festa realiza<strong>da</strong> em Capivara, no município de São Miguel do Anta. Nessa ocasião, ao lado <strong>da</strong><br />

amiga e pesquisadora Natália Oliveira, tive a oportuni<strong>da</strong>de de estar ain<strong>da</strong> mais próximo dos<br />

congados, passando o fim de semana com eles. Além de observar, fotografar, fazer anotações<br />

e entrevistas, também joguei baralho, troquei e-mails e fui convi<strong>da</strong>do a participar de um ritual<br />

de proteção antes de sair com o Congado.<br />

Nas festas <strong>da</strong>s quatro comuni<strong>da</strong>des, deparei-me com tanta fartura, com tanta alegria,<br />

com tanta devoção! O movimento dos corpos, o balanço <strong>da</strong>s fitas, o som <strong>da</strong>s caixas e <strong>da</strong>s<br />

fortes vozes, o céu todo estrelado, a emoção dos reis... Tentar descrever a riqueza dos signos e<br />

símbolos <strong>da</strong> tradição foi uma <strong>da</strong>s tarefas mais difíceis na composição do livro. Em vários<br />

momentos fiquei emocionado, envolvido com as imagens vivas <strong>da</strong>s festas em minha memória.<br />

O mesmo aconteceu ao pensar em Seu Zeca, usando calça rasga<strong>da</strong> para ir à escola; em Seu<br />

Dola, deixando de estu<strong>da</strong>r e sofrendo vários acidentes; em Dona Quininha, preocupa<strong>da</strong> ao ver<br />

o filho com problema nos olhos. O dia mais marcante foi aquele em que eu descrevi a morte<br />

do primeiro filho de Seu Chiquito e como o próprio pai o enterrou no cemitério. Foi muito<br />

difícil! A cena se passava diante de meus olhos úmidos e as lágrimas escorriam por meu rosto<br />

enquanto eu digitava.<br />

A história deixou-me inquieto. Como assim, o menino faleceu e ninguém do hospital<br />

deu explicações, nem impediu que Seu Chiquito saísse carregando o paciente? Tentei<br />

encontrar alguma informação no Hospital São Sebastião. Na recepção, identifiquei-me como<br />

estu<strong>da</strong>nte de <strong>Jornalismo</strong> e perguntei se havia o registro de óbitos ocorridos na déca<strong>da</strong> de 50. O<br />

funcionário respondeu: “é difícil”. Eu continuei parado, olhando para ele, afinal mesmo que<br />

33


fosse difícil o homem poderia me indicar outra pessoa. Insisti e ele repetiu a afirmação: “é<br />

difícil”. Só então entendi que era sinônimo de “não existe”.<br />

A princípio, quando Seu Dola, Seu Zeca e Seu Chiquito me contaram sobre os anos<br />

como funcionários <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, na déca<strong>da</strong> de 70, imaginei que poderia encontrar<br />

documentos dessa época, como uma fotografia ou uma relação dos servidores. No Museu<br />

Histórico <strong>da</strong> <strong>UFV</strong>, fiquei surpreso com a pequena quanti<strong>da</strong>de de documentos existentes e a<br />

precária organização. As fotos ficam dentro de envelopes, em estantes. Esses envelopes<br />

apresentam identificações como “Animais”, “Laboratórios”, “Eventos Culturais”, sem<br />

catalogação sistematiza<strong>da</strong> em déca<strong>da</strong>s ou outros indicadores (pelo menos foi esse o material o<br />

qual tive acesso). Resultado: não encontrei na<strong>da</strong>. Procurei o Arquivo Central e Histórico, onde<br />

vi inúmeras caixas amontoa<strong>da</strong>s e fui informado de que ain<strong>da</strong> estavam sendo organizados os<br />

arquivos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30! Além <strong>da</strong> frustração por não encontrar qualquer material, essa<br />

situação deixou-me preocupado com o modo como a instituição valoriza sua própria memória.<br />

Consultei ain<strong>da</strong> livros sobre a história <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e percebi a grande quanti<strong>da</strong>de de<br />

<strong>da</strong>dos e de imagens referentes à criação <strong>da</strong> ESAV e à época na qual ca<strong>da</strong> obra havia sido<br />

publica<strong>da</strong>. As déca<strong>da</strong>s de 40 e 80 geralmente eram sucintas e nenhum livro por mim<br />

pesquisado citava, por exemplo, mesmo que em poucas palavras, a criação do lago no qual<br />

Seu Chiquito trabalhou.<br />

Contudo, consegui apurar outras informações históricas contatando fontes e<br />

pesquisando em livros, jornais, sites. Tais informações foram importantes para a composição<br />

do livro, pois me auxiliaram no aprofun<strong>da</strong>mento de alguns detalhes. Reforço que a pesquisa<br />

dependeu basicamente <strong>da</strong> memória dos entrevistados. Dessa forma, não me detive à<br />

preocupação de citar tudo como exatamente aconteceu no passado, como é o caso de falas e<br />

de diálogos, e em muitos momentos não me preocupei em colocar informações tão precisas,<br />

como <strong>da</strong>tas e i<strong>da</strong>des. Tive, porém, cui<strong>da</strong>do com ca<strong>da</strong> palavra utiliza<strong>da</strong> e não criei nenhum<br />

trecho para melhorar a estética, a imagem de alguma fonte ou por qualquer outro motivo.<br />

Quando vi o livro pronto, confesso ter ficado emocionado. Após meses de trabalho, ele<br />

estava em minhas mãos, concretizado. Consegui visualizar aquilo que já pensava: a<br />

possibili<strong>da</strong>de de produzir, por meio do livro-reportagem, um jornalismo humano, sensível,<br />

demonstrando que o autor está ali, presente, apontando suas marcas e registrando memórias.<br />

Espero sinceramente retribuir o carinho dos Guardiões <strong>da</strong> Memória e atingir a expectativa de<br />

todos que possibilitaram a sua existência. Também espero contribuir com a valorização desses<br />

senhores e a perpetuação <strong>da</strong> memória nas comuni<strong>da</strong>des de Cachoeira de Santa Cruz, Paula<br />

34


Cândido, Ponte Nova e São José do Triunfo. Para que tradição e contemporanei<strong>da</strong>de não<br />

sejam paradoxos, mas convivam e se inter-relacionem.<br />

O desenvolvimento do projeto foi prazeroso, mas nem sempre fácil. Com apoio <strong>da</strong><br />

professora orientadora e <strong>da</strong> equipe do Gengibre, consegui contornar os problemas e as<br />

adversi<strong>da</strong>des. Como na vez em que corri para pegar o ônibus. Não desisti e cheguei onde<br />

pretendia.<br />

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