PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
“É portuguesa, católica, mas estava em África e chegámos no<br />
mesmo ano, 76. Parece que nós entrámos em Abril e ela parece<br />
que entrou mais cedo. Março, talvez. Até lá, somos como se fosse<br />
irmãs. É no mesmo prédio, 2º andar. É a única pessoa que dá-se<br />
muito bem comigo, porque dizem que primeiro é família e vizinhos.<br />
A família está longe, quem é família é vizinhos”.<br />
(…)<br />
“Aqui em baixo tem um indiano, é aquele que tem a loja pequena,<br />
mas ele não dá muita confiança. Ele é muçulmano mas todos os<br />
vizinhos são portugueses. Só esse é muçulmano, e um café ali.<br />
Mas eu não estou muito neles, porque a gente chega à noite,<br />
encontramos, «olá, olá» só, mais nada”. (Leila, 67 anos, origem<br />
indiana, mãe de Manar. Residente na Brandoa, concelho da<br />
Amadora)<br />
Latifah, todavia, residente em Odivelas, recorda uma situação em que se<br />
sentiu vítima de racismo na sua zona de residência, associando a chegada<br />
e fixação de pessoas de origem indiana muçulmana nesse espaço geográfico<br />
à origem de atitudes discriminatórias. De facto, situações de<br />
racismo tendem a ser mais frequentes quando grupos minoritários se<br />
concentram em zonas residenciais, podendo a população envolvente<br />
passar a ver esses vizinhos como uma ameaça (Machado, 2002).<br />
“Olha, quando era pequena senti uma vez, uma vez só, quando<br />
tinha 7 anos, já tenho 27, vê lá. Foi naquela altura em que Odivelas<br />
começou a ficar invadida por muçulmanos, sabes E as pessoas<br />
que nunca viram ninguém com aquela cor de lado nenhum, de<br />
repente chegam ali e… sabes Foi a única vez. Estava no parque e<br />
o rapaz disse «(...) vêm estes monhés…»”. (Latifah, 27 anos,<br />
origem indiana, residente em Odivelas)<br />
Manar, por seu lado, salienta algumas situações em que se sentiu discriminada<br />
pelos colegas da escola, sobretudo devido ao facto de a mãe se<br />
vestir de forma tradicional e usar o lenço:<br />
“No princípio, há anos atrás, era mais difícil, porque a minha mãe<br />
saía de lenço e toda a gente gozava, e na escola também toda a<br />
gente falava. Mas depois começou uma telenovela que é «O<br />
Clone», lembras-te Desde aí, pronto, foi desde aí que as pessoas<br />
começaram a falar mesmo as palavras, a gostar do vestuário...<br />
Porque eu acho que era falta de informação”.<br />
(...)<br />
“Vou-te dizer... Eu andava na escola e chamaram-me monhé. E eu<br />
fiquei chateada, o rapaz não me largava, era monhé para aqui,<br />
monhé para ali... Então eu viro-me para ele e, pumba, dei-lhe com<br />
Maria Abranches<br />
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