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CULTURAS MIDIÁTICAS AUDIOVISUAIS: ESTUDOS<br />

ORGANIZADORES<br />

Alan Mascarenhas<br />

Elton Bruno Pinheiro<br />

Olga Tavares<br />

João Pessoa - 2014


Livro produzido pelo Projeto<br />

Para Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB<br />

Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMID<br />

Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB<br />

Coordenador do Projeto<br />

Marcos Nicolau<br />

Capa<br />

Diego Gomes Brandão<br />

Editoração Digital<br />

Marriett Albuquerque<br />

Marina Maracajá<br />

Alunos Integrantes<br />

Fabrícia Guedes<br />

Filipe Almeida<br />

Keila Lourenço<br />

Marina Maracajá<br />

Marriett Albuquerque<br />

Rennam Virginio<br />

Bruno Gomes<br />

Revisão:<br />

Alan Mascarenhas<br />

Elton Bruno Pinheiro<br />

Olga Tavares


EDITORA<br />

Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre<br />

Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB<br />

www.ideiaeditora.com.br<br />

Atenção: As imagens usadas neste trabalho o são para efeito de estudo,<br />

de acordo com o artigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade<br />

das mesmas aos seus criadores ou detentores de direitos autorais.<br />

C968<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos [recurso eletrônico] / Alan<br />

Mascarenhas, Elton Bruno Pinheiro, Olga Tavares, organizadores.- João Pessoa:<br />

Editora Idéia, 2014.<br />

CD-ROM; 43/4 pol. (2.500kb)<br />

ISBN: 978-85-7539-923-1<br />

1. Comunicação. 2. Culturas midáticas. 3. Meios de comunicação.<br />

I. Mascarenhas, Alan. II. Pinheiro, Elton Bruno. III. Tavares, Olga.<br />

CDU: 007


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

SUMÁRIO<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Apresentação .....................................................................................................................07<br />

A televisão transmídia de Alice:<br />

reconfiguração narrativa na televisão fechada brasileira<br />

Alan Mascarenhas ............................................................................................................. 09<br />

“Fanmedia” storytelling: a produção cultural<br />

dos fãs na análise de composições transmidiáticas narrativas<br />

Alan Mascarenhas................................................................................................................38<br />

Ativismo e midiatização no ambientalismo brasileiro<br />

Ana Azevedo .......................................................................................................................64<br />

O rádio e a convergência digital:<br />

considerações sobre um processo em mutação<br />

Elton Bruno Barbosa Pinheiro ..................................................................................... 91<br />

Rádio digital: é preciso sintonizar melhor essa reinvenção<br />

Elton Bruno Barbosa Pinheiro ....................................................................................116<br />

5


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A cultura do fã de cinema no omelete: um novo conceito de “receptor”<br />

João Batista Firmino Júnior ..........................................................................................170<br />

TV pós digital: novas formas de construção televisiva<br />

na sociedade midiatizada<br />

Graciele Barroso<br />

Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha ...........................................................189<br />

Copa do mundo no Brasil: análise semiótica visual de capas de revistas<br />

Liliane Calado<br />

Olga Tavares ......................................................................................................................212<br />

Movimentos sociais na Amazônia: ciberativismo e luta através da rede<br />

Lucas Milhomens Fonseca ...........................................................................................232<br />

O prosumer midiático & a ressignificação jornalística<br />

Pâmela Bório<br />

Olga Tavares ......................................................................................................................276<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

6


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Este e-book surge dos encontros que os estudantes do GEDIC – Grupo de<br />

Estudos de Divulgação Científica – realizaram ao longo dos três anos seguintes<br />

ao primeiro e-book, em 2009. Alguns já defenderam suas dissertações e<br />

aqui estão seus resultados; e outros ainda estão no processo de finalização<br />

das suas pesquisas e também vêm aqui dividir suas descobertas.<br />

Muito mais que um grupo de estudo, o GEDIC tentou incutir a importância<br />

que a pesquisa tem na construção do fazer acadêmico, pois ela demanda,<br />

principalmente, esforço próprio, curiosidade, vontade e desapego.<br />

No espaço coletivo das reuniões, às vezes até comemorativas, havia apenas<br />

a ideia de manter coeso o grupo e as temáticas que se interconectavam e/<br />

ou se realimentavam. Em verdade, o espírito do GEDIC se fez no conjunto de<br />

todos os anseios de preencher aqueles espaços do saber com os saberes de<br />

todos/as, mantendo sempre a particularidade do conhecimento adquirido<br />

por cada um/a.<br />

Como coordenadora do GEDIC, o que me fascinou especialmente foi<br />

acompanhar cada interesse individual convergindo para o que era do interesse<br />

do grupo, em geral. E, além de tudo isso, ver que esses/as jovens estão<br />

7


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

forjando seu fazer profissional embuídos das mesmas intenções e com projetos<br />

em comum, é, de fato, alvissareiro. Estamos juntos desde os tempos da<br />

graduação; portanto, foi uma longa e prazerosa travessia por esses oceanos<br />

misteriosos e de infindável grandeza da Ciência e da Tecnologia.<br />

As Culturas Midiáticas Audiovisuais do PPGC-UFPB oferecem contribuições<br />

valiosas das pesquisas desses componentes dos seus quadros. Esses/as<br />

integrantes do GEDIC vêm se dedicando aos estudos com afinco, abnegação<br />

e generosidade. Seus objetos de estudo estão compondo este e-book em<br />

forma de um presente que estamos nos dando para brindar o desfecho de<br />

mais uma etapa da vida acadêmica. Sabe-se que quando entramos nesse<br />

mundo do saber, o caminho que se toma é o de nunca deixar de aprender,<br />

de estudar, de se atualizar e de insistir em trocar o nosso conhecimento com<br />

todos/as que se dispuserem a ir a busca de novos saberes e de novos espaços<br />

de diálogos para atravessar todas as fronteiras possíveis.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Olga Tavares<br />

Líder do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />

GEDIC/CNPq<br />

8


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A TELEVISÃO TRANSMÍDIA DE ALICE: RECONFIGURAÇÃO<br />

NARRATIVA NA TELEVISÃO FECHADA BRASILEIRA 1<br />

Alan Mascarenhas 2<br />

Resumo<br />

Este artigo busca uma reflexão acerca de postulados da televisão diante da complexificação<br />

de suas narrativas que reconfiguram a relação entre produtos e espectadores<br />

como na série “Alice” da HBO Brasil. “Alice”, possui uma particularidade: os personagens<br />

não só existiam na televisão e nas redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook), mas<br />

também passaram habitar o cotidiano, indo a eventos e criando situações que funcionavam<br />

como desdobramentos dos acontecimentos dos episódios, em uma espécie<br />

de performance que parece reconfigurar não só a lógica transmidiática proposta por<br />

Henry Jenkins, mas principalmente a produção e o consumo televisivo contemporâneo<br />

que impelem em novas relações com o cotidiano de sua audiência.<br />

Palavras-Chave: Série televisiva. Narrativa Transmidiática. Interator.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

1 Trabalho oriundo da discussão proposta na dissertação de mestrado “Do outro lado do espelho: a reconfiguração<br />

da narrativa transmidiática nas mídias digitais a partir da série Alice” desenvolvida por Alan Mascarenhas no Programa<br />

de Pós-Graduação em Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba sob orientação da professora Olga<br />

Tavares e defendido em junho de 2013.<br />

2 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />

em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />

(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: alanmanga1@gmail.com.<br />

9


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Entrando no universo de Alice<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A personagem Alice da série homônima produzida e exibida pela HBO<br />

Brasil não é exclusividade da televisão: “Minha vida ia precisar de uns 140<br />

milhões de caracteres. Meus pensamentos talvez caibam aqui”, escreve Alice<br />

Zanetti no Twitter em 8 de setembro de 2010. Alice estava certa, já que<br />

sua vida, de fato, não caberia na televisão, muito menos no Twitter ou em<br />

qualquer outra plataforma de forma isolada, precisando de um conjunto de<br />

mídias e plataformas para contar sua história ao passo que radicalizava a lógica<br />

do enquadramento televisivo ao sair das telas para fisicamente habitar<br />

as ruas de São Paulo enquanto personagem.<br />

Um mês antes de ser exibida na televisão, a história ganha um blog onde<br />

Alice não faz alarde quanto a sua ficcionalidade, afinal, faz parte desta radicalização<br />

borrar linhas entre real e ficcional. Assim, a personagem criada por<br />

Karim Aïnouz e Sérgio Machado era usuária do MSN Messenger – sistema<br />

de chat da Microsoft –, possuía número de celular, além de estar ativamente<br />

presente no Orkut, como qualquer outro usuário da internet. Um mês depois,<br />

sem deixar a rede, a série ganha à televisão, se enquadrado aos cânones<br />

balizares desta mídia tão menos fluída que o ciberespaço, mas acionando<br />

uma lógica maleável através da convergência com as plataformas e de<br />

performances no mundo atual. “Hoje a noite estarei trabalhando no desfile<br />

10


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

de moda do dudu. Encontro você na HBO às 22h! Alice”, diz uma mensagem<br />

de texto enviada por Alice aos expectadores que deram o número do celular<br />

à personagem através do site da atração. Engendrar virtualidade com o<br />

cotidiano parece ser a premissa de Alice, que vai além de uma televisão com<br />

segunda tela e parece apontar para uma reconfiguração do Henry Jenkins<br />

(2003) define por narrativa transmidiática.<br />

Com a conclusão da primeira temporada na televisão, Alice segue seu itinerário<br />

textual na internet, aderindo a redes sociais mais atuais da época, tal<br />

como o já mencionado Twitter, além do Facebook, YouTube, e redes sociais de<br />

música, como o MySpace, Lastfm, entre outras. Começa então o período no<br />

qual a série sai da televisão e migra para a internet, onde passa dois anos sendo<br />

narrada. É também neste período que a personagem Alice, interpretada<br />

por Andrea Horta, sai das telas (do computador e da televisão) para o mundo<br />

atual, ganhando as ruas de São Paulo em um ato performático, na cidade<br />

onde a série se passa, fazendo uso das redes sociais integradas ao Foursquare<br />

para tornar pública sua geolocalização, permitindo que usuários fossem até o<br />

brechó que herdou da sua tia na primeira temporada para que lá Alice continuasse<br />

sua narrativa ou que encontrassem com ela para um café.<br />

A série da HBO nos parece sintomática de um meio que vive um impasse,<br />

afinal como obedecer às lógicas já enraizadas de programação e economia<br />

da televisão, sustentar os limites rígidos de grade e proteção intelectual des-<br />

11


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

te meio num momento em que se vive uma lógica expansiva dos regimes de<br />

espectatorialidade<br />

Ver televisão deixou de ser apenas um estado para se tornar um status<br />

compartilhado por usurários, onde a postagem de uma cena de novela remixada<br />

com uma música do funk carioca é sinônima de pertencimento ou<br />

exclusão dentro da linha do tempo das redes sociais. O consumo de televisão<br />

através da internet vai deixando uma série de indícios da relação dos<br />

indivíduos com os programas de TV, instantâneos de uma dinâmica efêmera,<br />

muitas vezes celebratória, outras vezes irônica e jocosa, mas sempre<br />

acionando um lugar de compreensão das dinâmicas de espectatorialidade<br />

agendadas pela TV na internet que destaca novos traços da televisão no cotidiano,<br />

além de múltiplos itinerários de consumo de ficções que antes eram<br />

apenas televisivas.<br />

A particularidade de Alice está na sua transmidiação que envolve 17<br />

pontos de entrada para a série alternando a lógica do massivo com o pós-<br />

-massivo no atravessamento do personagem físico para o cotidiano dos espectadores<br />

através do que Max Giovagnoli (2011) chama de “ações urbanas”<br />

(urban actions) dentro do conceito de transmídia, proposto por Henry<br />

Jenkins (2003) em sua forma clássica.<br />

Dentro de um fenômeno tão largamente discutido como “transmídia”, o<br />

que nos interessa pensar aqui não é uma euforia diante de novas narrativas,<br />

12


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

mas refletir a lógica de uma televisão que “fagocita” outros meios a ponto<br />

de radicalizar e habitar novos espaços dentro de um território informacional,<br />

como a própria cidade, fazendo de espaços físicos um lugar para textos televisivos<br />

tão imersíveis que engendram o cotidiano dos espectadores de tal<br />

forma que transforma o próprio real em ambiente ficcional, mesmo fora do<br />

enquadramento de câmeras e do contexto do plano de TV. Acionando assim,<br />

novos níveis de espectatorialidade dentro do regime de consumo e produção<br />

da televisão, outrora tão rígido. Para tanto, se faz necessária uma adequação<br />

do que de fato se constitui como transmídia para, talvez, compreendermos<br />

esta televisão contemporânea.<br />

Transmídia: problemáticas das novas lógicas narrativas<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A série Alice da HBO vai além do que José Luiz Braga (2006) chamou de<br />

“resposta social” ao falar de um ativismo da sociedade diante do que se consome<br />

na mídia, já que neste produto temos comentários nas redes sociais e<br />

uso de hashtags, mas que culmina numa experiência, numa série que habita<br />

outros espaços massivos e pós-massivos r que mobiliza este fazer/assistir<br />

televisão de maneira transmidiática. No entanto, refletir transmídia tem se<br />

tornado mais complexos diante de novos casos práticos que acompanham<br />

novas vertentes teóricas, ambos circunscritos por uma tecnologia que rapi-<br />

13


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

damente gera novas situações sociais e midiáticas.<br />

O termo “transmídia” surge ainda em 1991, quando a autora Marsha<br />

Kinder descreve franquias de produtos midiáticos que são comercializados<br />

em plataformas diferentes. Na obra Playing with Power in movies, television,<br />

and videogames: from muppet barbies to teenage mutant ninja turtles, Kinder<br />

(1993) reflete sobre a programação infantil da televisão que exige das crianças<br />

a habilidade de relacionar histórias em quadrinho com filmes e depois<br />

com os episódios da televisão, a exemplo, fenômeno que chama de “intertextualidade<br />

transmidiática” (transmedia intertextuality).<br />

Apenas em 2003 o termo ganha um sentido mais próximo da reconfiguração<br />

da estrutura narrativa audiovisual através do texto transmedia storytelling<br />

por Henry Jenkins, o qual traz o mesmo apontamento sobre franquias<br />

de produtos (brinquedos, jogos etc.,) que Kinder apresentou anos antes sem<br />

fazer referência a autora, mas atualizando a sua visão quando fala sobre certo<br />

aprimoramento (enhancement) do processo criativo através do que Kinder<br />

chamava de intertextualidade. Usando a franquia de animação japonesa<br />

Pokémon como exemplo, Jenkins introduzia o assunto:<br />

Consumidores mais jovens têm se tornado caçadores e filtros de informações,<br />

pelo prazer de descobrir mais informações sobre os personagens e<br />

em fazer conexões entre diferentes textos numa mesma franquia. Em adi-<br />

14


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ção, todas as evidências sugerem que computadores não anulam outras<br />

mídias; ao contrário, donos de computadores consomem em média significantemente<br />

mais televisão, filmes, CDs, e afins do que a população geral 3<br />

(JENKINS, 2003, p.1).<br />

Enquanto relatava certa tensão das empresas ocidentais no processo de<br />

fragmentação de produtos através de plataformas, o autor lembrava que o<br />

asiático Pokémon se desdobrava em jogos, episódios de televisão, filmes,<br />

livros, cartões explicativos para cada um dos inumeráveis personagens existentes<br />

há muito tempo usando o público infatojuvenil. É aqui então que começam<br />

a aparecer sintomas do que a presença do termo “storytelling” ou<br />

“narrativa” traz quando ligado ao termo “transmídia”, e que ainda hoje, uma<br />

década após, é problemática: “Nós precisamos de um modelo novo para co-<br />

-criação mais do que adaptação de conteúdo através do cruzamento de mídias”<br />

(JENKINS, 2003, p.1) 4 , afirma o autor sobre o que deveria ser pensado<br />

sobre o fenômeno. Definindo transmídia, ele explica:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

3 T.N.: “For our generation, the hour-long, ensemble-based, serialized drama was the pinnacle of sophisticated storytelling,<br />

but for the next generation, it is going to seem, well, like less than child’s play. Younger consumers have<br />

become information hunters and gatherers, taking pleasure in tracking down character backgrounds and plot points<br />

and making connections between different texts within the same franchise. And in addition, all evidence suggests<br />

that computers don’t cancel out other media; instead, computer owners consume on average significantly more television,<br />

movies, CDs, and related media than the general population”.<br />

4 T.N.: “We need a new model for co-creation-rather than adaptation-of content that crosses media”.<br />

15


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Na forma ideal de uma narrativa transmidiática, cada meio faz o que oferece de<br />

melhor para que a história seja introduzida num filme, expandida através de televisão,<br />

romances, quadrinhos, e esse mundo poderá ser explorado através do<br />

game play. Cada entrada para a franquia precisa ser auto-suficiente o bastante<br />

para permitir um consumo autônomo. Assim, você não precisa ver o filme para<br />

aproveitar o jogo e vice-versa. (JENKINS, 2003, p. 3).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A definição trazida por Jenkins no início dos anos 2000 não difere do que<br />

se torna o formato clássico de narrativa transmidiática através do o conceito<br />

publicado por ele em 2006 na obra Convergence Culture, lançada no Brasil<br />

dois anos depois sob o título de Cultura da Convergência. Em 2006, a visão<br />

de autonomia das camadas narrativas é revisada quando o Jenkins destaca<br />

que cada novo texto pode contribuir de forma isolada, mas que será o<br />

consumo da experiência que valerá mais: “O Todo vale mais que a soma das<br />

partes” (JENKINS, 2008, p. 142).<br />

É neste momento também que transmídia é definida como uma estética:<br />

“refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das<br />

mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende<br />

da participação ativa de comunidades de conhecimento. A narrativa transmidiática<br />

é a arte da criação de um universo” (JENKINS, 2008, p. 42).<br />

Cinco anos após a publicação em inglês do livro Cultura da Convergência<br />

e com alguns produtos mundialmente famosos por fazerem uso do formato,<br />

16


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tal como a trilogia Matrix e a série de televisão Lost, Jenkins (2011) confirma<br />

sua reflexão sobre narrativas transmidiáticas através do seu blog: “narrativa<br />

transmidiática representa um processo onde elementos integrais de uma ficção<br />

são dispersos sistematicamente através de múltiplos canais com o propósito<br />

de criar uma unificada e coordenada experiência de entretenimento.<br />

Idealmente, cada meio faz sua contribuição única para o desdobramento da<br />

história” 5 (grifo do autor).<br />

Ou seja, temos detetives coletivos que consomem um texto o qual exige<br />

mais do que a leitura de uma única camada textual para ser compreendido.<br />

Aqui, além do esforço visual, é incitada uma caça de informações em uma<br />

estrutura previamente arquitetada pela instância de produção que prevê espectadores<br />

conectados entre si, capazes de resolver enigmas para continuar<br />

consumindo o produto, e de habitar e co-criar um universo fictício. Para o<br />

autor, este consumo privilegia uma única mídia, algumas ou todas, as quais<br />

podem ser consumidas isoladamente, mas recompensarão em informação<br />

se consumidas em sinergia.<br />

A série Alice da HBO e sua história narrada através da televisão, internet<br />

e atos urbanos se encaixaria neste modelo se não fosse pela tão explícita<br />

noção de que cada texto pode também ser consumido de forma isolada.<br />

5 T.N.: “Transmedia storytelling represents a process where integral elements of a fiction get dispersed systematically<br />

across multiple delivery channels for the purpose of creating a unified and coordinated entertainment experience.<br />

Ideally, each medium makes it own unique contribution to the unfolding of the story”.<br />

17


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Afinal, como compreender Alice se apenas as mensagens de texto via celular<br />

são consumidas ou se apenas um perfil de rede social é lido Cabem<br />

então alguns questionamentos acerca do conceito clássico de transmídia<br />

largamente difundido por Jenkins em três aspectos: sobre a narrativa, sobre<br />

o consumo isolado dos textos e sobre textos narrados sem mediação, que<br />

configurariam atos de performance dos atores, como quando Alice vai até<br />

as ruas de São Paulo. Para tanto, precisamos estabelecer o que entendemos<br />

por texto.<br />

Mieke Bal na década de 1980 se posicionava ligando narrativa a relato de<br />

narração, sendo um texto narrativo, um que converta história em signos linguísticos:<br />

“Um texto narrativo será aquele em que um agente relate uma narração”<br />

6<br />

(BAL, 1990, p. 13), ou seja, que relata a história. A autora trata texto como “um<br />

todo finito e estruturado que se compõe de signos linguísticos” 7 (BAL, 1990, p.<br />

13). Optamos, no entanto, por tratar o texto narrativo transmidiático num sentindo<br />

amplo, que pode ser representado por uma imagem, não exclusivamente<br />

pela oralidade ou pela escrita, devido ao caráter multimídia tão enaltecido na<br />

transmidiação. Consideramos então como o texto de uma narrativa transmidiática<br />

toda sua conjuntura audiovisual, performática, impressa ou sensorial que<br />

contribuam de forma coerente e relevante com a complementação da história<br />

6 T.N.: “Un texto narrativo será aquel en que un agente relate una narración”<br />

7 T.N.: “Un todo finito y estructurado que se compone de signos lingüísticos”<br />

18


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

contada. Isto posto, seguimos com a primeira problemática no conceito proposto<br />

por Jenkins, a narrativa.<br />

Há uma falta de uma definição (ou escolha de uma) pelo autor para<br />

explicitar o que ele entende por narrativa, dando origem a uma linha de<br />

pensamento no qual se acredita que o mesmo conteúdo exibido em locais<br />

diferentes geram novos sentidos por serem editados e reformatados por<br />

outra mídia podem ser definidos como uma narrativa transmidiática. É o<br />

caso de uma novela resumida e editada exibida em uma televisão no ônibus<br />

ou num bar. Esta linha segue o pensamento de Geoffrey Long, que em<br />

entrevista a Revista Pontocom (2009) 8 , afirma: “transmídia significa qualquer<br />

coisa que se move de uma mídia para outra”. Tal colocação, diante<br />

dos fatos, nos leva a refletir “transmídia” sem necessariamente esta ser uma<br />

narração. Diante desta linha, as várias adaptações do livro Gabriela de Jorge<br />

Amado para a televisão ou o fato de fãs recriarem suas obras favoritas<br />

em outras plataformas distintas da que a obra foi publicada originalmente<br />

classificaria um texto como transmidiático. No entanto, esta vertente nos<br />

parece “espertamente” muito abrangente.<br />

A partir do conceito de Jenkins (2008), pensamos as transmidiações narrativas<br />

como deslocamentos de conteúdos entre plataformas, evocando a<br />

8 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em: .<br />

Acesso em 14 jun. 2011.<br />

19


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ideia de que as plataformas acionam maneiras distintas de fruição e experiência<br />

de um produto. Atentamos ao fato de que não só devemos levar em<br />

conta novos sentidos que os produtos ou seus discursos produzem ao se<br />

transmidiarem, mas principalmente que estes produtos necessitam de “bits”<br />

informacionais, de textos inéditos e profundos estendidos através destas<br />

plataformas para comporem uma narrativa transmidiática. É uma combinação<br />

entre o novo sentido do produto cultural produzido na recepção ao<br />

migrar entre plataformas e mídias e a adição de compreensão e informação<br />

inéditas à narrativa com profundidade para a imersão. Não tratamos então<br />

de repetição ou de adaptação narrativa, como é o caso da obra Gabriela,<br />

através dos meios usados na expansão. Acreditamos que a distinção entre<br />

produção oficial e não oficial é válida para entender que não é apenas o<br />

fato de um texto aguçar a criatividade dos fãs e a produção paralela deste<br />

fandom que o define como transmidiático. A figura do autor ainda é importante<br />

nesta forma de narrar. Estas reconfigurações são sintomáticas de um<br />

momento de convergência e de uma geração que cresceu com jogos como<br />

Lego, por exemplo.<br />

É Christy Dena (2006), no entanto, que soluciona nossa segunda problemática,<br />

quando Jenkins sugere um consumo isolado dos textos transmidiáticos,<br />

com o conceito de transficção (transficcion) trazido pela autora. Fazendo<br />

referência direta a Henry Jenkins, ela pontua que na transficção uma quebra<br />

20


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

na lógica de que os textos não devem ser consumidos de forma isolada, já que<br />

a história depende de todos os fragmentos dispersos em cada mídia. Optamos,<br />

no entanto, em manter o termo cunhado por Jenkins em detrimento da<br />

transficção neste caso, com a ressalva de que há situações onde o consumo<br />

integrado é imprescindível para compreensão total da obra, inviabilizando o<br />

consumo isolado das mídias ou plataformas, como acontece na série Alice.<br />

Nosso terceiro e último contraponto com o conceito de Henry Jenkins<br />

(2003, 2008) é a falta de uma indicação ou inclusão de atos performáticos<br />

como elemento da transmidiação. Para tanto, o autor Max Giovagnoli (2011)<br />

traz, com a facilidade de novos produtos transmidiáticos mais atuais, o termo<br />

que usamos largamente como performance até aqui. Para ele, as ações de<br />

performance dentro da narrativa transmidiática se classificam como ações urbanos<br />

(urban actions) que parece ser algo acionado na mídia pelo que André<br />

Lemos chamou de “território informacional” e que soa tão urgente às novas<br />

narrativas. A seguir, precisamos entender a televisão dentro deste contexto.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Televisão transmídia: a performance das mídias no cotidiano<br />

“A televisão é sem dúvidas a única mídia que mobiliza cotidianamente a<br />

atenção de todas as outras” (JOST, 2007, p. 21) e talvez seja por isso e pelo<br />

21


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

fato dela ter sido uma das últimas mídias a aglutinar qualidade de outras<br />

que ela tem sido apontada como um dos meios tradicionais de comunicação<br />

com menor dificuldade de adaptação à digitalização e, por conseguinte,<br />

dá o tom de conteúdo para a produção audiovisual na internet. É urgente<br />

assinalar que quando pensávamos que a internet iria aglutinar outras mídias,<br />

parece ser a televisão quem está fagocitando o sistema de convergência.<br />

Naturalmente que no campo da literatura e da televisão precisaremos<br />

sempre de um referencial simbólico para compreender um texto, como percebeu<br />

Kinder (1993) ao usar o termo transmídia. Mas especificamente na literatura<br />

ergódica (Ergodic Literacy), há o destaque para este esforço cognitivo<br />

exigido pelo texto citado por Jenkins (2008) que implica numa performance<br />

diante do que se lê. Aarseth (1997, p.1) resume que “na literatura ergódica,<br />

esforços não-triviais são necessários para permitir que o leitor atravesse o<br />

texto”. De forma mais geral, para ele a literatura ergódica contempla textos<br />

abertos e dinâmicos, que necessitam mais que o esforço dos olhos para serem<br />

compreendidos, precisando de uma “performance” do leitor. Há então<br />

duas noções de performance aqui inferidas no texto, a da instância de produção<br />

juntamente com a do produto e a ação fruitiva do consumidor. Estamos<br />

cientes de que estas ações sempre existiram, mas alguns processos, tais<br />

como o transmídia e outros derivados do multimídia, trazem a performance<br />

para dentro do texto em níveis mais notórios.<br />

22


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Falar sobre a relevância da performance diante de um cenário midiático<br />

em que os fluxos de informação borram os limites gerados pelas próprias<br />

materialidades dos meios nos faz debater especificidades nos fazeres performáticos.<br />

Dessa forma, para discutir a série Alice, precisamos entender que<br />

a expansão deste produto se dá, de alguma forma, diante de um contexto<br />

de expansão da própria noção de performance, além da expansão da noção<br />

de transmídia, principalmente pelas ações urbanas (urban actions) da<br />

personagem. Pensar a construção das relações performáticas inferidas pela<br />

televisão e pela internet nos direciona a reconhecer dinâmicas expansivas<br />

na relação dos indivíduos com os meios de comunicação. Aqui, tratamos a<br />

performance em três momentos, produtor, produto e fruidor. Para tanto, um<br />

apontamento sobre performance midiática:<br />

Falar em performance de texto midiático é pensar a performance do<br />

produto, tanto no ato do texto exigir uma ação performática (participação<br />

do leitor) quanto no fato das encenações já discutidas com relação<br />

ao meio, mas também na encenação não mediada dentro de um objeto<br />

que transcende a televisão, como Alice, classificada por Giovagnoli (2011)<br />

como ações urbanas.<br />

O ato de performance do fruidor, no entanto, é acionado pela performance<br />

do produto e do produtor, impelindo diferentes níveis de espectatorialidade<br />

(consumo) e fazendo do espectador o que Janet Murray (2003) chamou de<br />

23


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

interator antes mesmo de Jenkins cunhar o termo narrativa transmidiática.<br />

É sobre esta noção de consumidor enquanto interator que cabe, aqui, uma<br />

explanação.<br />

Janet Murray (2003) comenta sobre características de interator, que nos<br />

parece ser relevante em Alice, ao explicar certa mobilidade que traz o ciberespaço<br />

para o espectador de uma narrativa que perpassa por ele, como um<br />

local de participação e ao relembrar a importância do papel do autor em<br />

definir limites narrativos:<br />

O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o contexto<br />

e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele<br />

navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório<br />

de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular dentre<br />

muitas danças possíveis previstas pelo autor.(MURRAY, 2003, p. 147)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A partir da dinâmica deste fruidor, chamado pela autora de “interator”, abrem-<br />

-se as possibilidades de expansão de conteúdos, sobretudo na internet com os<br />

desdobramentos, as apropriações, as reconfigurações. Interessante destacar que,<br />

na própria terminologia de “interator”, nos parece sintomático perceber a ideia<br />

de “ator” (“actor”) como alguém que atua neste ambiente – ou seja, performatiza<br />

uma ação em alguma de suas redes sociais, por exemplo.<br />

24


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A televisão maravilhosa de Alice: performance, cotidiano e transmídia<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A série da HBO Brasil é sintomática de uma televisão que poderíamos chamar<br />

de televisão expandida ao abarcar tão radicalmente o cotidiano, dentro<br />

da lógica de transmidiação, atuando também como objeto cultural atualizador<br />

das proposições de Henry Jenkins. Estes três elementos – performance,<br />

cotidiano e transmídia – parecem apontar para uma televisão remediada,<br />

reinterpretada de uma maneira cíclica, como fenômeno que Bolter e Gruisin<br />

(2000) chamam de remediação (remediation). Alice borra as lógicas pré-determinadas<br />

do sistema de produção televisiva e contempla um tipo de fruição<br />

que convoca o espaço físico real como apropriação e mímese ficcional.<br />

A história da personagem começa a ser contada ainda em 2008 na internet<br />

e na televisão, passando posteriormente a ser narrada de forma exclusiva<br />

na internet e no cotidiano da cidade de São Paulo entre 2009 e novembro de<br />

2010, quando se prepara para voltar a HBO no formato de telefilme, o que já<br />

nos parece fruto da reconfiguração do formato seriado depois de seus múltiplos<br />

itinerários midiáticos. Mesmo com um relativo espaço no tempo entre<br />

a finalização de Alice que se encerra nestes dois telefilmes ainda em 2010,<br />

não podemos destacar outro produto de tamanha expressão no sentido<br />

de remediação dos meios televisivos no Brasil. Mesmo a telenovela global<br />

Cheias de Charme de 2012 – experimento mais complexo nas telenovelas<br />

25


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

nacionais – que acionou a lógica transmídia com videoclipes na internet durante<br />

a trama e um livro lançado após sua finalização, não chegou aos níveis<br />

de espectatorialidade proporcionados por Alice nas ações urbanas, talvez<br />

por implicações do gênero novelístico.<br />

Alice é criada sobre o tradicional formato dos 40 minutos de episódio<br />

intercalados com comerciais, sendo exibida de forma inédita uma vez por<br />

semana (aos domingos) pelo seu canal de criação, HBO (Home Box Office),<br />

tendo sua narrativa também estruturada nas já usuais temporadas. Como<br />

reflexo do sistema que o circunscreve desde a década de 1990, se tornou<br />

tradição do canal a criação de um hotsite para suas produções, sendo Alice a<br />

terceira produção original do canal no Brasil e a primeira a estrear com temporada<br />

completa de 13 episódios já filmados.<br />

Nascida com premissa de convergência entre mídias, a série vem com direção<br />

de Karim Aïnouz e Sérgio Machado, sendo co-produzida pela Gullane<br />

Filmes, produtora de conteúdo criada no final dos anos 1990, trazendo uma<br />

personagem de Palmas, no Tocantins, que está prestes a casar com seu noivo<br />

quando recebe a notícia do suicídio de seu pai, o qual não vê há anos. O pai<br />

havia pulado de um dos prédios da cidade de São Paulo, cenário que recebe a<br />

personagem como a “toca do coelho da Alice” do escritor inglês Lewis Carroll.<br />

Com esta parte da história contada no blog em quatro postagens entre<br />

22 de agosto e 21 de setembro de 2008, dia de estréia da série, a seria conti-<br />

26


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

nua deste ponto narrativo quando a personagem se muda para São Paulo e<br />

para a televisão, mas permanece com o blog e pelo menos uma atualização<br />

semanal. É através do hotsite da série dentro da página da HBO Brasil que<br />

se conhece o blog. encantada.tv, diário da personagem, e também através<br />

destas duas portas de entrada que se torna possível descobrir o endereço<br />

de e-mail da personagem – e adicioná-la no MSN Messenger – ou ainda se<br />

cadastrar na agenda do celular tocantinense.<br />

Os episódios televisivos fazem sempre referência a uma vida da personagem<br />

no muno virtual, enquadrando na tela suas visitas à página do<br />

Orkut ou alguma conversa na rede de bate-papo da Microsoft. Uma câmera<br />

digital de Alice também filma situações cotidianas de São Paulo com<br />

outros personagens e a protagonista aparece colocando-os online em sua<br />

conta no Facebook.<br />

Através do bate-papo com Alice no MSN, um ruído: a moça era uma<br />

espécie de robô virtual com um menu eletrônico e falas pré-programadas<br />

que davam ao usuário opções de conteúdos expandidos da televisão:<br />

“Quer ver o que preparamos para você hoje É só digitar: ‘novidade’. Ou<br />

então conheça o mundo encantado de Alice mandando uma mensagem<br />

com algumas destas perguntas (...)” seguindo em cerca de cinco opções<br />

semelhantes a “Como é a vida em São Paulo”. A resposta vinha em terceira<br />

pessoa, como um narrador.<br />

27


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Através do MSN, Alice compartilhou nestas postagens pré-programadas<br />

24 vídeos entre 25 de setembro a 13 de outubro, dando um novo uso à ferramenta,<br />

mas que volta a ser usada como bate-papo ao longo de momentos<br />

pontuais da série.<br />

Antes da exibição dos episódios, no entanto, o canal de televisão fechado<br />

divulgava a série em ação promocional através de peças na WEB e fora dela<br />

por quase dois meses. Nos banners em sites era possível ler a frase: “Alice -<br />

Uma história começa”, que junto com o ambiente de divulgação (blogs, sites,<br />

redes sociais, etc.), nos aciona regimes narrativos de um período de fragmentação<br />

que reflete no audiovisual uma ruptura além da sua característica<br />

episódica - exigindo do produto certa ubiqüidade. Esta marcação também é<br />

relembrada quando a personagem encerra seu trailer de divulgação na WEB<br />

com a frase: “Talvez valha mais uma Alice voando, do que mil Alices com os<br />

pés no chão”, que nos parece apontar o itinerário da série e seus personagens<br />

que seria traçado através de plataformas, discursos e atuações divergentes.<br />

Este percurso transmidiático implica em diferentes situações performáticas<br />

e tensões que são acionadas em momento de convergência.<br />

Através do Orkut, as redes sociais entram na série com um papel de<br />

um diálogo com a personagem mais livre, mais inserido no cotidiano. Com<br />

mais três personagens esta era primeira ação de Alice que inclua uma resposta<br />

humana, não pré-programada através de cálculos, sendo reativa para<br />

28


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

o público, já que o MSN só ganhou essa função na série depois da criação<br />

do Orkut. Quando questionada se este perfil em rede social era da atriz ou<br />

fictício, Andréia Horta sempre se referia a ele como sendo de Alice, um perfil<br />

real. Interação entre os personagens também existiam, mas constituíram<br />

menos de 10 recados (scraps) trocados em cada um. Os outros três perfis<br />

são: Teobaldo (Juliano Cazarré), Marcela (Gabrielle Lopez) e Nicolas (Vinicíus<br />

Zinn), respectivamente amigo, melhor amiga e namorado de Alice.<br />

O que era disperso em quatro perfis no Orkut se concentra em apenas<br />

um no Facebook. Através da personagem principal fictícia na rede, novos álbuns<br />

de fotos são construídos, eventos são marcados e novos amigos são<br />

feitos. O mural (wall) do site é construído com postagens cotidianas, fotos,<br />

respostas as perguntas dos usuários e aplicativos integrados que indicam<br />

quais músicas Alice está ouvindo. A música era um grande elemento construtor<br />

da imagem de Alice: Se no hotsite tínhamos um player com as músicas<br />

tema da série e a simulação da área de trabalho do computador da personagem,<br />

através do perfil dela nas redes sociais de música era dado acesso a<br />

listas (setlists) no Blip.fm, além de informações sobre a música que estava a<br />

personagem ouvia no momento com o Last.fm, onde tinha sua própria estação<br />

de rádio e misturava suas postagens do blog com vídeos no MySpace.<br />

Com o fim dos episódios na televisão em 14 de dezembro de 2008, Alice<br />

concentra-se na rede social mais popular à época no Brasil, onde suas pos-<br />

29


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tagens com 140 caracteres se tornam mais constantes do que no Facebook.<br />

Com quase 1.000 seguidores, Alice continua a contar sua história, através do<br />

Twitter integrado com as outras redes que permanecem online e com o serviço<br />

de localização do Foursquare. A ferramenta configura aqui o principal<br />

texto da “segunda temporada” da série, continuada pela internet, na qual a<br />

performance dos usuários (interatores) ganha destaque com o uso da ferramenta<br />

para perguntar sobre novas informações de outros personagens e<br />

de assuntos inacabados nos episódios da televisão. Além das redes sociais<br />

de postagem rápida, a série conta com o Tumblr, sistema de postagem semelhante<br />

ao blog, aproveitando para aposentar este último. Nela compartilhava<br />

posts dos blogs que seguia em um sistema semelhante ao do Twitter,<br />

porém com maior liberdade de caracteres, além de complementar sua narrativa.<br />

Disponível em < http://www.maisalice.tumblr.com/><br />

No entanto, é o Foursquare integrado a outras redes sociais que radicaliza<br />

com a noção de performance das duas instâncias: produto e fruidor.<br />

Numa rede social que possui objetivos, como uma espécie de jogo, o usuário<br />

pode se tornar “prefeito” de um local se ele foi o frequentator mais assíduo.<br />

Na série a rede é usada através do serviço de geolocalização para informar<br />

quando e onde Alice está em São Paulo. Cafés, restaurantes, seu trabalho no<br />

brechó. É aqui onde temos o ponto extremo das ações urbanas gerenciando<br />

uma atuação performática.<br />

30


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em suas transições entre as mídias, Alice continua sua narrativa de onde<br />

parou na mídia anterior, de forma que os textos se completam, mesmo com<br />

resumos típicos do gênero televisivo na sua volta às telas com dois telefilmes.<br />

Assim, a série se configura como uma narrativa transmidiática, não necessariamente<br />

a primeira a testar alguns experimentos.<br />

Voltamos então a 1997, quando a série norte-americana Homicide do<br />

canal NBC lançou o que na época era chamado de spin-off online 9 intitulado<br />

de Homicide: The Second Shift. A série foi a primeira da televisão a fragmentar<br />

seu texto entre mídias e quebrar com a lógica da grade televisiva.<br />

Na versão online, fragmentos de vídeos, imagens e textos dispostos no site<br />

davam as mesmas pistas dos detetives da série televisiva, começando sua<br />

transmidiação com crimes cometidos na versão exibida na web às quartas e<br />

quintas. Nas sextas-feiras o audiovisual da televisão continuaria com os crimes<br />

que os detetives da versão do Homecide.com começaram a investigar,<br />

dando continuidade ao que começou na internet, como nos conta John t.<br />

Caldwell (2003). No ano seguinte surge o drama adolescente Dawson’s Creek<br />

pela Sony com a simulação da área de trabalho dos personagens, incluindo<br />

diários virtuais etc. Depois temos o filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch<br />

Projetct) que é lançado nos Estados Unidos em 1999, no qual a produção<br />

usou falsas notícias em jornais e um documentário para fazer o público crer<br />

9 Um novo produto midiático originário de outras séries ou programas que já existem.<br />

31


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

que três jovens desapareceram nas florestas em busca da bruxa. Pistas falsas<br />

foram plantadas na floresta onde se passava a história cerca de um ano antes,<br />

assim como notícias em jornais apareceram depois das pistas, além do<br />

documentário exibido no canal norte-americano Sci Fi.<br />

Nada melhor para falar sobre embaralhamentos entre real e ficção do<br />

que mencionar o clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, obra<br />

em que os sintomas e os agenciamentos entre realidade e ficção ganham<br />

escopos narrativos usados como premissa para a criação do seriado de TV<br />

Alice, do canal HBO.<br />

A relação entre que está disposto como parte da narrativa do seriado de<br />

TV, aquilo que se dispõe nas redes sociais e o cotidiano agendado pelos personagens<br />

nos faz pensar sobre novas formas de assistir/performatizar produtos<br />

televisivos. No momento em que “sai” da TV, passa a existir no cotidiano,<br />

a personagem Alice, da série, adere ao cotidiano, acionando no espectador<br />

habilidades que visam não mais separar “vida real” e “vida no seriado”, mas<br />

operacionalizar os agenciamentos entre eles. Estaríamos diante do que Michel<br />

De Certeau infere sobre cotidiano inventado, inserção do lúdico no dia-a-dia,<br />

sem haver uma tão radical oposição entre trabalho-lazer, real-ficção, borda-<br />

-centro. A noção de cotidiano inventado é compreendida como uma camada<br />

textual da série “Alice”, em que a personagem, assim como no original de<br />

Carroll, “atravessa espelhos” e caminha por entre espaços em que não se tem<br />

32


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

tão clara a noção entre onde começa a série e onde é “vida real”. A série reforça,<br />

no entanto, a existência de um dorso narrativo – portanto, as noções de<br />

autoria e de ingerência das instancias produtivas persistem - e reafirma a necessidade<br />

da presença do unitário mesmo em um momento de digitalização,<br />

fragmentação e pós-consumo que perpassam as engrenagens midiáticas.<br />

O uso da obra de Carroll é, primeiramente, acionado pelo próprio objeto,<br />

a série Alice da HBO, que é publicamente inspirada em enredo e formato<br />

narrativo nas questões que Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo<br />

de Lewis Carroll, traz nas obras publicadas entre as 1860 e 1870: Alice’s Adventures<br />

in Wonderland e Through The Looking Glass. Percebemos elementos<br />

em sua obra que parecem nos ajudar a compreender a lógica da convergência<br />

e a premissa da criação de micromundos sintomáticas de uma televisão<br />

contemporânea.<br />

Considerações finais: novos regimes de espectatorialidade<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Falar em regimes de espectatorialidade é perceber que na lógica de uma<br />

televisão que se expandida através de outras mídias e plataformas há níveis<br />

de fruição que imbricam diferentes tipos de performance do interator.<br />

É reconhecer que esta televisão que embaralha o real e o fictício é feita de<br />

33


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

camadas, para públicos distintos dentro do mesmo nicho, evocando formas<br />

de consumo que antes pareciam menos públicas nas nuances subterrâneas<br />

do fandom.<br />

Há, neste sistema de ver e agora “entrar” televisão, como Alice do Carroll<br />

entra no espelho, níveis de espectatorialidade a partir do momento em que<br />

percebemos uma ruptura com regimes enquadrados pela grade de televisão<br />

e suas lógicas comerciais.<br />

Talvez agora seja promissor voltarmos a penar no campo de estudos dos<br />

Usos e Gratificações que, outrora na esfera da recepção, encontra-se atualmente<br />

na égide da produção narrativa ao passo que identifica alguma atividade<br />

do espectador que busca naquilo certas gratificações, como quando a<br />

audiência começa a ser pensada com certa atividade, seletividade e expectativas<br />

de recompensa ou gratificações pelo uso da mídia na década de 1970.<br />

Certas discussões sobre o conceito clássico de transmídia diante da série<br />

Alice trazem à tona a questão de que é esta gratificação que leva o consumidor<br />

a níveis mais profundos do texto, percorrendo o itinerário transmidiático,<br />

mas principalmente nos fazem assumir que há níveis do texto para<br />

cada intenção de consumo, seja para um indivíduo que espera apenas assistir<br />

televisão enquanto passa à ferro suas roupas, ou para o indivíduo que sai<br />

da frente do computador para “entrar no espelho”, encontrar e questionar<br />

o seu personagem favorito nas ruas de São Paulo. A televisão não deixa de<br />

34


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ser uma experiência em nenhum das duas situações, mas passamos a fazer<br />

parte desta experiência quando vamos até a última camada do seu último<br />

texto seja por motivos comerciais do produto ou pela gratificação que nos<br />

faz sermos todos “Alice”.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

AARSETH, Espen J. Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature. Estados Unidos: The<br />

Johns Hopkins University Press, 1997.<br />

BAL, Mieke. Teoría de la narrativa: Una introducción a la narratología. Madri, Espanha:<br />

Ediciones Cátedra, 1990.<br />

BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge:<br />

MIT Press, 2000.<br />

BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: Dispositivos sociais de crítica midiática.<br />

São Paulo: Paulus, 2006.<br />

CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do Espelho e o que<br />

Alice encontrou por lá. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.<br />

DE CERTEAU, Michel. Artes de Fazer: a Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.<br />

DENA, Christy. Patterns in Cross-Media Interaction Design: It´s Much More than a URL<br />

(Part. 1). Postado em: 06 jan. 2006 no Blog Christy’s Corner of the Universe. Disponível<br />

35


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

em: .<br />

Acesso em: 24 jun. 2012.<br />

EVERRETT, Anna; CALDWELL, John. New Media: Theories and Practices of Digitextualit.<br />

Nova York: Routledge, 2003.<br />

GIOVAGNOLLI, Max. Transmedia Storytelling: Imagery, Shapes and Techniques. ETC Press:<br />

Pittsburgh, 2011.<br />

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />

______. Transmedia Storyteling. MIT Technology Review, 2003. Disponível em . Acesso em: 06<br />

set. 2012.<br />

______. Transmedia 202: Further Reflections. 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 mai. 2012.<br />

KINDER, Marsha. Playing with Power in Movies, Television, and Video Games: From Muppet<br />

Babies to Teenage Mutant Ninja Turtles. Berkeley: University of California Press, 1993.<br />

LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, funções pós-massivas e territórios<br />

informacionais. In: Matrizes, Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação.<br />

USP, ano 1, n.1, São Paulo, 2007, pp.121-137. Disponível . Acesso em: 05 mai. 2012.<br />

______. Mídias Locativas e Territórios Informacionais. Salvador, 2008. Disponível em: <<br />

http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/midia_locativa.pdf>. Acesso em:<br />

12 mai. 2012.<br />

36


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

LONG, Geoffrey. Transmedia Storytelling. Busines, Aesthetics and Production at the Jim<br />

Heson Company. 2007. 185 f. Dissertação (Mestrado em Science in comparative media<br />

studies) – Programa de Comparative Media Studies, Massachusetts institute of technology,<br />

Commonwealth of Massachusetts, New England, 2007.<br />

MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:<br />

Unesp, 2003.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

37


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

“FANMEDIA” STORYTELLING:<br />

A PRODUÇÃO CULTURAL DOS FÃS NA ANÁLISE<br />

DE COMPOSIÇÕES TRANSMIDIÁTICAS NARRATIVAS<br />

Alan Mascarenhas 1<br />

Resumo<br />

Através de conceitos divergentes sobre narrativas transmidiáticas, propomos uma<br />

reflexão sobre qual o lugar da produção do fandom dentro de um circuito transmidiático.<br />

Para tanto, expomos exemplos de fanficções e questionamos como podemos<br />

pensar uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática para análise de<br />

narrativas deste gênero. Ponderamos então os remixes de obras feitos pelo fandom,<br />

os quais podem provocar reconfigurações nos produtos culturais originais, remetendo<br />

a um possível resgate da aura destas obras. Desaguamos então no termo<br />

“fanmedia” para classificar e entender a tomada da mídia por parte do seu público.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Palavras-Chave: Fandom. Transmedia storytelling. Inteligência coletiva; Reconfiguração.<br />

Cibercultura.<br />

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />

em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />

(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: alanmanga1@gmail.com.<br />

38


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A imersão em narrativas é um desejo que acompanha o ser humano em<br />

sua evolução social, como reflete Janet Murray (2003). O processo que tem<br />

como vetor esta imersão percorre o cinema “mudo” com trilha sonora apresentada<br />

ao vivo, chega na terceira dimensão, na apresentação de hologramas<br />

e na transmidiação. Todas estas situações naturalmente reconfiguram formas<br />

de produção e consumo de produtos culturais. Na instância que cobre os<br />

espectadores, a imersão pode proporcionar uma abertura daquele produto<br />

a atividades do fandom que outrora estiveram à margem do produto original,<br />

tais como fanficções e incontáveis produções “não oficiais” produzidas<br />

por fãs, ou seja, uma produção fan made. Neste formato de produção fandômica<br />

há uma “reprodutibilidade remixada”, onde fãs do produto cultural<br />

“remixam” conteúdos no líquido do ciberespaço, colocando em questão o<br />

controle das franquias de entretenimento.<br />

Diante deste statu quo, refletimos o conceito de narrativas transmidiáticas,<br />

escrito primeiramente por Henry Jenkins em Cultura da Convergência<br />

(2008), sobre um fenômeno anterior, já estudado por Janet Murray (2003),<br />

levantando questionamentos acerca da reconfiguração proporcionada pela<br />

subprodução dos fãs referentes a uma obra narrativa transmidiática e suas<br />

ponderações diante da conceituação de tal gênero narrativo.<br />

39


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Nosso vetor é propor uma reflexão inicial sobre qual o lugar das produções<br />

de fãs em uma franquia e em qual momento narrativo elas podem<br />

se situar em uma narrativa transmidiática e em seu universo, a fim de corroborar<br />

com futuras análises de peças com tais características. Partimos de<br />

questionamentos referentes à reconfiguração da narrativa transmidiática,<br />

tais como: poderiam esses produtos fan made transformar uma narrativa em<br />

transmidiática Em qual lugar de um circuito transmidiático podemos alocar<br />

tais produções para análises de produtos Em suma, como podemos pensar<br />

uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática<br />

Levantaremos essas questões e refletiremos possíveis considerações diante<br />

de uma regressão conceitual no percurso que acreditamos culminar no<br />

que Jenkins (2008) chama de narrativa transmidiática. Assim, discutiremos<br />

alguns exemplos de produção de fãs diante deste cenário, escolhendo produtos<br />

que não são narrativas transmidiáticas a priori, como a série televisava<br />

The O.C. e as obras literárias de Harry Potter, para pensarmos se produtos<br />

fan made em plataformas distintas ativam transmidiação narrativa. A possível<br />

verificação do assunto nos inferiu o termo “Fanmedia Storytelling”, uma<br />

remixagem do “transmedia storytelling” com o “fan made”, como forma de<br />

referência às duas práticas que se aglutinam. Trazemos o termo num sentido<br />

dispare do já ocorrente “media fandom”, usado para referir-se aos fãs de<br />

produto de mídia.<br />

40


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Especificamente relacionado a produtos audiovisuais, tais como séries e<br />

filmes, como discorre Francesca Coppa (2006), o media fandom é constantemente<br />

contraposto aos outros grupos de fãs pelas relações que este público<br />

estabelece com a instância de produção. Coppa (2006) difere media fandom<br />

de grupos de fãs de celebridade, de música, de revistas em quadrinho etc.,<br />

mas ressalta que a partir da década de 1990, com a migração dos fãs para<br />

um espaço mais próximo do mainstream, através da internet, os grupos, antes<br />

isolados, se tornaram vizinhos. Assim, um fã de celebridade facilmente<br />

produzia textos relacionados ao fandom de quadrinhos e se torna mais difícil<br />

a divisão por tribos.<br />

Percebemos esta movimentação nítida principalmente em tempos de convergência<br />

midiática. Para Márcio Padrão, o relacional, existente nos media fandom,<br />

é um dos grifos deste grupo de fãs: “o processo de sociabilização entre as<br />

pessoas já havia sido iniciado anos antes [à internet], com o progressivo surgimento<br />

das media fandoms” (PADRÃO, 2007, p.13).<br />

Estamos claros de que essa movimentação vernarcular do público diante de<br />

um produto não é nova, haja vista que a produção dessa considerada subcultura<br />

dos fãs, o fandom, acontecia ainda com mídias impressas através dos fanzines,<br />

revistas desenvolvidas paralelamente por fãs de forma independente desde a<br />

década de 1930, “a partir da iniciativa dos fãs de ficção científica” (MAGALHÃES,<br />

2003, p.7). Ressaltamos aqui que, naturalmente, na internet há uma nova expo-<br />

41


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

sição desses conteúdos de subculturas, cabendo um papel de reconfiguração<br />

no produto principal, como observamos, através de leituras resistentes.<br />

Modelos rígidos da comunicação perante os líquidos da cibercultura<br />

Décadas fizeram-se necessárias para que os modelos rígidos de comunicação,<br />

difundidos a partir do século XX através dos estudos do Mass Comunication<br />

Research, iniciassem um processo de retração e abrissem as perspectivas<br />

comunicacionais para modelos que projetassem o receptor passivo<br />

ao status de fruidor e participante ativo na produção midiática.<br />

O nascimento da televisão, talvez a mídia com narrativas audiovisuais de<br />

maior alcance no Brasil, vem diante de uma premissa massiva e linear de comunicação<br />

que, mesmo décadas depois do seu surgimento, segundo Lúcia<br />

Santaella (2006, p. 54), ainda não teria sido superada integralmente:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Não obstantes as críticas e as modificações que foram e continuam sendo<br />

inseridas no modelo original de Shannon, o que não se pode negar é que<br />

o esquema analítico por ele proposto, ou seja, a essência do modelo tem<br />

continuado como uma presença constante desde os anos 50.<br />

Neste aspecto, naturalmente não consideramos a televisão como um ve-<br />

42


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ículo onde o modelo matemático implica em total passividade do individuo<br />

perante o conteúdo midiático. Ressaltamos, apenas, que aqui não há uma<br />

situação interativa plena, ou seja, em tempo real e horizontal, onde o espectador<br />

dota das mesmas ferramentas que o produtor de conteúdo para uma<br />

comunicação de duas vias.<br />

Portanto, consideramos mídias massivas os dispositivos que adotam uma<br />

relação vertical com seu público, através dos quais os produtores de conteúdo<br />

regram o fluxo de suas produções, buscando o controle e lucro. Esses<br />

produtos, segundo Thompson (2009), são colocados à disposição de muitos<br />

e construídos para não desagradar a maioria da “massa”, já que são baseados<br />

em um modelo mercantilista.<br />

Para André Lemos (2007), mídias clássicas como televisão, impressos etc.<br />

obedecem a funções massivas. Segundo o autor, tais funções são características<br />

de plataformas de uma era que começa na Revolução Industrial e pressupõem<br />

uma rede telemática inexistente, visando à criação de hits em larga<br />

escala: “As funções massivas são aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para<br />

pessoas que não se conhecem, que não estão juntas espacialmente e que<br />

assim têm pouca possibilidade de interagir” (LEMOS, 2007, p.6).<br />

A partir do final do século XX e início do XXI podemos observar uma era<br />

pós-industrial e a necessidade de superação de tais modelos, guiada por<br />

transformações sócio-culturais que se tornam latentes com a disseminação<br />

43


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

de uma cultura eletrônica, virtual, oriunda da popularização da internet e do<br />

ciberespaço.<br />

Pierre Lévy (2005, p. 17) destaca o ciberespaço como “o novo meio de comunicação<br />

que surge da interconexão mundial de computadores” e o classifica<br />

como sendo a parte fluida, imersiva e coletiva que envolve a web, dando<br />

a tônica à cibercultura.<br />

As ferramentas interativas do ciberespaço atuam, então, como potencializadoras<br />

das ações do público diante do produto midiático, fazendo com<br />

que assim seja possível a audiência se aproximar do cerne de uma narrativa,<br />

mesmo que esta tenha, inicialmente, funções massivas. Tais possibilidades se<br />

dão por três premissas dessa nova cultura: “A liberação da emissão, a conexão<br />

generalizada e a reconfiguração das instituições e da indústria cultural<br />

de massa” (LEMOS, 2007, p.6).<br />

Se tínhamos um público reflexivo diante da televisão, porém sem ferramentas<br />

suficientes para uma ação interativa em determinados conteúdo, é a<br />

partir deste momento da história que vislumbramos as possibilidades de fruição<br />

de conteúdo e de um interator diante das mídias, retomando o que era<br />

percebido no campo de estudos “Usos e Gratificações” da década de 1960.<br />

A partir desses princípios, compreendemos que o virtual traz à margem<br />

o subterrâneo, emparelhando-o com a produção midiática massiva, propor-<br />

44


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

cionando uma convergência de conteúdo e, consequentemente, novos paradigmas<br />

que elevam a comunicação para um nível 2.0, onde os pólos de<br />

emissão e recepção são dispostos horizontalmente nas televisões interativas,<br />

nas produções coletivas da web etc.. Ou seja, um ambiente que, a partir<br />

da sua disseminação e do letramento midiático da sociedade, proporciona<br />

funções pós-massivas para os dispositivos.<br />

As funções pós-massivas têm a rede telemática como potencializadora<br />

de suas ações, já que são baseadas em uma comunicação de um para um, de<br />

nichos, ou seja, uma comunicação bidirecional na qual se pressupõe a conexão<br />

entre o público e sua capacidade de engendrar inteligência de forma coletiva,<br />

a fim de preencher lacunas do produto midiático, como afirma Lemos<br />

(2007). Para ele, “as mídias de função pós-massiva, por sua vez, funcionam a<br />

partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação,<br />

«liberando» o pólo da emissão, sem necessariamente haver empresas e conglomerados<br />

econômicos por trás” (LEMOS, 2007, p.5).<br />

Sendo assim, as funções massivas se baseiam em produtos clássicos da<br />

mídia que não proporcionam por si só um ambiente de leitura e escrita. Há<br />

aqui o controle excessivo das empresas perante o produto e o público. As<br />

pós-massivas, por sua vez, vislumbram ambientes mais propícios à escrita.<br />

Se temos uma situação de convergência de mídias e de seus conteúdos,<br />

temos funções massivas e pós-massivas em alternância frenética. Afinal, ao<br />

45


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tratarmos da série de livros de Harry Potter isoladamente, estamos lidando<br />

com funções massivas. Se convergimos a internet com o livro nas criações<br />

colaborativas de fãs, temos produtos fan made, objetos pós-massivos, frutos<br />

das funções massivas do ciberespaço.<br />

Em tempos de convergência, não cabe apontarmos quais mídias são interativas<br />

ou quais são mais voltadas a um telespectador passivo, muito menos<br />

designar qual é massiva ou pós-massiva. No entanto, vale refletir novos<br />

conteúdos diante de funções massivas e pós-massivas engendradas, pois até<br />

mesmo na internet, ambiente considerado de alto potencial de escrita – contrário<br />

ao da televisão, que possibilita apenas a leitura em tempo real – temos<br />

portais de notícias, a exemplo, que não dispõem de campos de comentários<br />

e só oferecem o e-mail como canal de contato, o que é quase equivalente<br />

ao rádio dispor do telefone para falar com seus ouvintes.<br />

Sendo assim, a interatividade aqui proposta é a da participação integral<br />

no ciberespaço, de modo a que os indivíduos estejam trocando conteúdo,<br />

idéias e planejando estratégias, como no caso dos jogos em tempo real,<br />

fazendo com que essa dinâmica midiática construa novas práticas comunicativas<br />

produtivas de mão dupla e a várias mãos, como o crowdsourcing e<br />

toda a cultura do remix. Atribuímos ao termo interatividade uma noção de<br />

qualidade quase artesanal na comunicação massiva, considerando que ela<br />

está a serviço de um novo tipo de interface que proporciona uma partici-<br />

46


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

pação efetiva que pode gerar mudanças, trazer novos enfoques e promover<br />

variáveis comunicacionais.<br />

Ponderações sobre narrativas transmidiáticas<br />

A confluência de fenômenos massivos e pós-massivos é aqui destacada<br />

em produtos culturais principalmente transmidiáticos. Sendo estes produtos<br />

decorrência de um fenômeno transmidiático oriundo da convergência de<br />

plataformas e de seus conteúdos. Jenkins (2008, p. 27), conceitua a convergência<br />

da seguinte forma:<br />

Refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos,<br />

à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento<br />

migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer<br />

parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

De acordo com Jenkins (2008), uma narrativa transmidiática compreende<br />

a prática de contar uma única história de forma fragmentada, através de várias<br />

plataformas, ou seja, fazendo uso de sites, games, filmes, livros etc., para<br />

narrar partes diferentes de uma obra que, juntas, se completarão, ganhando<br />

sentido para o público através da inteligência coletiva. Sendo assim, “uma<br />

47


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos,<br />

com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o<br />

todo”. Com plataformas dando o melhor de si, é, então, criado um universo<br />

ficcional e imersivo para os fãs habitarem e interagirem (o qual chamamos<br />

de micromundo 2 ). Internacionalmente o modelo foi experimentado em séries<br />

como Lost e Heroes, e nacionalmente na série Alice, as quais trazem, em<br />

maior ou menor nível, o público ao cerne da narrativa, promovendo funções<br />

pós-massivas em produtos típicos da TV, uma mídia clássica.<br />

Para o pesquisador e consultor de projetos transmidiáticos Geoffrey<br />

Long 3 , “transmídia significa qualquer coisa que se move de uma mídia para<br />

outra”. Domingos (2008, p.2), baseado em Jenkins (2008), afirma que narrativas<br />

transmidiáticas “tornam fluidas as noções clássicas de tempo, espaço,<br />

tensão, clímax, ponto de vista, fio narrativo, gêneros narrativos e assim por<br />

diante”. Acentuamos aqui, então, que uma narrativa transmídia não é o mesmo<br />

que o termo “transmídia” isolado, o que entendemos ser a interpretação<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

2 Resgatando a noção de “micromundo” desenvolvida por Seymour Papert em 1980 na obra Mindstorms, Murrey<br />

(2003) explica que a visão inicial para o conceito era de que estes ambientes arquitetados pela virtualidade do computador,<br />

serviam para estudantes, que em um processo de imersão, executaram suas pesquisas. Murray (2003) passa<br />

a entender o conceito, além da comunicação educacional, como micromundo narrativo. A autora acredita que “a<br />

combinação de texto, vídeo e espaço navegável sugeria que um micromundo baseado em computador não precisava<br />

ser matemático, mas poderia ser delineado como um universo ficcional dinâmico, com personagens e eventos”<br />

(MURRAY, 2003, p. 21). Neste estudo, percebemos os micromundos narrativos nos eventos transmidiáticos ficcionais.<br />

3 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em < http://www.revistapontocom.org.br/p=1442>.<br />

Acesso em 14 set. 2009.<br />

48


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

de Geoffrey Long. Este último se refere mais a estratégias de locomoção de<br />

conteúdo de uma mídia para a outra, do que a construção de uma narrativa<br />

entre diversas mídias, sendo entendido como algo que pode ser trocado por<br />

conceitos anteriores como o de Crossmedia. No caso deste termo que surge<br />

com o marketing e a publicidade, o mesmo produto, campanha, ou serviço<br />

utiliza-se de diversas plataformas (LUSVARGUI, 2007). Não há aqui, como na<br />

convergência, necessariamente uma extensão narrativa que se desdobrará<br />

em pedaços montáveis pelo fandom, como as narrativas transmidiáticas.<br />

Há que se levar em conta, ainda, que a palavra ‘narrativa’ pressupõe linguagem;<br />

portanto, os diferentes suportes devem utilizar a linha semântica que<br />

lhes compete e que a narrativa transmidiática não pode se furtar a respeitar,<br />

tais como os processos hipertextuais. A transposição de uma narrativa televisiva<br />

para um portal, por exemplo, não pressupõe a transmidialidade.<br />

Previamente a Jenkins, Murray (2003) define que narrativas contadas no ciberespaço<br />

tendem a ser caleidoscópicas e elevam o público, outrora entendido<br />

como receptor, a interator. Nesse sentido, entendemos que o público é apontado<br />

não apenas como um fruidor de conteúdo midiático, mas como uma possível<br />

peça-chave na construção de uma narrativa, como discorre Murray (2003, p. 147):<br />

O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o contexto<br />

e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele<br />

49


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório<br />

de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular<br />

dentre de muitas danças possíveis previstas pelo autor.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O papel do interator descreve o público de um produto midiático arquitetado<br />

sob funções pós-massivas e massivas, tais como as narrativas transmidiáticas<br />

propostas por Henry Jenkins. No entanto, a partir do momento<br />

em que se propõem novas posturas para o produtor de conteúdo e sua<br />

audiência, em meio a uma perspectiva clássica, há uma reconfiguração de<br />

modelos comunicacionais outrora estabelecidos, mediante novos comportamentos<br />

sociais, como ressalta Lemos (2007, p.2): “novas dimensões emergem<br />

com as novas tecnologias digitais e as redes telemáticas (...) Devemos,<br />

então, reconhecer a instauração de uma dinâmica que faz com que o espaço<br />

e as práticas sociais sejam reconfigurados com a emergência das novas”.<br />

A emergência de uma cultura participativa conflui funções massivas e<br />

pós-massivas, gerando uma nova dimensão na esfera comunicacional, onde<br />

há uma remediação, ou seja, onde dispositivos como a televisão, a exemplo,<br />

se apropriam de funções da internet, como explica Lemos (2007), através de<br />

Bolter e Grusin. O autor retoma tal visão ao referir-se a uma crise da mídia<br />

de massa e à emergência de uma remediação que desemboca em uma reconfiguração<br />

(LEMOS, 2007, p.7):<br />

50


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Trata-se efetivamente de «remediações» na esfera das mídias, mas também<br />

de reconfigurações de práticas sociais e de instituições (organizações, leis).<br />

Temos hoje o modelo de funções massivas da indústria cultural dos séculos<br />

XVIII a XX e o modelo de funções pós-massivas, caracterizado pelas mídias<br />

digitais, as redes telemáticas e os diversos processos «recombinantes» de<br />

conteúdo informacional emergentes a partir da década de 1970.<br />

Fandom como produtor cultural<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Com maior diversidade de ferramentas à disposição de sua criatividade e<br />

uma rede telemática, os fãs perderam o status de reprodutores com suas sátiras<br />

da mídia de massa e passam a ser classificados como produtores culturais.<br />

Quando um produto cultural entra no fandom, ele naturalmente perde o controle<br />

rígido que a indústria ou o autor procedimental tem sobre sua criação.<br />

As ações do fandom não são mais tidas diante de um sistema previamente<br />

calculado, como Janet Murray (2003) define o papel do interator. Este conceito<br />

é útil nas narrativas transmidiáticas já que de certa forma é compreendido que<br />

os fãs remixarão o produto original, mas não há como limitar a ação deles, há<br />

apenas como tentar mantê-las fora do circuito oficial do produto.<br />

O fandom surge como termo ainda em 1990, referindo-se à transformação<br />

de produtos da cultura de massa em um produto da subcultura dos fãs,<br />

devido as suas reapropriações, as quais aconteciam como uma conseqüência<br />

51


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

do seu sistema organizacional ainda antes da internet, mas que com o espaço<br />

público reconfigurado por esta, suas ações ganharam maior notoriedade.<br />

Tendo a internet não só como fonte de material, mas principalmente<br />

como fonte de divulgação, o fandom digitalizou os fanzines e assim criaram<br />

os fansites, que por muitas vezes tem conteúdo mais vasto e coerente do que<br />

espaços virtuais oficiais dos ídolos, já que os fansites são frutos de comunidades<br />

colaborativas de conhecimento especializado. Da logomarca do site<br />

às camisetas vendidas para manter financeiramente a estrutura da página,<br />

vemos produtos de fanart, ou arte dos fãs, e que são consumidas e recriadas<br />

dentro do seu próprio círculo. Com a popularização do vídeo pelo formato<br />

flash, mais leve e naturalmente mais rápido que os demais, através do<br />

YouTube as paródias ganham novamente destaque, mas emergem também<br />

recriações que se apropriam do conteúdo intelectual de uma série televisiva,<br />

por exemplo, ao ter seus capítulos refeitos e divulgados pelos fãs, com o<br />

roteiro alterado. Na série norte-americana The O.C., exibida de 2003 a 2007<br />

e produzida por Josh Schwartz para a Warner, por exemplo, insatisfeitos com<br />

o cancelamento da série, os fãs continuaram a produção dos episódios com<br />

cenas já exibidas na televisão, reeditando-as e criando novas temporadas<br />

com roteiro inédito para serem vistas no site de vídeos.<br />

Com relação às narrativas impressas, tais como grandes obras literárias,<br />

encontramos um universo paralelo de autores-fãs (ficwriter), com vários vo-<br />

52


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

lumes publicados de suas histórias favoritas, reescritas de acordo com seu interesse<br />

pessoal e amplamente difundidas no ciberespaço. Assim, observamos<br />

a juvenil Escola da Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde Harry Potter estudou<br />

durante sua juventude, tornar-se um ambiente libidinoso, com paixões entre<br />

alunos e professores 4 e sexo nas masmorras do castelo entre uma aula de varinhas<br />

e outra de Trato de Criaturas Mágicas. Ou ainda ganhar uma narrativa<br />

estruturada nos modelos humorísticos, ao contrário da obra original escrita<br />

por J.K Rowling em sete volumes lançados pela Bloomsbury Publishing, entre<br />

1997 e 2007 . Tais criações narrativas de fãs são intituladas de Fanficion,<br />

que em tradução livre adquire o sentido de “ficção de fã”. Em alguns casos a<br />

estrutura dessas narrativas é tão rica e estruturada quanto a dos autores procedimentais<br />

sendo confundidas por um público desatento com a obra que<br />

as “inspirou”, principalmente quando essas tratam de uma extensão de uma<br />

narrativa já encerradas, como a de Harry Potter e The O.C.<br />

Depois da finalização das ficções desenvolvidas em ambientes virtuais nos<br />

sites HarryPotterFanfic.com e Potterish.com, os ficwriters não hesitam em publicar<br />

suas obras para correção, pois esta será feita de forma colaborativa com<br />

outros fãs, quando não há, no site que publica as obras, uma equipe oficial de<br />

correção, igualmente formada por fãs<br />

4 Dados através do site americano Harry Potter Fan Ficton, disponíveis em , e no brasileiro Potterish, disponível em .<br />

Acesso em 10 set. 2009.<br />

53


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Para John Fisk (1992) todo engajamento com um produto cultural envolve<br />

certa produção semiótica, produção enunciativa e produção textual. A primeira<br />

referindo-se a criação de sentido em cima do produto e a interpretação do<br />

que se vê na mídia; a segunda ligando-se a discussões sobre conteúdo, etc.,<br />

o que vemos nos fórums; a terceira refere-se à produção textual no uso de<br />

produtos culturais como base para a criação de novos produtos. Estes sendo<br />

produzidos por fãs são o que consideramos como fan made.<br />

A definição do fan made abarca as questões tratadas por Pedro Peixoto Curi<br />

(2009, p.3) ao tentar explicar um fan film, o qual é classificado naturalmente<br />

como uma produção de fã:<br />

Uma definição para fan films é a de uma produção independente, baseada<br />

em um objeto da cultura oficial, feito por um fã e voltado para um público específico:<br />

outros fãs. São filmes feitos geralmente para preencher lacunas deixadas<br />

nas histórias ou para mostrar uma visão diferente sobre aquele objeto.<br />

Não têm como objetivo o lucro e são feitos por e para a diversão. Um meio<br />

de se aproximar de outros fãs e de se destacar dentro das comunidades.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A ressalva que fazemos, no entanto, está norteada pela intenção de<br />

alguns fãs em chegarem ao mesmo patamar do produto oficial, especificamente<br />

sendo classificado como tal, com o intuito de reconfigurar a<br />

produção oficial.<br />

54


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O fan made tem claras manifestações do Do It Yourself (DIY: Faça Você<br />

Mesmo, em tradução livre), relíquia herdada do movimento punk da década<br />

de 1970 em manifestação ao mercado capitalista. Remetendo-se a rebeldia.<br />

Para Jenkins (2006), os fandoms articulam-se entre o DIY e as características<br />

das plataformas de leitura, escrita, convergência de mídia e conexão<br />

de usuários.<br />

Murray (2003, p.183), confirma a já vista atualmente perda de controle<br />

dos autores procedimentais de produtos oficiais ao explicar que “se dermos<br />

ao interator total liberdade para improvisar, perderemos o controle sobre o<br />

enredo”. A autora tem interator como aquele que representa o emissor embutido<br />

do direito de interagir em um meio interativo. No caso do fandom,<br />

trazendo o conceito na possibilidade de o fã alterar o produto cultural, promovendo<br />

interação e interatividade com a mídia. Tal processo é inerente ao<br />

ato de consumo do fandom, já que uma das características do fã é se apropriar<br />

de um produto desenvolvido para a cultura de massa, ou de acordo<br />

com os paradigmas atuais, apropriar-se de qualquer produto cultural, independente<br />

do seu público alvo.<br />

Com o conceito de interator proposto por Murray (2003), constatamos<br />

que tais ações podem interferir de pelo menos três formas diferentes em<br />

uma narrativa. A primeira através da reapropriação da autoria, alterando a<br />

história com a mesma propriedade do autor primário, mantendo sua estru-<br />

55


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tura de personagens e lugares comuns, como observamos na fanfiction, a<br />

fim de uma divulgação paralela ao produto oficial. Já a segunda, percebemos<br />

através das interações limitadas pelo autor ou pela plataforma, assim<br />

como na Televisão Interativa Digital, onde a maioria das ações possíveis<br />

de um usuário, exceto pelo quadro de conversação através de chat, seria<br />

pré-calculadas. A terceira, então, ocorreria através do ativismo narrativo,<br />

termo definido pela autora Pamela Wilson, em 2004, em seus estudos sobre<br />

a ponderação do feedback de telespectadores no ciberespaço. Nesse<br />

último caso, de acordo com a reação do público a um produto narrativo<br />

no ciberespaço durante o desenrolar do mesmo, como uma novela, os autores<br />

poderiam alterar o seu final. O ativismo narrativo foi experimentado<br />

em The O.C. sem êxito, para a alteração do roteiro da última temporada da<br />

série, o que pode ter levado à criação de vídeos subseqüentes por fãs que<br />

deram o encaminhamento que queriam à história.<br />

Naturalmente, dentre as três formas de interação do interator em uma<br />

obra exemplificada, a maior problemática para a indústria é a forma incalculável<br />

e a imprevisibilidade das ações dos usuários que se apropriam do direito<br />

intelectual do autor e que acabam por distorcer a obra original. Assim, a<br />

linha entre o produtor de conteúdo e seu público torna-se demasiadamente<br />

tênue à vista dos produtores.<br />

Uma narrativa transmidiática ao ser desenvolvida prevê que haverá uma<br />

56


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

inspiração por parte dos fãs em seu universo fictício que acarretará em novos<br />

produtos. Há algumas tentativas de controle desta produção, não apenas nas<br />

transmidiações, que se concentram, a priori, em duas formas identificadas:<br />

Na primeira, eles são resultados de um processo de pós-consumo dentro<br />

do universo do fandom, servindo para manter os fãs ativos no produto por<br />

mais tempo. Ferramentas de controle podem ser criadas para “tentar” manter<br />

o sentido da obra procedimental. Este tipo de inferência foca em manter a<br />

história criada pelo autor procedimental intacta.<br />

Já na segunda, temos um convite para uma construção colaborativa da<br />

narrativa em si. Esta não precisa acontecer no pós-consumo e conta com a<br />

ajuda do fandom para construção da história, podendo acontecer tanto com<br />

fanfics, como com um espaço aberto para diálogo com a produção ou ainda<br />

com o personagem. Há, então, um convite por meio das plataformas.<br />

É imprescindível destacar que nenhuma destas duas formas ou derivações<br />

incitam uma liberação total do pólo de emissão, como propõe Lemos<br />

(2007) com as três premissas da cibercultura, já apresentadas. Temos, de<br />

fato, o engendramento de funções mássicas e pós-massivas.<br />

Se passarmos a considerar fanfics como parte integrante da narrativa transmidiática<br />

de Harry Potter, ou ainda se entendermos os episódios subseqüentes<br />

de The O.C. editados por fãs no Youtube como elementos integrantes da<br />

57


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

narrativa transmidiática, implica em afirmar esta produção como oficial.<br />

Todavia, dentre os produtos exemplificados, não tratamos de obras colaborativas<br />

em sua essência. Pelo contrário, vimos empresas demonstrarem<br />

preocupação com a perda da “aura” das obras, mas não no mesmo sentido<br />

stricto que Benjamin (1994) questiona pela reprodutibilidade primária.<br />

Se para Walter Benjamin a tese de a reprodutibilidade técnica provoca a<br />

superação da aura pela obra de arte, os conglomerados empresariais, que<br />

não estão preocupados com a discussão inicial do autor, agora refletem o<br />

que podemos considerar como uma perda da aura pela reprodutibilidade<br />

remixada propostas pelos fãs. Afinal, o contato com o cerne daquela obra<br />

pode se distanciar drasticamente, no processo de remix, das intenções narrativas<br />

do autor procedimental.<br />

Se tomarmos o exemplo de Harry Potter, temos incontáveis continuações<br />

do livro circulando pela internet. Basta um programa editor de texto,<br />

que pode até ser online, e um espaço de publicação para que nasça outra.<br />

Por mais que algumas obras se sobressaiam e sejam “eleitas” pelos fãs como<br />

as mais verossímeis, ou ainda que a própria autora do livro crie um espaço,<br />

como está fazendo no Pottermore.com, para alocar produções colaborativas<br />

de fãs, se torna frágil um apontamento por parte dos fãs de obras consideradas<br />

como oficiais. Podemos considerar, assim, que há nestas obras novas<br />

auras, diferentes da original proposta pela autora J.K. Rowling, principalmen-<br />

58


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

te por observamos diversas criações fanmade que alteram ou negam alguns<br />

sentidos expostos nos livros de Harry Potter.<br />

Ponderações sobre o fan made e uma possível fanmedia storytelling<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O amadurecimento da interatividade na comunicação é inerente à evolução<br />

tecnológica, mas somente a partir de plataformas com funções interativas<br />

desenvolveram-se ferramentas para a criação de uma dimensão<br />

onde o público pode existir dentro da narrativa de forma imersiva. Logo,<br />

observamos a prerrogativa da interação com a narrativa e a conseqüente<br />

possibilidade da reconfiguração da obra perante a dominação do fandom.<br />

A possibilidade de aproximação e mescla dos conceitos de emissor e receptor<br />

na produção audiovisual, proporcionada pela interatividade e convergência,<br />

é vista aqui na narrativa transmidiática. A promessa de deslocamentos<br />

inéditos nas posições do fruidor e do produtor de conteúdo presentes nesses<br />

conceitos, na medida em que as audiências deixam um papel passivo para assumir<br />

posição ativa na produção e emissão de conteúdo televisivo, precisa ser<br />

tida com cautela e trabalhada de forma única em cada produto, já que narrativas<br />

transmidiáticas são mutáveis e geram produtos novos a cada experiência.<br />

Destarte, entendemos que a narrativa transmidiática tem sido um dos<br />

59


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

mais complexos experimentos dentro da comunicação ao exercitar e trazer<br />

a bilateralidade para mídias clássicas de funções predominantemente<br />

massivas. Contudo, o universo transmidiático ainda demonstra problemas<br />

de ordem autoral e de propriedade intelectual, por exemplo, além da necessidade<br />

de um planeta devidamente conectado à internet, com um referencial<br />

simbólico comum a todos para uma livre conversação. Ainda assim,<br />

apontamos uma positiva consideração por parte do conceito com relação<br />

à subcultura dos fãs, os trazendo, como interatores ou não, para o universo<br />

construído pela produção.<br />

Considerar que alguns destes produtos (os que mudam ou negam o sentido<br />

da obra original) fazem parte da narrativa transmidiática é, então, negar<br />

o produto original dentro de sua própria narrativa. No patamar em que<br />

nos encontramos de reflexões sobre o conceito de narrativa transmidiática<br />

concomitantemente com as exemplificações, podemos compreender que a<br />

criação de novos textos fanmade pode compor a experiência transmidiática,<br />

mas não sua narrativa original, base. A não ser que estes se tornem produtos<br />

aliados à marca com outorga dos criadores ou equipe.<br />

Logo, não podemos considerar este fã como um interator na narrativa,<br />

apenas alocar o conceito de interator dentro do universo fictício (micromundo)<br />

desta estória, já que há uma reorganização de idéias a partir de peças já<br />

dispostas, mas estas não alteram o texto principal. As fanfics ou os episódios<br />

60


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

fanmande de The O.C. podem gerar um novo sentido para a obra, no que toca<br />

aos estudos de recepção, mas os quais não são pretendidos neste texto.<br />

Consideramos inicialmente no texto o termo “fanmedia” apenas como<br />

aglutinação e passamos a entendê-lo como de fato uma termologia para designar<br />

esta nova aura latente nos produtos quase que “feitos à mão” pelo fandom<br />

que toma um produto midiático para si.<br />

À primeira vista, para nós, o termo apenas referenciava aos fãs dentro de<br />

universos transmidiáticos e suas produções que reconfiguram a história procedimental,<br />

como destacamos no termo “fanmedia storytelling”. Passamos<br />

então a repensar fanmedia não apenas o relacionado a fãs de produtos das<br />

mídias (fans of media), mas às mídias dos fãs; a tomada de controle de um<br />

produto midiático e a conseguinte reconfiguração deste produto em diversas<br />

plataformas. Estando assim diferenciado também da noção de interator proposta<br />

por Murray (2003), que tem limites dentro de um espaço estabelecido<br />

no produto, e de “media fandom”, que define uma porção do fandom e seus<br />

diferentes movimentos e linguagens de produção para Coppa (2007).<br />

O termo fanmedia está alocado nas premissas do ciberespaço apontadas<br />

por André Lemos (2007) e citadas aqui através da liberação do pólo de<br />

emissão, conexão em rede e a reconfiguração da indústria midiática. Isto<br />

não implica em pensarmos numa dominação total das mídias por parte dos<br />

fãs que gere uma forma completamente nova da política na indústria, mas a<br />

61


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

de fato uma reconfiguração de fluxos que até o momento pode ser considerada<br />

como um dos vetores reorganizadores de sistemas de comunicacionais<br />

em produtos pós-massivos.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ANDERSON, Chris. Free: Grátis – O Futuro dos Preços. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2009.<br />

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1994.<br />

COPPA, Francesca. A Briefe history of media fandom. In: Fan Fictions and Fan Community<br />

on the age of Internet: New Essays. Karen Hellekson; Kristina Busse (Orgs.). Estados Unidos:<br />

Macfarland & Company, 2006. p. 41-61.<br />

CURI, Peixoto. Yes, nós temos fanfilm: os fãs brasileiros e suas relações nas comunidades<br />

internacionais. In: Congresso Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA) 2009.<br />

Rio de Janeiro, 2009.<br />

DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling e transtorytelling como fenômeno multimidiático.<br />

In: 1o Simpósio do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação<br />

cidadão – LECOTEC. Anais... Bauru: Faac/Unesp, 2008.<br />

FISKE, John. The cultutal economy of fandom. In: LEWIS, Lisa A. (org.). The adoring audience:<br />

fan culture and popular media, p. 30-49. Londres: Routledge, 1992.<br />

62


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />

LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, funções pós-massivas e territórios<br />

informacionais. Matrizes, Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da<br />

Comunicação da Universidade de São Paulo. São Paulo, ano 1, n.1. 2007, pp.121-137.<br />

Disponível em .Acesso<br />

em 06 agosto de 2010. 2007<br />

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora34, 2005.<br />

LUSVARGHI, Luisa. O cinema na era digital: a consolidação dos conteúdos cross-media no<br />

Brasil, de Big Brother ao caso Antonia. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares<br />

da Comunicação XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –<br />

Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. Anais... 2007. Disponível em < http://www.<br />

intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1059-2.pdf> . Acesso em 26 jul. 2011.<br />

MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca da<br />

Fantasia, 2003.<br />

MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.<br />

PADRÃO, Márcio. Leituras Resistentes: Fanfiction e Internet vs. Cultura de Massa. E-Compós,<br />

Vol. 10, 2007. Disponível em: . Acesso<br />

em 22 de set. 2011<br />

SANTAELLA, Lucia. Comunicação & Pesquisa. São Paulo: Hackers Editores, 2006.<br />

THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia. Petrópoles,<br />

RJ: Editora Vozes, 2009.<br />

63


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ATIVISMO E MIDIATIZAÇÃO<br />

NO AMBIENTALISMO BRASILEIRO<br />

Ana Azevedo 1<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Resumo<br />

Em 2012, a sociedade brasileira acompanhou na mídia uma série de discussões relativas<br />

ao processo de reformulação do Código Florestal brasileiro num debate que reuniu políticos,<br />

especialistas, representantes do agronegócio e ambientalistas. O presente artigo<br />

tem como objetivo principal refletir sobre a apropriação ativista da internet e das Novas<br />

Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) promovida pelo Movimento Floresta<br />

Faz a Diferença - FFD no Facebook criado por ONGs ambientalistas em resposta<br />

ao projeto de lei que reformula o Código Florestal brasileiro. Em nossa pesquisa, a qual<br />

integra o estudo de mestrado ainda em andamento, verificamos como o ciberativismo<br />

é desenvolvido pelo Movimento Ambiental - MA, considerando que o FFD foi realizado<br />

por um comitê que reuniu cerca de 200 organizações da sociedade civil que empunham<br />

a bandeira ambientalista no país, relacionando o novo fazer ativista propiciado pelas<br />

NTICs com o processo de midiatização da sociedade em vigor e uma possível perda de<br />

radicalidade do MA brasileiro, conforme defendida por Agripa Alexandre (2000).<br />

Palavras-chave: Ciberativismo. Midiatização. Floreta Faz a Diferença. Novo Código Florestal.<br />

1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />

do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: azevedo.ap@hotmail.com<br />

64


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Com a mídia digital, percebe-se alguma emancipação dos movimentos sociais<br />

quanto à midiatização dos acontecimentos de seu interesse, visto que devido<br />

às possibilidades oferecidas, especialmente pela internet, com a descentralização<br />

da produção e veiculação de produtos midiáticos, os movimentos<br />

optam por produzir suas tematizações. Convencionalmente, os movimentos sociais<br />

pertencem à ordem da contestação e rebeldia, enquanto a grande mídia<br />

como representante da instituição responsável pela mediação da comunicação<br />

na sociedade sendo, sobretudo, uma empresa comercial integrante de um sistema<br />

capitalista, segue uma editoria que prima pela ordem vigente, ou ao estabelecimento<br />

daquela que melhor atenda aos seus interesses.<br />

No prefácio de “Futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia<br />

planetária” (LEMOS; LÉVY, 2010), André Lemos (2010) faz o alerta de que já<br />

estamos vivenciando esse cenário de mudanças propostas pelo ciberespaço,<br />

não sendo mais novidade que ele permita a livre emissão, conexão e reconfiguração<br />

da vida em sociedade em seus diferentes aspectos (cultural, político,<br />

econômico). Entretanto, cabe avaliar os processos comunicacionais, fluxos<br />

e dinâmicas que estão delineando os rumos dessas mudanças em meio<br />

aos interesses que permeiam as relações sociais forjadas a partir das novas<br />

tecnologias de comunicação.<br />

65


Ativismo ambiental brasileiro: pontuações históricas<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O ambientalismo – que no conceito de Héctor Leis e José D’Amato (1996),<br />

“expressa, então, uma tendência vital e orgânica de caráter defensiva, consequência<br />

da alta entropia de nosso modelo civilizatório” – começa a surgir<br />

no Brasil na década de 50 por meio de ações de grupos preservacionistas.<br />

Nesse período são fundadas as primeiras entidades preocupadas com a<br />

causa ambiental, entre elas: a União Protetora do Ambiente Natural – UPAN,<br />

fundada em 1955 no Rio Grade do Sul e, no Rio de Janeiro em 1955, a Fundação<br />

Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN, ambas de caráter<br />

conservacionistas priorizavam a luta pela conservação da fauna e da flora.<br />

A década seguinte é marcada pela atuação em defesa da floresta amazônica<br />

na Campanha em Defesa e Desenvolvimento da Amazônia – CNNDA, no<br />

ano de 1966. Em 1971 é criada a primeira entidade com uma proposta de<br />

atuação mais ampla a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural<br />

– AGAPAN, a qual visava promover a ecologia e questionava os impactos<br />

oriundos da poluição ambiental proveniente da indústria (JACOBI, 2003).<br />

Com a realização da Conferência de Estocolmo – primeira Conferência<br />

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, Suécia,<br />

no ano de 1972 – fica evidente que a problemática ambiental passa a figurar<br />

na pauta das preocupações de ordem global e sua influência nas relações<br />

66


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

internacionais entre países, Viola (1987) define como “o despertar da consciência<br />

ecológica no mundo”. E tem início uma série de questionamentos<br />

quanto ao valor pago em troca do desenvolvimento baseado na promoção<br />

do crescimento industrial e a urbanização desenfreada. No ano posterior,<br />

são implementadas as primeiras agências ambientais com a criação da Secretaria<br />

Especial de Meio Ambiente – SEMA, de caráter nacional; e agências<br />

estaduais nas cidades com maior concentração de poluição provocada pela<br />

intensiva atividade das indústrias.<br />

Pedro Jacobi (2003) pondera sobre os reais motivos que impulsionaram<br />

tais medidas por parte do governo brasileiro, na época, afirmando que<br />

antes de ser uma adesão ao pensamento ambiental, se trata de uma preocupação<br />

com a imagem deixada pelo país por ocasião da Conferência de<br />

Estocolmo, haja vista que o Brasil, juntamente com a China, tenha liderado<br />

o grupo dos países periféricos que negavam a importância da problemática<br />

ambiental. A esta altura, uma nova cena se apresentaria no ambientalismo<br />

nacional, agora divido pelas entidades ambientalistas e as agências<br />

ambientais criadas pelo governo e desse relacionamento se instala a bissetorialidade<br />

defendida por Viola (1992).<br />

Até 1982, a maior parte dos ativistas era contra qualquer envolvimento do<br />

movimento na política. Em 1985, alguns ambientalistas começam a apoiar partidos<br />

e candidatos que apoiam a causa verde (idem, 1987). E é na segunda me-<br />

67


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tade da década de 80 que, de acordo com Viola (1992), o movimento se torna<br />

mais complexo e multissetorial, passando a se dividir em cinco setores: associações<br />

e grupos comunitários ambientalistas; agências estatais; o socioambientalismo<br />

(ONGs, sindicatos e os movimentos sociais); instituições científicas que<br />

pesquisam sobre a problemática ambiental e um pequeno número de empresários<br />

que consideram o critério da sustentabilidade em suas empresas.<br />

Agripa Alexandre (2003) defende a perda de radicalidade do movimento<br />

ambiental e contesta essa multissetorialidade (VIOLA, 1992) como característica<br />

do MA. Para o autor, o ambientalismo perdeu sua radicalidade à medida<br />

que, segmentado e incorporado pela sociedade, pelo mercado e pela<br />

burocracia do estado, o MA perde sua essência de movimento social, “passa<br />

a perder sua espontaneidade, o seu ativismo político-crítico, e ganha força<br />

enquanto bandeira oportunista para empresários, publicitários, agências setoriais<br />

de governo.” (ALEXANDRE, 2003).<br />

A militância ambientalista passou por transformações ao longo do tempo<br />

sendo exatamente a década de 1980 a responsável por marcar o surgimento<br />

de novas expressões do engajamento em prol da causa ambiental no<br />

Brasil (OLIVEIRA, 2008). Tais inovações concorreram para o desenvolvimento<br />

do ativismo especializado. Pontuando a profissionalização de ativistas, bem<br />

como a institucionalização das associações defensoras do meio ambiente.<br />

68


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Novo código florestal: comunicação e ativismo na internet<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em 1934, por meio do Decreto 23.793, foi lançado o primeiro Código Florestal<br />

do Brasil, instituído pelo Decreto no 23.793. Posteriormente revogado<br />

pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965. Como uma de suas medidas determinava<br />

a preservação de 25% da área de terras de propriedade particular<br />

com a cobertura de mata original. O código foi atualizado em 1965 (Lei nº<br />

4.771), a alteração previa que metade dos imóveis rurais da Amazônia deveria<br />

ser preservada. E, a partir do ano seguinte, o Código Florestal passou a<br />

ser modificado por diversas Medidas Provisórias.<br />

A existência de um conjunto de leis, que se ocupam com a manutenção e<br />

preservação das florestas com seus ecossistemas naturais, sugere a compreensão<br />

de que tal preservação é de interesse da sociedade. São premissas para a<br />

existência de um Código Florestal “a conservação do patrimônio florístico e o<br />

estabelecimento de regras para o seu uso” (CBPC, 2011).<br />

Héctor Leis argumenta sobre uma incapacidade do poder governamental<br />

de gerir a problemática ambiental e ressalta a importância das ONGs nesse contexto.<br />

Segundo o autor:<br />

Em particular, que os problemas ecológicos são transnacionais e produzem<br />

efeitos naturais inesperados, enquanto que a política tradicional é nacional<br />

69


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ou internacional e se regula a partir de efeitos artificiais esperados. Em outras<br />

palavras, os componentes biofísicos da realidade contemporânea não<br />

têm uma fácil tradução dentro dos atores e do pensamento político que<br />

são tradicionais (LEIS, p. 74, 1999).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A legislação ambiental no Brasil se consolida impulsionada pelas pressões<br />

internas dos grupos ambientalistas e, também, da comunidade internacional<br />

que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atuante<br />

para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do<br />

Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras responsável<br />

pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana.<br />

Em 1981 foi criada a lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do<br />

Meio Ambiente, com o objetivo de resguardar “a preservação, melhoria e<br />

recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no<br />

País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança<br />

nacional e à proteção da dignidade da vida humana.” 2 .<br />

A propositura de uma alteração do Código Florestal vigente no Brasil até<br />

2012 movimentou o país e dividiu opiniões, o debate envolveu diversas instituições<br />

como sociedade civil organizada liderada pelos ambientalistas, a<br />

comunidade científica e política. As bancadas do Senado e Câmara se dividi-<br />

2 Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2013<br />

70


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ram, representou essa divisão, uma parte a favor do novo código e apoiado<br />

pelos ruralistas; a outra, contra ruralistas formada por produtores e sindicatos<br />

rurais e os políticos que os apoiam.<br />

O Projeto de Lei – PL 1.876, de autoria do deputado federal de Rondônia<br />

Sérgio Carvalho (PSDB), é apresentado dia 19 de outubro de 1999,<br />

dando início a um processo de modificação da legislatura vigente que versa,<br />

principalmente, sobre a demarcação de Áreas de Preservação Permanente<br />

- APP, Reserva Legal, exploração florestal etc.. Em 2009, o deputado<br />

Aldo Rebelo do PCdoB foi designado relator do projeto, o mesmo emitiu<br />

um relatório favorável à lei em 2010. A Câmara dos Deputados aprovou o<br />

projeto pela primeira vez no dia 25 de maio de 2011, encaminhando-o ao<br />

Senado Federal.<br />

Todo o processo foi marcado por intenso debate social: a comunidade<br />

científica, representada pela Academia Brasileira de Ciências - ABC e a Sociedade<br />

Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, participou elaborando<br />

o estudo intitulado “O Código Florestal e a Ciência: contribuições com a<br />

finalidade de gerar subsídios para as discussões a respeito das mudanças no<br />

Código Florestal”; a frente SOS florestas (composta pela as ONGs: Apremavi,<br />

Greenpeace, Imaflora, Instituto Centro de Vida - ICV, Instituto de Pesquisa<br />

Ambiental da Amazônia - IPAM, Instituto Socioambiental - ISA e WWF-Brasil),<br />

divulgou em janeiro de 2011 a cartilha “Código Florestal: Entenda o que<br />

71


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental” e explica a importância<br />

do Código Florestal para a sociedade, demonstrando as consequências<br />

de uma flexibilização excessiva das leis.<br />

O Ipea lançou um comunicado 3 em junho de 2011, informando que, conforme<br />

avaliação dos técnicos do instituto, na melhor das hipóteses, cerca de<br />

29 milhões de hectares de mata nativa deixariam de ser recuperados no país<br />

por consequência da aprovação do novo código. Os institutos científicos<br />

IMAZON e o ProForest em parceria com o Greepeace, elaboraram o estudo<br />

lançado em outubro de 2011, a partir da análise comparativa da legislação<br />

florestal de onze países (China, França, EUA, Alemanha, Japão, Indonésia,<br />

Índia, Holanda, Suécia, Polônia e Reino Unido), o mesmo teve o objetivo de<br />

perceber até que ponto haveria alguma originalidade no código brasileiro. A<br />

pesquisa concluiu que há muitas proximidades entre as leis dos países analisados<br />

e o Código Florestal vigente no Brasil, principalmente quanto à rigidez<br />

das leis, reafirmando que desde o século passado o fim do desmatamento,<br />

não o contrário, é característica de desenvolvimento.<br />

Os pontos mais polêmicos do projeto de lei se reportavam às Áreas de<br />

Preservação Permanente - APP, Reserva legal e a anistia. Áreas de Preservação<br />

Permanente são os espaços considerados mais vulneráveis em propriedades<br />

3 IPEA. Implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal. 2011. Disponível em: . Acesso em: 5 de jul. 2013.<br />

72


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

particulares rurais ou urbanas, como as margens de rios e reservatórios, topos<br />

de morros, encostas situadas em terreno inclinado ou matas localizadas<br />

em nascentes e leitos de rios. Essas áreas apresentam maior risco de deslizamento,<br />

erosão ou enchente, por isso devem ser protegidas. O texto do PL<br />

que versa sobre as APPs reduz sua extensão mínima de 30 metros para 15<br />

metros de faixa marginal e opta pela demarcação das matas ciliares protegidas,<br />

a partir do leito menor do rio e não do nível maior do curso d’água.<br />

Desse modo, a uma flexibilização na extensão e uso dessas áreas, especialmente<br />

nas margens de rios já ocupadas. Para ambientalistas, um retrocesso<br />

que estimula o desmatamento; para ruralistas, uma mudança necessária e<br />

em favor da produção agrícola dos pequenos produtores.<br />

Lançado em 07 de junho de 2011, em Brasília, o Comitê Brasil em Defesa<br />

das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável ()<br />

é uma resposta de representantes da nossa sociedade<br />

civil organizada ao Projeto de Lei Complementar - PLC 30/2011, que prevê<br />

alterações no corpo do texto do Código Florestal então em vigência. Formado<br />

por uma média de 200 organizações da sociedade civil brasileira 4 ,<br />

4 Coordenação do Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável: Amazônia Para Sempre;<br />

ABONG; CNBB; Coalizão SOS Floresta (Amigos da Terra - Amazônia; APREMAVI; FLORESPI; Fundação Grupo Boticário;<br />

Greenpeace; ICV; IMAFLORA; IPAM; ISA; SOS Mata Atlântica; WWF Brasil; Sociedade Chauá SPVS). Comissão Justiça e<br />

Paz – CJP; CNS; Comitê Inter-Tribal; CONIC; CUT; FETRAF; FNRU; FASE; FBOMS; FETRAF; Fórum de Mudança Climática<br />

e Justiça Social; Fórum Ex-Ministros Meio Ambiente; GTA; IDS; INESC; Instituto Ethos; Jubileu SUL; OAB; Rede Cerrado;<br />

Rede Mata Atlântica; REJUMA; Via Campesina (ABEEF, CIMI, CPT, FEAB, MAB, MMC, MST, MPA, MPP e PJR). Disponível<br />

em: .<br />

73


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

defensora da causa ambiental, o comitê tem por finalidade mobilizar os<br />

brasileiros a manifestarem opinião contrária à proposta de alterações no<br />

Código Florestal a partir da organização e gerência de ações orquestradas<br />

por comitês regionais nas cidades brasileiras: Bahia; Belo Horizonte; Curitiba;<br />

Distrito Federal; São Carlos, Fortaleza, Recife; Rio de Janeiro; Rio Grade<br />

do Sul e São Paulo 5 .<br />

Como parte de suas ações, o comitê cria o movimento Floresta faz a<br />

Diferença que reúne diferentes estratégias de mobilização com foco em<br />

vários estados do Brasil, através de seus representantes locais e, sobretudo,<br />

por meio da comunicação mediada por computador na internet. No<br />

endereço virtual do site do movimento <br />

podemos perceber que o movimento lança mão das<br />

principais redes sociais em uso no Brasil, pois está presente no Twitter,<br />

Facebook, youtube e Flickr (ver Figura- 1). Além disso, utiliza ferramentas<br />

de mobilização nos formatos de áudio, imagem e vídeo que podem ser<br />

facilmente acessados e disseminados na internet por meio dessas redes<br />

sociais. Até 16 de julho deste ano 42.309 internautas curtiram a página<br />

principal do Floresta Faz a Diferença no Facebook .<br />

5 Comitês regionais. Disponível em: .<br />

74


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Floresta faz a diferença: ativismo ambiental na timeline<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Como os panfletos da França Iluminista que na sua época deram força<br />

e distribuíram as ideias contrárias ao regime vigente, hoje, sob a égide da<br />

cultura do digital, encontramos grupos e indivíduos, ocupando as redes<br />

sociais para disseminar informações, organizar eventos ativistas, ou seja,<br />

realizar mobilização de forma rápida e de baixo custo. Ao se tornar o espaço<br />

de conversação social de destaque no Brasil, as redes sociais na internet<br />

representam esse ponto onde diferentes interesses e identidades se<br />

encontram e dialogam.<br />

Segundo o dicionário, ativismo 6 é a “acentuação da atuação consequente<br />

da vontade, na formação da cultura e da sociedade”, o que pressupõe<br />

uma ação que tenha por finalidade alguma mudança social. O ativismo<br />

social, que não é algo novo, está relacionado à prática ativa de indivíduos<br />

ou organizações defensores de causas sociais correspondentes às exigências<br />

de seu tempo. Sobre as alterações comportamentais forjadas a partir<br />

da Internet e da sua apropriação na sociedade destaca-se o surgimento do<br />

ativismo digital, ativismo on-line ou ciberativismo – ações de mobilização<br />

6 Ativismo a.ti.vis.mo, sm (ativo+ismo) 1 Filos Acentuação da atuação consequente da vontade, na formação da cultura<br />

e da sociedade; toda criação espiritual, bem como a arte e a teoria científica devem servir à atividade dirigida a<br />

uma meta. 2 Doutrina ou prática de dar ênfase à ação vigorosa, p ex, ao uso da força para fins políticos. Disponível em:<br />

.<br />

75


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

social realizadas na internet. A internet pode ser adotada como espaço<br />

onde ocorrem as ações ativistas ou como ferramenta de apoio para ações<br />

que acontecerão fora da rede.<br />

Conforme Rebelo (2002, p. 103), “as estratégias de comunicação para<br />

a mobilização buscam não apenas convocar, provocar gestos de adesão<br />

ou apoio, mas despertar ações e emoções ativas que se desdobram em<br />

outras – participativas, solidárias e, sobretudo, políticas.”<br />

(...) é possível ser dito que a Internet se constitui uma ferramenta imprescindível<br />

para as lutas sociais contemporâneas, já que facilita as atividades<br />

(em termos de tempo e custo), pode unir e mobilizar pessoas e entidades<br />

de diferentes localidades em prol de uma causa local ou transnacional, bem<br />

como quebrar o monopólio da emissão e divulgar informações “alternativas”<br />

sobre qualquer assunto. (RIGITANO, 2005, p. 249).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ao aparecer no Senado trajando uma roupa indígena, a atriz Letícia<br />

Spiller figurou em algumas matérias de sites especializados em acompanhar<br />

a vida de celebridades.<br />

76


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 1: Spiller - indígena em prol das florestas.<br />

Fonte: <br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Nesta perspectiva, constatamos que não é por acaso que as ações coletivas<br />

e os movimentos sociais realizam verdadeiras encenações em atos previamente<br />

orquestrados para atrair a atenção da mídia, buscando cada vez<br />

mais inserção na agenda midiática e, a seu turno, as campanhas online crescem<br />

em número e em repercussão. O que era “ativismo de sofá”, na verdade<br />

é parte de uma nova fase do ativismo que se delineia com a apropriação dos<br />

meios e a influência da mídia nas instituições sociais.<br />

O pesquisador Muniz Sodré reconhece a existência de uma nova ambi-<br />

77


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ência criada pelo uso social dos meios, a qual ele denomina como sendo o<br />

novo ethos ou bios – o bios midiático, a saber:<br />

O ethos é a atmosfera afetiva (emoções, sentimentos, atitudes) em que se<br />

movimenta uma determinada formação social. O ethos midiatizado caracteriza-se<br />

pela manifesta articulação dos meios de comunicação e informação<br />

com a vida social. Ou seja, os mecanismos de inculcação de conteúdos<br />

culturais e de formação das crenças são atravessados pelas tecnologias de<br />

interação ou contato. Passamos a acreditar naquilo que se mostra no espelho<br />

industrial. (SODRÉ, 2009).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ivana Bentes, no prefácio do livro a Internet e a Rua (2013, p. 10) dos<br />

autores Fábio Maline e Henrique Antoun, afirma que “estamos imersos e<br />

atravessados por um novo “bios”, uma midiosfera constituída de redes, dispositivos,<br />

dados, processos de interação humano/não humanos, que curtocircuitaram<br />

a separação entre as redes e a rua”. Além de acrescentar elementos<br />

ao bios midiático descrito por Sodré, tal conceito evidencia a construção<br />

de um espaço a partir da hibridação do que inicialmente esteve dividido em<br />

virtual e real, não há mais como separar o online do off-line, o ciberespaço<br />

expandido com as tecnologias móveis interligadas em rede presentes no<br />

cotidiano das pessoas favorece o surgimento e reinvenção das práticas sociais<br />

em diferentes esferas interdependentes entre si, nos termos da autora<br />

78


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

estamos atravessados pela internet, não mais entramos na rede, visto que<br />

ela perpassa nossa vivência.<br />

E se fazer parte desta nova ambiência não é mais novidade, pois lidamos<br />

no dia a dia com as mudanças de comportamento, posturas e<br />

demandas relacionadas às novas formas de interação. Mas qual o rumo<br />

dessas modificações, que caminhos se formam a partir do uso das TICs<br />

no que tange ao ativismo ambiental são preocupações desta pesquisa.<br />

Com a inserção no site de relacionamento Facebook, a partir de uma<br />

conta pessoal, efetuamos a observação sistemática da comunidade, onde<br />

foi possível resgatar o histórico das postagens presentes no corpo da linha<br />

do tempo, extraindo o conteúdo necessário para a análise em andamento<br />

que tem ênfase nas ações online identificadas como ‘Cartaz na mão’, ‘Vídeo<br />

aos senadores’, ‘Vigília FFD’, ‘Entrega das assinaturas contra o novo código’,<br />

‘Serenata FFD’, ‘Campanha Veta, Dilma’ e as matérias de outros sites compartilhadas<br />

na linha do tempo da comunidade FFD, especialmente aquelas<br />

referente à repercussão do movimento FFD na mídia. Desta forma, a linha do<br />

tempo da página #florestafazadiferença é composta, também, por material<br />

enviado por pessoas anônimas de diversos lugares do país. As pessoas colaboraram<br />

com a moderação da comunidade enviando imagens das manifestações<br />

(vídeo e fotos), assim a postagem na comunidade sobre os eventos<br />

eram uma preocupação do movimento, fizeram sucesso na rede ainda,<br />

79


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

imagens manipuladas (editadas) como a releitura da obra – ‘O grito’ (Edvard<br />

Munch, 1893) ou personalidades e personagens famosos pedindo o veto<br />

presidencial (ver figura 2).<br />

Figura 2: Imagens apropriadas na campanha Veta Dilma<br />

Fonte: <br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A ação ‘cartaz na mão’ (ver figura 1) exibiu imagens dos artistas que<br />

apoiaram a campanha, segurando cartazes com frases que reforçam a importância<br />

das florestas e de biomas como o Mangue: “O ar que você respira<br />

podia ser melhor”. Entre as personalidades fotografadas destacamos a<br />

80


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, os cantores Carlinhos Brown e<br />

Arnaldo Antunes, os atores Victor Fasano e Wagner Moura e a top model Gisele<br />

Bündchen. As imagens circularam durante meses no Facebook se configurando<br />

as postagens mais compartilhadas pela moderação do FFD e entre<br />

os demais atores na rede.<br />

Figura 3: Cartaz na mão<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: .<br />

81


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Vídeos aos senadores - em outubro de 2011, uma ação de grande repercussão<br />

foi articulada por Fernando Meirelles, o cineasta editou 25 filmes caseiros enviados<br />

por atores, especialistas e outras personalidades fazendo apelo aos senadores<br />

contra a aprovação do novo código. Os vídeos foram disponibilizados através<br />

do site de vídeos Youtube no canal do movimento, na sessão vídeos caseiros.<br />

Durante cada sessão no senado em debate e votação sobre o novo Código<br />

Florestal o movimento FFD organizou a ação denominada Vigília Floresta<br />

faz a diferença. Com duração de três dias em média, a ação contava<br />

com a participação de pessoas convidadas - artistas, especialistas, ativistas<br />

e políticos. As vigílias ocorriam em momentos pontuais da campanha como<br />

próximo da data de votação, audiências públicas e dos principais debates<br />

ocorridos sobre o novo código, eram transmitidas online diretamente do<br />

estúdio montado pelo FFD. Abaixo a programação da Vigília do dia 21 de<br />

setembro de 2011:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Programação de hoje na Vigilia: 9h: balanço geral sobre a Vigilia, 10h: acompanhamento<br />

das Comissões do Senado sobre o Código Florestal e link ao vivo, direto<br />

do mutirão de assinaturas do abaixo-assinado do Comite Brasil em Defesa<br />

das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, na Av. Paulista, em São Paulo,<br />

14h: Pocket-show com Paulo Tatit, 16h: Acompanhamento e análise da reunião<br />

na CCJ e cobertura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília,<br />

18h: Marina Silva no estúdio do #Floresta, em São Paulo, 19h30: Bate-papo com<br />

82


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Kageyama e Marcos Sorrentino, 21h: bate-papo com ativistas e integrantes do<br />

Movimento Brasil pelas Florestas. Fique ligado, chame + 1 amigo! (21-set-2011)<br />

Foram coletadas em todo o país um milhão e quinhentas mil assinaturas, a<br />

matriz dos abaixo assinados era disponibilizada no site e cada comitê regional ficava<br />

responsável de encaminhar até a data determinada. O ato de entrega foi um<br />

evento organizado pelo Comitê que reuniu ativistas, personalidades entre eles os<br />

artistas Vanessa da Mata e Victor Fasano e a Senadora Marina Silva e a imprensa:<br />

Figura 4: Entrega das assinaturas<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: <br />

83


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O aspecto da midiatização - como aquele que denota uma maior ênfase<br />

no capital midiático revelado nas postagens a partir da forma de incorporação<br />

de artistas na campanha (clips, depoimentos, participação em atos). O<br />

nível de popularidade das postagens demonstra que a grande repercussão<br />

obtida pela campanha Veta, Dilma nas redes sociais se delineou com o espaço<br />

oferecido pelo movimento à participação de artistas em sua maioria<br />

globais. Sites como o Glamurama, Caras, e colunas específicas sobre a vida<br />

de celebridades aparecem na linha do tempo devido à vinculação de artistas<br />

na campanha, bem como sessões e debates sobre o código são transmitidos<br />

em tempo real no site do FFD. A abertura e a proximidade deste ativismo<br />

para o meio artístico e outras vozes em face da larga exploração de tais participações<br />

podem indicar os rumos de uma cibermilitância que enfraquece e<br />

vem reforçar a tese da perda de radicalidade do movimento ambiental.<br />

Considerações finais<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A apropriação dos meios de comunicação ganha uma dimensão ampliada<br />

e complexa a partir da internet. Com sua popularização, a vida passa a<br />

se classificar como online ou off-line; esferas estas cada vez mais imbricadas<br />

na nossa sociedade. Nessa perspectiva, propomos um estudo que parte da<br />

elaboração de um breve histórico da relação entre ativismo e os meios de<br />

84


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

comunicação, com ênfase no surgimento do ativismo online e suas variações<br />

até hoje, buscando identificar as práticas e apropriações que se forjam<br />

no nas redes sociais por meio do Facebook.<br />

Uma das principais marcas que podemos destacar no ciberativismo é o seu<br />

caráter multifacetado. Nesse sentido, reforçamos a importância do estudo das<br />

práticas, visto que, quando falamos em apropriação social dos meios, é preciso<br />

estar ciente de que é tudo uma construção, contínua, heterogênea e aberta.<br />

A midiatização demonstrada pelo FFD na comunidade do Facebook é<br />

evidente, não apenas pela valorização das celebridades na campanha, como<br />

na promoção dos eventos e ações do movimento para serem reportados na<br />

comunidade como produtos midiáticos. A adesão da classe artística à causa,<br />

somada ao aspecto assumido pelo movimento ambiental na contemporaneidade,<br />

colaboraram para que a defesa pela manutenção do Código Florestal brasileiro<br />

na internet se tornasse pouco radical, numa oposição que existiu, porém,<br />

acabou por ser incorporada à agenda midiática como mais um “fenômeno<br />

de internet”, que após figurar alguns dias nas redes sociais e, portanto, atingir<br />

certa notoriedade, logo ganha o esquecimento.<br />

A legislação ambiental no Brasil estava se consolidando impulsionada pelas<br />

pressões internas dos grupos ambientalistas e da comunidade internacional<br />

que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atuante<br />

para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do<br />

85


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras responsável<br />

pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana.<br />

E se a radicalidade assumida pelo movimento ambiental em outros tempos<br />

angariou grandes ganhos para a política nacional em meio ambiente, quando<br />

o acesso à comunicação de uma forma geral era muito mais difícil, principalmente<br />

a comunicação de massa, hoje, o movimento ambiental enfrenta menos<br />

barreiras para comunicar e informar; entretanto, ao que parece mesmo<br />

contando com as múltiplas vozes que defendem a causa verde na internet, a<br />

apropriação das redes digitais diante do processo de midiatização vivenciado<br />

parece demonstrar um enfraquecimento, ou comprovando a tese de Agripa<br />

Faria (2003), revela a perda da radicalidade do movimento.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ALEXANDRE, Agripa Faria. A perda da radicalidade do Movimento Ambientalista Brasileiro:<br />

uma nova contribuição à crítica do movimento. 2003. Disponível em: Acesso em: 02 jul. 2013.<br />

ANTOUN, H. Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia.<br />

Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, nº 16, 2001. Disponível<br />

em: .<br />

Acesso em: 20 jun. 2012.<br />

86


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

CARDOSO, Gustavo. A mídia na sociedade em rede: filtros, vitrine, notícias. Rio de Janeiro:<br />

Editora FGV, 2007.<br />

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Vol. I de A Era da informação: Economia, Sociedade<br />

e Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />

______, Manuel. O poder da identidade. Vol. II de A Era da informação: Economia, Sociedade<br />

e Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />

CONVERGÊNCIA DIGITAL. Facebook lidera e Orkut aparece à frente do Twitter no Brasil.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 21 mar. 2013.<br />

DOWNING, Jonh D. H. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais.<br />

2. ed. São Paulo: Senac, 2004.<br />

FAUSTO NETO, Antônio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Matrizes. N. 2 abril<br />

2008. Disponível em: <br />

Acesso em: 05 jul. 2012.<br />

FERREIRA, Jairo. Da comunicação aos campos e dispositivos midiáticos. UNIrevista - Vol.<br />

1 n° 3: (julho 2006). Disponível em: .<br />

Acesso em: 24 jun. 2012.<br />

JACOBI, Pedro. Movimento ambientalista no Brasil. Representação social e complexidade<br />

da articulação de práticas coletivas. In: Ribeiro, W. (org.). Patrimônio Ambiental. São<br />

Paulo: EDUSP, 2003.<br />

______, Jairo e VIZER, Eduardo (orgs.). Mídia e movimentos sociais: Linguagem e coletivos<br />

87


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

em ação. Coleção Comunicação. São Paulo: Paulus, 2007.<br />

HJ ARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e<br />

cultural. 54 matrizes Ano 5 – nº 2 - São Paulo, p. 53-91, 2012. Disponível em: .Acesso em: 27 jun. 2012.<br />

IDGNOW. Quase 100% dos internautas no Brasil usam redes sociais; Facebook lidera. Disponível<br />

em: .<br />

Acesso em: 20 jun. 2013.<br />

KELLNER, Douglas. Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: MORAES, Denis de (org.)<br />

Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro, 2006. Cap. I, p. 119-147.<br />

LEIS, Héctor Ricardo; D’AMATO, José Luis. Contribuição para uma teoria das práticas<br />

do ambientalismo. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013.<br />

LEMOS, André e LÈVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia<br />

planetária. São Paulo: Paulus, 2010.<br />

______, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre:<br />

Sulina, 2004.<br />

_______, André. Ciber-Socialidade: Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.<br />

Disponível em: Acesso<br />

em: 29 out. 2009.<br />

MORAES, Dênis de. (org). Por uma outra comunicação: mídia mundialização cultural e<br />

poder. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.<br />

88


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

OLIVEIRA, Wilson José Ferreira de. Manifestações, protestos e defesa de causas ambientais<br />

no Rio Grande do Sul. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2013.<br />

REBELO, Desirée Cipriano. Comunicação e mobilização social: a Agenda 21 local de Vitória<br />

(ES). Disponível em: . Acesso em: 05 de out.2013.<br />

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Sulina: Porto Alegre, 2009.<br />

SODRÉ, Muniz. A interação humana atravessada pela midiatização. Entrevista. IHU Online.<br />

Nº 289 Ano IX 2009. Rio Grande do Sul. Disponível em: .<br />

Acesso<br />

em: 28 jun.2012.<br />

______, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 7.<br />

ed. Vozes: Rio de Janeiro, 2012.<br />

VEGH, S. Classifying forms of online acti-vism: the case of cyberprotests against the<br />

World Bank. In: MCCAUGHEY,M., AYERS, M.D. (ed.).Cyberacti-vism: online activism in<br />

theory and practice. London: Routledge, 2003.<br />

VIOLA, Eduardo J. São Paulo em Perspectiva. 1992. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2012.<br />

______, Eduardo J. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica.<br />

Rev. bras. Ci. Soc. v.1 n.3 São Paulo, fev. 1987. Disponível em:


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

69:rbcs&Itemid=399>. Acesso em: 15 dez. 2012.<br />

WOLTON, Dominique. Entrevista. São Paulo: 2008. Mídia Com Democracia, n. 08, p. 5-8,<br />

jan. 2009. Disponível em:< http://www.fndc.org.br/arquivos/Revista8.pdf>. Acesso em:<br />

05 de mai. 2012.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

90


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O RÁDIO E A CONVERGÊNCIA DIGITAL:<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PROCESSO EM MUTAÇÃO<br />

Elton Bruno Barbosa Pinheiro 1<br />

Resumo<br />

O fenômeno da convergência tecnológica é um dos mais dinâmicos e complexos<br />

envolvidos no processo de surgimento de uma nova práxis da produção<br />

e do consumo de conteúdos digitais. No presente trabalho, refletimos sobre<br />

as consequências da convergência no meio radiofônico e, a partir de algumas<br />

constatações, examinaremos as potencialidades de tal processo midiático sob a<br />

ótica de diferentes autores, como Jenkins, Larose & Straubhaar, Fidler e Lopez.<br />

Palavras-Chave: Rádio Digital. Convergência Tecnológica. Produção de Conteúdos.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />

em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />

(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessibilidade<br />

– UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço<br />

eletrônico: eltonufpb@hotmail.com.<br />

91


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Um fenômeno em processo<br />

Partindo do pressuposto de que, no Brasil, o rádio iniciou sua inserção<br />

no processo de convergência tecnológica ainda nos anos 1990 através, por<br />

exemplo, do uso do telefone celular e, sobretudo, com o advento do uso da<br />

internet nas redações, entendemos que tal fenômeno envolve reinvenções<br />

tanto no modo de acessar os meios de comunicação quanto, necessariamente,<br />

na maneira de produzir conteúdos.<br />

Nesse sentido, consideramos que a convergência, a priori, deve ser entendida<br />

como um processo, uma vez que, conforme articulou Jenkins:<br />

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica.<br />

A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias,<br />

mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a<br />

indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia<br />

e o entretenimento. [...] a convergência refere-se a um processo, não a um<br />

ponto final (JENKINS, 2008, p.18).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A partir da análise de Jenkins (2008), parece clara a noção de que a convergência<br />

é um fenômeno que se dá em processo, o que implica dizer que<br />

as alterações ocasionadas a partir dela à cultura midiática não estabelecerão<br />

92


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

a adoção de práticas comunicacionais lineares, verticais ou imutáveis às etapas<br />

de produção, veiculação e recepção do conteúdo no rádio digital.<br />

Pelo contrário, com o aprimoramento, surgimento e conexão constantes<br />

dos meios de comunicação, o processo de convergência das mídias, certamente,<br />

vai sendo reconfigurado e ampliado, chamando continuamente a<br />

atenção dos profissionais e pesquisadores da área para inserirem-se nessa<br />

dinâmica, capacitando-se e motivando constantes mutações que permitam<br />

o crescimento e abrangência dos meios e das mensagens/conteúdos.<br />

Ao abordamos os estudos de Jenkins (2008), constatamos que o referido<br />

teórico analisa e propõe uma nova forma para se consumir as mídias ou seus<br />

conteúdos, inseridos no processo de convergência digital:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas suposições<br />

sobre o que significa consumir mídias [...] Se os antigos consumidores<br />

eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores<br />

eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos<br />

consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes<br />

ou aos meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos<br />

isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho<br />

de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores<br />

são agora barulhentos e públicos (grifos nosso) (JENKINS, 2008, p. 22).<br />

93


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Aos focarmos esses pontos em destaque na citação anterior, podemos,<br />

de fato, inferir que no novo processo comunicacional radiofônico, envolto<br />

pelo cenário da convergência digital, os usuários-ouvintes também se veem<br />

diante de mutações em suas práticas. Consideramos que, de certa forma, o<br />

público que irá ter acesso à tecnologia do rádio digital brasileiro possui um<br />

perfil midiático muito próximo do proposto por Jenkins (idem, ibidem), ou<br />

seja, será ativo, pois atuará diretamente no processo de produção da mensagem,<br />

através da interatividade, e traçará sua própria maneira de consumo<br />

através das possibilidades de personalização das formas de recepção dos<br />

conteúdos (Cf. PALACIOS, 1999; LAROSE; STRAUBHAAR, 2004); o público<br />

também será migratório, tendo em vista que, caso o rádio digital não ofereça<br />

notadamente conteúdos interativos, dinâmicos, segmentados, especializados,<br />

a tendência de tal meio será o seu declínio e a consequente perda<br />

de audiência para outras mídias que possuam tais características; conectado<br />

socialmente, barulhento e público, o que se dará na medida em que uma<br />

relevante tendência da cultura midiática na contemporaneidade é instaurar<br />

processos comunicativos mediados por amigos e seguidores.<br />

Nesse sentido, Nicolau (2008, p. 01), constata que, de fato, há “uma característica<br />

peculiar nas mídias de hoje: elas estão se tornando, cada vez<br />

mais, mídias de relacionamento”. O rádio digital deve, portanto, acompanhar<br />

essa tendência, levando consideravelmente em conta “os tipos de relacio-<br />

94


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

namentos que se desdobram nesse contexto: cooperativo, mercadológico e<br />

participativo” (idem, ibidem). Ressaltamos que a argumentação de Nicolau<br />

baseia-se na seguinte constatação:<br />

A partir da instauração de um fluxo permanente de comunicação midiática<br />

e do desdobramento de múltiplas conexões entre usuários, instituições e<br />

sistemas, entre suportes de interfaces dinâmicas, há formas de relacionamento<br />

surgindo e sendo estabelecidas no âmbito de uma nova cultura midiática<br />

(grifos no original) (NICOLAU, 2008, p. 02).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Uma proposição que levantamos para buscar complementar o entendimento<br />

da teoria de Nicolau (2008) de forma a contextualizar o nosso objeto<br />

– o rádio digital, é apoiada no pensamento de Jenkins (2008). Consideramos<br />

que a tendência que leva as mídias em processo de digitalização tornarem-<br />

-se, gradativamente, “mídias de relacionamento” pode também ser explicada<br />

pela necessidade que temos, cada vez mais, de convergir, entrecruzar, relacionar<br />

conhecimentos. Desse modo, o próprio consumo das mídias digitais<br />

e de suas mensagens se tornou um “processo coletivo”.<br />

O consumo tornou-se um processo coletivo [...] Nenhum de nós pode saber<br />

tudo (inteligência coletiva); cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos<br />

juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades.<br />

95


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder<br />

midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias<br />

dentro da cultura da convergência (grifo nosso) (JENKINS, 2008, p.5).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É possível perceber como Jenkins encara a convergência como uma mutação<br />

cultural. E nós corroboramos esse pensamento do referido autor na<br />

medida em que acreditamos que neste ambiente onde atuam concomitantemente<br />

múltiplos dispositivos midiáticos, o consumo de informações se<br />

intensifica. No caso do rádio digital, a atuação simultânea de recursos sonoros,<br />

hipertextuais e visuais, em rede, se complementam de modo a fazer a<br />

mensagem reverberar de maneira ainda mais diversa e eficaz.<br />

A fim de compreendermos de forma ainda melhor o fenômeno da<br />

convergência tecnológica tendo como foco a sua atuação no contexto da<br />

digitalização do rádio, basta observarmos a existência, ainda que tímida,<br />

de tal característica no próprio suporte radiofônico analógico. Destacamos,<br />

por exemplo, o entrecruzamento de elementos como a aproximação<br />

com o público ouvinte de modo interativo (através de cartas, telefonemas<br />

etc.); o imediatismo, o caráter investigativo e a credibilidade na divulgação<br />

das mensagens (aspectos muitas vezes potencializados pela colaboração<br />

de fontes diversas, como o próprio jornal impresso, os conteúdos<br />

televisivos, as agências de notícias); e a própria linguagem radiofônica<br />

96


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

com seus variados códigos (som, silêncio, ruídos e a cadência entre outros<br />

subcódigos).<br />

O nosso olhar para essas peculiaridades nos confirma o potencial convergente<br />

existente no suporte radiofônico analógico e, mais do que isso, reforça<br />

a noção de uma atuação processual do fenômeno, ao mesmo tempo<br />

em que nos sinaliza as inúmeras possibilidades de convergência que surgem<br />

para o rádio com a chegada da digitalização.<br />

A tecnologia digital, portanto, amplia o processo de convergência, proporcionando<br />

ao rádio um diálogo ainda mais complexo com outras mídias<br />

e suportes, favorecendo assim o desenvolvimento de práticas simbólicas<br />

de relacionamento e a construção coletiva de saberes, a partir da reconfiguração<br />

das suas etapas de produção, veiculação, recepção e interação<br />

conteudística.<br />

Ao mencionarmos a questão da interação como etapa constituinte da práxis<br />

comunicacional convergente, voltamos a nossa atenção para o papel participativo<br />

e colaborativo a ser desempenhado pelo usuário-ouvinte na produção de<br />

conteúdos radiofônicos digitais.<br />

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre<br />

a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar<br />

sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis se-<br />

97


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

parados, podemos agora considera-los como participantes interagindo de<br />

acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por<br />

completo (JENKINS, 2008, p. 05).<br />

Esse novo conjunto de regras apontado por Jenkins, se não é possível de<br />

ser compreendido em sua plenitude, precisa ao menos ser esmiuçado em<br />

sua essência atual.<br />

Como afirma Zaremba, são muitos e dinâmicos os aspectos da convergência<br />

digital, porém, o rádio não pode ficar fora desse processo, tampouco se inserir<br />

nele de forma limitada:<br />

Padronização de mensagens, economia de recursos, expansão de mercados,<br />

reengenharia de produção e recepção, estratégias de distribuição, são<br />

alguns passos nessa coreografia veloz da convergência tecnológica da qual<br />

resulta um novo modelo de comunicação-informação. Transportando linguagens<br />

esse novo paradigma digital constrói um mundo fantástico de<br />

acoplamentos onde rádio e outras mídias não devam ser apenas extensões<br />

dentro da rede [...] (ZAREMBA, 2001, p.2).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Refletir analiticamente sobre a convergência tecnológica no caso específico<br />

do rádio digital é, portanto, entender como tal meio pode ser transformado<br />

à medida que se abre às conexões diretas com outras tecnologias<br />

98


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

da informação e meios de comunicação. Um primeiro passo nesse sentido<br />

pode ser dado analisando-se as consequências de tal processo.<br />

Consequências da convergência digital<br />

Segundo os autores americanos LaRose e Straubhaar, as implicações da convergência<br />

são aspectos importantes de serem observados e analisados por profissionais,<br />

estudantes e pela academia, no sentido de que:<br />

Quanto melhor eles entenderem essa mídia e sua evolução, poderão decidir<br />

mais inteligentemente como pensar a respeito delas, como planejar<br />

para elas, o que mais terão de aprender, a que atribuir maior importância<br />

[...] poderão começar a pensar não apenas sobre como o novo ambiente de<br />

comunicações de mídias os afetará, mas também como eles poderão afetá-<br />

-los (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. XIV).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ainda de acordo com esses autores, a convergência tecnológica traz consequências<br />

relevantes e específicas para cada meio. A abundância de canais, o controle<br />

do usuário e a emergência de novas formas de multimídia são três dessas<br />

implicações constatadas pelos referidos pesquisadores, cujas ocorrências serão<br />

examinadas a seguir com intuito de compreendê-las no contexto do rádio digital.<br />

99


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

a) A abundância de canais: “quando as mensagens são codificadas digitalmente,<br />

torna-se possível o uso de compressão digital 2 ” (LAROSE; STRAUBHA-<br />

AR, 2004, p. 20). Tal implicação técnica, consequentemente, ocasiona a possibilidade<br />

de transmissão de mensagens por meio de múltiplos canais. Trata-se<br />

do surgimento de uma das potencialidades mais significativas, revolucionárias<br />

e motivadoras para o rádio digital: a multiprogramação. “Enquanto mais<br />

programas podem ser apertados dentro de um canal existente, a disponibilidade<br />

de canais também está crescendo” (idem, ibidem).<br />

Para Bianco, esse aspecto da multiprogramação ocasiona relevantes vantagens<br />

ao cenário radiofônico digital:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

As vantagens da transmissão digital são, potencialmente, significativas e<br />

sugerem que essa revolução tecnológica irá revitalizar o rádio tanto no conteúdo<br />

quanto na forma de consumo. Uma delas é a diversificação do conteúdo,<br />

uma vez que a tecnologia permite a divisão do espectro em dois ou mais<br />

canais de áudio. Pesquisadores da área de várias partes do mundo apontam<br />

para a necessidade de uma “reinvenção” do rádio analógico para que possa<br />

se adaptar à nova tecnologia (grifo nosso) (BIANCO, 2006, p. 02).<br />

A maior preocupação nesse sentido é em até que ponto a multiplicação<br />

2 A compressão de sinais reduz o número de dígitos que devem ser transmitidos. “Trata-se da subtração de informação<br />

redundante do conteúdo da mídia [...] ou a descoberta de maneiras mais eficientes de codificar a informação<br />

transmitida” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 20).<br />

100


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

da oferta de canais será aproveitada com qualidade técnica e criatividade<br />

pelos empresários da comunicação, produtores, radialistas, jornalistas e outros<br />

profissionais do meio. Na realidade atual, com a existência de canais<br />

únicos de transmissão, a maioria das emissoras inseridas no dial analógico<br />

tem deixado grande proporção de ouvintes sem opções diferenciadas em<br />

relação à disponibilização de conteúdos, os quais precisam atender cada vez<br />

mais à lógica da hipersegmentação e da hiperespecialização das audiências,<br />

que por sua vez estão cada vez mais exigentes. Consideramos, portanto, que<br />

somente a oferta de novos conteúdos pode fazer valer tal consequência.<br />

Paradoxalmente ao sugerido por LaRose e Straubhaar (2004, p. 20), uma<br />

ressalva recai sobre o debate a respeito da compressão e da disponibilidade<br />

de canais. Segundo a Benton Foundation (2000 apud TOME, 2004, p. 07),<br />

“ao ocupar os canais adjacentes e efetivamente aumentar a largura do canal<br />

ocupado por uma estação, está-se reduzindo a disponibilidade de espectro<br />

para eventuais novos atores”. Essa abordagem sugere um amplo debate sobre<br />

a questão das políticas públicas de comunicação para o rádio brasileiro<br />

(Cf. BARBOSA FILHO, 2008, pp. 121-141), o que não é foco principal desse<br />

estudo, todavia, reconhecemos a necessidade de se desenvolverem pesquisas<br />

especificas sobre tal temática.<br />

b) O controle pelo usuário: “como o usuário vai manter-se em compasso<br />

com a proliferação dos canais” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22). A partir<br />

101


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

desse questionamento propomos a reflexão sobre a considerável inovação<br />

nos procedimentos de escolha de conteúdos por partes dos usuários-ouvintes<br />

do rádio digital. Segundo os referidos autores americanos, as “novas<br />

tecnologias digitais vêm permitindo a programação de nossos receptores<br />

com regras cada vez mais complexas de personalização”.<br />

Essa afirmação nos ajuda a delinear perspectivas convergentes para o<br />

rádio digital, por exemplo: ao ligar o receptor inteligente, o usuário-ouvinte,<br />

auxiliado por um sistema instrutivo, poderá pré-estabelecer a sua programação<br />

de várias maneiras – um delas seria, com a utilização de um sistema<br />

de busca, procurar certos tipos de gêneros ou formatos radiofônicos,<br />

ou mesmo a sua música ou cantores preferidos. Ou seja, no rádio digital, a<br />

exemplo do que já ocorre em receptores de informação via satélite (Cf. LA-<br />

ROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22), o usuário-ouvinte poderá criar a sua própria<br />

programação.<br />

Ainda nesse sentido, podemos destacar as “mensagens pessoais” que<br />

poderão ser pré-configuradas para exibição diária nos futuros receptores<br />

de rádio digital, desde simples saudações até informações sobre o trânsito,<br />

tempo, cotação de bolsa de valores, astral, dicas, funções de agenda etc..<br />

Outra consequência do controle pelo usuário sobre os conteúdos do rádio<br />

digital seria a personalização dos anúncios publicitários, os quais terão<br />

que ser produzidos por profissionais cada vez mais capacitados e criativos,<br />

102


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

capazes de persuadir os seus possíveis consumidores sem que eles sejam<br />

impulsionados a trocar de frequência. Nesse sentido, percebemos que a noção<br />

de controle pelo usuário aliada a crescente abundância de canais sinaliza<br />

também que:<br />

[...] algum dia poderemos alterar os conteúdos dos anúncios de acordo com<br />

tipos específicos de lares ou introduzir variações em programas de entretenimento<br />

para atender os gostos de audiências cada vez mais específicas,<br />

ou até mesmo indivíduos específicos (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ao se refletir sobre esses aspectos múltiplos, pode-se perceber que a convergência<br />

digital tende cada vez mais a levar o usuário-ouvinte a atuar como<br />

um produtor de conteúdos. Além disso, podemos inferir que o “controle pelo<br />

usuário”, em relação ao rádio digital e aos conteúdos veiculados pelo mesmo,<br />

deve ser valorizado principalmente a partir dos níveis de interatividade, consideravelmente<br />

também ofertados pela convergência tecnológica.<br />

c) A emergência de novas formas de multimídia. A priori, essa consequência<br />

da convergência se refere à questão de que o próprio conceito de<br />

multimídia, “que integra áudio, imagens e textos digitais em redes de dados<br />

– está apagando as antigas distinções rígidas entre os meios de comunicação”<br />

(LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 23). Isso significa que, embora cada<br />

103


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

meio de comunicação tenha sistema de produção e transmissão específico,<br />

a atual conjuntura propiciada pela digitalização determina o fenômeno da<br />

convergência entre eles.<br />

O rádio digital deve estar dentro dessa lógica, afinal, como afirma Cordeiro<br />

(2004, p. 01): “o estilo hipermidiático agora utilizado recorre a quase todos os<br />

recursos da comunicação em rede, fazendo distinguir os meios de comunicação<br />

modernos [...] pela interatividade, hiperligações, personalização e atualização<br />

constante”. Ao citarmos o termo hipermidiático 3 precisamos apontar que,<br />

segundo LaRose e Straubhaar (2004, p. 23) essa é outra denominação para se<br />

descrever o fenômeno da convergência dos meios.<br />

Dessa forma, como o intuito de compreendermos melhor tal definição,<br />

corroboramos o pensamento de Nunes, que analisa:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os sistemas hipermídia [...] se apresentam como ferramentas de aprendizagem,<br />

produção, armazenamento e disponibilização de informações multimídia<br />

integrando diferentes tecnologias que absorvem a dinâmica das mídias<br />

predecessoras ajustando-se a nova realidade digital com especificidades ainda<br />

em delineamento. Destacamos a hibridização como uma característica<br />

auxiliar importante no contexto de construção da feição dos sistemas hipermídia<br />

(grifos nossos) (NUNES, 2009, p. 222).<br />

3 Segundo Nunes (2009, p. 230) “o prefixo hiper significa acima, posição superior ou mais além. O termo hiper foi<br />

utilizado na física por Einstein para descrever o novo tipo de espaço na teoria da relatividade, o hiperespaço: espaço<br />

visto de outro modo”.<br />

104


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

De acordo com o referido autor, o fenômeno da convergência das mídias,<br />

assim como do processo de produção de seus conteúdos, tem nesse<br />

aspecto “híbrido” uma base para o seu desenvolvimento. No caso do rádio<br />

digital, a característica de hibridização proposta por Nunes pode ser entendida<br />

como a capacidade que tal mídia terá de se configurar sob a ótica da<br />

convergência, recuperando, atualizando e potencializando suas características<br />

basilares, ao mesmo tempo em que irá expandir sua ação para outras<br />

mídias. Ainda segundo o autor:<br />

Esses translados corporificados em forma de passagem das características<br />

significantes de outras modalidades de articulação expressiva ao suporte<br />

digital denotam que os sistemas hipermídia se desenvolveram como um<br />

espaço de confluências intersemióticas (NUNES, 2009, p. 223).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Esse ambiente de convergência semiótica abordado por Nunes, e também<br />

mencionado por Santaella (2004), refere-se, tomando como exemplo<br />

o rádio digital, ao que já entendemos como o processo de hibridização entre<br />

os aspectos do suporte e da linguagem analógica, bem como das experiências<br />

do rádio na internet, que possam ser reaproveitadas, com as novas<br />

características que surgem com as potencialidades no aparato digital.<br />

105


A convergência sob a ótica de Fidler<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Partindo para os estudos de convergência sob a ótica de Fidler, corroboramos<br />

a ideia de que o processo de transformação das mídias, chamado pelo<br />

autor de midiamorfosis, é impulsionado por elementos diversos relacionados<br />

entre si, como por exemplo, “as necessidades percebidas, pressões políticas e<br />

econômicas e inovações sociais e tecnológicas” (FIDLER, 1997, p. 57).<br />

Com o intuito de ampliarmos o entendimento sobre essas noções, tendo<br />

como foco o caso do rádio digital brasileiro, observemos cinco preceitos<br />

que, segundo Fidler, marcam a passagem do analógico ao digital convergente.<br />

São eles:<br />

a) Coevolução e coexistência: de acordo com esse princípio, as mais diversas<br />

tecnologias da informação e da comunicação coevoluem e coexistem<br />

em meio a um processo de adequação e expansão. Ao manifestar-se e elaborar-se,<br />

cada inovação repercute no progresso de outras mídias.<br />

Analisando essa tendência em relação à digitalização do rádio no Brasil,<br />

fazemos uma conexão com a fase de transmissão simulcasting, que consiste<br />

na transmissão de conteúdos nos dois formatos (analógico e digital), enquanto<br />

ocorre a realização dos testes com os padrões tecnológicos digitais<br />

em algumas emissoras, bem como, acredita-se, até quando houver a opor-<br />

106


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tunidade de aquisição de receptores com tal tecnologia por parte da maioria<br />

da população, a preços acessíveis.<br />

b) Metamorfose: este preceito assegura que as inovações nos meios comunicacionais<br />

não surgem por si sós, pelo contrário, elas acontecem paulatinamente<br />

a partir das transformações de outros meios. Seu objetivo principal<br />

é, no entanto, demonstrar que meios antigos, ao invés de desaparecerem, se<br />

adaptam aos novos cenários. Além disso, a partir dele, é possível compreender<br />

o fato de ainda que a digitalização do rádio esteja sendo consolidada a<br />

passos lentos, ela se constitui como um avanço imprescindível à permanência<br />

de tal meio na cultura midiática contemporânea.<br />

c) Sobrevivência: as transformações são inevitáveis às mídias, assim como<br />

o mercado é obrigado a se adequar a essa realidade para manter-se ativo.<br />

Os empresários da radiodifusão nacional devem se mobilizar para encontrar<br />

possibilidades de trabalhar as inovações ocasionadas pelo suporte digital ao<br />

rádio para além das melhorias técnicas. Nesse momento, além dos debates<br />

técnicos, já deveria ser notadamente fomentada a preocupação com os desafios<br />

de explorar as novas necessidades da programação digital em termos<br />

de conteúdo.<br />

d) Oportunidade e necessidade: para Fidler não são apenas as questões<br />

tecnológicas que determinam novos horizontes às mídias, mas também as<br />

razões sociais, políticas e econômicas. Certamente esses aspectos influen-<br />

107


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ciam transversalmente a atuação e o desenvolvimento das mídias. Destacamos<br />

os empecilhos causados pelos proselitismos políticos que rodeiam<br />

a questão da definição do padrão tecnológico a ser adotado pelo SBRD.<br />

Ainda assim, o período de transição que estamos enfrentando constitui-se<br />

numa grande oportunidade para reinventar a práxis radiofônica observando<br />

as suas necessidades mais urgentes, como a questão do conteúdo.<br />

e) Adaptação postergada: tal preceito alerta-nos para o fato de que os benefícios<br />

comerciais advindos da atuação de uma mídia nova surgem apenas<br />

com o passar do tempo. De modo específico, em relação ao rádio digital, os<br />

exemplos norte-americanos e europeus comprovam que, mesmo depois de<br />

mais dez anos, tal tecnologia ainda caminha vagarosamente quando se trata<br />

de por em prática os aspectos interativos e convergentes.<br />

Consideramos que, no caso brasileiro, cabe aos empresários e profissionais<br />

do meio, bem como à academia, pesquisar, refletir e propor caminhos<br />

para que a sintonia do futuro obtenha os melhoramentos esperados tanto<br />

no âmbito comercial, quanto na qualidade de seus conteúdos.<br />

Esse é um dos desafios atuais em relação à convergência: saber de que forma<br />

os profissionais da comunicação devem atuar frente a tais inovações pelas<br />

quais passa o rádio:<br />

108


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A questão é como integrar os valores culturais de sua origem aos que surgem<br />

da tecnologia emergente. O rádio continuará sendo sonoro, porém<br />

com funções multimídia, portanto terá de agregar uma linguagem flexível<br />

que possibilita diversificar conteúdos, o que torna inevitável integrar sua<br />

programação a novos formatos de distribuição e ser capaz de compatibilizar<br />

voz, imagens e dados (BIANCO, 2010, p. 109).<br />

A convergência tecnológica é nitidamente uma tendência intrínseca ao<br />

rádio. Com a digitalização ela será capaz de reinventar o meio que melhor se<br />

adaptou aos diferentes espaços, que mais alcança e acompanha as diversas<br />

camadas da sociedade e que facilmente se aproxima e se utiliza da grande<br />

variedade e riqueza de expressões da linguagem sonora. Os níveis de convergência<br />

tecnológica, no entanto, não podem, nem devem ofuscar a essência<br />

do rádio, que é a sonoridade.<br />

Abordagem sobre os níveis de convergência no rádio<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Conforme já explicitamos, a convergência midiática é um fenômeno processual<br />

e multidimensional, o que implica dizer que ela aborda as tecnologias<br />

da informação e da comunicação em diversos níveis e aspectos. De<br />

acordo com Lopez (2010a, p. 15), a análise da lógica da convergência mi-<br />

109


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

diática precisa ocorrer levando-se em consideração “[...] um contexto mais<br />

amplo, que envolve não só a comunicação, mas o ambiente em que ela se<br />

insere, as tecnologias presentes nele e os reflexos que elas têm nas ações e<br />

comportamentos do homem”. Tais constatações demonstram como a convergência<br />

necessita ser refletida a partir de uma perspectiva que contemple<br />

as suas etapas de produção, transmissão e consumo da informação.<br />

Para o caso específico do rádio digital, a elaboração de conteúdos<br />

diferenciados é uma das principais mudanças que precisam ser geradas<br />

e, consequentemente, potencializadas e reverberadas pelo ambiente de<br />

convergência.<br />

A fim de utilizarmos as proposições teóricas sobre a convergência de<br />

modo diretamente relacionado ao rádio digital, optamos por fazer uma apreciação<br />

da classificação em níveis proposta por Lopez (2010b, pp. 412-417).<br />

Importante ressaltar que ao discorrer sobre o que a autora chama de “níveis<br />

de convergência”, corroboramos a ideia de que eles se apresentam sob uma<br />

lógica de complementaridade, sem exigência de uma continuidade, “em que<br />

novas ferramentas, ações e contextos surgem e geram consequências para o<br />

rádio a partir da inserção das tecnologias da informação e da comunicação<br />

em suas rotinas” (idem, p. 412).<br />

Em relação a esse cenário de constantes mudanças, López Vidales assegura:<br />

110


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Na gênese de toda essa mudança está a profunda transformação sofrida<br />

pelos diferentes meios de comunicação na raiz da digitalização acelerada<br />

dos processos de elaboração, emissão, produção, transmissão, difusão e recepção<br />

de todo tipo de informação, seja áudio, imagens, dados ou gráficos<br />

(LÓPEZ VIDALES, 2001, p. 71).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Voltando-nos à referida proposta de classificação dos níveis de convergência,<br />

reconhecemos o amplo horizonte que se abre ao rádio digital, a notável<br />

necessidade de compreendê-lo, bem como a complexidade de tal lógica<br />

processual que, como já elucidamos, vai além da questão técnica-estrutural,<br />

na medida em que sugere a discussão de seus propósitos e os reflexos que<br />

se apresentam no processo produtivo radiofônico.<br />

Todo o processo de mutações no aparato tecnológico radiofônico, sobretudo<br />

as implicações da convergência digital, nos remete à necessidade<br />

de reconfigurarmos a práxis de tal meio. De acordo com Lopez (2010b,<br />

p.414), estamos diante de “[...] novas dinâmicas de produção e transmissão<br />

que apresentam uma relação entre a tecnologia tradicional da radiodifusão<br />

e a informatização dos processos radiofônicos”.<br />

Nesse sentido, finalmente, passemos a discorrer sobre o que, de fato,<br />

consistem os níveis de convergência, quais são as suas características e efeitos<br />

no cenário do rádio digital Lopez aponta:<br />

111


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Convergência de primeiro, segundo e terceiro níveis. Estes níveis são integrados,<br />

complementares e compõem um processo de construção da<br />

identidade e de determinação do papel da comunicação radiofônica no<br />

novo cenário que se instaura. Um nível é dependente do outro e [...] se<br />

considerado em conjunto com a convergência de conteúdo, empresarial<br />

e editorial, pode levar à integração das redações. Entretanto, este não<br />

precisa ser o objetivo. Por se tratar de um processo, os níveis que a convergência<br />

apresenta são decorrentes dos anteriores, mas não exigem uma<br />

continuidade (LOPEZ, 2010b, p. 414).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Analisando especificamente o rádio digital, o primeiro nível desse processo<br />

refere-se claramente à informatização das redações. Nesse sentido, é<br />

possível apontar consequências importantes para a práxis radiofônica como,<br />

por exemplo, o aprimoramento e a agilidade proporcionados à execução,<br />

muitas vezes simultânea, de atividades com edição de áudios, textos, imagens<br />

e até mesmo de vídeos, através do suporte digital, na construção da<br />

informação.<br />

Em relação ao segundo nível, este alude a tecnologização de diversas<br />

etapas do processo. Aborda o instante em que se afirma uma conexão entre<br />

os instrumentos de apuração, produção e transmissão de informações, sem,<br />

contudo, atingir transversalmente a composição narrativa e a natureza da<br />

mensagem radiofônica. Em tal nível, o diferencial relevante para a mensa-<br />

112


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

gem final refere-se à presteza com que o conteúdo é produzido e transmitido,<br />

notadamente com a peculiaridade do som digital.<br />

A convergência de terceiro nível, sobretudo em relação ao rádio digital, refere-se<br />

propriamente à questão da produção multimídia. É justamente nesse<br />

sentido que precisamos ressaltar o seguinte: “a tecnologização e a inserção<br />

das tecnologias da informação e da comunicação no processo de construção<br />

e transmissão da noticia afeta a configuração do veículo, suas definições tradicionais<br />

e suas estratégias de linguagem” (LOPEZ, 2010b, p. 415).<br />

Uma das características desse terceiro nível de convergência, diz respeito<br />

à atuação profissional dos comunicadores de rádio num ambiente convergente<br />

e digital: o novo rádio que, consequentemente, sugere uma nova práxis<br />

comunicacional, envolvendo “atores” (produtores, usuários-ouvintes etc.)<br />

multiplataformas, capazes de produzir criativamente, com credibilidade e<br />

agilidade, conteúdos em áudio, vídeo, texto, fotografia, infografia (passíveis<br />

de entrecruzamentos).<br />

Pensar em níveis de convergência constitui-se, portanto, num exercício de<br />

reflexão crítica e sistemática sobre esse processo mutante capaz de promover<br />

impactos, desafios, tendências e perspectivas na estrutura do novo rádio.<br />

113


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette. Comunicação Digital – Educação, tecnologia<br />

e novos comportamentos. São Paulo: Paulinas, 2008.<br />

BIANCO, Nélia R. Del. Promessas de mudanças na programação e na linguagem das<br />

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(Org.). O novo rádio – Cenários da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac de<br />

São Paulo, 2010.<br />

______. As forças do passado moldam o futuro. Disponível em: . 2006. Acesso em: 20 nov. 2013.<br />

CORDEIRO, Paula. Rádio e Internet: novas perspectivas para um velho meio. In: Actas do<br />

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FIDLER, Roger. Mediamorphosis – Understanding New Media. Thousand Oaks: Pine Forge<br />

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JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />

LOPEZ, Debora Cristina. Radiojornalismo hipermidiático: tendências e perspectivas do<br />

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Covilhã: LabCom, 2010a.<br />

LOPEZ, Debora Cristina. Aproximações aos níveis convergência tecnológica em comunicação:<br />

um estudo sobre o rádio hipermidiático. In: FERRARETTO, Luiz Artur, KLÖCKNER<br />

114


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

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NUNES, Pedro (Org.). Mídias Digitais & Interatividade. João Pessoa: EDUFPB, 2009.<br />

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. Acesso<br />

em: 12 dez. 2013.<br />

115


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

RÁDIO DIGITAL:<br />

É PRECISO SINTONIZAR MELHOR ESSA REINVENÇÃO<br />

Elton Bruno Barbosa Pinheiro 1<br />

Resumo<br />

O presente estudo esboça um panorama sobre o estabelecimento do Sistema Brasileiro<br />

de Rádio Digital (SBRD). Discute os principais padrões tecnológicos com possibilidade<br />

de adoção no país. Constata que o processo de transição do analógico para o<br />

digital sinaliza a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas de comunicação<br />

radiofônica brasileira. Além disso, aborda alguns dos principais aspectos motivadores<br />

para a implantação do rádio digital: a alta definição, os novos receptores, a<br />

multiprogramação e a convergência com outros meios. Por fim, reflete criticamente a<br />

respeito do esfriamento das discussões sobre o rádio digital no Brasil, pondo em relevo<br />

o necessário aprofundamento do diálogo entre academia, governo e mercado e a<br />

imprescindível tomada de decisões plausíveis com a nova lógica da cultura midiática.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Palavras-chave: Rádio digital. Padrões tecnológicos. Aspectos motivadores.<br />

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />

em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />

(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessibilidade<br />

– UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço<br />

eletrônico: eltonufpb@hotmail.com.<br />

116


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Entendendo a tecnologia digital<br />

A implantação de uma inovação tecnológica é, indubitavelmente, fonte<br />

de inúmeros questionamentos, debates, desafios, promessas, possibilidades,<br />

tendências e perspectivas. No Brasil, a inserção da tecnologia digital no processo<br />

de produção, veiculação e recepção do conteúdo radiofônico, por sua<br />

viabilidade, funcionalidade, assim como pela necessidade de adaptabilidade<br />

aos padrões existentes, dá indícios de um verdadeiro processo de mutação<br />

na práxis comunicacional radiofônica.<br />

Mas, afinal, o que é o digital A partir da análise de Lévy podemos compreender<br />

melhor a natureza dessa tecnologia.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas<br />

as informações podem ser codificadas desta forma. Por exemplo, se fizermos<br />

com que um número corresponda a cada letra do alfabeto, qualquer texto<br />

pode ser transformado em uma série números. Uma imagem pode ser transformada<br />

em pontos ou pixels (pictures elements). Cada um desses pontos<br />

pode ser descrito por dois ou mais números que especificam suas coordenadas<br />

sobre o plano e por outros três números que analisam a intensidade<br />

de cada um dos componentes de sua cor (vermelho, azul e verde por síntese<br />

aditiva). Qualquer imagem ou sequência de imagens é, portanto traduzível<br />

em uma série de números. Um som também pode ser digitalizado se for feita<br />

117


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

uma amostragem, ou seja, se forem tiradas medidas em intervalos regulares<br />

(mais de 60 mil vezes por segundos, a fim de capturar as altas frequências).<br />

Cada amostra pode ser, portanto, representável por uma lista de números. As<br />

imagens e os sons também podem ser digitalizados, não apenas ponto a ponto<br />

ou amostra por amostra mas também, de forma mais econômica, a partir de<br />

descrições das estruturas globais das mensagens iconográficas ou sonoras.<br />

Para tanto, usamos sobretudo funções senoidais para o som e funções que<br />

geram figuras geométricas para as imagens. Em geral, não importa qual é o<br />

tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode<br />

ser traduzida digitalmente (grifos nossos) (LÉVY, 1999, p. 50).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em linhas gerais, o digital consiste na alteração de qualquer tipo de informação<br />

em código numérico expresso em base binária, ofertando maior<br />

simplicidade, agilidade e precisão na transmissão, processamento, armazenamento<br />

e disponibilização de conteúdos em grande escala. Trata-se de uma<br />

tecnologia com o intuito de disponibilizar imagens, textos, sons num sistema<br />

composto de bits ou de “fluído numérico” (idem, ibidem, p.51), “permitindo<br />

combinar, interligar e organizar serviços que antes estavam separados”<br />

(BIANCO, 2009, p.48) 2 .<br />

Podemos, talvez, nos perguntar: por que há um número crescente de<br />

informações sendo digitalizadas e, cada vez mais, sendo inteiramente pro-<br />

2 Entrevista concedida pela Professora Dra. Nélia Rodrigues Del Bianco, da Universidade Federal de Brasília – UnB, ao<br />

autor desse trabalho, via e-mail, em 28 de fevereiro de 2009 para o seu estudo monográfico intitulado Rádio Digital:<br />

desafios presentes e futuros.<br />

118


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

duzidas nesta forma com os instrumentos adequados De acordo com Levý<br />

(idem, p.52), “a principal razão é que a digitalização permite um tipo de tratamento<br />

de informação eficaz e complexo, impossível de ser executado por<br />

outras vias”. No caso do rádio digital, ela não só acrescenta desempenhos à<br />

transmissão do áudio, mas permite entre outras funções, o envio de dados<br />

e de imagens ao novo suporte radiofônico. Tome corrobora:<br />

Uma definição muito simples para o “rádio digital” é a seguinte: desde a invenção<br />

do rádio, a transmissão dos sons do estúdio até o aparelho receptor,<br />

via ondas que trafegam no “éter” (ou seja, no ar), é feita por meio de sinais<br />

analógicos. No rádio digital, essa transmissão passa a ser digitalizada, ou<br />

seja, por meio de bits – zeros e uns. Com essa mudança, consegue-se não<br />

apenas transmitir um som mais puro, mas, além disso, como bit é bit, pode-se<br />

transmitir qualquer coisa que seja digital – de pequenos vídeos a programas<br />

de computador (grifo nosso) (TOME, 2010, p. 57).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É justamente essa possibilidade de “transmitir qualquer coisa” que tem<br />

desencadeado esse processo de mutação na cultura midiática radiofônica,<br />

sobretudo no que diz respeito à produção de conteúdos digitais. Num<br />

exercício instigante, Bianco descreve algumas das possíveis competências<br />

do “novo rádio”.<br />

119


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Imagine acordar pela manhã ao som de um rádio com qualidade de CD<br />

programado para sintonizar sua emissora favorita. Logo em seguida, você<br />

aciona um botão do aparelho e recebe pela tela de cristal líquido - um display<br />

acoplado - um boletim meteorológico de sua cidade. Ao sair para o<br />

trabalho, liga o rádio do carro, coloca no painel da tela o seu destino e o<br />

sistema lhe indica, no mapa da cidade, o trajeto livre de congestionamentos.<br />

Se desejar, o mesmo aparelho disponibiliza vários tipos de informação:<br />

o nome do cantor de uma música, notícias selecionadas, a programação<br />

diária da emissora, a cotação da bolsa de valores e de outros índices econômicos.<br />

Tudo muito fácil de acessar e com a vantagem adicional de poder ler<br />

essas informações ao som do comunicador mais animado e divertido que<br />

você conhece. Delírio de futurista otimista [...]. A digitalização do sinal de<br />

transmissão de rádio oferece estas e muitas outras vantagens para o “ouvinte”<br />

(BIANCO, 2004, pp. 307-308).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tal descrição de Bianco nos ajuda a compreender a necessária reconfiguração<br />

na dinâmica e na forma de se produzir conteúdos radiofônicos,<br />

adaptando-se às diferentes linguagens e às novas maneiras de interação<br />

com a audiência.<br />

Um passo importante para a definição da nova práxis radiofônica é<br />

a análise dos padrões tecnológicos que podem vir a ser utilizados nas<br />

transmissões brasileiras de rádio digital, os quais têm passado por uma<br />

longa fase testes em algumas emissoras do país.<br />

120


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Antes, porém, vale mencionar que os diálogos e entrecruzamentos de aspectos<br />

políticos e econômicos influenciam fortemente o surgimento de múltiplos<br />

caminhos quando o assunto é a necessidade de adoção de inovações<br />

tecnológicas. Além disso, no caso do rádio digital brasileiro, o percurso até a<br />

decisão oficial pelo padrão de transmissão encontra dois caminhos clássicos<br />

específicos. Um deles diz respeito à opção por um sistema que opera de forma<br />

agregada a outro já existente, com o intuito de aperfeiçoar o seu funcionamento<br />

e introduzir novas usabilidades: são as inovações nomeadas como in-<br />

-band, pois ocorrem “dentro da faixa de frequências existentes” (TOME, 2010,<br />

p. 66). Outra possibilidade é a inovação a partir da adoção de uma técnica<br />

mais complexa e aprimorada, elaborada em um espectro diferente, o que a<br />

distingue de serviços até então existentes: são as inovações out-of-band, “fora<br />

da faixa preliminarmente ocupada” (idem, ibidem).<br />

Compreender as mudanças que serão ocasionadas no cotidiano técnico<br />

operacional radiofônico, a partir da digitalização, não se constitui como uma<br />

tarefa tão complexa se estabelecermos um paralelo com o que já aconteceu<br />

com o rádio analógico.<br />

Na primeira metade do século passado, as emissoras AM, em ondas<br />

médias (locais) e em ondas curtas (internacionais), testemunharam a chegada<br />

da FM, nas décadas de 1950 a 1970, o que representou uma mudança<br />

tecnológica do tipo out-of-band, por se tratar de uma nova forma de<br />

121


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

modulação, desta vez em frequência e não em amplitude, “sendo capaz<br />

de transportar uma música de alta qualidade e operando em uma nova<br />

faixa de frequências, totalmente fora do domínio das ondas curtas” (idem,<br />

ibidem). Paulatinamente, a população aderiu ao consumo de novos receptores,<br />

popularizando assim, a Frequência Modulada, que por sua vez, anos<br />

depois, evoluiu caracteristicamente de forma in-band (dentro da mesma<br />

faixa), quando acrescentou o som estéreo aos receptores, de modo que<br />

eles podiam reproduzir tanto sinais mono quanto os novos sinais estéreos.<br />

Existiram outros passos na inovação in-band do FM: a introdução da<br />

transmissão de um pequeno fluxo de dados no visor receptor, ainda que em<br />

baixa velocidade, como identificação da emissora, da música, do artista e<br />

informações curtas, sobre o clima/tempo, por exemplo.<br />

Com relação ao rádio digital, também há possibilidades de inovações de<br />

caráter in-band e out-of-band, conforme analisa Tome:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

No primeiro caso, a digitalização é realizada colocando-se o sinal digital<br />

na mesma faixa de frequências do sinal analógico – por exemplo – se uma<br />

emissora é de ondas médias (540 a 1600 kHz), o sinal digital correspondente<br />

também estaria em algum lugar nessa faixa de frequências. Além disso,<br />

o sinal digital pode estar vinculado ao analógico, ocupando um canal adjacente<br />

(IBAC – In-Band Adjacente Channel) ou estar ocupando o mesmo<br />

canal (IBOC – In-Band On-Channel). [...] Já a out-of-band consiste em se<br />

122


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

buscar uma nova faixa de espectro, disponível para transmissão do sinal digital,<br />

de forma totalmente desvinculada do analógico – tanto em termos de<br />

conteúdo quanto, principalmente, em termo de funcionalidades e recursos<br />

(TOME, 2010, p. 69).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tendo percorrido os caminhos que balizam justamente a tomada de decisão<br />

oficial por um determinado padrão tecnológico de transmissão radiofônica,<br />

voltemo-nos à análise das origens e diversidade dos sistemas digitais.<br />

Os primórdios da tecnologia radiofônica digital em termos de padrão são<br />

originários da Europa e foram arquitetados dentro dos programas de incentivo<br />

às pesquisas da agência europeia Eureka (European Research Coordination<br />

Agency). Criado através do projeto 147, o primeiro padrão tecnológico<br />

estava inserido num consórcio liderado pelo Institut für Rundfunktechnick<br />

(IRT), da Alemanha, com o apoio do Centre Commun d’Etudes de Téledifusion<br />

et Télécommunications (CCETT) francês, e em seguida contou com a participação<br />

da BBC inglesa. Somente na década de 1990, o sistema ficou pronto<br />

e foi nomeado como DAB – Digital Audio Broadcasting.<br />

Quando implantado como tecnologia totalmente digital do tipo out-of-<br />

-band, o DAB passou a operar em amostras do espectro que estavam livres<br />

na faixa VHS ou UHF. Seu objetivo era o de aumentar a diversidade das fontes<br />

de informação, abrindo espaço para novas emissoras. Conforme Tome<br />

123


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

(ibidem, p.71), o DAB “teria de ser uma tecnologia capaz de contornar o<br />

problema do espectro congestionado do continente europeu, decorrente da<br />

existência de países e cidades muito próximas”.<br />

No ano de 1992, o Digital Audio Broadcasting foi testado nos Estados<br />

Unidos, no entanto, os norte-americanos adotaram o padrão IBOC – In-Band<br />

On-Channel, uma vez que o conteúdo digital da emissora, em tal tecnologia,<br />

é transmitido através de canais laterais do analógico. O Canadá, na mesma<br />

época, elegeu o DAB por considerá-lo tecnicamente melhor e porque ele<br />

possibilitaria uma boa solução no ambiente bilíngue daquele país.<br />

O Japão, em 1997, optou por uma decisão distinta: o ISDB – Integrated<br />

Services Digital Broadcasting, concebido como um sistema de comunicação<br />

inovador, capaz de atuar como suporte integrado para o modelo de convergência.<br />

Importante mencionar que o ISDB, considerado sob o ponto de vista<br />

radiofônico como uma solução out-of-band, operando tanto na faixa de VHF<br />

quanto UHF, é analisado, no caso do Brasil, como um padrão tecnológico<br />

inviável, tendo em vista o fato de que ele pressupõe sistemas de produção<br />

em forma de consórcio, o que, em síntese, implicaria em separar os papéis<br />

de transmissão e de geração de conteúdo.<br />

Já no início do século XXI, a Coréia adotou o DAB como suporte para as<br />

suas transmissões de rádio digital. Mas o que os coreanos realmente esperavam<br />

dessa inovação tecnológica era a possibilidade de lidarem com uma<br />

124


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

plataforma multimídia, assim como o ISDB. Assim, os coreanos desenvolveram<br />

uma nova versão para o DAB, chamada DMB – Digital Multimedia<br />

Broadcasting, congregando múltiplas novidades tecnológicas, sobretudo a<br />

competência de transmissão de vídeo associado ao áudio, para exibição em<br />

pequenas telas de cristal líquido.<br />

Ainda em 2007, as principais pesquisas a respeito dos padrões de rádio<br />

digital no mundo mencionavam o DAB+ e o DRM+ como versões respectivamente<br />

capazes de melhorar a codificação de áudio e suporte multimídia,<br />

além de desenvolver a capacidade de operar na faixa de FM.<br />

Padrões tecnológicos e características no contexto brasileiro<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Basicamente são dois os principais padrões tecnológicos de rádio digital<br />

em fase de testes e análises, com possibilidade de implantação no Brasil: o<br />

IBOC – In-Band On-Channel, norte-americano; e o DRM – Digital Radio Mondiale,<br />

europeu. Ambos são do tipo in-band 3 e cada um deles desenvolveu seu<br />

modelo fundamentado em suas necessidades, com arquiteturas distintas,<br />

que variam desde a modulação (técnica de adaptação do sinal para o meio<br />

3 “Uma das características dos sistemas in-band é que, de forma semelhante ao que ocorre na televisão digital (que<br />

também é um sistema in-band), existe a necessidade de uma fase de transição, durante a qual, ambos os sinais, analógico<br />

e digital, precisarão coexistir, pois parte dos ouvintes continuará com antigos aparelhos analógicos e parte já<br />

terá migrado para receptores digitais. Essa fase de transição (simulcasting) pode durar décadas” (TOME, 2010, p.69).<br />

125


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

de transmissão sem o menor ruído e interferência possível) até a aplicação.<br />

Além dos requisitos técnicos, eles também se diferenciam culturalmente, baseados<br />

nos serviços que dispõem.<br />

Mas, de fato, qual seria a melhor escolha para o cenário comunicacional<br />

radiofônico brasileiro, o IBOC ou o DRM Diante dos passos lentos no que<br />

diz respeito aos testes até agora realizados, essa é uma pergunta ainda difícil<br />

de ser respondida com exatidão. Um aspecto importante a ser considerado<br />

é que tais tecnologias têm sido testadas apenas no que se refere à qualidade<br />

da transmissão do áudio, tendo deixado de lado as discussões sobre a relevância<br />

dos conteúdos visuais e interativos que devem ser veiculados pelo<br />

novo suporte radiofônico digital.<br />

Passemos a uma análise mais detalhada sobre cada um dos padrões possíveis<br />

de adoção no Brasil.<br />

Iboc - in-band on-channel<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Pertencente ao consórcio internacional iBiquity, o IBOC, sigla de In-Band<br />

On-Channel é uma tecnologia norte-americana de rádio digital, conhecida<br />

nos Estados Unidos como HD Radio (High Definition Radio). Na verdade, pelo<br />

fato de tal sistema ocupar o canal adjacente, ou seja, não estando restrito ao<br />

126


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

canal analógico da emissora, ele é imprecisamente denominado como IBOC,<br />

que é, por sua vez, um modelo conceitual 4 .<br />

Nesse sentido, como na tecnologia IBOC o sinal digital é transmitido no<br />

canal adjacente, é possível a coexistência das emissoras FM e AM analógicas<br />

com o novo suporte digital sem a necessidade de alterações de frequências<br />

no dial, o que, na visão dos empresários da radiodifusão, é uma vantagem,<br />

sobretudo porque nesse caso não há a necessidade de se fazer novas licitações<br />

ou outorgas. Segundo Tome, no IBOC:<br />

A ideia é levar ao ouvinte um som de melhor qualidade (como no CD),<br />

além de possibilitar a inclusão de outras informações por meio de um<br />

fluxo de dados ou mesmo um segundo canal de áudio independente.<br />

Entretanto, ao contrário dos demais sistemas, o IBOC foi concebido para<br />

possibilitar a transmissão simultânea dos sinais digitais dentro da mesma<br />

banda alocada para o sinal analógico da emissora. No modo híbrido, ambos<br />

os sinais – o analógico e o digital – convivem dentro do mesmo canal<br />

(TOME, 2004, p 01).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Outros fatos colaboram para que o IBOC se imponha como uma espécie<br />

4 Conforme Tome (2010, p. 69), o IBOC, em si, é um modelo conceitual. “O sistema norte-americano de rádio digital<br />

acabou recebendo esse nome por conta do histórico de desenvolvimento, embora não seja exatamente um sistema<br />

IBOC do ‘ponto de vista conceitual’. [...] Entretanto, o “apelido” IBOC pegou, e usualmente aquele sistema é referido<br />

por esse acrônimo”.<br />

127


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

de “favorito entre os radiodifusores” nesse momento que deve ser de reflexões,<br />

debates e escolhas. A questão da infraestrutura, por exemplo, pesa<br />

no sentido de que a aparelhagem das rádios pode, com o IBOC, ser em boa<br />

parte reaproveitada. Não há necessidade de se modificar torres de transmissão,<br />

apesar de que algumas emissoras precisarão de alguns equipamentos<br />

novos como excitadores e periféricos adequados.<br />

Um estudo desenvolvido por pesquisadores do GP Rádio e Mídia Sonora<br />

da Intercom, denominado Implantação do rádio digital no Brasil: experiências,<br />

impactos, tendências e perspectiva, aponta uma realidade ainda presente<br />

no cotidiano de muitas emissoras brasileiras: “um forte movimento de<br />

preservação tem sido a força motriz no processo de adoção da digitalização<br />

da transmissão” (BIANCO, 2007, p.04).<br />

Pode-se destacar, nesse sentido, o predomínio de uma visão instrumental<br />

da tecnologia de transmissão digital, o que provoca certa limitação na análise<br />

das melhorias, como a questão da otimização do áudio, bastante comentada,<br />

de importância considerável, mas que tem “sufocado” o debate, por exemplo,<br />

em torno da diferença no tempo de transmissão (delay) entre os dois tipos de<br />

sinais, analógico e digital. “O analógico estará à frente em relação ao digital na<br />

transmissão que não é totalmente simulcast” (idem, ibidem).<br />

O IBOC também tem apresentado debilidades quando o assunto é a<br />

eficiência na continuidade de transmissão, ou seja, em alguns casos pode<br />

128


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

haver uma interrupção abrupta da programação, gerando certo desconforto<br />

ao ouvinte. Ainda assim, tal padrão oferece um diferencial no que se refere<br />

à economia da energia elétrica, atualmente, um dos maiores gastos para os<br />

empresários radiodifusores.<br />

Por outro lado, um aspecto preocupante para o IBOC é que ainda existem<br />

questionamentos referentes à sua capacidade em atender às demandas<br />

do mercado. Isso significa problemas quanto aos custos necessários para<br />

investimentos, calcula-se uma média de 150 a 200 mil dólares, no mínimo,<br />

para trocar, por exemplo, um transmissor comum. Um investimento também<br />

expressivo consiste em digitalizar o processo de produção radiofônica,<br />

com mudanças na aparelhagem dos estúdios e redações, só para citar apenas<br />

duas situações. Nesse caso, aguarda-se que sejam oferecidos incentivos,<br />

sobretudo aos radiodifusores de pequeno porte, para que não fiquem à<br />

margem desse processo e invistam na implantação do rádio digital.<br />

O IBOC, segundo Bianco, tem outros entraves a sua frente:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O inconveniente está no fato de ser uma tecnologia proprietária. Para seu<br />

uso será necessário pagar licenciamento anual, hoje estimado em US$ 5<br />

mil. A empresa iBiquity, detentora dos direitos de exploração da tecnologia,<br />

pode reduzir o valor do licenciamento para favorecer países interessados<br />

em adotá-la como uma vantagem competitiva em relação aos demais sistemas<br />

(BIANCO, 2007, p.04).<br />

129


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Contudo, o sistema norte-americano tem objetivos basicamente semelhantes<br />

aos demais padrões de rádio existentes, entre eles, transmitir o sinal<br />

digital num canal adjacente ao sinal analógico, o que possibilitaria que as<br />

estações de rádio atuais pudessem migrar para a tecnologia digital quando<br />

lhes fosse conveniente e sem interromper ou prejudicar a transmissão do<br />

modo analógico. Segundo Bezerra, esse é um aspecto relevante na forma de<br />

transmissão híbrida permitida pelo padrão IBOC:<br />

A possibilidade das emissoras poderem migrar para a tecnologia digital quando<br />

lhes for mais conveniente, ou seja, quando estiverem totalmente preparadas<br />

e com a vantagem de não interromper ou prejudicar a transmissão<br />

analógica. Numa próxima etapa de implantação, o sinal analógico seria desativado,<br />

e a transmissão digital ocuparia todo o canal (BEZERRA, 2007, p.04).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em síntese, as características do IBOC, que possui duas versões, uma para a<br />

faixa AM (IBOC AM) e outra para a faixa FM (IBOC FM) proporcionam: possibilidade<br />

de transmissão simultânea dos sistemas digital e analógico dentro da mesma<br />

banda; permissão para o usuário fazer uso dos dois sistemas e depois desativar o<br />

analógico; aumento na largura do canal ocupado por uma estação, ou seja, criação<br />

de canais adjacentes; além disso, os receptores continuariam os mesmos.<br />

Todavia, o IBOC apresenta também as suas debilidades: por ser justamente<br />

um sistema híbrido, tem deficiências tecnológicas que podem ser corrigidas,<br />

130


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

mas a longo prazo; é contraproducente do ponto de vista da infraestrutura,<br />

pois ao alargar o espectro para uso de dois sistemas simultâneos se reduz<br />

a possibilidade de espectro para novas emissoras; não se tem uma previsão<br />

do que acontecerá na transição entre o híbrido e o totalmente digital, alguns<br />

críticos acham que o IBOC nunca será totalmente digital e, portanto, deve<br />

ficar mais tarde defasado; já que é uma tecnologia fechada licenciada por<br />

apenas uma empresa, prevê uma taxa anual de alto valor para ao operador<br />

do sistema, o que comprometeria a digitalização das rádios comunitárias;<br />

além disso, há um delay entre o sinal digital e analógico, perceptível pelo<br />

usuário, ou seja, o rádio fica mudo alguns segundos.<br />

Alguns desses pontos merecem o nosso destaque: um problema que<br />

atinge os sistemas digitais, principalmente o IBOC norte-americano, é o da<br />

cobertura do sinal. Tome explica:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

No caso do IBOC, o sinal digital é transmitido juntamente com o analógico,<br />

ou seja, no canal imediatamente adjacente. Para evitar que esse sinal<br />

digital degrade o sinal analógico, ele deve ser mantido com uma potência<br />

de cerca de 1% com relação à portadora analógica (-20dBc). Tal potência é<br />

menor do que aquela que seria necessária para prover uma cobertura equivalente.<br />

O sinal digital, embora requeira uma potência bem menor que o<br />

analógico para prover a mesma área de cobertura, ainda assim necessitaria<br />

de uma potência da ordem de 3% a 5% do analógico. Isso significa que o<br />

sinal digital, no caso do IBOC, estaria operando com um terço da potência<br />

131


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

necessária para prover a mesma cobertura do analógico, e essa situação<br />

persiste enquanto perdurar a transição (simulcasting) e o analógico não for<br />

desligado, o que pode levar uma ou duas décadas (TOME, 2010, p.80).<br />

O lento processo de digitalização por que passa o rádio brasileiro não<br />

pode, no entanto, atrasar as discussões sobre a nova práxis na produção de<br />

conteúdos digitais, tampouco afetar o cotidiano das emissoras de pequeno<br />

porte técnico. Ainda assim, como analisa Bezerra, um dos benefícios do rádio<br />

digital seria afetado pelo sistema IBOC:<br />

Um das grandes vantagens do sistema digital é justamente a incorporação<br />

de novos atores na radiodifusão, mas que será prejudicada pelo sistema<br />

IBOC. As emissoras que continuarem a emitir no padrão analógico (as comunitárias,<br />

as públicas e as comerciais pequenas) terão dificuldades em ser<br />

captadas (BEZERRA, 2007, p.04).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Para o caso específico das rádios comunitárias, o IBOC exibe sérios<br />

problemas. De acordo com a legislação nacional, tais rádios apresentam<br />

potência limitada a 25 watts. Tendo em vista que no sistema digital o sinal<br />

irradiado tem uma potência de 1% do analógico:<br />

[...] se uma emissora analógica irradia uma potência de 100kW para cobrir<br />

uma determinada região, o seu sinal digital correspondente terá a potência<br />

132


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

de 1 kW, com a perda de cobertura comentada acima. No caso de uma rádio<br />

comunitária com 25 watts no analógico, o sinal digital correspondente<br />

seria então de 0,25 watts ou 250 mW. Segundo a empresa iBiquity, esse nível<br />

de sinal é muito baixo, próximo ao limiar de ruído ambiente, podendo<br />

comprometer a transmissão digital (TOME, 2010, p.81).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Paradoxalmente, sabe-se que como os sistemas de rádio digital, diferentemente<br />

dos sistemas analógicos, não necessitam de uma banda de<br />

guarda tão ampla, o espectro pode ser melhor ocupado não apenas por<br />

outras rádios comerciais, mas também, relevantemente, por emissoras comunitárias,<br />

educativas e experimentais. Todavia, o que se percebe é que<br />

o IBOC, em sua estrutura técnica, age como um opressor ao processo de<br />

democratização das comunicações, uma vez que no caso do FM ocupa<br />

metade de cada canal adjacente, enquanto ocorre a fase de transição, não<br />

devolvendo essa faixa adicional ao poder público ao final de tal período.<br />

Já em relação às rádios de ondas médias, a constatação é ainda mais preocupante,<br />

pois o IBOC ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes,<br />

não havendo possibilidade de aproveitamento de nenhuma das faixas adicionais<br />

por parte de outras emissoras, sejam elas comunitárias, educativas<br />

ou experimentais, após a transição digital.<br />

133


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

DRM – Digital Radio Mondiale<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Constituído por um sistema aberto, organizado pela união de 90 membros,<br />

entre eles operadoras estatais europeias para as transmissões AM, fabricantes,<br />

associações e universidades, o DRM – Digital Radio Mondiale surgiu<br />

em 1996, a partir da iniciativa de emissoras 5 que atuavam em ondas curtas,<br />

tendo o objetivo primaz de fazer algo pela radiodifusão AM, para que esta<br />

não se extinguisse.<br />

O Digital Radio Mondiale, inicialmente chamado de Digital Radio Worldwide,<br />

constitui-se, conforme já mencionado nesse estudo, como um sistema<br />

in-band, pois opera com sinal digital transmitido dentro da mesma faixa dos<br />

sinais analógicos. Entretanto, em relação ao padrão norte-americano IBOC,<br />

o DRM, em sua versão inicial 6 chamada MCS (Multichannel Simulcasting),<br />

considerada a partir de 2010 como solução preferida 7 tanto para as ondas<br />

médias e curtas quanto para o FM, apresenta uma peculiaridade: “é transmitido<br />

ocupando um canal dentro da faixa, que, porém pode ser qualquer<br />

canal disponível” (idem, ibidem, p.74). O IBOC, por sua vez, cuja frequência<br />

5 De acordo com TOME (2010, p.74) as emissoras: Voz da America, BBC, Deustche Wellw, Radio France Internationale<br />

e TéleDiffusion de France (TDF).<br />

6 O padrão DRM desenvolveu uma segunda versão chamada SCS (Single Channel Simulcasting). Tal versão é considerada<br />

um sistema IBOC puro, uma vez que o sinal digital é transmitido limitadamente dentro do espaço espectral<br />

(canal) do sinal analógico.<br />

7 Cf. TOME, 2010, p.75.<br />

134


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

do sinal digital está rigidamente vinculada à frequência do analógico, atua<br />

ocupando necessariamente os canais adjacentes.<br />

Tome analisa aspectos relevantes sobre a particularidade do DRM em relação<br />

ao IBOC norte americano:<br />

Essa falta de vinculação (vista pelos críticos do sistema) ou essa flexibilidade<br />

(vista pelos que lhe são favoráveis) decorre da necessidade que têm as emissoras<br />

de ondas curtas, devido ao alcance mundial de seus sinais, de planejarem<br />

a melhor frequência para alocar o sinal digital, a qual pode não necessariamente<br />

ser o canal imediatamente adjacente (TOME, 2010, pp.74-75).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em síntese, as vantagens da tecnologia DRM apontadas até agora são:<br />

há permissão para se operar os dois sistemas simultaneamente dentro da<br />

mesma banda; as rádios AM passam a ter melhor qualidade sonora, o que<br />

revitalizaria esse tipo de transmissão; possibilita conteúdos integrados num<br />

mesmo aparelho; é uma tecnologia aberta que pode ser utilizada por todos,<br />

não prevê o pagamento de royalties, participam do projeto dentre outras<br />

empresas a Hitachi, JVC, Bosh e Sony. Por outro lado, a tecnologia DRM<br />

também apresenta um empecilho considerável para ser adotada no Brasil:<br />

prevê a troca de aparelhos num custo relativamente alto.<br />

Embates à parte, o fato é que o padrão a ser adotado, seja ele o IBOC ou<br />

135


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

DRM, deve ser capaz de garantir eficiência em qualquer situação de recepção.<br />

Assim, nesse momento, é fundamental observar que o sucesso de uma<br />

nova tecnologia “depende de sua capacidade de ajustar-se à vida das pessoas.<br />

Precisa ser confortável e fácil, ter ligação com o passado, com aquilo que<br />

as pessoas já conhecem ou que possa melhorar o que já existe” (BIANCO,<br />

2006, p.08).<br />

Nessa fase iminente de definição, critérios com “gratuidade, flexibilidade,<br />

adaptabilidade, integração e convergência” (Bianco, 2007, p.01)<br />

são, de fato, importantes e devem ser analisados rigorosamente antes de<br />

qualquer decisão. Caso contrário, como acreditam diversos pesquisadores<br />

e entidades da área:<br />

[...] uma decisão precoce, sem a devida avaliação do seu impacto em nosso<br />

sistema de radiodifusão, poderá acarretar em baixa penetração do serviço,<br />

prejuízo para o setor de radiodifusão, reduzido interesse da população, não<br />

ampliação de postos de trabalho e ausência de políticas públicas no sentido<br />

de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos (CARTA ABERTA, 2010) 8 .<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

8 Em 23 de abril de 2010, diversas as entidades ABRACO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária;<br />

ANEATE – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão; AMARC – Associação<br />

Mundial das Rádios Comunitárias; ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil; CUT – Central Única<br />

dos Trabalhadores; CFP – Conselho Federal de Psicologia; FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas; FITERT – Federação<br />

Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão; FNDC – Fórum Nacional pela<br />

Democratização da Comunicação; INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação;<br />

INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social publicaram uma carta aberta como um alerta às autoridades<br />

e um chamado à sociedade brasileira, sobre a questão do processo de implantação do rádio digital no Brasil.<br />

136


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O estabelecimento do padrão tecnológico é, de fato, uma preocupação<br />

coletiva entre os pesquisadores da mídia rádio no país, tendo rendido debates<br />

e expectativas de ordens diversas. A sociedade aguarda que a celeridade<br />

com que foram tomadas as decisões em relação à definição do padrão<br />

tecnológico utilizado pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital, esteja presente<br />

no debate acerca dos desafios presentes e futuros da nova tecnologia<br />

radiofônica, uma vez que o rádio permanece como o grande companheiro<br />

da audiência brasileira de todas as classes sociais.<br />

Corroboramos um alerta às autoridades e um chamado à sociedade brasileira<br />

sobre a importância da definição tecnológica para o rádio digital.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Entendemos que a digitalização da transmissão é fator essencial para a sustentabilidade<br />

do rádio no ambiente de convergência midiática. A mudança<br />

representará uma melhoria da qualidade de som, especialmente em relação<br />

ao AM, novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, incluindo<br />

a oferta de dados e serviços complementares de valor agregado, além de<br />

dispositivos tecnológicos que permitam abertura para a convergência com<br />

outros meios dentro da mesma linguagem digital. Embora o rádio já esteja<br />

presente na Internet e celular, acreditamos que a digitalização da transmissão<br />

poderá integrá-lo à convergência midiática. Entretanto, para que isto<br />

ocorra de modo consistente, é indispensável que a definição tecnológica<br />

seja precedida pela definição dos modelos de serviços e de negócio, uma<br />

Disponível em:< http://www.intercom.org.br/boletim/a06n158/forum03.shtml>.<br />

137


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

vez que os atuais impasses do rádio localizam-se no esgotamento dos referidos<br />

modelos (CARTA ABERTA, 2010).<br />

Em oposição ao que se coloca como alternativa pelo governo, o então<br />

Presidente da Associação Brasileira de Rádio Difusores (Abra), João Carlos<br />

Saad, sugeriu a paulatina migração dos sinais de radiodifusão em AM para<br />

as bandas de FM que ainda serão autorizadas, conforme o cronograma de<br />

transição para a TV digital. Para a entidade, as tecnologias IBOC e DRM são<br />

limitadas quanto à sua adequação às demandas do Brasil.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

[...] observamos que os últimos anos foram de experimentos com as tecnologias<br />

disponíveis, para a digitalização do rádio. Os testes indicam que a tecnologia<br />

IBOC enfrenta dificuldades técnicas em cidades como São Paulo, mas é mais<br />

madura quanto à sua adoção por radiodifusores de outros países (notadamente<br />

americanos), enquanto a tecnologia DRM, incipiente quanto à sua adoção,<br />

pode ser mais robusta em termos de recepção pelo público. Ambas as opções<br />

tecnológicas são, portanto, limitadas quanto à sua adequação para as demandas<br />

do Brasil. [...] há a alternativa de implementar uma migração paulatina dos<br />

sinais de radiodifusão em AM para as bandas de FM que serão liberadas, de<br />

acordo com o cronograma de transição da TV Digital. [...] Com a migração que<br />

propomos [...] a radiodifusão de sons passa a ter um horizonte de ação e de<br />

investimentos, sem depender dos interesses de tecnologias estrangeiras, num<br />

cenário em que os brasileiros de todos os rincões terão uma grande oferta de<br />

serviços de rádio, com toda sorte de programação (grifos nossos) (SAAD, 2010).<br />

138


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O governo brasileiro, por sua vez, publicou portaria criando o Sistema Brasileiro<br />

de Rádio Digital – SBRD. No entanto, frustrando muitas expectativas,<br />

não foi estabelecido no referido documento o padrão tecnológico a ser adotado<br />

(IBOC ou DRM), bem como não foram estabelecidos recursos para a pesquisa<br />

nacional (como ocorreu com a TV Digital), e também não foi definido o<br />

futuro das emissoras comunitárias, o que aparece é a figura das emissoras de<br />

potências menores e a indicação de que elas devem arcar com custos baixos<br />

para sua inserção no rádio digital. Provavelmente os custos serão proporcionais<br />

às potências das emissoras AM ou FM. Eis a referida portaria:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Portaria nº 290, de 30 de março de 2010.<br />

Art. 1º Fica instituído, por esta Portaria, o Sistema Brasileiro de Rádio Digital<br />

- SBRD.<br />

Art. 2º Para o serviço de radiodifusão sonora em Onda Média (OM) e em<br />

Frequência Modulada (FM) deve ser adotado padrão que, além de contemplar<br />

os objetivos de que trata o art. 3º, possibilite a operação eficiente em<br />

ambas as modalidades do serviço.<br />

Art. 3 º O SBRD tem por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes objetivos:<br />

I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria<br />

por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da<br />

informação;<br />

II - propiciar a expansão do setor, possibilitando o desenvolvimento de ser-<br />

139


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

viços decorrentes da tecnologia digital como forma de estimular a evolução<br />

das atuais exploradoras do serviço;<br />

III - possibilitar o desenvolvimento de novos modelos de negócio adequados<br />

à realidade do País;<br />

IV - propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de<br />

transmissores e receptores, garantida, onde couber, a isenção de royalties;<br />

V - possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa<br />

no ajuste e melhoria do sistema de acordo com a necessidade do País;<br />

VI - incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e<br />

serviços digitais;<br />

VII - propiciar a criação de rede de educação à distância;<br />

VIII - proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequências;<br />

IX - possibilitar a emissão de simulcasting, com boa qualidade de áudio e<br />

com mínimas interferências em outras estações;<br />

X - possibilitar a cobertura do sinal digital em áreas igual ou maior do que<br />

as atuais, com menor potência de transmissão;<br />

XI - propiciar vários modos de configuração considerando as particularidades<br />

de propagação do sinal em cada região brasileira;<br />

XII - permitir a transmissão de dados auxiliares;<br />

XIII - viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos<br />

reduzidos; e<br />

XIV - propiciar a arquitetura de sistema de forma a possibilitar, ao mercado<br />

brasileiro, as evoluções necessárias.<br />

Art. 4 º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. (COSTA, 2009).<br />

140


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Trata-se de “uma carta de intenção” (Cf. CEDRAZ, 2010). O documento,<br />

assinado pelo ex-ministro Hélio Costa, vale apenas como pauta para o debate<br />

que suscita entre os atores diretamente envolvidos e os amplos setores<br />

da sociedade brasileira. Além disso, a portaria simplesmente tece diretrizes<br />

para o SBRD e valores diferenciados para as rádios, tomando como referência<br />

a potência das emissoras.<br />

Contudo, é necessário apontar aspectos relevantes da portaria, os quais<br />

merecem ser analisados, a fim de que tal documento sirva como fomentador<br />

das principais reconfigurações que se esperam do rádio digital:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

[...] a Portaria nº 290/2010 de 31 de março de 2010 do Ministério das Comunicações<br />

que institui o Sistema Brasileiro de Rádio Digital – SBRD é positiva,<br />

porque sinaliza com valores fundamentais que devem balizar a escolha de<br />

soluções tecnológicas, dos quais destacamos: a) proporcionar a utilização<br />

eficiente do espectro de radiofrequencia; b) possibilitar a participação de<br />

instituições brasileiras de ensino e pesquisa no ajuste e melhoria do sistema<br />

de acordo com a necessidade do País; c) viabilizar soluções para transmissões<br />

em baixa potência, com custos reduzidos; d) propiciar a criação de<br />

rede de educação à distância; e) incentivar a indústria regional e local na<br />

produção de instrumentos e serviços digitais; f) propiciar a transferência de<br />

tecnologia para a indústria brasileira de transmissores e receptores, garantida,<br />

onde couber, a isenção de royalties (CARTA ABERTA, 2010).<br />

141


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ainda assim, é preciso entender que a digitalização da transmissão é<br />

um fator essencial para a sustentabilidade do rádio no ambiente de convergência<br />

midiática. Ignorar esse fato, atrasando a definição e adoção<br />

do padrão tecnológico oficial, é retardar uma mudança capaz de promover<br />

melhoramentos na qualidade de som, nos usos e funcionalidades<br />

para o aparelho receptor, compreendendo a disponibilização de dados e<br />

serviços adicionais de valor atrelado, além de ampliadores tecnológicos<br />

que admitam possibilidade de interação com diferentes meios dentro do<br />

mesmo formato digital.<br />

É preciso afirmar, e é bem certo, que a digitalização caminha também<br />

a passos lentos em diversos países. Conforme aponta a referida carta<br />

aberta, essa dificuldade tem conexões com as características tecnológicas<br />

dos padrões disponíveis que atrapalham sua adequação ao modelo de<br />

radiodifusão, ao marco regulatório e às regras de mercado em cada país.<br />

Em alguns países europeus, por exemplo, o sinal digital do sistema DAB<br />

(Digital Audio Broadcasting) não tem boa recepção dentro de edifícios,<br />

sobretudo os situados em ruas com grande densidade de prédios e tráfego<br />

intenso. O sistema americano HD Rádio (IBOC) apresenta problemas<br />

parecidos: o sinal é mais baixo em relação à estação de sinal analógico.<br />

Além disso, os aparelhos receptores em HD Radio são incompatíveis<br />

com DAB e DRM.<br />

142


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Aspectos como esse nos levam a conjecturar e a corroborar outras possibilidades<br />

capazes de solucionar a situação do rádio brasileiro:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

[...] a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão rigorosos, ou de<br />

forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá trazer sérios<br />

problemas e não atender à realidade brasileira. Por isso, não podemos<br />

descartar a possibilidade futura de o Brasil vir a optar por um SBRD com<br />

tecnologia genuinamente nacional, com a garantia do devido incentivo financeiro<br />

e estrutural para a sua realização (grifo nosso). Sabemos que,<br />

independente do modelo a ser adotado, as adaptações poderão se fazer<br />

necessárias. E para isso torna-se estratégico saber quais são as nossas demandas<br />

para aprimoramento e como podemos envolver todos os setores<br />

capazes de contribuir para a melhoria e adaptação do sistema. O referido<br />

debate [...] deve ser antecedido pelo debate sobre os modelos de serviços<br />

e de negócio, uma vez que sem modelos democráticos e acessíveis<br />

a continuidade do rádio brasileiro não está assegurada. Sobre possíveis<br />

adaptações, lembramos o que aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB<br />

japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e<br />

a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC-<br />

-Rio e UFPB (CARTA ABERTA, 2010).<br />

Com as indefinições e limitações tecnológicas, o debate se amplia para<br />

outros campos. Um deles é a esfera das políticas públicas de comunicação.<br />

143


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Políticas públicas para o rádio digital<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O processo de transição do analógico para o digital, bem como o cenário<br />

de interação e convergência tecnológica contemporâneos, sinalizam ao<br />

rádio brasileiro a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas<br />

de comunicação. Tal realidade deve ser um interesse coletivo da sociedade<br />

brasileira: cidadãos em geral, ouvintes, profissionais da comunicação, técnicos<br />

e gestores públicos. Logo, uma política pública deve ser elaborada de<br />

maneira largamente democrática, com a participação efetiva da sociedade,<br />

visando assegurar instrumentos de colaboração popular e domínio público.<br />

Alguns critérios devem balizar a construção de políticas públicas para o<br />

rádio digital, o que é comum quando se trata de um processo de transição.<br />

Analisemos alguns deles:<br />

a) garantia da manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, por parte do<br />

ouvinte – esse critério é fundamental para permanência do rádio no cenário<br />

midiático nacional. Não se concebe como viável a adoção de uma tecnologia<br />

que preveja a troca de suporte a altos custos por parte dos ouvintes, tampouco<br />

é de interesse dos radiodifusores obter elevados gastos na troca de<br />

aparelhagens. É preciso pensar como essa nova tecnologia entrará de fato<br />

no cotidiano da população com renda baixa. A dona de casa, por exemplo,<br />

que tem hoje seu radinho de pilha, que custou cinco reais na lojinha da feira,<br />

144


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

não pode ser privada dos benefícios da tecnologia digital, ainda sim, falta<br />

justamente a concepção de políticas públicas que incentivem a produção,<br />

venda e consumo dos novos receptores a preços acessíveis. Cabe ressaltar<br />

que isso pode ser melhor estabelecido com a definição de um padrão tecnológico<br />

que não necessite de pagamento de royalties e que seja flexível a<br />

nossa realidade comunicacional.<br />

b) transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção<br />

– embora a questão da qualidade de transmissão e recepção do áudio seja o<br />

único aspecto testado até agora pelas emissoras de alguns estados do país,<br />

ainda há muitas debilidades a serem superadas. Em regiões específicas, como<br />

São Paulo, onde existe o problema da poluição radioelétrica, a propagação dos<br />

sinais digitais e até mesmo analógicos são comprometidos, sobretudo à noite<br />

quando aumenta a reflexão das ondas na ionosfera, mudando sensivelmente<br />

o comportamento dos sinais em AM, causando interferências em rádios mais<br />

longínquas. Essa realidade sinaliza a necessidade de se discutir amplamente<br />

sobre a possibilidade de adoção de um padrão híbrido, inclusive com tecnologia<br />

nacional, para superar os problemas específicos de cada localidade.<br />

c) adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado – como já sinalizamos<br />

nesse estudo, é preciso que a tecnologia adotada para o Sistema<br />

Brasileiro de Rádio Digital seja capaz de se ajustar não só aos aparatos tecnológicos<br />

já existentes no país, mas também ao cotidiano das audiências.<br />

145


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tem quer ser acessível, não-complexa e reconfigurar o que já existe sem esquecer<br />

de valorizar também o que as pessoas já conhecem.<br />

d) coevolução e coexistência com o padrão analógico – é o que acontece<br />

quando é possível transmitir conteúdos no modo simulcasting, ou seja, o sinal<br />

digital chega, mas não elimina de vez o analógico, convivendo com este<br />

até que se complete todo o processo de adequação e expansão da nova<br />

tecnologia. É o momento ideal para que novos conteúdos sejam elaborados,<br />

testados e veiculados. Ignorar essa etapa é deixar de lado a oportunidade de<br />

inovar a práxis radiofônica com segurança e qualidade.<br />

e) aparelhos receptores de baixo custo – com preços elevados os ouvintes<br />

resistirão à nova tecnologia radiofônica. Uma saída pode ser o acesso inicial<br />

em outros suportes que muitas pessoas já possuem, como os telefones<br />

celulares, por exemplo. Esse suporte será de grande importância para os<br />

primeiros contatos dos ouvintes digitais com a nova tecnologia radiofônica.<br />

“O próprio meio celular não se restringe apenas a uma mera transmissão<br />

de voz, ele é capaz de produzir conteúdos, reproduzir, armazenar, transmitir,<br />

conectar-se à internet” (CARVALHO, 2008, pp. 2-3).<br />

f) adoção de uma tecnologia não proprietária e com potencial para interconectividade<br />

com outras mídias – a convergência é a grande alternativa<br />

para qualquer mídia manter-se viva no atual panorama midiático. Optar por<br />

um padrão tecnológico que não favoreça essa característica significa sepul-<br />

146


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tar a mídia radiofônica em pleno centenário. A união de todos os meios de<br />

comunicação em um único, ou seja, a convergência, tem sido favorecida,<br />

sobretudo pela internet, que é capaz de usar imagens, vídeos, textos e sons<br />

para transmitir uma mesma mensagem. Dessa forma, o que se propõe é que<br />

o novo sistema tecnológico possibilite tanto a imprensa, a televisão e a própria<br />

internet serem interligados ao novo suporte radiofônico.<br />

g) interatividade real time – a instantaneidade é uma característica marcante<br />

da mídia rádio. Apesar da efemeridade da mensagem radiofônica poder<br />

ser superada no modelo digital, o tempo real também deverá manter<br />

viva a dinâmica das transmissões radiofônicas. Em relação à interatividade,<br />

antes mesmo de ser inventado tal conceito, podemos afirmar que ele já<br />

se realizava em níveis (ANDRADE, 2009) no rádio, a partir da formatação<br />

e linguagem dos conteúdos veiculados pelos comunicadores da “mídia<br />

mágica”. Hoje, é necessário se perceber a importância da “sensibilidade a<br />

contexto” Ferraz e A. Neto (2006). Nenhum usuário ouvinte estará satisfeito<br />

sendo interpelado o tempo inteiro, por exemplo. Sabemos que a interatividade<br />

será, com a digitalização, também intermediada por um software.<br />

Trata-se de um novo capítulo da história da cultura radiofônica que precisa<br />

ser atendido pelo padrão tecnológico a ser adotado de modo contextual.<br />

h) multiprogramação – um dos principais aspectos motivadores da crença<br />

em uma nova práxis na produção de conteúdos digitais. Significa a pos-<br />

147


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

sibilidade que o sistema de rádio digital abre para a transmissão de mais de<br />

um conteúdo dentro do mesmo canal. Essa característica já é possibilitada<br />

pelos padrões DAB e ISDB e, com certas limitações, no IBOC e no DRM. Essa<br />

limitação diz respeito a dois fatores: as restrições ao número de programas<br />

(dois ou três) e o comprometimento da qualidade do áudio. Ora, o que se<br />

espera da tecnologia radiofônica digital, é que seja previamente escolhida<br />

aquela que possibilite justamente novos horizontes, como um sistema de<br />

multiprogramação eficiente, capaz de emancipar o ouvinte, como sempre<br />

sugeriu Brecht (1932) e Ortriwano (1985).<br />

i) democratização do uso do espectro, com a ampliação do número de outorgas<br />

disponíveis e maior presença de rádios públicas e comunitárias – esse<br />

critério depende única e exclusivamente da escolha pelo padrão certo. E o<br />

que seria, ou qual seria o padrão certo Aquele que garanta a flexibilidade de<br />

adaptação por partes de emissoras públicas, comunitárias e experimentais. O<br />

IBOC, por exemplo, está na contramão, conforme já assinalado no presente<br />

estudo, pois ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes, não havendo<br />

chance de aproveitamento de nenhuma das faixas adicionais por parte de outras<br />

emissoras, após a transição digital.<br />

j) garantia de igualdades de condições para o processo de transição de<br />

padrão, incluindo aí as rádios comunitárias – a portaria nº 290/2010 não estabelece<br />

nenhum tipo de discussão sobre as rádios comunitárias, apenas<br />

148


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

menciona que as emissoras de menor potência devem se responsabilizar<br />

com pequenos custos para sua inserção no rádio digital. Acredita-se que os<br />

custos serão proporcionais às potências das emissoras AM ou FM.<br />

Esses preceitos devem garantir a experiência social, histórica e cultural<br />

do rádio brasileiro, afinal:<br />

Integrado a um modo de vida, o rádio se vincula às identidades culturais do<br />

lugar, aos saberes cotidianos, ao partilhamento de patrimônios comuns como<br />

a língua, a música, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um espaço<br />

de reconhecimento do público como pertencente a uma dinâmica cultural<br />

local. Portanto, para ter sentido e ser útil, as intervenções das políticas<br />

públicas nas estruturas se guiam e se justificam por objetivos relacionados ao<br />

conteúdo. Significa por em relevo não somente as relações entre economia e<br />

política, mas também a dimensão do consumo. O que implica em considerar<br />

a cultura como um componente inerente à formulação de políticas públicas<br />

de transição para o rádio digital (CARTA ABERTA, 2010).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Esses aspectos múltiplos, somados aos critérios basilares para a construção<br />

das políticas públicas, constituem-se como valores imprescindíveis<br />

ao sucesso do rádio da era digital. Contudo, além desses pontos, ainda<br />

existem algumas expectativas e limitações que precisam ser refletidas<br />

analiticamente a fim de que a nova experiência radiofônica tenha êxito<br />

após sua implantação definitiva. Trata-se do que consideramos como<br />

149


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

principais aspectos motivadores: a alta definição, a multiprogramação, a<br />

interatividade e a convergência com outros meios digitais. Esses tópicos<br />

dialogam transversalmente com questões como a produção digital, que<br />

por sua vez envolve a agregação de serviços, a programação em si, a transmissão<br />

e recepção digitais; e as próprias possibilidades de interatividade.<br />

Aspectos motivadores<br />

O som digital<br />

Inicialmente, uma pequena questão levantada por Salinas (1994) fundamenta<br />

a importância da sonoridade no processo de cognição e veiculação<br />

de conteúdos elaborados pelo homem:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Inúmeras culturas consideram o som como ponto de origem de todas as<br />

coisas: hindus, egí<strong>pc</strong>ios e gregos são povos que ilustram essa tradição. Na<br />

Índia é considerado um símbolo fundamental: o som está na origem do<br />

cosmo. Se a Palavra, o verbo (Vak), produz o universo, é através do efeito<br />

das vibrações rítmicas do som primordial (nada). Nada é a manifestação<br />

do som (shabda), da qualidade sonora, que corresponde ao elemento Éter<br />

(akasha). Tudo o que é percebido como som, dizem os textos, é xácti, [...]<br />

Força divina (SALINAS, 1994, p.25 apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 76).<br />

150


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A principal expectativa em relação ao rádio digital tem sido gerada em<br />

torno de sua capacidade de melhorar significativamente a qualidade do áudio.<br />

Apesar de ser, de certa forma, uma perspectiva limitada, uma vez que o<br />

rádio digital oferecerá um leque de possibilidades conteudísticas originadas<br />

pela convergência com outras mídias e pela interatividade, a questão reflete<br />

uma preocupação com o aspecto primordial da mídia rádio: o conteúdo<br />

sonoro e, consequentemente, a atenção à cultura do ouvir, apontada por<br />

Menezes como imprescindível aos processos comunicativos da atualidade:<br />

Quando nos referimos à cultura do ouvir, advogamos a necessidade de pesquisarmos<br />

com maior profundidade as relações entre a visão e a audição<br />

nos processos comunicativos. Se, como já observamos, por uma perspectiva<br />

temos o olho que reduz o mundo a uma imagem bidimensional, em<br />

outra temos o ouvir e a percepção da tridimensionalidade do espaço (grifo<br />

nosso) (MENEZES, 2008, p. 03).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ou seja, ainda que a inserção de conteúdos convergentes (que se utilizem<br />

de áudio, imagens, dados e até mesmo vídeos), constitua-se numa<br />

reinvenção necessária ao rádio, é de suma importância preservar os vínculos<br />

sonoros como essência da comunicação radiofônica na contemporaneidade<br />

Garantir o cultivo do ouvir nas transmissões radiofônicas digitais, muito<br />

mais que um desafio, significa:<br />

151


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

[...] repotencializar a capacidade de vibração do corpo diante dos corpos dos<br />

outros, [...] ampliar o leque da sensorialidade para além da visão. Ir além da<br />

racionalidade que tudo quer ver, para adentrar numa situação onde todo o<br />

corpo possa ser tocado pelas ondas de outros corpos, pelas palavras que<br />

reverberam, pela canção que excita, pelas vozes que vão além dos lugares<br />

comuns e das tautologias midiáticas (MENEZES, 2008, p. 08).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Corroboramos tais ideias e consideramos que os conteúdos radiofônicos,<br />

inseridos numa moderna era do ouvir (digital, convergente e interativa),<br />

podem garantir o cultivo dos gêneros e formatos sonoros e, assim, “enriquecer<br />

os processos comunicativos hoje muito limitados à visão, e nos ajudar a<br />

viver melhor num mundo marcado pela abstração” (MENEZES, 2008, p. 08).<br />

Vale ressaltar que se interessar e valorizar a cultura do ouvir não implica<br />

em suprimir o potencial multimidiático do rádio digital; contudo, requer a<br />

compreensão que tanto o ouvir, quanto o ver, ações de possibilidades simultâneas<br />

no novo suporte, demandam atenções de produção específicas e o<br />

“cultivo dos próprios limites” (Cf. BAITELLO Jr., 2005 apud MENEZES, 2008, p.<br />

06) na nova linguagem radiofônica.<br />

De acordo com o que apontam os testes já realizados no Brasil, o maior ganho<br />

em relação à qualidade do áudio será das rádios que atuam em amplitude<br />

modulada – AM, pois elas passarão a ter qualidade similar as de frequência modulada<br />

– FM, que por sua vez terão som com qualidade comparada a de CD.<br />

152


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Com esses avanços, o rádio AM, já reconfigurado em formato de som<br />

digital, sofrerá um processo justo de revitalização, podendo inclusive dedicar-se<br />

à veiculação de músicas durante seus programas, o que sempre<br />

foi um entrave devido à baixa qualidade do áudio transmitido via amplitude<br />

modulada.<br />

Por outro lado, a digitalização traz, junto aos avanços na qualidade do<br />

som, uma preocupação relativa aos cuidados redobrados que os técnicos e<br />

produtores radiofônicos deverão tomar com a exatidão de funcionamento<br />

e clareza das informações veiculadas durante a programação, uma vez que<br />

a qualidade propiciada pelo digital é capaz de revelar imprecisões no áudio,<br />

antes disfarçadas pelo suporte analógico.<br />

Bianco exemplifica alguns casos práticos:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

No caso de transmissões externas, a preocupação com essa nova plástica<br />

sonora é redobrada. Em partidas de futebol, o áudio poderá sofrer variação<br />

dependendo do volume de barulho feito pela torcida, interferindo, às vezes,<br />

no relato do locutor. Na reportagem ao vivo, os ruídos do local do acontecimento<br />

poderão ficar mais evidentes, atrapalhando a clareza do relato do<br />

repórter. Adotar sistemas de proteção contra o excesso de ruídos e repensar<br />

até mesmo o tipo de microfones mais adequados à transmissão externa são<br />

aspectos a serem considerados diante do digital (BIANCO, 2009, p.65).<br />

153


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A infinidade de possibilidades a serem desenvolvidas na estrutura de<br />

narrativa envolvendo o código sonoro, mobilizando a produção de sentidos<br />

através da audição em sincronia com a imaginação das audiências<br />

radiofônicas, merecerá, portanto, cuidados especiais, pois, como também<br />

examina Bianco:<br />

A fidelidade do som levará provavelmente à supressão de algumas práticas<br />

comuns no rádio brasileiro na gravação de programas e de spots, como<br />

colocar a música de fundo (BG) “muito presente” para compensar a perda<br />

de qualidade na transmissão, especialmente para veiculação no AM onde<br />

os sons graves têm maior destaque. O mesmo cuidado será essencial em<br />

relação às vinhetas de emissoras FM jovens que optam por um estilo excessivamente<br />

rebuscado, repleto de efeitos sonoros, musicais e locução “eletrizante”.<br />

Esse ritmo “quente” de fazer rádio acaba sendo amenizado pela<br />

perda de qualidade na transmissão analógica (BIANCO, 2009, p.66).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A atenção da autora está, portanto, na valorização da estética sonora típica<br />

do fazer radiofônico criativo, o que para nós não significa “esfriar” a produção<br />

de sentidos no rádio, mas atentar para o aperfeiçoamento da construção imaginativa<br />

das audiências. Afinal de contas, essa é grande magia do rádio - “criar<br />

imagens auditivas”-, como afirma McLuhan:<br />

154


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O rádio afeta as pessoas, digamos como que pessoalmente, oferecendo um<br />

mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte.<br />

Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As profundidades<br />

subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressoantes<br />

das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria<br />

natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade<br />

numa única câmara de eco (MCLUHAN, 2000, p. 37).<br />

O rádio digital será capaz de ampliar e estimular ainda mais a capacidade<br />

imaginativa dos ouvintes, trabalhando diferentes planos e transmitindo<br />

conteúdos inseridos em ambiências ainda mais interativas e convergentes.<br />

Assim articula Bianco:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Se o ouvir está vinculado ao universo do sentir, da vibração da pele, é possível<br />

pensar que o som digital traga um novo “ruído” ao ambiente tecnológico<br />

contemporâneo marcadamente visual, onde se vê sem ouvir, numa<br />

espécie de “surdez intencional” ou de surdos na civilização da visualidade”<br />

[...] O som digital propicia uma ambiência imaginativa ampla (percepção de<br />

diferentes timbres), e nítida que estimula o ouvir e sentir, para se ver e sentir<br />

(BIANCO, 2009, p.66).<br />

Como também analisa a autora, é preciso entender que no rádio digital,<br />

os ruídos, os efeitos, a música estão a serviço de ideias, sentidos, discur-<br />

155


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

sos construídos na mente do ouvinte. “Ao contrário da televisão, em que<br />

as imagens são limitadas pelo tamanho da tela, as imagens do rádio são<br />

do tamanho da imaginação do ouvinte. Os sons no rádio criam um mundo<br />

visual acústico” (BIANCO, 2010, p.98). Certamente essa capacidade de construir<br />

ambiências inventivas diversas será aprimorada pelo rádio digital, que<br />

também, não pode se privar de criar tais ambiências através de suas novas<br />

funcionalidades, como a veiculação de imagens e outros dados a partir do<br />

novo suporte, um receptor inteligente, assim denominado porque permite a<br />

manipulação do sinal de recepção.<br />

Os novos receptores<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O acesso à tecnologia radiofônica digital estará garantido aos ouvintes<br />

que adquirirem os novos aparelhos receptores da “sintonia do futuro”, denominados<br />

como “inteligentes”, como já assinalado, pelo fato de consentirem<br />

o manejamento do sinal de recepção. A tecnologia do receptor digital<br />

se difere e se destaca do existente no modelo analógico pelo incremento<br />

proporcionado através da oferta de conteúdo na tela de cristal líquido presente<br />

no novo aparelho. Esse será um aspecto considerável nesse processo<br />

de mutação da práxis radiofônica, pois exigirá dos radialistas e jornalistas<br />

contemporâneos da nova tecnologia a prática comunicacional em um ve-<br />

156


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ículo que deixará de ser exclusivamente sonoro para se tornar multimidiático,<br />

na medida em que passará a agregar outros tipos de informações à<br />

programação ao vivo, ou mesmo sob demanda. Isso implica citarmos os<br />

recursos dos mais simples, como veiculação do nome do comunicador, do<br />

programa, dos artistas que estão no ar, os títulos das músicas em execução,<br />

as vinhetas em formas de slogans, bem como notas, boletins meteorológicos,<br />

avisos sobre a situação de trânsito, índices da economia, entre<br />

outros formatos de informação.<br />

Ainda sobre a tela de cristal líquido, sua utilização irá proporcionar consideravelmente<br />

a eliminação do caráter efêmero da mensagem radiofônica.<br />

O que é mais um benefício ao ouvinte dessa mídia centenária. Outras utilidades<br />

serão possivelmente desencadeadas pelo suporte inovador:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A tela pode ser um canal para divulgar chamadas de programas do dia ou<br />

da semana, o que representa uma economia de espaço e tempo dentro da<br />

programação sonora destinada a esse tipo de divulgação. Há ainda possibilidade<br />

de fazer anúncios (spots) que remetam a conteúdos complementares<br />

disponíveis na tela do aparelho como endereço, local, foto do produto, ou<br />

mesmo o anunciante poderá disponibilizar informações sobre descontos e<br />

promoções. No campo da promoção há um grande potencial a ser explorado<br />

nas estratégias que envolvem participação interativa do público, como<br />

“responda a pergunta que está na tela do seu rádio com um toque na tecla<br />

157


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

x”, ou “veja a mensagem que seu amigo lhe enviou”, a exemplo do que já<br />

acontece no aparelho de celular (BIANCO, 2009, p.76).<br />

É bem certo que esse panorama de possibilidades se apresenta junto a um<br />

percurso de embates e dúvidas quanto à definição do padrão digital. Só após<br />

essa escolha e os testes com cada uma das funcionalidades aqui assinaladas,<br />

será possível saber o que o aparelho do futuro irá comportar. Ainda assim, a<br />

tecnologia digital é capaz de garantir aspectos ainda mais funcionais e acessíveis<br />

à mídia radiofônica, oferecendo a capacidade de torná-la mais abrangente<br />

a partir das características da convergência tecnológica e da interatividade.<br />

Nesse sentido, segundo Bianco, o padrão IBOC assinala sua capacidade:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A indústria norte-americana de receptores para a tecnologia IBOC promete<br />

fabricar aparelhos com funções que ampliam o potencial multimídia<br />

e a oferta de conteúdo. Por exemplo, permitir o fornecimento de informações<br />

sobre tráfego em tempo real com relatórios exibidos em um<br />

veículo com sistema de navegação; funções store e replay que permitem<br />

pausar programação ao vivo ou ainda voltar o programa desejado ou<br />

música para o seu início; personalização da escuta; dispositivo interativo<br />

para comércio eletrônico, desde compra de bilhetes para shows ou<br />

produtos anunciados na tela de cristal líquido. Com essa interface multimídia,<br />

o rádio supera, em parte, o discurso volátil e fugaz, típico de<br />

transmissão por ondas eletromagnéticas, para permitir a recuperação<br />

158


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

de informação. Algo que não deixa de trazer certo “ruído” a sequência<br />

narrativa síncrona (BIANCO, 2009, p.77).<br />

Os níveis de interatividade no rádio certamente serão também alterados<br />

com esse recurso da tela de cristal líquido agregado à tecnologia digital.<br />

Novas formas de participação se articulam, no intuito de deixar esse meio<br />

ainda mais próximo das suas audiências. No entanto, vale ser registrado que<br />

desde o seu surgimento, o rádio sempre primou pela interação, aqui entendida<br />

como a ação recíproca entre dois ou mais sujeitos onde ocorre a intersubjetividade,<br />

ou seja, o encontro de dois atores, mediado por outros meios<br />

de comunicação. Contudo, segundo Bianco, a partir das potencialidades do<br />

receptor digital inteligente, o rádio:<br />

[...] passará a ter interatividade, a potencialidade técnica que permite a atividade<br />

humana do agir sobre a máquina e de receber em troca retroação da<br />

máquina sobre ele. A interação pessoal, intersubjetiva, de caráter sócio afetivo,<br />

permanecerá no rádio, sem dúvida, lado a lado com a interatividade e a troca<br />

de informações por meio de instrumentos técnicos (BIANCO, 2009, p.77).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Uma constatação importante é que todas as funções multimídia atreladas<br />

ao novo aparelho radiofônico digital deverão favorecer um leque de<br />

diálogos entre o conteúdo que se ouve com o com o que se pode ler na<br />

159


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

tela. Essa sintonia não é tão complexa, no entanto, exige do comunicador<br />

do rádio, seja ele radialista ou jornalista, a desenvoltura para lidar com um<br />

conteúdo que precisa ser produzido num rádio que passa ser ouvido e lido.<br />

Segundo Bianco:<br />

Para as rotinas produtivas, especialmente de pequenas emissoras com precária<br />

produção de jornalismo, será um grande desafio [...] Em geral são empresas<br />

que mantêm uma reduzida equipe de funcionários, da qual nem sempre<br />

fazem parte jornalistas. Nelas predominam programas de entretenimento<br />

centrados na figura do comunicador, um mix de música e fofocas, com pouca<br />

ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Poucas<br />

são as que possuem equipes de jornalismo e algum interesse em produzir<br />

radiojornalismo local de qualidade, equilibrado, isento, livre de injunções políticas<br />

econômicas. É comum que algumas delas dependam da verba publicitária<br />

do governo local para manter suas atividades. Isso leva, invariavelmente,<br />

ao comprometimento da informação de qualidade. Diante do fato fica a<br />

questão: que informação qualificada essas emissoras poderão oferecer em<br />

um sistema digital que envolve oferta de dados adicionais se se mantiver o<br />

padrão de produção atual (BIANCO, 2010, pp. 101-102).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Conforme analisa Tavares (2009, p.182), uma alternativa, nesse sentido,<br />

seria “neste século da primazia dos efeitos midiáticos e dos suportes digitais,<br />

[...] voltar nossa atenção para o usuário digital, a partir do momento em<br />

160


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

que ele fará parte do processo de construção do conteúdo”. Assim, consideramos<br />

que o percurso para a progressão do meio radiofônico no suporte<br />

digital passa necessariamente pela renovação no modo de atuação dos produtores<br />

radiofônicos frente à convergência tecnológica, a partir do contato<br />

pontual com a audiência. Corroboramos que:<br />

[...] a mudança de paradigma que se configura para o rádio é surpreendente,<br />

pois a relação “rádio-ouvinte” tem determinadas características às quais<br />

não se pode renunciar para entender a transição analógico-digital e a introdução<br />

desse novo modelo midiático (TAVARES, 2009, p. 183).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fato relevante é que ao buscar, por exemplo, a audiência do público jovem o<br />

rádio digital terá que competir com outros produtos midiáticos, como a própria<br />

internet, os celulares e os videogames. E “somente poderá fazê-lo em condições<br />

de igualdade se promover alianças e sinergias que resultem em programas<br />

musicais, por exemplo, que tenham sala de bate-papo pela web ou que ofereceram<br />

jogos para celulares” (BIANCO, 2009, p. 50).<br />

Em relação aos produtores em si, o desafio é que estes precisarão modificar<br />

a forma de apresentação dos conteúdos para o novo suporte associando<br />

os mesmos “a novos formatos de distribuição digitais, como o celular e aparelhos<br />

mp3, entre outros” (BIANCO, 2010, p. 102). Trata-se da oportunidade<br />

161


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

e do momento certo de o radiodifusor sair do universo do conteúdo exclusivo<br />

para optar pelo campo da troca de informações, da construção coletiva<br />

de saberes, da convergência, da hipertextualidade etc.. Isso pode acontecer<br />

com o aparecimento da figura do provedor de conteúdo, nova realidade<br />

profissional nascida com a digitalização midiática e, em breve, responsável<br />

pela produção e distribuição abrangente de produtos e serviços que farão a<br />

diferença na sintonia radiofônica digital.<br />

A multiprogramação<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Quando definido o padrão tecnológico para o rádio digital brasileiro,<br />

espera-se que este garanta recursos como a multiprogramação, além disso,<br />

aguarda-se a opção por um sistema que propicie a já mencionada alta<br />

definição, solidifique a mobilidade e portabilidade radiofônica e propicie a<br />

adesão às necessidades de inclusão social e interatividade. A partir da possível<br />

consolidação da multiprogramação, certamente teremos uma verdadeira<br />

mutação na práxis radiofônica. Trata-se de uma nova rotina de pré, produção<br />

e pós-produção, que necessariamente precisam incluir profissionais com diferentes<br />

habilidades, tanto da área da comunicação, quanto da engenharia<br />

e da informática.<br />

162


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É bem certo que a multiprogramação é um dos aspectos motivadores<br />

mais evidentes nesse cenário de expectativas que se constrói à espera de<br />

definições de padrão. Por isso mesmo, apontaremos a seguir, ainda que de<br />

forma breve, sugestões que podem ser absorvidas quando essa potencialidade<br />

for adotada em sua plenitude. Temos a consciência de que muitas dessas<br />

possibilidades esbarram nas questões econômicas e políticas da maior<br />

parte dos grupos de rádios do país. Ainda assim, elas devem ser expostas e<br />

analisadas caso a caso.<br />

Um primeiro exemplo trata de, através da multiprogramação, disponibilizar<br />

os canais adjacentes para a transmissão dos conteúdos das emissoras<br />

do mesmo grupo comunicacional, sobretudo afiliadas locais. Essa opção aumentaria<br />

a abrangência de toda a rede, sem, no entanto, estabelecer uma<br />

relação de competição pela audiência, afinal, o usuário-ouvinte, ao mudar a<br />

sintonia para um canal adjacente, não estaria propriamente desvinculando-<br />

-se da emissora “x”, apenas conectando-se aos fluxos alternativos de transmissão<br />

de mensagens dessa mesma emissora, buscando atender as suas<br />

necessidades e expectativas.<br />

Outra sugestão seria a veiculação do arquivo da própria emissora em<br />

seus sub-canais. Essa ideia revitalizaria a memória da programação da emissora<br />

de uma forma a reconfigurar inclusive o caráter efêmero da mensagem<br />

radiofônica, tradicionalmente imediata e irrepetível.<br />

163


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A multiprogramação no rádio digital pode ser também aproveitada<br />

no sentido de veicular, nos canais adjacentes, a própria grade da emissora<br />

reestruturada. Isso porque, por exemplo, nem sempre o melhor horário<br />

para se ouvir o noticiário pode ser o mesmo para todos os ouvintes,<br />

por motivos diversos, que variam desde a incompatibilidade de horários<br />

(usuário-ouvinte / conteúdo específico) até a própria subjetividade dos<br />

usuários-ouvintes em suas preferências no que diz respeito ao consumo<br />

da programação radiofônica.<br />

Por último, mas não que as possibilidades tenham sido esgotadas,<br />

expomos a proposta de a multiprogramação radiofônica digital ser efetuada<br />

através da segmentação da programação em formatos presentes<br />

na realidade das várias faixas etárias. Isso promoveria, por exemplo, a<br />

aproximação dos usuários-ouvintes com diferentes gêneros e formatos<br />

conteudísticos que, muitas vezes, tem apenas um tipo de público como<br />

audiência constante. O exemplo dos radiojornais pode ilustrar essa nossa<br />

afirmação. Para esse caso, os mesmos conteúdos que são veiculados<br />

pelas tradicionais edições dos radiojornais, podem ser disponibilizados<br />

nos sub-canais com a utilização de linguagens e formatos diversificados,<br />

voltados às diferentes faixas etárias, ganhando assim mais possibilidades<br />

de serem reverberados.<br />

164


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Perspectivas atuais<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Embora tenhamos exposto um panorama do que representa a inovação<br />

na cultura midiática que pode ser provocada pela implantação do rádio digital<br />

no Brasil, a temática parece ter sido realmente “tirada do ar”, sobretudo<br />

pelo Governo Brasileiro, que após tanto tempo de exames e discussões ainda<br />

aponta para a necessidade de novos testes com os padrões tecnológicos. Mas,<br />

além disso, haverá outras causas para esse esfriamento Muitas são as especulações.<br />

Consideramos mais relevantes os seguintes fatos: a) o rádio ainda<br />

permanece sendo considerado o “primo-pobre” dos meios de comunicação<br />

no Brasil (essa constatação se dá pela carência ainda denotada nos debates e<br />

discussões a respeito do referido meio no âmbito da própria academia e também<br />

pela falta de envolvimento e diálogo efetivo entre as esferas do mercado,<br />

da academia e do governo); b) há anos o poder público, através do Ministério<br />

da Comunição, realizou/realiza testes com dois sistemas/padrões tecnológicos<br />

(IBOC e DRM), sem considerar que a nossa realidade cultural e comunicacional<br />

pede mesmo é um sistema híbrido, capaz de se adequar ao cenário<br />

midiático nacional atual, cada vez mais convergente. c) A internet como cenário<br />

de possibilidades diferenciadas. A professora e pesquisadora e também<br />

presidente do Grupo de Pesquisa Radio e Mídia Sonora, da Intercom, Nair<br />

Prata, em conferência proferida durante a realização do I Simpósio Nacional<br />

165


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

do Rádio, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), afirmou que considera<br />

“morta” a possibilidade do Rádio Digital “vingar”: é “carta fora do baralho”,<br />

afirmou a pesquisadora, ao tempo em que assegurou que a Internet tem se<br />

apresentado como o canal mais eficaz para protagonizar a reconfiguração do<br />

meio radiofônico através do fenômeno das webradios.<br />

Ainda assim, consideramos que a possibilidade de implantação efetiva do<br />

Sistema Brasileiro de Rádio Digital deve permanecer ativamente “no ar”, e que<br />

os pesquisadores, profissionais, estudantes e empresários do meio devem, em<br />

sintonia, estudar/planejar/investir nesse propósito, sobretudo no que diz respeito<br />

a pensar em conteúdos e políticas públicas ideais para essa mídia, pelo<br />

menos até que sejam apresentadas respostas dignamente palpáveis sobre a<br />

sua viabilidade no Brasil, onde sempre haverá espaço e público para o rádio,<br />

principalmente se ele seguir se reinventado, adequando-se à nova lógica da<br />

cultura midiática audiovisual, como a convergência e a interatividade.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ANDRADE, Matheus José Pessoa de. Interatividades na Mídia. In: NUNES, Pedro (Org.).<br />

Mídias Digitais & Interatividade. João Pessoa: EDUFPB, 2009.<br />

BAITELLO Jr., Norval. Cultura do ouvir. In: A era da iconofagia: ensaios de comunicação e<br />

cultura. São Paulo: Hacker, 2005.<br />

166


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

BARBOSA FILHO, André. Gêneros Radiofônicos – Os formatos e os programas em áudio.<br />

São Paulo: Paulinas, 2003.<br />

BEZERRA, Patrícia Rangel Moreira. Implantação do Rádio Digital no Brasil: Testes, Impacto<br />

e Perspectivas. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2013.<br />

BIANCO, Nélia R. Del. Promessas de mudanças na programação e na linguagem das<br />

emissoras digitalizadas. In: CARVALHO, Juliano Maurício de; MAGNONI, Antônio Francisco.<br />

(Org.). O novo rádio – Cenários da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac de<br />

São Paulo, 2010.<br />

______. E tudo vai mudar quando o Digital chegar. In: BARBOSA FILHO, André; PIOVESAN,<br />

Ângelo; BENETON, Rosana (Org). Rádio, sintonia do futuro. São Paulo: Paulinas, 2004.<br />

______. As forças do passado moldam o futuro. Disponível em: < http://www.bocc.ubi. pt/<br />

pag/bianco-nelia-forcas-moldam-o-futuro.pdf>. 2006. Acesso em: 20 jun. 2013.<br />

______. Entrevista concedida a Elton Bruno Barbosa Pinheiro em 28 de fevereiro de 2009.<br />

In: PINHEIRO, Elton Bruno Barbosa. Rádio Digital: desafios presentes e futuros. Monografia:<br />

Universidade Federal da Paraíba, 2009.<br />

______. Reflexões sobre o Processo de Implantação do Rádio Digital no Brasil. In: Anais<br />

do XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos – 29 de agosto a 02 de<br />

setembro de 2007.<br />

BRECHT, Bertolt. Teoria do Rádio (1927-1932). In: MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do<br />

Rádio – textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005.<br />

167


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

CARTA ABERTA. Sobre o rádio digital. 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 de jun. 2013.<br />

CARVALHO, Nadja. Da telinha do celular, pequenas mídias ditam um novo conceito. Revista<br />

Culturas Midiáticas – Ano I, n. 01 – jul./dez./2008.<br />

CEDRAZ, Jonicael. Professor baiano explica portaria de Hélio Costa sobre rádio digital. Disponível<br />

em: < http://radiozumbijp.blogspot.com/2010/04/professor-baiano-explica-portaria-de.<br />

html>. Acesso em: 20 jun. 2013.<br />

COSTA, Hélio. Portaria nº 290, de 30 de março de 2010. Institui o Sistema Brasileiro de<br />

Rádio Digital - SBRD e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em:<br />

28 jun. 2013.<br />

FERRAZ, Carlos André Guimarães; A. NETO, Fernando da Cunha. Uma arquitetura para<br />

suporte ao desenvolvimento de aplicações sensíveis a contexto em cenário de convergência.<br />

In: Aplicativo de publicidade sensível ao contexto para tv digital móvel. UFPE: Recife,<br />

2006.<br />

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.<br />

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo:<br />

Cultrix, 2000.<br />

MENEZES, José Eugenio de O. Cultura do ouvir: os vínculos sonoros na contemporaneidade.<br />

Revista Líbero. Ano XI. nº. 21. Jun. 2008.<br />

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determi-<br />

168


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

nação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.<br />

SAAD, João Carlos. Abra quer de Hélio Costa uma definição sobre rádio digital. Disponível<br />

em: .<br />

Acesso em: 28 abr. 2013.<br />

SALINAS, Fernando de Jesus Giraldo. O som na telenovela: articulações som e receptor.<br />

Universidade de São Paulo: São Paulo, 1994.<br />

TAVARES, Olga. Tecnologia e mídia radiofônica: mudança de paradigma à vista. In: NU-<br />

NES, Pedro (org.). Mídias Digitais e Interatividade. João Pessoa: EDUFPB, 2009.<br />

TOME, Takashi. Analógico versus digital: expectativas e limitações. In: CARVA-<br />

LHO, Juliano Maurício de; MAGNONI, Antônio Francisco. O novo rádio – Cenários<br />

da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac de São Paulo, 2010.<br />

______. Vantagens e desvantagens do sistema IBOC. 2004. Disponível em: < http://<br />

www.almanaquedacomunicacao.com.br/artigos/663.html>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />

______. O sistema de rádio digital DRM (Digital Radio Mondiale). Disponível em < http://<br />

www.comunicacao.pro.br/setepontos/drm_taka.htm>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

169


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A CULTURA DO FÃ DE CINEMA NO OMELETE:<br />

UM NOVO CONCEITO DE “RECEPTOR”<br />

João Batista Firmino Júnior 1<br />

Resumo<br />

A partir de uma análise empírica de alguns comentários e conversas mantidos entre<br />

o público interagente do site Omelete em sua seção “Cinema”, o artigo busca rever o<br />

velho conceito de “receptor”, presente nos estudos de Comunicação, no surgimento<br />

do que percebemos ser tanto uma “cultura do fã” como uma forma de “recepção engajada”,<br />

ativa, como parte de um espírito colaborativo entre diferentes pessoas que,<br />

em comum, possuem interesses relacionados a determinado filme, e a elementos<br />

desse mesmo filme, contribuindo para um senso de pertença coletivo.<br />

Palavras-chave: Cultura do fã. Omelete. Recepção engajada<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />

em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela mesma Universidade. Integrante do Grupo de Pesquisas<br />

em Processos e Linguagens Midiáticas (GMID) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: firminojunior83@gmail.com<br />

170


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Conceitos como participação, colaboração e compartilhamento hoje em<br />

dia podem ser usados em pesquisas que abordem interações por meio da<br />

Internet, e mais particularmente da Web. Mas, o que significa tudo isso<br />

Entendemos compartilhamento como apenas a divisão passiva de determinado<br />

arquivo ou experiência; quanto à participação, qualquer atividade<br />

minimamente ativa em um determinado site; e colaboração como um tipo<br />

de participação que realmente constrói e contribui para algo.<br />

O site Omelete, especializado em entretenimento, existe desde o ano<br />

2000, e possui diversas seções internas envolvendo notícias, artigos e críticas<br />

sobre filmes, jogos eletrônicos, revistas em quadrinho e outros produtos<br />

culturais, através de texto, imagens e vídeos. Nele, percebemos uma forte<br />

ação daquele tipo de “receptor” que podemos chamar simplesmente de<br />

“fã”. A ideia de fã surge, por si só, como algo que implica engajamento em<br />

um habitat próprio, um espaço específico para publicações de textos, ou de<br />

qualquer coisa que se utilize das letras do teclado (como montagens, por<br />

exemplo), a partir de notícias, artigos, críticas e vídeos.<br />

Através de uma observação empírica, percebemos uma efervescente cultura<br />

de fãs a partir de determinados filmes. Pudemos observar a construção<br />

de um espaço próprio tanto na tela como em termos conceituais, que se<br />

171


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

prolongam em comentários que podem se tornar “conversas”, diálogos, promovendo-se<br />

diversos tipos de ação.<br />

Para entendermos a natureza desse trabalho, explicamos que primeiramente,<br />

vamos tratar do conceito exato de “participação” aplicado, especificamente<br />

ao site que estudamos; a partir disso, teremos um capítulo só com<br />

as análises empíricas dos trechos que captamos de alguns comentários e<br />

conversas sobre filmes; por fim, tentaremos esboçar o que seria uma “cultura<br />

do fã”, dependente dessa dinâmica da Web, que permite publicação instantânea<br />

de ideias e uma sensação de pertencimento, que leva a uma nova<br />

forma de compreender “recepção” na Comunicação.<br />

A questão da recepção/participação<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os estudos de recepção partem do questionamento do próprio termo<br />

“recepção”. Segundo Jacks e Escosteguy (2005, p.14): “[…] é longa a discussão<br />

sobre a adequação ou não do termo – recepção – para nomear as<br />

relações das pessoas com os meios de comunicação, principalmente no<br />

âmbito da pesquisa em comunicação, […]”. Até porque não temos, mesmo<br />

na comunicação de massa, um sentido de passividade tão intenso, como<br />

se lidássemos com um imenso grupo amorfo de pessoas sem iniciativa<br />

172


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

própria, sem uma realidade sociocultural específica nem competências individuais.<br />

E, ainda assim, lidamos com a mesma questão de outra forma,<br />

conforme nosso material empírico. Diferente do tradicional, nosso estudo<br />

aborda uma noção de recepção que não envolve apenas uma noção de<br />

“audiência”, mas também de iniciativa, de ação. O receptor, mesmo na condição<br />

de alguém que apenas observa um determinado site, possui mecanismos<br />

de participação e de assistir à participação alheia. Primeiro, falemos<br />

a seguir do site que estudamos.<br />

O Omelete é, mais que um site, mas um portal repleto de seções temáticas<br />

diferentes e espaço para convívio de diferentes interessados em determinado<br />

produto cultural. No caso dos filmes, isso ocorre de forma a que<br />

tenhamos a tendência de, após uma certa quantidade de comentários, surgirem<br />

conversas. E isso começa na possibilidade de adesão ao site na criação<br />

de uma conta, de um perfil que permita os comentários.<br />

A iniciativa do Omelete não se dá apenas na concepção do modelo um-<br />

-todos, mas sobretudo no modelo todos-todos e na visualização das conversas<br />

e comentários alheios, o que nos levaria simultaneamente a um modelo<br />

um-todos-todos-um. Essa iniciativa passa por um processo não apenas de<br />

digitalização ou de transformação de algo para o “online”, mas numa dimensão<br />

maior, que envolve diferentes partes.<br />

Essa dimensão se dá pela articulação de imagem, vídeo, texto, som e<br />

173


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

participação, ou seja, de hipermídia e participação do público, formando<br />

um todo convergente envolvendo múltiplos suportes midiáticos, coalizão de<br />

mercados e migração do público para diferentes “áreas” de uma dada história<br />

ou notícia.<br />

Essa articulação se torna possível através da noção de uma recepção/participação,<br />

ou seja, de um horizonte que permite visualização, participação e<br />

visualização da participação. Nisso, cria-se a perspectiva de uma comunidade<br />

formada por atividades na vida atual e no mundo virtual, uma comunidade<br />

que teria por designação o próprio site Omelete, que exige cadastro e<br />

uma série de critérios para participação.<br />

O que temos, na lógica da Web, especificamente, não é um processo<br />

matemático, objetivo, simples. Trata-se de um fluxo relacional que<br />

toma forma no Omelete através de comentários e conversações que<br />

envolvem uma interferência na rotina do “interagente” (termo que consideramos<br />

mais adequado ao nosso caso, ao invés de “receptor”) e uma<br />

interferência desse mesmo interagente numa rotina de comentários e<br />

de conversas.<br />

Veremos isso mais claramente no decorrer das análises empíricas.<br />

174


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Análises<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O Omelete é um caso que podemos chamar de site-fórum, uma mistura<br />

de site comum, dos primeiros tempos da Web, e um sentimento de pertença<br />

interno a sua estrutura, que depende da valorização de trocas de informações<br />

e consolidação de identidades que possuem uma coisa em comum: a<br />

intenção de atingir um determinado produto cultural, de disseca-lo e de ostentar<br />

determinado conhecimento.<br />

Segundo NiklasLuhmann (2010, p.82), sobre a contribuição de Gabriel<br />

Tarde: “Para ele, tal processo se dá mediante imitação (Leslois de l’imitation,<br />

1890). Nela, não se toma como ponto de partida a unidade, mas<br />

a diferença,…”. Quer dizer, não se participa de um determinado ambiente<br />

promovido pelo Omelete para ser igual, mas para “fazer a diferença”.<br />

O mesmo Luhmann, prosseguindo com a explicação, acrescenta (2010,<br />

p.83): “…, René Girard toma como ponto de partida o elemento de conflito<br />

que surge no processo de imitação: entra-se em conflito com aquele a<br />

quem se quer imitar”.<br />

Daí, temos casos como o seguinte:<br />

175


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 01 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/,<br />

Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />

Em um primeiro momento, temos uma explanação de um internauta.<br />

Até aí, não passa de um comentário criticando algo. A partir dele, outros<br />

respondem, tentando trazer algo de novo, como uma correção ao comen-<br />

176


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

tário do Interagente 1, um acréscimo, que gerou o retorno do Interagente<br />

1, configurando-se o conjunto de ações como uma “conversa”.<br />

Esse processo, que vai levar a uma identidade que muda muito, conforme<br />

o objetivo que se tem em determinado ambiente, constitui-se parte de<br />

uma conversação coletiva. Raquel Recuero (2012, p.18) temos a “[…] percepção<br />

da conversação mediada pelo computador como uma apropriação de<br />

um sistema técnico para uma prática social”. A partir daí é que observamos a<br />

questão da diferença e do conflito. Como se toda conversa fosse um pouco<br />

“narrativa”, em que se começa com algo supostamente polêmico que tem<br />

que ser comprovado ou desdito. Como se cada comentário fosse a voz de<br />

um personagem numa história.<br />

Uma determinada prática social vai sendo adaptada a um novo universo<br />

de práticas técnicas, que se desdobram em mais comentários, isolados<br />

(como é o caso a seguir) ou não:<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

177


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 02 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />

Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Essa prática começa com comentários isolados que vão tomando um determinado<br />

corpo, um sentido, criando uma discussão e um direcionamento.<br />

Essa mesma discussão é direcionada a determinados fins. Por exemplo, no<br />

caso anterior, há uma interferência no Omelete, com a opinião, através de<br />

uma crítica quanto à classificação etária dos filmes de determinada empresa.<br />

Isso serve de tema interno ao sistema de comentários que leve ou a conversas<br />

ou a outros comentários isolados que abordem o mesmo tema “classificação<br />

etária”. Por outro lado, o comentário pode ser algo mínimo, simples,<br />

apenas uma demonstração de um sentimento ou desejo:<br />

178


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 03 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />

Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Temos, assim, fragmentos, janelas, podemos dizer assim, com opiniões,<br />

informações, expressões de desejos e ideias. Isso vai revelando<br />

um modo de fazer próprio, na assimilação de individualidades perante<br />

um corpo coletivo. O modo de fazer de cada um entra em sintonia com<br />

determinado direcionamento dado ao ou por um assunto, por um filme,<br />

por um personagem, revelando uma série de pontos em comum entre<br />

cada interagente.<br />

Mas é interessante observar que não há só os comentários isolados e<br />

as conversas. Mas uma fusão entre ambos, surgindo conversas que nascem<br />

de comentários. Ou seja, são conversas, mas ao mesmo tempo dependem<br />

de um comentário que dê origem a toda a discussão, que segue filiada à<br />

ideia original. Como vemos a seguir:<br />

179


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 04 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />

Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />

180


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 05 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho<br />

que são respostas ao comentário relativo à Figura 04.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />

Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />

181


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Há diversos tipos de comentários secundários, um deles mal avaliado<br />

e só passível de ser lido com um clique a mais. O que constitui a seguinte<br />

lógica que percebemos nos comentários do Omelete: comentário isolado,<br />

conversa “espontânea” e conversa “ligada a determinado comentário”. Todavia,<br />

não faz sentido esquematizar isso sem entender o entremeio, o universo<br />

exato desses comentários: a cultura do fã.<br />

Cultura do fã<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Entendemos uma “cultura do fã” como aquilo que há em comum, em<br />

termos de comportamento e práticas, entre diversos participantes de uma<br />

ideia voltada a um determinado universo de um produto midiático – como,<br />

no nosso caso, de um filme – compondo uma identidade flutuante, muito<br />

afeita a um modo de fazer específico, de um grupo de pessoas, no que diz<br />

respeito a tornar suas identidades de acordo com seus anseios e atos, de<br />

acordo com suas práticas (no caso são essas práticas que vão verdadeiramente<br />

trazendo uma credibilidade e uma visibilidade a cada interagente).<br />

Através de alguns exemplos, que sintetizam uma conjuntura maior, podemos<br />

entender o fenômeno social, o ato de ser fã e os mecanismos para materializar<br />

isso (esses mecanismos são os comentários e as conversas), como<br />

182


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

parte do conceito de “cultura participativa”, trazido por Henry Jenkins (2009,<br />

p.30) a envolver algo que:<br />

[…] contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores<br />

dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores<br />

de mídia como ocupantes de papeis separados, podemos agora considerá-los<br />

como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de<br />

regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2009).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os papeis assumem um processo de fluxo contínuo entre interagentes<br />

que são ao mesmo tempo emissores e receptores, bem como mensagens.<br />

A recepção torna-se apenas um aspecto de todo um conjunto formador de<br />

práticas que levam ao que denominamos “cultura do fã”. Ela é, ao mesmo<br />

tempo, emissão de opiniões, informações e ideias. E isso pode se tornar a<br />

própria mensagem a partir do momento em que há a construção primeiro<br />

de um “profile”, muitas vezes fantasioso, e uma prática condizente aos anseios<br />

que levaram à construção da falsa identidade. Por exemplo, alguém<br />

se utilizar do nome e da imagem de um determinado personagem, sem necessariamente<br />

se comportar como ele, mas discutindo temas relevantes ao<br />

universo desse personagem ou de outros que tenham a ver com a mesma<br />

raiz temática (por exemplo: ficção-científica em geral, ficção-científica envolvendo<br />

pessoas com superpoderes ou fantasia).<br />

183


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Ou seja, uma cultura do fã passa, também, por uma identidade do fã, que<br />

entra no contexto trazido por Stuart Hall (2006, p. 12-13), sobre o sujeito pós-<br />

-moderno cuja “… identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada<br />

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados<br />

ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987)”. Imaginemos,<br />

por exemplo, o campo de comentários como uma praça por onde transitam<br />

diferentes fãs, que se comunicam de forma mediada pela tecnologia e<br />

geralmente através de identidades fictícias, que podem ser alteradas.<br />

Porém, para adentrar essa “praça”, há regras formais e informais que<br />

devem ser seguidas, no sentido de permissão a que o fã torne-se parte<br />

do Omelete e grau de visibilidade de suas mensagens (se são consideradas<br />

ofensivas, por exemplo, será preciso um clique a mais para que alguém<br />

possa ler). Além disso, obviamente, tem-se a credibilidade que cada um vai<br />

construindo conforme sua reputação.<br />

A ideia de algo “em comum” preenche nossa conceituação, em que as<br />

pessoas podem se relacionar como emissores, receptores e mensagens, em<br />

um palco cujo espetáculo e público se misturam a partir do que vemos nesse<br />

ambiente relativamente concreto e “em comum” do sistema de comentários<br />

do Omelete: sugestões, críticas, em outros casos promoções de blogues, direcionamentos<br />

para outros links, comentários de comentários, comentários<br />

e conversas envolvendo outros universos ficcionais, o ato de informar algo,<br />

184


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

enfim, todo um conjunto de práticas que vai inclusive além dos exemplos<br />

enxertados neste trabalho através das imagens captadas.<br />

Esse conjunto revela um sistema em que as pessoas tendem a imitar as<br />

práticas para discordar delas. Sempre trazendo algo que pretenda ser novo,<br />

bem como um determinado modo de posicionamento.<br />

Todo esse processo revela a configuração atual de uma opinião pública<br />

cujo conteúdo envolve pensamentos que “… são expressos por aqueles que as<br />

produzem e as pensam, e não por jornalistas obrigados a simplificar ou mesmo<br />

a caricaturar por falta de tempo ou de competência”, segundo André Lemos<br />

e Pierre Lévy (2010, p.88). Esse processo envolve um conceito de cultura que<br />

abranja as ideias de espaço, identidade e trocas. Primeiro o espaço em fluxo<br />

a que denominamos a categoria “virtual”, que nos leva mais concretamente à<br />

visualização de uma tela e de um texto; a identidade por vezes falsa dos interagentes;<br />

e as trocas de ideias. Todo esse processo se distribui entre o ambiente<br />

técnico, o contato com o outro e o cérebro do próprio interagente.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Considerações finais<br />

Os passos para compreender o processo de comunicação cada vez<br />

mais entendem o processo como um fluxo interativo, em que emissor,<br />

185


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

mensagem e receptor se confundem numa “conversação coletiva”. Nesse<br />

aparente caos, as pessoas vão se distinguindo de acordo com a qualidade<br />

de suas informações e formas de expressão. Por outro lado, devemos<br />

considerar que, simultaneamente, existe a forma “tradicional” de entender<br />

“comunicação”. Ou seja, temos, no Omelete, a concepção tradicional<br />

de “receptor”. O que nosso trabalho traz é uma concepção que também<br />

vai além disso. Quer dizer, o antigo e o novo se misturam, a lógica um-<br />

-todos e a lógica todos-todos.<br />

No caso da lógica todos-todos, podemos considerar, segundo Clay<br />

Shirky (2011, p.154) que há diferentes tipos compartilhamento entre indivíduos<br />

na rede: o compartilhamento pessoal, o compartilhamento comum,<br />

o compartilhamento público e o compartilhamento cívico. No nosso caso,<br />

entendemos que se trata de uma mistura de compartilhamento pessoal<br />

com compartilhamento comum. As pessoas têm entre elas informações,<br />

ideias, desejos envolvendo filmes e o universo desses filmes. Elas colaboram<br />

em um nível individual e também participam em um nível público –<br />

mas “público” dentro da ideia de “grupo” após cadastro no Omelete, algo<br />

limitado ao universo desse site.<br />

O fato é que o interagente (ou o “receptor”), primeiro recebe a informação<br />

como um receptor comum. Ao receber a informação, tem-na como um<br />

“ponto de partida” para discussões, ou simplesmente se utiliza do espaço<br />

186


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

para comentar diversos assuntos não necessariamente ligados a determinado<br />

filme e seu lançamento. No final, temos, ao invés de um mero sistema<br />

de comentários, um site que além de informação é de entretenimento e de<br />

rede social, sendo boa parte do entretenimento dependente da colaboração,<br />

participação e compartilhamento de experiências a partir de indivíduos<br />

interagindo entre si e com grupos maiores de pessoas no Omelete.<br />

Nosso trabalho se comprometeu a mapear brevemente esse aspecto<br />

do site, e demonstra que os sites devem ser entendidos cada vez mais em<br />

caráter híbrido – quer dizer, além de site é rede social, é grupo de trocas, é<br />

uma espécie de comunidade com regras próprias e com possibilidade de<br />

participação até mesmo de promoções promovidas pelo Omelete.<br />

Tal grupo divide-se em sistemas de comentários relativo a informações<br />

e a suportes midiáticos específicos (por exemplo, comentários envolvendo<br />

a seção de Vídeos do Omelete), e divide-se de acordo com uma temática<br />

menor como, por exemplo, determinado comentário como ensejador de<br />

toda uma conversa paralela. Em suma, trata-se de um campo rico de trocas,<br />

compartilhamentos, podendo ser possível considerá-lo um espaço à parte,<br />

construído conceitualmente e materializado no aspecto de “tela” a ser preenchida<br />

por textos.<br />

187


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Referências<br />

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 a ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.<br />

JACKS, N. A.; ESCOSTEGUY, A. C. D. Comunicação e recepção. São Paulo: Hackers Editores,<br />

2005.<br />

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2 a ed. São Paulo: Aleph, 2009.<br />

LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia<br />

planetária. São Paulo: Paulus, 2010.<br />

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2 a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.<br />

RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e<br />

redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012.<br />

SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado.<br />

Rio de Janeiro: Zahar, 2011.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

188


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

TV PÓS DIGITAL: NOVAS FORMAS DE CONSTRUÇÃO<br />

TELEVISIVA NA SOCIEDADE MIDIATIZADA<br />

Graciele Barroso 1<br />

Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha 2<br />

Resumo<br />

Com a introdução de novas mídias e dispositivos tecnológicos, a televisão tem passado<br />

por mudanças profundas na produção de conteúdo e de programação. Não se pode<br />

mais ignorar a forma como a sociedade tem se apropriado das mídias (antigas e novas)<br />

para mostrar o seu cotidiano a uma grande massa de telespectadores. Dessa forma, este<br />

trabalho tem o objetivo de discutir as novas possibilidades da televisão junto a uma sociedade<br />

imersa no processo de digitalização dos meios de comunicação de massa, bem<br />

como sua apropriação em relação aos diversos dispositivos tecnológicos disponibilizados<br />

atualmente.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Palavras-chave: Convergência. Midiatização. Televisão.<br />

1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do<br />

Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: gracielebarroso@gmail.com.<br />

2 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />

do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: noronhakr18@<br />

yahoo.com.br.<br />

189


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A convergência midiática tornou a televisão um meio de comunicação interativo<br />

e mais homogênio na medida em que o telespectador consegue caminhar<br />

pelo conteúdo da TV com maior complexidade devido à utilização dos diversos<br />

dispositivos tecnológicos que atualmente integram a produção televisiva. A sociedade,<br />

agora mais do que nunca, está dentro da televisão construindo uma<br />

linguagem e um contexto mais próximo da sua realidade.<br />

As novas mídias e tecnologias de comunicação oferecem a televisão novas<br />

possibilidades para chegar ao telespectador com histórias mais dinâmicas<br />

e, principalmente, fragmentadas induzindo o uso de ferramentas comunicacionais<br />

que sempre remetem ao que é apresentado pela televisão.<br />

Com a chegada da internet e, consequentemente, a sua popularização<br />

a televisão teve que se reclicar para atender as mudanças de perfil dos espectadores-usuários<br />

que estão sempre à procura de conteúdo diversificado.<br />

Além disso, a televisão tem se apropriado dos novos dispositivos tecno-midiáticos<br />

para construir narrativas mais interessantes com a finalidade de se<br />

aproximar cada vez mais de um público que se torna mais segmentado diante<br />

dos recursos tecnológicos disponibilizados atualmente na tentativa de se<br />

manter na base de sustentação da produção e distribuição da informação.<br />

190


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Assim, este artigo tem por objetivo discutir o desenvolvimento da televisão<br />

a partir da imersão da sociedade junto aos novos dispositivos tecno-<br />

-midiáticos, como ela tem se reinventado no contexto da digitalização, bem<br />

como a sociedade tem se apropriado desse novo contexto midiático inserido<br />

no cotidiano da população.<br />

Televisão digital<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A digitalização da TV confere aos telespectadores maior poder sobre<br />

o que eles desejam assistir, pois este recurso tecnológico torna a televisão<br />

mais flexível e atrativa tanto em aspectos estéticos quanto em termos de<br />

produção de conteúdo.<br />

As possibilidades de acesso à produção de conteúdo serão inúmeras se<br />

considerarmos as características e os recursos de interatividade. Através do<br />

controle remoto é possível, por exemplo, acessar a internet, fazer downloads,<br />

assistir aulas e programas educativos ao mesmo tempo, permitindo ao<br />

usuário navegar pelo aplicativo na ordem que desejar e personalizar a TV de<br />

acordo com suas preferências.<br />

Assim, as dimensões espacial e temporal, os aspectos estéticos e retóricos<br />

na TV Digital e a forma de navegação se ampliam, mudando a relação<br />

191


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

do público com a TV a partir do controle remoto, pois há uma construção<br />

lógica e não linear permitindo uma reflexão integral por parte do telespectador.<br />

O programa de TV deixa de ser uma realidade sequencial e unilateral<br />

para ser uma realidade não linear e interativa.<br />

A possibilidade de controle e manipulação por meio de botões, menus ou<br />

ícones permite ao telespectador dialogar com um programa ao vivo, escolher<br />

um ângulo de câmera ou uma sequência de cenas para ter uma visão mais ampla<br />

do contexto. Dessa forma, o usuário pode definir as informações disponíveis<br />

no ambiente com as quais deseja interagir.<br />

Em termos de usabilidade, a postura do espectador é o fator principal. Na<br />

TV atual ela é contemplativa, enquanto que na TV Digital ela é interativa.<br />

A questão da distância é um outro ponto que merece atenção, pois não se<br />

assiste à TV tão de perto quanto se utiliza o computador ou o celular. [...].<br />

Além disso, a TV tem um caráter coletivo, o que também deve ser levado<br />

em conta (MAETA; OLIVEIRA; QUEIROZ-NETO, 2007, p. 3).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Por isso, dois aspectos são muitos importantes quando nos referimos<br />

à utilização da TV Digital: a usabilidade e aplicabilidade de serviços e tecnologias<br />

que estão sendo desenvolvidas e experimentadas com o intuito<br />

de simplificar os recursos para a TV digital interativa. Sabemos que estes<br />

recursos serão determinados pelos fabricantes de aparelhos conversores<br />

192


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

e principalmente pelo interesse das emissoras de TV em disponibilizar ou<br />

não os recursos.<br />

Convergência tecnológica<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A convergência tecnológica permite a interoperabilidade de sistemas, a<br />

possibilidade de novos dispositivos facilitadores da mobilidade e interatividade<br />

e a obtenção de serviços integrados, que disponibilizam mais informações<br />

e serviços. Nesse contexto de novas tecnologias, surge uma nova sociedade:<br />

uma sociedade da informação, com uma comunicação mais integrada,<br />

multimídia e interativa. Além disso, novos meios trazem novas implicações<br />

políticas e sociais. Castells (1999) chama essas transformações de a era da<br />

informação e do conhecimento.<br />

No final da década de 80, surgiu o termo “tecnologias da informação”, que<br />

engloba um conjunto de áreas: informática, telecomunicações, comunicação,<br />

ciências da computação, engenharia de sistemas e de software. Castells<br />

(1999) afirma que as tecnologias da informação fazem parte de um conjunto<br />

convergente de tecnologias em microeletrônica, telecomunicações, radiodifusão<br />

entre outras que usam de conhecimentos científicos para especificar<br />

as coisas de maneira reproduzível.<br />

193


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A convergência tecnológica da internet com outros meios (TV, rádio e<br />

telefones de última geração) assegura a entrada dos consumidores em uma<br />

fase de globalização telemática. A introdução das novas tecnologias em geral<br />

e da convergência tecnológica em particular, é aparentemente um fato<br />

irreversível, conduzida pela lógica de mercado das grandes empresas transnacionais<br />

e baseada em avanços científicos e tecnológicos.<br />

Considerado um otimista da cibercultura, Lévy (1999, p. 11) não via a Internet<br />

como a solução para os problemas da sociedade, mas enxergava na<br />

ferramenta “um novo espaço de comunicação” repleto de possibilidades. A<br />

história mostra que o entusiasta estava correto: a Internet e todo o aparato<br />

que compõe as Tecnologias da Informação e Comunicações (TICs) revolucionaram<br />

a economia, a política, a organização social, a comunicação.<br />

Para Recuero (2000) a nova tecnologia da informação é a terceira grande<br />

revolução da comunicação, que sucede o desenvolvimento da linguagem e<br />

a invenção da escrita. Maigret (2010) é mais comedido com relação ao novo<br />

espaço de comunicação e mostra que mesmo com todas as possibilidades<br />

da convergência midiática, a Internet não conseguiu, por exemplo, superar<br />

a televisão na preferência do público. Some-se a preferência, as limitações<br />

técnicas e intelectuais: nem todos dispõem de computador com Internet e<br />

habilidades para utilizar as TICs.<br />

Em um aspecto os autores concordam: o meio é o que se apresenta como<br />

194


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

o mais democrático criado até agora. Para Castells (1999) e Maigret (2010) a<br />

explicação pode estar no caráter multimídia, que agrega som, texto e imagem,<br />

levando para a rede as características do rádio, jornal, revista e televisão. Há<br />

também o rompimento com a lineariedade do texto, a hipertextualidade permite<br />

que o leitor determine como será a leitura do conteúdo ofertado.<br />

A Rede oferece ferramentas para as mais variadas participações do público,<br />

seja através de comentários em sítios, manutenção de blogues, redes<br />

sociais, que apresentam a versão de seus autores para os fatos abordados:<br />

A internet, por permitir ao mesmo tempo encontrar o que apreciamos e<br />

tornar públicas nossas criações, seria a mída-mor e a mídia livre, libertando-nos,<br />

por um lado, da ditadura do pensamento analítico estreitamente<br />

escolar e, pelo outro, das tiranias dos meios de comunicação de massa, da<br />

passividade. (MAIGRET, 2010, p. 406)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A Internet favorece o aparecimento da voz da pluralidade, as mensagens e<br />

fontes têm origens diversas e oferece a “oportunidade de reversão dos jogos<br />

de poder tradicionais no processo de comunicação” (CASTELLS, 1999, p. 446).<br />

Os meios tradicionais compartilham com os conteúdos oriundos da Rede versões<br />

de um mesmo fato, nem sempre compatíveis. O cidadão comum tem a<br />

possibilidade de contestar as versões oficiais através de conteúdos postados<br />

em blogues, comentários nos sítios e nas redes sociais.<br />

195


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Para Brittos e Bolaño (2006, p. 11-12) a Internet representa o surgimento<br />

de um espaço público midiático diferente do que se vê nas redes de televisão<br />

abertas, esse “é um novo espaço dialógico, restrito e crítico” e que permite<br />

“uma extensa interatividade”. No entanto, os autores reconhecem que<br />

a Rede sofre um “controle social”, como a exclusão digital, por exemplo. A<br />

televisão continua sendo um veículo de forte presença na rotina dos públicos,<br />

Sodré (2013) chega a afirmar que antes da televisão, apenas Deus estava<br />

presente em tantos lares.<br />

De acordo com Woodard (1994), a convergência tecnológica traz<br />

consigo mudanças significativas para a televisão, transformando-a em<br />

mídia interativa. A TV não é mais um meio isolado e passivo. Como consequência,<br />

é necessário repensar as produções comunicacionais para os<br />

meios convergentes, com características interativas ou não.<br />

Deve-se pensar, então, como a sociedade reage diante das transformações<br />

políticas, culturais e sociais trazidas pelos novos meios e como a indústria<br />

da comunicação deve adequar sua produção para a convergência<br />

tecnológica, tendo em vista que uma mensagem deve satisfazer diferentes<br />

características dos meios convergentes, entre os quais alguns são passivos,<br />

outros reativos e outros interativos.<br />

No estudo dos meios interativos, cabe definir o que seja interatividade.<br />

Inicialmente pode-se dizer que a mesma advém da digitalização e conver-<br />

196


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

gência das mídias. Para Fragoso (2001), a interatividade era o instrumento<br />

que faltava para conferir aos receptores poderes correspondentes aos dos<br />

produtores midiáticos. Ainda segundo a autora, a aparente imprevisibilidade<br />

dos resultados de interação com estruturas interativas bem planejadas decorre<br />

do poder quantitativo das tecnologias digitais.<br />

Essas novas configurações midiáticas permitem que a sociedade passe<br />

por transformações não só tecnológicas, mas também transformações culturais,<br />

econômicas e políticas. Os computadores, através das ferramentas de<br />

redes sociais, estão alterando a rotina e o estilo de vida das pessoas. O computador<br />

não é mais o único mediador das novas possibilidades midiáticas.<br />

Os celulares, <strong>tablet</strong>s, smartphones e outras tecnologias portáteis estão tornando<br />

a vida das pessoas mais fácil e rápida. Devemos aprender a configurar<br />

o uso dos novos recursos midiáticos ao nosso cotidiano.<br />

Os conteúdos midiáticos já iniciaram o processo de migração entre as<br />

diversas mídias para nos permitir conhecer diversas plataformas tecnológicas<br />

e informacionais. Dessa forma, podemos nos inserir em outras culturas e<br />

sociedades, a partir da nossa imersão em narrativas virtuais ou reais.<br />

Assim, as mudanças de paradigmas comunicacionais são infinitas e<br />

adaptativas aos diversos tipos de mídias que temos hoje. Através de uma<br />

reconfiguração das linguagens, narrativas e estruturas, poderemos desenvolver<br />

outros mecanismos de comunicação e interação na sociedade, per-<br />

197


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

mitindo a ampliação da rede de comunicação e informação na qual estamos<br />

inseridos atualmente.<br />

Em relação à televisão, esse contexto de reconfiguração transforma a<br />

maneira de ver e fazer TV. Hoje, nós podemos usar a internet e as redes sociais<br />

para assistir e discutir nossos programas de TV favoritos e criar uma<br />

nova narrativa televisiva. As emissoras estão percebendo essa nova rotina<br />

dos telespectadores (usuários) e começam a testar os recursos das redes sociais<br />

para expandir suas produções para conquistar novos usuários para as<br />

telinhas brasileiras. Contudo, ainda de maneira incipiente e cautelosa, devido,<br />

supõe-se, aos compromissos mercadológicos.<br />

Com a chegada da TV Digital e da interatividade, cria-se a possibilidade<br />

de ampliar a produção televisiva e permitir que a sociedade participe desse<br />

processo, com o apoio e a iniciativa de produções independentes para a televisão<br />

através da experimentação de novas linguagens audiovisuais.<br />

Os processos de transmidiação são os que mais tem permitido aos telespectadores<br />

interagir com a televisão nos últimos anos possibilitando a<br />

uma grande massa conectada a TV e a internet experiências audiovisuais<br />

mais complexas. Assim, a sociedade atual está cada vez mais envolvida com<br />

os processos midiáticos disponibilizados não só através da televisão, como<br />

também da internet e dos dispositivos móveis cada vez mais comuns no cotidiano<br />

da população (FECHINE; FIGUEIRÔA, 2011).<br />

198


Sociedade midiatizada e televisão<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O desenvolvimento e a presença dos meios de comunicação trouxeram novas<br />

ordens para as relações sociais. De acordo com Sodré (2006, p. 21), a mídia<br />

criou uma nova esfera da vida humana, uma ambiência feita de informações,<br />

com a sociedade contemporânea regida pela midiatização, sendo esta,<br />

[...] uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação<br />

entendida como processo informacional, a reboque de organizações<br />

empresariais e com ênfase num tipo particular de interação – a que poderíamos<br />

chamar de “tecnointeração” – caracterizada por uma espécie de prótese<br />

tecnológica e mercadológica da realidade sensível denominada médium.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Essa discussão sobre a presença da mídia como organizadora social não<br />

é nova, a teoria da Agenda Setting mencionava o poder de inferência dos<br />

assuntos abordados nos veículos de comunicação no cotidiano do público.<br />

Ao que parece, essa relação entre mídia e público na chamada sociedade<br />

midiatizada ganha elementos novos a partir da interação possibilitada pelos<br />

avanços tecnológicos na área da comunicação, existe uma negociação entre<br />

emissores e receptores, superando a ideia de uma audiência passiva. Os<br />

próprios termos: emissor e receptor passam a ser questionados diante da<br />

circularidade da produção de infoentretenimento nesse novo contexto.<br />

199


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Com a midiatização emergem novos comportamentos e práticas. Paula<br />

Sibilia (2008) foi assertiva quando intitulou seu livro de “O show do eu”<br />

para tratar das formas como o público tem se relacionado com as novas<br />

mídias e como o mercado tem se apropriado desse comportamento para<br />

produzir mais capital. De acordo com a autora, a sociedade midiatizada é<br />

fascinada pela visibilidade e transforma a rede num confessionário, ficcionalizando<br />

o real e naturalizando o ficcional. A tênue demarcação entre o<br />

público e o privado é rompida pela ânsia de aparecer, artistas são valorizados<br />

pelo que são e não pelo que produzem anônimos viram celebridades<br />

instantâneas e os recursos tecnológicos permitem que qualquer um possa<br />

se promover na rede. A autora reforça ainda que as redes interativas universalizam<br />

o direito de ser filmado, promessa que a televisão e o cinema<br />

não foram capazes de cumprir.<br />

No tocante a televisão, os recursos interativos advindos com a digitalização<br />

podem cumprir em parte essa promessa, já que permite que o público<br />

participe da programação. Para citar alguns exemplos, as transmissões de<br />

jogos da Globo tem participação do público com perguntas e opiniões; no<br />

Big Brother Brasil, outro programa global, os telespectadores são incentivados<br />

a filmarem eles próprios “curtindo” a festa do BBB, tendo a televisão ao<br />

fundo, imagens que são veiculadas durantes os intervalos. Outras formas de<br />

interação do público com a TV são pelas redes sociais.<br />

200


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Estas, por sua vez, já se incorporaram ao dia a dia da população, sendo<br />

que mais de 80% dos usuários as acessam diariamente. Podemos dizer que<br />

elas são, na verdade, a relação existente entre as pessoas que utilizam os<br />

seus recursos independentemente do objetivo de uso de cada cidadão/ã.<br />

Segundo um levantamento realizado pela KPMG, intitulado Debate Digital<br />

2013, “o Brasil está entre os líderes no consumo e na disposição para mídias<br />

sociais” (KINGHOST, 2013).<br />

Por exemplo, muitos programas televisivos têm utilizado o Twitter para<br />

interagir com os telespectadores através de sorteios, promoções ou a cobertura<br />

instantânea da programação televisiva. E a maioria deles também<br />

têm suas páginas no Facebook.<br />

As redes sociais, principalmente o Twitter, têm sido bastante utilizadas<br />

como fonte para a produção de notícias pelos jornalistas. O conteúdo disseminado<br />

na televisão é em muitos casos filtrado dessa rede social. Assim,<br />

muitas dessas informações tem se tornado pauta para os veículos de comunicação<br />

tradicionais, já que estas se referem a acontecimentos do cotidiano.<br />

O Twitter é a rede social que mais cria mobilizações, oferecendo detalhes<br />

para as notícias que os jornalistas produzem.<br />

Com o crescimento e a popularização das redes sociais na internet, elas<br />

passam cada vez mais a ser objeto de matérias em jornais de referência.<br />

201


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Ainda que muitas vezes a própria rede esteja em pauta, há vezes em que<br />

o conteúdo que circula nesses espaços se torna fonte para notícias (ZAGO,<br />

2010, p. 1-2).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É notório que a relação rede social - televisão – telespectador tem sofrido<br />

uma inversão na forma de consumo do produto televisivo devido às novas<br />

configurações midiáticas, que alteram o modo de pensar e agir de cada participante<br />

desse processo comunicacional. Temos a construção de um novo<br />

fluxo de informação que agora é transversal, pois a televisão se desloca para<br />

os dispositivos móveis, tornando-a menos doméstica e mais individualizada.<br />

Essa sociabilidade da televisão na rede permite que as audiências colaborem<br />

com os conteúdos produzidos de forma coletiva, disponibilizando não<br />

mais apenas para os usuários de internet, mas também para aquelas pessoas<br />

que buscam complementar as informações recebidas pela TV ou se voltar<br />

para a televisão, a partir de uma postagem vista pelo Twitter, por exemplo.<br />

Em entrevista ao programa “O público na TV”, da TV Brasil, Muniz Sodré<br />

(2013) declarou que as novas tecnologias não provocaram mudanças radicais<br />

no conteúdo televisivo porque a televisão consegue incorporar e dialogar<br />

com outras linguagens como a do rádio e os recursos da Internet. Outro<br />

fator depõe a favor da TV: sua mobilidade. A programação pode ser vista em<br />

diversas plataformas: celular, laptop, <strong>tablet</strong> e GPS. E em época de persona-<br />

202


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

lização, a TV consegue mais uma vez se reinventar oferecendo ao público a<br />

possibilidade de acompanhar a programação no horário desejado e não no<br />

disponibilizado pela grade.<br />

Essas mudanças não afetam somente as formas de circulação, mas também<br />

de produção de conteúdo. Os produtores não sabem mais onde o público<br />

vai assistir a um determinado programa, portanto é necessário pensar<br />

na melhor qualidade da recepção de áudio e imagem. De acordo com Brittos<br />

e Bolaño (2007) agora se fala em produtos midiáticos e não mais em programas<br />

de TV, visando à produção não somente para a televisão, mas também<br />

para internet, telefonia celular e outras mídias.<br />

Um fenômeno continua garantindo lugar nas produções midiáticas da<br />

atualidade: a espetacularização. De acordo com Kellner (2006) a experiência<br />

e a vida cotidiana são moldadas e mediadas pelos espetáculos e até mesmo<br />

a produção da notícia obedece à lógica do espetáculo. Condição facilmente<br />

verificável nas coberturas televisivas de crimes que ganham grande repercussão.<br />

O caso do goleiro Bruno ilustra bem a situação: os principais canais<br />

de televisão abertos noticiaram desde o desaparecimento da ex-amante até<br />

a condenação do jogador, tendo o assunto permeado toda a programação,<br />

inclusive com entradas “ao vivo” em frente ao presídio e tribunal, para onde<br />

o goleiro foi levado.<br />

Existe um investimento forte por parte das produções de introdução de<br />

203


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

elementos para a identificação do público. A identificação é que garantiria o<br />

interesse em acompanhar o desenrolar das histórias veiculadas. A indústria<br />

cultural, que obedece a lógica de mercado e transforma tudo em bem consumível<br />

e padronizado, projeta através da mídia uma realidade construída<br />

para alcançar seus objetivos e é na televisão que essa qualidade é melhor<br />

descrita, já que os recursos utilizados por esta permitem a manipulação de<br />

imagens e uma narrativa que aproxima os temas do cotidiano do público.<br />

Considerações finais<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Percebemos a partir das ideias apresentadas que a televisão está passando<br />

por um processo de evolução bastante significativo e que há muito<br />

tempo era esperado. A sociedade tem contribuído com esse processo à<br />

medida que se torna mais ativa diante das produções audiovisuais que são<br />

disponibilizadas cotidianamente. Com a introdução de novos dispositivos<br />

tecnológicos como <strong>tablet</strong>s, smartphones e laptops a TV ganhou aliados que<br />

tem favorecido bastante a difusão de conteúdo televisivo.<br />

Agora, os telespectadores querem dialogar e interagir com os recursos<br />

multimídia que são ofertados pela televisão nos diversos dispositivos móveis<br />

numa tentativa de se tornar mais presente e visível na programação veiculada<br />

204


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

na TV. O desenvolvimento de novas plataformas de comunicação e interação<br />

é que tem permitido a televisão se reciclar para conseguir criar conteúdo mais<br />

diversificado para atender a um público cada vez mais segmentado.<br />

A internet foi fundamental para abrir caminho para as tecnologias da informação<br />

e comunicação chegarem a um número maior de usuários bem como<br />

promover transformações importantes nos meios de comunicação tradicionais<br />

que há anos necessitavam se renovar para conquistar mais telespectadores.<br />

As mudanças continuam acontecendo lentamente principalmente para a<br />

televisão que teve como divisor de águas a digitalização tanto no setor técnico<br />

– mais avançado – quanto na produção de conteúdo com recursos interativos<br />

e narrativas não lineares – ainda em fase de experimentação.<br />

A ponte televisão – redes sociais – telespectador tem sido fundamental<br />

para a mudança de pensamento do fazer televisão, pois essas plataformas<br />

tem exercido uma influência direta e clara na elaboração de novos<br />

produtos midiáticos. O processo de migração entre as diversas mídias<br />

modifica não só o desenvolvimento das narrativas audiovisuais, mas também<br />

o cotidiano das pessoas na medida em que estas estão cada vez<br />

mais conectadas, expondo suas vidas e colocando em debate questões<br />

de ordem política, social e cultural.<br />

Os produtos transmidiáticos são os que mais têm proporcionado uma revolução<br />

na maneira de fazer e ver TV porque estes permitem de fato aos teles-<br />

205


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

pectadores-usuários uma maior aproximação com a narrativa já que necessitam<br />

passar por diversas plataformas tecno-comunicacionais para acompanhar<br />

o enredo. As narrativas transmidiáticas também são responsáveis por permitir<br />

aos espectadores uma participação ativa em todo o contexto do produto.<br />

Atualmente, a televisão aberta tem realizado algumas tentativas de inserção<br />

do telespectador no desenvolvimento do enredo das novelas como<br />

no caso de Avenida Brasil em que a direção e os roteiristas acompanhavam<br />

diariamente as postagens feitas pelo Twitter para ir construindo a trama de<br />

acordo com algumas preferências dos telespectadores. O Jornal da Cultura<br />

tem tido sucesso com a utilização da segunda tela via <strong>tablet</strong>s oferecendo a<br />

audiência informações adicionais sobre os assuntos que são discutidos no<br />

telejornal diário.<br />

Assim, podemos afirmar que a convergência tecnológica é e continuará<br />

sendo fundamental para o desenvolvimento da comunicação na atualidade<br />

já que aquela é capaz de fomentar a produção e difusão de informação<br />

para os mais variados tipos de plataformas garantindo a oferta de produtos<br />

midiáticos mais variados que possam atendem a infinidade de públicos segmentados<br />

que temos hoje.<br />

Outro fator importante é que a mídia está presente no espaço público,<br />

propõe temas e anima discussões. Foi assim com os jornais, que foram substituídos<br />

pelo rádio, este pela TV, e temos agora o surgimento da Internet e<br />

206


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

suas possibilidades para a comunicação. A inferência dos veículos de comunicação<br />

na rotina dos públicos é tema recorrente nas pesquisas da área, a<br />

novidade é a participação ativa do público na produção do que é veiculado,<br />

superando a imagem do receptor passivo, incapaz de fazer questionamentos,<br />

por razões técnicas e intelectuais. A primeira foi superada, a segunda<br />

ainda é motivo de contestações.<br />

A evolução dos aparatos tecnológicos, cada vez menores e com preços<br />

mais acessíveis, cria um ambiente de imersão e de interação frenéticas. As<br />

situações rotineiras passam a ser pensadas a partir de uma lógica midiática,<br />

num processo de retroalimentação: o público da mídia e a mídia do público.<br />

No entanto, esse novo contexto não propicia a reflexividade e até incentiva<br />

o surgimento de situações inusitadas, como a busca incansável pelos cinco<br />

minutos de fama e a tendência a espetacularização dos fatos.<br />

A anunciada morte das demais mídias com o advento da internet não<br />

aconteceu, o que vimos é uma convivência nem sempre pacífica, nem sempre<br />

tensa. É bem verdade que as antigas mídias precisaram mudar para acompanhar<br />

o ritmo das novas e saíram ganhando com isso. A televisão - como<br />

conhecemos, outra está em pleno curso - até perdeu receita publicitária,<br />

mas tem buscando a reinvenção para garantir audiência e anunciantes. A<br />

efetivação da TV Digital será um marco importante nesse processo, já que<br />

trará para a telinha os recursos da internet.<br />

207


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em pleno curso estão às transformações nas produções do conteúdo<br />

televisivo que agora passam a ser pensados para a veiculação<br />

em outras plataformas, resultado da forte presença das mídias portáteis<br />

e do comportamento do telespectador, cada vez mais inclinado a<br />

fazer sua própria programação, alheia as grades dos canais de televisão.<br />

É preciso atentar para os interesses presentes em todas essas transformações.<br />

Não podemos desconsiderar os benefícios advindos desses avanços,<br />

como as possibilidades de democratização da comunicação, rompendo a<br />

hegemonia dos polos emissores e dando voz aos excluídos das coberturas<br />

midiáticas, no entanto, o capital exerce um forte controle sobre essa realidade.<br />

Muitos avanços tecnológicos são demandados pelo público, mas rapidamente<br />

capitaneados pelo mercado para fins comerciais. A participação<br />

ativa e a interação do público, em sua grande maioria, correspondem aos<br />

interesses dos canais televisivos na tentativa de gerar mais audiência e assim<br />

conseguir poder de negociação com os anunciantes, já que telespectadores<br />

são vendidos como potenciais consumidores dos produtos anunciados durante<br />

a programação.<br />

Uma mudança faz-se necessária nesse processo: a forma como os telespectadores<br />

são vistos. É preciso passar da configuração de meramente consumidores<br />

para cidadãos capazes de intervir de forma assertiva nas programações.<br />

Os recursos tecnológicos estão postos, agora é preciso oportunizar<br />

208


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

a participação efetiva dos públicos. Pelas características que apresentam, os<br />

canais públicos de televisão devem aproveitar com mais propriedade os recursos<br />

interativos. Pela liberdade de discurso e o não comprometimento com<br />

o mercado e forças político-partidárias, as televisões públicos deverão ser palcos<br />

de interações de fato produtivas, com a geração de conhecimento, novos<br />

conteúdos, diversidade, pluralidade e não apenas a produção de uma metalinguagem,<br />

onde os canais privados estão interessados em promover seus<br />

programas e vender seus produtos.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ARAÚJO NETO, Jefferson G. A utilização das mídias digitais na sociedade midiatizada.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 22 de jul. 2012.<br />

BOLAÑO, César R S; BRITTOS, Valério C. A televisão brasileira na era digital: exclusão,<br />

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209


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010.<br />

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />

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210


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

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211


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

COPA DO MUNDO NO BRASIL:<br />

ANÁLISE SEMIÓTICA VISUAL DE CAPAS DE REVISTAS<br />

Liliane Calado 1<br />

Olga Tavares 2<br />

Resumo<br />

2014 é o ano da Copa do Mundo no Brasil. Diariamente observamos na mídia reportagens<br />

que retratam esse assunto. Muitas delas ressaltando os problemas e desafios que<br />

o país tem enfrentado para atender as exigências do Comitê Organizador do evento.<br />

Nesse artigo buscamos compreender a produção do sentido do discurso de duas capas,<br />

uma da revista Veja e outra da revista ÉPOCA que evidenciam a temática Copa do<br />

Mundo no Brasil. A partir da semiótica greimasiana vamos analisar o conjunto sincrético<br />

de cada capa, visando entender a construção de sentido de cada uma delas.<br />

Palavras-chave: Semiótica visual. Discurso. Copa do Mundo.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

1 Jornalista e Relações Públicas. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Federal<br />

da Paraíba – UFPB. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq.<br />

Endereço eletrônico: lilianejornalista@yahoo.com.br<br />

2 Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação<br />

e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Departamento<br />

de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica<br />

– GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. E-mail: <strong>olga</strong>tavares@cchla.ufpb.br.<br />

212


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

As revistas semanais brasileiras são publicações sincréticas, que trazem<br />

em si a linguagem verbal e a visual. Este é o objeto do nosso estudo: capas<br />

das revistas Veja e ÉPOCA, que abordam as obras dos estádios de futebol<br />

em todo o país, e que apresentarão os jogos da Copa do Mundo de 2014.<br />

Essas obras são o foco desta análise que investigará a produção de sentido<br />

dos textos em questão, de acordo com a teoria semiótica greimasiana. “O<br />

sentido é definido pela Semiótica como uma rede de relações, o que quer<br />

dizer que os elementos do conteúdo só adquirem sentido por meio das relações<br />

estabelecidas entre eles. (PIETROFORTE, 2004, p.12)”.<br />

Em nível semiótico, o sujeito que se destaca nas capas é a Copa do Mundo,<br />

cujo objeto-valor se define pela finalização das obras dos estádios de<br />

futebol, onde se realizarão os jogos. Portanto, sem estádio não pode ocorrer<br />

o evento. Assim, o anti-sujeito é a lentidão com que essas obras estão sendo<br />

executadas e que pode comprometer o calendário definido pela FIFA.<br />

Em nível sincrético, a organização do texto dá-se, neste caso das capas,<br />

quanto à grafia utilizada, disposição dos elementos figurativos, combinação<br />

cromática. As capas indicam a matéria principal e ressaltam o editorial escolhido.<br />

Em ambas, percebe-se que há uma tendência a desqualificar o andamento<br />

das obras nos estádios. As manchetes das capas selecionadas são estas: Veja<br />

213


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

(edição 2218, 25/5/2011) – “2038 – por critérios matemáticos, os estádios da<br />

Copa não ficarão prontos a tempo”; ÉPOCA (edição 781, 13/05/2013) – “Por<br />

que tudo atrasa no Brasil – o país em que nenhuma obra – da reforma do banheiro<br />

aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”.<br />

O que é proposto pelo enunciador do texto, a capa, norteia as reportagens<br />

principais em ambas as revistas, propondo um fazer persuasivo que instaura<br />

um fazer-crer no espaço do enunciatário, o leitor. Como o público de<br />

publicações jornalísticas estabelece um contrato fiduciário com elas, parece<br />

que a mensagem vai ao encontro dessa insatisfação coletiva. Assim, existe<br />

um eixo temático comum que aponta para a não-eficiência do governo brasileiro<br />

em cumprir o cronograma de obras a realizar, para que se atenda aos<br />

anseios dos torcedores.<br />

Destaca-se, assim, nas duas revistas, um enunciador-editor que produz o<br />

discurso que vai nortear as notícias sob modalizações que vão convencer o<br />

enunciatário-leitor a firmar esse contrato de veridicção, de modo a consolidar<br />

as afirmativas dos textos, tanto quanto os perfis editoriais das publicações.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

De maneira global, podemos dizer que o regime de sentido e interação que<br />

atua como elemento orientador do fazer do discurso midiático é o regime<br />

da manipulação. No caso da mídia de informação semanal, não se pode ignorar<br />

a questão do fazer informativo que está na base de seu modo de existência<br />

e que mobiliza,de início, um fazer-crer, que coloca em jogo a adesão<br />

214


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ou não do enunciatário, fundado em um fazer cognitivo recíproco de base<br />

contratual. O que está em jogo nessa relação não é, fundamentalmente, um<br />

dizer verdadeiro, mas um fazer-parecer-verdadeiro, fundado na construção<br />

de efeitos de sentido. (SILVA, 2011, p.91)<br />

Em nível isotópico, pode-se destacar a recorrência de alguns elementos<br />

figurativos, em ambas as revistas, tais quais: o predomínio das cores verde-<br />

-amarela e o capacete de obras, apontando para a produção do texto como<br />

um todo e de seus sentidos. Ou seja, há uma organização convergente nesses<br />

dois textos cujas estratégias discursivas produzem determinados efeitos<br />

de sentido semelhantes.<br />

[...] a inteligência sensível da experiência visual sente o que lhe é mostrado<br />

e, às vezes, é até mesmo levada a vivê-lo. Esses modos de sentir já vão<br />

edificando a significação, o que justifica o interesse da semiótica, não pela<br />

percepção, mas pela participação desta na construção do sentido. (OLI-<br />

VEIRA, 2005, p.113)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, é um mega-evento<br />

que vai dar grande visibilidade ao país. Os estádios, palcos desse espetáculo<br />

esportivo mundial, são os ícones das futuras performances que ali serão<br />

encenadas para sancionar este país em nível das suas competências admi-<br />

215


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

nistrativas, turísticas e sócio-econômicas. Em virtude disso, a cobrança das<br />

duas grandes revistas semanais brasileiras é pertinente porque traz à tona<br />

questões muito importantes do contexto nacional atual.<br />

Em se tratando de sermos o ‘país do futebol’, faz-se mister apontar essas<br />

mazelas para que se discuta, em âmbito nacional, o atraso das obras e<br />

a possível tomada de posição dos responsáveis em adiantá-las e dar boas<br />

satisfações ao povo brasileiro.<br />

A competência para um sujeito manipular o outro sujeito corresponde<br />

a um fazer desse primeiro para que o outro queira, ou seja, um querer<br />

fazer que é tomado pelo fazer fazer. Mas, para que um sujeito queira fazer<br />

algo e chegue a realizá-lo, é necessário que o destinador atue como<br />

manipulador, de modo que o faça crer ou saber das vantagens daquele<br />

fazer, que acredita e quer que o outro também o faça. Assim, opera-se<br />

com uma intenção de convencimento. (LANDOWSKI, 2005, apud CO-<br />

TRIM, 2011, p.3)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

As revistas, portanto, utilizam-se do regime de manipulação imagética,<br />

a fim de atrair a atenção dos destinatários para a situação. Espera-se que a<br />

modalidade do querer-fazer se concretize no campo governamental para o<br />

encaminhamento mais ágil das obras dos estádios em todo o país.<br />

216


VEJA: a copa do mundo em 2038<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Os textos visuais se constituem também um todo significativo. Então,<br />

a produção de sentido pressupõe uma construção discursiva pautada em<br />

elementos figurativos que vão determinar as unidades de sentido deste<br />

texto sincrético.<br />

Um universo de discurso deve ser visto como processo de produção ou como<br />

uma microssemiótica,enquanto os textos-enunciados são vistos como produto,<br />

resultante do percurso gerativo da enunciação, isto é, como resultado<br />

do fazer persuasivo de um sujeito enunciador e do fazer interpretativo de<br />

um sujeito enunciatário. Dessa maneira, evidencia-se que é em discurso<br />

que a subjetividade se constrói no percurso do sentido. (PRADOS,S/D, p.3)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A capa da revista Veja (edição 2218) apresenta, no plano de expressão,<br />

um fundo todo branco, no qual se vê em destaque um capacete de obras<br />

verde com o símbolo da Copa, onde, abaixo, uma luva de obras amarela o<br />

toca com os dedos, e entre os dois objetos, escrito em vermelho (alusão à<br />

cor do PT) o número 2038. Na parte central da capa, à direita, ao lado da<br />

luva, pouco abaixo do número está escrito “por critérios matemáticos, os<br />

estádios da Copa não ficarão prontos a tempo”, com as letras em cor preta<br />

(de um luto anunciado). Na parte inferior à direita da capa, está uma fotografia<br />

do Estádio do Maracanã, o mais importante do país, em obras, com a<br />

217


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

seguinte legenda: “No ritmo atual, o Maracanã seria reaberto com 24 anos<br />

de atraso”, também com letras em cor preta. O nome da revista está em azul,<br />

completando, assim, as cores da bandeira nacional neste conjunto sincrético,<br />

com exceção da cor vermelha do número alusiva ao PT, e à cor preta das<br />

legendas. Na cabeça da capa, há chamada para mais três reportagens com<br />

duas fotografias, compondo o visual regular da revista semanal.<br />

Figura 1 - Edição 2218, 25/5/2011<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Sabe-se que a revista Veja tem sido constantemente severa com os governos<br />

petistas, desde que sua ‘lula-de-mel’ (8/1/2003, edição 1784) acabou<br />

em 10/9/2003, com a edição 1819, “Brasilha da Fantasia”. A maioria<br />

das suas capas aponta para uma contextualização de críticas e cobranças.<br />

218


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 2 - 10/09/2003 Figura 3 - 13/07/2005 Figura 4 - 20/07/2005<br />

Figura 5 - 25/11/2009 Figura 6 - 10/3/2010 Figura 7 - 17/4/2013<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Consequentemente, a capa em análise não se furta a também manter a mesma<br />

pauta editorial das críticas e cobranças ao governo federal das suas ações<br />

219


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

administrativas. E, quando se fala em Copa do Mundo, fala-se de um assunto<br />

nacional, sem fronteiras de nenhuma natureza. A pouco mais de 12 meses do<br />

evento, a revista faz uma panorâmica da situação das obras em todos os estádios<br />

do país e conclui que o atraso inviabilizará a realização da Copa do Mundo.<br />

Nilton Hernandes assim define a revista Veja (2001, p.8):<br />

No jargão da imprensa, os leitores da revista estão na categoria dos “formadores<br />

de opinião”. É gente que, no trabalho, em casa, na escola ou no bar,<br />

influencia outros brasileiros com sua visão de mundo. A maneira como Veja<br />

expõe a realidade é, desse modo, reproduzida muito além dos limites de seus<br />

próprios leitores.Os valores que Veja defende e transmite são os capitalistas,<br />

neoliberais,apresentados pela revista por meio do eufemismo de “livre iniciativa”.<br />

Trata-se do grande filtro que impõe o que entra ou não na publicação.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Para reforçar seu discurso na grande reportagem (p.88-96), a capa utiliza<br />

figuras que remetem às obras, como o capacete, com o símbolo da Copa na<br />

sua parte da frente, e a luva que os operários usam. Os dois em verde-amarelo,<br />

mais do que as cores principais da bandeira nacional, representam o anseio<br />

do país em sediar evento tão significativo para nosso caráter identitário, onde<br />

o futebol se integra à vida cotidiana. A revista procura ratificar isso com a imagem<br />

do Maracanã, considerado o maior estádio do mundo. Símbolo da grandeza<br />

futebolística brasileira, espaço destinado a grandes momentos esporti-<br />

220


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

vos. O número 2038 em vermelho, a cor do PT, é onde se aponta efetivamente<br />

a crítica ao governo federal, pois o número se sobressai entre o capacete e a<br />

luva, em um indício claro de quem é a culpa desta situação. E é a única cor que<br />

não consta do conjunto de cores da bandeira nacional.<br />

Ao incorporar valores positivos ou negativos às cores, é possível transferir<br />

tais valores a determinada informação, fato, pessoa ou entidade (partidária,<br />

empresarial, social etc.) identificada com essas cores (GUIMARÃES, 2006, p.2).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

No plano de conteúdo, a capa tenta corroborar seu conjunto figurativo<br />

com frases contundentes em tom alarmista, que conjugam com a imagem<br />

do Maracanã a possibilidade de as obras só estarem concluídas em um futuro<br />

muito distante. O sistema de valores aqui enfatizado traz a oposição<br />

semântica realização (das obras) vs não-realização (das obras), firmada em<br />

atraso vs entrega, lentidão vs celeridade. Toda a crítica desta capa se ampara<br />

nesse plano de leitura do texto. A capa é uma unidade de sentido em que<br />

tanto a linguagem visual quanto a verbal interagem para evidenciar um fato<br />

nacional, aliando o visual figurativo cromático ao fotográfico.<br />

Com isso, a capa mostra um poder-saber que incita ao poder-fazer, de<br />

modo a incutir uma competência para agir. A composição das imagens<br />

(capacete, luvas, Maracanã) e das cores ativa dimensões perceptivas que<br />

conclamam governo e povo-leitor. Esse enfoque midiático reitera esses<br />

221


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

elementos, a fim de confrontá-los com o próprio desejo do leitor-torcedor.<br />

A construção do sentido se opera, então, na manipulação do sensível contido<br />

nesse conjunto figurativo.<br />

ÉPOCA: por que tudo atrasa no Brasil<br />

As discussões sobre os estádios brasileiros da Copa do Mundo têm chamado<br />

a atenção de todo o país. Faltando um pouco mais de doze meses para<br />

a Copa, o que se percebe é uma desconfiança quanto ao cumprimento dos<br />

prazos finais de construção de alguns estádios, desconfiança que já existia<br />

no ano de 2011 (como se vê na capa da Veja) e que consolidou ainda mais<br />

no ano de 2013 (capa da ÉPOCA).<br />

Figura 8 - Edição 781, 13/05/2013<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

222


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Silva (2010, p 169) nos lembra que as “as capas de revistas constituem,<br />

por excelência, construções discursivas feitas para serem vistas”. A partir dessa<br />

afirmação, observamos que a capa da ÉPOCA traz como figura destaque<br />

uma tartaruga que carrega em seu casco um capacete de obras. A imagem<br />

por si só fala muito. A referência à tartaruga lembra o pressuposto de que<br />

ela é um animal de passos curtos e lentos. É muito comum a alusão de que<br />

ela representa vagarosidade e lentidão. Já o capacete é um dos símbolos<br />

principais da construção civil, adereço que acompanha engenheiros e operários<br />

durante edificações de obras. Neste contexto, podemos afirmar que<br />

ele simboliza a construção dos estádios da Copa do Mundo. Sendo assim a<br />

tartaruga (símbolo de lentidão) carrega em seu casco as obras dos estádios<br />

brasileiros. Há uma metaforização que evidencia a lentidão da construção<br />

dos estádios e, portanto, descumprimento de prazos. A partir da leitura semiótica<br />

das imagens tem-se estabelecidas as relações: atrasos vs cumprimento<br />

de prazos e lentidão vs agilidade.<br />

Há uma reciprocidade entre a figura da tartaruga e o capacete. Essa relação<br />

é consolidada mais ainda a partir da leitura do título “Por que tudo atrasa<br />

no Brasil” e do subtítulo “O país que em nenhuma obra – da reforma do<br />

banheiro aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”. Nesta<br />

expectativa, situa-se um contrato de comunhão entre a imagem, o título<br />

e o subtítulo, ou seja, entre o discurso visual e o verbal. Juntos eles transmi-<br />

223


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tem e consolidam um discurso de insatisfação quanto à política de atrasos<br />

no cumprimento de obras no Brasil. Os estádios da Copa do Mundo são os<br />

exemplos do momento – podemos dizer, mais atuais –; mas essa política de<br />

atrasos prevalece em outras situações como bem lembra (satiriza) o subtítulo,<br />

utilizando os termos “tudo” “nenhuma obra” e “reforma do banheiro”.<br />

Por isso, apontamos que na relação sincrética entre visual e verbal têm-se<br />

a construção de um enunciador que se aproxima do enunciatário (leitor),<br />

ganhando sua adesão não apenas pelo que diz, mas pelo modo como diz e<br />

como metaforiza (uso da tartaruga) esse discurso.<br />

Essa harmonia entre as imagens e os textos faz surgir o que Teixeira<br />

(2009, p. 59) chama de uma nova substância, que no caso não é só verbal,<br />

nem somente visual, mas “uma substância que integra os elementos verbais<br />

e visuais numa forma resultante tanto do apagamento quanto a superposição<br />

das qualidades próprias da cada linguagem mobilizada”.<br />

Ainda dentro deste contexto, outro ponto de análise é a posição da figura<br />

principal (tartaruga) na conjuntura da capa, suas patas traseiras não<br />

demonstram movimento, estão em situação de inércia e “sua barriga” (parte<br />

de baixo do animal) está encostada no chão, o que comprova a sensação de<br />

não-movimento, ou seja, sua posição demonstra estagnação. Essa posição<br />

corrobora com o pensamento de que as obras no Brasil “não andam”, muitas<br />

vezes, estão estagnadas, o que pressupõe atrasos nos prazos. Assim, a<br />

224


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

presença da tartaruga e sua posição de inércia na capa “fecham” o percurso<br />

narrativo: a tartaruga com sua inerente lentidão “carrega” obras brasileiras,<br />

que “não andam”, permanecem inertes e atrasadas.<br />

No nível discursivo da capa em análise, nota-se a formatação de um discurso<br />

crítico que permeia uma insatisfação quanto aos atrasos, um descontentamento<br />

generalizado (que vai além das obras dos estádios da Copa do Mundo).<br />

Ao mencionar no texto verbal (título) a expressão “o país” nota-se que esse descontentamento<br />

se relaciona a quem governa o Brasil. O sincretismo da capa da<br />

ÉPOCA evidencia um discurso desfavorável a esses atrasos, ironizando que os<br />

mesmos acontecem e se repetem sempre e em várias circunstâncias.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Cumprindo o papel de manipulador, o enunciador persuade o enunciatário<br />

a crer na verdade do seu discurso, direcionando a sua interpretação. Ao<br />

mesmo tempo, porém, submete-se ao enunciatário, subordinando suas escolhas<br />

à representação que dele é construída no texto. As relações que se<br />

estabelecem entre essas duas instâncias da enunciação tornam-se possíveis<br />

através da instauração de um contrato de veridicção, determinado por um<br />

conjunto de referências contextuais e situacionais necessariamente inscritas<br />

no discurso (GOMES; MANCINI, 2009, p. 7).<br />

As cores são formas importantes de representação em um discurso<br />

identitário. O verde e o amarelo são simbólicos quando se remete ao<br />

Brasil, pois são as cores mais emblemáticas da bandeira. Então, a capa da<br />

225


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ÉPOCA traz como cores principais o verde, amarelo, azul e branco. O verde<br />

permeia toda a capa, assim como é na bandeira brasileira, seu uso contrasta<br />

com a figura da tartaruga que se localiza na parte inferior da capa, e<br />

também com o título e subtítulo.<br />

O amarelo está presente no capacete e nas letras da palavra ÉPOCA. Vale<br />

lembrar que a marca identitária da ÉPOCA possui as cores vermelho e preto.<br />

Essa mudança (troca) de cores na marca nessa capa tem como objetivo chamar<br />

a atenção do leitor, de mostrar que a ÉPOCA está junto ao povo brasileiro,<br />

que “veste” as cores verde e amarelo para denunciar a insatisfação no<br />

descumprimento das obras da Copa.<br />

A cor branca foi utilizada no título e subtítulo e o azul no globo que faz a<br />

letra “O” do nome da revista. Essa composição cromática e topológica reforça<br />

o apelo da revista em apreender os sentidos do leitor, através dos símbolos<br />

da pátria para convergir ao fato em questão – as obras da Copa – que se<br />

refere a um assunto muito caro à “pátria de chuteiras”. A utilização das cores<br />

da bandeira brasileira na capa provoca a identificação do leitor com valores<br />

que fazem parte de seu dia a dia.<br />

A capa da ÉPOCA sinaliza uma construção sincrética que valoriza a articulação<br />

entre figuras comuns a realidade do povo brasileiro, como a tartaruga,<br />

o capacete e as cores da bandeira.<br />

226


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Considerações finais<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Faltando um pouco mais de um ano para o início dos jogos, já aconteceu<br />

a entrega do estádio Arena Fonte Nova, em Salvador, do Mineirão, em Belo<br />

Horizonte, do Castelão, em Fortaleza, do Maracanã, no Rio, do Mané Garrincha,<br />

em Brasília, e do Arena Pernambuco, em Recife. Há outros seis com<br />

as obras atrasadas. Segundo o ministro dos Esportes, Aldo Rabelo, estes<br />

serão entregues até dezembro deste ano: “Nós temos, nos estádios, um cronograma<br />

seguro de entrega antecipada da infraestrutura fundamental para<br />

a Copa de 2014” (PORTAL2014, 2013).<br />

A entrega desses seis estádios, em 2013, foi uma exigência para a realização<br />

da Copa das Confederações, que ocorre a cada 4 anos, um ano antes da<br />

Copa do Mundo, cujos participantes são os seis campeões continentais mais<br />

o país-sede e o campeão mundial, perfazendo um total de oito países. A 9ª<br />

edição do evento será realizado de 15 a 30 de junho, nas cidades em que os<br />

estádios estão prontos.<br />

De uma certa forma, a cobrança da imprensa brasileira apontada nas<br />

duas revistas analisadas confirma o clima de expectativa negativa, já que a<br />

entrega dos estádios ocorreu praticamente às vésperas da Copa das Confederações.<br />

O Maracanã, no Rio, o ícone dos estádios brasileiros, por exemplo,<br />

está inacabado: “Moderno, mas ainda inacabado, o novo Maracanã esconde<br />

227


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

problemas em reabertura às pressas” (MSNESPORTES, 2013); “Maracanã reabre<br />

com luz, emoção e pequenos problemas estruturais” (GLOBOESPORTE,<br />

2013). E a insatisfação se estende aos outros: “Estádios da Copa das Confederações<br />

são entregues encarecidos e com problemas” (GAZETA DO POVO,<br />

2013); “Governador da Bahia minimiza problemas na Fonte Nova e critica<br />

Engenhão” (UOL, 2013); “Em visita, Fifa e Col tentam corrigir problemas do<br />

Mineirão” (TERRA, 2013).<br />

Esses textos visuais, como objeto de significação, mostram uma situação<br />

que se tornou preocupação nacional. É uma pauta constante do noticiário<br />

no país. Os efeitos de sentido produzidos nessas capas das revistas analisadas<br />

explicitam os valores discursivos propostos que estarão contidos no bojo<br />

da matéria central, sem que a ela tenha sido preciso recorrer. Ao contrário, os<br />

conjuntos figurativos das capas, por si só, constituem as condições de produção<br />

de sentido do texto como um todo. Segundo Farias (2005, p.250), “a<br />

figurativização é um procedimento que, em seu grau máximo, atribui traços<br />

sensoriais ao texto, ou seja, é um recurso que confere concretude ao texto”.<br />

O estatuto semiótico se opera, então, no sincretismo observado nas capas<br />

das revistas semanais em questão, estabelecendo a relação semi-simbólica<br />

entre os textos que confirma a semelhança discursiva entras elas.<br />

228


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

COTRIM, Luciana R Meia. Maratona das Pontes de São Paulo e a narrativa dos heróis paulistanos<br />

anônimos. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2012.<br />

FARIAS, Iara Rosa. Charge: humor e crítica. In: LOPES, I.C./HERNANDES, N. (orgs.). Semiótica<br />

– objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005.<br />

GAZETA DO POVO. Estádios da Copa das Confederações são entregues encarecidos e com<br />

problemas. Disponível em: . Acesso em: 22 mai. 2013.<br />

GOMES, Regina Souza. O sincretismo no jornal. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de; TEIXEIRA,<br />

Lúcia (Orgs.). Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética.<br />

São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.<br />

GLOBO ESPORTE. Maracanã reabre com luz, emoção e pequenos problemas estruturais.<br />

28/4/2013. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2013.<br />

GUIMARÃES, Luciano. O repertório dinâmico das cores na mídia. XV Encontro da Compós.<br />

Bauru/SP: Unesp, 2006.<br />

HERNANDES, Nilton. A revista Veja e o discurso do emprego na globalização. Disserta-<br />

229


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ção de Mestrado. São Paulo: PPGL-FFLCH/USP, 2001.<br />

LANDOWSKI, E. Les interactions risquées. Nouveaux Actes Sémiotiques, n° 101-103, Limoges:<br />

Pulim, 2005.<br />

MSN ESPORTES. Moderno, mas ainda inacabado, novo Maracanã esconde problemas em<br />

reabertura às pressas. 28/4/2013. Disponível em: .<br />

Acesso em: 12 mai. 2013.<br />

OLIVEIRA, Ana C. M. A. Visualidade, entre significação sensível e inteligível. Revista Educação<br />

e Realidade, v. 30, n. 2. Porto Alegre: jul-dez 2005, p.107-122. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 10 out. 2012.<br />

PIETROFORTE, Antonio V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto,<br />

2004.<br />

PORTAL 2014. Estádios da Copa 2014 têm mais de 50% das obras prontas, diz ministro.<br />

11/4/2013. Disponível em:< http://www.portal2014.org.br/noticias/11585/ESTADIOS+-<br />

DA+ COPA+2014+TEM+MAIS+DE+50+DAS+OBRAS+PRONTAS+DIZ+MINISTRO.<br />

html>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />

PRADOS, Rosália M. N. Linguagens na contemporaneidade e diferentes leituras: abordagem<br />

sociossemiótica. Disponível em: , S/D. Acesso em: 10 de out. de 2012.<br />

SILVA, Simone B. Regimes de sentido e interação na construção do corpo na mídia se-<br />

230


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

manal. São Paulo: Estudos Semióticos-USP, v.7, n 1, jun 2011.<br />

SILVA, Simone B. Sincretismo e efeitos de sentido na construção do sujeito na mídia impressa:<br />

análise da capa da revista ÉPOCA. Patos de Minas: Revista Alpha, ago. 2010.<br />

TEIXEIRA, Lúcia. Para uma metodologia de análise de textos verbovisuais. In: OLIVEIRA,<br />

Ana Claudia de; TEIXEIRA, Lúcia (Orgs.). Linguagens na comunicação: São Paulo: Estação<br />

das Letras e Cores, 2009.<br />

TERRA. Em visita, Fifa e Col tentam corrigir problemas do Mineirão. 12/3/2013. Disponível<br />

em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-das-confederacoes/em-visita-fifa-e-<br />

-col-tentam-corrigir-problemas-do-mineirao,dc88616be2f5d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html.<br />

Acesso em: 12 de maio de 2013.<br />

UOL. Governador da Bahia minimiza problemas na Fonte Nova e critica Engenhão. 7/4/2013.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso<br />

em: 12 mai. 2013.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

231


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA:<br />

CIBERATIVISMO E LUTA ATRAVÉS DA REDE<br />

Lucas Milhomens Fonseca 1<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Resumo<br />

O presente trabalho visa analisar um fenômeno relativamente recente na maior porção<br />

de terra do Brasil: o ciberativismo praticado na Amazônia. Ou seja, como se deu/<br />

da a apropriação e uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTI-<br />

Cs) - também chamadas de mídias digitais -, por moradores/entidades/movimentos<br />

sociais desta continental, complexa e vasta área. Para tanto delimitamos nosso estudo<br />

em análise qualitativa de exemplos que consideramos importantes expressões de<br />

militância (seja ela política, social, educacional, cultural ou ecológica) feita através da<br />

rede mundial de computadores. Verificamos que o ciberativismo na Amazônia, como<br />

todo ato de militância, é resultado de uma insatisfação ou necessidade de expressão<br />

individual ou coletiva, com o intuito de dar visibilidade de algum tipo de causa. É o<br />

que Castells (2001) chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização social<br />

plasmada por interesses comuns, muitas vezes relacionados a tradições culturais<br />

e/ou étnicas e que por sua vez promovem resistência à dominação do Establishment<br />

e de sua visão democrática tradicional.<br />

Palavras-Chave: Movimentos Sociais. Amazônia. Ciberativismo.<br />

1 Professor Assistente e Coordenador do Curso de Comunicação (Jornalismo) da Universidade Federal do Amazonas<br />

- UFAM. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.<br />

Endereço eletrônico: milhomenslucas@yahoo.com.br<br />

232


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Introdução<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Morar na Amazônia há quase três anos nos dá algumas oportunidades e<br />

uma perspectiva singular. ‘Oportunidades’ porque atuando no meio acadêmico<br />

podemos analisar questões que em outros espaços (geográficos e políticos)<br />

seriam consideravelmente difíceis. E uma ‘perspectiva singular’ porque<br />

a partir deste ponto de vista – ao qual nos encontramos e nos propomos<br />

a estudar – podemos observar fenômenos específicos da Região, muitos<br />

deles desafiadores do ponto de vista conceitual, prático e exequível. Conceitual<br />

porque a escassez de conteúdo produzido sobre as mídias digitais<br />

na Amazônia e sua utilização aponta um longo caminho analítico a percorrer;<br />

prático porque tal fenômeno, a partir de nossos apontamentos, acaba<br />

materializando-se em ações e exemplos concretos que carecem de ampla<br />

aferição; e exequível porque pesquisar na Amazônia é tarefa homérica, haja<br />

vista sua singularidade sociocultural, dimensões continentais e contradições<br />

políticas, técnicas e econômicas.<br />

Dito isto, a presente pesquisa visa abordar um fenômeno contemporâneo<br />

intrinsecamente ligado ao que Castells (1999) chama de “Sociedade da Informação”,<br />

configurado no bojo da utilização das Tecnologias de Informação e<br />

Comunicação (TICs) para a prática social, econômica, cultural e política das<br />

sociedades do início do século XXI. Nosso objetivo geral com esse artigo é<br />

233


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

apontar tal fenômeno caracterizado como ciberativismo. O ativismo/militância<br />

feita através da internet e de seus recursos comunicacionais e de articulação<br />

disponíveis. Na sequência, nosso objetivo específico foi apresentar a prática<br />

ciberativista na Amazônia. Enumerando alguns de seus atores e exemplos que<br />

consideramos neste momento mais expressivos. Metodologicamente fizemos<br />

uma revisão bibliográfica do arcabouço teórico produzido sobre o ativismo<br />

digital e posteriormente uma breve apresentação conceitual sobre o que é<br />

Amazônia e sua diversidade. Foram realizadas entrevistas para a obtenção<br />

de informações sobre a prática do ciberativismo as quais foram analisadas a<br />

partir das referências já mencionadas. Cabe-nos dizer ainda que este artigo<br />

não é uma reflexão acabada, pronta e engessada. Mas o primeiro passo feito<br />

por nós para uma compreensão da temática abordada. Reconhecemos, desse<br />

modo, suas limitações iniciais e trabalharemos no intuito de superá-las.<br />

Amazônia, um continente de recursos naturais e humanos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A Amazônia brasileira é uma Região que cobre cerca de 50% do território<br />

nacional, com aproximadamente 5.217.423 km², percorre nove estados<br />

brasileiros, em sua maioria localizados na Região Norte do Brasil, tendo em<br />

menor proporção trechos no Nordeste e Centro-Oeste. Também é conheci-<br />

234


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

da como Amazônia Legal 2 dentro do País. É apontada por inúmeros especialistas<br />

de várias áreas do conhecimento científico como a floresta tropical<br />

úmida onde se encontra a maior fonte de biodiversidade (fauna, flora, águas<br />

e minerais) do planeta Terra. Um gigantesco e complexo ecossistema 3 , por<br />

consequência uma das regiões mais importantes do mundo no que se refere<br />

a seus recursos naturais e singularidades etnico-culturais. É neste espaço<br />

geográfico que se encontra a maior quantidade de vegetação, água doce,<br />

minérios e seres vivos por metro quadrado, diz-se que uma em cada dez espécies<br />

conhecidas no planeta pertence à Amazônia 4 .<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

2 O termo “Amazônia Legal” foi definido a partir da criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia<br />

(Sudam), em 1966.<br />

3 Conjunto das relações de interdependência, reguladas por condições físicas, químicas e biológicas, que os seres<br />

vivos estabelecem entre si e também com o meio ambiente em que habitam. Disponível em: . Acesso em 08 de agosto de 2012.<br />

4 Disponível em: . Acesso em: 08 de agosto de 2012.<br />

235


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 01 – Amazônia Legal<br />

Fonte: <br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É também nesta Região que está localizado o maior rio do mundo, o Rio<br />

Amazonas. Um “Rio-mar” que nasce na Cordilheira dos Andes e deságua no<br />

Oceano Atlântico entre os estados do Amapá e Pará – neste último atravessando<br />

o arquipélago do Marajó para desaguar no mar –, formado por uma<br />

bacia hidrográfica de aproximadamente 7 milhões de metros quadrados e<br />

com mais de 6.600 km de extensão, são centenas de rios menores, riachos,<br />

lagoas, igarapés 5 etc. A ênfase dada neste momento ao “Grande Rio” está di-<br />

5 “Igara”, significa “canoa”; “pé”, significa “caminho”. Portanto, Igarapé significa “caminho da canoa” ou seja, um pe-<br />

236


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

retamente relacionada ao modo de vida das populações da Amazônia, simbioticamente<br />

conectada ao rio. É o que o autor regionalista Leandro Tocantins<br />

(2001) denomina em sua clássica obra o “Rio que Comanda a Vida”:<br />

O rio unido ao homem, em associação quase mística, o que pode comportar<br />

a transposição da máxima de Heródoto para os condados amazônicos,<br />

onde a vida chega a ser, até certo ponto, uma dádiva do rio, e a água uma<br />

espécie de fiador dos destinos humanos. Veias do sangue da planície, caminho<br />

natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinante<br />

das temperaturas e dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louvados,<br />

amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso, pois sem ele o<br />

vale se estiolaria no vazio inexpressivo dos desertos. Esses oásis fabulosos<br />

tornaram possível a conquista da terra e asseguraram a presença humana,<br />

embelezaram a paisagem, fazem girar a civilização - comandam a vida no<br />

anfiteatro amazônico. (TOCANTINS, 2001, p.278)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os rios na Amazônia são as “estradas aquáticas” que transportam as riquezas<br />

da Região. Riquezas estas que perpassam a geografia física e humana<br />

da floresta e seus moradores. São nos leitos desses rios que escorrem em<br />

embarcações pequenas, grandes, precárias, antigas ou modernas as histórias<br />

de luta de vários povos. Dos politizados indígenas do Alto Rio Negro na<br />

queno rio, um riacho por onde passa somente canoas. Disponível em: .<br />

Acesso em: 08 de ago. de 2012.<br />

237


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Cabeça do Cachorro 6 , navegando pela imensidão do caudaloso e barrento<br />

Rio Madeira ao Sul do Amazonas, passando, mais ao Centro-Oeste, pelas inigualáveis<br />

paisagens do Rio Tocantins e Araguaia até chegar as belas praias<br />

de águas verdes do Rio Tapajós que, em contato com o gigantismo cor de<br />

terra do Rio Amazonas ajuda-o a precipitar, ao final de seu curso e em sua<br />

foz, a erupção doce oceânica chamada de Pororoca 7 .<br />

Povos da floresta<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Como mencionamos anteriormente não é possível dizer que a Amazônia<br />

é um espaço sociocultural homogêneo. Sua diversidade ambiental acaba, de<br />

certo modo, encobrindo a grande pluralidade de seus moradores. Diversidade<br />

esta expressa nas centenas de etnias indígenas (e milenares) distribuídas<br />

ao longo de seu território, na presença de brasileiros de outras regiões que<br />

imigraram para o imenso tapete verde em busca de melhores condições de<br />

vida e subsistência, com especial deferência aos nordestinos, principalmente<br />

os nascidos no estado do Ceará 8 , na formação sociocultural do personagem<br />

6 Região ao Norte do Estado do Amazonas que tem um formato geográfico da cabeça de um cachorro, por isso seu<br />

nome.<br />

7 Pororoca é o fenômeno provocado na foz do Rio Amazonas quando o mesmo se encontra com o Oceano Atlântico.<br />

8 A presença dos os cearenses na formação sociocultural da Amazônia é destacada por sua numerosa e importante<br />

contribuição nos processos migratórios gerados a partir dos dois grandes ciclos de produção da borracha na Região.<br />

238


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

conhecido na região como “caboclo” - a mistura primeira do branco com<br />

o índio e que hoje é encontrado nas faces anônimos das populações das<br />

grandes e pequenas cidades –, e, ao longo do século XX, uma considerável<br />

presença de outras nacionalidades como japoneses, árabes e judeus. É importante<br />

ressaltar que este processo de colonização foi provocado, como<br />

explica Freitas (2009) por inúmeros projetos estatais e privados aplicados ao<br />

longo do último século na Amazônia. Estes, para o bem e para o mal, moldaram<br />

a formação humana e econômica da Região.<br />

As populações contemporâneas da Amazônia são compostas de grupos<br />

sociais urbanos e rurais heterogêneos do ponto de vista da situação econômica;<br />

de sociedades e comunidades indígenas de distintos e diversos<br />

modos de adaptação e articulação histórico-cultural; de grupos isolados<br />

remanescentes de fricção interétnicas e de arranjos próprios de sobrevivência<br />

com a sociedade nacional; e, ainda, de grupos e contingentes populacionais<br />

deslocados para a região por mecanismos governamentais ou<br />

promovidas por fluxos de exploração econômica ou reajustes institucionais<br />

na Amazônia (FREITAS, 2009, p.23-24)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Um exemplo de projeto governamental mal sucedido foi o Plano de Integração<br />

Nacional (PIN) 9 gestado pelo Governo Militar nos anos 70 do sécu-<br />

9 Disponível em: . Acesso em 10 de<br />

agosto de 2012.<br />

239


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

lo passado para levar “homens sem terra para uma terra sem homens” 10 na<br />

Amazônia brasileira. O referido plano além de incentivar um nacionalismo de<br />

cunho ufanista, popularizou a rodovia Transamazônica, pensada como forma<br />

de integrar a região longínqua das florestas com o restante do Brasil e que ao<br />

longo de sua construção mostrou-se inviável não somente pelas dificuldades<br />

infraestruturais para sua conclusão mas, sobretudo, porque a mesma além de<br />

ser construída no meio da floresta (portanto, derrubando milhares de quilômetros<br />

de vegetação primária) tinha previsão de passagem em quase 30 comunidades<br />

indígenas, muitas delas com pouquíssimo (ou nenhum) contato<br />

com o homem branco. Um desenvolvimentismo militar que gerou como herança<br />

para os dias atuais, várias cidades da Região com grandes comunidades<br />

de imigrantes do Sul do País, principalmente do Paraná e Rio Grande de Sul,<br />

populações estas incentivadas à época a deixarem seu estado para “povoar a<br />

Amazônia” e, findo o plano governamental, assentarem raízes na nova terra.<br />

Como podemos verificar são vários os “povos da floresta”, de origens<br />

e culturas diversas. No decorrer de nossa pesquisa fizemos a seguinte indagação<br />

teórica para posteriores reflexões: é possível que moradores de<br />

grandes metrópoles localizadas na Amazônia possam ser considerados<br />

‘povos da floresta’ A pergunta dá-se ao fato de que somente as duas capitais<br />

mais populosas da região (Manaus e Belém) possuem, juntas, quase<br />

10 Slogan do Plano de Integração Nacional que visava incentivar o povoamento da Amazônia.<br />

240


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

4 milhões de habitantes 11 . Pensando geográfica e logicamente, após a floresta<br />

de concreto há, sem dúvida, a vegetação amazônica, e no caso das<br />

duas cidades citadas, as características da região perpassam e delimitam<br />

toda a lógica estrutural da cidade.<br />

É a gastronomia riquíssima e suas especiarias alquímicas presentes nas<br />

inúmeras feiras de produtores e em redes de supermercados conhecidos<br />

nacional e internacionalmente, a estrutura física da hidrografia representada<br />

pelos pequenos rios, cachoeiras e igarapés que definem aonde foi ou será<br />

construído o conjunto de prédios, ruas e/ou a avenidas, o bosque e a vegetação<br />

que fazem parte da paisagem habitual do transeunte, os rios gigantes<br />

que margeiam e escoam a economia e a cultura da cidade e, claro, a fauna<br />

que volta e meia entra em contato com o cidadão e a urbanidade da metrópole,<br />

muitas vezes de maneira abrupta 12 . Mas somente estes aspectos não<br />

são suficientes para classificar um povo como o “da floresta”. Avaliamos que<br />

para que esse conceito seja melhor explicado é necessária uma relação dos<br />

moradores das grandes cidades da Amazônia (de pelo menos parte deste<br />

contingente) com os aspectos culturais, sociais e políticos da região. Para<br />

tanto uma das primeiras personalidades a usar a expressão ‘Povos da Floresta’<br />

foi o líder político Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988<br />

11 Disponível em: . Acesso em 10 de agosto de 20012.<br />

12 Referimo-nos neste caso as centenas de milhares de animais silvestres que acabam entrando em contato com a cidade.<br />

241


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

por lutar pelo direito dos seringueiros extrativistas contra os interesses de<br />

fazendeiros/latifundiários na cidade de Xapuri, estado do Acre.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Quando liderou o Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, a luta dos<br />

seringueiros começou a ganhar repercussão nacional e internacional. Sua<br />

proposta de “União dos Povos da Floresta”, apresentada na ocasião, pretendia<br />

unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica.<br />

Seu projeto incluía a criação de reservas extrativistas para preservar as<br />

áreas indígenas e a floresta, e a garantia de reforma agrária para beneficiar<br />

os seringueiros. Transformado em símbolo da luta para defender a Amazônia<br />

e os povos da floresta, Chico Mendes recebeu a visita de membros da<br />

Unep (órgão do meio ambiente ligado à “ Organização das Nações Unidas”),<br />

em Xapuri, em 1987. Lá, os inspetores viram a devastação da floresta<br />

e a expulsão dos seringueiros, tudo feito com dinheiro de projetos financiados<br />

por bancos internacionais. Logo em seguida, o ambientalista e líder<br />

sindical foi convidado a fazer essas denúncias no Congresso norte-americano.<br />

O resultado dessa viagem a Washington foi imediato: em um mês,<br />

os financiamentos aos projetos de destruição da floresta foram suspensos.<br />

Chico foi acusado na imprensa por fazendeiros e políticos de prejudicar o<br />

“progresso do Estado do Acre” [...] (Portal UOL. Disponível em: ).<br />

Hoje Chico Mendes inspira vários ativistas da floresta (e fora dela), sua luta<br />

é um símbolo de resistência e compromisso social com as populações tradicio-<br />

242


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

nais e indígenas. Luta essa que se materializa nas centenas de movimentos sociais<br />

que atuam na Amazônia no sentido de transformá-la em um espaço mais<br />

democrático, dando voz e visibilidade a essas populações, outrora e hoje ainda<br />

marginalizadas, que permanecem resistindo e lutando por seus direitos. Foi a<br />

voz dele uma das primeiras a ecoarem falando da necessidade de se trabalhar<br />

no seio da floresta, ao mesmo tempo usufruindo de suas benesses e preservando<br />

seus recursos naturais, protagonizando uma postura de resistência ao que<br />

Paula e Silva (2008) chamam de luta contra o avanço capitalista na Amazônia.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O conjunto de políticas implementadas pela ditadura militar no sentido de<br />

“integrar” a Amazônia ao “desenvolvimento” do pais, mormente aquelas<br />

voltadas para implementação de grandes projetos na área de mineração<br />

e siderurgia, pecuária extensiva de corte, exploração florestal madeireira e<br />

toda implantação de infraestrutura a eles associados, como energia, transporte<br />

e comunicação, produziu, em pouco mais de uma década, impactos<br />

brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral. Na<br />

esteira dessa marcha destrutiva rumo a Amazônia, vão se reconfigurando<br />

as inúmeras formas de resistência que marcam a trajetória das populações<br />

dessa região desde a chegada do colonizador europeu em fins do século<br />

XVI. Diante de uma monumental escala de intervenção territorial que atinge<br />

simultaneamente populações indígenas e camponesas diversas, estas<br />

passam a buscar formas de enfrentamento correspondentes as necessidades<br />

de sobrevivência. A percepção endógena dessa situação acaba se confluindo,<br />

ainda que provisoriamente, com os influxos externos de diferentes<br />

243


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

sujeitos e atores sociais que passam a se fazer presentes para “organizar” as<br />

diferentes lutas de resistência (PAULA; SILVA, 2008, p. 4).<br />

Estes mesmos autores afirmam que a presença de vários movimentos sociais<br />

na região e a do próprio Chico Mendes foi gestada por uma série de<br />

iniciativas governamentais que ao invés de melhorar a qualidade de vida dos<br />

moradores da região, sufocava e oprimia, fazendo com que os mesmos procurassem<br />

formas de resistir e lutar por seus direitos.<br />

Da cabanagem ao digital – Os desafios estruturais do ciberativismo na amazônia<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A Amazônia como já refletimos anteriormente é terra de imensas riquezas<br />

naturais e diversidade humana e cultural. A região, deixada de lado pelas<br />

autoridades nacionais durante séculos foi palco de inúmeros episódios que<br />

marcaram a história brasileira. Um desses “episódios” históricos ficou conhecido<br />

como “Cabanagem”, termo singular e ainda condizente com a realidade<br />

muitas vezes antagônica vivida pelos povos da floresta. A expressão que faz<br />

alusão as cabanas, palhoças ou moradias precárias das populações pobres da<br />

antiga Província do Grão-Pará 13 , diz respeito a uma das revoltas populares mais<br />

importantes do Brasil, liderada por mestiços, negros e indígenas nos idos de<br />

13 A Província do Grão-Pará foi a maior unidade das antigas regiões do Brasil Império. Compreendia à época quase<br />

a totalidade da Amazônia brasileira, passando pelos estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Acre.<br />

244


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

1835. Os quais governaram por pelos menos 10 meses (em oposição a opressão<br />

do Império Brasileiro) a referida Província, colocando como protagonistas<br />

revolucionários os párias da Amazônia exótica e esquecida pelas autoridades<br />

da época. Para Ricci (2006) a Cabanagem foi uma revolta política e social que<br />

reverberou em todo o País, fazendo com que as autoridades imperiais tomassem<br />

as medidas necessárias (e violentas) para conter a revolta que desafiava<br />

o status quo e toda a relação de poder exercida pelo Império Brasileiro para<br />

com os seus subordinados, deixando sua herança para a antologia dos povos<br />

oprimidos que de alguma maneira ousam resistir e lutar.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os cabanos e suas lideranças vislumbravam outras perspectivas políticas e<br />

sociais [...] Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identidade<br />

comum entre povos de etnias e culturas diferentes. Indígenas, negros<br />

de origem africana e mestiços perceberam lutas e problemas em comum.<br />

Esta identidade se assentava no ódio ao mandonismo branco e português e<br />

na luta por direitos e liberdades […] Caio Prado Júnior, de maneira precursora,<br />

atribuía aos cabanos da Amazônia do século XIX a prerrogativa de terem<br />

sido os únicos revolucionários populares e partidários de ideais libertários<br />

que conseguiram tomar o poder […] Os cabanos tornaram-se exemplos de<br />

rebeldes primitivos. (RICCI, 2006, p.8-9).<br />

Fazendo alusão direta ao movimento cabano revolucionário e transplantando-o<br />

para os dias de hoje, o objeto central desta pesquisa (ainda em sua<br />

245


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

fase inicial) é compreender, como alguns movimentos sociais, pessoas e organizações<br />

na Amazônia praticam a militância digital ou o ciberativismo, apresentando<br />

suas peculiaridades e desafios. Para tanto o conceito de ciberativismo<br />

deve ser revisitado e exposto, caracterizando-se, como aponta Milhomens<br />

(2009) na utilização de tecnologias digitais ou de informação e comunicação<br />

(TICs) para a mobilização e enfrentamento político, social e/ou cultural.<br />

O ciberativismo surgiu após a popularização da Internet através da Web, no<br />

início dos anos 90 do século XX […] A rapidez, articulação e velocidade que<br />

as informações levam para chegar a todo o planeta despertou a atenção e<br />

interesse de inúmeros setores da sociedade, incluindo aí os militantes dos<br />

vários campos de atuação. Estes mesmos setores começaram a fazer uso<br />

dessa nova tecnologia comunicacional e, enfim, criaram o termo ciberativismo.<br />

Ou seja, a militância exercida através das tecnologias digitais e da<br />

Internet, presentes no mundo ciberespacial (MILHOMENS, 2009, p. 65)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Quando falamos em militância digital na Amazônia o contexto político<br />

e infraestrutural não pode ser igualado ao de outras localidades brasileiras.<br />

Referimo-nos, antes de qualquer exemplo de atuação militante, as tardias e<br />

ineficientes políticas de inclusão digital para a Região. Oferecidas (ou não)<br />

pelo Estado e pelas empresas privadas de telecomunicações. É um raciocínio<br />

simples e sintomático que diz respeito não só aos ativistas amazônicos, mas<br />

246


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

a todos os que precisam utilizar os serviços da rede mundial de computadores<br />

(ou seja, a maioria da população): a “banda larga” 14 ainda não chegou de<br />

fato para a maioria da Amazônia.<br />

Sabemos que para a utilização das TICs e de uma navegação que possa ser<br />

considerada eficiente (fazer downloads, uploads, assistir vídeos online, compartilhar<br />

arquivos etc.) é necessário que a mesma seja em alta velocidade. E<br />

para que se tenha essa velocidade de conexão “rápida” é necessário uma infraestrutura<br />

telecomunicacional considerável. Historicamente o Norte do país é a<br />

região que menos possui cobertura de telecomunicações, leia-se serviços de<br />

telefonia fixa, celular, fibra óptica e acesso a internet. A deficiência deve-se ao<br />

fato da ideia de alto custo tecnológico de investimentos para a consolidação<br />

do setor na região. Argumento este apresentado, sobretudo, pelas empresas<br />

privadas de telecomunicações que atuam na Amazônia com a autorização do<br />

Governo Federal e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).<br />

Estudos recentes mostram que o público interessado no acesso à internet<br />

na Amazônia é cada vez maior, seja ele através de conexão gratuita (via<br />

projetos públicos de inclusão digital) ou de pacotes pagos de serviços via<br />

empresas privadas. Segundo Santanna (2010) em artigo publicado no rela-<br />

14 A terminologia pode ter várias interpretações, adotamos a que diz que é a conexão à internet que possui velocidade<br />

superior à de 56 kbps (kilo/mil bit’s por segundo). Disponível em: . Acesso em: 14 de agosto de 2012.<br />

247


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

tório do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIBR) 15 , com a ascensão e o<br />

aumento do poder aquisitivo da população considerada de “Classe C”, a demanda<br />

por conexão aumentou, mas a oferta da ampliação e popularização<br />

da banda larga, não. Fazendo com que a penetração da internet seja a pior<br />

do Brasil com apenas 8% de abrangência em relação a seus moradores.<br />

O mercado ignorou a entrada de cerca de 30 milhões de pessoas na Classe<br />

C, o que ampliou ainda mais a demanda por conexão e expôs a dificuldade<br />

das atuais operadoras em inovar seu modelo de negócios […] Nos estados da<br />

região Norte, a situação é ainda pior: a penetração cai para 8%. O percentual<br />

de conectividade de estados como Amapá, Pará e Roraima corresponde a<br />

4,18%, 5,99% e 5,28%, respectivamente (SANTANNA, 2010, p.57-58).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tendo em vista a parca presença de políticas públicas do setor (não só<br />

no Norte, mas em todo o país), o Governo Federal lançou em 2010 o Plano<br />

Nacional de Banda Larga (PNBL) 16 , visando levar internet de alta velocidade<br />

a 40 milhões de domicílios em todo o Brasil até 2014. Tal medida, colocada<br />

em prática e efetivada, seria a solução para os problemas infraestruturais relacionados<br />

as telecomunicações na Amazônia.<br />

Ao analisar o PNBL e verificar seu cronograma de ações, verificamos que o<br />

15 Disponível em: . Acesso em 14 de agosto de 2012.<br />

16 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />

248


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

mesmo dificilmente conseguirá cumprir sua meta de universalizar a internet no<br />

Brasil até 2014. Avaliamos que ela é inverossímil se comparada com a realidade<br />

e execução do PNBL atualmente. Por conta da insegurança e possibilidade<br />

do não cumprimento do referido Plano, tendo em vista a necessidade cada vez<br />

maior da utilização dos recursos advindos de um sistema de telecomunicações<br />

eficiente na região, vários setores (da sociedade civil e institucionais) se manifestaram<br />

incomodados com a situação da internet na região Norte e Amazônia.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A desigualdade do acesso à internet entre as regiões brasileiras, especialmente<br />

quando se compara a Região Norte com as demais, levou a senadora<br />

Ângela Portela (PT-RR) a solicitar a realização de uma audiência pública na<br />

manhã desta quarta-feira (21/03/12) na Comissão de Ciência e Tecnologia<br />

(CCT). Segundo a parlamentar, a região Amazônia vive hoje uma situação de<br />

“pura exclusão digital” [...] O secretário executivo do Ministério das Comunicações,<br />

Cezar Alvarez, admitiu que a região amazônica tinha ficado de fora<br />

do projeto inicial do PNBL, mas a pressão da sociedade provocou mudanças<br />

na plataforma [...] A senadora disse que reconhecia o esforço do Ministério<br />

em tentar levar internet para região, mas cobrou a criação de mecanismos<br />

que obriguem as operadoras a cumprir metas mais audaciosas [..] o maior<br />

entrave na efetivação do PNBL no Norte é a falta de infraestrutura. A mesma<br />

ideia foi compartilhada pelo presidente da Telebras, Caio Bonilha, que ressaltou<br />

a dificuldade de adequar os preços das obras empreendidas nos lugares<br />

mais longevos da região amazônica (PTNOSENADO, 2012).<br />

249


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Só na segunda metade dos anos 2000 é que podemos enumerar as primeiras<br />

iniciativas de utilização da banda larga (que diga-se de passagem,<br />

com velocidade consideravelmente inferior ao restante do Brasil) na Amazônia.<br />

De acordo com dados do IBGE, até 2008 somente 20% da população da<br />

Região Norte tinha internet banda larga. Isso traz consequências para todo<br />

o tipo de inserção em redes sociais, sites, blogs etc., principalmente no que<br />

diz respeito à frequência de participação das pessoas dentro dessas redes.<br />

Segundo Malini (2009) essa conjuntura interferiu diretamente na relação dos<br />

moradores da região Norte com a produção e desenvolvimento de conteúdo<br />

na rede mundial de computadores.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

No que se refere aos blogs, a periodicidade dos posts depende diretamente<br />

da possibilidade de acesso das pessoas à internet […] A utilização do blog<br />

como instrumento de comunicação é recente na região norte do país, cerca<br />

de 87(%) dos blogs pesquisados datam sua primeira postagem do período<br />

de 2007 a 2009. Esses dados são indicadores de características típicas dessa<br />

região, como o atraso tecnológico em relação às demais regiões brasileiras,<br />

a deficiência em infraestrutura e a falta de investimentos em políticas públicas,<br />

principalmente as voltadas para a inclusão digital. Como resultado de<br />

tal problemática temos a aquisição tardia do uso do blog como dispositivo<br />

de comunicação nessa região e o acesso limitado a pequenos grupos sociais<br />

[…] o Amapá apresenta aspectos que apontam claramente as deficiências<br />

existentes nesta região. Em suas principais cidades, Macapá e Santana,<br />

250


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

o serviço de internet carece de recursos tecnológicos mais avançados, a<br />

utilização da banda larga é recente, sendo o estado uma das últimas localidades<br />

no país a dispor desse serviço. Como forma de crítica a essa situação,<br />

alguns blogueiros fazem uso dos termos “cipónet” e “intermerda” quando<br />

se referem ao nível dos provedores de internet existentes na região (MAR-<br />

TINS; POMPERMAIER; LOYOLA; MARTINUZZO; MALINI, 2009, p.6-7-10).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tal anacronismo inviabilizou/inviabiliza grande parte da participação<br />

mais efetiva da sociedade amazônica junto as novas mídias digitais e, por<br />

conseguinte, na militância exercida através do ciberespaço. Os atores que<br />

mencionaremos ao longo deste trabalho, por exemplo, começaram sua militância<br />

digital no final da primeira década dos anos 2000. Ou seja, cronologia<br />

condizente com os problemas infraestruturais já apontados. Paradoxalmente<br />

apesar dos problemas mencionados e da ausência de políticas públicas<br />

para se ampliar e utilizar a rede mundial de computadores, os movimentos<br />

sociais ou ativistas da Amazônia que fazem uso das TICs para defender suas<br />

causas vêm crescendo. Verificamos que as lutas travadas pelo ciberativismo<br />

praticado na região ou, como afirma Moraes (2007, p.01) “trata-se de conceber<br />

a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia,<br />

de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança<br />

cultural ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras”.<br />

Todo ato de ativismo social/digital é resultado de uma insatisfação ou<br />

251


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

necessidade de expressão individual ou coletiva, com o intuito de dar visibilidade<br />

a uma “causa”, que pode ser desde uma crítica relacionada a um<br />

caso de corrupção, denúncia ambiental, expressão étnica ou sociocultural.<br />

Em uma época que o discurso político-institucional – seja ele nacional ou<br />

internacional – aponta diretrizes sobre a Amazônia e como os povos desta<br />

região devem viver, vozes endógenas, oriundas da floresta têm outros<br />

pontos de vista. Pontos de vista esses que vão desde a luta pela preservação<br />

do meio ambiente e seus recursos naturais, passando pela defesa e<br />

resistência dos indígenas e povos tradicionais que lutam para sobreviver<br />

sem a perca de seus valores e culturas, dos direitos humanos em todos os<br />

seus níveis (do direito a vida, alimentação, saúde, educação etc.), contra<br />

a corrupção política, pela luta contra as corporações e governos e seus<br />

“grandes projetos” para a Amazônia e até mesmo pela implantação de uma<br />

política de cultura e softwares livres em contrapartida as grandes empresas<br />

de tecnologia e sua padronização comercial.<br />

Ponderamos que um dos motivos principais que movem esses diferentes<br />

atores e coletivos militantes está relacionado, também, ao que Castells (1999)<br />

chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização social moderna<br />

plasmada por interesses comuns, segmentados, muitas vezes relacionados<br />

a tradições identitária, culturais e/ou étnicas e que por sua vez promovem<br />

resistência à dominação do Establishment ou, também, de fortalecimento e<br />

252


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

radicalização do mesmo. Podemos afirmar que a atuação ciberativista na<br />

Amazônia está promovendo um novo tipo de integração e exposição na e<br />

da região. Onde temas outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional<br />

podem ser publicizados através dos novos meios digitais de comunicação e<br />

seus atores, em uma perspectiva identitária, ao mesmo tempo local e global,<br />

mas, sobretudo, articuladora. É o que veremos no tópico seguinte.<br />

A construção da identidade no ciberativismo dos povos da floresta<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Um dos fenômenos recentes ao término do século XX e começo de século<br />

XXI, a partir da exposição de (novas) bandeiras de antigos e recentes<br />

atores (re)significados por uma perspectiva de empoderamento cultural/<br />

midiático está relacionado ao que Castells (1999) chama de “Identidade”.<br />

No segundo volume da trilogia “A Era da Informação” 17 o sociólogo aborda<br />

com riqueza de detalhes, exemplos e reflexões a exata importância da questão<br />

da identidade para o fortalecimento e visibilidade de uma determinada<br />

cultura/povo/etnia/comunidade/movimento social. Uma visibilidade não<br />

compreendida se analisada apenas por si mesma, pelo mero princípio de<br />

uma “factualidade”, ou seja, para ser pauta e aparecer midiaticamente. O<br />

fenômeno ao qual se refere Castells (1999, p.22) e já abordado por outros<br />

17 Conjunto das obras A Sociedade em Rede, O Poder da Identidade e O Fim do Milênio.<br />

253


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

intelectuais trata de um “processo de construção de significado com base<br />

em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-<br />

-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado”.<br />

Tal reflexão remete-nos ao apontamento de que a construção e fortalecimento<br />

das identidades coletivas é matéria-prima para uma posterior visibilidade<br />

e exaltação dessas identidades, cultivando seus valores em uma sociedade<br />

heterogênea e segmentada. Por exemplo, a medida que uma etnia indígena<br />

como os Tukano 18 do Alto Rio Negro criam associações organizativas para<br />

discutir cultural e politicamente suas diretrizes e comercializar seus produtos<br />

artesanais, fazendo uso das novas tecnologias digitais (como sites e blogs)<br />

para divulgar suas ações e, também, suas pautas reivindicativas, temos aí um<br />

importante elemento de fortalecimento identitário. Uma (re) significação de<br />

seus valores no sentido de fortalecê-los em uma decodificação alinhada ao<br />

que o já mencionado Castells (Idem) chama de Sociedade em Rede.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Identidades, por sua vez, constituem fontes de significados para os próprios<br />

atores, por eles originadas, e construídas por meio de um processo de individualização<br />

[…] Contudo, identidades são fontes mais importantes de significado<br />

do que papéis, por causa do processo de autoconstrução e individualização<br />

[..]A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida<br />

pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela<br />

18 Os Tukano são uma das etnias indígenas mais importantes da região conhecida como Alto Rio Negro, no estado<br />

do Amazonas.<br />

254


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações<br />

de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos<br />

indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em<br />

função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura<br />

social, bem como em sua visão de tempo/espaço (CASTELLS, 1999, p.23).<br />

Neste contexto apontamos que o ciberativismo praticado pelos povos<br />

da floresta ou da Amazônia têm como importante elemento o resgate (ou<br />

ações de resistência) de seus valores culturais e/ou políticos. Essas ações<br />

constituem-se e materializam-se no conceito ao qual Castells (1999, p.24)<br />

faz referência como “Identidade de Resistência”. Qual seja a forma e os mecanismos<br />

pelos quais os atores que de alguma forma estão oprimidos ou<br />

desvalorizados encontram para redefinir sua posição na sociedade. Para o<br />

autor a identidade de resistência refere-se aquela,<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas<br />

e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras<br />

de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes<br />

dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes<br />

últimos […] É provável que seja esse o tipo mais importante de construção<br />

de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de resistência<br />

coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável, em<br />

geral com base em identidades que, aparentemente, foram definidas com<br />

255


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

clareza pela história, geografia ou biologia, facilitando assim a “essencialização”<br />

dos limites da resistência (CASTELLS, 1999, p.24-25).<br />

Um exemplo da argumentação anterior é a Rede Povos da Floresta. Um<br />

movimento social originário do estado do Acre que reúne comunidades tradicionais<br />

e indígenas, articulando-as em prol da preservação de suas culturas,<br />

do meio ambiente e de seus territórios. Promovendo a mobilização e<br />

divulgação de suas ações com a ajuda das TICs e da rede mundial de computadores,<br />

fundamental para a propagação de seus ideais.<br />

Figura 02 – Rede Povos da Floresta<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: <br />

256


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Esta rede, uma das primeiras a se organizarem na região amazônica em<br />

prol de interesses comuns relacionados a suas tradições e cultura se inspiraram<br />

no processo organizativo pensado inicialmente por Chico Mendes e<br />

seus contemporâneos do estado do Acre no início dos anos 80 do século XX.<br />

No item “Quem Somos” no portal do referido movimento social encontramos<br />

a seguinte explicação para sua formação e atuação na Amazônia.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A Rede Povos da Floresta é um movimento social que reúne comunidades<br />

tradicionais e indígenas, unidas por um mesmo ideal de preservação do ambiente,<br />

de suas culturas tradicionais e de seus territórios originais. A Rede<br />

foi criada em 2003 como uma revitalização da Aliança dos Povos da Floresta<br />

- mobilização feita por índios e seringueiros liderada por Chico Mendes e<br />

Ailton Krenak, que durante a década de 90 fez as mudanças que resultaram<br />

na criação das reservas extrativistas e na correção das políticas do Banco<br />

Mundial para o financiamento de grandes projetos de impacto socioambiental<br />

nas regiões de florestas tropicais em todo o mundo.Tem como objetivo a<br />

preservação do ambiente e o que nele está inserido: a fauna, a flora, os recursos<br />

naturais e culturais e o morador tradicional. Assim como o registro da<br />

memória por meio das TIC’s - Tecnologias da Informação e da Comunicação<br />

(REDEPOVOSDAFLORESTA, Disponível em: ).<br />

257


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Atores e coletivos digitais na amazônia - Exemplos e diversidade<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A proposta deste tópico é apresentar um mosaico de exemplos relacionados<br />

ao ciberativismo praticado na Amazônia. Como veremos este ativismo é<br />

exercido por atores sociais individuais ou coletivos, militantes estes de causas<br />

as mais variadas, mas todas com o fio condutor relacionado a Amazônia. Os<br />

quais utilizam a internet como ferramenta principal de comunicação e articulação.<br />

Destes, procuramos evidenciar as características teóricas elencadas por<br />

nós ao longo deste artigo, reproduzindo e refletindo alguns dos argumentos<br />

que justificam a prática militante através da rede mundial de computadores<br />

na região. Como exemplos a serem citados escolhemos, além da Rede Povos<br />

da Floresta e sua resistência ciberativista identitária mencionada nos parágrafos<br />

anteriores, o Blog Lingua Ferina 19 , do militante social residente em<br />

Santarém (PA) Cândido Cunha, o qual é responsável por um diário de notícias<br />

virtual, repleto de matérias e artigos referentes a denúncias sociais, políticas<br />

e econômicas, temas esses em sua maioria relacionados à Amazônia e defendidos<br />

com ênfase por seu idealizador; O Movimento Nacional do Atingidos<br />

por Barragens (MAB) 20 pela ênfase de sua atuação em rede na região Norte e<br />

Amazônia ampliando seu discurso ideológico através da internet;<br />

19 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />

20 Disponível em: . Acesso em 24 de agosto de 2012.<br />

258


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O blogueiro acreano Altino Machado 21 , jornalista que através de seu trabalho<br />

e militância com a informação tornou-se uma das maiores referências sobre<br />

política na região. E, por último, um dos profissionais de comunicação mais respeitados<br />

no Brasil no que se refere aos assuntos relacionados à Amazônia, principalmente<br />

ao impacto e participação das multinacionais e seus grandes projetos<br />

na maior floresta tropical do planeta, Lúcio Flávio Pinto e o seu Jornal Pessoal 22 .<br />

Para começarmos a apresentação destes exemplos ciberativistas, deslocamo-<br />

-nos à Santarém, uma das cidades mais importantes do estado do Pará e onde<br />

o funcionário público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária<br />

(Incra) Cândido Cunha radicou-se em 2006. Idealizador do Blog Língua Ferina,<br />

Cândido conta que até a data de sua mudança para Santarém, pouco ou quase<br />

nada conhecia sobre a região. Em entrevista concedida para esta pesquisa, o<br />

militante explica que seu desconhecimento sobre a Amazônia logo o motivou<br />

a saber cada vez mais sobre a região e, também, se posicionar em momentos<br />

importantes.“Vim parar no meio da Amazônia, no “olho do furacão”.<br />

Por ter atuado na militância estudantil e pela reforma agrária [...] já tinha certa<br />

visão de que lado ficar em determinadas situações de conflito”. Com temáticas<br />

provocativas principalmente relacionadas aos governos (sejam eles municipal,<br />

estadual ou federal) o blogueiro está construindo um número considerável<br />

21 Disponível em: . Acesso em 20 de agosto de 2012.<br />

22 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />

259


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

de internautas assíduos em seu blog. Os quais sempre voltam para consultar e<br />

acessar suas notícias. Cândido conta que a ideia de criar um blog surgiu em dezembro<br />

de 2007 em um contexto difícil, ele havia sido destacado em uma força<br />

tarefa do Incra para trabalhar nos municípios de Altamira e Anapu, região do<br />

Pará com várias denúncias de corrupção por parte da direção do Instituto e que<br />

também foi palco do assassinato da missionária Dorothy Stang 23 .<br />

É importante destacar que o estado o Pará desde sua formação foi palco de<br />

vários conflitos que vitimaram centenas de milhares de trabalhadores anônimos e<br />

lideranças políticas do meio rural e urbano. Lembramos, para fins de registro, que<br />

foi neste mesmo estado que aconteceu o Massacre de Eldorado do Carajás 24 , um<br />

dos conflitos pela reforma agrária mais importantes da história recente do país.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Em Altamira, num final de semana e preocupado com o poderia me acontecer<br />

ou acontecer com outros colegas, resolvi colocar na internet um conjunto<br />

de matéria que havia sido produzido até então na grande mídia sobre tudo<br />

isso, focando mais as denúncias do que a nossa situação. Ou seja, o blog seria<br />

um lugar onde estaria contado toda esta história e por aí acabaria [] Somente<br />

muitos meses depois, quando o blog já tinha objetivos mais ambiciosos e<br />

já tinha uma dinâmica é que pensei em dar o nome Lingua Ferina [] Desde<br />

23 Religiosa norte-americana assassinada em Anapu no Pará por defender projetos sustentáveis em assentamentos<br />

rurais. Seu assassinato causou grande repercussão na mídia internacional.<br />

24 Foi o assassinato de 19 sem terras no município de Eldorado do Carajás (PA) em 1996 feito por policiais militares. Várias<br />

testemunhas afirmam que o número de mortos é bem maior que o que foi registrado. Disponível em: . Acesso em 24 de agosto de 2012.<br />

260


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

então, o blog se ampliou bastante tanto em temáticas como em acessos, que<br />

hoje é em média de 1.000 por dia, mas já chegou 10.000 em um único dia.<br />

Sinto que há um público leitor mais fiel, há aqueles que chegam no blog pelos<br />

sítios de busca e redes sociais em busca de assuntos específicos e há aqueles<br />

que são leitores mais sazonais. Hoje, o blog busca trazer informações de algumas<br />

temáticas, algumas mais ligadas à esta realidade pouco conhecida da<br />

Amazônia e outras que se conectam com a luta mais geral dos trabalhadores<br />

no Brasil e no resto do mundo (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).<br />

Figura 04 – Blog Lingua Ferina<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: <br />

261


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Com relação a importância da internet na Amazônia, Cândido deixa claro<br />

que apesar de suas limitações ela representa um “divisor de águas” no que<br />

tange a comunicação e a produção de contrainformação sobre a região. Para<br />

nosso entrevistado sua contribuição reside no ato de desmistificar conceitos<br />

enraizados e o exotismo que paira sobre as visões exógenas sobre os povos<br />

da floresta e suas culturas e lutas. Onde a mesma, segundo o blogueiro, é<br />

considerada por muitos como um “espaço vazio a ser dominado”.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

As visões de “paraíso,” “inferno”, “vazio” e “espaço a ser dominado” foram<br />

construídos ao longo dos séculos e interessou e interessa muito a todos<br />

que enxergam esta região do ponto de vista mais pragmático, no pior sentido<br />

da palavra: a Amazônia como região que está aí para ser dominada, a<br />

receber aqueles de “espirito empreendedor”. Assim, esse desconhecimento<br />

serve a interesses antagônicos aos trabalhadores e povos originários da<br />

região [] A internet é só mais uma ferramenta neste processo, com uma<br />

diferencial importante que é possibilidade de produção de informações<br />

por fora dos meios oficiais ou dos meios que servem a esta dominação,<br />

a chamada contrainformação. Possibilita também reunir e divulgar informações<br />

que estão dispersas, muitas vezes desconectadas e dar outras<br />

versões para além das versões oficiais e da grande imprensa.Mas mesmo<br />

nos meios tidos como alternativos há muita desinformação, o que exige<br />

de quem escreve sobre esta região, a partir da própria região, um esforço<br />

constante de formação e reflexão. Assim, mostrar “outras Amazônias” não<br />

é tarefa das mais fáceis pelo gigantismo, os preconceitos e o peso das in-<br />

262


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

formações oficiais. Mas a internet mesmo com suas limitações possibilita<br />

isso (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

É importante destacar que a prática ciberativista pode estar presente nos<br />

jornalistas ou comunicadores que atuam na internet, no jornalismo digital,<br />

mas não necessariamente todos os jornalistas que atuam neste campo são<br />

ativistas. Não é o fato de fazer uso das ferramentas digitais de comunicação<br />

que tornam seus usuários ciberativistas, mas o uso “engajado” e sistemático<br />

destes recursos ciberespaciais.<br />

Outro exemplo de militância pela rede que destacamos é o Movimento<br />

dos Atingidos por Barragens (MAB), um movimento social gerado a partir<br />

da luta de populações tradicionais afetadas por grandes empreendimentos<br />

hidrelétricos. Mesmo sendo um movimento nacional com penetração em<br />

todo o país, o MAB tem atuação sistemática na Amazônia. Não coincidentemente<br />

é nesta região que encontram-se a maior quantidade de barragens<br />

e, por consequência, o maior número de populações tradicionais atingidas.<br />

O MAB pode ser considerado um movimento com práticas ciberativistas<br />

porque sua luta, além do enfrentamento direto com as grandes obras hidroelétricas<br />

e seus mentores governamentais e privados, é articulada em rede e<br />

faz, frequentemente, uso das tecnologias de informação e comunicação. Tais<br />

recursos podem ser vistos em seu site na internet (http://www.mabnacional.<br />

263


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

org.br), onde estão disponíveis artigos, livros digitalizados, fotos e vídeos<br />

produzidos por seus militantes para serem difundidos em todos os espaços<br />

possíveis. O MAB produziu, por exemplo, uma série de vídeos – disponíveis<br />

no YouTube – que foram apresentados na Cúpula dos Povos 25 , um deles denunciando<br />

a construção de barragens na Amazônia.<br />

Figura 05 – Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens – MAB<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: http://www.mabnacional.org.br/<br />

25 Evento que aconteceu em 2012 na cidade do Rio de Janeiro paralelo a Rio + 20. Onde se discutiu as temáticas<br />

relacionadas ao meio ambiente pela ótica dos movimentos sociais.<br />

264


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Um capítulo a parte nesta reflexão sobre as articulações feitas na rede mundial<br />

de computadores pelos movimentos sociais contrários a política energética<br />

brasileira relacionada a construção de barragens, é o caso simbólico da<br />

Usina Hidroelétrica de Belo Monte no Pará 26 . A respectiva construção é fato<br />

polêmico há pelo menos três décadas e nos últimos anos tem tencionado os<br />

movimentos sociais contra o Governo Federal para que o mesmo não concretize<br />

sua construção. Os ativistas argumentam que se as obras forem realizadas<br />

a destruição do meio ambiente será irreversível, extinguindo uma parte preciosa<br />

daquele ecossistema (fauna, flora e rios), além de expulsar de seus territórios<br />

uma série de etnias indígenas e populações tradicionais que habitam<br />

a região há séculos. Nesta disputa ideológica e de perspectivas, não faltam<br />

argumentos feitos por militantes, estudiosos e interessados sobre a questão,<br />

estes disponíveis em sua maioria na internet, fazendo jus ao tema que é considerado<br />

um dos mais polêmicos da Amazônia.<br />

Por ser a maior fonte de recursos naturais e biodiversidade do planeta, a<br />

Amazônia atrai aventureiros das mais variadas origens e estirpes. São milhares<br />

de pessoas anônimas que vieram e vêm para a região ainda hoje com o<br />

intuito de encontrar o “Eldorado” perdido. Foi assim com os ciclos da borracha<br />

que tornaram Manaus no início do século XIX uma das cidades mais<br />

importantes da América Latina. Riqueza construída pelas mãos de nordes-<br />

26 Disponível em: . Acesso em 24 de<br />

agosto de 2012.<br />

265


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

tinos residentes nos interiores da floresta que extraiam a maior riqueza da<br />

época: a borracha usada na indústria e nas guerras do mundo. Também foi<br />

assim com os garimpeiros de Serra Pelada, mineradores advindos de todo o<br />

país, trabalhando em condições totalmente improvisadas no Sul do Pará, na<br />

busca incessante de seus quilos de ouro e prosperidade.<br />

Mas o que mais impressiona na história recente da exploração amazônica<br />

são os grandes projetos pensados para a região. Projetos estes arquitetados<br />

pelos governos anteriores e atuais com essencial presença das grandes multinacionais<br />

do campo da mineração e produção de energia. Estas, de grande<br />

impacto econômico, social e principalmente ambiental. Uma das grandes<br />

autoridades jornalísticas - talvez a maior - sobre a Amazônia chama-se Lúcio<br />

Flávio Pinto. Jornalista atuante desde os anos 60, criou há mais de 20 anos o<br />

Jornal Pessoal, uma publicação quinzenal impressa que possui um site e sua<br />

versão em formato digital. O destaque aqui não está para os recursos técnico<br />

digitais utilizados por Lúcio Flávio, mas para a densidade e repercussão de<br />

suas reportagens e artigos.<br />

A dimensão que o conteúdo produzido por ele sobre a Amazônia toma<br />

ultrapassa as fronteiras do Pará e repercute em todo o Brasil. Essa repercussão<br />

só é possível pelo advento da rede mundial de computadores e suas<br />

ferramentas de propagação da informação. Além de jornalista Lúcio Flávio<br />

se considera um “militante da notícia”, ou seja, um ativista que produz in-<br />

266


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

formação qualificada sobre a Amazônia. Colunista cativo do Observatório<br />

da Imprensa, do Portal Yahoo! dentre outros sites, suas reflexões - sempre<br />

sobre a Amazônia - já foram subsídio para inúmeros trabalhos acadêmicos<br />

em várias universidades pelo país. A abordagem sobre os grandes projetos<br />

desenvolvidos na região tornaram Lúcio Flávio Pinto persona non grata para<br />

o alto escalão de multinacionais como a Vale (antiga Vale do Rio Doce).<br />

Alguns de seus trabalhos demoram meses e até anos para serem concluídos,<br />

examinando minunciosamente relatórios, arquivos e projetos, consultando<br />

fontes importantes e exclusivas (relação esta construída ao longo<br />

de décadas de trabalho nos rincões, rios e estradas da região). Apesar de o<br />

jornalista manifestar publicamente que seu trabalho só tem validade porque<br />

o Jornal Pessoal ainda é feito em formato impresso (OBSERVATÓRIO, 2011)<br />

é na internet que sua produção reverbera, se amplifica e polemiza questões<br />

centrais da região.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Na avaliação do jornalista, os leitores do Jornal Pessoal percebem que as<br />

análises e reflexões ali veiculadas não são encontradas em outros jornais e<br />

proporcionam subsídios para a compreensão de problemas estruturais da<br />

região amazônica. “A visão de fora da Amazônia é muito exótica. As pessoas<br />

estão dispostas a aceitar a Amazônia do rio enorme, com a vastidão das florestas.<br />

Mas não conseguem entender a Amazônia como tendo há cinquenta<br />

quilômetros de onde estamos a oitava maior fábrica de alumínio do mundo”,<br />

explicou o jornalista. Convivem na região polos de tecnologia de ponta e<br />

267


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

áreas com graves problemas sociais e econômicos. “É difícil ter uma ideia da<br />

realidade da Amazônia por conta desses paradoxos. E a grande imprensa, e<br />

mesmo o cidadão comum fora da Amazônia, não consegue perceber estes<br />

contrastes.” O jornalista contou que acha necessário manter um acompanhamento<br />

contínuo das questões da Amazônia, e por isso optou por voltar a<br />

morar no Norte do país. Mas destacou que é importante não perder a perspectiva<br />

da inserção da floresta no contexto internacional. “Você não explica a<br />

Amazônia só estando aqui”, destacou (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2011).<br />

Figura 06 – Site Jornal Pessoal<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: http://www.lucioflaviopinto.com.br<br />

268


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

As redes sociais são um importante espaço para vinculação das matérias<br />

do Jornal Pessoal, estas funcionam, segundo Milhomens (2009) como<br />

uma memória da arena da esfera pública interconectada, fazendo com que<br />

os temas sobre a Amazônia permaneçam registrados no ciberespaço muito<br />

tempo depois dos mesmos terem sido publicados em sua versão impressa.<br />

Dessa forma temáticas como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e<br />

a polêmica em torno de sua construção; os Trabalhadores Rurais Sem-Terra<br />

atacados por latifundiários no Sul do Pará; os recursos e a destruição do<br />

meio ambiente promovidos pela Vale; os indígenas que se organizam para<br />

resistir na Amazônia; e os desmandos de políticos violentos e corruptos da<br />

região tornam-se ao mesmo tempo pauta e fonte para pesquisas e debates<br />

na rede mundial de computadores. Um outro destaque a ser feito é a<br />

participação do Jornal Pessoal na arena virtual através de seus leitores que<br />

interagem com seu idealizador/jornalista. A repercussão de suas matérias<br />

extrapola o campo virtual, tanto que vários de seus leitores fazem questão<br />

de cumprimentar o jornalista pessoalmente, seja na rua ou em espaços públicos<br />

(OBSERVATÓRIO, 2011).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

269


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 7 – Especial Observatório da Imprensa 2011 sobre Lúcio Flávio Pinto<br />

Fonte:<br />

Considerações finais<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fazendo um retrospecto da proposta deste paper, procuramos apontar<br />

a complexidade da Amazônia em termos humanos, geográficos e culturais.<br />

Em um panorama que apresenta a região de forma didática e histórica, com<br />

ênfase em sua diversidade e formação humana, mostrando a perspectiva da<br />

270


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

pluralidade dos povos que vivem em seu vasto território. Sendo esses povos<br />

os “da floresta” ou o “da cidade”, ambos componentes do caldeirão cultural<br />

amazônico. A propósito do termo “povos da floresta”, apropriamo-nos do<br />

conceito de ativismo originário do seringueiro Chico Mendes, um dos primeiros<br />

líderes amazônicos que pensou a organização política como forma de resistência<br />

utilizando técnicas de repercussão mundial (como denúncias através<br />

da participação de eventos internacionais), isso antes do advento da Web e<br />

suas possibilidades comunicacionais.<br />

Abordamos também o que denominamos de “cabanagem digital”, ou<br />

seja, o ativismo caboclo (termo este que utilizamos livremente aqui para<br />

representar um dos personagens centrais da região), este cada vez mais<br />

usuário das tecnologias de informação e comunicação, as TICs. Tanto para<br />

fazer militância das mais variadas formas e propósitos como para divulgar<br />

suas opiniões a todos que estiverem conectados ao ciberespaço. Elencamos<br />

que um dos principais motivos que impulsionam estes atores amazônicos<br />

está relacionado ao conceito defendido por Castells (1999) de identidade.<br />

Para ser mais exato, de ‘identidade de resistência’, a forma pela qual atores<br />

e coletivos oprimidos e estigmatizados social e economicamente encontram<br />

para resistir e, também, criar novos conceitos sobre si mesmos, o uso da internet<br />

e das redes digitais vêm ao encontro deste processo, consolidando-o<br />

e amplificando-o. Chamamos isso de ciberativismo, e mais especificamente,<br />

271


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

ciberativismo amazônico, por suas peculiaridades originárias da região. Por<br />

fim apontamos alguns exemplos de prática ciberativista na Amazônia, dois<br />

com formação profissional (jornalistas), ou seja, tento sua atuação no ciberespaço<br />

também como meio de vida (Lúcio Flávio Pinto/Jornal Pessoal e Altino<br />

Machado/Seu Blog), um com o viés militante jornalístico dividindo sua<br />

atuação junto a profissão de funcionário público (Cândido Cunha/Lingua<br />

Ferina) e dois movimentos sociais que fazem uso dos recursos ciberativistas<br />

(Rede Povos da Floresta e Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB)<br />

atuantes na divulgação e luta pela preservação do meio ambiente, resistência<br />

cultural de indígenas e povos tradicionais além de ações de visibilidade<br />

política na rede em favor de suas causas.<br />

Podemos afirmar que a atuação ciberativista na Amazônia está promovendo<br />

um novo tipo de (re)integração e exposição. Onde a diversidade dos moradores<br />

da região é abordada em uma perspectiva heterogênea, plural e diversificada.<br />

Diversidade esta construída, registrada e propagada pelos próprios<br />

atores amazônicos, das suas mais variadas formas e estilos, abordando temas<br />

outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional através dos novos meios<br />

digitais de comunicação. Nossa reflexão é que tal processo irá se aprofundar<br />

cada vez mais, principalmente a medida que a infraestrutura telecomunicacional<br />

se aprimora, possibilitando a outros “povos da floresta” acesso a internet<br />

de qualidade e produção de conteúdos originais na rede mundial de compu-<br />

272


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

tadores. É a digitalização das possibilidades, o ciberativismo como forma de<br />

resistência no planeta Amazônia.<br />

Referências<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

BERNAL, Roberto Jaramillo. Índios Urbanos: processo de reconformação das identidades<br />

étnicas indígenas em Manaus. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas,<br />

2009.<br />

BRUM, Eliane. As novas redes da Amazônia. Revista Época. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2012<br />

CUNHA, Cândido. Entrevista. Agosto de 2012.<br />

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999.<br />

MENDES, Chico. Educação UOL. Disponível em: .Acesso em: 11 ago. 2012.<br />

DINIZ, Lilian. Lúcio Flávio Pinto e a saga do Jornal Pessoal. Observatório da Imprensa.<br />

Edição 673. Disponível em:


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

d=S0103-40142005000100002>.Acesso em: 28 mar. 2012.<br />

FREITAS, Marilene Corrêa da Silva. Políticas Públicas, Territórios, Populações Tradicionais<br />

e Ambiente na Amazônia In: OLIVEIRA, José Aldemir de; SCHERER, Elenise (Org.). Amazônia:<br />

territórios, povos tradicionais e ambiente. Manaus: Adua, 2009, p.15-31.<br />

MARTINS, Jessé; POMPERMAIER, Nathalia; LOYOLA, Darshany; MARTINUZZO, Marcel;<br />

MALINI, Fábio. Cartografia da Blogosfera no Brasil: perspectivas amazônicas. Intercom<br />

– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXXII Congresso<br />

Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de 2009.<br />

MILHOMENS, Lucas. Entendendo o Ciberativismo Sem Terra na Nova Esfera Pública Interconectada.<br />

Dissertação de Mestrado. UFPB, 2009.<br />

MORAES, Dênis. Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas.<br />

Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. EPTI,<br />

vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2012.<br />

PAULA, Elder Andrade de; SILVA, Silvio Simione da. Movimentos Sociais na Amazônia<br />

brasileira: vinte anos sem Chico Mendes. Disponível em: . Acesso<br />

em: 24 ago. 2012.<br />

PNBL. Disponível em: www.planalto.gov.br/brasilconectado. Acesso em 23 de ago. de<br />

2012.<br />

PTNOSENADO. Banda Larga: investimento na Região Norte é tímido. Disponível em:<br />

274


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

.<br />

Acesso em: 24 ago. 2012.<br />

RICCI, Magda. Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do patriotismo<br />

na Amazônia entre 1835 e 1840. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012.<br />

SANTANNA, Rogério. Democracia no acesso vai aprofundar uso de novas aplicações da<br />

internet. TIC Domicílios e Empresas. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação<br />

e Comunicação no Brasil. Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2010, p.57-59.<br />

TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a vida. Rio de Janeiro, 2001 A Noite, 2001.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

275


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

O PROSUMER MIDIÁTICO &<br />

A RESSIGNIFICAÇÃO JORNALÍSTICA<br />

Pâmela Bório 1<br />

Olga Tavares 2<br />

Resumo<br />

O novo personagem midiático surge como produtor e consumidor de informação,<br />

participando ativamente na elaboração de conteúdos jornalísticos nas novas mídias e<br />

modificando o cenário comunicacional. O prosumer identifica o perfil do novo comunicador<br />

que, hoje, é participativo, colaborativo e interativo. A sua atuação no telejornalismo<br />

digital anuncia uma tendência que vai vigorar nos novos hábitos informacionais,<br />

principalmente com o advento da TVDI.<br />

Palavras-chave: Prosumer. Comunicação midiática. TVDI.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />

do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: pamela_monique@<br />

hotmail.com<br />

2 Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação<br />

e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Departamento<br />

de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica<br />

– GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. Endereço eletrônico: <strong>olga</strong>tavares@cchla.ufpb.br<br />

276


A cultura do consumidor-produtor<br />

Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A dinâmica da progressiva evolução tecnológica trouxe um novo perfil<br />

de consumidor, cada vez mais interessado em produzir e mais focado em<br />

um desempenho pontual e participativo, que lhe permita interagir dentro de<br />

um conjunto de regras coletivas.<br />

O neologismo cunhado por Tofler (2007), para a análise do comportamento<br />

dos indivíduos, situa o prosumer mesmo antes do período anterior ao capitalismo,<br />

quando no sistema agrícola produzia e consumia os próprios produtos.<br />

Atualmente, o termo faz referência aos produtores-consumidores que participam<br />

ativamente na produção de matérias, notícias, informações nas novas<br />

mídias. Esse novo protagonista midiático tem um novo perfil comunicacional<br />

que traz novas configurações aos conteúdos em pauta.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Definem o termo “prosumer” como toda e qualquer atividade de criação<br />

de valor realizada pelos consumidores que terminam resultando na produção<br />

de produtos. Observa-se que, eventualmente, podem ou não consumir,<br />

constituindo suas experiências de consumo. Ainda destacam alguns fatores<br />

que podem, de alguma forma, incrementar a propensão do prosumer, tais<br />

como: avanços tecnológicos, aumento de acesso à internet, entre outros<br />

(BAGOZZI; DHOLAKIA apud XAVIER, 2012, p. 54).<br />

277


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O prosumer está interferindo na comunicação de uma maneira geral e<br />

especialmente no cotidiano do telejornalismo, que é afetado pelas inovações<br />

e produtos como a TVDI. Com a evolução tecnocientífica marcando<br />

presença diária nos meios de comunicação, os profissionais não devem ficar<br />

à mercê dos avanços e mudanças, mas fazer uso e compreender da melhor<br />

forma seus papéis atuais e futuros, tendo consciência da nova atribuição que<br />

os receptores adquirem via rede, pois produzir e consumir informação concomitantemente<br />

é algo .revolucionário. Práticas televisivas atuais poderão<br />

ser totalmente modificadas com as ações do prosumer, que passa a ser um<br />

participante ativo e produtivo na rede da emissão-recepção. Com o advento<br />

da TVDI, e seu pleno funcionamento, surgirão novas chances de expressividade<br />

do prosumer na mídia televisiva. Têm-se, hoje, como exemplos, o site<br />

YouTube, que é abastecido por muitos vídeos produzidos pelo prosumer. No<br />

portal da Rede Globo, por exemplo, o 8p no Globo.com se utiliza editorialmente<br />

para gerar conteúdo jornalístico. E o portal Terra, com o Você Repórter,<br />

apresenta práticas semelhantes da presença do prosumer.<br />

De acordo com Bender (2003, p.13), “o papel dos consumidores já não é<br />

mais somente consumir. Suas expectativas mudaram. São eles agora parte do<br />

diálogo - estão engajados no tipo de discurso que antes ocorria muito além de<br />

sua esfera de ação”. Portanto, surge o prosumer para agilizar a dinâmica do<br />

consumo e da disseminação dos conteúdos, que passa a acontecer de modo<br />

278


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

colaborativo e participativo, sempre em uma produção coletiva, de modo a expandir<br />

o processo informativo em torno de interesses e motivações coletivas.<br />

Sobre esse cenário colaborativo que está sendo construído por esse novo<br />

produtor, os pesquisadores Primo e Recuero (2003) destacam a construção<br />

coletiva, a partir de espaços interativos, mantidos por produtores, a exemplo<br />

da Wikipédia e dos blogs, em trabalho sobre “hipertexto cooperativo”:<br />

Ou seja, um mesmo texto multissequencial escrito por diversos colaboradores.<br />

A cada intervenção, o texto como um todo se altera. Após cada movimento,<br />

a produção se mostra diferente aos seus autores. Esse processo<br />

coletivo acaba por criar um espaço de debates, mantido através de negociações<br />

entre os participantes. Essa dinâmica ganha movimento a partir das<br />

modificações que constantemente alteram o escrito e, por que não os próprios<br />

autores. Além disso, com a inclusão de novos links, outros caminhos<br />

se abrem, e a própria web se expande (PRIMO; RECUERO, 2003, p. 9).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Tem-se a globalização e a expansão da Internet como dois fatores essenciais<br />

para essas novas configurações de trabalho e relações socioculturais.<br />

Segundo Tarcitano e Guimarães (2004), toda a reestruturação causada pelas<br />

transformações deflagradas pela globalização, tem imposto a adoção de “novas<br />

metodologias de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho,<br />

levando a profundas rupturas no tecido social e a uma crônica insatisfação,<br />

especialmente quanto ao modus operandi das relações no trabalho”. Com isso,<br />

279


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

está havendo uma reorganização na forma de as empresas de comunicação,<br />

por exemplo, valorizarem as novas práticas interativas e contemplarem a participação<br />

desses novos agentes da informação e do conhecimento.<br />

Tecnologias da inteligência são sine qua non tecnologias interativas. Por<br />

isso mesmo elas nublam as fronteiras entre produtores e consumidores,<br />

emissores e receptores. Nas formas literárias, teatro, cinema, televisão e<br />

vídeo há sempre uma linha divisória relativamente clara entre produtores<br />

e receptores, o que já não ocorre nas novas formas de comunicação e de<br />

criação interativas, formas que nos games atingem níveis de clímax. Como<br />

meio bidirecional, dinâmico, que só pode ir se realizando em ato, por meio<br />

do agenciamento do usuário, o game implode radicalmente os tradicionais<br />

papéis de quem produz e de quem recebe. (SANTAELLA, 2009, p. 108).<br />

No contexto midiático, a otimização do potencial informativo passa pela<br />

introdução de dispositivos que facilitem a transformação das experiências<br />

vividas no cotidiano profissional em aprendizagens e trocas satisfatórias.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Televisão e indústria cultural<br />

No Brasil, a televisão tem sido a maior porta-voz do contexto sociopolítico<br />

e cultural sob a égide da indústria cultural. Desde a sua implementação,<br />

280


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

em 1950 do século 20, a TV brasileira tem se definido como um totem familiar<br />

que faz parte e influencia a sociologia do cotidiano nacional.<br />

Com o advento da Internet, a popularização da TV brasileira ainda alcança<br />

índices consideráveis de audiência, haja vista o público ainda ter hábitos<br />

arraigados de recepção televisiva, como assistir a novelas, telejornais<br />

e reality shows. Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia – 2014 -<br />

hábitos de consumo de mídia pela população brasileira” (BRASILNOTICIA,<br />

2014), feita pelo Ibope, a pedido da Secretaria de Comunicação Social da<br />

Presidência da República, “Brasileiros usam a Internet mais frequentemente,<br />

mas a televisão ainda é a mídia mais consumida. (...)Os brasileiros gastam,<br />

em média, 3h39 por dia na Internet, seguido de 3h29 em frente à televisão.<br />

Esta pesquisa ainda aponta a Internet “como o meio de comunicação que<br />

mais cresce entre os brasileiros”.<br />

Portanto, já está havendo uma migração enorme para a Internet, desde<br />

2012 (O GLOBOTECNOLOGIA; TECHTUDO, 2012; UOL, 2014). Porém, está<br />

havendo grande convergência entre TV e Internet, ou seja, internautas brasileiros<br />

assistem à TV, enquanto navegam na rede.<br />

De fato, as duas mídias têm andado cada vez mais juntas. A pesquisa da comScore<br />

afirma que 73% dos internautas acessam a rede enquanto assistem à TV, sendo<br />

que 37% fazem isso sempre. O tempo não está sendo dividido pelas mídias, é<br />

o usuário que se divide para dar conta da simultaneidade da informação. É o<br />

281


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

fenômeno da segunda tela, que torna possível usar o Twitter como indicador<br />

de audiência, como faz a firma de pesquisas Nielsen. (OGLOBO, 25/8/2013)<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Diante dessa evidência, por exemplo, “a Engenharia e a Informática da<br />

(TV) Globo estão trabalhando juntas na elaboração de um novo projeto, que<br />

possa envolver todos os produtos do seu jornalismo com as redes sociais” ,<br />

com o objetivo de ter “a audiência da internet na televisão” (UOL, 2014). Ou<br />

seja, começa a existir um movimento para as emissoras de TV se conectarem<br />

mais efetivamente à internet.<br />

Com a disponiblização das emissoras em sites na rede, pode-se acesssar<br />

os telejornais com seus destaques e matérias, aumentando o fluxo de<br />

informações e se aproximando mais do público. Com a ascensão das redes<br />

sociais, a partir de 2006, os usuários brasileiros tiveram um modo eficaz e<br />

gratificante de comunicação. Com isso, as rotinas produtivas dos telejornais<br />

começaram a ser modificadas. As atuações das mídias digitais estabelecem<br />

diálogos constantes, participativos, interativos, entre si e com o público.. A<br />

nova sociabilidade das redes sociais também foi agregada pelas emissoras<br />

de TV, mudando os rumos da própria comunicação televisiva. Essas novas<br />

práticas se disseminaram no cotidiano dos jornalistas de forma tão intensa e<br />

rápida que, na atualidade, os profissionais não conseguem mais desenvolver<br />

suas atividades sem a presença dos meios digitais.<br />

282


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

De acordo com dados elaborados pela Serasa Experian (EXAMEABRIL,<br />

2013), as visitas do internauta brasileiro às redes sociais concentram-se no Facebook<br />

e no Youtube.<br />

Tabela 1 - Visitas do internauta brasileiro às redes sociais<br />

Rede Social<br />

Participação<br />

1 Facebook 73,50%<br />

2 YouTube 16,34%<br />

3 Badoo 1,20%<br />

4 Google+ 1,15%<br />

5 Orkut 0,97%<br />

6 Yahoo! Respostas 0,94%<br />

7 Twitter 0,90%<br />

8 Ask.fm 0,89%<br />

9 Bate-Papo UOL 0,81%<br />

10 LinkedIn 0,31%<br />

Fonte:< http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/facebook-e-youtube-dominam-redes-sociais-no-brasil>.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A convergência entre a TV e a Internet está redefinindo o modo com<br />

que o público se relaciona com as mídias. É comum, nas redes de relacionamento<br />

ou fóruns, internautas expressarem que estão diante de transmissões<br />

televisivas ou como estão reagindo diante de alguma informação veiculada<br />

283


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

pela televisão. Eles discutem a programação, postam opiniões e muitas vezes<br />

acontece até um “frenesi” instantâneo na rede diante de algum assunto<br />

polêmico transmitido pela TV. Eventos que mostram bons índices de audiência,<br />

imediatamente se disseminam pela internet, com comentários maciços<br />

e grande repercussão nas redes sociais.. A internet, além de mudar a relação<br />

do telespectador com o entretenimento, está mudando a rotina produtiva<br />

televisiva e a tendência é de haver uma maior expressividade do telespectador<br />

na televisão, conforme for amadurecendo a própria inter-relação estabelecida<br />

pelos dois meios.<br />

A TVDI, o telejornalismo e o prosumer<br />

Com a digitalização de meios audiovisuais e o hibridismo entre televisão<br />

e internet, através do sistema de televisão digital interativa (TVDI), há uma<br />

demanda por ações baseadas nas inovações tecnológicas.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

[...] Com as ferramentas tecnológicas adequadas e boa usabilidade, as<br />

pessoas criam sites na internet, publicam blogs, videoblogs, enviam vídeos<br />

para portais específicos, ou seja, passam a ser produtores de programas<br />

(conteúdos) podendo enviá-los para exibição na internet e, de forma<br />

crescente, também para as TVs abertas comerciais. Estas já selecionam e<br />

exibem produções de telespectadores até em seus programas de horá-<br />

284


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

rios nobres, estimulando a participação individual e coletiva. (PASCHOAL<br />

NETO, 2010, p. 41).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Se antes, o receptor interagia com um conteúdo já preexistente, com<br />

a TVDI essa capacidade de produzir conteúdo é ampliada, assumindo sua<br />

condição plena de prosumer, com o desafio de produzir com qualidade, com<br />

capacidade técnico-estética, livres dos apelos mercadológico-comerciais e<br />

políticos, a fim de buscar uma alternativa às fórmulas prontas difundidas<br />

atualmente pela TV analógica. Isso consiste em um patamar, onde se pretende<br />

repensar os meios de comunicação, que atuam como vetores cognitivos,<br />

sociais, estéticos, ético-políticos, contemplando os ambientes culturais<br />

irradiados pelos processos midiáticos, e colocando em perspectiva o modo<br />

como se realizam as modalidades de interação social no contexto das novas<br />

tecnologias da comunicação e nas investigações jornalísticas, por exemplo.<br />

A aptidão para ser um prosumer não se justifica pela inevitabilidade do<br />

contato com os produtos midiáticos na atualidade, onde a mídia tem relevância<br />

plena na comunicação contemporânea. O fato de ser ‘capaz’ de produzir<br />

notícia, não significa que se é “capacitado” para trabalhar a informação.<br />

O prosumer deve aprender com os profissionais do mercado da informação<br />

e estes, por sua vez, devem se atualizar, se remodelar, tendo a ajuda do prosumer<br />

ao tratar sobre o que seria “noticiável”.<br />

285


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Os limites da interferência do prosumer na produção de notícias são<br />

justificados pelas regras dos contratos comunicativos que acontecem em<br />

todos os meios. Por exemplo, em decorrência de restrições advindas dos<br />

meios técnicos de produção televisiva, geralmente o receptor não pode<br />

empregar o mesmo tipo de mediação – a televisiva – para visibilizar a sua<br />

resposta. Grande parte das contribuições do prosumer, tais quais comentários<br />

sobre programas, acontece no ciberespaço. Portanto, não seria verdadeiro<br />

dizer que existe funcionamento pleno da interatividade, que dirá o da<br />

interferência do telespectador na TV.<br />

O fenômeno precisa ser compreendido para elucidar o papel dos telespectadores<br />

nessa fase de complexidade e hibridação dos produtos midiáticos.<br />

O momento é o de refletir sobre esse novo personagem midiático,<br />

tanto quanto definir sobre sua atuação junto aos veículos de comunicação<br />

e seus produtos, principalmente o telejornalístico, cujo conteúdo não pode<br />

prescindir dos princípios básicos do jornalismo como mediador social, que<br />

divulga uma realidade objetiva e coerente, que tem compromisso com o interesse<br />

público e que respeita o público,assim como os valores universais de<br />

diversidades sociais, culturais, étnicas e ambientais.<br />

Mesmo que o campo jornalístico esteja sempre à mercê das interferências<br />

dos interesses corporativos e afins, ele ainda detém o lugar do discurso da<br />

realidade. Se essa realidade for obliterada definitivamente pelas ficções, aí<br />

286


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

sim, o jornalismo poderá abdicar da sua condição de democratizar a informação,<br />

socializar os acontecimentos e disseminar possíveis resistências<br />

aos lugares-comuns das formações discursivas predominantes. (TAVARES;<br />

MASCARENHAS, 2013, p.202).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

O prosumer, no campo jornalístico, pode ser visto como um ser mercadológico,<br />

que tem um determinado perfil que interessa a variadas tribos<br />

digitais e produz informações que são utilizadas pelas organizações para<br />

orientar suas ações estratégicas, no sentido de satisfazer os clientes, atingindo<br />

mais diretamente seus públicos-alvos com os produtos sob medida para<br />

os seus anseios. Ou seja, o prosumer faz recortes socioculturais que podem<br />

ser úteis às pautas jornalísticas, no tocante a atender algumas demandas<br />

informacionais do público em geral.<br />

Isso pode ser visto como um modelo, segundo Lévy (1998, p. 54), no qual<br />

“os indivíduos colocam seu conhecimento a serviço de um objetivo comum,<br />

um fim coletivo, do qual emerge uma inteligência alavancada, que combina<br />

a expertise dos membros de uma determinada comunidade”. São de iniciativas<br />

voluntárias, independentes da origem e do tempo, que se mostram<br />

estratégicas para dadas finalidades.<br />

Um exemplo é o site brasileiro WocoNews.com (World Community News)<br />

– “a rede social de jornalistas e empresários”, que tem a proposta de ser uma<br />

rede social de notícias, a página permite que qualquer usuário crie um perfil,<br />

287


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

adicione contatos e passe a postar notícias de até 255 caracteres – mais ou<br />

menos o tamanho de um lide. Há ainda a possibilidade de acrescentar imagens<br />

e vídeos às postagens. A rede social já nasce com algumas iniciativas<br />

ousadas, como o fato de ser trilíngue – português, espanhol e inglês – e a<br />

proposta de divisão dos espaços de publicidade. Além disso, em vez de se<br />

ter “contatos” ou “amigos”, têm-se “colaboradores” e “com quem colaboro”,<br />

nomes mais simpáticos para designar os seguidores e os seguidos, e que faz<br />

sentido dentro da proposta da rede social, de proclamar: “Tudo o que está<br />

acontecendo no mundo neste exato momento, por você!”. O resultado é<br />

uma mistura de webjornalismo participativo (o leitor faz a notícia) com site<br />

de rede social (há contatos, possibilidade de visualização da lista de contatos<br />

dos outros usuários, e ainda de troca de informações entre os interagentes)<br />

e microblog (as postagens são exibidas em ordem cronológica inversa e há<br />

uma limitação de tamanho a cada atualização).<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

288


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 1: WocoNews<br />

Fonte: <br />

O prosumer e os dispositivos de interatividade<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Diversas marcas de televisão já disponibilizaram seus modelos de televisores<br />

com acesso à internet, aplicativos e reprodução do conteúdo em 3D,<br />

entre outras inovações. As empresas de TV já estão interessadas na segunda<br />

tela como uma forma de suprir a nova demanda comunicativa do atual espectador.<br />

A tecnologia usa dispositivos móveis como <strong>tablet</strong>s e smartphones<br />

para oferecer uma extensão do conteúdo das TVs.<br />

289


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

A segunda tela pode ser qualquer dispositivo com acesso à internet como<br />

smartphones, <strong>tablet</strong>s,notebooks entre outros, usados de forma simultânea<br />

à programação daTV. Essa navegação paralela permite o consumo de conteúdos<br />

complementares (saber mais sobre a história, os atores, a trama...)<br />

e a interação com outras pessoas . Uma experiência que potencializa a repercussão<br />

do conteúdo e o laço social, e tem se tornado cada vez mais<br />

comum. (FINGER;SOUZA, 2012, p. 7-8)<br />

A TV SBT é o “canal que mais investe em segunda tela no país” e “é o<br />

lider no ranking elaborado pela plataforma TV Square, criada para reunir<br />

comentários sobre programas postados nas mídias sociais” , publicou VE-<br />

JAONLINE ( 9/8/2013).<br />

Por sua vez, a TV Globo lançará neste primeiro semestre de 2014, aplicativos<br />

de segunda tela mais eficazes do que os já usados no BBB, por<br />

exemplo, conforme explica o site TelaViva (2014):<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Segundo Erick Brêtas, diretor de Mídias Digitais da Globo, a ideia não é<br />

ter uma app para cada conteúdo da emissora. Ao contrário, o lançamento<br />

será um aplicativo único, sincronizado com o que está na grade linear do<br />

canal. Os primeiros testes acontecerão no Campeonato Carioca de Futebol<br />

e, na sequência, no Campeonato Paulista. (TELAVIVA, 2014).<br />

290


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Figura 2: Segunda tela<br />

Fonte: <br />

A Band TV, da mesma forma, lançou novos aplicativos de segunda tela,<br />

no dia 24 de março de 2014, no programa CQC.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

A Band retoma o conceito de “Segunda Tela” com o lançamento de um<br />

novo aplicativo para sistemas Android, WindowsPhone e iOS. Essa nova<br />

versão da ferramenta chega muito mais completa em relação à lançada em<br />

2013, durante a Copa das Confederações, com transmissões ao vivo, vídeos<br />

dos programas e a programação completa da emissora. (...)“Queremos<br />

utilizar as tecnologias disponíveis para aproximar ainda mais o público do<br />

291


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

conteúdo da Band”, afirma Eliane Leme, diretora-executiva do Band.com.br<br />

e responsável pelo projeto.(...) “Mais uma vez, a Band na frente das outras<br />

emissoras. A ferramenta está linda e muito divertida. O público poderá interagir<br />

conosco de uma maneira inédita e de qualquer plataforma”, revela<br />

Marcelo Tas, apresentador do CQC. (SHOWMETECH, 2014).<br />

Contudo, noticiários já são os programas mais assistidos na televisão por<br />

aqueles que estão conectados também na internet, de acordo com o estudo<br />

Social TV, do IBOPE Nielsen Online, realizado em 13 regiões metropolitanas do<br />

Brasil , entre os dias 13 e 29 de fevereiro de 2012 (UMPIERRES, 2012). A grande<br />

maioria dos consumidores simultâneos, mais da metade dos pesquisados,<br />

possui o hábito de comentar sobre os telejornais que assiste, demonstrando a<br />

tendência de atuar como prosumer no telejornalismo.<br />

Figura 3: Programas mais assistidos e comentados<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: <br />

292


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Por enquanto, apenas o telejornalismo da TV Cultura de São Paulo inseriu<br />

no seu formato a segunda tela, onde “as informações são atualizadas em<br />

tempo real durante a exibição do telejornal através do site da emissora”, e a<br />

iniciativa mostra que “a Segunda Tela complementa e “relembra” o telespectador<br />

sobre os assuntos abordados, colaborando com a compreensão da notícia”<br />

(PUHL, 2013, p.1). O Jornal da Cultura ainda disponibiliza as edições do<br />

telejornal na íntegra em um canal no Youtube, diariamente, e dá acesso aos<br />

telespectadores ao vivo pelo Facebbok, Twitter, Flickr, Google + e Instagram.<br />

Figura 4: Jornal da Cultura<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Fonte: <br />

Pensar a união do jornalismo de televisão com os dispositivos móveis é um<br />

desafio; por outro lado, é uma prática cada vez mais necessária. A Segunda<br />

Tela proposta pela TV Cultura é inovadora, mesmo tendo sido verificado que<br />

293


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

ainda apresenta fragilidades. No Brasil, é um caso pioneiro.(...) O fluxo de informações<br />

só tende a aumentar. Televisão e web podem ser complementos e<br />

agentes desse novo entendimento de cultura e sociedade. (PUHL, 2013, p.14).<br />

A convergência dos meios, que se configura como o futuro da comunicação,<br />

além do claro empoderamento do público, que se mostra ativo, colaborativo<br />

e participativo ao fazer escolhas com o uso de ferramentas inovadoras<br />

e interativas, além das comunidades que se formam em redes, são exemplo<br />

da cultura prosumer emergindo no telejornalismo, se intensificando com<br />

as novas mídias que oferecem desafios e potencialidades. Com isso, o desenvolvimento<br />

de aplicativos digitais que promovem maior interatividade já<br />

pode ser observado na televisão. Percebe-se já em muitos produtos da grade<br />

de programação televisiva, geralmente no rodapé da tela, comentários<br />

instantâneos de telespectadores a partir de redes sociais. Colaborações de<br />

telespectadores se multiplicam, bem como a transmissão de programas em<br />

plataformas diversas.<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

Considerações finais<br />

A Internet, a televisão e as redes sociais abrem espaço para novas configurações<br />

midiáticas que estão definindo a sociologia do cotidiano universal.<br />

Novas dinâmicas de sociabilidade estão surgindo, tanto quanto novas<br />

294


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

práticas profissionais. A junção disso também apresenta novos personagens<br />

do cenário digital, como o prosumer. Este novo protagonista da rede pode<br />

dialogar com os profissionais de jornalismo e promover novas formas de<br />

consumo e de produção de notícias. Portanto, essas mudanças podem ser<br />

agregadoras de novos valores que serão incorporados àqueles que o jornalismo<br />

já tem, a fim de serem aplicados nos novos dispositivos à disposição<br />

do consumo midiático. Então, espera-se que a TVDI e as Redes Sociais possam<br />

ser o grande diferencial das trocas informacionais deste século 21.<br />

Referências<br />

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Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

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em: .<br />

Acesso em: 15 mar. 2014.<br />

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Pesquisadores em Jornalismo. 10º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo.<br />

Curitiba – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Novembro de 2012<br />

295


Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />

Capa<br />

Sumário<br />

eLivre<br />

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12/05/2012. Disponível em: .<br />

Acesso em: 15<br />

mar. 2014.<br />

PASCHOAL NETO, José Dias. As TVs universitárias como espaços de experimentação da interatividade<br />

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dos blogs e da Wikipédia. Revista da FAMECOS, n.22. Porto Alegre: 2003.<br />

PUHL, Paula R. O Jornal da Cultura e a Segunda Tela: uma experiência convergente no<br />

Telejornalismo Brasileiro. XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação<br />

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Sumário<br />

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UMPIERRES. Como as redes sociais amplificam os programas de TV. E vice-versa.<br />

10/12/2012. Disponível em: .<br />

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XAVIER, Sergio de Souza. Comunidades Virtuais: A importância da interação no aspecto<br />

da relação de consumo no ciberespaço. Dissertação (Mestrado em Administração). Rio<br />

de Janeiro: UNIGRANRIO, 2012.<br />

297

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