Revista IP nº35 - Educar com ... - Escola Interativa
Revista IP nº35 - Educar com ... - Escola Interativa
Revista IP nº35 - Educar com ... - Escola Interativa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
totalmente desvalorizada a experiência e,<br />
portanto o erro, sem o qual não há efetiva<br />
aprendizagem. A base do espírito crítico é<br />
a inquirição, o questionamento, a resposta<br />
a problemas. Na escola que historicamente<br />
conhecemos, os alunos não se dedicam<br />
a colocar problemas e a construir soluções.<br />
Pelo contrário, são sistematicamente<br />
treinados para dar as respostas certas,<br />
previamente ensinadas, relativas a perguntas<br />
que não formularam. Para que o aluno<br />
seja mais crítico, é indispensável modificar,<br />
na escola, a relação <strong>com</strong> o saber, por<br />
meio de um acréscimo de pertinência das<br />
situações escolares.<br />
O trabalho escolar terá de ser encarado<br />
<strong>com</strong>o um processo de conhecer e<br />
intervir no mundo. Por outro lado, será<br />
também necessário modificar as relações<br />
de poder que permeiam as situações escolares.<br />
A um acréscimo de pertinência,<br />
deverá corresponder, necessariamente, um<br />
acréscimo de democracia em que as crianças<br />
aprendem “a ser gente” a partir do<br />
exercício da autonomia e da responsabilidade.<br />
<strong>IP</strong> – Na sua opinião, qual a importância<br />
da informática hoje nas escolas<br />
Em algum ponto ela atrapalha a educação<br />
Canário – A informática representa,<br />
nas sociedades de hoje, uma ferramenta<br />
indispensável no acesso, seleção e uso da<br />
informação. Não faz sentido que a escola,<br />
ou qualquer outra instituição social, permaneça<br />
alheia às mudanças nesse domínio.<br />
Aprender a procurar, selecionar e<br />
conectar informação constitui a <strong>com</strong>petência<br />
estratégica basica para um processo<br />
de aprendizagem permanente. Não faz,<br />
portanto, qualquer sentido pensar que a<br />
informática possa vir a “atrapalhar” a educação.<br />
Como qualquer utensílio técnico, a<br />
informática é um recurso que pode ser utilizado<br />
de modos e em contextos muito diferentes,<br />
a serviço de lógicas de ação, também<br />
elas muito diversas.<br />
<strong>IP</strong> – Os professores reclamam que<br />
os alunos lêem cada dia menos. Como<br />
tornar a leitura interessante para jovens<br />
e adultos<br />
Canário – Como nos ensinou Paulo<br />
Freire, por meio de seus escritos e nas<br />
suas práticas educativas, a aprendizagem<br />
da leitura ultrapassa, em muito, a dimensão<br />
técnica de aprender a “ler as palavras”<br />
para corresponder a um processo<br />
largo de aprender a “ler o mundo”. Para<br />
formar “bons leitores”, a chave reside na<br />
nossa capacidade para fazer dos alunos<br />
“produtores de escrita”, ou seja, produtores<br />
de saber.<br />
<strong>IP</strong> – O senhor valoriza muito o<br />
aprendizado fora da escola. Qual a vantagem<br />
desse aprendizado e qual seria<br />
o ambiente onde a criança e o adolescente<br />
mais aprendem<br />
“<br />
O trabalho<br />
escolar terá de<br />
ser encarado<br />
<strong>com</strong>o um processo de<br />
conhecer e intervir<br />
no mundo.<br />
”<br />
Canário – A pessoa humana é caracterizada<br />
por um inacabamento que<br />
apela a um processo educativo que se confunde<br />
<strong>com</strong> o próprio ciclo existencial. Significa<br />
isso que cada um de nós está condenado<br />
a aprender, em todos os momentos<br />
e em todos os contextos da sua existência.<br />
Esse processo contínuo de aprendizagem<br />
sobrepõe-se a um processo amplo<br />
e multiforme de socialização que ocorre<br />
na família, no contexto de vizinhança, nos<br />
vários grupos de pertença social, no exercício<br />
profissional e, evidentemente, também<br />
na escola. Esse processo contínuo<br />
de aprendizagem pode ser formal (<strong>com</strong><br />
horário, programa, certificado, <strong>com</strong>o na<br />
escola) ou informal. Pode também ser deliberado<br />
ou não. Mas uma situação cuja<br />
finalidade não é propriamente educativa<br />
pode revelar-se <strong>com</strong>o muito rica em termos<br />
de resultados educativos. O que conta,<br />
em educação, não é tanto a intencionalidade,<br />
mas, principalmente, os resultados.<br />
A valorização das aprendizagens<br />
não formais, realizadas fora da escola, decorre<br />
da verificação empírica de que as<br />
nossas aprendizagens mais importantes e<br />
decisivas são adquiridas dessa forma.<br />
<strong>IP</strong> – O que se pode esperar do futuro<br />
da educação e da instituição escolar<br />
Canário – É legítimo esperar que, no<br />
futuro, a educação seja menos<br />
escolarizada e que a escola possa integrarse,<br />
de forma coerente e harmoniosa, num<br />
processo de educação ao longo da vida,<br />
sem o hegemonizar. Será também legítimo<br />
esperar que a escola “aprenda” <strong>com</strong> a<br />
educação não-formal, enfatizando a aprendizagem<br />
pela experiência e pela inquirição,<br />
favorecendo a cooperação na aprendizagem,<br />
favorecendo processos de<br />
autoformação, induzindo o gosto pelo ato<br />
intelectual de aprender, entendido <strong>com</strong>o<br />
um ato de criação.<br />
<strong>IP</strong> – O senhor trabalha <strong>com</strong> populações<br />
rurais. Como é esse projeto<br />
Canário – Desde 1987, estou ligado<br />
a projetos de intervenção e investigação<br />
em escolas rurais, no quadro de um grupo<br />
que viria a fundar o Instituto das Comunidades<br />
Educativas, responsável hoje pelo<br />
Projeto das <strong>Escola</strong>s Rurais. Este projeto,<br />
de âmbito nacional, tem sido apoiado por<br />
entidades <strong>com</strong>o a Fundação Bernard Van<br />
Leer, pelo Ministério da Educação e, fundamentalmente,<br />
por autarquias e <strong>com</strong>unidades<br />
locais. Este trabalho de intervenção<br />
tem a originalidade de equacionar o<br />
problema das escolas rurais não <strong>com</strong>o um<br />
problema escolar, mas sim <strong>com</strong>o uma questão<br />
de sociedade. Assim, a sobrevivência<br />
da pequena escola rural está associada ao<br />
futuro do mundo rural, cujo desaparecimento<br />
configura uma perda irreparável,<br />
em termos de patrimônio e diversidade<br />
culturais.<br />
Paradoxalmente, a pequena escola<br />
rural, que é vista pelas autoridades <strong>com</strong>o<br />
um arcaísmo condenado a desaparecer<br />
<strong>com</strong> o mundo rural, tem sido para nós uma<br />
espécie de “laboratório” onde é possível<br />
ensaiar caminhos para o futuro, nomeadamente,<br />
novas formas de exercer a profissão<br />
de professor.<br />
6<br />
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○