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PERTENÇAS FECHADAS EM ESPAÇOS ABERTOS - Acidi

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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />

O discurso de Musuba revela mais uma vez a influência das relações<br />

mistas. Na medida em que o segundo e actual marido de Musuba é de<br />

origem portuguesa, não muçulmano, os rituais de iniciação de tradição<br />

muçulmana não se concretizaram no nascimento das filhas deste<br />

segundo casamento. Para além das raparigas não serem excisadas,<br />

também o “sete” e as restantes práticas rituais ligadas ao nascimento<br />

não se realizaram, ao contrário dos quatro filhos do primeiro casamento,<br />

para os quais, na Guiné, se realizaram todas as cerimónias tradicionais.<br />

Os filhos do segundo casamento consideram-se católicos, embora não<br />

praticantes, sendo esta a religião do pai.<br />

A idade para a realização do ritual é extremamente variável, podendo ir<br />

desde os primeiros anos de vida até cerca dos 15 anos. Entre as guineenses<br />

mais jovens residentes em Portugal é já visível uma posição mais<br />

marcada contra a prática da excisão:<br />

“Hoje, na Guiné, já consideram que isso é crime nas mulheres. Há<br />

pessoas que fazem, mas fazem escondido. As pessoas que já<br />

viviam nas quintas, mesmo nas tabancas, viram as mães a<br />

fazerem aquilo, eles também têm que fazer aquilo, mesmo que<br />

sabem que isso dói. E eles ficam a ver a filha sofrer mas não<br />

podem fazer nada, porque é assim que a regra tem que ser.<br />

Mas hoje em dia já é diferente, porque a minha sobrinha já não<br />

fez, a filha da minha irmã não fez. A minha irmã não pensa<br />

nisso”.<br />

(...)<br />

“Sim, a mim fizeram, eu acho que eu tinha 10, tinha 10 anos. Eu<br />

acho que exageraram um bocadinho nisso, porque os árabes não<br />

fazem isso. Os árabes são muçulmanos, são mesmo muçulmanos,<br />

mas não fazem isso. Mas onde é que eles tiraram isso,<br />

eu é que não sei”. (Aisatu, 23 anos, origem guineense, chegou a<br />

Portugal em 1998, com 18 anos)<br />

Kumbá, por seu lado, refere não ter sido excisada, salientando a maior<br />

abertura dos pais face ao tradicional conservadorismo da população<br />

muçulmana, no país de origem, relativamente a estas práticas:<br />

“Eu não fui, não. A minha avó queria que eu fosse, mas os meus<br />

pais não queriam, e isso é um sinal da mente aberta que eles já<br />

tinham. A minha mãe é que ainda foi. O meu irmão foi, mas é<br />

engraçado, que ele foi feito aqui. Foi cá, e foi no ano passado, junto<br />

com o meu primo. E inclusive acho que foi num hospital. Foi uma<br />

festa bonita, e aquela coisa toda”. (Kumbá, 19 anos, origem<br />

guineense, chegou a Portugal em 1994, com 10 anos)<br />

Maria Abranches<br />

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