PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
mesma peço a Deus, e ele é que tira a nossa aflição. A minha<br />
confiança está em Deus, ele é que vai resolver esses problemas<br />
que eu tenho. Eu sempre rezo para Deus”. (Leila, 67 anos, origem<br />
indiana)<br />
A presença da religião islâmica no subcontinente indiano remonta, por<br />
sua vez, aos finais do século XII. Contudo, e à semelhança do que<br />
aconteceu com a população guineense e as tradições de origem africana,<br />
manteve-se, no seio desta população indiana convertida ao Islão, grande<br />
parte das práticas culturais herdadas em períodos anteriores. Porque o<br />
sistema social hindu não desapareceu imediatamente, tendo diversos<br />
muçulmanos conservado a casta durante vários anos, desde sempre<br />
existiu uma ligação entre elementos hindus e muçulmanos, nesta<br />
população (Malheiros, 1996a), que as próprias entrevistadas reconhecem:<br />
“Há muita tradição que nem tem nada a ver com a religião, tem a<br />
ver até com uma religião que é a hindu. Porque, se tu reparares,<br />
as pessoas de religião muçulmana e hindu têm tradições muito<br />
semelhantes, as que têm descendência indiana. Se fores comparar<br />
o meu modo de viver, as minhas tradições, com um muçulmano<br />
da Arábia Saudita, não tem muito a ver. Tem mais a ver até<br />
com um hindu, que tem uma religião completamente diferente da<br />
minha, com valores completamente diferentes, mas as ascendências<br />
são iguais”. (Rafiah, 21 anos, origem indiana)<br />
As mulheres muçulmanas de origem indiana residentes actualmente em<br />
Portugal demonstram precisamente o carácter original da cultura<br />
islâmica indiana, visível através das práticas alimentares, de vestuário ou<br />
linguísticas. Esta coexistência entre manifestações da cultura do país de<br />
origem e a religião islâmica torna-se, contudo, ainda mais marcante no<br />
caso das guineenses, em que a cultura local atribui uma forma<br />
específica e culturalmente distinta à religião. O vestuário das guineenses,<br />
embora largo e comprido é, regra geral, extremamente colorido,<br />
não cobre o cabelo e deixa visíveis certas partes do corpo, adaptando-se<br />
apenas em parte às normas religiosas. Assim como o namoro e a<br />
sexualidade das jovens não são controlados pelas mães com o mesmo<br />
rigor das indianas, a conquista do espaço público não tem o mesmo<br />
significado que adquire no caso das indianas, por aquelas terem já uma<br />
maior exposição ao olhar dos outros no seu país de origem. De facto, as<br />
pertenças religiosas e culturais dos grupos de imigrantes são variáveis e<br />
podem sofrer mais ou menos alterações com a migração, contribuindo,<br />
para tal, entre outros factores, as redes de sociabilidade (Sunier in<br />
Baumann e Sunier, 1995).<br />
Maria Abranches<br />
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