COMUNICAR, VERBO INTRANSITIVO Ensaio para uma ... - UFRJ
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A terceira experiência fundamental derivada da experiência estética foi apontada por<br />
Jauß como katharsis, a partir do pensamento do sofista grego Górgias. Para ele, a catarse<br />
(cujo termo divide um tronco comum com a palavra ‘cura’) seria a “pre<strong>para</strong>ção” do ouvinte<br />
de um discurso e a transposição do seu esforço apaixonado <strong>para</strong> <strong>uma</strong> convicção. Tal<br />
concepção diverge um pouco da posterior teorização aristotélica da catarse, identificada<br />
como intenso alívio pela liberação das necessidades de julgamento a partir de <strong>uma</strong> descarga<br />
emotiva. O prazer estético, portanto, estaria ligado à elaboração afetiva do discurso.<br />
Ambivalência da sedução estética: a arte do discurso pode de tal maneira figurar o<br />
inacreditável e o desconhecido ante os olhos do crente que nele chega a implantar <strong>uma</strong><br />
outra convicção (JAUSS, 1979). A experiência estética, portanto, assume aqui <strong>uma</strong> função<br />
social e mediadora: dimensão comunicativa da experiência estética, muito próxima às<br />
investigações das fissuras estéticas da retórica midiática, proposta por Parret.<br />
Mas como diferenciar o prazer estético do mero prazer sensual? Como nos aponta<br />
Shusterman (1998, p.45), a condenação do prazer como um sentimento pequeno-burguês e<br />
a se<strong>para</strong>ção histórica entre a arte e a vida “resultou no empobrecimento da experiência<br />
estética: desligada dos apetites e energias corporais, seu prazer é definido em contraste com<br />
as satisfações sensoriais da vida”. Contudo, mesmo a forma de arte mais cerebral não pode<br />
Ϝ<br />
ser destituída do prazer – nem que seja o do reconhecimento e entendimento do mais<br />
complexo arranjo de significados.<br />
Mas não é apenas o prazer que caracteriza ou mesmo particulariza a experiência<br />
estética. Pode-se ainda apontar ao menos outros três fatores que a diferenciam da mera<br />
sensação. Antes de tudo, ela é <strong>uma</strong> forma cognitiva e social, <strong>uma</strong> outra forma de<br />
conhecimento que não é transmitida discursivamente a partir de conceitos. Além disso,<br />
como já apontou Kant em sua Crítica à Faculdade do Juízo (1995), o prazer estético<br />
exigiria um momento adicional – um distanciamento estético – no qual o objeto não está<br />
mais presente aos sentidos e mesmo assim reverbera em nós. Por último, o prazer estético é<br />
um prazer de si, mas provocado necessariamente por outro, por algo completamente<br />
diferente e exterior a nós: <strong>uma</strong> capacidade de sairmos de si 19 .<br />
Portanto, a experiência estética se justifica a partir de sua satisfação intensa e<br />
imediata (SHUSTERMAN, 1998, p.37), mesmo que seja inexprimível. Mas sua intensidade<br />
não implica isolamento: como explica Dewey (2005), ela é dependente de outras<br />
percepções, orientações e significações. Ela se situa ao nível do encontro: algo que interage<br />
19 Essa última apreendida neste trabalho como o grande potencial comunicativo da experiência estética e que<br />
será alvo de investigações no próximo capítulo.