11.01.2015 Views

PERTENÇAS FECHADAS EM ESPAÇOS ABERTOS - Acidi

PERTENÇAS FECHADAS EM ESPAÇOS ABERTOS - Acidi

PERTENÇAS FECHADAS EM ESPAÇOS ABERTOS - Acidi

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />

virgindade no casamento, uma purificação obrigatória ou outros receios<br />

relativos ao sexo da mulher. A ideia inicial tinha como base a ascensão ao<br />

estatuto social do casamento, visto que nestas sociedades, tradicionalmente,<br />

o homem deseja casar-se apenas com uma mulher excisada.<br />

Neste sentido, e porque estas raparigas vivem num meio em que todas<br />

são excisadas, elas próprias criam um silêncio em torno do ritual, contribuindo<br />

para perpetuar a tradição, na medida em que antes de o<br />

fazerem não terão valor enquanto mulher e não conseguirão casar-se,<br />

sendo excluídas do grupo (Branco, jornal Público, 04/08/2002).<br />

Embora se trate de um ritual ancestral que precede a islamização na<br />

Guiné-Bissau, a excisão é praticada nas regiões predominantemente<br />

muçulmanas. Sendo desconhecidas as suas origens, as próprias<br />

mulheres guineenses muçulmanas acabam por ligá-la frequentemente à<br />

religião, correndo as mais diversas versões numa tentativa de explicação<br />

religiosa:<br />

“Há pessoas mesmo profissionais para isso. Porque é a religião,<br />

isso é mesmo da religião. Embora agora querem acabar com ela,<br />

porque dizem que, acho, que não é uma coisa muito da parte do<br />

profeta, né Diz que não há nada disso escrito na religião, no<br />

Alcorão. Mas como nós dizemos, é um sunnah, porque acho que a<br />

mulher do profeta... (...) Não sei qual é o profeta, que eu não sei<br />

também explicar isso muito bem”. (Mariatu, 44 anos, origem<br />

guineense)<br />

“Cada qual dá a história dele. Há tanta história, várias histórias<br />

nesse assunto, que eu já não posso explicar nada. Estou a ouvir<br />

tanta história que não dá para eu dizer o que é que eu também<br />

ouvi dizer”. (Fulé, 44 anos, origem guineense)<br />

Entre as guineenses mais velhas, foi possível confirmar o silêncio que<br />

habitualmente envolve a questão, e apenas Fulé, de 44 anos, afirmou<br />

abertamente discordar da perpetuação da prática da excisão, não<br />

pretendendo reproduzi-la com a filha. O facto de a sua mãe ser caboverdiana<br />

poderá ter contribuído para a sua oposição a este ritual de<br />

iniciação. Contudo, ela própria foi excisada, o que muito provavelmente se<br />

deve à pressão, que se sabe frequente, das outras mulheres mais velhas<br />

da família, apesar de a entrevistada não o ter confirmado:<br />

“Fui, fui, eu fiz, mas a minha filha não, não vou fazer. As minhas<br />

irmãs fizeram na Guiné. Eu não acho nada boa coisa, não acho<br />

uma boa ideia não. Não, não, isso está mal. Isso está muitíssimo<br />

mal. Para mim, como eu estou a olhar as coisas agora, não ia<br />

existir mesmo para uma pessoa, tirar a sensibilidade de uma<br />

mulher é muito grave, gravíssimo. E de maneira que eu estou con-<br />

Maria Abranches<br />

107

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!