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O seguro e o contrato eletrônico - BuscaLegis

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O <strong>seguro</strong> e o <strong>contrato</strong> eletrônico<br />

José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto*<br />

CONSULTA<br />

José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto<br />

O ilustre advogado Ricardo Bechara Santos, na qualidade de Presidente da Comissão<br />

Jurídica Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização –<br />

FENASEG, nos honrou formulando consulta que pode ser resumida nos seguintes termos:<br />

1. “Assunto de máxima importância e extrema atualidade para o mercado segurador é<br />

o estudo das repercussões jurídicas dos atos praticados e transmitidos via Internet, haja<br />

vista a utilização cada dia mais freqüente desse meio de comunicação por parte das<br />

sociedades de <strong>seguro</strong>, de capitalização e de previdência privada complementar aberta.<br />

2. Dentro desse contexto é que se insere a presente consulta, voltada para a validade e<br />

eficácia de determinados atos que configurem manifestações de vontade tendentes a gerar<br />

obrigações, marcar o termo inicial ou final de determinado prazo, caracterizar notificação<br />

válida entre outros. Cabe, desde logo, assinalar, que salvo engano, no estágio atual há<br />

dificuldade, talvez insuperável, de imaginar atos praticados via Internet, de forma<br />

massificada, da seguradora (ou equivalente) para os consumidores. É que somente parte dos<br />

consumidores dispõe de Internet e parece que o ônus da prova, por recair quase sempre<br />

sobre a fornecedora do serviço, está a recomendar que esta permaneça utilizando os meios<br />

tradicionais de comunicação e autenticação, até maior evolução do assunto. Este ponto,<br />

porém, acha-se igualmente “sub censura”, merecendo ser também analisado no âmbito da<br />

presente consulta.”<br />

3. Por fim, acrescenta o ilustre consulente a necessidade de que a questão referente a<br />

contratação de <strong>seguro</strong>s via Internet seja analisada à luz do (i) novo Código Civil, (ii) do<br />

Código de Defesa do Consumidor, (iii) da Lei 9.613/98 e Circular SUSEP 187/02 (no que<br />

tange a cadastro, registro e guarda de documentos); de projetos de lei em curso acerca da<br />

matéria e, ainda, se seria mais vulnerável a adulteração/falsificação das denominadas<br />

“assinatura eletrônicas”.


PARECER<br />

4. Assistimos na virada do século XX e início do século XXI acontecimentos que,<br />

quando visualizados de forma integrada, deixam a entrever que a sociedade em que<br />

vivemos está passando por sérias e profundas mudanças.<br />

5. Com efeito, eventos como (i) o fim da guerra fria, (ii) a re-divisão do globo em<br />

novos blocos econômicos, (iii) o desenvolvimento de novas e dinâmicas economias de<br />

escala e, por fim, (iv) o desenvolvimento das telecomunicações, culminando com o<br />

surgimento e a popularização da rede mundial de computadores Internet, são presságios<br />

incontestes de que uma nova sociedade – mundial e não mais nacional – está prestes a<br />

surgir.<br />

6. Nesse contexto, como é de amplo conhecimento, a informática e, mais<br />

especificamente a Internet, se constituem em elementos há muito integrados, de forma<br />

definitiva e indissociável, do cotidiano de todo e qualquer cidadão, seja quando da<br />

realização de operações bancárias, seja para realização de reservas em hotéis ou de<br />

passagens e etc.<br />

7. Dados divulgados pela Federação Brasileira das Associações de Bancos –<br />

FEBRABAN, revelam que “... a utilização intensiva dos modernos recursos da Tecnologia<br />

da Informação permitiu a automatização integral de 72,6% das transações bancárias. O<br />

auto-atendimento amplia as opções, as facilidades e a autonomia do cliente. Ambientes<br />

mais amigáveis e maior segurança conquistam rapidamente a confiança dos usuários ”,<br />

valendo acrescentar que somente no ano de 2001 foram realizadas 19.791.301.568<br />

movimentações financeiras com auxílio de algum mecanismo tecnológico, o que significou<br />

um crescimento de 20,59% em se comparando com o ano 2000.<br />

8. De outra mão, dados recentes divulgados pelo IBOPE e-Ratings.com informam que<br />

“em julho de 2002, o Brasil registrou crescimento de 2,9% no número de internautas ativos,<br />

atingindo 7,8 milhões de pessoas. O número de cidadãos com acesso à internet em<br />

residências continuou em 14 milhões. O internauta brasileiro navegou 10 horas e 22<br />

minutos em julho de 2002, 36 minutos mais que no mês anterior.”<br />

9. Portanto, como bem enfatizado pelo ilustre Consulente, dada a necessidade de se<br />

aplicar maior dinâmica na comercialização de <strong>seguro</strong>s em escala, é evidente que a Internet<br />

será o próximo canal a ser largamente utilizado para tais fins, restando esclarecer, no<br />

entanto, como nosso Ordenamento Jurídico irá assimilar tal mudança.<br />

10. Isso porque, como de costume, temos o fato social se situando à frente do Direito<br />

e, no caso da presente consulta, temos o “fato tecnológico”, que conceituamos como uma<br />

espécie do gênero fato social, posicionado há “anos luz” do nosso Ordenamento Jurídico.<br />

11. E o Direito, obviamente, não pode ficar alheio a tal realidade, na sempre atual<br />

lição de Rudolf Von Jhering: “os antigos juristas romanos, longe de se aterem à letra dos


textos, porfiavam em lhes adaptar o sentido às necessidades da vida e às exigências da<br />

época”.<br />

12. De início, cumpre esclarecer que o simples fato de um <strong>contrato</strong> ser realizado<br />

através de meio eletrônico não é motivo suficiente para que a sua validade seja questionada,<br />

face às regras e limitações insculpidas nos art. 129 c/c 82 do Código Civil Brasileiro(cf.<br />

nosso artigo sobre o tema redigido em 1999 ).<br />

13. Ora, se o <strong>contrato</strong> verbal é admitido como válido desde 1916, não se concebe o<br />

motivo pelo qual o “<strong>contrato</strong> eletrônico”, pelo simples fato de possuir um suporte eletrônico<br />

e não cartáceo, não iria gozar de igual status.<br />

14. Com efeito, sentencia MARIA HELENA DINIZ em edição recente do seu já<br />

clássico tratado sobre <strong>contrato</strong>s que: “não vislumbramos em nosso Código Civil qualquer<br />

vedação legal à formação do <strong>contrato</strong> via eletrônica, salvo nas hipóteses legais em que se<br />

requer forma solene para validade e eficácia negocial”<br />

15. Averbe-se que o meio eletrônico vem sendo utilizado, inclusive, para efeito de<br />

emissão de títulos de crédito, como nos informa FÁBIO ULHOA COELHO em artigo<br />

precursor publicado no ano de 1996, in verbis:<br />

“Não é novidade para ninguém, neste final de século, que o meio magnético vem<br />

substituindo paulatina e decisivamente o meio papel, como suporte de informações. O<br />

registro da concessão, cobrança e cumprimento do crédito comercial não fica, por evidente,<br />

à margem desse processo. Quer dizer, os empresários, ao venderem seus produtos ou<br />

serviços a prazo, cada vez mais não têm se valido do documento escrito para registro da<br />

operação. Procedem, na verdade, à apropriação das informações acerca do crédito<br />

concedido exclusivamente em meio magnético, e apenas por este meio as mesmas<br />

informações são transmitidas ao banco para fins de desconto, caução de empréstimos ou<br />

controle e cobrança do cumprimento da obrigação pelo devedor. Apenas uma pequena<br />

margem de empresários ainda se vale do cheque pós-datado, da duplicata efetivamente<br />

emitida ou da nota promissória como meio de documentação da operação creditícia.<br />

Quando a obrigação registrada em meio magnético é cumprida satisfatoriamente, em<br />

seu vencimento, ela não chega jamais a ser materializada num documento escrito. Não se<br />

emite o título de crédito (a duplicata mercantil ou de prestação de serviços), mas uma<br />

simples guia de compensação bancária para instrumentalizar a quitação. A emissão do<br />

título apenas se verificará na hipótese de descumprimento do dever pelo adquirente das<br />

mercadorias ou serviços, quando então o registro em meio magnético é insuficiente para<br />

fins de protesto - exceto se feito por indicações - e subseqüente execução judicial.”(grifos<br />

nossos)<br />

16. Portanto, é extreme de dúvidas que o <strong>contrato</strong> eletrônico é uma realidade social e<br />

o nosso Ordenamento Jurídico e a Doutrina não podem, obviamente, passar ao largo de tal<br />

análise, mesmo porque não existem lacunas no bojo daquele.<br />

17. Em vista de tal necessidade, o “<strong>contrato</strong> eletrônico” foi conceituado de forma<br />

pioneira pelo preclaro Desembargador SEMY GLANZ como sendo “o <strong>contrato</strong> celebrado


por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas. Dispensam<br />

assinatura e exigem assinatura codificada ou senha. A segurança de tais <strong>contrato</strong>s vem<br />

sendo desenvolvida por processo de codificação secreta, chamada de criptologia”<br />

18. As ofertas realizadas através de home page, v.g., no entendimento de MARIA<br />

HELENA DINIZ , devem ser disciplinadas pelas regras insculpidas nos arts. 427 e 428 do<br />

Código Civil Brasileiro e, “uma vez demonstrada a proposta e a aceitação, por exemplo,<br />

pela remessa do número do cartão de crédito ao policitante, o negócio virtual terá<br />

existência, validade e eficácia”<br />

19. Ora, tendo em vista que não se questiona, em regra, a possibilidade de se realizar<br />

validamente contratações através do meio eletrônico e, conseqüentemente, via Internet,<br />

importa agora perquirir acerca da eficácia probatória desses <strong>contrato</strong>s em juízo.<br />

20. Nesse pormenor, como será mais bem esclarecido adiante entendemos que,<br />

mesmo antes da edição da Medida Provisória 2.200/01, não existia qualquer óbice para<br />

admissão em juízo da “prova eletrônica”, com supedâneo nas regras consignadas nos<br />

artigos 131 c/c 332 do Código de Processo Civil Brasileiro, pelo que o e-mail, v.g., também<br />

pode ser utilizado como prova em juízo.<br />

21. Nesse sentido é também o entendimento firmado há tempos por JOSÉ ROBERTO<br />

CRUZ E TUCCI , com espeque em nosso direito positivo, in verbis:<br />

"Em nosso país conquanto ainda inexistam regras jurídicas a respeito desse<br />

importante tema, permitindo-se apenas na órbita das legislações fiscal e mercantil o<br />

emprego do suporte eletrônico, não se vislumbra óbice à admissibilidade desse como meio<br />

de prova. Com efeito, o art. 332 do CPC preceitua que são hábeis para provar a verdade dos<br />

fatos, ainda que não nominados, todos os meios legais e moralmente legítimos.<br />

Assim, a admissibilidade e aproveitamento de meios de prova atípicos deflui,<br />

também, do princípio da livre apreciação dos elementos de convicção: Justamente a<br />

admissão destas provas realça o critério mais <strong>seguro</strong> para saber se um sistema processual<br />

trilha o princípio da livre apreciação judicial da prova"<br />

22. Em que pese restar concluído que os <strong>contrato</strong>s em geral podem ser realizados, em<br />

regra, via Internet, de forma válida e eficaz, inclusive sob o prisma probatório, resta<br />

verificar se tal entendimento também pode ser aplicado aos <strong>contrato</strong>s de <strong>seguro</strong>s realizados<br />

via Internet – verificação esta que nos levará, obrigatoriamente, a ressuscitar a discussão<br />

acerca da natureza jurídica do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong>, bem como os demais procedimentos<br />

inerentes a sua formação, vejamos.<br />

23. A regra especial de contratação de <strong>seguro</strong>s, insculpida no Decreto-lei 73/66,<br />

dispõe o seguinte:<br />

“Art. 9 – Os <strong>seguro</strong>s serão contratados mediante propostas assinadas pelo Segurado,<br />

seu representante legal ou por corretor habilitado...” (grifo nosso)


24. Por sua vez, a Circular SUSEP no. 47/80 é peremptória ao consignar que:<br />

“Art. 1º - A contratação de qualquer <strong>seguro</strong> só poderá ser feita mediante proposta<br />

assinada pelo interessado, seu representante legal ou por corretor registrado, exceto quando<br />

através de bilhete de <strong>seguro</strong>.” (grifo nosso)<br />

que:<br />

25. De outra mão, o nosso atual Código Civil ao regular o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> dispõe<br />

“Art. 1433 – Este <strong>contrato</strong> não obriga as partes antes de reduzido a escrito, e<br />

considera-se perfeito desde que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros<br />

lançamento usual da operação.” (grifo nosso)<br />

26. Valendo consignar, ainda, que o art. 130 do mesmo diploma legal é escorreito ao<br />

consignar que:<br />

“Art. 130 – Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em<br />

lei (art 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma<br />

exigida.”<br />

27. Depreende-se, portanto, através da interpretação literal da lei, que foi eleita a<br />

forma escrita como requisito extrínseco para a implementação e aperfeiçoamento válido e<br />

eficaz do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong>.<br />

28. Entretanto, como lembra o nobre Des. LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES ,<br />

com apoio em farta doutrina, a forma do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> é por vezes considerada como<br />

solene, enquanto que, para outros, apenas ad probationem tantum – para estes últimos o<br />

<strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> seria meramente consensual.<br />

29. No entendimento do saudoso mestre ORLANDO GOMES , ao qual nos filiamos,<br />

o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> não se inclui entre os <strong>contrato</strong>s solenes, uma vez que “embora a lei<br />

esteja redigida em termos que fazem presumir a vinculação de sua eficácia à forma escrita,<br />

em verdade esta não é da substância do <strong>contrato</strong>, senão com forma ad probationem tantum.”<br />

Trata-se, portanto, de um <strong>contrato</strong> consensual.<br />

30. Afora ORLANDO GOMES, comungam desse entendimento os mestres CAIO<br />

MÁRIO DA SILVA PEREIRA , SERPA LOPES ,WASHINGTON DE BARROS<br />

MONTEIRO , CARVALHO SANTOS e PONTES DE MIRANDA .<br />

31. Em sentido contrário, em prol do entendimento de que o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> é um<br />

<strong>contrato</strong> solene ou formal, MARIA HELENA DINIZ , SILVIO RODRIGUES , FRAN<br />

MARTINS , ANTÔNIO CARLOS OTONI SOARES , sustentando este último sua posição<br />

nos seguintes termos:<br />

“De acordo com os princípios do direito Civil brasileiro, o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> é<br />

formal: a lei exige ‘forma especial’ para a validade das declarações de vontade, relativas a


esse tipo de <strong>contrato</strong>. A forma para o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> não é livre, tal como acontece com<br />

o <strong>contrato</strong> de locação, parceria e comodato. A forma para a validade do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong><br />

é a escritura particular, representada: 1. pela Apólice; 2. pelo lançamento da operação nos<br />

livros da seguradora, presunção jure et de jure de uma proposta aceita; 3. pela minuta<br />

assinada, nos <strong>contrato</strong>s de Seguro Marítimo. A formalidade do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> inicia-se<br />

a partir da proposta do interessado, datada e assinada por ele, ou seu representante legal.<br />

Com efeito, ‘a manifestação da vontade, nos <strong>contrato</strong>s, pode ser tácita, quando a lei não<br />

exigir que seja expressa’, art. 1079 do Código Civil. Nos <strong>contrato</strong>s de <strong>seguro</strong>, pela própria<br />

complexidade do negócio, não tem sentido falar-se em manifestação tácita da vontade; a lei<br />

exige que seja expressa. É dentro do gênero, forma expressa, a lei exige para o <strong>seguro</strong> a<br />

forma escrita (uma das espécies da forma expressa). Pouco importa que a proposta, com o<br />

conjunto das declarações do segurado, já venha impressa da companhia seguradora. Esse<br />

fato não desnatura o caráter de manifestação expressa e escrita da manifestação da vontade<br />

do proponente que é endereçada à seguradora. Afirma-se que a forma escrita não é da<br />

substância do ato (ad substanciam) mas somente em função da prova (ad probationem)<br />

constitui autêntico sofisma ou filigrana jurídica, que perturba o entendimento, desviando a<br />

mente do caminho certo: validade do <strong>contrato</strong> em função do Juízo, para cuja prova a lei<br />

prescreve determinada forma. E como a forma dá substância ao ato, forma dat esse rei,<br />

clássico princípio da filosofia antiga, segue-se que a exigência da forma escrita para a prova<br />

da existência jurídica do <strong>contrato</strong> se confunde com a sua própria substância. De que adiante<br />

o consenso das partes (potência), ainda que sejam ‘negociante de honra’, sem a escritura<br />

(ato), forma de exteriorização no mundo jurídico?”<br />

32. Assim sendo, para aqueles que entendem que o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> é um <strong>contrato</strong><br />

solene ou formal, onde a forma escrita é da substância do ato, temos que a forma eletrônica,<br />

a rigor, não poderia ser aplicada, sob pena de possível nulidade.<br />

33. Possível nulidade porque, mesmo para aqueles que defendem a forma escrita com<br />

sendo da substância do ato, em uma interpretação evolutiva da lei, poder-se-ia sustentar,<br />

ainda, que o meio eletrônico também é uma “forma escrita”, só que em um suporte<br />

diferente do cartáceo (mídia eletrônica ou digital).<br />

34. Em abono a tal tese, sustenta CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM que o<br />

Código de Processo Civil, na seção destinada a regular a prova documental, abarca,<br />

também, os documentos eletrônicos, desde que o critério de interpretação não seja o literal.<br />

35. Com efeito, recorda SANTOLIM que as disposições contidas nos artigos 368 e<br />

388 do Código de Processo Civil, v.g., (Art. 368 - As declarações constantes do documento<br />

particular escrito e assinado ou somente assinado. Art. 388 - Cessa a fé do documento<br />

particular quando: I - omissis; II - assinado em branco) “se vistas a partir de uma<br />

interpretação literal e restritiva, parecem impor o suporte cartáceo como sendo o único<br />

admissível para a caracterização do que se aceita como documento.”<br />

36. Continua o mestre: “não pode ser assim. Não há qualquer razão que imponha tal<br />

raciocínio hermenêutico. E, pelo contrário, usando-se a interpretação sistemática<br />

(contrastando expressões com o que diz o art. 383 - qualquer reprodução mecânica, como a<br />

fotográfica, cinematográfica, fonográfica, faz prova dos fatos representados, se aquele


contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade) ou a histórica (que irá adequar a<br />

redação dos Dispositivos do CPC à época da sua realização) chega-se a resultado oposto,<br />

aceitando-se que o produto de uma relação informatizada seja tido como documento, ainda<br />

que, para tanto deve preencher certos requisitos”<br />

37. Para aqueles que, como nós, entendem que a forma escrita não é da substância do<br />

<strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong>, mas apenas forma ad probationem tantum, resta a constatação de que é<br />

viável a sua implementação válida e eficaz através do meio eletrônico, uma vez que, além<br />

do instrumento contratual em si, outros meios podem ser empregados para comprovar a sua<br />

existência – como o lançamento realizado nos livros da seguradora referido no art. 1433 do<br />

CC.<br />

38. De qualquer modo, vale consignar que o Colendo SUPREMO TRIBUNAL<br />

FEDERAL já se pronunciou em favor da corrente consensualista (RE 71845-CE), sendo<br />

oportuno lembrar, ainda, que o E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE<br />

JANEIRO, quando do julgamento Apelação Cível 3.842/86, não somente fixou que o<br />

<strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> não se inclui dentre os <strong>contrato</strong>s solenes (posto que é consensual), como,<br />

também, reconheceu a existência do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> firmado via contato telefônico, em<br />

julgamento do qual participaram os eminentes Desembargadores ASTROLGILDO DE<br />

FREITAS, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA e CLÁUDIO VIANNA DE LIMA, do<br />

qual destacamos a seguinte passagem:<br />

“... É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> não se inclui<br />

entre os <strong>contrato</strong>s solenes. “Embora a lei esteja redigida em termos que fazem presumir a<br />

vinculação de sua eficácia à forma escrita, em verdade esta não é da substância do <strong>contrato</strong>,<br />

senão como forma ad probationem tantum (Orlando Gomes, Contratos, no. 341, 6ª ed.), o<br />

que significa dizer que a existência do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> pode se demonstrada por<br />

qualquer outro meio de prova, como sejam recibos do prêmio pago, correspondência<br />

epistolar ou telegráfica e, ainda, pelos lançamento que o segurador faz em seus livros da<br />

operação...”<br />

39. O Novo Código Civil, como recorda JONES FIGUEIRÊDO ALVES , parece ter<br />

divido o disposto no art. 1433 do Código Civil de 1916 (que dispunha acerca da forma<br />

escrita) em dois dispositivos distintos, quais sejam, os arts. 758 e 759, in verbis:<br />

“Art. 758 O <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do<br />

<strong>seguro</strong> e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”<br />

Art. 759 A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a<br />

declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.”<br />

40. Acerca do art. 758 supra, comenta JONES ALVES que a “apólice, reconhecida<br />

pelos doutrinadores com o documento que manifesta o contato de <strong>seguro</strong>, não é o único<br />

instrumento hábil para atestar a efetiva realização do negócio e, por conseguinte, não mais<br />

depende de o segurador remetê-la ao segurado, como dispunha o art. 1433 do CC de 1916”.<br />

Pelo que parece-nos que o novo código adotou, com maior vigor, a corrente consensualista<br />

supracitada.


41. Todavia, em que pese a redação dada ao art. 758 supra, bem como os<br />

entendimentos firmados pela doutrina e jurisprudência, extrai-se da leitura do artigo<br />

seguinte desse mesmo diploma legal, art. 759, que o legislador pátrio ainda não conseguiu<br />

“sepultar”, totalmente, a discussão da matéria.<br />

42. Averbe-se, sob outro prisma, que a Superintendência de Seguros Privados –<br />

SUSEP, já se pronunciou sobre a questão através do Enunciado no. 19, contido da Instrução<br />

SUSEP no. 19, de 19 de fevereiro de 1999, no sentido de que “é legítima a contratação de<br />

<strong>seguro</strong>s via “internet”.<br />

43. Portanto, no esteio do acima consignado, somos da opinião que o <strong>contrato</strong> de<br />

<strong>seguro</strong> pode, sim, ser firmado validamente via Internet. Entretanto, faz-se mister enfatizar<br />

que os demais procedimentos formais, acessórios ao exaurimento de tal contratação, devem<br />

continuar a ser realizados através dos meios tradicionais, face a inexistência de<br />

regulamentação específica acerca da utilização do meio eletrônico para tais fins.<br />

44. Explicando melhor: a ocorrência do acordo de vontades e a conseqüente formação<br />

do <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong>, pode ser realizada via Internet. No entanto, os demais procedimentos<br />

formais, acessórios ao exaurimento de tal contratação como, v.g., o posterior envio da<br />

proposta escrita e assinada, devem continuar sendo realizados na forma tradicional,<br />

conforme regulado pela SUSEP.<br />

45. Em prol desse entendimento, note-se que a SUSEP, ao regular a guarda de<br />

documentos e armazenamento de dados no art. 9º da Circular SUSEP no. 74, de 25 de<br />

Janeiro de 1999 fixou que:<br />

“Art. 9º As Sociedades Seguradoras, as Entidades Abertas e de Previdência Privada,<br />

as Sociedades de Capitalização e as Corretoras de Seguros, Previdência Privada Aberta e<br />

Capitalização deverão manter em seu arquivos, pelos prazos definidos nesta Circular, os<br />

originais ou cópias microfilmadas dos documentos relativos aos <strong>contrato</strong>s firmados em<br />

decorrência de suas operações.<br />

Parágrafo único: Sem prejuízo do arquivamento dos documentos originais ou<br />

microfilmados estabelecido no caput, fica facultada, para efeito de fiscalização no âmbito<br />

da SUSEP, a adoção de procedimento de armazenamento dos documentos mencionados em<br />

qualquer meio de gravação eletrônica ou magnética, em sistema ou equipamento de<br />

telecomunicações ou outro sistema similar, desde que tais arquivos possam se acessados<br />

prontamente pela Fiscalização, que, quando entender necessário, conferirá prazo para a<br />

apresentação dos originais.” (grifos nossos).<br />

46. Depreende-se, assim, que a norma transcrita acima é de uma clareza meridiana ao<br />

determinar que os documentos inerentes ao <strong>seguro</strong> sejam armazenados sob forma de<br />

original ou microfilmado.


47. A utilização do microfilme se justifica na medida em que a Lei 5.433, de 8 de<br />

maio de 1968, é expressa ao autorizar a substituição dos originais por cópias<br />

microfilmadas, cujo o valor probante será igual ao do original, em juízo ou fora dele .<br />

48. Todavia, não existe norma semelhante em prol documentos arquivados em mídia<br />

eletrônica ou digital, motivo pelo que a SUSEP faculta aos interessados o arquivamento de<br />

documentos nesse suporte (i) para fins de fiscalização da própria SUSEP e (ii) sem prejuízo<br />

de que os originais sejam, também, guardados – mas não, obviamente, para prova em juízo.<br />

49. Importa dizer: a SUSEP não admite, expressamente, que os documentos inerentes<br />

a uma contratação de <strong>seguro</strong>s existam, tão somente, em mídia eletrônica, sendo necessário,<br />

em qualquer caso, a existência concomitante do original (certamente em papel) ou da cópia<br />

deste em versão microfilmada, para efeito da Lei 5.433, de 8 de maio de 1968.<br />

50. Por via de conseqüência, é de força observar que este órgão não regulou e<br />

tampouco está de acordo com a realização dos demais procedimentos formais e acessórios<br />

ao <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> tão somente em meio eletrônico.<br />

51. Note-se que na Circular SUSEP no. 197, de 2 de agosto de 2002, ao regular o<br />

envio de informação diversa através do meio eletrônico, não abarcou, como era de se<br />

esperar, o recebimento por meio eletrônico dos documentos mencionados pela Circular<br />

SUSEP no. 74, de 25 de Janeiro de 1999.<br />

52. Acrescente-se, ainda, que a Circular SUSEP no. 74, de 25 de Janeiro de 1999, é<br />

imperativa ao consignar que os originais devem ser guardados por período por ela definido<br />

que, em alguns casos, chega a 20 anos. Entretanto, em se tratando de documento eletrônico,<br />

pergunta-se: uma vez que todas as “cópias” são, ipisis literis, idênticas, como é possível<br />

saber qual é a “original”? É possível sustentar a existência de uma “cópia original<br />

eletrônica”?<br />

53. Logo é possível perceber a extrema dificuldade que encerra a utilização direta do<br />

documento eletrônico sem uma norma anterior, disciplinando a sua utilização.<br />

54. Ressalte-se, no entanto, que a inexistência de tal regulamentação não deve ser<br />

atribuída a SUSEP, mas sim ao panorama evolutivo em que se encontra a utilização do<br />

denominado “meio eletrônico” em todo o mundo.<br />

55. Com efeito, é alvo de discussão em todo o globo questões como (i) qual seria a<br />

melhor mídia para realizar esse tipo de arquivamento; (ii) quão durável seria a mídia<br />

escolhida – em se tratando de “CD”, fala-se, v.g., de uma duração de 5 a 20 anos; (iii) de<br />

quanto em quanto tempo seria necessário realizar uma “troca” de mídia, caso esta viesse a<br />

ficar obsoleta com rapidez; (iv) quais são os critérios de arquivamento desse tipo de<br />

documento, sabido que as formas tradicionais de arquivamento dificilmente poderiam ser<br />

aplicadas, dentre outras questões.<br />

56. Entre nós, vale trazer a baila exemplo da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que<br />

“dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências”,<br />

lei maior a regular o arquivamento de todo e quaisquer documentos - inclusive aqueles<br />

abarcados sob a esfera da SUSEP - e o seu Decreto Regulador, Decreto nº 4.073, de 3 de


Janeiro de 2002, onde se encontra menção expressa ao arquivamento dos “documentos<br />

eletrônicos”, in verbis:<br />

Lei 8.159/91<br />

“Art. 1º É dever do Poder Público a gestão documental e a de proteção especial a<br />

documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao<br />

desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.<br />

Art. 2º Consideram-se arquivos, para os fins desta lei, os conjuntos de documentos<br />

produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades<br />

privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa<br />

física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos.”<br />

***<br />

Decreto 4.073/02<br />

lei.”<br />

“Art. 29. Este Decreto aplica-se também aos documentos eletrônicos, nos termos da<br />

57. Em pese a existência de tal comando legal, o fato é que, até o presente momento,<br />

o arquivamento e o conseqüente manuseio desses “documentos eletrônicos”, por uma série<br />

de justificados motivos, não foi regulado.<br />

58. E a SUSEP, como qualquer outro órgão da Administração - relembrando o velho<br />

princípio da legalidade - só pode fazer o que está expressamente previsto em lei, ao passo<br />

que o particular pode fazer tudo que não é vedado em lei.<br />

59. Outro ponto que deve ser destacado é o fato de que, por enquanto e na prática,<br />

qualquer documento eletrônico será, em regra, uma prova indireta – e não direta como de<br />

costume – do seu conteúdo.<br />

60. Explicando melhor: tendo em vista que não existe normatização quanto à<br />

utilização do meio eletrônico como prova em Juízo, v.g., a simples juntada de reprodução<br />

impressa do arquivo eletrônico em um processo judicial poderia vir a ser contestada pela<br />

parte contrária, quando então haveria a necessidade de ser realizado procedimento pericial<br />

em vista da regra insculpida no art. 383 do Código de Processo Civil, in verbis:<br />

“Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica,<br />

fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele<br />

contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.<br />

Parágrafo único: Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará<br />

a realização de exame pericial.”(grifos nossos).


61. E, em se tratando de processo cível, o magistrado irá formar o seu convencimento<br />

com base no princípio da verdade formal - e não “verdade real”, aplicado ao processo penal<br />

– ou seja, aquele que melhor conseguir comprovar a verdade dos fatos que lastreiam o seu<br />

entendimento e, por conseguinte, a consistência do seu direito, terá, consequentemente,<br />

melhores condições de sagrar-se vitorioso em eventual demanda - pelo que vale a máxima<br />

romana: Quod non est in actis nonest in mundo - ”o que não está nos autos (do processo)<br />

não está no mundo”.<br />

62. Portanto, face a inexistência de regulamentação adequada, não é aconselhável, por<br />

hora, que os demais procedimentos formais e acessórios regulados pela SUSEP sejam<br />

realizados tão somente em meio eletrônico.<br />

63. A edição da Medida Provisória 2.200-2/01 veio a dar início a solução do<br />

problema, posto que (i) adotou, à exemplo de várias nações desenvolvidas, o sistema de<br />

certificação digital para garantir a integridade e autenticidade dos documentos eletrônicos,<br />

bem como (ii) criou uma presunção de autoria, à exemplo do art. 131 do atual Código Civil,<br />

para os documentos eletrônicos elaborados com o uso dos procedimento por ela erigidos,<br />

vejamos:<br />

Medida Provisória 2.200/01<br />

“Art. 1o Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil,<br />

para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma<br />

eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados<br />

digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.<br />

***<br />

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins<br />

legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.<br />

§ 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com<br />

a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se<br />

verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de<br />

janeiro de 1916 - Código Civil.<br />

§ 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de<br />

comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que<br />

utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como<br />

válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.”<br />

64. “Início” porque, os documentos referidos pela Circular SUSEP no. 74, de 25 de<br />

Janeiro de 1999, por enquanto, não podem existir somente em mídia eletrônica, sendo<br />

certo, ainda, que não foi regulado na esfera governamental o modus operandi a ser adotado


para fins do armazenamento dos documentos eletrônicos, o que impede, por via oblíqua, a<br />

sua utilização e manuseio com a segurança jurídica necessária e indispensável.<br />

65. De qualquer modo, é forçoso reconhecer que a o valor da certificação digital para<br />

a formação dos <strong>contrato</strong>s em geral – inclusive o de <strong>seguro</strong> - posto que confere maior certeza<br />

às declarações de vontade emanadas via Internet, como leciona o Ministro Ruy Rosado<br />

Aguiar em notícia divulgada pelo Superior Tribunal de Justiça, onde faz referência ao<br />

sistema de codificação adotado na certificação digital (criptografia), in verbis:<br />

“O consumidor deve ter conhecimento que existe um sistema moderno, já adotado em<br />

outros países, denominado criptografia. Só com ele é possível controlar a autenticidade e a<br />

veracidade de informações contidas nas cláusulas do documento eletrônico. Do contrário,<br />

haverá sempre a possibilidade do negócio ser desfeito, em função de impugnação da outra<br />

parte”, alerta o ministro, acrescentando que sem o sistema criptográfico, os comprovantes<br />

dos negócios realizados via Internet terão, em caso de litígio entre as partes, o mesmo peso<br />

jurídico de uma prova oral pois não serão provas documentais “.<br />

66. Vale acrescentar, ainda, que a utilização da certificação digital irá contribuir,<br />

sobremaneira, na segurança dos negócios em geral, posto afigura-se muito mais difícil e<br />

improvável a tentativa de se “falsificar” um documento eletrônico certificado digitalmente<br />

(uma vez que tal intento certamente iria demandar conhecimentos específicos,<br />

equipamentos caros e razoável tempo, sem que fosse possível garantir, no entanto, o<br />

sucesso de tal empreitada) do que um documento normal, cuja assinatura, v.g., poderia ser<br />

forjada com relativo êxito por pessoa habilidosa.<br />

67. Por outro lado, não pode passar desapercebido que a aplicação das regras do<br />

Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, da inversão do ônus da prova lá<br />

regulada, poderá vir a significar - por enquanto - um sério entrave na utilização dos<br />

documentos eletrônicos nas relações de consumo, haja vista a dificuldade de se realizar<br />

procedimentos periciais em meio eletrônico.<br />

68. Isso porque, afora a insegurança jurídica derivada da não existência de<br />

regulamentação específica referida alhures, faz mister ressaltar a grande dificuldade que<br />

encerra, na prática, a realização de qualquer tipo de prova em meio eletrônico, (i) seja<br />

porque o meio eletrônico é imaterial, onde os vestígios de qualquer ação são quase que<br />

imperceptíveis, (ii) seja porque são raríssimos (e caros) os peritos realmente habilitados a<br />

realização tal mister.<br />

69. O quadro acima afigura-se periclitante quando imaginamos a realização, em larga<br />

escala, de atos jurídicos realizados tão somente em meio eletrônico e, por conseguinte, a<br />

possibilidade de um número extraordinário desses atos virem a ser questionados,<br />

simultaneamente, v.g., nos juizados especiais cíveis, caracterizados pelos princípios da<br />

oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2o. da Lei<br />

9.099/95). O panorama seria, sem dúvida alguma, caótico.


70. É extreme de dúvidas, no entanto, a tendência de muitos procedimentos formais<br />

serem realizados, em um futuro próximo, por via eletrônica ou Internet (vg. Declaração do<br />

Imposto de Renda), de forma válida e plenamente eficaz.<br />

71. Nesse sentido, a título de exemplificação, o SUPERIOR TRIBUNAL DE<br />

JUSTIÇA criou recentemente um grupo especial destinado a discutir a utilização da<br />

Internet na prática de atos judiciais, ocasião em que os óbices legais à utilização desse novo<br />

meio foram desde logo apontados, como se depreende da leitura da seguinte notícia<br />

divulgada por aquele E. Tribunal:<br />

“Nós vamos precisar mudar os Códigos de Processo Civil e Penal”, antecipou o<br />

ministro Naves. “Mas isso é possível fazer facilmente a partir da alteração do sistema atual<br />

que determina a intimação publicada num órgão da imprensa. E isso pode ser feito.” O<br />

ministro Edson Vidigal disse que foi criado um grupo especial para tratar desse assunto. “A<br />

idéia é que após o término do julgamento e da proclamação do resultado, o relator já<br />

expedirá no plenário uma certidão de julgamento e na própria seção o funcionário digitará o<br />

texto, que seguirá para a página do Diário da Justiça online”, afirmou o ministro Vidigal.<br />

Para o vice-presidente do STJ, se essa agilização hoje é tecnicamente viável, ainda há<br />

impedimentos de natureza legal. E o objetivo do grupo de trabalho é eliminar todos os<br />

obstáculos ao sistema eletrônico do Judiciário. Vidigal lembrou que o Poder Executivo já<br />

possui uma legislação que trata especificamente da assinatura eletrônica. Ele receia<br />

questionamentos sobre a validade da assinatura, no caso de a decisão informada on-line ser<br />

efetivamente proclamada.<br />

“Claro que as decisões judiciais são assinadas pelo presidente da Turma, da Seção ou<br />

da Corte e também pelo relator. E as chamadas decisões monocráticas são assinadas pelo<br />

relator. Essa questão já está resolvida. Os óbices são os artigos dos Códigos. O que se vai<br />

fazer agora é rastrear na legislação processual civil e penal todos os óbices que induzem à<br />

publicação impressa, não para extingui-la, mas sim torná-la concomitante. Isso porque a<br />

partir da publicação online terá início a contagem dos prazos. Vai ser o prazo da hora. Isso<br />

vai dar um grande avanço contra a morosidade. Isso será adotado logo”, previu o ministro<br />

Edson Vidigal .” (grifos nossos)<br />

72. No que se refere aos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional,<br />

recomenda-se especial atenção aos desdobramentos do substitutivo aprovado em 26 de<br />

setembro de 2001 pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Informática da Câmara dos<br />

Deputados aos Projetos de Lei nos 4.906/01, 1483/99 e 1589/99, substitutivo esse que pode<br />

ser pesquisado sob o no 4.906/91, que “dispõe sobre o valor probante do documento<br />

eletrônico e da assinatura digital, regula a certificação digital, institui normas para as<br />

transações de comércio eletrônico e dá outras providências”.<br />

73. Este substitutivo, elaborado com base na lei modelo sobre comércio eletrônico<br />

(model law on eletronic commerce) da UNCITRAL (United Nations Commission on<br />

International Trade Law) é, sem dúvida alguma, o projeto de lei mais avançado e de maior<br />

importância para a regulamentação da matéria.


74. O substitutivo prevê, em seu artigo 3o que “não serão negados efeitos jurídicos,<br />

validade e eficácia ao documento eletrônico, pelo simples fato de apresenta-se em forma<br />

eletrônica”, deixando a entrever que serão eliminados quaisquer questionamentos baseados<br />

tão somente na forma eletrônica do documento.<br />

75. O artigo 8o., por sua vez, analisa a questão da falsidade do documento eletrônico<br />

ao dispor que “o juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento eletrônico<br />

...” em redação que, ao nosso ver, poderia ter sido suprimida em face da regra contida no<br />

art. 131 do Código de Processo Civil.<br />

76. Por oportuno, vale transcrever a crítica de ANA PAULA GAMBOGI<br />

CARVALHO ao Projeto de Lei 1.589/99 (que originou, em parte, o substitutivo<br />

supracitado), a nosso sentir, plenamente aplicável ao substitutivo em comento:<br />

“Há que se apontar, ainda, que embora o projeto reconheça o valor de prova do<br />

documento eletrônico, ele não contém normas que disciplinem a situação jurídica do<br />

documento assinado eletronicamente em relação aos requisitos formais do Código Civil, o<br />

que por si só já o torna falho e merecedor de reparos. Em todos os caso, por exemplo, em<br />

que a forma especial é legalmente exigida como elemento constitutivo do ato jurídico (ad<br />

substantiam), continuará nulo o <strong>contrato</strong> eletrônico celebrado mediante o uso da assinatura<br />

digital. Especialmente não há previsão que permita, em certos casos, a substituição da<br />

assinatura manuscrita pela digital.”<br />

77. Portanto, parece-nos que a utilização plena e segura do meio eletrônico, depende,<br />

na prática, de uma melhor e mais precisa regulamentação da matéria.<br />

78. Em face de tudo o que foi exposto, somos da opinião que o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong><br />

pode, sim, ser realizado validamente via Internet – com o conseqüente surgimento dos<br />

direitos e obrigações a ele inerentes, inclusive aqueles inerentes à esfera de titularidade do<br />

segurado. No entanto, os demais procedimentos formais, acessórios e necessários ao<br />

exaurimento, frise-se, regular dessa contratação, como, v.g., o posterior envio da proposta<br />

escrita e assinada, devem continuar sendo realizados na forma tradicional, conforme<br />

regulado pela SUSEP, até ulterior mudança legislativa.<br />

79. Vale esclarecer: eventual não observância desses procedimentos acessórios não<br />

teria o condão, a nosso sentir, de inquinar de nulidade o <strong>contrato</strong> de <strong>seguro</strong> firmado via<br />

Internet e muito menos de obstar a ação que venha a demandar o seu cumprimento (cf.<br />

precedente judicial referido no item 38 acima), entretanto, tal atitude, ressalte-se, irregular,<br />

certamente dará ensejo a punição administrativa aplicada pela entidade ou órgão<br />

competente.<br />

É o nosso parecer, s.m.j.<br />

O Autor é Advogado, Professor Conferencista da Escola de Magistratura do Estado<br />

do Rio de Janeiro- EMERJ, do Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito –


CEPAD, do Curso de “L.L.M em Direito Empresarial” do IBMEC/RJ, Coordenador da<br />

Comissão de Software e Informática da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual,<br />

Membro da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Arquivo Nacional e do<br />

Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB e sócio do Escritório de Advocacia Gouvêa<br />

Vieira.<br />

Dados obtidos no site da FEBRABAN no endereço eletrônico<br />

http://www.febraban.com.br/automacao.asp.<br />

Dados obtidos no site da FEBRABAN no endereço eletrônico<br />

http://www.febraban.com.br/automacao.asp, tendo como fonte primária pesquisa elaborada<br />

por CNAB/Ilay.<br />

Dados obtidos no site da Ibope e-Ratings.com no endereço eletrônico<br />

http://www.ibope.com.br/eratings/ogrupo/empresa/eratings/index.htm<br />

Art. 129 - A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial,<br />

senão quando a lei expressamente a exigir (art. 82).<br />

Art. 82 A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e<br />

forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).<br />

Conferir “O documento Eletrônico e a Eficácia Probatória das Relações Comerciais<br />

Via Rede de Computadores”, in Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Ano 3/<br />

no. 7, 2º semestre, 1999, pág. 41.<br />

Diniz, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Ed. Saraiva., 5º<br />

volume, 2002, pág. 656.<br />

O Desenvolvimento da Informática e o Desatualizado Direito Cambiário. Saraivabis,<br />

maio de 1996.<br />

Semy Glans, Internet e <strong>contrato</strong> eletrônico, RT, 757:72;<br />

Ob. Cit., pág. 656.<br />

Valor Probante do Suporte Informático. AJURIS/100.<br />

Cf. WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba, trad. esp. Tomás Banzhaf,<br />

Bogotá, Temis, 1985, p. 335, com arrimo em CAPPELLETTI; TARUFFO, Michele. Prove<br />

Atipiche e Convincimrnto del Giudice, RDP, 1973, p. 389 e seg. V., ainda sobre o assunto<br />

FLORES LENZ, Luiz Alberto Thompson. Os Meios Moralmente Legítimos de Prova.<br />

AJURIS, 39/84 e segs.<br />

GOMES, Luiz Roldão de Freiras. Contrato. Ed. Renovar. 1ª edição, 1999, pág. 314<br />

GOMES, Orlando. Contratos, Ed.Forense, 1996,pág. 413.<br />

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil, vol. 3, Ed. Forense, 5ª<br />

ed, 1981, pág. 422.<br />

LOPES, Serpa. Curso de Direito Civil, vol. IV no. 679.<br />

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. II, 1976, pág. 329.<br />

SANTOS, J. M. CARVALHO. Código Civil Brasileiro Intepretado. Vol. XIX, Ed.<br />

Freitas Bastos, 1955, pág. 214.<br />

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol 45, pág. 295.<br />

Ob. Cit. Vol. 4, pág. 440.<br />

RODRIGUES, Silvio, Direito Civil. Vol.3, Ed, Saraiva, 1972, pág. .349.<br />

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. Ed. Forense, 1997, pág. 360.<br />

SOARES, Antônio Carlos Otoni. Fundamento Jurídico do Contrato de Seguro, 1975,<br />

pag.49<br />

Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por Computador. Ed. Saraiva.,1a<br />

edição, 1995, pág.35.


ALVES, Jonas Figueirêdo. Novo Código Civil Comentado. Ed. Saraiva., 2002, pág.<br />

682/83<br />

Art 1º É autorizada, em todo o território nacional, a microfilmagem de documentos<br />

particulares e oficiais arquivados, êstes de órgãos federais, estaduais e municipais.<br />

§ 1º Os microfilmes de que trata esta Lei, assim como as certidões, os traslados e as<br />

cópias fotográficas obtidas diretamente dos filmes produzirão os mesmos efeitos legais dos<br />

documentos originais em juízo ou fora dêle.<br />

131.<br />

Notícias do Superior Tribunal de Justiça de 26.09.00.<br />

Notícias do Superior Tribunal de Justiça de 22.05.02<br />

CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos Via Internet. Ed. Del Rey, 1a. ed., pág.<br />

* Advogado, Professor Conferencista da EMERJ, sócio do Escritório de Advocacia<br />

Gouv&eci.<br />

Disponível em: http://www.direitovirtual.com.br/artigos.php?details=1&id=192<br />

Acesso em: 27/03/09.

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