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CULTURAS MIDIÁTICAS AUDIOVISUAIS: ESTUDOS<br />
ORGANIZADORES<br />
Alan Mascarenhas<br />
Elton Bruno Pinheiro<br />
Olga Tavares<br />
João Pessoa - 2014
Livro produzido pelo Projeto<br />
Para Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB<br />
Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMID<br />
Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB<br />
Coordenador do Projeto<br />
Marcos Nicolau<br />
Capa<br />
Diego Gomes Brandão<br />
Editoração Digital<br />
Marriett Albuquerque<br />
Marina Maracajá<br />
Alunos Integrantes<br />
Fabrícia Guedes<br />
Filipe Almeida<br />
Keila Lourenço<br />
Marina Maracajá<br />
Marriett Albuquerque<br />
Rennam Virginio<br />
Bruno Gomes<br />
Revisão:<br />
Alan Mascarenhas<br />
Elton Bruno Pinheiro<br />
Olga Tavares
EDITORA<br />
Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre<br />
Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB<br />
www.ideiaeditora.com.br<br />
Atenção: As imagens usadas neste trabalho o são para efeito de estudo,<br />
de acordo com o artigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade<br />
das mesmas aos seus criadores ou detentores de direitos autorais.<br />
C968<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos [recurso eletrônico] / Alan<br />
Mascarenhas, Elton Bruno Pinheiro, Olga Tavares, organizadores.- João Pessoa:<br />
Editora Idéia, 2014.<br />
CD-ROM; 43/4 pol. (2.500kb)<br />
ISBN: 978-85-7539-923-1<br />
1. Comunicação. 2. Culturas midáticas. 3. Meios de comunicação.<br />
I. Mascarenhas, Alan. II. Pinheiro, Elton Bruno. III. Tavares, Olga.<br />
CDU: 007
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
SUMÁRIO<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Apresentação .....................................................................................................................07<br />
A televisão transmídia de Alice:<br />
reconfiguração narrativa na televisão fechada brasileira<br />
Alan Mascarenhas ............................................................................................................. 09<br />
“Fanmedia” storytelling: a produção cultural<br />
dos fãs na análise de composições transmidiáticas narrativas<br />
Alan Mascarenhas................................................................................................................38<br />
Ativismo e midiatização no ambientalismo brasileiro<br />
Ana Azevedo .......................................................................................................................64<br />
O rádio e a convergência digital:<br />
considerações sobre um processo em mutação<br />
Elton Bruno Barbosa Pinheiro ..................................................................................... 91<br />
Rádio digital: é preciso sintonizar melhor essa reinvenção<br />
Elton Bruno Barbosa Pinheiro ....................................................................................116<br />
5
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A cultura do fã de cinema no omelete: um novo conceito de “receptor”<br />
João Batista Firmino Júnior ..........................................................................................170<br />
TV pós digital: novas formas de construção televisiva<br />
na sociedade midiatizada<br />
Graciele Barroso<br />
Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha ...........................................................189<br />
Copa do mundo no Brasil: análise semiótica visual de capas de revistas<br />
Liliane Calado<br />
Olga Tavares ......................................................................................................................212<br />
Movimentos sociais na Amazônia: ciberativismo e luta através da rede<br />
Lucas Milhomens Fonseca ...........................................................................................232<br />
O prosumer midiático & a ressignificação jornalística<br />
Pâmela Bório<br />
Olga Tavares ......................................................................................................................276<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
6
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
APRESENTAÇÃO<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Este e-book surge dos encontros que os estudantes do GEDIC – Grupo de<br />
Estudos de Divulgação Científica – realizaram ao longo dos três anos seguintes<br />
ao primeiro e-book, em 2009. Alguns já defenderam suas dissertações e<br />
aqui estão seus resultados; e outros ainda estão no processo de finalização<br />
das suas pesquisas e também vêm aqui dividir suas descobertas.<br />
Muito mais que um grupo de estudo, o GEDIC tentou incutir a importância<br />
que a pesquisa tem na construção do fazer acadêmico, pois ela demanda,<br />
principalmente, esforço próprio, curiosidade, vontade e desapego.<br />
No espaço coletivo das reuniões, às vezes até comemorativas, havia apenas<br />
a ideia de manter coeso o grupo e as temáticas que se interconectavam e/<br />
ou se realimentavam. Em verdade, o espírito do GEDIC se fez no conjunto de<br />
todos os anseios de preencher aqueles espaços do saber com os saberes de<br />
todos/as, mantendo sempre a particularidade do conhecimento adquirido<br />
por cada um/a.<br />
Como coordenadora do GEDIC, o que me fascinou especialmente foi<br />
acompanhar cada interesse individual convergindo para o que era do interesse<br />
do grupo, em geral. E, além de tudo isso, ver que esses/as jovens estão<br />
7
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
forjando seu fazer profissional embuídos das mesmas intenções e com projetos<br />
em comum, é, de fato, alvissareiro. Estamos juntos desde os tempos da<br />
graduação; portanto, foi uma longa e prazerosa travessia por esses oceanos<br />
misteriosos e de infindável grandeza da Ciência e da Tecnologia.<br />
As Culturas Midiáticas Audiovisuais do PPGC-UFPB oferecem contribuições<br />
valiosas das pesquisas desses componentes dos seus quadros. Esses/as<br />
integrantes do GEDIC vêm se dedicando aos estudos com afinco, abnegação<br />
e generosidade. Seus objetos de estudo estão compondo este e-book em<br />
forma de um presente que estamos nos dando para brindar o desfecho de<br />
mais uma etapa da vida acadêmica. Sabe-se que quando entramos nesse<br />
mundo do saber, o caminho que se toma é o de nunca deixar de aprender,<br />
de estudar, de se atualizar e de insistir em trocar o nosso conhecimento com<br />
todos/as que se dispuserem a ir a busca de novos saberes e de novos espaços<br />
de diálogos para atravessar todas as fronteiras possíveis.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Olga Tavares<br />
Líder do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />
GEDIC/CNPq<br />
8
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A TELEVISÃO TRANSMÍDIA DE ALICE: RECONFIGURAÇÃO<br />
NARRATIVA NA TELEVISÃO FECHADA BRASILEIRA 1<br />
Alan Mascarenhas 2<br />
Resumo<br />
Este artigo busca uma reflexão acerca de postulados da televisão diante da complexificação<br />
de suas narrativas que reconfiguram a relação entre produtos e espectadores<br />
como na série “Alice” da HBO Brasil. “Alice”, possui uma particularidade: os personagens<br />
não só existiam na televisão e nas redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook), mas<br />
também passaram habitar o cotidiano, indo a eventos e criando situações que funcionavam<br />
como desdobramentos dos acontecimentos dos episódios, em uma espécie<br />
de performance que parece reconfigurar não só a lógica transmidiática proposta por<br />
Henry Jenkins, mas principalmente a produção e o consumo televisivo contemporâneo<br />
que impelem em novas relações com o cotidiano de sua audiência.<br />
Palavras-Chave: Série televisiva. Narrativa Transmidiática. Interator.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
1 Trabalho oriundo da discussão proposta na dissertação de mestrado “Do outro lado do espelho: a reconfiguração<br />
da narrativa transmidiática nas mídias digitais a partir da série Alice” desenvolvida por Alan Mascarenhas no Programa<br />
de Pós-Graduação em Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba sob orientação da professora Olga<br />
Tavares e defendido em junho de 2013.<br />
2 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />
em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />
(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: alanmanga1@gmail.com.<br />
9
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Entrando no universo de Alice<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A personagem Alice da série homônima produzida e exibida pela HBO<br />
Brasil não é exclusividade da televisão: “Minha vida ia precisar de uns 140<br />
milhões de caracteres. Meus pensamentos talvez caibam aqui”, escreve Alice<br />
Zanetti no Twitter em 8 de setembro de 2010. Alice estava certa, já que<br />
sua vida, de fato, não caberia na televisão, muito menos no Twitter ou em<br />
qualquer outra plataforma de forma isolada, precisando de um conjunto de<br />
mídias e plataformas para contar sua história ao passo que radicalizava a lógica<br />
do enquadramento televisivo ao sair das telas para fisicamente habitar<br />
as ruas de São Paulo enquanto personagem.<br />
Um mês antes de ser exibida na televisão, a história ganha um blog onde<br />
Alice não faz alarde quanto a sua ficcionalidade, afinal, faz parte desta radicalização<br />
borrar linhas entre real e ficcional. Assim, a personagem criada por<br />
Karim Aïnouz e Sérgio Machado era usuária do MSN Messenger – sistema<br />
de chat da Microsoft –, possuía número de celular, além de estar ativamente<br />
presente no Orkut, como qualquer outro usuário da internet. Um mês depois,<br />
sem deixar a rede, a série ganha à televisão, se enquadrado aos cânones<br />
balizares desta mídia tão menos fluída que o ciberespaço, mas acionando<br />
uma lógica maleável através da convergência com as plataformas e de<br />
performances no mundo atual. “Hoje a noite estarei trabalhando no desfile<br />
10
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
de moda do dudu. Encontro você na HBO às 22h! Alice”, diz uma mensagem<br />
de texto enviada por Alice aos expectadores que deram o número do celular<br />
à personagem através do site da atração. Engendrar virtualidade com o<br />
cotidiano parece ser a premissa de Alice, que vai além de uma televisão com<br />
segunda tela e parece apontar para uma reconfiguração do Henry Jenkins<br />
(2003) define por narrativa transmidiática.<br />
Com a conclusão da primeira temporada na televisão, Alice segue seu itinerário<br />
textual na internet, aderindo a redes sociais mais atuais da época, tal<br />
como o já mencionado Twitter, além do Facebook, YouTube, e redes sociais de<br />
música, como o MySpace, Lastfm, entre outras. Começa então o período no<br />
qual a série sai da televisão e migra para a internet, onde passa dois anos sendo<br />
narrada. É também neste período que a personagem Alice, interpretada<br />
por Andrea Horta, sai das telas (do computador e da televisão) para o mundo<br />
atual, ganhando as ruas de São Paulo em um ato performático, na cidade<br />
onde a série se passa, fazendo uso das redes sociais integradas ao Foursquare<br />
para tornar pública sua geolocalização, permitindo que usuários fossem até o<br />
brechó que herdou da sua tia na primeira temporada para que lá Alice continuasse<br />
sua narrativa ou que encontrassem com ela para um café.<br />
A série da HBO nos parece sintomática de um meio que vive um impasse,<br />
afinal como obedecer às lógicas já enraizadas de programação e economia<br />
da televisão, sustentar os limites rígidos de grade e proteção intelectual des-<br />
11
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
te meio num momento em que se vive uma lógica expansiva dos regimes de<br />
espectatorialidade<br />
Ver televisão deixou de ser apenas um estado para se tornar um status<br />
compartilhado por usurários, onde a postagem de uma cena de novela remixada<br />
com uma música do funk carioca é sinônima de pertencimento ou<br />
exclusão dentro da linha do tempo das redes sociais. O consumo de televisão<br />
através da internet vai deixando uma série de indícios da relação dos<br />
indivíduos com os programas de TV, instantâneos de uma dinâmica efêmera,<br />
muitas vezes celebratória, outras vezes irônica e jocosa, mas sempre<br />
acionando um lugar de compreensão das dinâmicas de espectatorialidade<br />
agendadas pela TV na internet que destaca novos traços da televisão no cotidiano,<br />
além de múltiplos itinerários de consumo de ficções que antes eram<br />
apenas televisivas.<br />
A particularidade de Alice está na sua transmidiação que envolve 17<br />
pontos de entrada para a série alternando a lógica do massivo com o pós-<br />
-massivo no atravessamento do personagem físico para o cotidiano dos espectadores<br />
através do que Max Giovagnoli (2011) chama de “ações urbanas”<br />
(urban actions) dentro do conceito de transmídia, proposto por Henry<br />
Jenkins (2003) em sua forma clássica.<br />
Dentro de um fenômeno tão largamente discutido como “transmídia”, o<br />
que nos interessa pensar aqui não é uma euforia diante de novas narrativas,<br />
12
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
mas refletir a lógica de uma televisão que “fagocita” outros meios a ponto<br />
de radicalizar e habitar novos espaços dentro de um território informacional,<br />
como a própria cidade, fazendo de espaços físicos um lugar para textos televisivos<br />
tão imersíveis que engendram o cotidiano dos espectadores de tal<br />
forma que transforma o próprio real em ambiente ficcional, mesmo fora do<br />
enquadramento de câmeras e do contexto do plano de TV. Acionando assim,<br />
novos níveis de espectatorialidade dentro do regime de consumo e produção<br />
da televisão, outrora tão rígido. Para tanto, se faz necessária uma adequação<br />
do que de fato se constitui como transmídia para, talvez, compreendermos<br />
esta televisão contemporânea.<br />
Transmídia: problemáticas das novas lógicas narrativas<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A série Alice da HBO vai além do que José Luiz Braga (2006) chamou de<br />
“resposta social” ao falar de um ativismo da sociedade diante do que se consome<br />
na mídia, já que neste produto temos comentários nas redes sociais e<br />
uso de hashtags, mas que culmina numa experiência, numa série que habita<br />
outros espaços massivos e pós-massivos r que mobiliza este fazer/assistir<br />
televisão de maneira transmidiática. No entanto, refletir transmídia tem se<br />
tornado mais complexos diante de novos casos práticos que acompanham<br />
novas vertentes teóricas, ambos circunscritos por uma tecnologia que rapi-<br />
13
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
damente gera novas situações sociais e midiáticas.<br />
O termo “transmídia” surge ainda em 1991, quando a autora Marsha<br />
Kinder descreve franquias de produtos midiáticos que são comercializados<br />
em plataformas diferentes. Na obra Playing with Power in movies, television,<br />
and videogames: from muppet barbies to teenage mutant ninja turtles, Kinder<br />
(1993) reflete sobre a programação infantil da televisão que exige das crianças<br />
a habilidade de relacionar histórias em quadrinho com filmes e depois<br />
com os episódios da televisão, a exemplo, fenômeno que chama de “intertextualidade<br />
transmidiática” (transmedia intertextuality).<br />
Apenas em 2003 o termo ganha um sentido mais próximo da reconfiguração<br />
da estrutura narrativa audiovisual através do texto transmedia storytelling<br />
por Henry Jenkins, o qual traz o mesmo apontamento sobre franquias<br />
de produtos (brinquedos, jogos etc.,) que Kinder apresentou anos antes sem<br />
fazer referência a autora, mas atualizando a sua visão quando fala sobre certo<br />
aprimoramento (enhancement) do processo criativo através do que Kinder<br />
chamava de intertextualidade. Usando a franquia de animação japonesa<br />
Pokémon como exemplo, Jenkins introduzia o assunto:<br />
Consumidores mais jovens têm se tornado caçadores e filtros de informações,<br />
pelo prazer de descobrir mais informações sobre os personagens e<br />
em fazer conexões entre diferentes textos numa mesma franquia. Em adi-<br />
14
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ção, todas as evidências sugerem que computadores não anulam outras<br />
mídias; ao contrário, donos de computadores consomem em média significantemente<br />
mais televisão, filmes, CDs, e afins do que a população geral 3<br />
(JENKINS, 2003, p.1).<br />
Enquanto relatava certa tensão das empresas ocidentais no processo de<br />
fragmentação de produtos através de plataformas, o autor lembrava que o<br />
asiático Pokémon se desdobrava em jogos, episódios de televisão, filmes,<br />
livros, cartões explicativos para cada um dos inumeráveis personagens existentes<br />
há muito tempo usando o público infatojuvenil. É aqui então que começam<br />
a aparecer sintomas do que a presença do termo “storytelling” ou<br />
“narrativa” traz quando ligado ao termo “transmídia”, e que ainda hoje, uma<br />
década após, é problemática: “Nós precisamos de um modelo novo para co-<br />
-criação mais do que adaptação de conteúdo através do cruzamento de mídias”<br />
(JENKINS, 2003, p.1) 4 , afirma o autor sobre o que deveria ser pensado<br />
sobre o fenômeno. Definindo transmídia, ele explica:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
3 T.N.: “For our generation, the hour-long, ensemble-based, serialized drama was the pinnacle of sophisticated storytelling,<br />
but for the next generation, it is going to seem, well, like less than child’s play. Younger consumers have<br />
become information hunters and gatherers, taking pleasure in tracking down character backgrounds and plot points<br />
and making connections between different texts within the same franchise. And in addition, all evidence suggests<br />
that computers don’t cancel out other media; instead, computer owners consume on average significantly more television,<br />
movies, CDs, and related media than the general population”.<br />
4 T.N.: “We need a new model for co-creation-rather than adaptation-of content that crosses media”.<br />
15
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Na forma ideal de uma narrativa transmidiática, cada meio faz o que oferece de<br />
melhor para que a história seja introduzida num filme, expandida através de televisão,<br />
romances, quadrinhos, e esse mundo poderá ser explorado através do<br />
game play. Cada entrada para a franquia precisa ser auto-suficiente o bastante<br />
para permitir um consumo autônomo. Assim, você não precisa ver o filme para<br />
aproveitar o jogo e vice-versa. (JENKINS, 2003, p. 3).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A definição trazida por Jenkins no início dos anos 2000 não difere do que<br />
se torna o formato clássico de narrativa transmidiática através do o conceito<br />
publicado por ele em 2006 na obra Convergence Culture, lançada no Brasil<br />
dois anos depois sob o título de Cultura da Convergência. Em 2006, a visão<br />
de autonomia das camadas narrativas é revisada quando o Jenkins destaca<br />
que cada novo texto pode contribuir de forma isolada, mas que será o<br />
consumo da experiência que valerá mais: “O Todo vale mais que a soma das<br />
partes” (JENKINS, 2008, p. 142).<br />
É neste momento também que transmídia é definida como uma estética:<br />
“refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das<br />
mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende<br />
da participação ativa de comunidades de conhecimento. A narrativa transmidiática<br />
é a arte da criação de um universo” (JENKINS, 2008, p. 42).<br />
Cinco anos após a publicação em inglês do livro Cultura da Convergência<br />
e com alguns produtos mundialmente famosos por fazerem uso do formato,<br />
16
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tal como a trilogia Matrix e a série de televisão Lost, Jenkins (2011) confirma<br />
sua reflexão sobre narrativas transmidiáticas através do seu blog: “narrativa<br />
transmidiática representa um processo onde elementos integrais de uma ficção<br />
são dispersos sistematicamente através de múltiplos canais com o propósito<br />
de criar uma unificada e coordenada experiência de entretenimento.<br />
Idealmente, cada meio faz sua contribuição única para o desdobramento da<br />
história” 5 (grifo do autor).<br />
Ou seja, temos detetives coletivos que consomem um texto o qual exige<br />
mais do que a leitura de uma única camada textual para ser compreendido.<br />
Aqui, além do esforço visual, é incitada uma caça de informações em uma<br />
estrutura previamente arquitetada pela instância de produção que prevê espectadores<br />
conectados entre si, capazes de resolver enigmas para continuar<br />
consumindo o produto, e de habitar e co-criar um universo fictício. Para o<br />
autor, este consumo privilegia uma única mídia, algumas ou todas, as quais<br />
podem ser consumidas isoladamente, mas recompensarão em informação<br />
se consumidas em sinergia.<br />
A série Alice da HBO e sua história narrada através da televisão, internet<br />
e atos urbanos se encaixaria neste modelo se não fosse pela tão explícita<br />
noção de que cada texto pode também ser consumido de forma isolada.<br />
5 T.N.: “Transmedia storytelling represents a process where integral elements of a fiction get dispersed systematically<br />
across multiple delivery channels for the purpose of creating a unified and coordinated entertainment experience.<br />
Ideally, each medium makes it own unique contribution to the unfolding of the story”.<br />
17
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Afinal, como compreender Alice se apenas as mensagens de texto via celular<br />
são consumidas ou se apenas um perfil de rede social é lido Cabem<br />
então alguns questionamentos acerca do conceito clássico de transmídia<br />
largamente difundido por Jenkins em três aspectos: sobre a narrativa, sobre<br />
o consumo isolado dos textos e sobre textos narrados sem mediação, que<br />
configurariam atos de performance dos atores, como quando Alice vai até<br />
as ruas de São Paulo. Para tanto, precisamos estabelecer o que entendemos<br />
por texto.<br />
Mieke Bal na década de 1980 se posicionava ligando narrativa a relato de<br />
narração, sendo um texto narrativo, um que converta história em signos linguísticos:<br />
“Um texto narrativo será aquele em que um agente relate uma narração”<br />
6<br />
(BAL, 1990, p. 13), ou seja, que relata a história. A autora trata texto como “um<br />
todo finito e estruturado que se compõe de signos linguísticos” 7 (BAL, 1990, p.<br />
13). Optamos, no entanto, por tratar o texto narrativo transmidiático num sentindo<br />
amplo, que pode ser representado por uma imagem, não exclusivamente<br />
pela oralidade ou pela escrita, devido ao caráter multimídia tão enaltecido na<br />
transmidiação. Consideramos então como o texto de uma narrativa transmidiática<br />
toda sua conjuntura audiovisual, performática, impressa ou sensorial que<br />
contribuam de forma coerente e relevante com a complementação da história<br />
6 T.N.: “Un texto narrativo será aquel en que un agente relate una narración”<br />
7 T.N.: “Un todo finito y estructurado que se compone de signos lingüísticos”<br />
18
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
contada. Isto posto, seguimos com a primeira problemática no conceito proposto<br />
por Jenkins, a narrativa.<br />
Há uma falta de uma definição (ou escolha de uma) pelo autor para<br />
explicitar o que ele entende por narrativa, dando origem a uma linha de<br />
pensamento no qual se acredita que o mesmo conteúdo exibido em locais<br />
diferentes geram novos sentidos por serem editados e reformatados por<br />
outra mídia podem ser definidos como uma narrativa transmidiática. É o<br />
caso de uma novela resumida e editada exibida em uma televisão no ônibus<br />
ou num bar. Esta linha segue o pensamento de Geoffrey Long, que em<br />
entrevista a Revista Pontocom (2009) 8 , afirma: “transmídia significa qualquer<br />
coisa que se move de uma mídia para outra”. Tal colocação, diante<br />
dos fatos, nos leva a refletir “transmídia” sem necessariamente esta ser uma<br />
narração. Diante desta linha, as várias adaptações do livro Gabriela de Jorge<br />
Amado para a televisão ou o fato de fãs recriarem suas obras favoritas<br />
em outras plataformas distintas da que a obra foi publicada originalmente<br />
classificaria um texto como transmidiático. No entanto, esta vertente nos<br />
parece “espertamente” muito abrangente.<br />
A partir do conceito de Jenkins (2008), pensamos as transmidiações narrativas<br />
como deslocamentos de conteúdos entre plataformas, evocando a<br />
8 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em: .<br />
Acesso em 14 jun. 2011.<br />
19
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ideia de que as plataformas acionam maneiras distintas de fruição e experiência<br />
de um produto. Atentamos ao fato de que não só devemos levar em<br />
conta novos sentidos que os produtos ou seus discursos produzem ao se<br />
transmidiarem, mas principalmente que estes produtos necessitam de “bits”<br />
informacionais, de textos inéditos e profundos estendidos através destas<br />
plataformas para comporem uma narrativa transmidiática. É uma combinação<br />
entre o novo sentido do produto cultural produzido na recepção ao<br />
migrar entre plataformas e mídias e a adição de compreensão e informação<br />
inéditas à narrativa com profundidade para a imersão. Não tratamos então<br />
de repetição ou de adaptação narrativa, como é o caso da obra Gabriela,<br />
através dos meios usados na expansão. Acreditamos que a distinção entre<br />
produção oficial e não oficial é válida para entender que não é apenas o<br />
fato de um texto aguçar a criatividade dos fãs e a produção paralela deste<br />
fandom que o define como transmidiático. A figura do autor ainda é importante<br />
nesta forma de narrar. Estas reconfigurações são sintomáticas de um<br />
momento de convergência e de uma geração que cresceu com jogos como<br />
Lego, por exemplo.<br />
É Christy Dena (2006), no entanto, que soluciona nossa segunda problemática,<br />
quando Jenkins sugere um consumo isolado dos textos transmidiáticos,<br />
com o conceito de transficção (transficcion) trazido pela autora. Fazendo<br />
referência direta a Henry Jenkins, ela pontua que na transficção uma quebra<br />
20
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
na lógica de que os textos não devem ser consumidos de forma isolada, já que<br />
a história depende de todos os fragmentos dispersos em cada mídia. Optamos,<br />
no entanto, em manter o termo cunhado por Jenkins em detrimento da<br />
transficção neste caso, com a ressalva de que há situações onde o consumo<br />
integrado é imprescindível para compreensão total da obra, inviabilizando o<br />
consumo isolado das mídias ou plataformas, como acontece na série Alice.<br />
Nosso terceiro e último contraponto com o conceito de Henry Jenkins<br />
(2003, 2008) é a falta de uma indicação ou inclusão de atos performáticos<br />
como elemento da transmidiação. Para tanto, o autor Max Giovagnoli (2011)<br />
traz, com a facilidade de novos produtos transmidiáticos mais atuais, o termo<br />
que usamos largamente como performance até aqui. Para ele, as ações de<br />
performance dentro da narrativa transmidiática se classificam como ações urbanos<br />
(urban actions) que parece ser algo acionado na mídia pelo que André<br />
Lemos chamou de “território informacional” e que soa tão urgente às novas<br />
narrativas. A seguir, precisamos entender a televisão dentro deste contexto.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Televisão transmídia: a performance das mídias no cotidiano<br />
“A televisão é sem dúvidas a única mídia que mobiliza cotidianamente a<br />
atenção de todas as outras” (JOST, 2007, p. 21) e talvez seja por isso e pelo<br />
21
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
fato dela ter sido uma das últimas mídias a aglutinar qualidade de outras<br />
que ela tem sido apontada como um dos meios tradicionais de comunicação<br />
com menor dificuldade de adaptação à digitalização e, por conseguinte,<br />
dá o tom de conteúdo para a produção audiovisual na internet. É urgente<br />
assinalar que quando pensávamos que a internet iria aglutinar outras mídias,<br />
parece ser a televisão quem está fagocitando o sistema de convergência.<br />
Naturalmente que no campo da literatura e da televisão precisaremos<br />
sempre de um referencial simbólico para compreender um texto, como percebeu<br />
Kinder (1993) ao usar o termo transmídia. Mas especificamente na literatura<br />
ergódica (Ergodic Literacy), há o destaque para este esforço cognitivo<br />
exigido pelo texto citado por Jenkins (2008) que implica numa performance<br />
diante do que se lê. Aarseth (1997, p.1) resume que “na literatura ergódica,<br />
esforços não-triviais são necessários para permitir que o leitor atravesse o<br />
texto”. De forma mais geral, para ele a literatura ergódica contempla textos<br />
abertos e dinâmicos, que necessitam mais que o esforço dos olhos para serem<br />
compreendidos, precisando de uma “performance” do leitor. Há então<br />
duas noções de performance aqui inferidas no texto, a da instância de produção<br />
juntamente com a do produto e a ação fruitiva do consumidor. Estamos<br />
cientes de que estas ações sempre existiram, mas alguns processos, tais<br />
como o transmídia e outros derivados do multimídia, trazem a performance<br />
para dentro do texto em níveis mais notórios.<br />
22
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Falar sobre a relevância da performance diante de um cenário midiático<br />
em que os fluxos de informação borram os limites gerados pelas próprias<br />
materialidades dos meios nos faz debater especificidades nos fazeres performáticos.<br />
Dessa forma, para discutir a série Alice, precisamos entender que<br />
a expansão deste produto se dá, de alguma forma, diante de um contexto<br />
de expansão da própria noção de performance, além da expansão da noção<br />
de transmídia, principalmente pelas ações urbanas (urban actions) da<br />
personagem. Pensar a construção das relações performáticas inferidas pela<br />
televisão e pela internet nos direciona a reconhecer dinâmicas expansivas<br />
na relação dos indivíduos com os meios de comunicação. Aqui, tratamos a<br />
performance em três momentos, produtor, produto e fruidor. Para tanto, um<br />
apontamento sobre performance midiática:<br />
Falar em performance de texto midiático é pensar a performance do<br />
produto, tanto no ato do texto exigir uma ação performática (participação<br />
do leitor) quanto no fato das encenações já discutidas com relação<br />
ao meio, mas também na encenação não mediada dentro de um objeto<br />
que transcende a televisão, como Alice, classificada por Giovagnoli (2011)<br />
como ações urbanas.<br />
O ato de performance do fruidor, no entanto, é acionado pela performance<br />
do produto e do produtor, impelindo diferentes níveis de espectatorialidade<br />
(consumo) e fazendo do espectador o que Janet Murray (2003) chamou de<br />
23
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
interator antes mesmo de Jenkins cunhar o termo narrativa transmidiática.<br />
É sobre esta noção de consumidor enquanto interator que cabe, aqui, uma<br />
explanação.<br />
Janet Murray (2003) comenta sobre características de interator, que nos<br />
parece ser relevante em Alice, ao explicar certa mobilidade que traz o ciberespaço<br />
para o espectador de uma narrativa que perpassa por ele, como um<br />
local de participação e ao relembrar a importância do papel do autor em<br />
definir limites narrativos:<br />
O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o contexto<br />
e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele<br />
navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório<br />
de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular dentre<br />
muitas danças possíveis previstas pelo autor.(MURRAY, 2003, p. 147)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A partir da dinâmica deste fruidor, chamado pela autora de “interator”, abrem-<br />
-se as possibilidades de expansão de conteúdos, sobretudo na internet com os<br />
desdobramentos, as apropriações, as reconfigurações. Interessante destacar que,<br />
na própria terminologia de “interator”, nos parece sintomático perceber a ideia<br />
de “ator” (“actor”) como alguém que atua neste ambiente – ou seja, performatiza<br />
uma ação em alguma de suas redes sociais, por exemplo.<br />
24
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A televisão maravilhosa de Alice: performance, cotidiano e transmídia<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A série da HBO Brasil é sintomática de uma televisão que poderíamos chamar<br />
de televisão expandida ao abarcar tão radicalmente o cotidiano, dentro<br />
da lógica de transmidiação, atuando também como objeto cultural atualizador<br />
das proposições de Henry Jenkins. Estes três elementos – performance,<br />
cotidiano e transmídia – parecem apontar para uma televisão remediada,<br />
reinterpretada de uma maneira cíclica, como fenômeno que Bolter e Gruisin<br />
(2000) chamam de remediação (remediation). Alice borra as lógicas pré-determinadas<br />
do sistema de produção televisiva e contempla um tipo de fruição<br />
que convoca o espaço físico real como apropriação e mímese ficcional.<br />
A história da personagem começa a ser contada ainda em 2008 na internet<br />
e na televisão, passando posteriormente a ser narrada de forma exclusiva<br />
na internet e no cotidiano da cidade de São Paulo entre 2009 e novembro de<br />
2010, quando se prepara para voltar a HBO no formato de telefilme, o que já<br />
nos parece fruto da reconfiguração do formato seriado depois de seus múltiplos<br />
itinerários midiáticos. Mesmo com um relativo espaço no tempo entre<br />
a finalização de Alice que se encerra nestes dois telefilmes ainda em 2010,<br />
não podemos destacar outro produto de tamanha expressão no sentido<br />
de remediação dos meios televisivos no Brasil. Mesmo a telenovela global<br />
Cheias de Charme de 2012 – experimento mais complexo nas telenovelas<br />
25
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
nacionais – que acionou a lógica transmídia com videoclipes na internet durante<br />
a trama e um livro lançado após sua finalização, não chegou aos níveis<br />
de espectatorialidade proporcionados por Alice nas ações urbanas, talvez<br />
por implicações do gênero novelístico.<br />
Alice é criada sobre o tradicional formato dos 40 minutos de episódio<br />
intercalados com comerciais, sendo exibida de forma inédita uma vez por<br />
semana (aos domingos) pelo seu canal de criação, HBO (Home Box Office),<br />
tendo sua narrativa também estruturada nas já usuais temporadas. Como<br />
reflexo do sistema que o circunscreve desde a década de 1990, se tornou<br />
tradição do canal a criação de um hotsite para suas produções, sendo Alice a<br />
terceira produção original do canal no Brasil e a primeira a estrear com temporada<br />
completa de 13 episódios já filmados.<br />
Nascida com premissa de convergência entre mídias, a série vem com direção<br />
de Karim Aïnouz e Sérgio Machado, sendo co-produzida pela Gullane<br />
Filmes, produtora de conteúdo criada no final dos anos 1990, trazendo uma<br />
personagem de Palmas, no Tocantins, que está prestes a casar com seu noivo<br />
quando recebe a notícia do suicídio de seu pai, o qual não vê há anos. O pai<br />
havia pulado de um dos prédios da cidade de São Paulo, cenário que recebe a<br />
personagem como a “toca do coelho da Alice” do escritor inglês Lewis Carroll.<br />
Com esta parte da história contada no blog em quatro postagens entre<br />
22 de agosto e 21 de setembro de 2008, dia de estréia da série, a seria conti-<br />
26
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
nua deste ponto narrativo quando a personagem se muda para São Paulo e<br />
para a televisão, mas permanece com o blog e pelo menos uma atualização<br />
semanal. É através do hotsite da série dentro da página da HBO Brasil que<br />
se conhece o blog. encantada.tv, diário da personagem, e também através<br />
destas duas portas de entrada que se torna possível descobrir o endereço<br />
de e-mail da personagem – e adicioná-la no MSN Messenger – ou ainda se<br />
cadastrar na agenda do celular tocantinense.<br />
Os episódios televisivos fazem sempre referência a uma vida da personagem<br />
no muno virtual, enquadrando na tela suas visitas à página do<br />
Orkut ou alguma conversa na rede de bate-papo da Microsoft. Uma câmera<br />
digital de Alice também filma situações cotidianas de São Paulo com<br />
outros personagens e a protagonista aparece colocando-os online em sua<br />
conta no Facebook.<br />
Através do bate-papo com Alice no MSN, um ruído: a moça era uma<br />
espécie de robô virtual com um menu eletrônico e falas pré-programadas<br />
que davam ao usuário opções de conteúdos expandidos da televisão:<br />
“Quer ver o que preparamos para você hoje É só digitar: ‘novidade’. Ou<br />
então conheça o mundo encantado de Alice mandando uma mensagem<br />
com algumas destas perguntas (...)” seguindo em cerca de cinco opções<br />
semelhantes a “Como é a vida em São Paulo”. A resposta vinha em terceira<br />
pessoa, como um narrador.<br />
27
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Através do MSN, Alice compartilhou nestas postagens pré-programadas<br />
24 vídeos entre 25 de setembro a 13 de outubro, dando um novo uso à ferramenta,<br />
mas que volta a ser usada como bate-papo ao longo de momentos<br />
pontuais da série.<br />
Antes da exibição dos episódios, no entanto, o canal de televisão fechado<br />
divulgava a série em ação promocional através de peças na WEB e fora dela<br />
por quase dois meses. Nos banners em sites era possível ler a frase: “Alice -<br />
Uma história começa”, que junto com o ambiente de divulgação (blogs, sites,<br />
redes sociais, etc.), nos aciona regimes narrativos de um período de fragmentação<br />
que reflete no audiovisual uma ruptura além da sua característica<br />
episódica - exigindo do produto certa ubiqüidade. Esta marcação também é<br />
relembrada quando a personagem encerra seu trailer de divulgação na WEB<br />
com a frase: “Talvez valha mais uma Alice voando, do que mil Alices com os<br />
pés no chão”, que nos parece apontar o itinerário da série e seus personagens<br />
que seria traçado através de plataformas, discursos e atuações divergentes.<br />
Este percurso transmidiático implica em diferentes situações performáticas<br />
e tensões que são acionadas em momento de convergência.<br />
Através do Orkut, as redes sociais entram na série com um papel de<br />
um diálogo com a personagem mais livre, mais inserido no cotidiano. Com<br />
mais três personagens esta era primeira ação de Alice que inclua uma resposta<br />
humana, não pré-programada através de cálculos, sendo reativa para<br />
28
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
o público, já que o MSN só ganhou essa função na série depois da criação<br />
do Orkut. Quando questionada se este perfil em rede social era da atriz ou<br />
fictício, Andréia Horta sempre se referia a ele como sendo de Alice, um perfil<br />
real. Interação entre os personagens também existiam, mas constituíram<br />
menos de 10 recados (scraps) trocados em cada um. Os outros três perfis<br />
são: Teobaldo (Juliano Cazarré), Marcela (Gabrielle Lopez) e Nicolas (Vinicíus<br />
Zinn), respectivamente amigo, melhor amiga e namorado de Alice.<br />
O que era disperso em quatro perfis no Orkut se concentra em apenas<br />
um no Facebook. Através da personagem principal fictícia na rede, novos álbuns<br />
de fotos são construídos, eventos são marcados e novos amigos são<br />
feitos. O mural (wall) do site é construído com postagens cotidianas, fotos,<br />
respostas as perguntas dos usuários e aplicativos integrados que indicam<br />
quais músicas Alice está ouvindo. A música era um grande elemento construtor<br />
da imagem de Alice: Se no hotsite tínhamos um player com as músicas<br />
tema da série e a simulação da área de trabalho do computador da personagem,<br />
através do perfil dela nas redes sociais de música era dado acesso a<br />
listas (setlists) no Blip.fm, além de informações sobre a música que estava a<br />
personagem ouvia no momento com o Last.fm, onde tinha sua própria estação<br />
de rádio e misturava suas postagens do blog com vídeos no MySpace.<br />
Com o fim dos episódios na televisão em 14 de dezembro de 2008, Alice<br />
concentra-se na rede social mais popular à época no Brasil, onde suas pos-<br />
29
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tagens com 140 caracteres se tornam mais constantes do que no Facebook.<br />
Com quase 1.000 seguidores, Alice continua a contar sua história, através do<br />
Twitter integrado com as outras redes que permanecem online e com o serviço<br />
de localização do Foursquare. A ferramenta configura aqui o principal<br />
texto da “segunda temporada” da série, continuada pela internet, na qual a<br />
performance dos usuários (interatores) ganha destaque com o uso da ferramenta<br />
para perguntar sobre novas informações de outros personagens e<br />
de assuntos inacabados nos episódios da televisão. Além das redes sociais<br />
de postagem rápida, a série conta com o Tumblr, sistema de postagem semelhante<br />
ao blog, aproveitando para aposentar este último. Nela compartilhava<br />
posts dos blogs que seguia em um sistema semelhante ao do Twitter,<br />
porém com maior liberdade de caracteres, além de complementar sua narrativa.<br />
Disponível em < http://www.maisalice.tumblr.com/><br />
No entanto, é o Foursquare integrado a outras redes sociais que radicaliza<br />
com a noção de performance das duas instâncias: produto e fruidor.<br />
Numa rede social que possui objetivos, como uma espécie de jogo, o usuário<br />
pode se tornar “prefeito” de um local se ele foi o frequentator mais assíduo.<br />
Na série a rede é usada através do serviço de geolocalização para informar<br />
quando e onde Alice está em São Paulo. Cafés, restaurantes, seu trabalho no<br />
brechó. É aqui onde temos o ponto extremo das ações urbanas gerenciando<br />
uma atuação performática.<br />
30
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em suas transições entre as mídias, Alice continua sua narrativa de onde<br />
parou na mídia anterior, de forma que os textos se completam, mesmo com<br />
resumos típicos do gênero televisivo na sua volta às telas com dois telefilmes.<br />
Assim, a série se configura como uma narrativa transmidiática, não necessariamente<br />
a primeira a testar alguns experimentos.<br />
Voltamos então a 1997, quando a série norte-americana Homicide do<br />
canal NBC lançou o que na época era chamado de spin-off online 9 intitulado<br />
de Homicide: The Second Shift. A série foi a primeira da televisão a fragmentar<br />
seu texto entre mídias e quebrar com a lógica da grade televisiva.<br />
Na versão online, fragmentos de vídeos, imagens e textos dispostos no site<br />
davam as mesmas pistas dos detetives da série televisiva, começando sua<br />
transmidiação com crimes cometidos na versão exibida na web às quartas e<br />
quintas. Nas sextas-feiras o audiovisual da televisão continuaria com os crimes<br />
que os detetives da versão do Homecide.com começaram a investigar,<br />
dando continuidade ao que começou na internet, como nos conta John t.<br />
Caldwell (2003). No ano seguinte surge o drama adolescente Dawson’s Creek<br />
pela Sony com a simulação da área de trabalho dos personagens, incluindo<br />
diários virtuais etc. Depois temos o filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch<br />
Projetct) que é lançado nos Estados Unidos em 1999, no qual a produção<br />
usou falsas notícias em jornais e um documentário para fazer o público crer<br />
9 Um novo produto midiático originário de outras séries ou programas que já existem.<br />
31
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
que três jovens desapareceram nas florestas em busca da bruxa. Pistas falsas<br />
foram plantadas na floresta onde se passava a história cerca de um ano antes,<br />
assim como notícias em jornais apareceram depois das pistas, além do<br />
documentário exibido no canal norte-americano Sci Fi.<br />
Nada melhor para falar sobre embaralhamentos entre real e ficção do<br />
que mencionar o clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, obra<br />
em que os sintomas e os agenciamentos entre realidade e ficção ganham<br />
escopos narrativos usados como premissa para a criação do seriado de TV<br />
Alice, do canal HBO.<br />
A relação entre que está disposto como parte da narrativa do seriado de<br />
TV, aquilo que se dispõe nas redes sociais e o cotidiano agendado pelos personagens<br />
nos faz pensar sobre novas formas de assistir/performatizar produtos<br />
televisivos. No momento em que “sai” da TV, passa a existir no cotidiano,<br />
a personagem Alice, da série, adere ao cotidiano, acionando no espectador<br />
habilidades que visam não mais separar “vida real” e “vida no seriado”, mas<br />
operacionalizar os agenciamentos entre eles. Estaríamos diante do que Michel<br />
De Certeau infere sobre cotidiano inventado, inserção do lúdico no dia-a-dia,<br />
sem haver uma tão radical oposição entre trabalho-lazer, real-ficção, borda-<br />
-centro. A noção de cotidiano inventado é compreendida como uma camada<br />
textual da série “Alice”, em que a personagem, assim como no original de<br />
Carroll, “atravessa espelhos” e caminha por entre espaços em que não se tem<br />
32
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
tão clara a noção entre onde começa a série e onde é “vida real”. A série reforça,<br />
no entanto, a existência de um dorso narrativo – portanto, as noções de<br />
autoria e de ingerência das instancias produtivas persistem - e reafirma a necessidade<br />
da presença do unitário mesmo em um momento de digitalização,<br />
fragmentação e pós-consumo que perpassam as engrenagens midiáticas.<br />
O uso da obra de Carroll é, primeiramente, acionado pelo próprio objeto,<br />
a série Alice da HBO, que é publicamente inspirada em enredo e formato<br />
narrativo nas questões que Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo<br />
de Lewis Carroll, traz nas obras publicadas entre as 1860 e 1870: Alice’s Adventures<br />
in Wonderland e Through The Looking Glass. Percebemos elementos<br />
em sua obra que parecem nos ajudar a compreender a lógica da convergência<br />
e a premissa da criação de micromundos sintomáticas de uma televisão<br />
contemporânea.<br />
Considerações finais: novos regimes de espectatorialidade<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Falar em regimes de espectatorialidade é perceber que na lógica de uma<br />
televisão que se expandida através de outras mídias e plataformas há níveis<br />
de fruição que imbricam diferentes tipos de performance do interator.<br />
É reconhecer que esta televisão que embaralha o real e o fictício é feita de<br />
33
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
camadas, para públicos distintos dentro do mesmo nicho, evocando formas<br />
de consumo que antes pareciam menos públicas nas nuances subterrâneas<br />
do fandom.<br />
Há, neste sistema de ver e agora “entrar” televisão, como Alice do Carroll<br />
entra no espelho, níveis de espectatorialidade a partir do momento em que<br />
percebemos uma ruptura com regimes enquadrados pela grade de televisão<br />
e suas lógicas comerciais.<br />
Talvez agora seja promissor voltarmos a penar no campo de estudos dos<br />
Usos e Gratificações que, outrora na esfera da recepção, encontra-se atualmente<br />
na égide da produção narrativa ao passo que identifica alguma atividade<br />
do espectador que busca naquilo certas gratificações, como quando a<br />
audiência começa a ser pensada com certa atividade, seletividade e expectativas<br />
de recompensa ou gratificações pelo uso da mídia na década de 1970.<br />
Certas discussões sobre o conceito clássico de transmídia diante da série<br />
Alice trazem à tona a questão de que é esta gratificação que leva o consumidor<br />
a níveis mais profundos do texto, percorrendo o itinerário transmidiático,<br />
mas principalmente nos fazem assumir que há níveis do texto para<br />
cada intenção de consumo, seja para um indivíduo que espera apenas assistir<br />
televisão enquanto passa à ferro suas roupas, ou para o indivíduo que sai<br />
da frente do computador para “entrar no espelho”, encontrar e questionar<br />
o seu personagem favorito nas ruas de São Paulo. A televisão não deixa de<br />
34
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ser uma experiência em nenhum das duas situações, mas passamos a fazer<br />
parte desta experiência quando vamos até a última camada do seu último<br />
texto seja por motivos comerciais do produto ou pela gratificação que nos<br />
faz sermos todos “Alice”.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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Johns Hopkins University Press, 1997.<br />
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(Part. 1). Postado em: 06 jan. 2006 no Blog Christy’s Corner of the Universe. Disponível<br />
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Sumário<br />
eLivre<br />
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Acesso em: 24 jun. 2012.<br />
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Commonwealth of Massachusetts, New England, 2007.<br />
MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:<br />
Unesp, 2003.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
37
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
“FANMEDIA” STORYTELLING:<br />
A PRODUÇÃO CULTURAL DOS FÃS NA ANÁLISE<br />
DE COMPOSIÇÕES TRANSMIDIÁTICAS NARRATIVAS<br />
Alan Mascarenhas 1<br />
Resumo<br />
Através de conceitos divergentes sobre narrativas transmidiáticas, propomos uma<br />
reflexão sobre qual o lugar da produção do fandom dentro de um circuito transmidiático.<br />
Para tanto, expomos exemplos de fanficções e questionamos como podemos<br />
pensar uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática para análise de<br />
narrativas deste gênero. Ponderamos então os remixes de obras feitos pelo fandom,<br />
os quais podem provocar reconfigurações nos produtos culturais originais, remetendo<br />
a um possível resgate da aura destas obras. Desaguamos então no termo<br />
“fanmedia” para classificar e entender a tomada da mídia por parte do seu público.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Palavras-Chave: Fandom. Transmedia storytelling. Inteligência coletiva; Reconfiguração.<br />
Cibercultura.<br />
1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />
em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />
(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: alanmanga1@gmail.com.<br />
38
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A imersão em narrativas é um desejo que acompanha o ser humano em<br />
sua evolução social, como reflete Janet Murray (2003). O processo que tem<br />
como vetor esta imersão percorre o cinema “mudo” com trilha sonora apresentada<br />
ao vivo, chega na terceira dimensão, na apresentação de hologramas<br />
e na transmidiação. Todas estas situações naturalmente reconfiguram formas<br />
de produção e consumo de produtos culturais. Na instância que cobre os<br />
espectadores, a imersão pode proporcionar uma abertura daquele produto<br />
a atividades do fandom que outrora estiveram à margem do produto original,<br />
tais como fanficções e incontáveis produções “não oficiais” produzidas<br />
por fãs, ou seja, uma produção fan made. Neste formato de produção fandômica<br />
há uma “reprodutibilidade remixada”, onde fãs do produto cultural<br />
“remixam” conteúdos no líquido do ciberespaço, colocando em questão o<br />
controle das franquias de entretenimento.<br />
Diante deste statu quo, refletimos o conceito de narrativas transmidiáticas,<br />
escrito primeiramente por Henry Jenkins em Cultura da Convergência<br />
(2008), sobre um fenômeno anterior, já estudado por Janet Murray (2003),<br />
levantando questionamentos acerca da reconfiguração proporcionada pela<br />
subprodução dos fãs referentes a uma obra narrativa transmidiática e suas<br />
ponderações diante da conceituação de tal gênero narrativo.<br />
39
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Nosso vetor é propor uma reflexão inicial sobre qual o lugar das produções<br />
de fãs em uma franquia e em qual momento narrativo elas podem<br />
se situar em uma narrativa transmidiática e em seu universo, a fim de corroborar<br />
com futuras análises de peças com tais características. Partimos de<br />
questionamentos referentes à reconfiguração da narrativa transmidiática,<br />
tais como: poderiam esses produtos fan made transformar uma narrativa em<br />
transmidiática Em qual lugar de um circuito transmidiático podemos alocar<br />
tais produções para análises de produtos Em suma, como podemos pensar<br />
uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática<br />
Levantaremos essas questões e refletiremos possíveis considerações diante<br />
de uma regressão conceitual no percurso que acreditamos culminar no<br />
que Jenkins (2008) chama de narrativa transmidiática. Assim, discutiremos<br />
alguns exemplos de produção de fãs diante deste cenário, escolhendo produtos<br />
que não são narrativas transmidiáticas a priori, como a série televisava<br />
The O.C. e as obras literárias de Harry Potter, para pensarmos se produtos<br />
fan made em plataformas distintas ativam transmidiação narrativa. A possível<br />
verificação do assunto nos inferiu o termo “Fanmedia Storytelling”, uma<br />
remixagem do “transmedia storytelling” com o “fan made”, como forma de<br />
referência às duas práticas que se aglutinam. Trazemos o termo num sentido<br />
dispare do já ocorrente “media fandom”, usado para referir-se aos fãs de<br />
produto de mídia.<br />
40
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Especificamente relacionado a produtos audiovisuais, tais como séries e<br />
filmes, como discorre Francesca Coppa (2006), o media fandom é constantemente<br />
contraposto aos outros grupos de fãs pelas relações que este público<br />
estabelece com a instância de produção. Coppa (2006) difere media fandom<br />
de grupos de fãs de celebridade, de música, de revistas em quadrinho etc.,<br />
mas ressalta que a partir da década de 1990, com a migração dos fãs para<br />
um espaço mais próximo do mainstream, através da internet, os grupos, antes<br />
isolados, se tornaram vizinhos. Assim, um fã de celebridade facilmente<br />
produzia textos relacionados ao fandom de quadrinhos e se torna mais difícil<br />
a divisão por tribos.<br />
Percebemos esta movimentação nítida principalmente em tempos de convergência<br />
midiática. Para Márcio Padrão, o relacional, existente nos media fandom,<br />
é um dos grifos deste grupo de fãs: “o processo de sociabilização entre as<br />
pessoas já havia sido iniciado anos antes [à internet], com o progressivo surgimento<br />
das media fandoms” (PADRÃO, 2007, p.13).<br />
Estamos claros de que essa movimentação vernarcular do público diante de<br />
um produto não é nova, haja vista que a produção dessa considerada subcultura<br />
dos fãs, o fandom, acontecia ainda com mídias impressas através dos fanzines,<br />
revistas desenvolvidas paralelamente por fãs de forma independente desde a<br />
década de 1930, “a partir da iniciativa dos fãs de ficção científica” (MAGALHÃES,<br />
2003, p.7). Ressaltamos aqui que, naturalmente, na internet há uma nova expo-<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
sição desses conteúdos de subculturas, cabendo um papel de reconfiguração<br />
no produto principal, como observamos, através de leituras resistentes.<br />
Modelos rígidos da comunicação perante os líquidos da cibercultura<br />
Décadas fizeram-se necessárias para que os modelos rígidos de comunicação,<br />
difundidos a partir do século XX através dos estudos do Mass Comunication<br />
Research, iniciassem um processo de retração e abrissem as perspectivas<br />
comunicacionais para modelos que projetassem o receptor passivo<br />
ao status de fruidor e participante ativo na produção midiática.<br />
O nascimento da televisão, talvez a mídia com narrativas audiovisuais de<br />
maior alcance no Brasil, vem diante de uma premissa massiva e linear de comunicação<br />
que, mesmo décadas depois do seu surgimento, segundo Lúcia<br />
Santaella (2006, p. 54), ainda não teria sido superada integralmente:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Não obstantes as críticas e as modificações que foram e continuam sendo<br />
inseridas no modelo original de Shannon, o que não se pode negar é que<br />
o esquema analítico por ele proposto, ou seja, a essência do modelo tem<br />
continuado como uma presença constante desde os anos 50.<br />
Neste aspecto, naturalmente não consideramos a televisão como um ve-<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ículo onde o modelo matemático implica em total passividade do individuo<br />
perante o conteúdo midiático. Ressaltamos, apenas, que aqui não há uma<br />
situação interativa plena, ou seja, em tempo real e horizontal, onde o espectador<br />
dota das mesmas ferramentas que o produtor de conteúdo para uma<br />
comunicação de duas vias.<br />
Portanto, consideramos mídias massivas os dispositivos que adotam uma<br />
relação vertical com seu público, através dos quais os produtores de conteúdo<br />
regram o fluxo de suas produções, buscando o controle e lucro. Esses<br />
produtos, segundo Thompson (2009), são colocados à disposição de muitos<br />
e construídos para não desagradar a maioria da “massa”, já que são baseados<br />
em um modelo mercantilista.<br />
Para André Lemos (2007), mídias clássicas como televisão, impressos etc.<br />
obedecem a funções massivas. Segundo o autor, tais funções são características<br />
de plataformas de uma era que começa na Revolução Industrial e pressupõem<br />
uma rede telemática inexistente, visando à criação de hits em larga<br />
escala: “As funções massivas são aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para<br />
pessoas que não se conhecem, que não estão juntas espacialmente e que<br />
assim têm pouca possibilidade de interagir” (LEMOS, 2007, p.6).<br />
A partir do final do século XX e início do XXI podemos observar uma era<br />
pós-industrial e a necessidade de superação de tais modelos, guiada por<br />
transformações sócio-culturais que se tornam latentes com a disseminação<br />
43
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
de uma cultura eletrônica, virtual, oriunda da popularização da internet e do<br />
ciberespaço.<br />
Pierre Lévy (2005, p. 17) destaca o ciberespaço como “o novo meio de comunicação<br />
que surge da interconexão mundial de computadores” e o classifica<br />
como sendo a parte fluida, imersiva e coletiva que envolve a web, dando<br />
a tônica à cibercultura.<br />
As ferramentas interativas do ciberespaço atuam, então, como potencializadoras<br />
das ações do público diante do produto midiático, fazendo com<br />
que assim seja possível a audiência se aproximar do cerne de uma narrativa,<br />
mesmo que esta tenha, inicialmente, funções massivas. Tais possibilidades se<br />
dão por três premissas dessa nova cultura: “A liberação da emissão, a conexão<br />
generalizada e a reconfiguração das instituições e da indústria cultural<br />
de massa” (LEMOS, 2007, p.6).<br />
Se tínhamos um público reflexivo diante da televisão, porém sem ferramentas<br />
suficientes para uma ação interativa em determinados conteúdo, é a<br />
partir deste momento da história que vislumbramos as possibilidades de fruição<br />
de conteúdo e de um interator diante das mídias, retomando o que era<br />
percebido no campo de estudos “Usos e Gratificações” da década de 1960.<br />
A partir desses princípios, compreendemos que o virtual traz à margem<br />
o subterrâneo, emparelhando-o com a produção midiática massiva, propor-<br />
44
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
cionando uma convergência de conteúdo e, consequentemente, novos paradigmas<br />
que elevam a comunicação para um nível 2.0, onde os pólos de<br />
emissão e recepção são dispostos horizontalmente nas televisões interativas,<br />
nas produções coletivas da web etc.. Ou seja, um ambiente que, a partir<br />
da sua disseminação e do letramento midiático da sociedade, proporciona<br />
funções pós-massivas para os dispositivos.<br />
As funções pós-massivas têm a rede telemática como potencializadora<br />
de suas ações, já que são baseadas em uma comunicação de um para um, de<br />
nichos, ou seja, uma comunicação bidirecional na qual se pressupõe a conexão<br />
entre o público e sua capacidade de engendrar inteligência de forma coletiva,<br />
a fim de preencher lacunas do produto midiático, como afirma Lemos<br />
(2007). Para ele, “as mídias de função pós-massiva, por sua vez, funcionam a<br />
partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação,<br />
«liberando» o pólo da emissão, sem necessariamente haver empresas e conglomerados<br />
econômicos por trás” (LEMOS, 2007, p.5).<br />
Sendo assim, as funções massivas se baseiam em produtos clássicos da<br />
mídia que não proporcionam por si só um ambiente de leitura e escrita. Há<br />
aqui o controle excessivo das empresas perante o produto e o público. As<br />
pós-massivas, por sua vez, vislumbram ambientes mais propícios à escrita.<br />
Se temos uma situação de convergência de mídias e de seus conteúdos,<br />
temos funções massivas e pós-massivas em alternância frenética. Afinal, ao<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tratarmos da série de livros de Harry Potter isoladamente, estamos lidando<br />
com funções massivas. Se convergimos a internet com o livro nas criações<br />
colaborativas de fãs, temos produtos fan made, objetos pós-massivos, frutos<br />
das funções massivas do ciberespaço.<br />
Em tempos de convergência, não cabe apontarmos quais mídias são interativas<br />
ou quais são mais voltadas a um telespectador passivo, muito menos<br />
designar qual é massiva ou pós-massiva. No entanto, vale refletir novos<br />
conteúdos diante de funções massivas e pós-massivas engendradas, pois até<br />
mesmo na internet, ambiente considerado de alto potencial de escrita – contrário<br />
ao da televisão, que possibilita apenas a leitura em tempo real – temos<br />
portais de notícias, a exemplo, que não dispõem de campos de comentários<br />
e só oferecem o e-mail como canal de contato, o que é quase equivalente<br />
ao rádio dispor do telefone para falar com seus ouvintes.<br />
Sendo assim, a interatividade aqui proposta é a da participação integral<br />
no ciberespaço, de modo a que os indivíduos estejam trocando conteúdo,<br />
idéias e planejando estratégias, como no caso dos jogos em tempo real,<br />
fazendo com que essa dinâmica midiática construa novas práticas comunicativas<br />
produtivas de mão dupla e a várias mãos, como o crowdsourcing e<br />
toda a cultura do remix. Atribuímos ao termo interatividade uma noção de<br />
qualidade quase artesanal na comunicação massiva, considerando que ela<br />
está a serviço de um novo tipo de interface que proporciona uma partici-<br />
46
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
pação efetiva que pode gerar mudanças, trazer novos enfoques e promover<br />
variáveis comunicacionais.<br />
Ponderações sobre narrativas transmidiáticas<br />
A confluência de fenômenos massivos e pós-massivos é aqui destacada<br />
em produtos culturais principalmente transmidiáticos. Sendo estes produtos<br />
decorrência de um fenômeno transmidiático oriundo da convergência de<br />
plataformas e de seus conteúdos. Jenkins (2008, p. 27), conceitua a convergência<br />
da seguinte forma:<br />
Refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos,<br />
à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento<br />
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer<br />
parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
De acordo com Jenkins (2008), uma narrativa transmidiática compreende<br />
a prática de contar uma única história de forma fragmentada, através de várias<br />
plataformas, ou seja, fazendo uso de sites, games, filmes, livros etc., para<br />
narrar partes diferentes de uma obra que, juntas, se completarão, ganhando<br />
sentido para o público através da inteligência coletiva. Sendo assim, “uma<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos,<br />
com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o<br />
todo”. Com plataformas dando o melhor de si, é, então, criado um universo<br />
ficcional e imersivo para os fãs habitarem e interagirem (o qual chamamos<br />
de micromundo 2 ). Internacionalmente o modelo foi experimentado em séries<br />
como Lost e Heroes, e nacionalmente na série Alice, as quais trazem, em<br />
maior ou menor nível, o público ao cerne da narrativa, promovendo funções<br />
pós-massivas em produtos típicos da TV, uma mídia clássica.<br />
Para o pesquisador e consultor de projetos transmidiáticos Geoffrey<br />
Long 3 , “transmídia significa qualquer coisa que se move de uma mídia para<br />
outra”. Domingos (2008, p.2), baseado em Jenkins (2008), afirma que narrativas<br />
transmidiáticas “tornam fluidas as noções clássicas de tempo, espaço,<br />
tensão, clímax, ponto de vista, fio narrativo, gêneros narrativos e assim por<br />
diante”. Acentuamos aqui, então, que uma narrativa transmídia não é o mesmo<br />
que o termo “transmídia” isolado, o que entendemos ser a interpretação<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
2 Resgatando a noção de “micromundo” desenvolvida por Seymour Papert em 1980 na obra Mindstorms, Murrey<br />
(2003) explica que a visão inicial para o conceito era de que estes ambientes arquitetados pela virtualidade do computador,<br />
serviam para estudantes, que em um processo de imersão, executaram suas pesquisas. Murray (2003) passa<br />
a entender o conceito, além da comunicação educacional, como micromundo narrativo. A autora acredita que “a<br />
combinação de texto, vídeo e espaço navegável sugeria que um micromundo baseado em computador não precisava<br />
ser matemático, mas poderia ser delineado como um universo ficcional dinâmico, com personagens e eventos”<br />
(MURRAY, 2003, p. 21). Neste estudo, percebemos os micromundos narrativos nos eventos transmidiáticos ficcionais.<br />
3 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em < http://www.revistapontocom.org.br/p=1442>.<br />
Acesso em 14 set. 2009.<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
de Geoffrey Long. Este último se refere mais a estratégias de locomoção de<br />
conteúdo de uma mídia para a outra, do que a construção de uma narrativa<br />
entre diversas mídias, sendo entendido como algo que pode ser trocado por<br />
conceitos anteriores como o de Crossmedia. No caso deste termo que surge<br />
com o marketing e a publicidade, o mesmo produto, campanha, ou serviço<br />
utiliza-se de diversas plataformas (LUSVARGUI, 2007). Não há aqui, como na<br />
convergência, necessariamente uma extensão narrativa que se desdobrará<br />
em pedaços montáveis pelo fandom, como as narrativas transmidiáticas.<br />
Há que se levar em conta, ainda, que a palavra ‘narrativa’ pressupõe linguagem;<br />
portanto, os diferentes suportes devem utilizar a linha semântica que<br />
lhes compete e que a narrativa transmidiática não pode se furtar a respeitar,<br />
tais como os processos hipertextuais. A transposição de uma narrativa televisiva<br />
para um portal, por exemplo, não pressupõe a transmidialidade.<br />
Previamente a Jenkins, Murray (2003) define que narrativas contadas no ciberespaço<br />
tendem a ser caleidoscópicas e elevam o público, outrora entendido<br />
como receptor, a interator. Nesse sentido, entendemos que o público é apontado<br />
não apenas como um fruidor de conteúdo midiático, mas como uma possível<br />
peça-chave na construção de uma narrativa, como discorre Murray (2003, p. 147):<br />
O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o contexto<br />
e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele<br />
49
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório<br />
de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular<br />
dentre de muitas danças possíveis previstas pelo autor.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O papel do interator descreve o público de um produto midiático arquitetado<br />
sob funções pós-massivas e massivas, tais como as narrativas transmidiáticas<br />
propostas por Henry Jenkins. No entanto, a partir do momento<br />
em que se propõem novas posturas para o produtor de conteúdo e sua<br />
audiência, em meio a uma perspectiva clássica, há uma reconfiguração de<br />
modelos comunicacionais outrora estabelecidos, mediante novos comportamentos<br />
sociais, como ressalta Lemos (2007, p.2): “novas dimensões emergem<br />
com as novas tecnologias digitais e as redes telemáticas (...) Devemos,<br />
então, reconhecer a instauração de uma dinâmica que faz com que o espaço<br />
e as práticas sociais sejam reconfigurados com a emergência das novas”.<br />
A emergência de uma cultura participativa conflui funções massivas e<br />
pós-massivas, gerando uma nova dimensão na esfera comunicacional, onde<br />
há uma remediação, ou seja, onde dispositivos como a televisão, a exemplo,<br />
se apropriam de funções da internet, como explica Lemos (2007), através de<br />
Bolter e Grusin. O autor retoma tal visão ao referir-se a uma crise da mídia<br />
de massa e à emergência de uma remediação que desemboca em uma reconfiguração<br />
(LEMOS, 2007, p.7):<br />
50
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Trata-se efetivamente de «remediações» na esfera das mídias, mas também<br />
de reconfigurações de práticas sociais e de instituições (organizações, leis).<br />
Temos hoje o modelo de funções massivas da indústria cultural dos séculos<br />
XVIII a XX e o modelo de funções pós-massivas, caracterizado pelas mídias<br />
digitais, as redes telemáticas e os diversos processos «recombinantes» de<br />
conteúdo informacional emergentes a partir da década de 1970.<br />
Fandom como produtor cultural<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Com maior diversidade de ferramentas à disposição de sua criatividade e<br />
uma rede telemática, os fãs perderam o status de reprodutores com suas sátiras<br />
da mídia de massa e passam a ser classificados como produtores culturais.<br />
Quando um produto cultural entra no fandom, ele naturalmente perde o controle<br />
rígido que a indústria ou o autor procedimental tem sobre sua criação.<br />
As ações do fandom não são mais tidas diante de um sistema previamente<br />
calculado, como Janet Murray (2003) define o papel do interator. Este conceito<br />
é útil nas narrativas transmidiáticas já que de certa forma é compreendido que<br />
os fãs remixarão o produto original, mas não há como limitar a ação deles, há<br />
apenas como tentar mantê-las fora do circuito oficial do produto.<br />
O fandom surge como termo ainda em 1990, referindo-se à transformação<br />
de produtos da cultura de massa em um produto da subcultura dos fãs,<br />
devido as suas reapropriações, as quais aconteciam como uma conseqüência<br />
51
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
do seu sistema organizacional ainda antes da internet, mas que com o espaço<br />
público reconfigurado por esta, suas ações ganharam maior notoriedade.<br />
Tendo a internet não só como fonte de material, mas principalmente<br />
como fonte de divulgação, o fandom digitalizou os fanzines e assim criaram<br />
os fansites, que por muitas vezes tem conteúdo mais vasto e coerente do que<br />
espaços virtuais oficiais dos ídolos, já que os fansites são frutos de comunidades<br />
colaborativas de conhecimento especializado. Da logomarca do site<br />
às camisetas vendidas para manter financeiramente a estrutura da página,<br />
vemos produtos de fanart, ou arte dos fãs, e que são consumidas e recriadas<br />
dentro do seu próprio círculo. Com a popularização do vídeo pelo formato<br />
flash, mais leve e naturalmente mais rápido que os demais, através do<br />
YouTube as paródias ganham novamente destaque, mas emergem também<br />
recriações que se apropriam do conteúdo intelectual de uma série televisiva,<br />
por exemplo, ao ter seus capítulos refeitos e divulgados pelos fãs, com o<br />
roteiro alterado. Na série norte-americana The O.C., exibida de 2003 a 2007<br />
e produzida por Josh Schwartz para a Warner, por exemplo, insatisfeitos com<br />
o cancelamento da série, os fãs continuaram a produção dos episódios com<br />
cenas já exibidas na televisão, reeditando-as e criando novas temporadas<br />
com roteiro inédito para serem vistas no site de vídeos.<br />
Com relação às narrativas impressas, tais como grandes obras literárias,<br />
encontramos um universo paralelo de autores-fãs (ficwriter), com vários vo-<br />
52
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
lumes publicados de suas histórias favoritas, reescritas de acordo com seu interesse<br />
pessoal e amplamente difundidas no ciberespaço. Assim, observamos<br />
a juvenil Escola da Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde Harry Potter estudou<br />
durante sua juventude, tornar-se um ambiente libidinoso, com paixões entre<br />
alunos e professores 4 e sexo nas masmorras do castelo entre uma aula de varinhas<br />
e outra de Trato de Criaturas Mágicas. Ou ainda ganhar uma narrativa<br />
estruturada nos modelos humorísticos, ao contrário da obra original escrita<br />
por J.K Rowling em sete volumes lançados pela Bloomsbury Publishing, entre<br />
1997 e 2007 . Tais criações narrativas de fãs são intituladas de Fanficion,<br />
que em tradução livre adquire o sentido de “ficção de fã”. Em alguns casos a<br />
estrutura dessas narrativas é tão rica e estruturada quanto a dos autores procedimentais<br />
sendo confundidas por um público desatento com a obra que<br />
as “inspirou”, principalmente quando essas tratam de uma extensão de uma<br />
narrativa já encerradas, como a de Harry Potter e The O.C.<br />
Depois da finalização das ficções desenvolvidas em ambientes virtuais nos<br />
sites HarryPotterFanfic.com e Potterish.com, os ficwriters não hesitam em publicar<br />
suas obras para correção, pois esta será feita de forma colaborativa com<br />
outros fãs, quando não há, no site que publica as obras, uma equipe oficial de<br />
correção, igualmente formada por fãs<br />
4 Dados através do site americano Harry Potter Fan Ficton, disponíveis em , e no brasileiro Potterish, disponível em .<br />
Acesso em 10 set. 2009.<br />
53
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Para John Fisk (1992) todo engajamento com um produto cultural envolve<br />
certa produção semiótica, produção enunciativa e produção textual. A primeira<br />
referindo-se a criação de sentido em cima do produto e a interpretação do<br />
que se vê na mídia; a segunda ligando-se a discussões sobre conteúdo, etc.,<br />
o que vemos nos fórums; a terceira refere-se à produção textual no uso de<br />
produtos culturais como base para a criação de novos produtos. Estes sendo<br />
produzidos por fãs são o que consideramos como fan made.<br />
A definição do fan made abarca as questões tratadas por Pedro Peixoto Curi<br />
(2009, p.3) ao tentar explicar um fan film, o qual é classificado naturalmente<br />
como uma produção de fã:<br />
Uma definição para fan films é a de uma produção independente, baseada<br />
em um objeto da cultura oficial, feito por um fã e voltado para um público específico:<br />
outros fãs. São filmes feitos geralmente para preencher lacunas deixadas<br />
nas histórias ou para mostrar uma visão diferente sobre aquele objeto.<br />
Não têm como objetivo o lucro e são feitos por e para a diversão. Um meio<br />
de se aproximar de outros fãs e de se destacar dentro das comunidades.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A ressalva que fazemos, no entanto, está norteada pela intenção de<br />
alguns fãs em chegarem ao mesmo patamar do produto oficial, especificamente<br />
sendo classificado como tal, com o intuito de reconfigurar a<br />
produção oficial.<br />
54
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O fan made tem claras manifestações do Do It Yourself (DIY: Faça Você<br />
Mesmo, em tradução livre), relíquia herdada do movimento punk da década<br />
de 1970 em manifestação ao mercado capitalista. Remetendo-se a rebeldia.<br />
Para Jenkins (2006), os fandoms articulam-se entre o DIY e as características<br />
das plataformas de leitura, escrita, convergência de mídia e conexão<br />
de usuários.<br />
Murray (2003, p.183), confirma a já vista atualmente perda de controle<br />
dos autores procedimentais de produtos oficiais ao explicar que “se dermos<br />
ao interator total liberdade para improvisar, perderemos o controle sobre o<br />
enredo”. A autora tem interator como aquele que representa o emissor embutido<br />
do direito de interagir em um meio interativo. No caso do fandom,<br />
trazendo o conceito na possibilidade de o fã alterar o produto cultural, promovendo<br />
interação e interatividade com a mídia. Tal processo é inerente ao<br />
ato de consumo do fandom, já que uma das características do fã é se apropriar<br />
de um produto desenvolvido para a cultura de massa, ou de acordo<br />
com os paradigmas atuais, apropriar-se de qualquer produto cultural, independente<br />
do seu público alvo.<br />
Com o conceito de interator proposto por Murray (2003), constatamos<br />
que tais ações podem interferir de pelo menos três formas diferentes em<br />
uma narrativa. A primeira através da reapropriação da autoria, alterando a<br />
história com a mesma propriedade do autor primário, mantendo sua estru-<br />
55
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tura de personagens e lugares comuns, como observamos na fanfiction, a<br />
fim de uma divulgação paralela ao produto oficial. Já a segunda, percebemos<br />
através das interações limitadas pelo autor ou pela plataforma, assim<br />
como na Televisão Interativa Digital, onde a maioria das ações possíveis<br />
de um usuário, exceto pelo quadro de conversação através de chat, seria<br />
pré-calculadas. A terceira, então, ocorreria através do ativismo narrativo,<br />
termo definido pela autora Pamela Wilson, em 2004, em seus estudos sobre<br />
a ponderação do feedback de telespectadores no ciberespaço. Nesse<br />
último caso, de acordo com a reação do público a um produto narrativo<br />
no ciberespaço durante o desenrolar do mesmo, como uma novela, os autores<br />
poderiam alterar o seu final. O ativismo narrativo foi experimentado<br />
em The O.C. sem êxito, para a alteração do roteiro da última temporada da<br />
série, o que pode ter levado à criação de vídeos subseqüentes por fãs que<br />
deram o encaminhamento que queriam à história.<br />
Naturalmente, dentre as três formas de interação do interator em uma<br />
obra exemplificada, a maior problemática para a indústria é a forma incalculável<br />
e a imprevisibilidade das ações dos usuários que se apropriam do direito<br />
intelectual do autor e que acabam por distorcer a obra original. Assim, a<br />
linha entre o produtor de conteúdo e seu público torna-se demasiadamente<br />
tênue à vista dos produtores.<br />
Uma narrativa transmidiática ao ser desenvolvida prevê que haverá uma<br />
56
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
inspiração por parte dos fãs em seu universo fictício que acarretará em novos<br />
produtos. Há algumas tentativas de controle desta produção, não apenas nas<br />
transmidiações, que se concentram, a priori, em duas formas identificadas:<br />
Na primeira, eles são resultados de um processo de pós-consumo dentro<br />
do universo do fandom, servindo para manter os fãs ativos no produto por<br />
mais tempo. Ferramentas de controle podem ser criadas para “tentar” manter<br />
o sentido da obra procedimental. Este tipo de inferência foca em manter a<br />
história criada pelo autor procedimental intacta.<br />
Já na segunda, temos um convite para uma construção colaborativa da<br />
narrativa em si. Esta não precisa acontecer no pós-consumo e conta com a<br />
ajuda do fandom para construção da história, podendo acontecer tanto com<br />
fanfics, como com um espaço aberto para diálogo com a produção ou ainda<br />
com o personagem. Há, então, um convite por meio das plataformas.<br />
É imprescindível destacar que nenhuma destas duas formas ou derivações<br />
incitam uma liberação total do pólo de emissão, como propõe Lemos<br />
(2007) com as três premissas da cibercultura, já apresentadas. Temos, de<br />
fato, o engendramento de funções mássicas e pós-massivas.<br />
Se passarmos a considerar fanfics como parte integrante da narrativa transmidiática<br />
de Harry Potter, ou ainda se entendermos os episódios subseqüentes<br />
de The O.C. editados por fãs no Youtube como elementos integrantes da<br />
57
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
narrativa transmidiática, implica em afirmar esta produção como oficial.<br />
Todavia, dentre os produtos exemplificados, não tratamos de obras colaborativas<br />
em sua essência. Pelo contrário, vimos empresas demonstrarem<br />
preocupação com a perda da “aura” das obras, mas não no mesmo sentido<br />
stricto que Benjamin (1994) questiona pela reprodutibilidade primária.<br />
Se para Walter Benjamin a tese de a reprodutibilidade técnica provoca a<br />
superação da aura pela obra de arte, os conglomerados empresariais, que<br />
não estão preocupados com a discussão inicial do autor, agora refletem o<br />
que podemos considerar como uma perda da aura pela reprodutibilidade<br />
remixada propostas pelos fãs. Afinal, o contato com o cerne daquela obra<br />
pode se distanciar drasticamente, no processo de remix, das intenções narrativas<br />
do autor procedimental.<br />
Se tomarmos o exemplo de Harry Potter, temos incontáveis continuações<br />
do livro circulando pela internet. Basta um programa editor de texto,<br />
que pode até ser online, e um espaço de publicação para que nasça outra.<br />
Por mais que algumas obras se sobressaiam e sejam “eleitas” pelos fãs como<br />
as mais verossímeis, ou ainda que a própria autora do livro crie um espaço,<br />
como está fazendo no Pottermore.com, para alocar produções colaborativas<br />
de fãs, se torna frágil um apontamento por parte dos fãs de obras consideradas<br />
como oficiais. Podemos considerar, assim, que há nestas obras novas<br />
auras, diferentes da original proposta pela autora J.K. Rowling, principalmen-<br />
58
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
te por observamos diversas criações fanmade que alteram ou negam alguns<br />
sentidos expostos nos livros de Harry Potter.<br />
Ponderações sobre o fan made e uma possível fanmedia storytelling<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O amadurecimento da interatividade na comunicação é inerente à evolução<br />
tecnológica, mas somente a partir de plataformas com funções interativas<br />
desenvolveram-se ferramentas para a criação de uma dimensão<br />
onde o público pode existir dentro da narrativa de forma imersiva. Logo,<br />
observamos a prerrogativa da interação com a narrativa e a conseqüente<br />
possibilidade da reconfiguração da obra perante a dominação do fandom.<br />
A possibilidade de aproximação e mescla dos conceitos de emissor e receptor<br />
na produção audiovisual, proporcionada pela interatividade e convergência,<br />
é vista aqui na narrativa transmidiática. A promessa de deslocamentos<br />
inéditos nas posições do fruidor e do produtor de conteúdo presentes nesses<br />
conceitos, na medida em que as audiências deixam um papel passivo para assumir<br />
posição ativa na produção e emissão de conteúdo televisivo, precisa ser<br />
tida com cautela e trabalhada de forma única em cada produto, já que narrativas<br />
transmidiáticas são mutáveis e geram produtos novos a cada experiência.<br />
Destarte, entendemos que a narrativa transmidiática tem sido um dos<br />
59
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
mais complexos experimentos dentro da comunicação ao exercitar e trazer<br />
a bilateralidade para mídias clássicas de funções predominantemente<br />
massivas. Contudo, o universo transmidiático ainda demonstra problemas<br />
de ordem autoral e de propriedade intelectual, por exemplo, além da necessidade<br />
de um planeta devidamente conectado à internet, com um referencial<br />
simbólico comum a todos para uma livre conversação. Ainda assim,<br />
apontamos uma positiva consideração por parte do conceito com relação<br />
à subcultura dos fãs, os trazendo, como interatores ou não, para o universo<br />
construído pela produção.<br />
Considerar que alguns destes produtos (os que mudam ou negam o sentido<br />
da obra original) fazem parte da narrativa transmidiática é, então, negar<br />
o produto original dentro de sua própria narrativa. No patamar em que<br />
nos encontramos de reflexões sobre o conceito de narrativa transmidiática<br />
concomitantemente com as exemplificações, podemos compreender que a<br />
criação de novos textos fanmade pode compor a experiência transmidiática,<br />
mas não sua narrativa original, base. A não ser que estes se tornem produtos<br />
aliados à marca com outorga dos criadores ou equipe.<br />
Logo, não podemos considerar este fã como um interator na narrativa,<br />
apenas alocar o conceito de interator dentro do universo fictício (micromundo)<br />
desta estória, já que há uma reorganização de idéias a partir de peças já<br />
dispostas, mas estas não alteram o texto principal. As fanfics ou os episódios<br />
60
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
fanmande de The O.C. podem gerar um novo sentido para a obra, no que toca<br />
aos estudos de recepção, mas os quais não são pretendidos neste texto.<br />
Consideramos inicialmente no texto o termo “fanmedia” apenas como<br />
aglutinação e passamos a entendê-lo como de fato uma termologia para designar<br />
esta nova aura latente nos produtos quase que “feitos à mão” pelo fandom<br />
que toma um produto midiático para si.<br />
À primeira vista, para nós, o termo apenas referenciava aos fãs dentro de<br />
universos transmidiáticos e suas produções que reconfiguram a história procedimental,<br />
como destacamos no termo “fanmedia storytelling”. Passamos<br />
então a repensar fanmedia não apenas o relacionado a fãs de produtos das<br />
mídias (fans of media), mas às mídias dos fãs; a tomada de controle de um<br />
produto midiático e a conseguinte reconfiguração deste produto em diversas<br />
plataformas. Estando assim diferenciado também da noção de interator proposta<br />
por Murray (2003), que tem limites dentro de um espaço estabelecido<br />
no produto, e de “media fandom”, que define uma porção do fandom e seus<br />
diferentes movimentos e linguagens de produção para Coppa (2007).<br />
O termo fanmedia está alocado nas premissas do ciberespaço apontadas<br />
por André Lemos (2007) e citadas aqui através da liberação do pólo de<br />
emissão, conexão em rede e a reconfiguração da indústria midiática. Isto<br />
não implica em pensarmos numa dominação total das mídias por parte dos<br />
fãs que gere uma forma completamente nova da política na indústria, mas a<br />
61
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
de fato uma reconfiguração de fluxos que até o momento pode ser considerada<br />
como um dos vetores reorganizadores de sistemas de comunicacionais<br />
em produtos pós-massivos.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ANDERSON, Chris. Free: Grátis – O Futuro dos Preços. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2009.<br />
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1994.<br />
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CURI, Peixoto. Yes, nós temos fanfilm: os fãs brasileiros e suas relações nas comunidades<br />
internacionais. In: Congresso Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA) 2009.<br />
Rio de Janeiro, 2009.<br />
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling e transtorytelling como fenômeno multimidiático.<br />
In: 1o Simpósio do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação<br />
cidadão – LECOTEC. Anais... Bauru: Faac/Unesp, 2008.<br />
FISKE, John. The cultutal economy of fandom. In: LEWIS, Lisa A. (org.). The adoring audience:<br />
fan culture and popular media, p. 30-49. Londres: Routledge, 1992.<br />
62
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />
LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, funções pós-massivas e territórios<br />
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Disponível em .Acesso<br />
em 06 agosto de 2010. 2007<br />
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora34, 2005.<br />
LUSVARGHI, Luisa. O cinema na era digital: a consolidação dos conteúdos cross-media no<br />
Brasil, de Big Brother ao caso Antonia. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares<br />
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Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. Anais... 2007. Disponível em < http://www.<br />
intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1059-2.pdf> . Acesso em 26 jul. 2011.<br />
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Fantasia, 2003.<br />
MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.<br />
PADRÃO, Márcio. Leituras Resistentes: Fanfiction e Internet vs. Cultura de Massa. E-Compós,<br />
Vol. 10, 2007. Disponível em: . Acesso<br />
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SANTAELLA, Lucia. Comunicação & Pesquisa. São Paulo: Hackers Editores, 2006.<br />
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia. Petrópoles,<br />
RJ: Editora Vozes, 2009.<br />
63
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ATIVISMO E MIDIATIZAÇÃO<br />
NO AMBIENTALISMO BRASILEIRO<br />
Ana Azevedo 1<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Resumo<br />
Em 2012, a sociedade brasileira acompanhou na mídia uma série de discussões relativas<br />
ao processo de reformulação do Código Florestal brasileiro num debate que reuniu políticos,<br />
especialistas, representantes do agronegócio e ambientalistas. O presente artigo<br />
tem como objetivo principal refletir sobre a apropriação ativista da internet e das Novas<br />
Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) promovida pelo Movimento Floresta<br />
Faz a Diferença - FFD no Facebook criado por ONGs ambientalistas em resposta<br />
ao projeto de lei que reformula o Código Florestal brasileiro. Em nossa pesquisa, a qual<br />
integra o estudo de mestrado ainda em andamento, verificamos como o ciberativismo<br />
é desenvolvido pelo Movimento Ambiental - MA, considerando que o FFD foi realizado<br />
por um comitê que reuniu cerca de 200 organizações da sociedade civil que empunham<br />
a bandeira ambientalista no país, relacionando o novo fazer ativista propiciado pelas<br />
NTICs com o processo de midiatização da sociedade em vigor e uma possível perda de<br />
radicalidade do MA brasileiro, conforme defendida por Agripa Alexandre (2000).<br />
Palavras-chave: Ciberativismo. Midiatização. Floreta Faz a Diferença. Novo Código Florestal.<br />
1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />
do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: azevedo.ap@hotmail.com<br />
64
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Com a mídia digital, percebe-se alguma emancipação dos movimentos sociais<br />
quanto à midiatização dos acontecimentos de seu interesse, visto que devido<br />
às possibilidades oferecidas, especialmente pela internet, com a descentralização<br />
da produção e veiculação de produtos midiáticos, os movimentos<br />
optam por produzir suas tematizações. Convencionalmente, os movimentos sociais<br />
pertencem à ordem da contestação e rebeldia, enquanto a grande mídia<br />
como representante da instituição responsável pela mediação da comunicação<br />
na sociedade sendo, sobretudo, uma empresa comercial integrante de um sistema<br />
capitalista, segue uma editoria que prima pela ordem vigente, ou ao estabelecimento<br />
daquela que melhor atenda aos seus interesses.<br />
No prefácio de “Futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia<br />
planetária” (LEMOS; LÉVY, 2010), André Lemos (2010) faz o alerta de que já<br />
estamos vivenciando esse cenário de mudanças propostas pelo ciberespaço,<br />
não sendo mais novidade que ele permita a livre emissão, conexão e reconfiguração<br />
da vida em sociedade em seus diferentes aspectos (cultural, político,<br />
econômico). Entretanto, cabe avaliar os processos comunicacionais, fluxos<br />
e dinâmicas que estão delineando os rumos dessas mudanças em meio<br />
aos interesses que permeiam as relações sociais forjadas a partir das novas<br />
tecnologias de comunicação.<br />
65
Ativismo ambiental brasileiro: pontuações históricas<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O ambientalismo – que no conceito de Héctor Leis e José D’Amato (1996),<br />
“expressa, então, uma tendência vital e orgânica de caráter defensiva, consequência<br />
da alta entropia de nosso modelo civilizatório” – começa a surgir<br />
no Brasil na década de 50 por meio de ações de grupos preservacionistas.<br />
Nesse período são fundadas as primeiras entidades preocupadas com a<br />
causa ambiental, entre elas: a União Protetora do Ambiente Natural – UPAN,<br />
fundada em 1955 no Rio Grade do Sul e, no Rio de Janeiro em 1955, a Fundação<br />
Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN, ambas de caráter<br />
conservacionistas priorizavam a luta pela conservação da fauna e da flora.<br />
A década seguinte é marcada pela atuação em defesa da floresta amazônica<br />
na Campanha em Defesa e Desenvolvimento da Amazônia – CNNDA, no<br />
ano de 1966. Em 1971 é criada a primeira entidade com uma proposta de<br />
atuação mais ampla a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural<br />
– AGAPAN, a qual visava promover a ecologia e questionava os impactos<br />
oriundos da poluição ambiental proveniente da indústria (JACOBI, 2003).<br />
Com a realização da Conferência de Estocolmo – primeira Conferência<br />
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, Suécia,<br />
no ano de 1972 – fica evidente que a problemática ambiental passa a figurar<br />
na pauta das preocupações de ordem global e sua influência nas relações<br />
66
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
internacionais entre países, Viola (1987) define como “o despertar da consciência<br />
ecológica no mundo”. E tem início uma série de questionamentos<br />
quanto ao valor pago em troca do desenvolvimento baseado na promoção<br />
do crescimento industrial e a urbanização desenfreada. No ano posterior,<br />
são implementadas as primeiras agências ambientais com a criação da Secretaria<br />
Especial de Meio Ambiente – SEMA, de caráter nacional; e agências<br />
estaduais nas cidades com maior concentração de poluição provocada pela<br />
intensiva atividade das indústrias.<br />
Pedro Jacobi (2003) pondera sobre os reais motivos que impulsionaram<br />
tais medidas por parte do governo brasileiro, na época, afirmando que<br />
antes de ser uma adesão ao pensamento ambiental, se trata de uma preocupação<br />
com a imagem deixada pelo país por ocasião da Conferência de<br />
Estocolmo, haja vista que o Brasil, juntamente com a China, tenha liderado<br />
o grupo dos países periféricos que negavam a importância da problemática<br />
ambiental. A esta altura, uma nova cena se apresentaria no ambientalismo<br />
nacional, agora divido pelas entidades ambientalistas e as agências<br />
ambientais criadas pelo governo e desse relacionamento se instala a bissetorialidade<br />
defendida por Viola (1992).<br />
Até 1982, a maior parte dos ativistas era contra qualquer envolvimento do<br />
movimento na política. Em 1985, alguns ambientalistas começam a apoiar partidos<br />
e candidatos que apoiam a causa verde (idem, 1987). E é na segunda me-<br />
67
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tade da década de 80 que, de acordo com Viola (1992), o movimento se torna<br />
mais complexo e multissetorial, passando a se dividir em cinco setores: associações<br />
e grupos comunitários ambientalistas; agências estatais; o socioambientalismo<br />
(ONGs, sindicatos e os movimentos sociais); instituições científicas que<br />
pesquisam sobre a problemática ambiental e um pequeno número de empresários<br />
que consideram o critério da sustentabilidade em suas empresas.<br />
Agripa Alexandre (2003) defende a perda de radicalidade do movimento<br />
ambiental e contesta essa multissetorialidade (VIOLA, 1992) como característica<br />
do MA. Para o autor, o ambientalismo perdeu sua radicalidade à medida<br />
que, segmentado e incorporado pela sociedade, pelo mercado e pela<br />
burocracia do estado, o MA perde sua essência de movimento social, “passa<br />
a perder sua espontaneidade, o seu ativismo político-crítico, e ganha força<br />
enquanto bandeira oportunista para empresários, publicitários, agências setoriais<br />
de governo.” (ALEXANDRE, 2003).<br />
A militância ambientalista passou por transformações ao longo do tempo<br />
sendo exatamente a década de 1980 a responsável por marcar o surgimento<br />
de novas expressões do engajamento em prol da causa ambiental no<br />
Brasil (OLIVEIRA, 2008). Tais inovações concorreram para o desenvolvimento<br />
do ativismo especializado. Pontuando a profissionalização de ativistas, bem<br />
como a institucionalização das associações defensoras do meio ambiente.<br />
68
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Novo código florestal: comunicação e ativismo na internet<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em 1934, por meio do Decreto 23.793, foi lançado o primeiro Código Florestal<br />
do Brasil, instituído pelo Decreto no 23.793. Posteriormente revogado<br />
pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965. Como uma de suas medidas determinava<br />
a preservação de 25% da área de terras de propriedade particular<br />
com a cobertura de mata original. O código foi atualizado em 1965 (Lei nº<br />
4.771), a alteração previa que metade dos imóveis rurais da Amazônia deveria<br />
ser preservada. E, a partir do ano seguinte, o Código Florestal passou a<br />
ser modificado por diversas Medidas Provisórias.<br />
A existência de um conjunto de leis, que se ocupam com a manutenção e<br />
preservação das florestas com seus ecossistemas naturais, sugere a compreensão<br />
de que tal preservação é de interesse da sociedade. São premissas para a<br />
existência de um Código Florestal “a conservação do patrimônio florístico e o<br />
estabelecimento de regras para o seu uso” (CBPC, 2011).<br />
Héctor Leis argumenta sobre uma incapacidade do poder governamental<br />
de gerir a problemática ambiental e ressalta a importância das ONGs nesse contexto.<br />
Segundo o autor:<br />
Em particular, que os problemas ecológicos são transnacionais e produzem<br />
efeitos naturais inesperados, enquanto que a política tradicional é nacional<br />
69
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ou internacional e se regula a partir de efeitos artificiais esperados. Em outras<br />
palavras, os componentes biofísicos da realidade contemporânea não<br />
têm uma fácil tradução dentro dos atores e do pensamento político que<br />
são tradicionais (LEIS, p. 74, 1999).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A legislação ambiental no Brasil se consolida impulsionada pelas pressões<br />
internas dos grupos ambientalistas e, também, da comunidade internacional<br />
que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atuante<br />
para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do<br />
Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras responsável<br />
pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana.<br />
Em 1981 foi criada a lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do<br />
Meio Ambiente, com o objetivo de resguardar “a preservação, melhoria e<br />
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no<br />
País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança<br />
nacional e à proteção da dignidade da vida humana.” 2 .<br />
A propositura de uma alteração do Código Florestal vigente no Brasil até<br />
2012 movimentou o país e dividiu opiniões, o debate envolveu diversas instituições<br />
como sociedade civil organizada liderada pelos ambientalistas, a<br />
comunidade científica e política. As bancadas do Senado e Câmara se dividi-<br />
2 Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2013<br />
70
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ram, representou essa divisão, uma parte a favor do novo código e apoiado<br />
pelos ruralistas; a outra, contra ruralistas formada por produtores e sindicatos<br />
rurais e os políticos que os apoiam.<br />
O Projeto de Lei – PL 1.876, de autoria do deputado federal de Rondônia<br />
Sérgio Carvalho (PSDB), é apresentado dia 19 de outubro de 1999,<br />
dando início a um processo de modificação da legislatura vigente que versa,<br />
principalmente, sobre a demarcação de Áreas de Preservação Permanente<br />
- APP, Reserva Legal, exploração florestal etc.. Em 2009, o deputado<br />
Aldo Rebelo do PCdoB foi designado relator do projeto, o mesmo emitiu<br />
um relatório favorável à lei em 2010. A Câmara dos Deputados aprovou o<br />
projeto pela primeira vez no dia 25 de maio de 2011, encaminhando-o ao<br />
Senado Federal.<br />
Todo o processo foi marcado por intenso debate social: a comunidade<br />
científica, representada pela Academia Brasileira de Ciências - ABC e a Sociedade<br />
Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, participou elaborando<br />
o estudo intitulado “O Código Florestal e a Ciência: contribuições com a<br />
finalidade de gerar subsídios para as discussões a respeito das mudanças no<br />
Código Florestal”; a frente SOS florestas (composta pela as ONGs: Apremavi,<br />
Greenpeace, Imaflora, Instituto Centro de Vida - ICV, Instituto de Pesquisa<br />
Ambiental da Amazônia - IPAM, Instituto Socioambiental - ISA e WWF-Brasil),<br />
divulgou em janeiro de 2011 a cartilha “Código Florestal: Entenda o que<br />
71
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental” e explica a importância<br />
do Código Florestal para a sociedade, demonstrando as consequências<br />
de uma flexibilização excessiva das leis.<br />
O Ipea lançou um comunicado 3 em junho de 2011, informando que, conforme<br />
avaliação dos técnicos do instituto, na melhor das hipóteses, cerca de<br />
29 milhões de hectares de mata nativa deixariam de ser recuperados no país<br />
por consequência da aprovação do novo código. Os institutos científicos<br />
IMAZON e o ProForest em parceria com o Greepeace, elaboraram o estudo<br />
lançado em outubro de 2011, a partir da análise comparativa da legislação<br />
florestal de onze países (China, França, EUA, Alemanha, Japão, Indonésia,<br />
Índia, Holanda, Suécia, Polônia e Reino Unido), o mesmo teve o objetivo de<br />
perceber até que ponto haveria alguma originalidade no código brasileiro. A<br />
pesquisa concluiu que há muitas proximidades entre as leis dos países analisados<br />
e o Código Florestal vigente no Brasil, principalmente quanto à rigidez<br />
das leis, reafirmando que desde o século passado o fim do desmatamento,<br />
não o contrário, é característica de desenvolvimento.<br />
Os pontos mais polêmicos do projeto de lei se reportavam às Áreas de<br />
Preservação Permanente - APP, Reserva legal e a anistia. Áreas de Preservação<br />
Permanente são os espaços considerados mais vulneráveis em propriedades<br />
3 IPEA. Implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal. 2011. Disponível em: . Acesso em: 5 de jul. 2013.<br />
72
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
particulares rurais ou urbanas, como as margens de rios e reservatórios, topos<br />
de morros, encostas situadas em terreno inclinado ou matas localizadas<br />
em nascentes e leitos de rios. Essas áreas apresentam maior risco de deslizamento,<br />
erosão ou enchente, por isso devem ser protegidas. O texto do PL<br />
que versa sobre as APPs reduz sua extensão mínima de 30 metros para 15<br />
metros de faixa marginal e opta pela demarcação das matas ciliares protegidas,<br />
a partir do leito menor do rio e não do nível maior do curso d’água.<br />
Desse modo, a uma flexibilização na extensão e uso dessas áreas, especialmente<br />
nas margens de rios já ocupadas. Para ambientalistas, um retrocesso<br />
que estimula o desmatamento; para ruralistas, uma mudança necessária e<br />
em favor da produção agrícola dos pequenos produtores.<br />
Lançado em 07 de junho de 2011, em Brasília, o Comitê Brasil em Defesa<br />
das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável ()<br />
é uma resposta de representantes da nossa sociedade<br />
civil organizada ao Projeto de Lei Complementar - PLC 30/2011, que prevê<br />
alterações no corpo do texto do Código Florestal então em vigência. Formado<br />
por uma média de 200 organizações da sociedade civil brasileira 4 ,<br />
4 Coordenação do Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável: Amazônia Para Sempre;<br />
ABONG; CNBB; Coalizão SOS Floresta (Amigos da Terra - Amazônia; APREMAVI; FLORESPI; Fundação Grupo Boticário;<br />
Greenpeace; ICV; IMAFLORA; IPAM; ISA; SOS Mata Atlântica; WWF Brasil; Sociedade Chauá SPVS). Comissão Justiça e<br />
Paz – CJP; CNS; Comitê Inter-Tribal; CONIC; CUT; FETRAF; FNRU; FASE; FBOMS; FETRAF; Fórum de Mudança Climática<br />
e Justiça Social; Fórum Ex-Ministros Meio Ambiente; GTA; IDS; INESC; Instituto Ethos; Jubileu SUL; OAB; Rede Cerrado;<br />
Rede Mata Atlântica; REJUMA; Via Campesina (ABEEF, CIMI, CPT, FEAB, MAB, MMC, MST, MPA, MPP e PJR). Disponível<br />
em: .<br />
73
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
defensora da causa ambiental, o comitê tem por finalidade mobilizar os<br />
brasileiros a manifestarem opinião contrária à proposta de alterações no<br />
Código Florestal a partir da organização e gerência de ações orquestradas<br />
por comitês regionais nas cidades brasileiras: Bahia; Belo Horizonte; Curitiba;<br />
Distrito Federal; São Carlos, Fortaleza, Recife; Rio de Janeiro; Rio Grade<br />
do Sul e São Paulo 5 .<br />
Como parte de suas ações, o comitê cria o movimento Floresta faz a<br />
Diferença que reúne diferentes estratégias de mobilização com foco em<br />
vários estados do Brasil, através de seus representantes locais e, sobretudo,<br />
por meio da comunicação mediada por computador na internet. No<br />
endereço virtual do site do movimento <br />
podemos perceber que o movimento lança mão das<br />
principais redes sociais em uso no Brasil, pois está presente no Twitter,<br />
Facebook, youtube e Flickr (ver Figura- 1). Além disso, utiliza ferramentas<br />
de mobilização nos formatos de áudio, imagem e vídeo que podem ser<br />
facilmente acessados e disseminados na internet por meio dessas redes<br />
sociais. Até 16 de julho deste ano 42.309 internautas curtiram a página<br />
principal do Floresta Faz a Diferença no Facebook .<br />
5 Comitês regionais. Disponível em: .<br />
74
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Floresta faz a diferença: ativismo ambiental na timeline<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Como os panfletos da França Iluminista que na sua época deram força<br />
e distribuíram as ideias contrárias ao regime vigente, hoje, sob a égide da<br />
cultura do digital, encontramos grupos e indivíduos, ocupando as redes<br />
sociais para disseminar informações, organizar eventos ativistas, ou seja,<br />
realizar mobilização de forma rápida e de baixo custo. Ao se tornar o espaço<br />
de conversação social de destaque no Brasil, as redes sociais na internet<br />
representam esse ponto onde diferentes interesses e identidades se<br />
encontram e dialogam.<br />
Segundo o dicionário, ativismo 6 é a “acentuação da atuação consequente<br />
da vontade, na formação da cultura e da sociedade”, o que pressupõe<br />
uma ação que tenha por finalidade alguma mudança social. O ativismo<br />
social, que não é algo novo, está relacionado à prática ativa de indivíduos<br />
ou organizações defensores de causas sociais correspondentes às exigências<br />
de seu tempo. Sobre as alterações comportamentais forjadas a partir<br />
da Internet e da sua apropriação na sociedade destaca-se o surgimento do<br />
ativismo digital, ativismo on-line ou ciberativismo – ações de mobilização<br />
6 Ativismo a.ti.vis.mo, sm (ativo+ismo) 1 Filos Acentuação da atuação consequente da vontade, na formação da cultura<br />
e da sociedade; toda criação espiritual, bem como a arte e a teoria científica devem servir à atividade dirigida a<br />
uma meta. 2 Doutrina ou prática de dar ênfase à ação vigorosa, p ex, ao uso da força para fins políticos. Disponível em:<br />
.<br />
75
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
social realizadas na internet. A internet pode ser adotada como espaço<br />
onde ocorrem as ações ativistas ou como ferramenta de apoio para ações<br />
que acontecerão fora da rede.<br />
Conforme Rebelo (2002, p. 103), “as estratégias de comunicação para<br />
a mobilização buscam não apenas convocar, provocar gestos de adesão<br />
ou apoio, mas despertar ações e emoções ativas que se desdobram em<br />
outras – participativas, solidárias e, sobretudo, políticas.”<br />
(...) é possível ser dito que a Internet se constitui uma ferramenta imprescindível<br />
para as lutas sociais contemporâneas, já que facilita as atividades<br />
(em termos de tempo e custo), pode unir e mobilizar pessoas e entidades<br />
de diferentes localidades em prol de uma causa local ou transnacional, bem<br />
como quebrar o monopólio da emissão e divulgar informações “alternativas”<br />
sobre qualquer assunto. (RIGITANO, 2005, p. 249).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ao aparecer no Senado trajando uma roupa indígena, a atriz Letícia<br />
Spiller figurou em algumas matérias de sites especializados em acompanhar<br />
a vida de celebridades.<br />
76
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 1: Spiller - indígena em prol das florestas.<br />
Fonte: <br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Nesta perspectiva, constatamos que não é por acaso que as ações coletivas<br />
e os movimentos sociais realizam verdadeiras encenações em atos previamente<br />
orquestrados para atrair a atenção da mídia, buscando cada vez<br />
mais inserção na agenda midiática e, a seu turno, as campanhas online crescem<br />
em número e em repercussão. O que era “ativismo de sofá”, na verdade<br />
é parte de uma nova fase do ativismo que se delineia com a apropriação dos<br />
meios e a influência da mídia nas instituições sociais.<br />
O pesquisador Muniz Sodré reconhece a existência de uma nova ambi-<br />
77
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ência criada pelo uso social dos meios, a qual ele denomina como sendo o<br />
novo ethos ou bios – o bios midiático, a saber:<br />
O ethos é a atmosfera afetiva (emoções, sentimentos, atitudes) em que se<br />
movimenta uma determinada formação social. O ethos midiatizado caracteriza-se<br />
pela manifesta articulação dos meios de comunicação e informação<br />
com a vida social. Ou seja, os mecanismos de inculcação de conteúdos<br />
culturais e de formação das crenças são atravessados pelas tecnologias de<br />
interação ou contato. Passamos a acreditar naquilo que se mostra no espelho<br />
industrial. (SODRÉ, 2009).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ivana Bentes, no prefácio do livro a Internet e a Rua (2013, p. 10) dos<br />
autores Fábio Maline e Henrique Antoun, afirma que “estamos imersos e<br />
atravessados por um novo “bios”, uma midiosfera constituída de redes, dispositivos,<br />
dados, processos de interação humano/não humanos, que curtocircuitaram<br />
a separação entre as redes e a rua”. Além de acrescentar elementos<br />
ao bios midiático descrito por Sodré, tal conceito evidencia a construção<br />
de um espaço a partir da hibridação do que inicialmente esteve dividido em<br />
virtual e real, não há mais como separar o online do off-line, o ciberespaço<br />
expandido com as tecnologias móveis interligadas em rede presentes no<br />
cotidiano das pessoas favorece o surgimento e reinvenção das práticas sociais<br />
em diferentes esferas interdependentes entre si, nos termos da autora<br />
78
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
estamos atravessados pela internet, não mais entramos na rede, visto que<br />
ela perpassa nossa vivência.<br />
E se fazer parte desta nova ambiência não é mais novidade, pois lidamos<br />
no dia a dia com as mudanças de comportamento, posturas e<br />
demandas relacionadas às novas formas de interação. Mas qual o rumo<br />
dessas modificações, que caminhos se formam a partir do uso das TICs<br />
no que tange ao ativismo ambiental são preocupações desta pesquisa.<br />
Com a inserção no site de relacionamento Facebook, a partir de uma<br />
conta pessoal, efetuamos a observação sistemática da comunidade, onde<br />
foi possível resgatar o histórico das postagens presentes no corpo da linha<br />
do tempo, extraindo o conteúdo necessário para a análise em andamento<br />
que tem ênfase nas ações online identificadas como ‘Cartaz na mão’, ‘Vídeo<br />
aos senadores’, ‘Vigília FFD’, ‘Entrega das assinaturas contra o novo código’,<br />
‘Serenata FFD’, ‘Campanha Veta, Dilma’ e as matérias de outros sites compartilhadas<br />
na linha do tempo da comunidade FFD, especialmente aquelas<br />
referente à repercussão do movimento FFD na mídia. Desta forma, a linha do<br />
tempo da página #florestafazadiferença é composta, também, por material<br />
enviado por pessoas anônimas de diversos lugares do país. As pessoas colaboraram<br />
com a moderação da comunidade enviando imagens das manifestações<br />
(vídeo e fotos), assim a postagem na comunidade sobre os eventos<br />
eram uma preocupação do movimento, fizeram sucesso na rede ainda,<br />
79
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
imagens manipuladas (editadas) como a releitura da obra – ‘O grito’ (Edvard<br />
Munch, 1893) ou personalidades e personagens famosos pedindo o veto<br />
presidencial (ver figura 2).<br />
Figura 2: Imagens apropriadas na campanha Veta Dilma<br />
Fonte: <br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A ação ‘cartaz na mão’ (ver figura 1) exibiu imagens dos artistas que<br />
apoiaram a campanha, segurando cartazes com frases que reforçam a importância<br />
das florestas e de biomas como o Mangue: “O ar que você respira<br />
podia ser melhor”. Entre as personalidades fotografadas destacamos a<br />
80
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, os cantores Carlinhos Brown e<br />
Arnaldo Antunes, os atores Victor Fasano e Wagner Moura e a top model Gisele<br />
Bündchen. As imagens circularam durante meses no Facebook se configurando<br />
as postagens mais compartilhadas pela moderação do FFD e entre<br />
os demais atores na rede.<br />
Figura 3: Cartaz na mão<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: .<br />
81
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Vídeos aos senadores - em outubro de 2011, uma ação de grande repercussão<br />
foi articulada por Fernando Meirelles, o cineasta editou 25 filmes caseiros enviados<br />
por atores, especialistas e outras personalidades fazendo apelo aos senadores<br />
contra a aprovação do novo código. Os vídeos foram disponibilizados através<br />
do site de vídeos Youtube no canal do movimento, na sessão vídeos caseiros.<br />
Durante cada sessão no senado em debate e votação sobre o novo Código<br />
Florestal o movimento FFD organizou a ação denominada Vigília Floresta<br />
faz a diferença. Com duração de três dias em média, a ação contava<br />
com a participação de pessoas convidadas - artistas, especialistas, ativistas<br />
e políticos. As vigílias ocorriam em momentos pontuais da campanha como<br />
próximo da data de votação, audiências públicas e dos principais debates<br />
ocorridos sobre o novo código, eram transmitidas online diretamente do<br />
estúdio montado pelo FFD. Abaixo a programação da Vigília do dia 21 de<br />
setembro de 2011:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Programação de hoje na Vigilia: 9h: balanço geral sobre a Vigilia, 10h: acompanhamento<br />
das Comissões do Senado sobre o Código Florestal e link ao vivo, direto<br />
do mutirão de assinaturas do abaixo-assinado do Comite Brasil em Defesa<br />
das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, na Av. Paulista, em São Paulo,<br />
14h: Pocket-show com Paulo Tatit, 16h: Acompanhamento e análise da reunião<br />
na CCJ e cobertura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília,<br />
18h: Marina Silva no estúdio do #Floresta, em São Paulo, 19h30: Bate-papo com<br />
82
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Kageyama e Marcos Sorrentino, 21h: bate-papo com ativistas e integrantes do<br />
Movimento Brasil pelas Florestas. Fique ligado, chame + 1 amigo! (21-set-2011)<br />
Foram coletadas em todo o país um milhão e quinhentas mil assinaturas, a<br />
matriz dos abaixo assinados era disponibilizada no site e cada comitê regional ficava<br />
responsável de encaminhar até a data determinada. O ato de entrega foi um<br />
evento organizado pelo Comitê que reuniu ativistas, personalidades entre eles os<br />
artistas Vanessa da Mata e Victor Fasano e a Senadora Marina Silva e a imprensa:<br />
Figura 4: Entrega das assinaturas<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: <br />
83
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O aspecto da midiatização - como aquele que denota uma maior ênfase<br />
no capital midiático revelado nas postagens a partir da forma de incorporação<br />
de artistas na campanha (clips, depoimentos, participação em atos). O<br />
nível de popularidade das postagens demonstra que a grande repercussão<br />
obtida pela campanha Veta, Dilma nas redes sociais se delineou com o espaço<br />
oferecido pelo movimento à participação de artistas em sua maioria<br />
globais. Sites como o Glamurama, Caras, e colunas específicas sobre a vida<br />
de celebridades aparecem na linha do tempo devido à vinculação de artistas<br />
na campanha, bem como sessões e debates sobre o código são transmitidos<br />
em tempo real no site do FFD. A abertura e a proximidade deste ativismo<br />
para o meio artístico e outras vozes em face da larga exploração de tais participações<br />
podem indicar os rumos de uma cibermilitância que enfraquece e<br />
vem reforçar a tese da perda de radicalidade do movimento ambiental.<br />
Considerações finais<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A apropriação dos meios de comunicação ganha uma dimensão ampliada<br />
e complexa a partir da internet. Com sua popularização, a vida passa a<br />
se classificar como online ou off-line; esferas estas cada vez mais imbricadas<br />
na nossa sociedade. Nessa perspectiva, propomos um estudo que parte da<br />
elaboração de um breve histórico da relação entre ativismo e os meios de<br />
84
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
comunicação, com ênfase no surgimento do ativismo online e suas variações<br />
até hoje, buscando identificar as práticas e apropriações que se forjam<br />
no nas redes sociais por meio do Facebook.<br />
Uma das principais marcas que podemos destacar no ciberativismo é o seu<br />
caráter multifacetado. Nesse sentido, reforçamos a importância do estudo das<br />
práticas, visto que, quando falamos em apropriação social dos meios, é preciso<br />
estar ciente de que é tudo uma construção, contínua, heterogênea e aberta.<br />
A midiatização demonstrada pelo FFD na comunidade do Facebook é<br />
evidente, não apenas pela valorização das celebridades na campanha, como<br />
na promoção dos eventos e ações do movimento para serem reportados na<br />
comunidade como produtos midiáticos. A adesão da classe artística à causa,<br />
somada ao aspecto assumido pelo movimento ambiental na contemporaneidade,<br />
colaboraram para que a defesa pela manutenção do Código Florestal brasileiro<br />
na internet se tornasse pouco radical, numa oposição que existiu, porém,<br />
acabou por ser incorporada à agenda midiática como mais um “fenômeno<br />
de internet”, que após figurar alguns dias nas redes sociais e, portanto, atingir<br />
certa notoriedade, logo ganha o esquecimento.<br />
A legislação ambiental no Brasil estava se consolidando impulsionada pelas<br />
pressões internas dos grupos ambientalistas e da comunidade internacional<br />
que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atuante<br />
para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do<br />
85
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras responsável<br />
pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana.<br />
E se a radicalidade assumida pelo movimento ambiental em outros tempos<br />
angariou grandes ganhos para a política nacional em meio ambiente, quando<br />
o acesso à comunicação de uma forma geral era muito mais difícil, principalmente<br />
a comunicação de massa, hoje, o movimento ambiental enfrenta menos<br />
barreiras para comunicar e informar; entretanto, ao que parece mesmo<br />
contando com as múltiplas vozes que defendem a causa verde na internet, a<br />
apropriação das redes digitais diante do processo de midiatização vivenciado<br />
parece demonstrar um enfraquecimento, ou comprovando a tese de Agripa<br />
Faria (2003), revela a perda da radicalidade do movimento.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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05 de mai. 2012.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
90
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O RÁDIO E A CONVERGÊNCIA DIGITAL:<br />
CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PROCESSO EM MUTAÇÃO<br />
Elton Bruno Barbosa Pinheiro 1<br />
Resumo<br />
O fenômeno da convergência tecnológica é um dos mais dinâmicos e complexos<br />
envolvidos no processo de surgimento de uma nova práxis da produção<br />
e do consumo de conteúdos digitais. No presente trabalho, refletimos sobre<br />
as consequências da convergência no meio radiofônico e, a partir de algumas<br />
constatações, examinaremos as potencialidades de tal processo midiático sob a<br />
ótica de diferentes autores, como Jenkins, Larose & Straubhaar, Fidler e Lopez.<br />
Palavras-Chave: Rádio Digital. Convergência Tecnológica. Produção de Conteúdos.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />
em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />
(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessibilidade<br />
– UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço<br />
eletrônico: eltonufpb@hotmail.com.<br />
91
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Um fenômeno em processo<br />
Partindo do pressuposto de que, no Brasil, o rádio iniciou sua inserção<br />
no processo de convergência tecnológica ainda nos anos 1990 através, por<br />
exemplo, do uso do telefone celular e, sobretudo, com o advento do uso da<br />
internet nas redações, entendemos que tal fenômeno envolve reinvenções<br />
tanto no modo de acessar os meios de comunicação quanto, necessariamente,<br />
na maneira de produzir conteúdos.<br />
Nesse sentido, consideramos que a convergência, a priori, deve ser entendida<br />
como um processo, uma vez que, conforme articulou Jenkins:<br />
A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica.<br />
A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias,<br />
mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a<br />
indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia<br />
e o entretenimento. [...] a convergência refere-se a um processo, não a um<br />
ponto final (JENKINS, 2008, p.18).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A partir da análise de Jenkins (2008), parece clara a noção de que a convergência<br />
é um fenômeno que se dá em processo, o que implica dizer que<br />
as alterações ocasionadas a partir dela à cultura midiática não estabelecerão<br />
92
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
a adoção de práticas comunicacionais lineares, verticais ou imutáveis às etapas<br />
de produção, veiculação e recepção do conteúdo no rádio digital.<br />
Pelo contrário, com o aprimoramento, surgimento e conexão constantes<br />
dos meios de comunicação, o processo de convergência das mídias, certamente,<br />
vai sendo reconfigurado e ampliado, chamando continuamente a<br />
atenção dos profissionais e pesquisadores da área para inserirem-se nessa<br />
dinâmica, capacitando-se e motivando constantes mutações que permitam<br />
o crescimento e abrangência dos meios e das mensagens/conteúdos.<br />
Ao abordamos os estudos de Jenkins (2008), constatamos que o referido<br />
teórico analisa e propõe uma nova forma para se consumir as mídias ou seus<br />
conteúdos, inseridos no processo de convergência digital:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas suposições<br />
sobre o que significa consumir mídias [...] Se os antigos consumidores<br />
eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores<br />
eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos<br />
consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes<br />
ou aos meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos<br />
isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho<br />
de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores<br />
são agora barulhentos e públicos (grifos nosso) (JENKINS, 2008, p. 22).<br />
93
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Aos focarmos esses pontos em destaque na citação anterior, podemos,<br />
de fato, inferir que no novo processo comunicacional radiofônico, envolto<br />
pelo cenário da convergência digital, os usuários-ouvintes também se veem<br />
diante de mutações em suas práticas. Consideramos que, de certa forma, o<br />
público que irá ter acesso à tecnologia do rádio digital brasileiro possui um<br />
perfil midiático muito próximo do proposto por Jenkins (idem, ibidem), ou<br />
seja, será ativo, pois atuará diretamente no processo de produção da mensagem,<br />
através da interatividade, e traçará sua própria maneira de consumo<br />
através das possibilidades de personalização das formas de recepção dos<br />
conteúdos (Cf. PALACIOS, 1999; LAROSE; STRAUBHAAR, 2004); o público<br />
também será migratório, tendo em vista que, caso o rádio digital não ofereça<br />
notadamente conteúdos interativos, dinâmicos, segmentados, especializados,<br />
a tendência de tal meio será o seu declínio e a consequente perda<br />
de audiência para outras mídias que possuam tais características; conectado<br />
socialmente, barulhento e público, o que se dará na medida em que uma<br />
relevante tendência da cultura midiática na contemporaneidade é instaurar<br />
processos comunicativos mediados por amigos e seguidores.<br />
Nesse sentido, Nicolau (2008, p. 01), constata que, de fato, há “uma característica<br />
peculiar nas mídias de hoje: elas estão se tornando, cada vez<br />
mais, mídias de relacionamento”. O rádio digital deve, portanto, acompanhar<br />
essa tendência, levando consideravelmente em conta “os tipos de relacio-<br />
94
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
namentos que se desdobram nesse contexto: cooperativo, mercadológico e<br />
participativo” (idem, ibidem). Ressaltamos que a argumentação de Nicolau<br />
baseia-se na seguinte constatação:<br />
A partir da instauração de um fluxo permanente de comunicação midiática<br />
e do desdobramento de múltiplas conexões entre usuários, instituições e<br />
sistemas, entre suportes de interfaces dinâmicas, há formas de relacionamento<br />
surgindo e sendo estabelecidas no âmbito de uma nova cultura midiática<br />
(grifos no original) (NICOLAU, 2008, p. 02).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Uma proposição que levantamos para buscar complementar o entendimento<br />
da teoria de Nicolau (2008) de forma a contextualizar o nosso objeto<br />
– o rádio digital, é apoiada no pensamento de Jenkins (2008). Consideramos<br />
que a tendência que leva as mídias em processo de digitalização tornarem-<br />
-se, gradativamente, “mídias de relacionamento” pode também ser explicada<br />
pela necessidade que temos, cada vez mais, de convergir, entrecruzar, relacionar<br />
conhecimentos. Desse modo, o próprio consumo das mídias digitais<br />
e de suas mensagens se tornou um “processo coletivo”.<br />
O consumo tornou-se um processo coletivo [...] Nenhum de nós pode saber<br />
tudo (inteligência coletiva); cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos<br />
juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades.<br />
95
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder<br />
midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias<br />
dentro da cultura da convergência (grifo nosso) (JENKINS, 2008, p.5).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É possível perceber como Jenkins encara a convergência como uma mutação<br />
cultural. E nós corroboramos esse pensamento do referido autor na<br />
medida em que acreditamos que neste ambiente onde atuam concomitantemente<br />
múltiplos dispositivos midiáticos, o consumo de informações se<br />
intensifica. No caso do rádio digital, a atuação simultânea de recursos sonoros,<br />
hipertextuais e visuais, em rede, se complementam de modo a fazer a<br />
mensagem reverberar de maneira ainda mais diversa e eficaz.<br />
A fim de compreendermos de forma ainda melhor o fenômeno da<br />
convergência tecnológica tendo como foco a sua atuação no contexto da<br />
digitalização do rádio, basta observarmos a existência, ainda que tímida,<br />
de tal característica no próprio suporte radiofônico analógico. Destacamos,<br />
por exemplo, o entrecruzamento de elementos como a aproximação<br />
com o público ouvinte de modo interativo (através de cartas, telefonemas<br />
etc.); o imediatismo, o caráter investigativo e a credibilidade na divulgação<br />
das mensagens (aspectos muitas vezes potencializados pela colaboração<br />
de fontes diversas, como o próprio jornal impresso, os conteúdos<br />
televisivos, as agências de notícias); e a própria linguagem radiofônica<br />
96
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
com seus variados códigos (som, silêncio, ruídos e a cadência entre outros<br />
subcódigos).<br />
O nosso olhar para essas peculiaridades nos confirma o potencial convergente<br />
existente no suporte radiofônico analógico e, mais do que isso, reforça<br />
a noção de uma atuação processual do fenômeno, ao mesmo tempo<br />
em que nos sinaliza as inúmeras possibilidades de convergência que surgem<br />
para o rádio com a chegada da digitalização.<br />
A tecnologia digital, portanto, amplia o processo de convergência, proporcionando<br />
ao rádio um diálogo ainda mais complexo com outras mídias<br />
e suportes, favorecendo assim o desenvolvimento de práticas simbólicas<br />
de relacionamento e a construção coletiva de saberes, a partir da reconfiguração<br />
das suas etapas de produção, veiculação, recepção e interação<br />
conteudística.<br />
Ao mencionarmos a questão da interação como etapa constituinte da práxis<br />
comunicacional convergente, voltamos a nossa atenção para o papel participativo<br />
e colaborativo a ser desempenhado pelo usuário-ouvinte na produção de<br />
conteúdos radiofônicos digitais.<br />
A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre<br />
a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar<br />
sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis se-<br />
97
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
parados, podemos agora considera-los como participantes interagindo de<br />
acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por<br />
completo (JENKINS, 2008, p. 05).<br />
Esse novo conjunto de regras apontado por Jenkins, se não é possível de<br />
ser compreendido em sua plenitude, precisa ao menos ser esmiuçado em<br />
sua essência atual.<br />
Como afirma Zaremba, são muitos e dinâmicos os aspectos da convergência<br />
digital, porém, o rádio não pode ficar fora desse processo, tampouco se inserir<br />
nele de forma limitada:<br />
Padronização de mensagens, economia de recursos, expansão de mercados,<br />
reengenharia de produção e recepção, estratégias de distribuição, são<br />
alguns passos nessa coreografia veloz da convergência tecnológica da qual<br />
resulta um novo modelo de comunicação-informação. Transportando linguagens<br />
esse novo paradigma digital constrói um mundo fantástico de<br />
acoplamentos onde rádio e outras mídias não devam ser apenas extensões<br />
dentro da rede [...] (ZAREMBA, 2001, p.2).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Refletir analiticamente sobre a convergência tecnológica no caso específico<br />
do rádio digital é, portanto, entender como tal meio pode ser transformado<br />
à medida que se abre às conexões diretas com outras tecnologias<br />
98
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
da informação e meios de comunicação. Um primeiro passo nesse sentido<br />
pode ser dado analisando-se as consequências de tal processo.<br />
Consequências da convergência digital<br />
Segundo os autores americanos LaRose e Straubhaar, as implicações da convergência<br />
são aspectos importantes de serem observados e analisados por profissionais,<br />
estudantes e pela academia, no sentido de que:<br />
Quanto melhor eles entenderem essa mídia e sua evolução, poderão decidir<br />
mais inteligentemente como pensar a respeito delas, como planejar<br />
para elas, o que mais terão de aprender, a que atribuir maior importância<br />
[...] poderão começar a pensar não apenas sobre como o novo ambiente de<br />
comunicações de mídias os afetará, mas também como eles poderão afetá-<br />
-los (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. XIV).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ainda de acordo com esses autores, a convergência tecnológica traz consequências<br />
relevantes e específicas para cada meio. A abundância de canais, o controle<br />
do usuário e a emergência de novas formas de multimídia são três dessas<br />
implicações constatadas pelos referidos pesquisadores, cujas ocorrências serão<br />
examinadas a seguir com intuito de compreendê-las no contexto do rádio digital.<br />
99
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
a) A abundância de canais: “quando as mensagens são codificadas digitalmente,<br />
torna-se possível o uso de compressão digital 2 ” (LAROSE; STRAUBHA-<br />
AR, 2004, p. 20). Tal implicação técnica, consequentemente, ocasiona a possibilidade<br />
de transmissão de mensagens por meio de múltiplos canais. Trata-se<br />
do surgimento de uma das potencialidades mais significativas, revolucionárias<br />
e motivadoras para o rádio digital: a multiprogramação. “Enquanto mais<br />
programas podem ser apertados dentro de um canal existente, a disponibilidade<br />
de canais também está crescendo” (idem, ibidem).<br />
Para Bianco, esse aspecto da multiprogramação ocasiona relevantes vantagens<br />
ao cenário radiofônico digital:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
As vantagens da transmissão digital são, potencialmente, significativas e<br />
sugerem que essa revolução tecnológica irá revitalizar o rádio tanto no conteúdo<br />
quanto na forma de consumo. Uma delas é a diversificação do conteúdo,<br />
uma vez que a tecnologia permite a divisão do espectro em dois ou mais<br />
canais de áudio. Pesquisadores da área de várias partes do mundo apontam<br />
para a necessidade de uma “reinvenção” do rádio analógico para que possa<br />
se adaptar à nova tecnologia (grifo nosso) (BIANCO, 2006, p. 02).<br />
A maior preocupação nesse sentido é em até que ponto a multiplicação<br />
2 A compressão de sinais reduz o número de dígitos que devem ser transmitidos. “Trata-se da subtração de informação<br />
redundante do conteúdo da mídia [...] ou a descoberta de maneiras mais eficientes de codificar a informação<br />
transmitida” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 20).<br />
100
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
da oferta de canais será aproveitada com qualidade técnica e criatividade<br />
pelos empresários da comunicação, produtores, radialistas, jornalistas e outros<br />
profissionais do meio. Na realidade atual, com a existência de canais<br />
únicos de transmissão, a maioria das emissoras inseridas no dial analógico<br />
tem deixado grande proporção de ouvintes sem opções diferenciadas em<br />
relação à disponibilização de conteúdos, os quais precisam atender cada vez<br />
mais à lógica da hipersegmentação e da hiperespecialização das audiências,<br />
que por sua vez estão cada vez mais exigentes. Consideramos, portanto, que<br />
somente a oferta de novos conteúdos pode fazer valer tal consequência.<br />
Paradoxalmente ao sugerido por LaRose e Straubhaar (2004, p. 20), uma<br />
ressalva recai sobre o debate a respeito da compressão e da disponibilidade<br />
de canais. Segundo a Benton Foundation (2000 apud TOME, 2004, p. 07),<br />
“ao ocupar os canais adjacentes e efetivamente aumentar a largura do canal<br />
ocupado por uma estação, está-se reduzindo a disponibilidade de espectro<br />
para eventuais novos atores”. Essa abordagem sugere um amplo debate sobre<br />
a questão das políticas públicas de comunicação para o rádio brasileiro<br />
(Cf. BARBOSA FILHO, 2008, pp. 121-141), o que não é foco principal desse<br />
estudo, todavia, reconhecemos a necessidade de se desenvolverem pesquisas<br />
especificas sobre tal temática.<br />
b) O controle pelo usuário: “como o usuário vai manter-se em compasso<br />
com a proliferação dos canais” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22). A partir<br />
101
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
desse questionamento propomos a reflexão sobre a considerável inovação<br />
nos procedimentos de escolha de conteúdos por partes dos usuários-ouvintes<br />
do rádio digital. Segundo os referidos autores americanos, as “novas<br />
tecnologias digitais vêm permitindo a programação de nossos receptores<br />
com regras cada vez mais complexas de personalização”.<br />
Essa afirmação nos ajuda a delinear perspectivas convergentes para o<br />
rádio digital, por exemplo: ao ligar o receptor inteligente, o usuário-ouvinte,<br />
auxiliado por um sistema instrutivo, poderá pré-estabelecer a sua programação<br />
de várias maneiras – um delas seria, com a utilização de um sistema<br />
de busca, procurar certos tipos de gêneros ou formatos radiofônicos,<br />
ou mesmo a sua música ou cantores preferidos. Ou seja, no rádio digital, a<br />
exemplo do que já ocorre em receptores de informação via satélite (Cf. LA-<br />
ROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22), o usuário-ouvinte poderá criar a sua própria<br />
programação.<br />
Ainda nesse sentido, podemos destacar as “mensagens pessoais” que<br />
poderão ser pré-configuradas para exibição diária nos futuros receptores<br />
de rádio digital, desde simples saudações até informações sobre o trânsito,<br />
tempo, cotação de bolsa de valores, astral, dicas, funções de agenda etc..<br />
Outra consequência do controle pelo usuário sobre os conteúdos do rádio<br />
digital seria a personalização dos anúncios publicitários, os quais terão<br />
que ser produzidos por profissionais cada vez mais capacitados e criativos,<br />
102
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
capazes de persuadir os seus possíveis consumidores sem que eles sejam<br />
impulsionados a trocar de frequência. Nesse sentido, percebemos que a noção<br />
de controle pelo usuário aliada a crescente abundância de canais sinaliza<br />
também que:<br />
[...] algum dia poderemos alterar os conteúdos dos anúncios de acordo com<br />
tipos específicos de lares ou introduzir variações em programas de entretenimento<br />
para atender os gostos de audiências cada vez mais específicas,<br />
ou até mesmo indivíduos específicos (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ao se refletir sobre esses aspectos múltiplos, pode-se perceber que a convergência<br />
digital tende cada vez mais a levar o usuário-ouvinte a atuar como<br />
um produtor de conteúdos. Além disso, podemos inferir que o “controle pelo<br />
usuário”, em relação ao rádio digital e aos conteúdos veiculados pelo mesmo,<br />
deve ser valorizado principalmente a partir dos níveis de interatividade, consideravelmente<br />
também ofertados pela convergência tecnológica.<br />
c) A emergência de novas formas de multimídia. A priori, essa consequência<br />
da convergência se refere à questão de que o próprio conceito de<br />
multimídia, “que integra áudio, imagens e textos digitais em redes de dados<br />
– está apagando as antigas distinções rígidas entre os meios de comunicação”<br />
(LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 23). Isso significa que, embora cada<br />
103
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
meio de comunicação tenha sistema de produção e transmissão específico,<br />
a atual conjuntura propiciada pela digitalização determina o fenômeno da<br />
convergência entre eles.<br />
O rádio digital deve estar dentro dessa lógica, afinal, como afirma Cordeiro<br />
(2004, p. 01): “o estilo hipermidiático agora utilizado recorre a quase todos os<br />
recursos da comunicação em rede, fazendo distinguir os meios de comunicação<br />
modernos [...] pela interatividade, hiperligações, personalização e atualização<br />
constante”. Ao citarmos o termo hipermidiático 3 precisamos apontar que,<br />
segundo LaRose e Straubhaar (2004, p. 23) essa é outra denominação para se<br />
descrever o fenômeno da convergência dos meios.<br />
Dessa forma, como o intuito de compreendermos melhor tal definição,<br />
corroboramos o pensamento de Nunes, que analisa:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os sistemas hipermídia [...] se apresentam como ferramentas de aprendizagem,<br />
produção, armazenamento e disponibilização de informações multimídia<br />
integrando diferentes tecnologias que absorvem a dinâmica das mídias<br />
predecessoras ajustando-se a nova realidade digital com especificidades ainda<br />
em delineamento. Destacamos a hibridização como uma característica<br />
auxiliar importante no contexto de construção da feição dos sistemas hipermídia<br />
(grifos nossos) (NUNES, 2009, p. 222).<br />
3 Segundo Nunes (2009, p. 230) “o prefixo hiper significa acima, posição superior ou mais além. O termo hiper foi<br />
utilizado na física por Einstein para descrever o novo tipo de espaço na teoria da relatividade, o hiperespaço: espaço<br />
visto de outro modo”.<br />
104
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
De acordo com o referido autor, o fenômeno da convergência das mídias,<br />
assim como do processo de produção de seus conteúdos, tem nesse<br />
aspecto “híbrido” uma base para o seu desenvolvimento. No caso do rádio<br />
digital, a característica de hibridização proposta por Nunes pode ser entendida<br />
como a capacidade que tal mídia terá de se configurar sob a ótica da<br />
convergência, recuperando, atualizando e potencializando suas características<br />
basilares, ao mesmo tempo em que irá expandir sua ação para outras<br />
mídias. Ainda segundo o autor:<br />
Esses translados corporificados em forma de passagem das características<br />
significantes de outras modalidades de articulação expressiva ao suporte<br />
digital denotam que os sistemas hipermídia se desenvolveram como um<br />
espaço de confluências intersemióticas (NUNES, 2009, p. 223).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Esse ambiente de convergência semiótica abordado por Nunes, e também<br />
mencionado por Santaella (2004), refere-se, tomando como exemplo<br />
o rádio digital, ao que já entendemos como o processo de hibridização entre<br />
os aspectos do suporte e da linguagem analógica, bem como das experiências<br />
do rádio na internet, que possam ser reaproveitadas, com as novas<br />
características que surgem com as potencialidades no aparato digital.<br />
105
A convergência sob a ótica de Fidler<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Partindo para os estudos de convergência sob a ótica de Fidler, corroboramos<br />
a ideia de que o processo de transformação das mídias, chamado pelo<br />
autor de midiamorfosis, é impulsionado por elementos diversos relacionados<br />
entre si, como por exemplo, “as necessidades percebidas, pressões políticas e<br />
econômicas e inovações sociais e tecnológicas” (FIDLER, 1997, p. 57).<br />
Com o intuito de ampliarmos o entendimento sobre essas noções, tendo<br />
como foco o caso do rádio digital brasileiro, observemos cinco preceitos<br />
que, segundo Fidler, marcam a passagem do analógico ao digital convergente.<br />
São eles:<br />
a) Coevolução e coexistência: de acordo com esse princípio, as mais diversas<br />
tecnologias da informação e da comunicação coevoluem e coexistem<br />
em meio a um processo de adequação e expansão. Ao manifestar-se e elaborar-se,<br />
cada inovação repercute no progresso de outras mídias.<br />
Analisando essa tendência em relação à digitalização do rádio no Brasil,<br />
fazemos uma conexão com a fase de transmissão simulcasting, que consiste<br />
na transmissão de conteúdos nos dois formatos (analógico e digital), enquanto<br />
ocorre a realização dos testes com os padrões tecnológicos digitais<br />
em algumas emissoras, bem como, acredita-se, até quando houver a opor-<br />
106
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tunidade de aquisição de receptores com tal tecnologia por parte da maioria<br />
da população, a preços acessíveis.<br />
b) Metamorfose: este preceito assegura que as inovações nos meios comunicacionais<br />
não surgem por si sós, pelo contrário, elas acontecem paulatinamente<br />
a partir das transformações de outros meios. Seu objetivo principal<br />
é, no entanto, demonstrar que meios antigos, ao invés de desaparecerem, se<br />
adaptam aos novos cenários. Além disso, a partir dele, é possível compreender<br />
o fato de ainda que a digitalização do rádio esteja sendo consolidada a<br />
passos lentos, ela se constitui como um avanço imprescindível à permanência<br />
de tal meio na cultura midiática contemporânea.<br />
c) Sobrevivência: as transformações são inevitáveis às mídias, assim como<br />
o mercado é obrigado a se adequar a essa realidade para manter-se ativo.<br />
Os empresários da radiodifusão nacional devem se mobilizar para encontrar<br />
possibilidades de trabalhar as inovações ocasionadas pelo suporte digital ao<br />
rádio para além das melhorias técnicas. Nesse momento, além dos debates<br />
técnicos, já deveria ser notadamente fomentada a preocupação com os desafios<br />
de explorar as novas necessidades da programação digital em termos<br />
de conteúdo.<br />
d) Oportunidade e necessidade: para Fidler não são apenas as questões<br />
tecnológicas que determinam novos horizontes às mídias, mas também as<br />
razões sociais, políticas e econômicas. Certamente esses aspectos influen-<br />
107
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ciam transversalmente a atuação e o desenvolvimento das mídias. Destacamos<br />
os empecilhos causados pelos proselitismos políticos que rodeiam<br />
a questão da definição do padrão tecnológico a ser adotado pelo SBRD.<br />
Ainda assim, o período de transição que estamos enfrentando constitui-se<br />
numa grande oportunidade para reinventar a práxis radiofônica observando<br />
as suas necessidades mais urgentes, como a questão do conteúdo.<br />
e) Adaptação postergada: tal preceito alerta-nos para o fato de que os benefícios<br />
comerciais advindos da atuação de uma mídia nova surgem apenas<br />
com o passar do tempo. De modo específico, em relação ao rádio digital, os<br />
exemplos norte-americanos e europeus comprovam que, mesmo depois de<br />
mais dez anos, tal tecnologia ainda caminha vagarosamente quando se trata<br />
de por em prática os aspectos interativos e convergentes.<br />
Consideramos que, no caso brasileiro, cabe aos empresários e profissionais<br />
do meio, bem como à academia, pesquisar, refletir e propor caminhos<br />
para que a sintonia do futuro obtenha os melhoramentos esperados tanto<br />
no âmbito comercial, quanto na qualidade de seus conteúdos.<br />
Esse é um dos desafios atuais em relação à convergência: saber de que forma<br />
os profissionais da comunicação devem atuar frente a tais inovações pelas<br />
quais passa o rádio:<br />
108
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A questão é como integrar os valores culturais de sua origem aos que surgem<br />
da tecnologia emergente. O rádio continuará sendo sonoro, porém<br />
com funções multimídia, portanto terá de agregar uma linguagem flexível<br />
que possibilita diversificar conteúdos, o que torna inevitável integrar sua<br />
programação a novos formatos de distribuição e ser capaz de compatibilizar<br />
voz, imagens e dados (BIANCO, 2010, p. 109).<br />
A convergência tecnológica é nitidamente uma tendência intrínseca ao<br />
rádio. Com a digitalização ela será capaz de reinventar o meio que melhor se<br />
adaptou aos diferentes espaços, que mais alcança e acompanha as diversas<br />
camadas da sociedade e que facilmente se aproxima e se utiliza da grande<br />
variedade e riqueza de expressões da linguagem sonora. Os níveis de convergência<br />
tecnológica, no entanto, não podem, nem devem ofuscar a essência<br />
do rádio, que é a sonoridade.<br />
Abordagem sobre os níveis de convergência no rádio<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Conforme já explicitamos, a convergência midiática é um fenômeno processual<br />
e multidimensional, o que implica dizer que ela aborda as tecnologias<br />
da informação e da comunicação em diversos níveis e aspectos. De<br />
acordo com Lopez (2010a, p. 15), a análise da lógica da convergência mi-<br />
109
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
diática precisa ocorrer levando-se em consideração “[...] um contexto mais<br />
amplo, que envolve não só a comunicação, mas o ambiente em que ela se<br />
insere, as tecnologias presentes nele e os reflexos que elas têm nas ações e<br />
comportamentos do homem”. Tais constatações demonstram como a convergência<br />
necessita ser refletida a partir de uma perspectiva que contemple<br />
as suas etapas de produção, transmissão e consumo da informação.<br />
Para o caso específico do rádio digital, a elaboração de conteúdos<br />
diferenciados é uma das principais mudanças que precisam ser geradas<br />
e, consequentemente, potencializadas e reverberadas pelo ambiente de<br />
convergência.<br />
A fim de utilizarmos as proposições teóricas sobre a convergência de<br />
modo diretamente relacionado ao rádio digital, optamos por fazer uma apreciação<br />
da classificação em níveis proposta por Lopez (2010b, pp. 412-417).<br />
Importante ressaltar que ao discorrer sobre o que a autora chama de “níveis<br />
de convergência”, corroboramos a ideia de que eles se apresentam sob uma<br />
lógica de complementaridade, sem exigência de uma continuidade, “em que<br />
novas ferramentas, ações e contextos surgem e geram consequências para o<br />
rádio a partir da inserção das tecnologias da informação e da comunicação<br />
em suas rotinas” (idem, p. 412).<br />
Em relação a esse cenário de constantes mudanças, López Vidales assegura:<br />
110
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Na gênese de toda essa mudança está a profunda transformação sofrida<br />
pelos diferentes meios de comunicação na raiz da digitalização acelerada<br />
dos processos de elaboração, emissão, produção, transmissão, difusão e recepção<br />
de todo tipo de informação, seja áudio, imagens, dados ou gráficos<br />
(LÓPEZ VIDALES, 2001, p. 71).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Voltando-nos à referida proposta de classificação dos níveis de convergência,<br />
reconhecemos o amplo horizonte que se abre ao rádio digital, a notável<br />
necessidade de compreendê-lo, bem como a complexidade de tal lógica<br />
processual que, como já elucidamos, vai além da questão técnica-estrutural,<br />
na medida em que sugere a discussão de seus propósitos e os reflexos que<br />
se apresentam no processo produtivo radiofônico.<br />
Todo o processo de mutações no aparato tecnológico radiofônico, sobretudo<br />
as implicações da convergência digital, nos remete à necessidade<br />
de reconfigurarmos a práxis de tal meio. De acordo com Lopez (2010b,<br />
p.414), estamos diante de “[...] novas dinâmicas de produção e transmissão<br />
que apresentam uma relação entre a tecnologia tradicional da radiodifusão<br />
e a informatização dos processos radiofônicos”.<br />
Nesse sentido, finalmente, passemos a discorrer sobre o que, de fato,<br />
consistem os níveis de convergência, quais são as suas características e efeitos<br />
no cenário do rádio digital Lopez aponta:<br />
111
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Convergência de primeiro, segundo e terceiro níveis. Estes níveis são integrados,<br />
complementares e compõem um processo de construção da<br />
identidade e de determinação do papel da comunicação radiofônica no<br />
novo cenário que se instaura. Um nível é dependente do outro e [...] se<br />
considerado em conjunto com a convergência de conteúdo, empresarial<br />
e editorial, pode levar à integração das redações. Entretanto, este não<br />
precisa ser o objetivo. Por se tratar de um processo, os níveis que a convergência<br />
apresenta são decorrentes dos anteriores, mas não exigem uma<br />
continuidade (LOPEZ, 2010b, p. 414).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Analisando especificamente o rádio digital, o primeiro nível desse processo<br />
refere-se claramente à informatização das redações. Nesse sentido, é<br />
possível apontar consequências importantes para a práxis radiofônica como,<br />
por exemplo, o aprimoramento e a agilidade proporcionados à execução,<br />
muitas vezes simultânea, de atividades com edição de áudios, textos, imagens<br />
e até mesmo de vídeos, através do suporte digital, na construção da<br />
informação.<br />
Em relação ao segundo nível, este alude a tecnologização de diversas<br />
etapas do processo. Aborda o instante em que se afirma uma conexão entre<br />
os instrumentos de apuração, produção e transmissão de informações, sem,<br />
contudo, atingir transversalmente a composição narrativa e a natureza da<br />
mensagem radiofônica. Em tal nível, o diferencial relevante para a mensa-<br />
112
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
gem final refere-se à presteza com que o conteúdo é produzido e transmitido,<br />
notadamente com a peculiaridade do som digital.<br />
A convergência de terceiro nível, sobretudo em relação ao rádio digital, refere-se<br />
propriamente à questão da produção multimídia. É justamente nesse<br />
sentido que precisamos ressaltar o seguinte: “a tecnologização e a inserção<br />
das tecnologias da informação e da comunicação no processo de construção<br />
e transmissão da noticia afeta a configuração do veículo, suas definições tradicionais<br />
e suas estratégias de linguagem” (LOPEZ, 2010b, p. 415).<br />
Uma das características desse terceiro nível de convergência, diz respeito<br />
à atuação profissional dos comunicadores de rádio num ambiente convergente<br />
e digital: o novo rádio que, consequentemente, sugere uma nova práxis<br />
comunicacional, envolvendo “atores” (produtores, usuários-ouvintes etc.)<br />
multiplataformas, capazes de produzir criativamente, com credibilidade e<br />
agilidade, conteúdos em áudio, vídeo, texto, fotografia, infografia (passíveis<br />
de entrecruzamentos).<br />
Pensar em níveis de convergência constitui-se, portanto, num exercício de<br />
reflexão crítica e sistemática sobre esse processo mutante capaz de promover<br />
impactos, desafios, tendências e perspectivas na estrutura do novo rádio.<br />
113
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
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115
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
RÁDIO DIGITAL:<br />
É PRECISO SINTONIZAR MELHOR ESSA REINVENÇÃO<br />
Elton Bruno Barbosa Pinheiro 1<br />
Resumo<br />
O presente estudo esboça um panorama sobre o estabelecimento do Sistema Brasileiro<br />
de Rádio Digital (SBRD). Discute os principais padrões tecnológicos com possibilidade<br />
de adoção no país. Constata que o processo de transição do analógico para o<br />
digital sinaliza a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas de comunicação<br />
radiofônica brasileira. Além disso, aborda alguns dos principais aspectos motivadores<br />
para a implantação do rádio digital: a alta definição, os novos receptores, a<br />
multiprogramação e a convergência com outros meios. Por fim, reflete criticamente a<br />
respeito do esfriamento das discussões sobre o rádio digital no Brasil, pondo em relevo<br />
o necessário aprofundamento do diálogo entre academia, governo e mercado e a<br />
imprescindível tomada de decisões plausíveis com a nova lógica da cultura midiática.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Palavras-chave: Rádio digital. Padrões tecnológicos. Aspectos motivadores.<br />
1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />
em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica<br />
(GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessibilidade<br />
– UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço<br />
eletrônico: eltonufpb@hotmail.com.<br />
116
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Entendendo a tecnologia digital<br />
A implantação de uma inovação tecnológica é, indubitavelmente, fonte<br />
de inúmeros questionamentos, debates, desafios, promessas, possibilidades,<br />
tendências e perspectivas. No Brasil, a inserção da tecnologia digital no processo<br />
de produção, veiculação e recepção do conteúdo radiofônico, por sua<br />
viabilidade, funcionalidade, assim como pela necessidade de adaptabilidade<br />
aos padrões existentes, dá indícios de um verdadeiro processo de mutação<br />
na práxis comunicacional radiofônica.<br />
Mas, afinal, o que é o digital A partir da análise de Lévy podemos compreender<br />
melhor a natureza dessa tecnologia.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas<br />
as informações podem ser codificadas desta forma. Por exemplo, se fizermos<br />
com que um número corresponda a cada letra do alfabeto, qualquer texto<br />
pode ser transformado em uma série números. Uma imagem pode ser transformada<br />
em pontos ou pixels (pictures elements). Cada um desses pontos<br />
pode ser descrito por dois ou mais números que especificam suas coordenadas<br />
sobre o plano e por outros três números que analisam a intensidade<br />
de cada um dos componentes de sua cor (vermelho, azul e verde por síntese<br />
aditiva). Qualquer imagem ou sequência de imagens é, portanto traduzível<br />
em uma série de números. Um som também pode ser digitalizado se for feita<br />
117
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
uma amostragem, ou seja, se forem tiradas medidas em intervalos regulares<br />
(mais de 60 mil vezes por segundos, a fim de capturar as altas frequências).<br />
Cada amostra pode ser, portanto, representável por uma lista de números. As<br />
imagens e os sons também podem ser digitalizados, não apenas ponto a ponto<br />
ou amostra por amostra mas também, de forma mais econômica, a partir de<br />
descrições das estruturas globais das mensagens iconográficas ou sonoras.<br />
Para tanto, usamos sobretudo funções senoidais para o som e funções que<br />
geram figuras geométricas para as imagens. Em geral, não importa qual é o<br />
tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode<br />
ser traduzida digitalmente (grifos nossos) (LÉVY, 1999, p. 50).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em linhas gerais, o digital consiste na alteração de qualquer tipo de informação<br />
em código numérico expresso em base binária, ofertando maior<br />
simplicidade, agilidade e precisão na transmissão, processamento, armazenamento<br />
e disponibilização de conteúdos em grande escala. Trata-se de uma<br />
tecnologia com o intuito de disponibilizar imagens, textos, sons num sistema<br />
composto de bits ou de “fluído numérico” (idem, ibidem, p.51), “permitindo<br />
combinar, interligar e organizar serviços que antes estavam separados”<br />
(BIANCO, 2009, p.48) 2 .<br />
Podemos, talvez, nos perguntar: por que há um número crescente de<br />
informações sendo digitalizadas e, cada vez mais, sendo inteiramente pro-<br />
2 Entrevista concedida pela Professora Dra. Nélia Rodrigues Del Bianco, da Universidade Federal de Brasília – UnB, ao<br />
autor desse trabalho, via e-mail, em 28 de fevereiro de 2009 para o seu estudo monográfico intitulado Rádio Digital:<br />
desafios presentes e futuros.<br />
118
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
duzidas nesta forma com os instrumentos adequados De acordo com Levý<br />
(idem, p.52), “a principal razão é que a digitalização permite um tipo de tratamento<br />
de informação eficaz e complexo, impossível de ser executado por<br />
outras vias”. No caso do rádio digital, ela não só acrescenta desempenhos à<br />
transmissão do áudio, mas permite entre outras funções, o envio de dados<br />
e de imagens ao novo suporte radiofônico. Tome corrobora:<br />
Uma definição muito simples para o “rádio digital” é a seguinte: desde a invenção<br />
do rádio, a transmissão dos sons do estúdio até o aparelho receptor,<br />
via ondas que trafegam no “éter” (ou seja, no ar), é feita por meio de sinais<br />
analógicos. No rádio digital, essa transmissão passa a ser digitalizada, ou<br />
seja, por meio de bits – zeros e uns. Com essa mudança, consegue-se não<br />
apenas transmitir um som mais puro, mas, além disso, como bit é bit, pode-se<br />
transmitir qualquer coisa que seja digital – de pequenos vídeos a programas<br />
de computador (grifo nosso) (TOME, 2010, p. 57).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É justamente essa possibilidade de “transmitir qualquer coisa” que tem<br />
desencadeado esse processo de mutação na cultura midiática radiofônica,<br />
sobretudo no que diz respeito à produção de conteúdos digitais. Num<br />
exercício instigante, Bianco descreve algumas das possíveis competências<br />
do “novo rádio”.<br />
119
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Imagine acordar pela manhã ao som de um rádio com qualidade de CD<br />
programado para sintonizar sua emissora favorita. Logo em seguida, você<br />
aciona um botão do aparelho e recebe pela tela de cristal líquido - um display<br />
acoplado - um boletim meteorológico de sua cidade. Ao sair para o<br />
trabalho, liga o rádio do carro, coloca no painel da tela o seu destino e o<br />
sistema lhe indica, no mapa da cidade, o trajeto livre de congestionamentos.<br />
Se desejar, o mesmo aparelho disponibiliza vários tipos de informação:<br />
o nome do cantor de uma música, notícias selecionadas, a programação<br />
diária da emissora, a cotação da bolsa de valores e de outros índices econômicos.<br />
Tudo muito fácil de acessar e com a vantagem adicional de poder ler<br />
essas informações ao som do comunicador mais animado e divertido que<br />
você conhece. Delírio de futurista otimista [...]. A digitalização do sinal de<br />
transmissão de rádio oferece estas e muitas outras vantagens para o “ouvinte”<br />
(BIANCO, 2004, pp. 307-308).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tal descrição de Bianco nos ajuda a compreender a necessária reconfiguração<br />
na dinâmica e na forma de se produzir conteúdos radiofônicos,<br />
adaptando-se às diferentes linguagens e às novas maneiras de interação<br />
com a audiência.<br />
Um passo importante para a definição da nova práxis radiofônica é<br />
a análise dos padrões tecnológicos que podem vir a ser utilizados nas<br />
transmissões brasileiras de rádio digital, os quais têm passado por uma<br />
longa fase testes em algumas emissoras do país.<br />
120
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Antes, porém, vale mencionar que os diálogos e entrecruzamentos de aspectos<br />
políticos e econômicos influenciam fortemente o surgimento de múltiplos<br />
caminhos quando o assunto é a necessidade de adoção de inovações<br />
tecnológicas. Além disso, no caso do rádio digital brasileiro, o percurso até a<br />
decisão oficial pelo padrão de transmissão encontra dois caminhos clássicos<br />
específicos. Um deles diz respeito à opção por um sistema que opera de forma<br />
agregada a outro já existente, com o intuito de aperfeiçoar o seu funcionamento<br />
e introduzir novas usabilidades: são as inovações nomeadas como in-<br />
-band, pois ocorrem “dentro da faixa de frequências existentes” (TOME, 2010,<br />
p. 66). Outra possibilidade é a inovação a partir da adoção de uma técnica<br />
mais complexa e aprimorada, elaborada em um espectro diferente, o que a<br />
distingue de serviços até então existentes: são as inovações out-of-band, “fora<br />
da faixa preliminarmente ocupada” (idem, ibidem).<br />
Compreender as mudanças que serão ocasionadas no cotidiano técnico<br />
operacional radiofônico, a partir da digitalização, não se constitui como uma<br />
tarefa tão complexa se estabelecermos um paralelo com o que já aconteceu<br />
com o rádio analógico.<br />
Na primeira metade do século passado, as emissoras AM, em ondas<br />
médias (locais) e em ondas curtas (internacionais), testemunharam a chegada<br />
da FM, nas décadas de 1950 a 1970, o que representou uma mudança<br />
tecnológica do tipo out-of-band, por se tratar de uma nova forma de<br />
121
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
modulação, desta vez em frequência e não em amplitude, “sendo capaz<br />
de transportar uma música de alta qualidade e operando em uma nova<br />
faixa de frequências, totalmente fora do domínio das ondas curtas” (idem,<br />
ibidem). Paulatinamente, a população aderiu ao consumo de novos receptores,<br />
popularizando assim, a Frequência Modulada, que por sua vez, anos<br />
depois, evoluiu caracteristicamente de forma in-band (dentro da mesma<br />
faixa), quando acrescentou o som estéreo aos receptores, de modo que<br />
eles podiam reproduzir tanto sinais mono quanto os novos sinais estéreos.<br />
Existiram outros passos na inovação in-band do FM: a introdução da<br />
transmissão de um pequeno fluxo de dados no visor receptor, ainda que em<br />
baixa velocidade, como identificação da emissora, da música, do artista e<br />
informações curtas, sobre o clima/tempo, por exemplo.<br />
Com relação ao rádio digital, também há possibilidades de inovações de<br />
caráter in-band e out-of-band, conforme analisa Tome:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
No primeiro caso, a digitalização é realizada colocando-se o sinal digital<br />
na mesma faixa de frequências do sinal analógico – por exemplo – se uma<br />
emissora é de ondas médias (540 a 1600 kHz), o sinal digital correspondente<br />
também estaria em algum lugar nessa faixa de frequências. Além disso,<br />
o sinal digital pode estar vinculado ao analógico, ocupando um canal adjacente<br />
(IBAC – In-Band Adjacente Channel) ou estar ocupando o mesmo<br />
canal (IBOC – In-Band On-Channel). [...] Já a out-of-band consiste em se<br />
122
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
buscar uma nova faixa de espectro, disponível para transmissão do sinal digital,<br />
de forma totalmente desvinculada do analógico – tanto em termos de<br />
conteúdo quanto, principalmente, em termo de funcionalidades e recursos<br />
(TOME, 2010, p. 69).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tendo percorrido os caminhos que balizam justamente a tomada de decisão<br />
oficial por um determinado padrão tecnológico de transmissão radiofônica,<br />
voltemo-nos à análise das origens e diversidade dos sistemas digitais.<br />
Os primórdios da tecnologia radiofônica digital em termos de padrão são<br />
originários da Europa e foram arquitetados dentro dos programas de incentivo<br />
às pesquisas da agência europeia Eureka (European Research Coordination<br />
Agency). Criado através do projeto 147, o primeiro padrão tecnológico<br />
estava inserido num consórcio liderado pelo Institut für Rundfunktechnick<br />
(IRT), da Alemanha, com o apoio do Centre Commun d’Etudes de Téledifusion<br />
et Télécommunications (CCETT) francês, e em seguida contou com a participação<br />
da BBC inglesa. Somente na década de 1990, o sistema ficou pronto<br />
e foi nomeado como DAB – Digital Audio Broadcasting.<br />
Quando implantado como tecnologia totalmente digital do tipo out-of-<br />
-band, o DAB passou a operar em amostras do espectro que estavam livres<br />
na faixa VHS ou UHF. Seu objetivo era o de aumentar a diversidade das fontes<br />
de informação, abrindo espaço para novas emissoras. Conforme Tome<br />
123
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
(ibidem, p.71), o DAB “teria de ser uma tecnologia capaz de contornar o<br />
problema do espectro congestionado do continente europeu, decorrente da<br />
existência de países e cidades muito próximas”.<br />
No ano de 1992, o Digital Audio Broadcasting foi testado nos Estados<br />
Unidos, no entanto, os norte-americanos adotaram o padrão IBOC – In-Band<br />
On-Channel, uma vez que o conteúdo digital da emissora, em tal tecnologia,<br />
é transmitido através de canais laterais do analógico. O Canadá, na mesma<br />
época, elegeu o DAB por considerá-lo tecnicamente melhor e porque ele<br />
possibilitaria uma boa solução no ambiente bilíngue daquele país.<br />
O Japão, em 1997, optou por uma decisão distinta: o ISDB – Integrated<br />
Services Digital Broadcasting, concebido como um sistema de comunicação<br />
inovador, capaz de atuar como suporte integrado para o modelo de convergência.<br />
Importante mencionar que o ISDB, considerado sob o ponto de vista<br />
radiofônico como uma solução out-of-band, operando tanto na faixa de VHF<br />
quanto UHF, é analisado, no caso do Brasil, como um padrão tecnológico<br />
inviável, tendo em vista o fato de que ele pressupõe sistemas de produção<br />
em forma de consórcio, o que, em síntese, implicaria em separar os papéis<br />
de transmissão e de geração de conteúdo.<br />
Já no início do século XXI, a Coréia adotou o DAB como suporte para as<br />
suas transmissões de rádio digital. Mas o que os coreanos realmente esperavam<br />
dessa inovação tecnológica era a possibilidade de lidarem com uma<br />
124
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
plataforma multimídia, assim como o ISDB. Assim, os coreanos desenvolveram<br />
uma nova versão para o DAB, chamada DMB – Digital Multimedia<br />
Broadcasting, congregando múltiplas novidades tecnológicas, sobretudo a<br />
competência de transmissão de vídeo associado ao áudio, para exibição em<br />
pequenas telas de cristal líquido.<br />
Ainda em 2007, as principais pesquisas a respeito dos padrões de rádio<br />
digital no mundo mencionavam o DAB+ e o DRM+ como versões respectivamente<br />
capazes de melhorar a codificação de áudio e suporte multimídia,<br />
além de desenvolver a capacidade de operar na faixa de FM.<br />
Padrões tecnológicos e características no contexto brasileiro<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Basicamente são dois os principais padrões tecnológicos de rádio digital<br />
em fase de testes e análises, com possibilidade de implantação no Brasil: o<br />
IBOC – In-Band On-Channel, norte-americano; e o DRM – Digital Radio Mondiale,<br />
europeu. Ambos são do tipo in-band 3 e cada um deles desenvolveu seu<br />
modelo fundamentado em suas necessidades, com arquiteturas distintas,<br />
que variam desde a modulação (técnica de adaptação do sinal para o meio<br />
3 “Uma das características dos sistemas in-band é que, de forma semelhante ao que ocorre na televisão digital (que<br />
também é um sistema in-band), existe a necessidade de uma fase de transição, durante a qual, ambos os sinais, analógico<br />
e digital, precisarão coexistir, pois parte dos ouvintes continuará com antigos aparelhos analógicos e parte já<br />
terá migrado para receptores digitais. Essa fase de transição (simulcasting) pode durar décadas” (TOME, 2010, p.69).<br />
125
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
de transmissão sem o menor ruído e interferência possível) até a aplicação.<br />
Além dos requisitos técnicos, eles também se diferenciam culturalmente, baseados<br />
nos serviços que dispõem.<br />
Mas, de fato, qual seria a melhor escolha para o cenário comunicacional<br />
radiofônico brasileiro, o IBOC ou o DRM Diante dos passos lentos no que<br />
diz respeito aos testes até agora realizados, essa é uma pergunta ainda difícil<br />
de ser respondida com exatidão. Um aspecto importante a ser considerado<br />
é que tais tecnologias têm sido testadas apenas no que se refere à qualidade<br />
da transmissão do áudio, tendo deixado de lado as discussões sobre a relevância<br />
dos conteúdos visuais e interativos que devem ser veiculados pelo<br />
novo suporte radiofônico digital.<br />
Passemos a uma análise mais detalhada sobre cada um dos padrões possíveis<br />
de adoção no Brasil.<br />
Iboc - in-band on-channel<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Pertencente ao consórcio internacional iBiquity, o IBOC, sigla de In-Band<br />
On-Channel é uma tecnologia norte-americana de rádio digital, conhecida<br />
nos Estados Unidos como HD Radio (High Definition Radio). Na verdade, pelo<br />
fato de tal sistema ocupar o canal adjacente, ou seja, não estando restrito ao<br />
126
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
canal analógico da emissora, ele é imprecisamente denominado como IBOC,<br />
que é, por sua vez, um modelo conceitual 4 .<br />
Nesse sentido, como na tecnologia IBOC o sinal digital é transmitido no<br />
canal adjacente, é possível a coexistência das emissoras FM e AM analógicas<br />
com o novo suporte digital sem a necessidade de alterações de frequências<br />
no dial, o que, na visão dos empresários da radiodifusão, é uma vantagem,<br />
sobretudo porque nesse caso não há a necessidade de se fazer novas licitações<br />
ou outorgas. Segundo Tome, no IBOC:<br />
A ideia é levar ao ouvinte um som de melhor qualidade (como no CD),<br />
além de possibilitar a inclusão de outras informações por meio de um<br />
fluxo de dados ou mesmo um segundo canal de áudio independente.<br />
Entretanto, ao contrário dos demais sistemas, o IBOC foi concebido para<br />
possibilitar a transmissão simultânea dos sinais digitais dentro da mesma<br />
banda alocada para o sinal analógico da emissora. No modo híbrido, ambos<br />
os sinais – o analógico e o digital – convivem dentro do mesmo canal<br />
(TOME, 2004, p 01).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Outros fatos colaboram para que o IBOC se imponha como uma espécie<br />
4 Conforme Tome (2010, p. 69), o IBOC, em si, é um modelo conceitual. “O sistema norte-americano de rádio digital<br />
acabou recebendo esse nome por conta do histórico de desenvolvimento, embora não seja exatamente um sistema<br />
IBOC do ‘ponto de vista conceitual’. [...] Entretanto, o “apelido” IBOC pegou, e usualmente aquele sistema é referido<br />
por esse acrônimo”.<br />
127
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
de “favorito entre os radiodifusores” nesse momento que deve ser de reflexões,<br />
debates e escolhas. A questão da infraestrutura, por exemplo, pesa<br />
no sentido de que a aparelhagem das rádios pode, com o IBOC, ser em boa<br />
parte reaproveitada. Não há necessidade de se modificar torres de transmissão,<br />
apesar de que algumas emissoras precisarão de alguns equipamentos<br />
novos como excitadores e periféricos adequados.<br />
Um estudo desenvolvido por pesquisadores do GP Rádio e Mídia Sonora<br />
da Intercom, denominado Implantação do rádio digital no Brasil: experiências,<br />
impactos, tendências e perspectiva, aponta uma realidade ainda presente<br />
no cotidiano de muitas emissoras brasileiras: “um forte movimento de<br />
preservação tem sido a força motriz no processo de adoção da digitalização<br />
da transmissão” (BIANCO, 2007, p.04).<br />
Pode-se destacar, nesse sentido, o predomínio de uma visão instrumental<br />
da tecnologia de transmissão digital, o que provoca certa limitação na análise<br />
das melhorias, como a questão da otimização do áudio, bastante comentada,<br />
de importância considerável, mas que tem “sufocado” o debate, por exemplo,<br />
em torno da diferença no tempo de transmissão (delay) entre os dois tipos de<br />
sinais, analógico e digital. “O analógico estará à frente em relação ao digital na<br />
transmissão que não é totalmente simulcast” (idem, ibidem).<br />
O IBOC também tem apresentado debilidades quando o assunto é a<br />
eficiência na continuidade de transmissão, ou seja, em alguns casos pode<br />
128
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
haver uma interrupção abrupta da programação, gerando certo desconforto<br />
ao ouvinte. Ainda assim, tal padrão oferece um diferencial no que se refere<br />
à economia da energia elétrica, atualmente, um dos maiores gastos para os<br />
empresários radiodifusores.<br />
Por outro lado, um aspecto preocupante para o IBOC é que ainda existem<br />
questionamentos referentes à sua capacidade em atender às demandas<br />
do mercado. Isso significa problemas quanto aos custos necessários para<br />
investimentos, calcula-se uma média de 150 a 200 mil dólares, no mínimo,<br />
para trocar, por exemplo, um transmissor comum. Um investimento também<br />
expressivo consiste em digitalizar o processo de produção radiofônica,<br />
com mudanças na aparelhagem dos estúdios e redações, só para citar apenas<br />
duas situações. Nesse caso, aguarda-se que sejam oferecidos incentivos,<br />
sobretudo aos radiodifusores de pequeno porte, para que não fiquem à<br />
margem desse processo e invistam na implantação do rádio digital.<br />
O IBOC, segundo Bianco, tem outros entraves a sua frente:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O inconveniente está no fato de ser uma tecnologia proprietária. Para seu<br />
uso será necessário pagar licenciamento anual, hoje estimado em US$ 5<br />
mil. A empresa iBiquity, detentora dos direitos de exploração da tecnologia,<br />
pode reduzir o valor do licenciamento para favorecer países interessados<br />
em adotá-la como uma vantagem competitiva em relação aos demais sistemas<br />
(BIANCO, 2007, p.04).<br />
129
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Contudo, o sistema norte-americano tem objetivos basicamente semelhantes<br />
aos demais padrões de rádio existentes, entre eles, transmitir o sinal<br />
digital num canal adjacente ao sinal analógico, o que possibilitaria que as<br />
estações de rádio atuais pudessem migrar para a tecnologia digital quando<br />
lhes fosse conveniente e sem interromper ou prejudicar a transmissão do<br />
modo analógico. Segundo Bezerra, esse é um aspecto relevante na forma de<br />
transmissão híbrida permitida pelo padrão IBOC:<br />
A possibilidade das emissoras poderem migrar para a tecnologia digital quando<br />
lhes for mais conveniente, ou seja, quando estiverem totalmente preparadas<br />
e com a vantagem de não interromper ou prejudicar a transmissão<br />
analógica. Numa próxima etapa de implantação, o sinal analógico seria desativado,<br />
e a transmissão digital ocuparia todo o canal (BEZERRA, 2007, p.04).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em síntese, as características do IBOC, que possui duas versões, uma para a<br />
faixa AM (IBOC AM) e outra para a faixa FM (IBOC FM) proporcionam: possibilidade<br />
de transmissão simultânea dos sistemas digital e analógico dentro da mesma<br />
banda; permissão para o usuário fazer uso dos dois sistemas e depois desativar o<br />
analógico; aumento na largura do canal ocupado por uma estação, ou seja, criação<br />
de canais adjacentes; além disso, os receptores continuariam os mesmos.<br />
Todavia, o IBOC apresenta também as suas debilidades: por ser justamente<br />
um sistema híbrido, tem deficiências tecnológicas que podem ser corrigidas,<br />
130
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
mas a longo prazo; é contraproducente do ponto de vista da infraestrutura,<br />
pois ao alargar o espectro para uso de dois sistemas simultâneos se reduz<br />
a possibilidade de espectro para novas emissoras; não se tem uma previsão<br />
do que acontecerá na transição entre o híbrido e o totalmente digital, alguns<br />
críticos acham que o IBOC nunca será totalmente digital e, portanto, deve<br />
ficar mais tarde defasado; já que é uma tecnologia fechada licenciada por<br />
apenas uma empresa, prevê uma taxa anual de alto valor para ao operador<br />
do sistema, o que comprometeria a digitalização das rádios comunitárias;<br />
além disso, há um delay entre o sinal digital e analógico, perceptível pelo<br />
usuário, ou seja, o rádio fica mudo alguns segundos.<br />
Alguns desses pontos merecem o nosso destaque: um problema que<br />
atinge os sistemas digitais, principalmente o IBOC norte-americano, é o da<br />
cobertura do sinal. Tome explica:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
No caso do IBOC, o sinal digital é transmitido juntamente com o analógico,<br />
ou seja, no canal imediatamente adjacente. Para evitar que esse sinal<br />
digital degrade o sinal analógico, ele deve ser mantido com uma potência<br />
de cerca de 1% com relação à portadora analógica (-20dBc). Tal potência é<br />
menor do que aquela que seria necessária para prover uma cobertura equivalente.<br />
O sinal digital, embora requeira uma potência bem menor que o<br />
analógico para prover a mesma área de cobertura, ainda assim necessitaria<br />
de uma potência da ordem de 3% a 5% do analógico. Isso significa que o<br />
sinal digital, no caso do IBOC, estaria operando com um terço da potência<br />
131
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
necessária para prover a mesma cobertura do analógico, e essa situação<br />
persiste enquanto perdurar a transição (simulcasting) e o analógico não for<br />
desligado, o que pode levar uma ou duas décadas (TOME, 2010, p.80).<br />
O lento processo de digitalização por que passa o rádio brasileiro não<br />
pode, no entanto, atrasar as discussões sobre a nova práxis na produção de<br />
conteúdos digitais, tampouco afetar o cotidiano das emissoras de pequeno<br />
porte técnico. Ainda assim, como analisa Bezerra, um dos benefícios do rádio<br />
digital seria afetado pelo sistema IBOC:<br />
Um das grandes vantagens do sistema digital é justamente a incorporação<br />
de novos atores na radiodifusão, mas que será prejudicada pelo sistema<br />
IBOC. As emissoras que continuarem a emitir no padrão analógico (as comunitárias,<br />
as públicas e as comerciais pequenas) terão dificuldades em ser<br />
captadas (BEZERRA, 2007, p.04).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Para o caso específico das rádios comunitárias, o IBOC exibe sérios<br />
problemas. De acordo com a legislação nacional, tais rádios apresentam<br />
potência limitada a 25 watts. Tendo em vista que no sistema digital o sinal<br />
irradiado tem uma potência de 1% do analógico:<br />
[...] se uma emissora analógica irradia uma potência de 100kW para cobrir<br />
uma determinada região, o seu sinal digital correspondente terá a potência<br />
132
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
de 1 kW, com a perda de cobertura comentada acima. No caso de uma rádio<br />
comunitária com 25 watts no analógico, o sinal digital correspondente<br />
seria então de 0,25 watts ou 250 mW. Segundo a empresa iBiquity, esse nível<br />
de sinal é muito baixo, próximo ao limiar de ruído ambiente, podendo<br />
comprometer a transmissão digital (TOME, 2010, p.81).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Paradoxalmente, sabe-se que como os sistemas de rádio digital, diferentemente<br />
dos sistemas analógicos, não necessitam de uma banda de<br />
guarda tão ampla, o espectro pode ser melhor ocupado não apenas por<br />
outras rádios comerciais, mas também, relevantemente, por emissoras comunitárias,<br />
educativas e experimentais. Todavia, o que se percebe é que<br />
o IBOC, em sua estrutura técnica, age como um opressor ao processo de<br />
democratização das comunicações, uma vez que no caso do FM ocupa<br />
metade de cada canal adjacente, enquanto ocorre a fase de transição, não<br />
devolvendo essa faixa adicional ao poder público ao final de tal período.<br />
Já em relação às rádios de ondas médias, a constatação é ainda mais preocupante,<br />
pois o IBOC ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes,<br />
não havendo possibilidade de aproveitamento de nenhuma das faixas adicionais<br />
por parte de outras emissoras, sejam elas comunitárias, educativas<br />
ou experimentais, após a transição digital.<br />
133
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
DRM – Digital Radio Mondiale<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Constituído por um sistema aberto, organizado pela união de 90 membros,<br />
entre eles operadoras estatais europeias para as transmissões AM, fabricantes,<br />
associações e universidades, o DRM – Digital Radio Mondiale surgiu<br />
em 1996, a partir da iniciativa de emissoras 5 que atuavam em ondas curtas,<br />
tendo o objetivo primaz de fazer algo pela radiodifusão AM, para que esta<br />
não se extinguisse.<br />
O Digital Radio Mondiale, inicialmente chamado de Digital Radio Worldwide,<br />
constitui-se, conforme já mencionado nesse estudo, como um sistema<br />
in-band, pois opera com sinal digital transmitido dentro da mesma faixa dos<br />
sinais analógicos. Entretanto, em relação ao padrão norte-americano IBOC,<br />
o DRM, em sua versão inicial 6 chamada MCS (Multichannel Simulcasting),<br />
considerada a partir de 2010 como solução preferida 7 tanto para as ondas<br />
médias e curtas quanto para o FM, apresenta uma peculiaridade: “é transmitido<br />
ocupando um canal dentro da faixa, que, porém pode ser qualquer<br />
canal disponível” (idem, ibidem, p.74). O IBOC, por sua vez, cuja frequência<br />
5 De acordo com TOME (2010, p.74) as emissoras: Voz da America, BBC, Deustche Wellw, Radio France Internationale<br />
e TéleDiffusion de France (TDF).<br />
6 O padrão DRM desenvolveu uma segunda versão chamada SCS (Single Channel Simulcasting). Tal versão é considerada<br />
um sistema IBOC puro, uma vez que o sinal digital é transmitido limitadamente dentro do espaço espectral<br />
(canal) do sinal analógico.<br />
7 Cf. TOME, 2010, p.75.<br />
134
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
do sinal digital está rigidamente vinculada à frequência do analógico, atua<br />
ocupando necessariamente os canais adjacentes.<br />
Tome analisa aspectos relevantes sobre a particularidade do DRM em relação<br />
ao IBOC norte americano:<br />
Essa falta de vinculação (vista pelos críticos do sistema) ou essa flexibilidade<br />
(vista pelos que lhe são favoráveis) decorre da necessidade que têm as emissoras<br />
de ondas curtas, devido ao alcance mundial de seus sinais, de planejarem<br />
a melhor frequência para alocar o sinal digital, a qual pode não necessariamente<br />
ser o canal imediatamente adjacente (TOME, 2010, pp.74-75).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em síntese, as vantagens da tecnologia DRM apontadas até agora são:<br />
há permissão para se operar os dois sistemas simultaneamente dentro da<br />
mesma banda; as rádios AM passam a ter melhor qualidade sonora, o que<br />
revitalizaria esse tipo de transmissão; possibilita conteúdos integrados num<br />
mesmo aparelho; é uma tecnologia aberta que pode ser utilizada por todos,<br />
não prevê o pagamento de royalties, participam do projeto dentre outras<br />
empresas a Hitachi, JVC, Bosh e Sony. Por outro lado, a tecnologia DRM<br />
também apresenta um empecilho considerável para ser adotada no Brasil:<br />
prevê a troca de aparelhos num custo relativamente alto.<br />
Embates à parte, o fato é que o padrão a ser adotado, seja ele o IBOC ou<br />
135
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
DRM, deve ser capaz de garantir eficiência em qualquer situação de recepção.<br />
Assim, nesse momento, é fundamental observar que o sucesso de uma<br />
nova tecnologia “depende de sua capacidade de ajustar-se à vida das pessoas.<br />
Precisa ser confortável e fácil, ter ligação com o passado, com aquilo que<br />
as pessoas já conhecem ou que possa melhorar o que já existe” (BIANCO,<br />
2006, p.08).<br />
Nessa fase iminente de definição, critérios com “gratuidade, flexibilidade,<br />
adaptabilidade, integração e convergência” (Bianco, 2007, p.01)<br />
são, de fato, importantes e devem ser analisados rigorosamente antes de<br />
qualquer decisão. Caso contrário, como acreditam diversos pesquisadores<br />
e entidades da área:<br />
[...] uma decisão precoce, sem a devida avaliação do seu impacto em nosso<br />
sistema de radiodifusão, poderá acarretar em baixa penetração do serviço,<br />
prejuízo para o setor de radiodifusão, reduzido interesse da população, não<br />
ampliação de postos de trabalho e ausência de políticas públicas no sentido<br />
de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos (CARTA ABERTA, 2010) 8 .<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
8 Em 23 de abril de 2010, diversas as entidades ABRACO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária;<br />
ANEATE – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão; AMARC – Associação<br />
Mundial das Rádios Comunitárias; ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil; CUT – Central Única<br />
dos Trabalhadores; CFP – Conselho Federal de Psicologia; FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas; FITERT – Federação<br />
Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão; FNDC – Fórum Nacional pela<br />
Democratização da Comunicação; INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação;<br />
INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social publicaram uma carta aberta como um alerta às autoridades<br />
e um chamado à sociedade brasileira, sobre a questão do processo de implantação do rádio digital no Brasil.<br />
136
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O estabelecimento do padrão tecnológico é, de fato, uma preocupação<br />
coletiva entre os pesquisadores da mídia rádio no país, tendo rendido debates<br />
e expectativas de ordens diversas. A sociedade aguarda que a celeridade<br />
com que foram tomadas as decisões em relação à definição do padrão<br />
tecnológico utilizado pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital, esteja presente<br />
no debate acerca dos desafios presentes e futuros da nova tecnologia<br />
radiofônica, uma vez que o rádio permanece como o grande companheiro<br />
da audiência brasileira de todas as classes sociais.<br />
Corroboramos um alerta às autoridades e um chamado à sociedade brasileira<br />
sobre a importância da definição tecnológica para o rádio digital.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Entendemos que a digitalização da transmissão é fator essencial para a sustentabilidade<br />
do rádio no ambiente de convergência midiática. A mudança<br />
representará uma melhoria da qualidade de som, especialmente em relação<br />
ao AM, novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, incluindo<br />
a oferta de dados e serviços complementares de valor agregado, além de<br />
dispositivos tecnológicos que permitam abertura para a convergência com<br />
outros meios dentro da mesma linguagem digital. Embora o rádio já esteja<br />
presente na Internet e celular, acreditamos que a digitalização da transmissão<br />
poderá integrá-lo à convergência midiática. Entretanto, para que isto<br />
ocorra de modo consistente, é indispensável que a definição tecnológica<br />
seja precedida pela definição dos modelos de serviços e de negócio, uma<br />
Disponível em:< http://www.intercom.org.br/boletim/a06n158/forum03.shtml>.<br />
137
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
vez que os atuais impasses do rádio localizam-se no esgotamento dos referidos<br />
modelos (CARTA ABERTA, 2010).<br />
Em oposição ao que se coloca como alternativa pelo governo, o então<br />
Presidente da Associação Brasileira de Rádio Difusores (Abra), João Carlos<br />
Saad, sugeriu a paulatina migração dos sinais de radiodifusão em AM para<br />
as bandas de FM que ainda serão autorizadas, conforme o cronograma de<br />
transição para a TV digital. Para a entidade, as tecnologias IBOC e DRM são<br />
limitadas quanto à sua adequação às demandas do Brasil.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
[...] observamos que os últimos anos foram de experimentos com as tecnologias<br />
disponíveis, para a digitalização do rádio. Os testes indicam que a tecnologia<br />
IBOC enfrenta dificuldades técnicas em cidades como São Paulo, mas é mais<br />
madura quanto à sua adoção por radiodifusores de outros países (notadamente<br />
americanos), enquanto a tecnologia DRM, incipiente quanto à sua adoção,<br />
pode ser mais robusta em termos de recepção pelo público. Ambas as opções<br />
tecnológicas são, portanto, limitadas quanto à sua adequação para as demandas<br />
do Brasil. [...] há a alternativa de implementar uma migração paulatina dos<br />
sinais de radiodifusão em AM para as bandas de FM que serão liberadas, de<br />
acordo com o cronograma de transição da TV Digital. [...] Com a migração que<br />
propomos [...] a radiodifusão de sons passa a ter um horizonte de ação e de<br />
investimentos, sem depender dos interesses de tecnologias estrangeiras, num<br />
cenário em que os brasileiros de todos os rincões terão uma grande oferta de<br />
serviços de rádio, com toda sorte de programação (grifos nossos) (SAAD, 2010).<br />
138
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O governo brasileiro, por sua vez, publicou portaria criando o Sistema Brasileiro<br />
de Rádio Digital – SBRD. No entanto, frustrando muitas expectativas,<br />
não foi estabelecido no referido documento o padrão tecnológico a ser adotado<br />
(IBOC ou DRM), bem como não foram estabelecidos recursos para a pesquisa<br />
nacional (como ocorreu com a TV Digital), e também não foi definido o<br />
futuro das emissoras comunitárias, o que aparece é a figura das emissoras de<br />
potências menores e a indicação de que elas devem arcar com custos baixos<br />
para sua inserção no rádio digital. Provavelmente os custos serão proporcionais<br />
às potências das emissoras AM ou FM. Eis a referida portaria:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Portaria nº 290, de 30 de março de 2010.<br />
Art. 1º Fica instituído, por esta Portaria, o Sistema Brasileiro de Rádio Digital<br />
- SBRD.<br />
Art. 2º Para o serviço de radiodifusão sonora em Onda Média (OM) e em<br />
Frequência Modulada (FM) deve ser adotado padrão que, além de contemplar<br />
os objetivos de que trata o art. 3º, possibilite a operação eficiente em<br />
ambas as modalidades do serviço.<br />
Art. 3 º O SBRD tem por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes objetivos:<br />
I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria<br />
por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da<br />
informação;<br />
II - propiciar a expansão do setor, possibilitando o desenvolvimento de ser-<br />
139
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
viços decorrentes da tecnologia digital como forma de estimular a evolução<br />
das atuais exploradoras do serviço;<br />
III - possibilitar o desenvolvimento de novos modelos de negócio adequados<br />
à realidade do País;<br />
IV - propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de<br />
transmissores e receptores, garantida, onde couber, a isenção de royalties;<br />
V - possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa<br />
no ajuste e melhoria do sistema de acordo com a necessidade do País;<br />
VI - incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e<br />
serviços digitais;<br />
VII - propiciar a criação de rede de educação à distância;<br />
VIII - proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequências;<br />
IX - possibilitar a emissão de simulcasting, com boa qualidade de áudio e<br />
com mínimas interferências em outras estações;<br />
X - possibilitar a cobertura do sinal digital em áreas igual ou maior do que<br />
as atuais, com menor potência de transmissão;<br />
XI - propiciar vários modos de configuração considerando as particularidades<br />
de propagação do sinal em cada região brasileira;<br />
XII - permitir a transmissão de dados auxiliares;<br />
XIII - viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos<br />
reduzidos; e<br />
XIV - propiciar a arquitetura de sistema de forma a possibilitar, ao mercado<br />
brasileiro, as evoluções necessárias.<br />
Art. 4 º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. (COSTA, 2009).<br />
140
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Trata-se de “uma carta de intenção” (Cf. CEDRAZ, 2010). O documento,<br />
assinado pelo ex-ministro Hélio Costa, vale apenas como pauta para o debate<br />
que suscita entre os atores diretamente envolvidos e os amplos setores<br />
da sociedade brasileira. Além disso, a portaria simplesmente tece diretrizes<br />
para o SBRD e valores diferenciados para as rádios, tomando como referência<br />
a potência das emissoras.<br />
Contudo, é necessário apontar aspectos relevantes da portaria, os quais<br />
merecem ser analisados, a fim de que tal documento sirva como fomentador<br />
das principais reconfigurações que se esperam do rádio digital:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
[...] a Portaria nº 290/2010 de 31 de março de 2010 do Ministério das Comunicações<br />
que institui o Sistema Brasileiro de Rádio Digital – SBRD é positiva,<br />
porque sinaliza com valores fundamentais que devem balizar a escolha de<br />
soluções tecnológicas, dos quais destacamos: a) proporcionar a utilização<br />
eficiente do espectro de radiofrequencia; b) possibilitar a participação de<br />
instituições brasileiras de ensino e pesquisa no ajuste e melhoria do sistema<br />
de acordo com a necessidade do País; c) viabilizar soluções para transmissões<br />
em baixa potência, com custos reduzidos; d) propiciar a criação de<br />
rede de educação à distância; e) incentivar a indústria regional e local na<br />
produção de instrumentos e serviços digitais; f) propiciar a transferência de<br />
tecnologia para a indústria brasileira de transmissores e receptores, garantida,<br />
onde couber, a isenção de royalties (CARTA ABERTA, 2010).<br />
141
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ainda assim, é preciso entender que a digitalização da transmissão é<br />
um fator essencial para a sustentabilidade do rádio no ambiente de convergência<br />
midiática. Ignorar esse fato, atrasando a definição e adoção<br />
do padrão tecnológico oficial, é retardar uma mudança capaz de promover<br />
melhoramentos na qualidade de som, nos usos e funcionalidades<br />
para o aparelho receptor, compreendendo a disponibilização de dados e<br />
serviços adicionais de valor atrelado, além de ampliadores tecnológicos<br />
que admitam possibilidade de interação com diferentes meios dentro do<br />
mesmo formato digital.<br />
É preciso afirmar, e é bem certo, que a digitalização caminha também<br />
a passos lentos em diversos países. Conforme aponta a referida carta<br />
aberta, essa dificuldade tem conexões com as características tecnológicas<br />
dos padrões disponíveis que atrapalham sua adequação ao modelo de<br />
radiodifusão, ao marco regulatório e às regras de mercado em cada país.<br />
Em alguns países europeus, por exemplo, o sinal digital do sistema DAB<br />
(Digital Audio Broadcasting) não tem boa recepção dentro de edifícios,<br />
sobretudo os situados em ruas com grande densidade de prédios e tráfego<br />
intenso. O sistema americano HD Rádio (IBOC) apresenta problemas<br />
parecidos: o sinal é mais baixo em relação à estação de sinal analógico.<br />
Além disso, os aparelhos receptores em HD Radio são incompatíveis<br />
com DAB e DRM.<br />
142
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Aspectos como esse nos levam a conjecturar e a corroborar outras possibilidades<br />
capazes de solucionar a situação do rádio brasileiro:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
[...] a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão rigorosos, ou de<br />
forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá trazer sérios<br />
problemas e não atender à realidade brasileira. Por isso, não podemos<br />
descartar a possibilidade futura de o Brasil vir a optar por um SBRD com<br />
tecnologia genuinamente nacional, com a garantia do devido incentivo financeiro<br />
e estrutural para a sua realização (grifo nosso). Sabemos que,<br />
independente do modelo a ser adotado, as adaptações poderão se fazer<br />
necessárias. E para isso torna-se estratégico saber quais são as nossas demandas<br />
para aprimoramento e como podemos envolver todos os setores<br />
capazes de contribuir para a melhoria e adaptação do sistema. O referido<br />
debate [...] deve ser antecedido pelo debate sobre os modelos de serviços<br />
e de negócio, uma vez que sem modelos democráticos e acessíveis<br />
a continuidade do rádio brasileiro não está assegurada. Sobre possíveis<br />
adaptações, lembramos o que aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB<br />
japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e<br />
a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC-<br />
-Rio e UFPB (CARTA ABERTA, 2010).<br />
Com as indefinições e limitações tecnológicas, o debate se amplia para<br />
outros campos. Um deles é a esfera das políticas públicas de comunicação.<br />
143
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Políticas públicas para o rádio digital<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O processo de transição do analógico para o digital, bem como o cenário<br />
de interação e convergência tecnológica contemporâneos, sinalizam ao<br />
rádio brasileiro a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas<br />
de comunicação. Tal realidade deve ser um interesse coletivo da sociedade<br />
brasileira: cidadãos em geral, ouvintes, profissionais da comunicação, técnicos<br />
e gestores públicos. Logo, uma política pública deve ser elaborada de<br />
maneira largamente democrática, com a participação efetiva da sociedade,<br />
visando assegurar instrumentos de colaboração popular e domínio público.<br />
Alguns critérios devem balizar a construção de políticas públicas para o<br />
rádio digital, o que é comum quando se trata de um processo de transição.<br />
Analisemos alguns deles:<br />
a) garantia da manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, por parte do<br />
ouvinte – esse critério é fundamental para permanência do rádio no cenário<br />
midiático nacional. Não se concebe como viável a adoção de uma tecnologia<br />
que preveja a troca de suporte a altos custos por parte dos ouvintes, tampouco<br />
é de interesse dos radiodifusores obter elevados gastos na troca de<br />
aparelhagens. É preciso pensar como essa nova tecnologia entrará de fato<br />
no cotidiano da população com renda baixa. A dona de casa, por exemplo,<br />
que tem hoje seu radinho de pilha, que custou cinco reais na lojinha da feira,<br />
144
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
não pode ser privada dos benefícios da tecnologia digital, ainda sim, falta<br />
justamente a concepção de políticas públicas que incentivem a produção,<br />
venda e consumo dos novos receptores a preços acessíveis. Cabe ressaltar<br />
que isso pode ser melhor estabelecido com a definição de um padrão tecnológico<br />
que não necessite de pagamento de royalties e que seja flexível a<br />
nossa realidade comunicacional.<br />
b) transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção<br />
– embora a questão da qualidade de transmissão e recepção do áudio seja o<br />
único aspecto testado até agora pelas emissoras de alguns estados do país,<br />
ainda há muitas debilidades a serem superadas. Em regiões específicas, como<br />
São Paulo, onde existe o problema da poluição radioelétrica, a propagação dos<br />
sinais digitais e até mesmo analógicos são comprometidos, sobretudo à noite<br />
quando aumenta a reflexão das ondas na ionosfera, mudando sensivelmente<br />
o comportamento dos sinais em AM, causando interferências em rádios mais<br />
longínquas. Essa realidade sinaliza a necessidade de se discutir amplamente<br />
sobre a possibilidade de adoção de um padrão híbrido, inclusive com tecnologia<br />
nacional, para superar os problemas específicos de cada localidade.<br />
c) adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado – como já sinalizamos<br />
nesse estudo, é preciso que a tecnologia adotada para o Sistema<br />
Brasileiro de Rádio Digital seja capaz de se ajustar não só aos aparatos tecnológicos<br />
já existentes no país, mas também ao cotidiano das audiências.<br />
145
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tem quer ser acessível, não-complexa e reconfigurar o que já existe sem esquecer<br />
de valorizar também o que as pessoas já conhecem.<br />
d) coevolução e coexistência com o padrão analógico – é o que acontece<br />
quando é possível transmitir conteúdos no modo simulcasting, ou seja, o sinal<br />
digital chega, mas não elimina de vez o analógico, convivendo com este<br />
até que se complete todo o processo de adequação e expansão da nova<br />
tecnologia. É o momento ideal para que novos conteúdos sejam elaborados,<br />
testados e veiculados. Ignorar essa etapa é deixar de lado a oportunidade de<br />
inovar a práxis radiofônica com segurança e qualidade.<br />
e) aparelhos receptores de baixo custo – com preços elevados os ouvintes<br />
resistirão à nova tecnologia radiofônica. Uma saída pode ser o acesso inicial<br />
em outros suportes que muitas pessoas já possuem, como os telefones<br />
celulares, por exemplo. Esse suporte será de grande importância para os<br />
primeiros contatos dos ouvintes digitais com a nova tecnologia radiofônica.<br />
“O próprio meio celular não se restringe apenas a uma mera transmissão<br />
de voz, ele é capaz de produzir conteúdos, reproduzir, armazenar, transmitir,<br />
conectar-se à internet” (CARVALHO, 2008, pp. 2-3).<br />
f) adoção de uma tecnologia não proprietária e com potencial para interconectividade<br />
com outras mídias – a convergência é a grande alternativa<br />
para qualquer mídia manter-se viva no atual panorama midiático. Optar por<br />
um padrão tecnológico que não favoreça essa característica significa sepul-<br />
146
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tar a mídia radiofônica em pleno centenário. A união de todos os meios de<br />
comunicação em um único, ou seja, a convergência, tem sido favorecida,<br />
sobretudo pela internet, que é capaz de usar imagens, vídeos, textos e sons<br />
para transmitir uma mesma mensagem. Dessa forma, o que se propõe é que<br />
o novo sistema tecnológico possibilite tanto a imprensa, a televisão e a própria<br />
internet serem interligados ao novo suporte radiofônico.<br />
g) interatividade real time – a instantaneidade é uma característica marcante<br />
da mídia rádio. Apesar da efemeridade da mensagem radiofônica poder<br />
ser superada no modelo digital, o tempo real também deverá manter<br />
viva a dinâmica das transmissões radiofônicas. Em relação à interatividade,<br />
antes mesmo de ser inventado tal conceito, podemos afirmar que ele já<br />
se realizava em níveis (ANDRADE, 2009) no rádio, a partir da formatação<br />
e linguagem dos conteúdos veiculados pelos comunicadores da “mídia<br />
mágica”. Hoje, é necessário se perceber a importância da “sensibilidade a<br />
contexto” Ferraz e A. Neto (2006). Nenhum usuário ouvinte estará satisfeito<br />
sendo interpelado o tempo inteiro, por exemplo. Sabemos que a interatividade<br />
será, com a digitalização, também intermediada por um software.<br />
Trata-se de um novo capítulo da história da cultura radiofônica que precisa<br />
ser atendido pelo padrão tecnológico a ser adotado de modo contextual.<br />
h) multiprogramação – um dos principais aspectos motivadores da crença<br />
em uma nova práxis na produção de conteúdos digitais. Significa a pos-<br />
147
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
sibilidade que o sistema de rádio digital abre para a transmissão de mais de<br />
um conteúdo dentro do mesmo canal. Essa característica já é possibilitada<br />
pelos padrões DAB e ISDB e, com certas limitações, no IBOC e no DRM. Essa<br />
limitação diz respeito a dois fatores: as restrições ao número de programas<br />
(dois ou três) e o comprometimento da qualidade do áudio. Ora, o que se<br />
espera da tecnologia radiofônica digital, é que seja previamente escolhida<br />
aquela que possibilite justamente novos horizontes, como um sistema de<br />
multiprogramação eficiente, capaz de emancipar o ouvinte, como sempre<br />
sugeriu Brecht (1932) e Ortriwano (1985).<br />
i) democratização do uso do espectro, com a ampliação do número de outorgas<br />
disponíveis e maior presença de rádios públicas e comunitárias – esse<br />
critério depende única e exclusivamente da escolha pelo padrão certo. E o<br />
que seria, ou qual seria o padrão certo Aquele que garanta a flexibilidade de<br />
adaptação por partes de emissoras públicas, comunitárias e experimentais. O<br />
IBOC, por exemplo, está na contramão, conforme já assinalado no presente<br />
estudo, pois ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes, não havendo<br />
chance de aproveitamento de nenhuma das faixas adicionais por parte de outras<br />
emissoras, após a transição digital.<br />
j) garantia de igualdades de condições para o processo de transição de<br />
padrão, incluindo aí as rádios comunitárias – a portaria nº 290/2010 não estabelece<br />
nenhum tipo de discussão sobre as rádios comunitárias, apenas<br />
148
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
menciona que as emissoras de menor potência devem se responsabilizar<br />
com pequenos custos para sua inserção no rádio digital. Acredita-se que os<br />
custos serão proporcionais às potências das emissoras AM ou FM.<br />
Esses preceitos devem garantir a experiência social, histórica e cultural<br />
do rádio brasileiro, afinal:<br />
Integrado a um modo de vida, o rádio se vincula às identidades culturais do<br />
lugar, aos saberes cotidianos, ao partilhamento de patrimônios comuns como<br />
a língua, a música, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um espaço<br />
de reconhecimento do público como pertencente a uma dinâmica cultural<br />
local. Portanto, para ter sentido e ser útil, as intervenções das políticas<br />
públicas nas estruturas se guiam e se justificam por objetivos relacionados ao<br />
conteúdo. Significa por em relevo não somente as relações entre economia e<br />
política, mas também a dimensão do consumo. O que implica em considerar<br />
a cultura como um componente inerente à formulação de políticas públicas<br />
de transição para o rádio digital (CARTA ABERTA, 2010).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Esses aspectos múltiplos, somados aos critérios basilares para a construção<br />
das políticas públicas, constituem-se como valores imprescindíveis<br />
ao sucesso do rádio da era digital. Contudo, além desses pontos, ainda<br />
existem algumas expectativas e limitações que precisam ser refletidas<br />
analiticamente a fim de que a nova experiência radiofônica tenha êxito<br />
após sua implantação definitiva. Trata-se do que consideramos como<br />
149
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
principais aspectos motivadores: a alta definição, a multiprogramação, a<br />
interatividade e a convergência com outros meios digitais. Esses tópicos<br />
dialogam transversalmente com questões como a produção digital, que<br />
por sua vez envolve a agregação de serviços, a programação em si, a transmissão<br />
e recepção digitais; e as próprias possibilidades de interatividade.<br />
Aspectos motivadores<br />
O som digital<br />
Inicialmente, uma pequena questão levantada por Salinas (1994) fundamenta<br />
a importância da sonoridade no processo de cognição e veiculação<br />
de conteúdos elaborados pelo homem:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Inúmeras culturas consideram o som como ponto de origem de todas as<br />
coisas: hindus, egí<strong>pc</strong>ios e gregos são povos que ilustram essa tradição. Na<br />
Índia é considerado um símbolo fundamental: o som está na origem do<br />
cosmo. Se a Palavra, o verbo (Vak), produz o universo, é através do efeito<br />
das vibrações rítmicas do som primordial (nada). Nada é a manifestação<br />
do som (shabda), da qualidade sonora, que corresponde ao elemento Éter<br />
(akasha). Tudo o que é percebido como som, dizem os textos, é xácti, [...]<br />
Força divina (SALINAS, 1994, p.25 apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 76).<br />
150
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A principal expectativa em relação ao rádio digital tem sido gerada em<br />
torno de sua capacidade de melhorar significativamente a qualidade do áudio.<br />
Apesar de ser, de certa forma, uma perspectiva limitada, uma vez que o<br />
rádio digital oferecerá um leque de possibilidades conteudísticas originadas<br />
pela convergência com outras mídias e pela interatividade, a questão reflete<br />
uma preocupação com o aspecto primordial da mídia rádio: o conteúdo<br />
sonoro e, consequentemente, a atenção à cultura do ouvir, apontada por<br />
Menezes como imprescindível aos processos comunicativos da atualidade:<br />
Quando nos referimos à cultura do ouvir, advogamos a necessidade de pesquisarmos<br />
com maior profundidade as relações entre a visão e a audição<br />
nos processos comunicativos. Se, como já observamos, por uma perspectiva<br />
temos o olho que reduz o mundo a uma imagem bidimensional, em<br />
outra temos o ouvir e a percepção da tridimensionalidade do espaço (grifo<br />
nosso) (MENEZES, 2008, p. 03).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ou seja, ainda que a inserção de conteúdos convergentes (que se utilizem<br />
de áudio, imagens, dados e até mesmo vídeos), constitua-se numa<br />
reinvenção necessária ao rádio, é de suma importância preservar os vínculos<br />
sonoros como essência da comunicação radiofônica na contemporaneidade<br />
Garantir o cultivo do ouvir nas transmissões radiofônicas digitais, muito<br />
mais que um desafio, significa:<br />
151
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
[...] repotencializar a capacidade de vibração do corpo diante dos corpos dos<br />
outros, [...] ampliar o leque da sensorialidade para além da visão. Ir além da<br />
racionalidade que tudo quer ver, para adentrar numa situação onde todo o<br />
corpo possa ser tocado pelas ondas de outros corpos, pelas palavras que<br />
reverberam, pela canção que excita, pelas vozes que vão além dos lugares<br />
comuns e das tautologias midiáticas (MENEZES, 2008, p. 08).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Corroboramos tais ideias e consideramos que os conteúdos radiofônicos,<br />
inseridos numa moderna era do ouvir (digital, convergente e interativa),<br />
podem garantir o cultivo dos gêneros e formatos sonoros e, assim, “enriquecer<br />
os processos comunicativos hoje muito limitados à visão, e nos ajudar a<br />
viver melhor num mundo marcado pela abstração” (MENEZES, 2008, p. 08).<br />
Vale ressaltar que se interessar e valorizar a cultura do ouvir não implica<br />
em suprimir o potencial multimidiático do rádio digital; contudo, requer a<br />
compreensão que tanto o ouvir, quanto o ver, ações de possibilidades simultâneas<br />
no novo suporte, demandam atenções de produção específicas e o<br />
“cultivo dos próprios limites” (Cf. BAITELLO Jr., 2005 apud MENEZES, 2008, p.<br />
06) na nova linguagem radiofônica.<br />
De acordo com o que apontam os testes já realizados no Brasil, o maior ganho<br />
em relação à qualidade do áudio será das rádios que atuam em amplitude<br />
modulada – AM, pois elas passarão a ter qualidade similar as de frequência modulada<br />
– FM, que por sua vez terão som com qualidade comparada a de CD.<br />
152
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Com esses avanços, o rádio AM, já reconfigurado em formato de som<br />
digital, sofrerá um processo justo de revitalização, podendo inclusive dedicar-se<br />
à veiculação de músicas durante seus programas, o que sempre<br />
foi um entrave devido à baixa qualidade do áudio transmitido via amplitude<br />
modulada.<br />
Por outro lado, a digitalização traz, junto aos avanços na qualidade do<br />
som, uma preocupação relativa aos cuidados redobrados que os técnicos e<br />
produtores radiofônicos deverão tomar com a exatidão de funcionamento<br />
e clareza das informações veiculadas durante a programação, uma vez que<br />
a qualidade propiciada pelo digital é capaz de revelar imprecisões no áudio,<br />
antes disfarçadas pelo suporte analógico.<br />
Bianco exemplifica alguns casos práticos:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
No caso de transmissões externas, a preocupação com essa nova plástica<br />
sonora é redobrada. Em partidas de futebol, o áudio poderá sofrer variação<br />
dependendo do volume de barulho feito pela torcida, interferindo, às vezes,<br />
no relato do locutor. Na reportagem ao vivo, os ruídos do local do acontecimento<br />
poderão ficar mais evidentes, atrapalhando a clareza do relato do<br />
repórter. Adotar sistemas de proteção contra o excesso de ruídos e repensar<br />
até mesmo o tipo de microfones mais adequados à transmissão externa são<br />
aspectos a serem considerados diante do digital (BIANCO, 2009, p.65).<br />
153
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A infinidade de possibilidades a serem desenvolvidas na estrutura de<br />
narrativa envolvendo o código sonoro, mobilizando a produção de sentidos<br />
através da audição em sincronia com a imaginação das audiências<br />
radiofônicas, merecerá, portanto, cuidados especiais, pois, como também<br />
examina Bianco:<br />
A fidelidade do som levará provavelmente à supressão de algumas práticas<br />
comuns no rádio brasileiro na gravação de programas e de spots, como<br />
colocar a música de fundo (BG) “muito presente” para compensar a perda<br />
de qualidade na transmissão, especialmente para veiculação no AM onde<br />
os sons graves têm maior destaque. O mesmo cuidado será essencial em<br />
relação às vinhetas de emissoras FM jovens que optam por um estilo excessivamente<br />
rebuscado, repleto de efeitos sonoros, musicais e locução “eletrizante”.<br />
Esse ritmo “quente” de fazer rádio acaba sendo amenizado pela<br />
perda de qualidade na transmissão analógica (BIANCO, 2009, p.66).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A atenção da autora está, portanto, na valorização da estética sonora típica<br />
do fazer radiofônico criativo, o que para nós não significa “esfriar” a produção<br />
de sentidos no rádio, mas atentar para o aperfeiçoamento da construção imaginativa<br />
das audiências. Afinal de contas, essa é grande magia do rádio - “criar<br />
imagens auditivas”-, como afirma McLuhan:<br />
154
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O rádio afeta as pessoas, digamos como que pessoalmente, oferecendo um<br />
mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte.<br />
Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As profundidades<br />
subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressoantes<br />
das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria<br />
natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade<br />
numa única câmara de eco (MCLUHAN, 2000, p. 37).<br />
O rádio digital será capaz de ampliar e estimular ainda mais a capacidade<br />
imaginativa dos ouvintes, trabalhando diferentes planos e transmitindo<br />
conteúdos inseridos em ambiências ainda mais interativas e convergentes.<br />
Assim articula Bianco:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Se o ouvir está vinculado ao universo do sentir, da vibração da pele, é possível<br />
pensar que o som digital traga um novo “ruído” ao ambiente tecnológico<br />
contemporâneo marcadamente visual, onde se vê sem ouvir, numa<br />
espécie de “surdez intencional” ou de surdos na civilização da visualidade”<br />
[...] O som digital propicia uma ambiência imaginativa ampla (percepção de<br />
diferentes timbres), e nítida que estimula o ouvir e sentir, para se ver e sentir<br />
(BIANCO, 2009, p.66).<br />
Como também analisa a autora, é preciso entender que no rádio digital,<br />
os ruídos, os efeitos, a música estão a serviço de ideias, sentidos, discur-<br />
155
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
sos construídos na mente do ouvinte. “Ao contrário da televisão, em que<br />
as imagens são limitadas pelo tamanho da tela, as imagens do rádio são<br />
do tamanho da imaginação do ouvinte. Os sons no rádio criam um mundo<br />
visual acústico” (BIANCO, 2010, p.98). Certamente essa capacidade de construir<br />
ambiências inventivas diversas será aprimorada pelo rádio digital, que<br />
também, não pode se privar de criar tais ambiências através de suas novas<br />
funcionalidades, como a veiculação de imagens e outros dados a partir do<br />
novo suporte, um receptor inteligente, assim denominado porque permite a<br />
manipulação do sinal de recepção.<br />
Os novos receptores<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O acesso à tecnologia radiofônica digital estará garantido aos ouvintes<br />
que adquirirem os novos aparelhos receptores da “sintonia do futuro”, denominados<br />
como “inteligentes”, como já assinalado, pelo fato de consentirem<br />
o manejamento do sinal de recepção. A tecnologia do receptor digital<br />
se difere e se destaca do existente no modelo analógico pelo incremento<br />
proporcionado através da oferta de conteúdo na tela de cristal líquido presente<br />
no novo aparelho. Esse será um aspecto considerável nesse processo<br />
de mutação da práxis radiofônica, pois exigirá dos radialistas e jornalistas<br />
contemporâneos da nova tecnologia a prática comunicacional em um ve-<br />
156
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ículo que deixará de ser exclusivamente sonoro para se tornar multimidiático,<br />
na medida em que passará a agregar outros tipos de informações à<br />
programação ao vivo, ou mesmo sob demanda. Isso implica citarmos os<br />
recursos dos mais simples, como veiculação do nome do comunicador, do<br />
programa, dos artistas que estão no ar, os títulos das músicas em execução,<br />
as vinhetas em formas de slogans, bem como notas, boletins meteorológicos,<br />
avisos sobre a situação de trânsito, índices da economia, entre<br />
outros formatos de informação.<br />
Ainda sobre a tela de cristal líquido, sua utilização irá proporcionar consideravelmente<br />
a eliminação do caráter efêmero da mensagem radiofônica.<br />
O que é mais um benefício ao ouvinte dessa mídia centenária. Outras utilidades<br />
serão possivelmente desencadeadas pelo suporte inovador:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A tela pode ser um canal para divulgar chamadas de programas do dia ou<br />
da semana, o que representa uma economia de espaço e tempo dentro da<br />
programação sonora destinada a esse tipo de divulgação. Há ainda possibilidade<br />
de fazer anúncios (spots) que remetam a conteúdos complementares<br />
disponíveis na tela do aparelho como endereço, local, foto do produto, ou<br />
mesmo o anunciante poderá disponibilizar informações sobre descontos e<br />
promoções. No campo da promoção há um grande potencial a ser explorado<br />
nas estratégias que envolvem participação interativa do público, como<br />
“responda a pergunta que está na tela do seu rádio com um toque na tecla<br />
157
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
x”, ou “veja a mensagem que seu amigo lhe enviou”, a exemplo do que já<br />
acontece no aparelho de celular (BIANCO, 2009, p.76).<br />
É bem certo que esse panorama de possibilidades se apresenta junto a um<br />
percurso de embates e dúvidas quanto à definição do padrão digital. Só após<br />
essa escolha e os testes com cada uma das funcionalidades aqui assinaladas,<br />
será possível saber o que o aparelho do futuro irá comportar. Ainda assim, a<br />
tecnologia digital é capaz de garantir aspectos ainda mais funcionais e acessíveis<br />
à mídia radiofônica, oferecendo a capacidade de torná-la mais abrangente<br />
a partir das características da convergência tecnológica e da interatividade.<br />
Nesse sentido, segundo Bianco, o padrão IBOC assinala sua capacidade:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A indústria norte-americana de receptores para a tecnologia IBOC promete<br />
fabricar aparelhos com funções que ampliam o potencial multimídia<br />
e a oferta de conteúdo. Por exemplo, permitir o fornecimento de informações<br />
sobre tráfego em tempo real com relatórios exibidos em um<br />
veículo com sistema de navegação; funções store e replay que permitem<br />
pausar programação ao vivo ou ainda voltar o programa desejado ou<br />
música para o seu início; personalização da escuta; dispositivo interativo<br />
para comércio eletrônico, desde compra de bilhetes para shows ou<br />
produtos anunciados na tela de cristal líquido. Com essa interface multimídia,<br />
o rádio supera, em parte, o discurso volátil e fugaz, típico de<br />
transmissão por ondas eletromagnéticas, para permitir a recuperação<br />
158
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
de informação. Algo que não deixa de trazer certo “ruído” a sequência<br />
narrativa síncrona (BIANCO, 2009, p.77).<br />
Os níveis de interatividade no rádio certamente serão também alterados<br />
com esse recurso da tela de cristal líquido agregado à tecnologia digital.<br />
Novas formas de participação se articulam, no intuito de deixar esse meio<br />
ainda mais próximo das suas audiências. No entanto, vale ser registrado que<br />
desde o seu surgimento, o rádio sempre primou pela interação, aqui entendida<br />
como a ação recíproca entre dois ou mais sujeitos onde ocorre a intersubjetividade,<br />
ou seja, o encontro de dois atores, mediado por outros meios<br />
de comunicação. Contudo, segundo Bianco, a partir das potencialidades do<br />
receptor digital inteligente, o rádio:<br />
[...] passará a ter interatividade, a potencialidade técnica que permite a atividade<br />
humana do agir sobre a máquina e de receber em troca retroação da<br />
máquina sobre ele. A interação pessoal, intersubjetiva, de caráter sócio afetivo,<br />
permanecerá no rádio, sem dúvida, lado a lado com a interatividade e a troca<br />
de informações por meio de instrumentos técnicos (BIANCO, 2009, p.77).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Uma constatação importante é que todas as funções multimídia atreladas<br />
ao novo aparelho radiofônico digital deverão favorecer um leque de<br />
diálogos entre o conteúdo que se ouve com o com o que se pode ler na<br />
159
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
tela. Essa sintonia não é tão complexa, no entanto, exige do comunicador<br />
do rádio, seja ele radialista ou jornalista, a desenvoltura para lidar com um<br />
conteúdo que precisa ser produzido num rádio que passa ser ouvido e lido.<br />
Segundo Bianco:<br />
Para as rotinas produtivas, especialmente de pequenas emissoras com precária<br />
produção de jornalismo, será um grande desafio [...] Em geral são empresas<br />
que mantêm uma reduzida equipe de funcionários, da qual nem sempre<br />
fazem parte jornalistas. Nelas predominam programas de entretenimento<br />
centrados na figura do comunicador, um mix de música e fofocas, com pouca<br />
ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Poucas<br />
são as que possuem equipes de jornalismo e algum interesse em produzir<br />
radiojornalismo local de qualidade, equilibrado, isento, livre de injunções políticas<br />
econômicas. É comum que algumas delas dependam da verba publicitária<br />
do governo local para manter suas atividades. Isso leva, invariavelmente,<br />
ao comprometimento da informação de qualidade. Diante do fato fica a<br />
questão: que informação qualificada essas emissoras poderão oferecer em<br />
um sistema digital que envolve oferta de dados adicionais se se mantiver o<br />
padrão de produção atual (BIANCO, 2010, pp. 101-102).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Conforme analisa Tavares (2009, p.182), uma alternativa, nesse sentido,<br />
seria “neste século da primazia dos efeitos midiáticos e dos suportes digitais,<br />
[...] voltar nossa atenção para o usuário digital, a partir do momento em<br />
160
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
que ele fará parte do processo de construção do conteúdo”. Assim, consideramos<br />
que o percurso para a progressão do meio radiofônico no suporte<br />
digital passa necessariamente pela renovação no modo de atuação dos produtores<br />
radiofônicos frente à convergência tecnológica, a partir do contato<br />
pontual com a audiência. Corroboramos que:<br />
[...] a mudança de paradigma que se configura para o rádio é surpreendente,<br />
pois a relação “rádio-ouvinte” tem determinadas características às quais<br />
não se pode renunciar para entender a transição analógico-digital e a introdução<br />
desse novo modelo midiático (TAVARES, 2009, p. 183).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fato relevante é que ao buscar, por exemplo, a audiência do público jovem o<br />
rádio digital terá que competir com outros produtos midiáticos, como a própria<br />
internet, os celulares e os videogames. E “somente poderá fazê-lo em condições<br />
de igualdade se promover alianças e sinergias que resultem em programas<br />
musicais, por exemplo, que tenham sala de bate-papo pela web ou que ofereceram<br />
jogos para celulares” (BIANCO, 2009, p. 50).<br />
Em relação aos produtores em si, o desafio é que estes precisarão modificar<br />
a forma de apresentação dos conteúdos para o novo suporte associando<br />
os mesmos “a novos formatos de distribuição digitais, como o celular e aparelhos<br />
mp3, entre outros” (BIANCO, 2010, p. 102). Trata-se da oportunidade<br />
161
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
e do momento certo de o radiodifusor sair do universo do conteúdo exclusivo<br />
para optar pelo campo da troca de informações, da construção coletiva<br />
de saberes, da convergência, da hipertextualidade etc.. Isso pode acontecer<br />
com o aparecimento da figura do provedor de conteúdo, nova realidade<br />
profissional nascida com a digitalização midiática e, em breve, responsável<br />
pela produção e distribuição abrangente de produtos e serviços que farão a<br />
diferença na sintonia radiofônica digital.<br />
A multiprogramação<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Quando definido o padrão tecnológico para o rádio digital brasileiro,<br />
espera-se que este garanta recursos como a multiprogramação, além disso,<br />
aguarda-se a opção por um sistema que propicie a já mencionada alta<br />
definição, solidifique a mobilidade e portabilidade radiofônica e propicie a<br />
adesão às necessidades de inclusão social e interatividade. A partir da possível<br />
consolidação da multiprogramação, certamente teremos uma verdadeira<br />
mutação na práxis radiofônica. Trata-se de uma nova rotina de pré, produção<br />
e pós-produção, que necessariamente precisam incluir profissionais com diferentes<br />
habilidades, tanto da área da comunicação, quanto da engenharia<br />
e da informática.<br />
162
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É bem certo que a multiprogramação é um dos aspectos motivadores<br />
mais evidentes nesse cenário de expectativas que se constrói à espera de<br />
definições de padrão. Por isso mesmo, apontaremos a seguir, ainda que de<br />
forma breve, sugestões que podem ser absorvidas quando essa potencialidade<br />
for adotada em sua plenitude. Temos a consciência de que muitas dessas<br />
possibilidades esbarram nas questões econômicas e políticas da maior<br />
parte dos grupos de rádios do país. Ainda assim, elas devem ser expostas e<br />
analisadas caso a caso.<br />
Um primeiro exemplo trata de, através da multiprogramação, disponibilizar<br />
os canais adjacentes para a transmissão dos conteúdos das emissoras<br />
do mesmo grupo comunicacional, sobretudo afiliadas locais. Essa opção aumentaria<br />
a abrangência de toda a rede, sem, no entanto, estabelecer uma<br />
relação de competição pela audiência, afinal, o usuário-ouvinte, ao mudar a<br />
sintonia para um canal adjacente, não estaria propriamente desvinculando-<br />
-se da emissora “x”, apenas conectando-se aos fluxos alternativos de transmissão<br />
de mensagens dessa mesma emissora, buscando atender as suas<br />
necessidades e expectativas.<br />
Outra sugestão seria a veiculação do arquivo da própria emissora em<br />
seus sub-canais. Essa ideia revitalizaria a memória da programação da emissora<br />
de uma forma a reconfigurar inclusive o caráter efêmero da mensagem<br />
radiofônica, tradicionalmente imediata e irrepetível.<br />
163
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A multiprogramação no rádio digital pode ser também aproveitada<br />
no sentido de veicular, nos canais adjacentes, a própria grade da emissora<br />
reestruturada. Isso porque, por exemplo, nem sempre o melhor horário<br />
para se ouvir o noticiário pode ser o mesmo para todos os ouvintes,<br />
por motivos diversos, que variam desde a incompatibilidade de horários<br />
(usuário-ouvinte / conteúdo específico) até a própria subjetividade dos<br />
usuários-ouvintes em suas preferências no que diz respeito ao consumo<br />
da programação radiofônica.<br />
Por último, mas não que as possibilidades tenham sido esgotadas,<br />
expomos a proposta de a multiprogramação radiofônica digital ser efetuada<br />
através da segmentação da programação em formatos presentes<br />
na realidade das várias faixas etárias. Isso promoveria, por exemplo, a<br />
aproximação dos usuários-ouvintes com diferentes gêneros e formatos<br />
conteudísticos que, muitas vezes, tem apenas um tipo de público como<br />
audiência constante. O exemplo dos radiojornais pode ilustrar essa nossa<br />
afirmação. Para esse caso, os mesmos conteúdos que são veiculados<br />
pelas tradicionais edições dos radiojornais, podem ser disponibilizados<br />
nos sub-canais com a utilização de linguagens e formatos diversificados,<br />
voltados às diferentes faixas etárias, ganhando assim mais possibilidades<br />
de serem reverberados.<br />
164
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Perspectivas atuais<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Embora tenhamos exposto um panorama do que representa a inovação<br />
na cultura midiática que pode ser provocada pela implantação do rádio digital<br />
no Brasil, a temática parece ter sido realmente “tirada do ar”, sobretudo<br />
pelo Governo Brasileiro, que após tanto tempo de exames e discussões ainda<br />
aponta para a necessidade de novos testes com os padrões tecnológicos. Mas,<br />
além disso, haverá outras causas para esse esfriamento Muitas são as especulações.<br />
Consideramos mais relevantes os seguintes fatos: a) o rádio ainda<br />
permanece sendo considerado o “primo-pobre” dos meios de comunicação<br />
no Brasil (essa constatação se dá pela carência ainda denotada nos debates e<br />
discussões a respeito do referido meio no âmbito da própria academia e também<br />
pela falta de envolvimento e diálogo efetivo entre as esferas do mercado,<br />
da academia e do governo); b) há anos o poder público, através do Ministério<br />
da Comunição, realizou/realiza testes com dois sistemas/padrões tecnológicos<br />
(IBOC e DRM), sem considerar que a nossa realidade cultural e comunicacional<br />
pede mesmo é um sistema híbrido, capaz de se adequar ao cenário<br />
midiático nacional atual, cada vez mais convergente. c) A internet como cenário<br />
de possibilidades diferenciadas. A professora e pesquisadora e também<br />
presidente do Grupo de Pesquisa Radio e Mídia Sonora, da Intercom, Nair<br />
Prata, em conferência proferida durante a realização do I Simpósio Nacional<br />
165
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
do Rádio, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), afirmou que considera<br />
“morta” a possibilidade do Rádio Digital “vingar”: é “carta fora do baralho”,<br />
afirmou a pesquisadora, ao tempo em que assegurou que a Internet tem se<br />
apresentado como o canal mais eficaz para protagonizar a reconfiguração do<br />
meio radiofônico através do fenômeno das webradios.<br />
Ainda assim, consideramos que a possibilidade de implantação efetiva do<br />
Sistema Brasileiro de Rádio Digital deve permanecer ativamente “no ar”, e que<br />
os pesquisadores, profissionais, estudantes e empresários do meio devem, em<br />
sintonia, estudar/planejar/investir nesse propósito, sobretudo no que diz respeito<br />
a pensar em conteúdos e políticas públicas ideais para essa mídia, pelo<br />
menos até que sejam apresentadas respostas dignamente palpáveis sobre a<br />
sua viabilidade no Brasil, onde sempre haverá espaço e público para o rádio,<br />
principalmente se ele seguir se reinventado, adequando-se à nova lógica da<br />
cultura midiática audiovisual, como a convergência e a interatividade.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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Culturas Midiáticas – Ano I, n. 01 – jul./dez./2008.<br />
CEDRAZ, Jonicael. Professor baiano explica portaria de Hélio Costa sobre rádio digital. Disponível<br />
em: < http://radiozumbijp.blogspot.com/2010/04/professor-baiano-explica-portaria-de.<br />
html>. Acesso em: 20 jun. 2013.<br />
COSTA, Hélio. Portaria nº 290, de 30 de março de 2010. Institui o Sistema Brasileiro de<br />
Rádio Digital - SBRD e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em:<br />
28 jun. 2013.<br />
FERRAZ, Carlos André Guimarães; A. NETO, Fernando da Cunha. Uma arquitetura para<br />
suporte ao desenvolvimento de aplicações sensíveis a contexto em cenário de convergência.<br />
In: Aplicativo de publicidade sensível ao contexto para tv digital móvel. UFPE: Recife,<br />
2006.<br />
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.<br />
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo:<br />
Cultrix, 2000.<br />
MENEZES, José Eugenio de O. Cultura do ouvir: os vínculos sonoros na contemporaneidade.<br />
Revista Líbero. Ano XI. nº. 21. Jun. 2008.<br />
ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determi-<br />
168
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
nação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.<br />
SAAD, João Carlos. Abra quer de Hélio Costa uma definição sobre rádio digital. Disponível<br />
em: .<br />
Acesso em: 28 abr. 2013.<br />
SALINAS, Fernando de Jesus Giraldo. O som na telenovela: articulações som e receptor.<br />
Universidade de São Paulo: São Paulo, 1994.<br />
TAVARES, Olga. Tecnologia e mídia radiofônica: mudança de paradigma à vista. In: NU-<br />
NES, Pedro (org.). Mídias Digitais e Interatividade. João Pessoa: EDUFPB, 2009.<br />
TOME, Takashi. Analógico versus digital: expectativas e limitações. In: CARVA-<br />
LHO, Juliano Maurício de; MAGNONI, Antônio Francisco. O novo rádio – Cenários<br />
da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac de São Paulo, 2010.<br />
______. Vantagens e desvantagens do sistema IBOC. 2004. Disponível em: < http://<br />
www.almanaquedacomunicacao.com.br/artigos/663.html>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />
______. O sistema de rádio digital DRM (Digital Radio Mondiale). Disponível em < http://<br />
www.comunicacao.pro.br/setepontos/drm_taka.htm>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
169
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A CULTURA DO FÃ DE CINEMA NO OMELETE:<br />
UM NOVO CONCEITO DE “RECEPTOR”<br />
João Batista Firmino Júnior 1<br />
Resumo<br />
A partir de uma análise empírica de alguns comentários e conversas mantidos entre<br />
o público interagente do site Omelete em sua seção “Cinema”, o artigo busca rever o<br />
velho conceito de “receptor”, presente nos estudos de Comunicação, no surgimento<br />
do que percebemos ser tanto uma “cultura do fã” como uma forma de “recepção engajada”,<br />
ativa, como parte de um espírito colaborativo entre diferentes pessoas que,<br />
em comum, possuem interesses relacionados a determinado filme, e a elementos<br />
desse mesmo filme, contribuindo para um senso de pertença coletivo.<br />
Palavras-chave: Cultura do fã. Omelete. Recepção engajada<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Graduado<br />
em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela mesma Universidade. Integrante do Grupo de Pesquisas<br />
em Processos e Linguagens Midiáticas (GMID) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: firminojunior83@gmail.com<br />
170
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Conceitos como participação, colaboração e compartilhamento hoje em<br />
dia podem ser usados em pesquisas que abordem interações por meio da<br />
Internet, e mais particularmente da Web. Mas, o que significa tudo isso<br />
Entendemos compartilhamento como apenas a divisão passiva de determinado<br />
arquivo ou experiência; quanto à participação, qualquer atividade<br />
minimamente ativa em um determinado site; e colaboração como um tipo<br />
de participação que realmente constrói e contribui para algo.<br />
O site Omelete, especializado em entretenimento, existe desde o ano<br />
2000, e possui diversas seções internas envolvendo notícias, artigos e críticas<br />
sobre filmes, jogos eletrônicos, revistas em quadrinho e outros produtos<br />
culturais, através de texto, imagens e vídeos. Nele, percebemos uma forte<br />
ação daquele tipo de “receptor” que podemos chamar simplesmente de<br />
“fã”. A ideia de fã surge, por si só, como algo que implica engajamento em<br />
um habitat próprio, um espaço específico para publicações de textos, ou de<br />
qualquer coisa que se utilize das letras do teclado (como montagens, por<br />
exemplo), a partir de notícias, artigos, críticas e vídeos.<br />
Através de uma observação empírica, percebemos uma efervescente cultura<br />
de fãs a partir de determinados filmes. Pudemos observar a construção<br />
de um espaço próprio tanto na tela como em termos conceituais, que se<br />
171
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
prolongam em comentários que podem se tornar “conversas”, diálogos, promovendo-se<br />
diversos tipos de ação.<br />
Para entendermos a natureza desse trabalho, explicamos que primeiramente,<br />
vamos tratar do conceito exato de “participação” aplicado, especificamente<br />
ao site que estudamos; a partir disso, teremos um capítulo só com<br />
as análises empíricas dos trechos que captamos de alguns comentários e<br />
conversas sobre filmes; por fim, tentaremos esboçar o que seria uma “cultura<br />
do fã”, dependente dessa dinâmica da Web, que permite publicação instantânea<br />
de ideias e uma sensação de pertencimento, que leva a uma nova<br />
forma de compreender “recepção” na Comunicação.<br />
A questão da recepção/participação<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os estudos de recepção partem do questionamento do próprio termo<br />
“recepção”. Segundo Jacks e Escosteguy (2005, p.14): “[…] é longa a discussão<br />
sobre a adequação ou não do termo – recepção – para nomear as<br />
relações das pessoas com os meios de comunicação, principalmente no<br />
âmbito da pesquisa em comunicação, […]”. Até porque não temos, mesmo<br />
na comunicação de massa, um sentido de passividade tão intenso, como<br />
se lidássemos com um imenso grupo amorfo de pessoas sem iniciativa<br />
172
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
própria, sem uma realidade sociocultural específica nem competências individuais.<br />
E, ainda assim, lidamos com a mesma questão de outra forma,<br />
conforme nosso material empírico. Diferente do tradicional, nosso estudo<br />
aborda uma noção de recepção que não envolve apenas uma noção de<br />
“audiência”, mas também de iniciativa, de ação. O receptor, mesmo na condição<br />
de alguém que apenas observa um determinado site, possui mecanismos<br />
de participação e de assistir à participação alheia. Primeiro, falemos<br />
a seguir do site que estudamos.<br />
O Omelete é, mais que um site, mas um portal repleto de seções temáticas<br />
diferentes e espaço para convívio de diferentes interessados em determinado<br />
produto cultural. No caso dos filmes, isso ocorre de forma a que<br />
tenhamos a tendência de, após uma certa quantidade de comentários, surgirem<br />
conversas. E isso começa na possibilidade de adesão ao site na criação<br />
de uma conta, de um perfil que permita os comentários.<br />
A iniciativa do Omelete não se dá apenas na concepção do modelo um-<br />
-todos, mas sobretudo no modelo todos-todos e na visualização das conversas<br />
e comentários alheios, o que nos levaria simultaneamente a um modelo<br />
um-todos-todos-um. Essa iniciativa passa por um processo não apenas de<br />
digitalização ou de transformação de algo para o “online”, mas numa dimensão<br />
maior, que envolve diferentes partes.<br />
Essa dimensão se dá pela articulação de imagem, vídeo, texto, som e<br />
173
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
participação, ou seja, de hipermídia e participação do público, formando<br />
um todo convergente envolvendo múltiplos suportes midiáticos, coalizão de<br />
mercados e migração do público para diferentes “áreas” de uma dada história<br />
ou notícia.<br />
Essa articulação se torna possível através da noção de uma recepção/participação,<br />
ou seja, de um horizonte que permite visualização, participação e<br />
visualização da participação. Nisso, cria-se a perspectiva de uma comunidade<br />
formada por atividades na vida atual e no mundo virtual, uma comunidade<br />
que teria por designação o próprio site Omelete, que exige cadastro e<br />
uma série de critérios para participação.<br />
O que temos, na lógica da Web, especificamente, não é um processo<br />
matemático, objetivo, simples. Trata-se de um fluxo relacional que<br />
toma forma no Omelete através de comentários e conversações que<br />
envolvem uma interferência na rotina do “interagente” (termo que consideramos<br />
mais adequado ao nosso caso, ao invés de “receptor”) e uma<br />
interferência desse mesmo interagente numa rotina de comentários e<br />
de conversas.<br />
Veremos isso mais claramente no decorrer das análises empíricas.<br />
174
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Análises<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O Omelete é um caso que podemos chamar de site-fórum, uma mistura<br />
de site comum, dos primeiros tempos da Web, e um sentimento de pertença<br />
interno a sua estrutura, que depende da valorização de trocas de informações<br />
e consolidação de identidades que possuem uma coisa em comum: a<br />
intenção de atingir um determinado produto cultural, de disseca-lo e de ostentar<br />
determinado conhecimento.<br />
Segundo NiklasLuhmann (2010, p.82), sobre a contribuição de Gabriel<br />
Tarde: “Para ele, tal processo se dá mediante imitação (Leslois de l’imitation,<br />
1890). Nela, não se toma como ponto de partida a unidade, mas<br />
a diferença,…”. Quer dizer, não se participa de um determinado ambiente<br />
promovido pelo Omelete para ser igual, mas para “fazer a diferença”.<br />
O mesmo Luhmann, prosseguindo com a explicação, acrescenta (2010,<br />
p.83): “…, René Girard toma como ponto de partida o elemento de conflito<br />
que surge no processo de imitação: entra-se em conflito com aquele a<br />
quem se quer imitar”.<br />
Daí, temos casos como o seguinte:<br />
175
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 01 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/,<br />
Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />
Em um primeiro momento, temos uma explanação de um internauta.<br />
Até aí, não passa de um comentário criticando algo. A partir dele, outros<br />
respondem, tentando trazer algo de novo, como uma correção ao comen-<br />
176
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
tário do Interagente 1, um acréscimo, que gerou o retorno do Interagente<br />
1, configurando-se o conjunto de ações como uma “conversa”.<br />
Esse processo, que vai levar a uma identidade que muda muito, conforme<br />
o objetivo que se tem em determinado ambiente, constitui-se parte de<br />
uma conversação coletiva. Raquel Recuero (2012, p.18) temos a “[…] percepção<br />
da conversação mediada pelo computador como uma apropriação de<br />
um sistema técnico para uma prática social”. A partir daí é que observamos a<br />
questão da diferença e do conflito. Como se toda conversa fosse um pouco<br />
“narrativa”, em que se começa com algo supostamente polêmico que tem<br />
que ser comprovado ou desdito. Como se cada comentário fosse a voz de<br />
um personagem numa história.<br />
Uma determinada prática social vai sendo adaptada a um novo universo<br />
de práticas técnicas, que se desdobram em mais comentários, isolados<br />
(como é o caso a seguir) ou não:<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
177
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 02 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />
Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />
Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Essa prática começa com comentários isolados que vão tomando um determinado<br />
corpo, um sentido, criando uma discussão e um direcionamento.<br />
Essa mesma discussão é direcionada a determinados fins. Por exemplo, no<br />
caso anterior, há uma interferência no Omelete, com a opinião, através de<br />
uma crítica quanto à classificação etária dos filmes de determinada empresa.<br />
Isso serve de tema interno ao sistema de comentários que leve ou a conversas<br />
ou a outros comentários isolados que abordem o mesmo tema “classificação<br />
etária”. Por outro lado, o comentário pode ser algo mínimo, simples,<br />
apenas uma demonstração de um sentimento ou desejo:<br />
178
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 03 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />
Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />
Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Temos, assim, fragmentos, janelas, podemos dizer assim, com opiniões,<br />
informações, expressões de desejos e ideias. Isso vai revelando<br />
um modo de fazer próprio, na assimilação de individualidades perante<br />
um corpo coletivo. O modo de fazer de cada um entra em sintonia com<br />
determinado direcionamento dado ao ou por um assunto, por um filme,<br />
por um personagem, revelando uma série de pontos em comum entre<br />
cada interagente.<br />
Mas é interessante observar que não há só os comentários isolados e<br />
as conversas. Mas uma fusão entre ambos, surgindo conversas que nascem<br />
de comentários. Ou seja, são conversas, mas ao mesmo tempo dependem<br />
de um comentário que dê origem a toda a discussão, que segue filiada à<br />
ideia original. Como vemos a seguir:<br />
179
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 04 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />
Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />
180
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 05 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho<br />
que são respostas ao comentário relativo à Figura 04.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/.<br />
Acesso em: 04 de maio de 2013.<br />
181
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Há diversos tipos de comentários secundários, um deles mal avaliado<br />
e só passível de ser lido com um clique a mais. O que constitui a seguinte<br />
lógica que percebemos nos comentários do Omelete: comentário isolado,<br />
conversa “espontânea” e conversa “ligada a determinado comentário”. Todavia,<br />
não faz sentido esquematizar isso sem entender o entremeio, o universo<br />
exato desses comentários: a cultura do fã.<br />
Cultura do fã<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Entendemos uma “cultura do fã” como aquilo que há em comum, em<br />
termos de comportamento e práticas, entre diversos participantes de uma<br />
ideia voltada a um determinado universo de um produto midiático – como,<br />
no nosso caso, de um filme – compondo uma identidade flutuante, muito<br />
afeita a um modo de fazer específico, de um grupo de pessoas, no que diz<br />
respeito a tornar suas identidades de acordo com seus anseios e atos, de<br />
acordo com suas práticas (no caso são essas práticas que vão verdadeiramente<br />
trazendo uma credibilidade e uma visibilidade a cada interagente).<br />
Através de alguns exemplos, que sintetizam uma conjuntura maior, podemos<br />
entender o fenômeno social, o ato de ser fã e os mecanismos para materializar<br />
isso (esses mecanismos são os comentários e as conversas), como<br />
182
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
parte do conceito de “cultura participativa”, trazido por Henry Jenkins (2009,<br />
p.30) a envolver algo que:<br />
[…] contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores<br />
dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores<br />
de mídia como ocupantes de papeis separados, podemos agora considerá-los<br />
como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de<br />
regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2009).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os papeis assumem um processo de fluxo contínuo entre interagentes<br />
que são ao mesmo tempo emissores e receptores, bem como mensagens.<br />
A recepção torna-se apenas um aspecto de todo um conjunto formador de<br />
práticas que levam ao que denominamos “cultura do fã”. Ela é, ao mesmo<br />
tempo, emissão de opiniões, informações e ideias. E isso pode se tornar a<br />
própria mensagem a partir do momento em que há a construção primeiro<br />
de um “profile”, muitas vezes fantasioso, e uma prática condizente aos anseios<br />
que levaram à construção da falsa identidade. Por exemplo, alguém<br />
se utilizar do nome e da imagem de um determinado personagem, sem necessariamente<br />
se comportar como ele, mas discutindo temas relevantes ao<br />
universo desse personagem ou de outros que tenham a ver com a mesma<br />
raiz temática (por exemplo: ficção-científica em geral, ficção-científica envolvendo<br />
pessoas com superpoderes ou fantasia).<br />
183
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Ou seja, uma cultura do fã passa, também, por uma identidade do fã, que<br />
entra no contexto trazido por Stuart Hall (2006, p. 12-13), sobre o sujeito pós-<br />
-moderno cuja “… identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada<br />
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados<br />
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987)”. Imaginemos,<br />
por exemplo, o campo de comentários como uma praça por onde transitam<br />
diferentes fãs, que se comunicam de forma mediada pela tecnologia e<br />
geralmente através de identidades fictícias, que podem ser alteradas.<br />
Porém, para adentrar essa “praça”, há regras formais e informais que<br />
devem ser seguidas, no sentido de permissão a que o fã torne-se parte<br />
do Omelete e grau de visibilidade de suas mensagens (se são consideradas<br />
ofensivas, por exemplo, será preciso um clique a mais para que alguém<br />
possa ler). Além disso, obviamente, tem-se a credibilidade que cada um vai<br />
construindo conforme sua reputação.<br />
A ideia de algo “em comum” preenche nossa conceituação, em que as<br />
pessoas podem se relacionar como emissores, receptores e mensagens, em<br />
um palco cujo espetáculo e público se misturam a partir do que vemos nesse<br />
ambiente relativamente concreto e “em comum” do sistema de comentários<br />
do Omelete: sugestões, críticas, em outros casos promoções de blogues, direcionamentos<br />
para outros links, comentários de comentários, comentários<br />
e conversas envolvendo outros universos ficcionais, o ato de informar algo,<br />
184
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
enfim, todo um conjunto de práticas que vai inclusive além dos exemplos<br />
enxertados neste trabalho através das imagens captadas.<br />
Esse conjunto revela um sistema em que as pessoas tendem a imitar as<br />
práticas para discordar delas. Sempre trazendo algo que pretenda ser novo,<br />
bem como um determinado modo de posicionamento.<br />
Todo esse processo revela a configuração atual de uma opinião pública<br />
cujo conteúdo envolve pensamentos que “… são expressos por aqueles que as<br />
produzem e as pensam, e não por jornalistas obrigados a simplificar ou mesmo<br />
a caricaturar por falta de tempo ou de competência”, segundo André Lemos<br />
e Pierre Lévy (2010, p.88). Esse processo envolve um conceito de cultura que<br />
abranja as ideias de espaço, identidade e trocas. Primeiro o espaço em fluxo<br />
a que denominamos a categoria “virtual”, que nos leva mais concretamente à<br />
visualização de uma tela e de um texto; a identidade por vezes falsa dos interagentes;<br />
e as trocas de ideias. Todo esse processo se distribui entre o ambiente<br />
técnico, o contato com o outro e o cérebro do próprio interagente.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Considerações finais<br />
Os passos para compreender o processo de comunicação cada vez<br />
mais entendem o processo como um fluxo interativo, em que emissor,<br />
185
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
mensagem e receptor se confundem numa “conversação coletiva”. Nesse<br />
aparente caos, as pessoas vão se distinguindo de acordo com a qualidade<br />
de suas informações e formas de expressão. Por outro lado, devemos<br />
considerar que, simultaneamente, existe a forma “tradicional” de entender<br />
“comunicação”. Ou seja, temos, no Omelete, a concepção tradicional<br />
de “receptor”. O que nosso trabalho traz é uma concepção que também<br />
vai além disso. Quer dizer, o antigo e o novo se misturam, a lógica um-<br />
-todos e a lógica todos-todos.<br />
No caso da lógica todos-todos, podemos considerar, segundo Clay<br />
Shirky (2011, p.154) que há diferentes tipos compartilhamento entre indivíduos<br />
na rede: o compartilhamento pessoal, o compartilhamento comum,<br />
o compartilhamento público e o compartilhamento cívico. No nosso caso,<br />
entendemos que se trata de uma mistura de compartilhamento pessoal<br />
com compartilhamento comum. As pessoas têm entre elas informações,<br />
ideias, desejos envolvendo filmes e o universo desses filmes. Elas colaboram<br />
em um nível individual e também participam em um nível público –<br />
mas “público” dentro da ideia de “grupo” após cadastro no Omelete, algo<br />
limitado ao universo desse site.<br />
O fato é que o interagente (ou o “receptor”), primeiro recebe a informação<br />
como um receptor comum. Ao receber a informação, tem-na como um<br />
“ponto de partida” para discussões, ou simplesmente se utiliza do espaço<br />
186
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
para comentar diversos assuntos não necessariamente ligados a determinado<br />
filme e seu lançamento. No final, temos, ao invés de um mero sistema<br />
de comentários, um site que além de informação é de entretenimento e de<br />
rede social, sendo boa parte do entretenimento dependente da colaboração,<br />
participação e compartilhamento de experiências a partir de indivíduos<br />
interagindo entre si e com grupos maiores de pessoas no Omelete.<br />
Nosso trabalho se comprometeu a mapear brevemente esse aspecto<br />
do site, e demonstra que os sites devem ser entendidos cada vez mais em<br />
caráter híbrido – quer dizer, além de site é rede social, é grupo de trocas, é<br />
uma espécie de comunidade com regras próprias e com possibilidade de<br />
participação até mesmo de promoções promovidas pelo Omelete.<br />
Tal grupo divide-se em sistemas de comentários relativo a informações<br />
e a suportes midiáticos específicos (por exemplo, comentários envolvendo<br />
a seção de Vídeos do Omelete), e divide-se de acordo com uma temática<br />
menor como, por exemplo, determinado comentário como ensejador de<br />
toda uma conversa paralela. Em suma, trata-se de um campo rico de trocas,<br />
compartilhamentos, podendo ser possível considerá-lo um espaço à parte,<br />
construído conceitualmente e materializado no aspecto de “tela” a ser preenchida<br />
por textos.<br />
187
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Referências<br />
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 a ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.<br />
JACKS, N. A.; ESCOSTEGUY, A. C. D. Comunicação e recepção. São Paulo: Hackers Editores,<br />
2005.<br />
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2 a ed. São Paulo: Aleph, 2009.<br />
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia<br />
planetária. São Paulo: Paulus, 2010.<br />
LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2 a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.<br />
RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e<br />
redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012.<br />
SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado.<br />
Rio de Janeiro: Zahar, 2011.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
188
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
TV PÓS DIGITAL: NOVAS FORMAS DE CONSTRUÇÃO<br />
TELEVISIVA NA SOCIEDADE MIDIATIZADA<br />
Graciele Barroso 1<br />
Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha 2<br />
Resumo<br />
Com a introdução de novas mídias e dispositivos tecnológicos, a televisão tem passado<br />
por mudanças profundas na produção de conteúdo e de programação. Não se pode<br />
mais ignorar a forma como a sociedade tem se apropriado das mídias (antigas e novas)<br />
para mostrar o seu cotidiano a uma grande massa de telespectadores. Dessa forma, este<br />
trabalho tem o objetivo de discutir as novas possibilidades da televisão junto a uma sociedade<br />
imersa no processo de digitalização dos meios de comunicação de massa, bem<br />
como sua apropriação em relação aos diversos dispositivos tecnológicos disponibilizados<br />
atualmente.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Palavras-chave: Convergência. Midiatização. Televisão.<br />
1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do<br />
Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: gracielebarroso@gmail.com.<br />
2 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />
do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: noronhakr18@<br />
yahoo.com.br.<br />
189
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A convergência midiática tornou a televisão um meio de comunicação interativo<br />
e mais homogênio na medida em que o telespectador consegue caminhar<br />
pelo conteúdo da TV com maior complexidade devido à utilização dos diversos<br />
dispositivos tecnológicos que atualmente integram a produção televisiva. A sociedade,<br />
agora mais do que nunca, está dentro da televisão construindo uma<br />
linguagem e um contexto mais próximo da sua realidade.<br />
As novas mídias e tecnologias de comunicação oferecem a televisão novas<br />
possibilidades para chegar ao telespectador com histórias mais dinâmicas<br />
e, principalmente, fragmentadas induzindo o uso de ferramentas comunicacionais<br />
que sempre remetem ao que é apresentado pela televisão.<br />
Com a chegada da internet e, consequentemente, a sua popularização<br />
a televisão teve que se reclicar para atender as mudanças de perfil dos espectadores-usuários<br />
que estão sempre à procura de conteúdo diversificado.<br />
Além disso, a televisão tem se apropriado dos novos dispositivos tecno-midiáticos<br />
para construir narrativas mais interessantes com a finalidade de se<br />
aproximar cada vez mais de um público que se torna mais segmentado diante<br />
dos recursos tecnológicos disponibilizados atualmente na tentativa de se<br />
manter na base de sustentação da produção e distribuição da informação.<br />
190
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Assim, este artigo tem por objetivo discutir o desenvolvimento da televisão<br />
a partir da imersão da sociedade junto aos novos dispositivos tecno-<br />
-midiáticos, como ela tem se reinventado no contexto da digitalização, bem<br />
como a sociedade tem se apropriado desse novo contexto midiático inserido<br />
no cotidiano da população.<br />
Televisão digital<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A digitalização da TV confere aos telespectadores maior poder sobre<br />
o que eles desejam assistir, pois este recurso tecnológico torna a televisão<br />
mais flexível e atrativa tanto em aspectos estéticos quanto em termos de<br />
produção de conteúdo.<br />
As possibilidades de acesso à produção de conteúdo serão inúmeras se<br />
considerarmos as características e os recursos de interatividade. Através do<br />
controle remoto é possível, por exemplo, acessar a internet, fazer downloads,<br />
assistir aulas e programas educativos ao mesmo tempo, permitindo ao<br />
usuário navegar pelo aplicativo na ordem que desejar e personalizar a TV de<br />
acordo com suas preferências.<br />
Assim, as dimensões espacial e temporal, os aspectos estéticos e retóricos<br />
na TV Digital e a forma de navegação se ampliam, mudando a relação<br />
191
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
do público com a TV a partir do controle remoto, pois há uma construção<br />
lógica e não linear permitindo uma reflexão integral por parte do telespectador.<br />
O programa de TV deixa de ser uma realidade sequencial e unilateral<br />
para ser uma realidade não linear e interativa.<br />
A possibilidade de controle e manipulação por meio de botões, menus ou<br />
ícones permite ao telespectador dialogar com um programa ao vivo, escolher<br />
um ângulo de câmera ou uma sequência de cenas para ter uma visão mais ampla<br />
do contexto. Dessa forma, o usuário pode definir as informações disponíveis<br />
no ambiente com as quais deseja interagir.<br />
Em termos de usabilidade, a postura do espectador é o fator principal. Na<br />
TV atual ela é contemplativa, enquanto que na TV Digital ela é interativa.<br />
A questão da distância é um outro ponto que merece atenção, pois não se<br />
assiste à TV tão de perto quanto se utiliza o computador ou o celular. [...].<br />
Além disso, a TV tem um caráter coletivo, o que também deve ser levado<br />
em conta (MAETA; OLIVEIRA; QUEIROZ-NETO, 2007, p. 3).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Por isso, dois aspectos são muitos importantes quando nos referimos<br />
à utilização da TV Digital: a usabilidade e aplicabilidade de serviços e tecnologias<br />
que estão sendo desenvolvidas e experimentadas com o intuito<br />
de simplificar os recursos para a TV digital interativa. Sabemos que estes<br />
recursos serão determinados pelos fabricantes de aparelhos conversores<br />
192
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
e principalmente pelo interesse das emissoras de TV em disponibilizar ou<br />
não os recursos.<br />
Convergência tecnológica<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A convergência tecnológica permite a interoperabilidade de sistemas, a<br />
possibilidade de novos dispositivos facilitadores da mobilidade e interatividade<br />
e a obtenção de serviços integrados, que disponibilizam mais informações<br />
e serviços. Nesse contexto de novas tecnologias, surge uma nova sociedade:<br />
uma sociedade da informação, com uma comunicação mais integrada,<br />
multimídia e interativa. Além disso, novos meios trazem novas implicações<br />
políticas e sociais. Castells (1999) chama essas transformações de a era da<br />
informação e do conhecimento.<br />
No final da década de 80, surgiu o termo “tecnologias da informação”, que<br />
engloba um conjunto de áreas: informática, telecomunicações, comunicação,<br />
ciências da computação, engenharia de sistemas e de software. Castells<br />
(1999) afirma que as tecnologias da informação fazem parte de um conjunto<br />
convergente de tecnologias em microeletrônica, telecomunicações, radiodifusão<br />
entre outras que usam de conhecimentos científicos para especificar<br />
as coisas de maneira reproduzível.<br />
193
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A convergência tecnológica da internet com outros meios (TV, rádio e<br />
telefones de última geração) assegura a entrada dos consumidores em uma<br />
fase de globalização telemática. A introdução das novas tecnologias em geral<br />
e da convergência tecnológica em particular, é aparentemente um fato<br />
irreversível, conduzida pela lógica de mercado das grandes empresas transnacionais<br />
e baseada em avanços científicos e tecnológicos.<br />
Considerado um otimista da cibercultura, Lévy (1999, p. 11) não via a Internet<br />
como a solução para os problemas da sociedade, mas enxergava na<br />
ferramenta “um novo espaço de comunicação” repleto de possibilidades. A<br />
história mostra que o entusiasta estava correto: a Internet e todo o aparato<br />
que compõe as Tecnologias da Informação e Comunicações (TICs) revolucionaram<br />
a economia, a política, a organização social, a comunicação.<br />
Para Recuero (2000) a nova tecnologia da informação é a terceira grande<br />
revolução da comunicação, que sucede o desenvolvimento da linguagem e<br />
a invenção da escrita. Maigret (2010) é mais comedido com relação ao novo<br />
espaço de comunicação e mostra que mesmo com todas as possibilidades<br />
da convergência midiática, a Internet não conseguiu, por exemplo, superar<br />
a televisão na preferência do público. Some-se a preferência, as limitações<br />
técnicas e intelectuais: nem todos dispõem de computador com Internet e<br />
habilidades para utilizar as TICs.<br />
Em um aspecto os autores concordam: o meio é o que se apresenta como<br />
194
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
o mais democrático criado até agora. Para Castells (1999) e Maigret (2010) a<br />
explicação pode estar no caráter multimídia, que agrega som, texto e imagem,<br />
levando para a rede as características do rádio, jornal, revista e televisão. Há<br />
também o rompimento com a lineariedade do texto, a hipertextualidade permite<br />
que o leitor determine como será a leitura do conteúdo ofertado.<br />
A Rede oferece ferramentas para as mais variadas participações do público,<br />
seja através de comentários em sítios, manutenção de blogues, redes<br />
sociais, que apresentam a versão de seus autores para os fatos abordados:<br />
A internet, por permitir ao mesmo tempo encontrar o que apreciamos e<br />
tornar públicas nossas criações, seria a mída-mor e a mídia livre, libertando-nos,<br />
por um lado, da ditadura do pensamento analítico estreitamente<br />
escolar e, pelo outro, das tiranias dos meios de comunicação de massa, da<br />
passividade. (MAIGRET, 2010, p. 406)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A Internet favorece o aparecimento da voz da pluralidade, as mensagens e<br />
fontes têm origens diversas e oferece a “oportunidade de reversão dos jogos<br />
de poder tradicionais no processo de comunicação” (CASTELLS, 1999, p. 446).<br />
Os meios tradicionais compartilham com os conteúdos oriundos da Rede versões<br />
de um mesmo fato, nem sempre compatíveis. O cidadão comum tem a<br />
possibilidade de contestar as versões oficiais através de conteúdos postados<br />
em blogues, comentários nos sítios e nas redes sociais.<br />
195
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Para Brittos e Bolaño (2006, p. 11-12) a Internet representa o surgimento<br />
de um espaço público midiático diferente do que se vê nas redes de televisão<br />
abertas, esse “é um novo espaço dialógico, restrito e crítico” e que permite<br />
“uma extensa interatividade”. No entanto, os autores reconhecem que<br />
a Rede sofre um “controle social”, como a exclusão digital, por exemplo. A<br />
televisão continua sendo um veículo de forte presença na rotina dos públicos,<br />
Sodré (2013) chega a afirmar que antes da televisão, apenas Deus estava<br />
presente em tantos lares.<br />
De acordo com Woodard (1994), a convergência tecnológica traz<br />
consigo mudanças significativas para a televisão, transformando-a em<br />
mídia interativa. A TV não é mais um meio isolado e passivo. Como consequência,<br />
é necessário repensar as produções comunicacionais para os<br />
meios convergentes, com características interativas ou não.<br />
Deve-se pensar, então, como a sociedade reage diante das transformações<br />
políticas, culturais e sociais trazidas pelos novos meios e como a indústria<br />
da comunicação deve adequar sua produção para a convergência<br />
tecnológica, tendo em vista que uma mensagem deve satisfazer diferentes<br />
características dos meios convergentes, entre os quais alguns são passivos,<br />
outros reativos e outros interativos.<br />
No estudo dos meios interativos, cabe definir o que seja interatividade.<br />
Inicialmente pode-se dizer que a mesma advém da digitalização e conver-<br />
196
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
gência das mídias. Para Fragoso (2001), a interatividade era o instrumento<br />
que faltava para conferir aos receptores poderes correspondentes aos dos<br />
produtores midiáticos. Ainda segundo a autora, a aparente imprevisibilidade<br />
dos resultados de interação com estruturas interativas bem planejadas decorre<br />
do poder quantitativo das tecnologias digitais.<br />
Essas novas configurações midiáticas permitem que a sociedade passe<br />
por transformações não só tecnológicas, mas também transformações culturais,<br />
econômicas e políticas. Os computadores, através das ferramentas de<br />
redes sociais, estão alterando a rotina e o estilo de vida das pessoas. O computador<br />
não é mais o único mediador das novas possibilidades midiáticas.<br />
Os celulares, <strong>tablet</strong>s, smartphones e outras tecnologias portáteis estão tornando<br />
a vida das pessoas mais fácil e rápida. Devemos aprender a configurar<br />
o uso dos novos recursos midiáticos ao nosso cotidiano.<br />
Os conteúdos midiáticos já iniciaram o processo de migração entre as<br />
diversas mídias para nos permitir conhecer diversas plataformas tecnológicas<br />
e informacionais. Dessa forma, podemos nos inserir em outras culturas e<br />
sociedades, a partir da nossa imersão em narrativas virtuais ou reais.<br />
Assim, as mudanças de paradigmas comunicacionais são infinitas e<br />
adaptativas aos diversos tipos de mídias que temos hoje. Através de uma<br />
reconfiguração das linguagens, narrativas e estruturas, poderemos desenvolver<br />
outros mecanismos de comunicação e interação na sociedade, per-<br />
197
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
mitindo a ampliação da rede de comunicação e informação na qual estamos<br />
inseridos atualmente.<br />
Em relação à televisão, esse contexto de reconfiguração transforma a<br />
maneira de ver e fazer TV. Hoje, nós podemos usar a internet e as redes sociais<br />
para assistir e discutir nossos programas de TV favoritos e criar uma<br />
nova narrativa televisiva. As emissoras estão percebendo essa nova rotina<br />
dos telespectadores (usuários) e começam a testar os recursos das redes sociais<br />
para expandir suas produções para conquistar novos usuários para as<br />
telinhas brasileiras. Contudo, ainda de maneira incipiente e cautelosa, devido,<br />
supõe-se, aos compromissos mercadológicos.<br />
Com a chegada da TV Digital e da interatividade, cria-se a possibilidade<br />
de ampliar a produção televisiva e permitir que a sociedade participe desse<br />
processo, com o apoio e a iniciativa de produções independentes para a televisão<br />
através da experimentação de novas linguagens audiovisuais.<br />
Os processos de transmidiação são os que mais tem permitido aos telespectadores<br />
interagir com a televisão nos últimos anos possibilitando a<br />
uma grande massa conectada a TV e a internet experiências audiovisuais<br />
mais complexas. Assim, a sociedade atual está cada vez mais envolvida com<br />
os processos midiáticos disponibilizados não só através da televisão, como<br />
também da internet e dos dispositivos móveis cada vez mais comuns no cotidiano<br />
da população (FECHINE; FIGUEIRÔA, 2011).<br />
198
Sociedade midiatizada e televisão<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O desenvolvimento e a presença dos meios de comunicação trouxeram novas<br />
ordens para as relações sociais. De acordo com Sodré (2006, p. 21), a mídia<br />
criou uma nova esfera da vida humana, uma ambiência feita de informações,<br />
com a sociedade contemporânea regida pela midiatização, sendo esta,<br />
[...] uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação<br />
entendida como processo informacional, a reboque de organizações<br />
empresariais e com ênfase num tipo particular de interação – a que poderíamos<br />
chamar de “tecnointeração” – caracterizada por uma espécie de prótese<br />
tecnológica e mercadológica da realidade sensível denominada médium.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Essa discussão sobre a presença da mídia como organizadora social não<br />
é nova, a teoria da Agenda Setting mencionava o poder de inferência dos<br />
assuntos abordados nos veículos de comunicação no cotidiano do público.<br />
Ao que parece, essa relação entre mídia e público na chamada sociedade<br />
midiatizada ganha elementos novos a partir da interação possibilitada pelos<br />
avanços tecnológicos na área da comunicação, existe uma negociação entre<br />
emissores e receptores, superando a ideia de uma audiência passiva. Os<br />
próprios termos: emissor e receptor passam a ser questionados diante da<br />
circularidade da produção de infoentretenimento nesse novo contexto.<br />
199
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Com a midiatização emergem novos comportamentos e práticas. Paula<br />
Sibilia (2008) foi assertiva quando intitulou seu livro de “O show do eu”<br />
para tratar das formas como o público tem se relacionado com as novas<br />
mídias e como o mercado tem se apropriado desse comportamento para<br />
produzir mais capital. De acordo com a autora, a sociedade midiatizada é<br />
fascinada pela visibilidade e transforma a rede num confessionário, ficcionalizando<br />
o real e naturalizando o ficcional. A tênue demarcação entre o<br />
público e o privado é rompida pela ânsia de aparecer, artistas são valorizados<br />
pelo que são e não pelo que produzem anônimos viram celebridades<br />
instantâneas e os recursos tecnológicos permitem que qualquer um possa<br />
se promover na rede. A autora reforça ainda que as redes interativas universalizam<br />
o direito de ser filmado, promessa que a televisão e o cinema<br />
não foram capazes de cumprir.<br />
No tocante a televisão, os recursos interativos advindos com a digitalização<br />
podem cumprir em parte essa promessa, já que permite que o público<br />
participe da programação. Para citar alguns exemplos, as transmissões de<br />
jogos da Globo tem participação do público com perguntas e opiniões; no<br />
Big Brother Brasil, outro programa global, os telespectadores são incentivados<br />
a filmarem eles próprios “curtindo” a festa do BBB, tendo a televisão ao<br />
fundo, imagens que são veiculadas durantes os intervalos. Outras formas de<br />
interação do público com a TV são pelas redes sociais.<br />
200
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Estas, por sua vez, já se incorporaram ao dia a dia da população, sendo<br />
que mais de 80% dos usuários as acessam diariamente. Podemos dizer que<br />
elas são, na verdade, a relação existente entre as pessoas que utilizam os<br />
seus recursos independentemente do objetivo de uso de cada cidadão/ã.<br />
Segundo um levantamento realizado pela KPMG, intitulado Debate Digital<br />
2013, “o Brasil está entre os líderes no consumo e na disposição para mídias<br />
sociais” (KINGHOST, 2013).<br />
Por exemplo, muitos programas televisivos têm utilizado o Twitter para<br />
interagir com os telespectadores através de sorteios, promoções ou a cobertura<br />
instantânea da programação televisiva. E a maioria deles também<br />
têm suas páginas no Facebook.<br />
As redes sociais, principalmente o Twitter, têm sido bastante utilizadas<br />
como fonte para a produção de notícias pelos jornalistas. O conteúdo disseminado<br />
na televisão é em muitos casos filtrado dessa rede social. Assim,<br />
muitas dessas informações tem se tornado pauta para os veículos de comunicação<br />
tradicionais, já que estas se referem a acontecimentos do cotidiano.<br />
O Twitter é a rede social que mais cria mobilizações, oferecendo detalhes<br />
para as notícias que os jornalistas produzem.<br />
Com o crescimento e a popularização das redes sociais na internet, elas<br />
passam cada vez mais a ser objeto de matérias em jornais de referência.<br />
201
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Ainda que muitas vezes a própria rede esteja em pauta, há vezes em que<br />
o conteúdo que circula nesses espaços se torna fonte para notícias (ZAGO,<br />
2010, p. 1-2).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É notório que a relação rede social - televisão – telespectador tem sofrido<br />
uma inversão na forma de consumo do produto televisivo devido às novas<br />
configurações midiáticas, que alteram o modo de pensar e agir de cada participante<br />
desse processo comunicacional. Temos a construção de um novo<br />
fluxo de informação que agora é transversal, pois a televisão se desloca para<br />
os dispositivos móveis, tornando-a menos doméstica e mais individualizada.<br />
Essa sociabilidade da televisão na rede permite que as audiências colaborem<br />
com os conteúdos produzidos de forma coletiva, disponibilizando não<br />
mais apenas para os usuários de internet, mas também para aquelas pessoas<br />
que buscam complementar as informações recebidas pela TV ou se voltar<br />
para a televisão, a partir de uma postagem vista pelo Twitter, por exemplo.<br />
Em entrevista ao programa “O público na TV”, da TV Brasil, Muniz Sodré<br />
(2013) declarou que as novas tecnologias não provocaram mudanças radicais<br />
no conteúdo televisivo porque a televisão consegue incorporar e dialogar<br />
com outras linguagens como a do rádio e os recursos da Internet. Outro<br />
fator depõe a favor da TV: sua mobilidade. A programação pode ser vista em<br />
diversas plataformas: celular, laptop, <strong>tablet</strong> e GPS. E em época de persona-<br />
202
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
lização, a TV consegue mais uma vez se reinventar oferecendo ao público a<br />
possibilidade de acompanhar a programação no horário desejado e não no<br />
disponibilizado pela grade.<br />
Essas mudanças não afetam somente as formas de circulação, mas também<br />
de produção de conteúdo. Os produtores não sabem mais onde o público<br />
vai assistir a um determinado programa, portanto é necessário pensar<br />
na melhor qualidade da recepção de áudio e imagem. De acordo com Brittos<br />
e Bolaño (2007) agora se fala em produtos midiáticos e não mais em programas<br />
de TV, visando à produção não somente para a televisão, mas também<br />
para internet, telefonia celular e outras mídias.<br />
Um fenômeno continua garantindo lugar nas produções midiáticas da<br />
atualidade: a espetacularização. De acordo com Kellner (2006) a experiência<br />
e a vida cotidiana são moldadas e mediadas pelos espetáculos e até mesmo<br />
a produção da notícia obedece à lógica do espetáculo. Condição facilmente<br />
verificável nas coberturas televisivas de crimes que ganham grande repercussão.<br />
O caso do goleiro Bruno ilustra bem a situação: os principais canais<br />
de televisão abertos noticiaram desde o desaparecimento da ex-amante até<br />
a condenação do jogador, tendo o assunto permeado toda a programação,<br />
inclusive com entradas “ao vivo” em frente ao presídio e tribunal, para onde<br />
o goleiro foi levado.<br />
Existe um investimento forte por parte das produções de introdução de<br />
203
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
elementos para a identificação do público. A identificação é que garantiria o<br />
interesse em acompanhar o desenrolar das histórias veiculadas. A indústria<br />
cultural, que obedece a lógica de mercado e transforma tudo em bem consumível<br />
e padronizado, projeta através da mídia uma realidade construída<br />
para alcançar seus objetivos e é na televisão que essa qualidade é melhor<br />
descrita, já que os recursos utilizados por esta permitem a manipulação de<br />
imagens e uma narrativa que aproxima os temas do cotidiano do público.<br />
Considerações finais<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Percebemos a partir das ideias apresentadas que a televisão está passando<br />
por um processo de evolução bastante significativo e que há muito<br />
tempo era esperado. A sociedade tem contribuído com esse processo à<br />
medida que se torna mais ativa diante das produções audiovisuais que são<br />
disponibilizadas cotidianamente. Com a introdução de novos dispositivos<br />
tecnológicos como <strong>tablet</strong>s, smartphones e laptops a TV ganhou aliados que<br />
tem favorecido bastante a difusão de conteúdo televisivo.<br />
Agora, os telespectadores querem dialogar e interagir com os recursos<br />
multimídia que são ofertados pela televisão nos diversos dispositivos móveis<br />
numa tentativa de se tornar mais presente e visível na programação veiculada<br />
204
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
na TV. O desenvolvimento de novas plataformas de comunicação e interação<br />
é que tem permitido a televisão se reciclar para conseguir criar conteúdo mais<br />
diversificado para atender a um público cada vez mais segmentado.<br />
A internet foi fundamental para abrir caminho para as tecnologias da informação<br />
e comunicação chegarem a um número maior de usuários bem como<br />
promover transformações importantes nos meios de comunicação tradicionais<br />
que há anos necessitavam se renovar para conquistar mais telespectadores.<br />
As mudanças continuam acontecendo lentamente principalmente para a<br />
televisão que teve como divisor de águas a digitalização tanto no setor técnico<br />
– mais avançado – quanto na produção de conteúdo com recursos interativos<br />
e narrativas não lineares – ainda em fase de experimentação.<br />
A ponte televisão – redes sociais – telespectador tem sido fundamental<br />
para a mudança de pensamento do fazer televisão, pois essas plataformas<br />
tem exercido uma influência direta e clara na elaboração de novos<br />
produtos midiáticos. O processo de migração entre as diversas mídias<br />
modifica não só o desenvolvimento das narrativas audiovisuais, mas também<br />
o cotidiano das pessoas na medida em que estas estão cada vez<br />
mais conectadas, expondo suas vidas e colocando em debate questões<br />
de ordem política, social e cultural.<br />
Os produtos transmidiáticos são os que mais têm proporcionado uma revolução<br />
na maneira de fazer e ver TV porque estes permitem de fato aos teles-<br />
205
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
pectadores-usuários uma maior aproximação com a narrativa já que necessitam<br />
passar por diversas plataformas tecno-comunicacionais para acompanhar<br />
o enredo. As narrativas transmidiáticas também são responsáveis por permitir<br />
aos espectadores uma participação ativa em todo o contexto do produto.<br />
Atualmente, a televisão aberta tem realizado algumas tentativas de inserção<br />
do telespectador no desenvolvimento do enredo das novelas como<br />
no caso de Avenida Brasil em que a direção e os roteiristas acompanhavam<br />
diariamente as postagens feitas pelo Twitter para ir construindo a trama de<br />
acordo com algumas preferências dos telespectadores. O Jornal da Cultura<br />
tem tido sucesso com a utilização da segunda tela via <strong>tablet</strong>s oferecendo a<br />
audiência informações adicionais sobre os assuntos que são discutidos no<br />
telejornal diário.<br />
Assim, podemos afirmar que a convergência tecnológica é e continuará<br />
sendo fundamental para o desenvolvimento da comunicação na atualidade<br />
já que aquela é capaz de fomentar a produção e difusão de informação<br />
para os mais variados tipos de plataformas garantindo a oferta de produtos<br />
midiáticos mais variados que possam atendem a infinidade de públicos segmentados<br />
que temos hoje.<br />
Outro fator importante é que a mídia está presente no espaço público,<br />
propõe temas e anima discussões. Foi assim com os jornais, que foram substituídos<br />
pelo rádio, este pela TV, e temos agora o surgimento da Internet e<br />
206
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
suas possibilidades para a comunicação. A inferência dos veículos de comunicação<br />
na rotina dos públicos é tema recorrente nas pesquisas da área, a<br />
novidade é a participação ativa do público na produção do que é veiculado,<br />
superando a imagem do receptor passivo, incapaz de fazer questionamentos,<br />
por razões técnicas e intelectuais. A primeira foi superada, a segunda<br />
ainda é motivo de contestações.<br />
A evolução dos aparatos tecnológicos, cada vez menores e com preços<br />
mais acessíveis, cria um ambiente de imersão e de interação frenéticas. As<br />
situações rotineiras passam a ser pensadas a partir de uma lógica midiática,<br />
num processo de retroalimentação: o público da mídia e a mídia do público.<br />
No entanto, esse novo contexto não propicia a reflexividade e até incentiva<br />
o surgimento de situações inusitadas, como a busca incansável pelos cinco<br />
minutos de fama e a tendência a espetacularização dos fatos.<br />
A anunciada morte das demais mídias com o advento da internet não<br />
aconteceu, o que vimos é uma convivência nem sempre pacífica, nem sempre<br />
tensa. É bem verdade que as antigas mídias precisaram mudar para acompanhar<br />
o ritmo das novas e saíram ganhando com isso. A televisão - como<br />
conhecemos, outra está em pleno curso - até perdeu receita publicitária,<br />
mas tem buscando a reinvenção para garantir audiência e anunciantes. A<br />
efetivação da TV Digital será um marco importante nesse processo, já que<br />
trará para a telinha os recursos da internet.<br />
207
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em pleno curso estão às transformações nas produções do conteúdo<br />
televisivo que agora passam a ser pensados para a veiculação<br />
em outras plataformas, resultado da forte presença das mídias portáteis<br />
e do comportamento do telespectador, cada vez mais inclinado a<br />
fazer sua própria programação, alheia as grades dos canais de televisão.<br />
É preciso atentar para os interesses presentes em todas essas transformações.<br />
Não podemos desconsiderar os benefícios advindos desses avanços,<br />
como as possibilidades de democratização da comunicação, rompendo a<br />
hegemonia dos polos emissores e dando voz aos excluídos das coberturas<br />
midiáticas, no entanto, o capital exerce um forte controle sobre essa realidade.<br />
Muitos avanços tecnológicos são demandados pelo público, mas rapidamente<br />
capitaneados pelo mercado para fins comerciais. A participação<br />
ativa e a interação do público, em sua grande maioria, correspondem aos<br />
interesses dos canais televisivos na tentativa de gerar mais audiência e assim<br />
conseguir poder de negociação com os anunciantes, já que telespectadores<br />
são vendidos como potenciais consumidores dos produtos anunciados durante<br />
a programação.<br />
Uma mudança faz-se necessária nesse processo: a forma como os telespectadores<br />
são vistos. É preciso passar da configuração de meramente consumidores<br />
para cidadãos capazes de intervir de forma assertiva nas programações.<br />
Os recursos tecnológicos estão postos, agora é preciso oportunizar<br />
208
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
a participação efetiva dos públicos. Pelas características que apresentam, os<br />
canais públicos de televisão devem aproveitar com mais propriedade os recursos<br />
interativos. Pela liberdade de discurso e o não comprometimento com<br />
o mercado e forças político-partidárias, as televisões públicos deverão ser palcos<br />
de interações de fato produtivas, com a geração de conhecimento, novos<br />
conteúdos, diversidade, pluralidade e não apenas a produção de uma metalinguagem,<br />
onde os canais privados estão interessados em promover seus<br />
programas e vender seus produtos.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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210
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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211
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
COPA DO MUNDO NO BRASIL:<br />
ANÁLISE SEMIÓTICA VISUAL DE CAPAS DE REVISTAS<br />
Liliane Calado 1<br />
Olga Tavares 2<br />
Resumo<br />
2014 é o ano da Copa do Mundo no Brasil. Diariamente observamos na mídia reportagens<br />
que retratam esse assunto. Muitas delas ressaltando os problemas e desafios que<br />
o país tem enfrentado para atender as exigências do Comitê Organizador do evento.<br />
Nesse artigo buscamos compreender a produção do sentido do discurso de duas capas,<br />
uma da revista Veja e outra da revista ÉPOCA que evidenciam a temática Copa do<br />
Mundo no Brasil. A partir da semiótica greimasiana vamos analisar o conjunto sincrético<br />
de cada capa, visando entender a construção de sentido de cada uma delas.<br />
Palavras-chave: Semiótica visual. Discurso. Copa do Mundo.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
1 Jornalista e Relações Públicas. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Federal<br />
da Paraíba – UFPB. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq.<br />
Endereço eletrônico: lilianejornalista@yahoo.com.br<br />
2 Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação<br />
e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Departamento<br />
de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica<br />
– GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. E-mail: <strong>olga</strong>tavares@cchla.ufpb.br.<br />
212
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
As revistas semanais brasileiras são publicações sincréticas, que trazem<br />
em si a linguagem verbal e a visual. Este é o objeto do nosso estudo: capas<br />
das revistas Veja e ÉPOCA, que abordam as obras dos estádios de futebol<br />
em todo o país, e que apresentarão os jogos da Copa do Mundo de 2014.<br />
Essas obras são o foco desta análise que investigará a produção de sentido<br />
dos textos em questão, de acordo com a teoria semiótica greimasiana. “O<br />
sentido é definido pela Semiótica como uma rede de relações, o que quer<br />
dizer que os elementos do conteúdo só adquirem sentido por meio das relações<br />
estabelecidas entre eles. (PIETROFORTE, 2004, p.12)”.<br />
Em nível semiótico, o sujeito que se destaca nas capas é a Copa do Mundo,<br />
cujo objeto-valor se define pela finalização das obras dos estádios de<br />
futebol, onde se realizarão os jogos. Portanto, sem estádio não pode ocorrer<br />
o evento. Assim, o anti-sujeito é a lentidão com que essas obras estão sendo<br />
executadas e que pode comprometer o calendário definido pela FIFA.<br />
Em nível sincrético, a organização do texto dá-se, neste caso das capas,<br />
quanto à grafia utilizada, disposição dos elementos figurativos, combinação<br />
cromática. As capas indicam a matéria principal e ressaltam o editorial escolhido.<br />
Em ambas, percebe-se que há uma tendência a desqualificar o andamento<br />
das obras nos estádios. As manchetes das capas selecionadas são estas: Veja<br />
213
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
(edição 2218, 25/5/2011) – “2038 – por critérios matemáticos, os estádios da<br />
Copa não ficarão prontos a tempo”; ÉPOCA (edição 781, 13/05/2013) – “Por<br />
que tudo atrasa no Brasil – o país em que nenhuma obra – da reforma do banheiro<br />
aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”.<br />
O que é proposto pelo enunciador do texto, a capa, norteia as reportagens<br />
principais em ambas as revistas, propondo um fazer persuasivo que instaura<br />
um fazer-crer no espaço do enunciatário, o leitor. Como o público de<br />
publicações jornalísticas estabelece um contrato fiduciário com elas, parece<br />
que a mensagem vai ao encontro dessa insatisfação coletiva. Assim, existe<br />
um eixo temático comum que aponta para a não-eficiência do governo brasileiro<br />
em cumprir o cronograma de obras a realizar, para que se atenda aos<br />
anseios dos torcedores.<br />
Destaca-se, assim, nas duas revistas, um enunciador-editor que produz o<br />
discurso que vai nortear as notícias sob modalizações que vão convencer o<br />
enunciatário-leitor a firmar esse contrato de veridicção, de modo a consolidar<br />
as afirmativas dos textos, tanto quanto os perfis editoriais das publicações.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
De maneira global, podemos dizer que o regime de sentido e interação que<br />
atua como elemento orientador do fazer do discurso midiático é o regime<br />
da manipulação. No caso da mídia de informação semanal, não se pode ignorar<br />
a questão do fazer informativo que está na base de seu modo de existência<br />
e que mobiliza,de início, um fazer-crer, que coloca em jogo a adesão<br />
214
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ou não do enunciatário, fundado em um fazer cognitivo recíproco de base<br />
contratual. O que está em jogo nessa relação não é, fundamentalmente, um<br />
dizer verdadeiro, mas um fazer-parecer-verdadeiro, fundado na construção<br />
de efeitos de sentido. (SILVA, 2011, p.91)<br />
Em nível isotópico, pode-se destacar a recorrência de alguns elementos<br />
figurativos, em ambas as revistas, tais quais: o predomínio das cores verde-<br />
-amarela e o capacete de obras, apontando para a produção do texto como<br />
um todo e de seus sentidos. Ou seja, há uma organização convergente nesses<br />
dois textos cujas estratégias discursivas produzem determinados efeitos<br />
de sentido semelhantes.<br />
[...] a inteligência sensível da experiência visual sente o que lhe é mostrado<br />
e, às vezes, é até mesmo levada a vivê-lo. Esses modos de sentir já vão<br />
edificando a significação, o que justifica o interesse da semiótica, não pela<br />
percepção, mas pela participação desta na construção do sentido. (OLI-<br />
VEIRA, 2005, p.113)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, é um mega-evento<br />
que vai dar grande visibilidade ao país. Os estádios, palcos desse espetáculo<br />
esportivo mundial, são os ícones das futuras performances que ali serão<br />
encenadas para sancionar este país em nível das suas competências admi-<br />
215
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
nistrativas, turísticas e sócio-econômicas. Em virtude disso, a cobrança das<br />
duas grandes revistas semanais brasileiras é pertinente porque traz à tona<br />
questões muito importantes do contexto nacional atual.<br />
Em se tratando de sermos o ‘país do futebol’, faz-se mister apontar essas<br />
mazelas para que se discuta, em âmbito nacional, o atraso das obras e<br />
a possível tomada de posição dos responsáveis em adiantá-las e dar boas<br />
satisfações ao povo brasileiro.<br />
A competência para um sujeito manipular o outro sujeito corresponde<br />
a um fazer desse primeiro para que o outro queira, ou seja, um querer<br />
fazer que é tomado pelo fazer fazer. Mas, para que um sujeito queira fazer<br />
algo e chegue a realizá-lo, é necessário que o destinador atue como<br />
manipulador, de modo que o faça crer ou saber das vantagens daquele<br />
fazer, que acredita e quer que o outro também o faça. Assim, opera-se<br />
com uma intenção de convencimento. (LANDOWSKI, 2005, apud CO-<br />
TRIM, 2011, p.3)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
As revistas, portanto, utilizam-se do regime de manipulação imagética,<br />
a fim de atrair a atenção dos destinatários para a situação. Espera-se que a<br />
modalidade do querer-fazer se concretize no campo governamental para o<br />
encaminhamento mais ágil das obras dos estádios em todo o país.<br />
216
VEJA: a copa do mundo em 2038<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Os textos visuais se constituem também um todo significativo. Então,<br />
a produção de sentido pressupõe uma construção discursiva pautada em<br />
elementos figurativos que vão determinar as unidades de sentido deste<br />
texto sincrético.<br />
Um universo de discurso deve ser visto como processo de produção ou como<br />
uma microssemiótica,enquanto os textos-enunciados são vistos como produto,<br />
resultante do percurso gerativo da enunciação, isto é, como resultado<br />
do fazer persuasivo de um sujeito enunciador e do fazer interpretativo de<br />
um sujeito enunciatário. Dessa maneira, evidencia-se que é em discurso<br />
que a subjetividade se constrói no percurso do sentido. (PRADOS,S/D, p.3)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A capa da revista Veja (edição 2218) apresenta, no plano de expressão,<br />
um fundo todo branco, no qual se vê em destaque um capacete de obras<br />
verde com o símbolo da Copa, onde, abaixo, uma luva de obras amarela o<br />
toca com os dedos, e entre os dois objetos, escrito em vermelho (alusão à<br />
cor do PT) o número 2038. Na parte central da capa, à direita, ao lado da<br />
luva, pouco abaixo do número está escrito “por critérios matemáticos, os<br />
estádios da Copa não ficarão prontos a tempo”, com as letras em cor preta<br />
(de um luto anunciado). Na parte inferior à direita da capa, está uma fotografia<br />
do Estádio do Maracanã, o mais importante do país, em obras, com a<br />
217
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
seguinte legenda: “No ritmo atual, o Maracanã seria reaberto com 24 anos<br />
de atraso”, também com letras em cor preta. O nome da revista está em azul,<br />
completando, assim, as cores da bandeira nacional neste conjunto sincrético,<br />
com exceção da cor vermelha do número alusiva ao PT, e à cor preta das<br />
legendas. Na cabeça da capa, há chamada para mais três reportagens com<br />
duas fotografias, compondo o visual regular da revista semanal.<br />
Figura 1 - Edição 2218, 25/5/2011<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Sabe-se que a revista Veja tem sido constantemente severa com os governos<br />
petistas, desde que sua ‘lula-de-mel’ (8/1/2003, edição 1784) acabou<br />
em 10/9/2003, com a edição 1819, “Brasilha da Fantasia”. A maioria<br />
das suas capas aponta para uma contextualização de críticas e cobranças.<br />
218
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 2 - 10/09/2003 Figura 3 - 13/07/2005 Figura 4 - 20/07/2005<br />
Figura 5 - 25/11/2009 Figura 6 - 10/3/2010 Figura 7 - 17/4/2013<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Consequentemente, a capa em análise não se furta a também manter a mesma<br />
pauta editorial das críticas e cobranças ao governo federal das suas ações<br />
219
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
administrativas. E, quando se fala em Copa do Mundo, fala-se de um assunto<br />
nacional, sem fronteiras de nenhuma natureza. A pouco mais de 12 meses do<br />
evento, a revista faz uma panorâmica da situação das obras em todos os estádios<br />
do país e conclui que o atraso inviabilizará a realização da Copa do Mundo.<br />
Nilton Hernandes assim define a revista Veja (2001, p.8):<br />
No jargão da imprensa, os leitores da revista estão na categoria dos “formadores<br />
de opinião”. É gente que, no trabalho, em casa, na escola ou no bar,<br />
influencia outros brasileiros com sua visão de mundo. A maneira como Veja<br />
expõe a realidade é, desse modo, reproduzida muito além dos limites de seus<br />
próprios leitores.Os valores que Veja defende e transmite são os capitalistas,<br />
neoliberais,apresentados pela revista por meio do eufemismo de “livre iniciativa”.<br />
Trata-se do grande filtro que impõe o que entra ou não na publicação.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Para reforçar seu discurso na grande reportagem (p.88-96), a capa utiliza<br />
figuras que remetem às obras, como o capacete, com o símbolo da Copa na<br />
sua parte da frente, e a luva que os operários usam. Os dois em verde-amarelo,<br />
mais do que as cores principais da bandeira nacional, representam o anseio<br />
do país em sediar evento tão significativo para nosso caráter identitário, onde<br />
o futebol se integra à vida cotidiana. A revista procura ratificar isso com a imagem<br />
do Maracanã, considerado o maior estádio do mundo. Símbolo da grandeza<br />
futebolística brasileira, espaço destinado a grandes momentos esporti-<br />
220
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
vos. O número 2038 em vermelho, a cor do PT, é onde se aponta efetivamente<br />
a crítica ao governo federal, pois o número se sobressai entre o capacete e a<br />
luva, em um indício claro de quem é a culpa desta situação. E é a única cor que<br />
não consta do conjunto de cores da bandeira nacional.<br />
Ao incorporar valores positivos ou negativos às cores, é possível transferir<br />
tais valores a determinada informação, fato, pessoa ou entidade (partidária,<br />
empresarial, social etc.) identificada com essas cores (GUIMARÃES, 2006, p.2).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
No plano de conteúdo, a capa tenta corroborar seu conjunto figurativo<br />
com frases contundentes em tom alarmista, que conjugam com a imagem<br />
do Maracanã a possibilidade de as obras só estarem concluídas em um futuro<br />
muito distante. O sistema de valores aqui enfatizado traz a oposição<br />
semântica realização (das obras) vs não-realização (das obras), firmada em<br />
atraso vs entrega, lentidão vs celeridade. Toda a crítica desta capa se ampara<br />
nesse plano de leitura do texto. A capa é uma unidade de sentido em que<br />
tanto a linguagem visual quanto a verbal interagem para evidenciar um fato<br />
nacional, aliando o visual figurativo cromático ao fotográfico.<br />
Com isso, a capa mostra um poder-saber que incita ao poder-fazer, de<br />
modo a incutir uma competência para agir. A composição das imagens<br />
(capacete, luvas, Maracanã) e das cores ativa dimensões perceptivas que<br />
conclamam governo e povo-leitor. Esse enfoque midiático reitera esses<br />
221
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
elementos, a fim de confrontá-los com o próprio desejo do leitor-torcedor.<br />
A construção do sentido se opera, então, na manipulação do sensível contido<br />
nesse conjunto figurativo.<br />
ÉPOCA: por que tudo atrasa no Brasil<br />
As discussões sobre os estádios brasileiros da Copa do Mundo têm chamado<br />
a atenção de todo o país. Faltando um pouco mais de doze meses para<br />
a Copa, o que se percebe é uma desconfiança quanto ao cumprimento dos<br />
prazos finais de construção de alguns estádios, desconfiança que já existia<br />
no ano de 2011 (como se vê na capa da Veja) e que consolidou ainda mais<br />
no ano de 2013 (capa da ÉPOCA).<br />
Figura 8 - Edição 781, 13/05/2013<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
222
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Silva (2010, p 169) nos lembra que as “as capas de revistas constituem,<br />
por excelência, construções discursivas feitas para serem vistas”. A partir dessa<br />
afirmação, observamos que a capa da ÉPOCA traz como figura destaque<br />
uma tartaruga que carrega em seu casco um capacete de obras. A imagem<br />
por si só fala muito. A referência à tartaruga lembra o pressuposto de que<br />
ela é um animal de passos curtos e lentos. É muito comum a alusão de que<br />
ela representa vagarosidade e lentidão. Já o capacete é um dos símbolos<br />
principais da construção civil, adereço que acompanha engenheiros e operários<br />
durante edificações de obras. Neste contexto, podemos afirmar que<br />
ele simboliza a construção dos estádios da Copa do Mundo. Sendo assim a<br />
tartaruga (símbolo de lentidão) carrega em seu casco as obras dos estádios<br />
brasileiros. Há uma metaforização que evidencia a lentidão da construção<br />
dos estádios e, portanto, descumprimento de prazos. A partir da leitura semiótica<br />
das imagens tem-se estabelecidas as relações: atrasos vs cumprimento<br />
de prazos e lentidão vs agilidade.<br />
Há uma reciprocidade entre a figura da tartaruga e o capacete. Essa relação<br />
é consolidada mais ainda a partir da leitura do título “Por que tudo atrasa<br />
no Brasil” e do subtítulo “O país que em nenhuma obra – da reforma do<br />
banheiro aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”. Nesta<br />
expectativa, situa-se um contrato de comunhão entre a imagem, o título<br />
e o subtítulo, ou seja, entre o discurso visual e o verbal. Juntos eles transmi-<br />
223
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tem e consolidam um discurso de insatisfação quanto à política de atrasos<br />
no cumprimento de obras no Brasil. Os estádios da Copa do Mundo são os<br />
exemplos do momento – podemos dizer, mais atuais –; mas essa política de<br />
atrasos prevalece em outras situações como bem lembra (satiriza) o subtítulo,<br />
utilizando os termos “tudo” “nenhuma obra” e “reforma do banheiro”.<br />
Por isso, apontamos que na relação sincrética entre visual e verbal têm-se<br />
a construção de um enunciador que se aproxima do enunciatário (leitor),<br />
ganhando sua adesão não apenas pelo que diz, mas pelo modo como diz e<br />
como metaforiza (uso da tartaruga) esse discurso.<br />
Essa harmonia entre as imagens e os textos faz surgir o que Teixeira<br />
(2009, p. 59) chama de uma nova substância, que no caso não é só verbal,<br />
nem somente visual, mas “uma substância que integra os elementos verbais<br />
e visuais numa forma resultante tanto do apagamento quanto a superposição<br />
das qualidades próprias da cada linguagem mobilizada”.<br />
Ainda dentro deste contexto, outro ponto de análise é a posição da figura<br />
principal (tartaruga) na conjuntura da capa, suas patas traseiras não<br />
demonstram movimento, estão em situação de inércia e “sua barriga” (parte<br />
de baixo do animal) está encostada no chão, o que comprova a sensação de<br />
não-movimento, ou seja, sua posição demonstra estagnação. Essa posição<br />
corrobora com o pensamento de que as obras no Brasil “não andam”, muitas<br />
vezes, estão estagnadas, o que pressupõe atrasos nos prazos. Assim, a<br />
224
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
presença da tartaruga e sua posição de inércia na capa “fecham” o percurso<br />
narrativo: a tartaruga com sua inerente lentidão “carrega” obras brasileiras,<br />
que “não andam”, permanecem inertes e atrasadas.<br />
No nível discursivo da capa em análise, nota-se a formatação de um discurso<br />
crítico que permeia uma insatisfação quanto aos atrasos, um descontentamento<br />
generalizado (que vai além das obras dos estádios da Copa do Mundo).<br />
Ao mencionar no texto verbal (título) a expressão “o país” nota-se que esse descontentamento<br />
se relaciona a quem governa o Brasil. O sincretismo da capa da<br />
ÉPOCA evidencia um discurso desfavorável a esses atrasos, ironizando que os<br />
mesmos acontecem e se repetem sempre e em várias circunstâncias.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Cumprindo o papel de manipulador, o enunciador persuade o enunciatário<br />
a crer na verdade do seu discurso, direcionando a sua interpretação. Ao<br />
mesmo tempo, porém, submete-se ao enunciatário, subordinando suas escolhas<br />
à representação que dele é construída no texto. As relações que se<br />
estabelecem entre essas duas instâncias da enunciação tornam-se possíveis<br />
através da instauração de um contrato de veridicção, determinado por um<br />
conjunto de referências contextuais e situacionais necessariamente inscritas<br />
no discurso (GOMES; MANCINI, 2009, p. 7).<br />
As cores são formas importantes de representação em um discurso<br />
identitário. O verde e o amarelo são simbólicos quando se remete ao<br />
Brasil, pois são as cores mais emblemáticas da bandeira. Então, a capa da<br />
225
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ÉPOCA traz como cores principais o verde, amarelo, azul e branco. O verde<br />
permeia toda a capa, assim como é na bandeira brasileira, seu uso contrasta<br />
com a figura da tartaruga que se localiza na parte inferior da capa, e<br />
também com o título e subtítulo.<br />
O amarelo está presente no capacete e nas letras da palavra ÉPOCA. Vale<br />
lembrar que a marca identitária da ÉPOCA possui as cores vermelho e preto.<br />
Essa mudança (troca) de cores na marca nessa capa tem como objetivo chamar<br />
a atenção do leitor, de mostrar que a ÉPOCA está junto ao povo brasileiro,<br />
que “veste” as cores verde e amarelo para denunciar a insatisfação no<br />
descumprimento das obras da Copa.<br />
A cor branca foi utilizada no título e subtítulo e o azul no globo que faz a<br />
letra “O” do nome da revista. Essa composição cromática e topológica reforça<br />
o apelo da revista em apreender os sentidos do leitor, através dos símbolos<br />
da pátria para convergir ao fato em questão – as obras da Copa – que se<br />
refere a um assunto muito caro à “pátria de chuteiras”. A utilização das cores<br />
da bandeira brasileira na capa provoca a identificação do leitor com valores<br />
que fazem parte de seu dia a dia.<br />
A capa da ÉPOCA sinaliza uma construção sincrética que valoriza a articulação<br />
entre figuras comuns a realidade do povo brasileiro, como a tartaruga,<br />
o capacete e as cores da bandeira.<br />
226
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Considerações finais<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Faltando um pouco mais de um ano para o início dos jogos, já aconteceu<br />
a entrega do estádio Arena Fonte Nova, em Salvador, do Mineirão, em Belo<br />
Horizonte, do Castelão, em Fortaleza, do Maracanã, no Rio, do Mané Garrincha,<br />
em Brasília, e do Arena Pernambuco, em Recife. Há outros seis com<br />
as obras atrasadas. Segundo o ministro dos Esportes, Aldo Rabelo, estes<br />
serão entregues até dezembro deste ano: “Nós temos, nos estádios, um cronograma<br />
seguro de entrega antecipada da infraestrutura fundamental para<br />
a Copa de 2014” (PORTAL2014, 2013).<br />
A entrega desses seis estádios, em 2013, foi uma exigência para a realização<br />
da Copa das Confederações, que ocorre a cada 4 anos, um ano antes da<br />
Copa do Mundo, cujos participantes são os seis campeões continentais mais<br />
o país-sede e o campeão mundial, perfazendo um total de oito países. A 9ª<br />
edição do evento será realizado de 15 a 30 de junho, nas cidades em que os<br />
estádios estão prontos.<br />
De uma certa forma, a cobrança da imprensa brasileira apontada nas<br />
duas revistas analisadas confirma o clima de expectativa negativa, já que a<br />
entrega dos estádios ocorreu praticamente às vésperas da Copa das Confederações.<br />
O Maracanã, no Rio, o ícone dos estádios brasileiros, por exemplo,<br />
está inacabado: “Moderno, mas ainda inacabado, o novo Maracanã esconde<br />
227
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
problemas em reabertura às pressas” (MSNESPORTES, 2013); “Maracanã reabre<br />
com luz, emoção e pequenos problemas estruturais” (GLOBOESPORTE,<br />
2013). E a insatisfação se estende aos outros: “Estádios da Copa das Confederações<br />
são entregues encarecidos e com problemas” (GAZETA DO POVO,<br />
2013); “Governador da Bahia minimiza problemas na Fonte Nova e critica<br />
Engenhão” (UOL, 2013); “Em visita, Fifa e Col tentam corrigir problemas do<br />
Mineirão” (TERRA, 2013).<br />
Esses textos visuais, como objeto de significação, mostram uma situação<br />
que se tornou preocupação nacional. É uma pauta constante do noticiário<br />
no país. Os efeitos de sentido produzidos nessas capas das revistas analisadas<br />
explicitam os valores discursivos propostos que estarão contidos no bojo<br />
da matéria central, sem que a ela tenha sido preciso recorrer. Ao contrário, os<br />
conjuntos figurativos das capas, por si só, constituem as condições de produção<br />
de sentido do texto como um todo. Segundo Farias (2005, p.250), “a<br />
figurativização é um procedimento que, em seu grau máximo, atribui traços<br />
sensoriais ao texto, ou seja, é um recurso que confere concretude ao texto”.<br />
O estatuto semiótico se opera, então, no sincretismo observado nas capas<br />
das revistas semanais em questão, estabelecendo a relação semi-simbólica<br />
entre os textos que confirma a semelhança discursiva entras elas.<br />
228
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
COTRIM, Luciana R Meia. Maratona das Pontes de São Paulo e a narrativa dos heróis paulistanos<br />
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FARIAS, Iara Rosa. Charge: humor e crítica. In: LOPES, I.C./HERNANDES, N. (orgs.). Semiótica<br />
– objetos e práticas. São Paulo: Contexto, 2005.<br />
GAZETA DO POVO. Estádios da Copa das Confederações são entregues encarecidos e com<br />
problemas. Disponível em: . Acesso em: 22 mai. 2013.<br />
GOMES, Regina Souza. O sincretismo no jornal. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de; TEIXEIRA,<br />
Lúcia (Orgs.). Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética.<br />
São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.<br />
GLOBO ESPORTE. Maracanã reabre com luz, emoção e pequenos problemas estruturais.<br />
28/4/2013. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2013.<br />
GUIMARÃES, Luciano. O repertório dinâmico das cores na mídia. XV Encontro da Compós.<br />
Bauru/SP: Unesp, 2006.<br />
HERNANDES, Nilton. A revista Veja e o discurso do emprego na globalização. Disserta-<br />
229
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ção de Mestrado. São Paulo: PPGL-FFLCH/USP, 2001.<br />
LANDOWSKI, E. Les interactions risquées. Nouveaux Actes Sémiotiques, n° 101-103, Limoges:<br />
Pulim, 2005.<br />
MSN ESPORTES. Moderno, mas ainda inacabado, novo Maracanã esconde problemas em<br />
reabertura às pressas. 28/4/2013. Disponível em: .<br />
Acesso em: 12 mai. 2013.<br />
OLIVEIRA, Ana C. M. A. Visualidade, entre significação sensível e inteligível. Revista Educação<br />
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.<br />
Acesso em: 10 out. 2012.<br />
PIETROFORTE, Antonio V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto,<br />
2004.<br />
PORTAL 2014. Estádios da Copa 2014 têm mais de 50% das obras prontas, diz ministro.<br />
11/4/2013. Disponível em:< http://www.portal2014.org.br/noticias/11585/ESTADIOS+-<br />
DA+ COPA+2014+TEM+MAIS+DE+50+DAS+OBRAS+PRONTAS+DIZ+MINISTRO.<br />
html>. Acesso em: 20 mai. 2013.<br />
PRADOS, Rosália M. N. Linguagens na contemporaneidade e diferentes leituras: abordagem<br />
sociossemiótica. Disponível em: , S/D. Acesso em: 10 de out. de 2012.<br />
SILVA, Simone B. Regimes de sentido e interação na construção do corpo na mídia se-<br />
230
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
manal. São Paulo: Estudos Semióticos-USP, v.7, n 1, jun 2011.<br />
SILVA, Simone B. Sincretismo e efeitos de sentido na construção do sujeito na mídia impressa:<br />
análise da capa da revista ÉPOCA. Patos de Minas: Revista Alpha, ago. 2010.<br />
TEIXEIRA, Lúcia. Para uma metodologia de análise de textos verbovisuais. In: OLIVEIRA,<br />
Ana Claudia de; TEIXEIRA, Lúcia (Orgs.). Linguagens na comunicação: São Paulo: Estação<br />
das Letras e Cores, 2009.<br />
TERRA. Em visita, Fifa e Col tentam corrigir problemas do Mineirão. 12/3/2013. Disponível<br />
em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-das-confederacoes/em-visita-fifa-e-<br />
-col-tentam-corrigir-problemas-do-mineirao,dc88616be2f5d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html.<br />
Acesso em: 12 de maio de 2013.<br />
UOL. Governador da Bahia minimiza problemas na Fonte Nova e critica Engenhão. 7/4/2013.<br />
Disponível em: .<br />
Acesso<br />
em: 12 mai. 2013.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
231
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA:<br />
CIBERATIVISMO E LUTA ATRAVÉS DA REDE<br />
Lucas Milhomens Fonseca 1<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Resumo<br />
O presente trabalho visa analisar um fenômeno relativamente recente na maior porção<br />
de terra do Brasil: o ciberativismo praticado na Amazônia. Ou seja, como se deu/<br />
da a apropriação e uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTI-<br />
Cs) - também chamadas de mídias digitais -, por moradores/entidades/movimentos<br />
sociais desta continental, complexa e vasta área. Para tanto delimitamos nosso estudo<br />
em análise qualitativa de exemplos que consideramos importantes expressões de<br />
militância (seja ela política, social, educacional, cultural ou ecológica) feita através da<br />
rede mundial de computadores. Verificamos que o ciberativismo na Amazônia, como<br />
todo ato de militância, é resultado de uma insatisfação ou necessidade de expressão<br />
individual ou coletiva, com o intuito de dar visibilidade de algum tipo de causa. É o<br />
que Castells (2001) chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização social<br />
plasmada por interesses comuns, muitas vezes relacionados a tradições culturais<br />
e/ou étnicas e que por sua vez promovem resistência à dominação do Establishment<br />
e de sua visão democrática tradicional.<br />
Palavras-Chave: Movimentos Sociais. Amazônia. Ciberativismo.<br />
1 Professor Assistente e Coordenador do Curso de Comunicação (Jornalismo) da Universidade Federal do Amazonas<br />
- UFAM. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.<br />
Endereço eletrônico: milhomenslucas@yahoo.com.br<br />
232
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Introdução<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Morar na Amazônia há quase três anos nos dá algumas oportunidades e<br />
uma perspectiva singular. ‘Oportunidades’ porque atuando no meio acadêmico<br />
podemos analisar questões que em outros espaços (geográficos e políticos)<br />
seriam consideravelmente difíceis. E uma ‘perspectiva singular’ porque<br />
a partir deste ponto de vista – ao qual nos encontramos e nos propomos<br />
a estudar – podemos observar fenômenos específicos da Região, muitos<br />
deles desafiadores do ponto de vista conceitual, prático e exequível. Conceitual<br />
porque a escassez de conteúdo produzido sobre as mídias digitais<br />
na Amazônia e sua utilização aponta um longo caminho analítico a percorrer;<br />
prático porque tal fenômeno, a partir de nossos apontamentos, acaba<br />
materializando-se em ações e exemplos concretos que carecem de ampla<br />
aferição; e exequível porque pesquisar na Amazônia é tarefa homérica, haja<br />
vista sua singularidade sociocultural, dimensões continentais e contradições<br />
políticas, técnicas e econômicas.<br />
Dito isto, a presente pesquisa visa abordar um fenômeno contemporâneo<br />
intrinsecamente ligado ao que Castells (1999) chama de “Sociedade da Informação”,<br />
configurado no bojo da utilização das Tecnologias de Informação e<br />
Comunicação (TICs) para a prática social, econômica, cultural e política das<br />
sociedades do início do século XXI. Nosso objetivo geral com esse artigo é<br />
233
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
apontar tal fenômeno caracterizado como ciberativismo. O ativismo/militância<br />
feita através da internet e de seus recursos comunicacionais e de articulação<br />
disponíveis. Na sequência, nosso objetivo específico foi apresentar a prática<br />
ciberativista na Amazônia. Enumerando alguns de seus atores e exemplos que<br />
consideramos neste momento mais expressivos. Metodologicamente fizemos<br />
uma revisão bibliográfica do arcabouço teórico produzido sobre o ativismo<br />
digital e posteriormente uma breve apresentação conceitual sobre o que é<br />
Amazônia e sua diversidade. Foram realizadas entrevistas para a obtenção<br />
de informações sobre a prática do ciberativismo as quais foram analisadas a<br />
partir das referências já mencionadas. Cabe-nos dizer ainda que este artigo<br />
não é uma reflexão acabada, pronta e engessada. Mas o primeiro passo feito<br />
por nós para uma compreensão da temática abordada. Reconhecemos, desse<br />
modo, suas limitações iniciais e trabalharemos no intuito de superá-las.<br />
Amazônia, um continente de recursos naturais e humanos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A Amazônia brasileira é uma Região que cobre cerca de 50% do território<br />
nacional, com aproximadamente 5.217.423 km², percorre nove estados<br />
brasileiros, em sua maioria localizados na Região Norte do Brasil, tendo em<br />
menor proporção trechos no Nordeste e Centro-Oeste. Também é conheci-<br />
234
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
da como Amazônia Legal 2 dentro do País. É apontada por inúmeros especialistas<br />
de várias áreas do conhecimento científico como a floresta tropical<br />
úmida onde se encontra a maior fonte de biodiversidade (fauna, flora, águas<br />
e minerais) do planeta Terra. Um gigantesco e complexo ecossistema 3 , por<br />
consequência uma das regiões mais importantes do mundo no que se refere<br />
a seus recursos naturais e singularidades etnico-culturais. É neste espaço<br />
geográfico que se encontra a maior quantidade de vegetação, água doce,<br />
minérios e seres vivos por metro quadrado, diz-se que uma em cada dez espécies<br />
conhecidas no planeta pertence à Amazônia 4 .<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
2 O termo “Amazônia Legal” foi definido a partir da criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia<br />
(Sudam), em 1966.<br />
3 Conjunto das relações de interdependência, reguladas por condições físicas, químicas e biológicas, que os seres<br />
vivos estabelecem entre si e também com o meio ambiente em que habitam. Disponível em: . Acesso em 08 de agosto de 2012.<br />
4 Disponível em: . Acesso em: 08 de agosto de 2012.<br />
235
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 01 – Amazônia Legal<br />
Fonte: <br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É também nesta Região que está localizado o maior rio do mundo, o Rio<br />
Amazonas. Um “Rio-mar” que nasce na Cordilheira dos Andes e deságua no<br />
Oceano Atlântico entre os estados do Amapá e Pará – neste último atravessando<br />
o arquipélago do Marajó para desaguar no mar –, formado por uma<br />
bacia hidrográfica de aproximadamente 7 milhões de metros quadrados e<br />
com mais de 6.600 km de extensão, são centenas de rios menores, riachos,<br />
lagoas, igarapés 5 etc. A ênfase dada neste momento ao “Grande Rio” está di-<br />
5 “Igara”, significa “canoa”; “pé”, significa “caminho”. Portanto, Igarapé significa “caminho da canoa” ou seja, um pe-<br />
236
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
retamente relacionada ao modo de vida das populações da Amazônia, simbioticamente<br />
conectada ao rio. É o que o autor regionalista Leandro Tocantins<br />
(2001) denomina em sua clássica obra o “Rio que Comanda a Vida”:<br />
O rio unido ao homem, em associação quase mística, o que pode comportar<br />
a transposição da máxima de Heródoto para os condados amazônicos,<br />
onde a vida chega a ser, até certo ponto, uma dádiva do rio, e a água uma<br />
espécie de fiador dos destinos humanos. Veias do sangue da planície, caminho<br />
natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinante<br />
das temperaturas e dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louvados,<br />
amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso, pois sem ele o<br />
vale se estiolaria no vazio inexpressivo dos desertos. Esses oásis fabulosos<br />
tornaram possível a conquista da terra e asseguraram a presença humana,<br />
embelezaram a paisagem, fazem girar a civilização - comandam a vida no<br />
anfiteatro amazônico. (TOCANTINS, 2001, p.278)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os rios na Amazônia são as “estradas aquáticas” que transportam as riquezas<br />
da Região. Riquezas estas que perpassam a geografia física e humana<br />
da floresta e seus moradores. São nos leitos desses rios que escorrem em<br />
embarcações pequenas, grandes, precárias, antigas ou modernas as histórias<br />
de luta de vários povos. Dos politizados indígenas do Alto Rio Negro na<br />
queno rio, um riacho por onde passa somente canoas. Disponível em: .<br />
Acesso em: 08 de ago. de 2012.<br />
237
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Cabeça do Cachorro 6 , navegando pela imensidão do caudaloso e barrento<br />
Rio Madeira ao Sul do Amazonas, passando, mais ao Centro-Oeste, pelas inigualáveis<br />
paisagens do Rio Tocantins e Araguaia até chegar as belas praias<br />
de águas verdes do Rio Tapajós que, em contato com o gigantismo cor de<br />
terra do Rio Amazonas ajuda-o a precipitar, ao final de seu curso e em sua<br />
foz, a erupção doce oceânica chamada de Pororoca 7 .<br />
Povos da floresta<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Como mencionamos anteriormente não é possível dizer que a Amazônia<br />
é um espaço sociocultural homogêneo. Sua diversidade ambiental acaba, de<br />
certo modo, encobrindo a grande pluralidade de seus moradores. Diversidade<br />
esta expressa nas centenas de etnias indígenas (e milenares) distribuídas<br />
ao longo de seu território, na presença de brasileiros de outras regiões que<br />
imigraram para o imenso tapete verde em busca de melhores condições de<br />
vida e subsistência, com especial deferência aos nordestinos, principalmente<br />
os nascidos no estado do Ceará 8 , na formação sociocultural do personagem<br />
6 Região ao Norte do Estado do Amazonas que tem um formato geográfico da cabeça de um cachorro, por isso seu<br />
nome.<br />
7 Pororoca é o fenômeno provocado na foz do Rio Amazonas quando o mesmo se encontra com o Oceano Atlântico.<br />
8 A presença dos os cearenses na formação sociocultural da Amazônia é destacada por sua numerosa e importante<br />
contribuição nos processos migratórios gerados a partir dos dois grandes ciclos de produção da borracha na Região.<br />
238
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
conhecido na região como “caboclo” - a mistura primeira do branco com<br />
o índio e que hoje é encontrado nas faces anônimos das populações das<br />
grandes e pequenas cidades –, e, ao longo do século XX, uma considerável<br />
presença de outras nacionalidades como japoneses, árabes e judeus. É importante<br />
ressaltar que este processo de colonização foi provocado, como<br />
explica Freitas (2009) por inúmeros projetos estatais e privados aplicados ao<br />
longo do último século na Amazônia. Estes, para o bem e para o mal, moldaram<br />
a formação humana e econômica da Região.<br />
As populações contemporâneas da Amazônia são compostas de grupos<br />
sociais urbanos e rurais heterogêneos do ponto de vista da situação econômica;<br />
de sociedades e comunidades indígenas de distintos e diversos<br />
modos de adaptação e articulação histórico-cultural; de grupos isolados<br />
remanescentes de fricção interétnicas e de arranjos próprios de sobrevivência<br />
com a sociedade nacional; e, ainda, de grupos e contingentes populacionais<br />
deslocados para a região por mecanismos governamentais ou<br />
promovidas por fluxos de exploração econômica ou reajustes institucionais<br />
na Amazônia (FREITAS, 2009, p.23-24)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Um exemplo de projeto governamental mal sucedido foi o Plano de Integração<br />
Nacional (PIN) 9 gestado pelo Governo Militar nos anos 70 do sécu-<br />
9 Disponível em: . Acesso em 10 de<br />
agosto de 2012.<br />
239
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
lo passado para levar “homens sem terra para uma terra sem homens” 10 na<br />
Amazônia brasileira. O referido plano além de incentivar um nacionalismo de<br />
cunho ufanista, popularizou a rodovia Transamazônica, pensada como forma<br />
de integrar a região longínqua das florestas com o restante do Brasil e que ao<br />
longo de sua construção mostrou-se inviável não somente pelas dificuldades<br />
infraestruturais para sua conclusão mas, sobretudo, porque a mesma além de<br />
ser construída no meio da floresta (portanto, derrubando milhares de quilômetros<br />
de vegetação primária) tinha previsão de passagem em quase 30 comunidades<br />
indígenas, muitas delas com pouquíssimo (ou nenhum) contato<br />
com o homem branco. Um desenvolvimentismo militar que gerou como herança<br />
para os dias atuais, várias cidades da Região com grandes comunidades<br />
de imigrantes do Sul do País, principalmente do Paraná e Rio Grande de Sul,<br />
populações estas incentivadas à época a deixarem seu estado para “povoar a<br />
Amazônia” e, findo o plano governamental, assentarem raízes na nova terra.<br />
Como podemos verificar são vários os “povos da floresta”, de origens<br />
e culturas diversas. No decorrer de nossa pesquisa fizemos a seguinte indagação<br />
teórica para posteriores reflexões: é possível que moradores de<br />
grandes metrópoles localizadas na Amazônia possam ser considerados<br />
‘povos da floresta’ A pergunta dá-se ao fato de que somente as duas capitais<br />
mais populosas da região (Manaus e Belém) possuem, juntas, quase<br />
10 Slogan do Plano de Integração Nacional que visava incentivar o povoamento da Amazônia.<br />
240
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
4 milhões de habitantes 11 . Pensando geográfica e logicamente, após a floresta<br />
de concreto há, sem dúvida, a vegetação amazônica, e no caso das<br />
duas cidades citadas, as características da região perpassam e delimitam<br />
toda a lógica estrutural da cidade.<br />
É a gastronomia riquíssima e suas especiarias alquímicas presentes nas<br />
inúmeras feiras de produtores e em redes de supermercados conhecidos<br />
nacional e internacionalmente, a estrutura física da hidrografia representada<br />
pelos pequenos rios, cachoeiras e igarapés que definem aonde foi ou será<br />
construído o conjunto de prédios, ruas e/ou a avenidas, o bosque e a vegetação<br />
que fazem parte da paisagem habitual do transeunte, os rios gigantes<br />
que margeiam e escoam a economia e a cultura da cidade e, claro, a fauna<br />
que volta e meia entra em contato com o cidadão e a urbanidade da metrópole,<br />
muitas vezes de maneira abrupta 12 . Mas somente estes aspectos não<br />
são suficientes para classificar um povo como o “da floresta”. Avaliamos que<br />
para que esse conceito seja melhor explicado é necessária uma relação dos<br />
moradores das grandes cidades da Amazônia (de pelo menos parte deste<br />
contingente) com os aspectos culturais, sociais e políticos da região. Para<br />
tanto uma das primeiras personalidades a usar a expressão ‘Povos da Floresta’<br />
foi o líder político Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988<br />
11 Disponível em: . Acesso em 10 de agosto de 20012.<br />
12 Referimo-nos neste caso as centenas de milhares de animais silvestres que acabam entrando em contato com a cidade.<br />
241
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
por lutar pelo direito dos seringueiros extrativistas contra os interesses de<br />
fazendeiros/latifundiários na cidade de Xapuri, estado do Acre.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Quando liderou o Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, a luta dos<br />
seringueiros começou a ganhar repercussão nacional e internacional. Sua<br />
proposta de “União dos Povos da Floresta”, apresentada na ocasião, pretendia<br />
unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica.<br />
Seu projeto incluía a criação de reservas extrativistas para preservar as<br />
áreas indígenas e a floresta, e a garantia de reforma agrária para beneficiar<br />
os seringueiros. Transformado em símbolo da luta para defender a Amazônia<br />
e os povos da floresta, Chico Mendes recebeu a visita de membros da<br />
Unep (órgão do meio ambiente ligado à “ Organização das Nações Unidas”),<br />
em Xapuri, em 1987. Lá, os inspetores viram a devastação da floresta<br />
e a expulsão dos seringueiros, tudo feito com dinheiro de projetos financiados<br />
por bancos internacionais. Logo em seguida, o ambientalista e líder<br />
sindical foi convidado a fazer essas denúncias no Congresso norte-americano.<br />
O resultado dessa viagem a Washington foi imediato: em um mês,<br />
os financiamentos aos projetos de destruição da floresta foram suspensos.<br />
Chico foi acusado na imprensa por fazendeiros e políticos de prejudicar o<br />
“progresso do Estado do Acre” [...] (Portal UOL. Disponível em: ).<br />
Hoje Chico Mendes inspira vários ativistas da floresta (e fora dela), sua luta<br />
é um símbolo de resistência e compromisso social com as populações tradicio-<br />
242
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
nais e indígenas. Luta essa que se materializa nas centenas de movimentos sociais<br />
que atuam na Amazônia no sentido de transformá-la em um espaço mais<br />
democrático, dando voz e visibilidade a essas populações, outrora e hoje ainda<br />
marginalizadas, que permanecem resistindo e lutando por seus direitos. Foi a<br />
voz dele uma das primeiras a ecoarem falando da necessidade de se trabalhar<br />
no seio da floresta, ao mesmo tempo usufruindo de suas benesses e preservando<br />
seus recursos naturais, protagonizando uma postura de resistência ao que<br />
Paula e Silva (2008) chamam de luta contra o avanço capitalista na Amazônia.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O conjunto de políticas implementadas pela ditadura militar no sentido de<br />
“integrar” a Amazônia ao “desenvolvimento” do pais, mormente aquelas<br />
voltadas para implementação de grandes projetos na área de mineração<br />
e siderurgia, pecuária extensiva de corte, exploração florestal madeireira e<br />
toda implantação de infraestrutura a eles associados, como energia, transporte<br />
e comunicação, produziu, em pouco mais de uma década, impactos<br />
brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral. Na<br />
esteira dessa marcha destrutiva rumo a Amazônia, vão se reconfigurando<br />
as inúmeras formas de resistência que marcam a trajetória das populações<br />
dessa região desde a chegada do colonizador europeu em fins do século<br />
XVI. Diante de uma monumental escala de intervenção territorial que atinge<br />
simultaneamente populações indígenas e camponesas diversas, estas<br />
passam a buscar formas de enfrentamento correspondentes as necessidades<br />
de sobrevivência. A percepção endógena dessa situação acaba se confluindo,<br />
ainda que provisoriamente, com os influxos externos de diferentes<br />
243
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
sujeitos e atores sociais que passam a se fazer presentes para “organizar” as<br />
diferentes lutas de resistência (PAULA; SILVA, 2008, p. 4).<br />
Estes mesmos autores afirmam que a presença de vários movimentos sociais<br />
na região e a do próprio Chico Mendes foi gestada por uma série de<br />
iniciativas governamentais que ao invés de melhorar a qualidade de vida dos<br />
moradores da região, sufocava e oprimia, fazendo com que os mesmos procurassem<br />
formas de resistir e lutar por seus direitos.<br />
Da cabanagem ao digital – Os desafios estruturais do ciberativismo na amazônia<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A Amazônia como já refletimos anteriormente é terra de imensas riquezas<br />
naturais e diversidade humana e cultural. A região, deixada de lado pelas<br />
autoridades nacionais durante séculos foi palco de inúmeros episódios que<br />
marcaram a história brasileira. Um desses “episódios” históricos ficou conhecido<br />
como “Cabanagem”, termo singular e ainda condizente com a realidade<br />
muitas vezes antagônica vivida pelos povos da floresta. A expressão que faz<br />
alusão as cabanas, palhoças ou moradias precárias das populações pobres da<br />
antiga Província do Grão-Pará 13 , diz respeito a uma das revoltas populares mais<br />
importantes do Brasil, liderada por mestiços, negros e indígenas nos idos de<br />
13 A Província do Grão-Pará foi a maior unidade das antigas regiões do Brasil Império. Compreendia à época quase<br />
a totalidade da Amazônia brasileira, passando pelos estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Acre.<br />
244
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
1835. Os quais governaram por pelos menos 10 meses (em oposição a opressão<br />
do Império Brasileiro) a referida Província, colocando como protagonistas<br />
revolucionários os párias da Amazônia exótica e esquecida pelas autoridades<br />
da época. Para Ricci (2006) a Cabanagem foi uma revolta política e social que<br />
reverberou em todo o País, fazendo com que as autoridades imperiais tomassem<br />
as medidas necessárias (e violentas) para conter a revolta que desafiava<br />
o status quo e toda a relação de poder exercida pelo Império Brasileiro para<br />
com os seus subordinados, deixando sua herança para a antologia dos povos<br />
oprimidos que de alguma maneira ousam resistir e lutar.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os cabanos e suas lideranças vislumbravam outras perspectivas políticas e<br />
sociais [...] Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identidade<br />
comum entre povos de etnias e culturas diferentes. Indígenas, negros<br />
de origem africana e mestiços perceberam lutas e problemas em comum.<br />
Esta identidade se assentava no ódio ao mandonismo branco e português e<br />
na luta por direitos e liberdades […] Caio Prado Júnior, de maneira precursora,<br />
atribuía aos cabanos da Amazônia do século XIX a prerrogativa de terem<br />
sido os únicos revolucionários populares e partidários de ideais libertários<br />
que conseguiram tomar o poder […] Os cabanos tornaram-se exemplos de<br />
rebeldes primitivos. (RICCI, 2006, p.8-9).<br />
Fazendo alusão direta ao movimento cabano revolucionário e transplantando-o<br />
para os dias de hoje, o objeto central desta pesquisa (ainda em sua<br />
245
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
fase inicial) é compreender, como alguns movimentos sociais, pessoas e organizações<br />
na Amazônia praticam a militância digital ou o ciberativismo, apresentando<br />
suas peculiaridades e desafios. Para tanto o conceito de ciberativismo<br />
deve ser revisitado e exposto, caracterizando-se, como aponta Milhomens<br />
(2009) na utilização de tecnologias digitais ou de informação e comunicação<br />
(TICs) para a mobilização e enfrentamento político, social e/ou cultural.<br />
O ciberativismo surgiu após a popularização da Internet através da Web, no<br />
início dos anos 90 do século XX […] A rapidez, articulação e velocidade que<br />
as informações levam para chegar a todo o planeta despertou a atenção e<br />
interesse de inúmeros setores da sociedade, incluindo aí os militantes dos<br />
vários campos de atuação. Estes mesmos setores começaram a fazer uso<br />
dessa nova tecnologia comunicacional e, enfim, criaram o termo ciberativismo.<br />
Ou seja, a militância exercida através das tecnologias digitais e da<br />
Internet, presentes no mundo ciberespacial (MILHOMENS, 2009, p. 65)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Quando falamos em militância digital na Amazônia o contexto político<br />
e infraestrutural não pode ser igualado ao de outras localidades brasileiras.<br />
Referimo-nos, antes de qualquer exemplo de atuação militante, as tardias e<br />
ineficientes políticas de inclusão digital para a Região. Oferecidas (ou não)<br />
pelo Estado e pelas empresas privadas de telecomunicações. É um raciocínio<br />
simples e sintomático que diz respeito não só aos ativistas amazônicos, mas<br />
246
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
a todos os que precisam utilizar os serviços da rede mundial de computadores<br />
(ou seja, a maioria da população): a “banda larga” 14 ainda não chegou de<br />
fato para a maioria da Amazônia.<br />
Sabemos que para a utilização das TICs e de uma navegação que possa ser<br />
considerada eficiente (fazer downloads, uploads, assistir vídeos online, compartilhar<br />
arquivos etc.) é necessário que a mesma seja em alta velocidade. E<br />
para que se tenha essa velocidade de conexão “rápida” é necessário uma infraestrutura<br />
telecomunicacional considerável. Historicamente o Norte do país é a<br />
região que menos possui cobertura de telecomunicações, leia-se serviços de<br />
telefonia fixa, celular, fibra óptica e acesso a internet. A deficiência deve-se ao<br />
fato da ideia de alto custo tecnológico de investimentos para a consolidação<br />
do setor na região. Argumento este apresentado, sobretudo, pelas empresas<br />
privadas de telecomunicações que atuam na Amazônia com a autorização do<br />
Governo Federal e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).<br />
Estudos recentes mostram que o público interessado no acesso à internet<br />
na Amazônia é cada vez maior, seja ele através de conexão gratuita (via<br />
projetos públicos de inclusão digital) ou de pacotes pagos de serviços via<br />
empresas privadas. Segundo Santanna (2010) em artigo publicado no rela-<br />
14 A terminologia pode ter várias interpretações, adotamos a que diz que é a conexão à internet que possui velocidade<br />
superior à de 56 kbps (kilo/mil bit’s por segundo). Disponível em: . Acesso em: 14 de agosto de 2012.<br />
247
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
tório do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIBR) 15 , com a ascensão e o<br />
aumento do poder aquisitivo da população considerada de “Classe C”, a demanda<br />
por conexão aumentou, mas a oferta da ampliação e popularização<br />
da banda larga, não. Fazendo com que a penetração da internet seja a pior<br />
do Brasil com apenas 8% de abrangência em relação a seus moradores.<br />
O mercado ignorou a entrada de cerca de 30 milhões de pessoas na Classe<br />
C, o que ampliou ainda mais a demanda por conexão e expôs a dificuldade<br />
das atuais operadoras em inovar seu modelo de negócios […] Nos estados da<br />
região Norte, a situação é ainda pior: a penetração cai para 8%. O percentual<br />
de conectividade de estados como Amapá, Pará e Roraima corresponde a<br />
4,18%, 5,99% e 5,28%, respectivamente (SANTANNA, 2010, p.57-58).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tendo em vista a parca presença de políticas públicas do setor (não só<br />
no Norte, mas em todo o país), o Governo Federal lançou em 2010 o Plano<br />
Nacional de Banda Larga (PNBL) 16 , visando levar internet de alta velocidade<br />
a 40 milhões de domicílios em todo o Brasil até 2014. Tal medida, colocada<br />
em prática e efetivada, seria a solução para os problemas infraestruturais relacionados<br />
as telecomunicações na Amazônia.<br />
Ao analisar o PNBL e verificar seu cronograma de ações, verificamos que o<br />
15 Disponível em: . Acesso em 14 de agosto de 2012.<br />
16 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />
248
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
mesmo dificilmente conseguirá cumprir sua meta de universalizar a internet no<br />
Brasil até 2014. Avaliamos que ela é inverossímil se comparada com a realidade<br />
e execução do PNBL atualmente. Por conta da insegurança e possibilidade<br />
do não cumprimento do referido Plano, tendo em vista a necessidade cada vez<br />
maior da utilização dos recursos advindos de um sistema de telecomunicações<br />
eficiente na região, vários setores (da sociedade civil e institucionais) se manifestaram<br />
incomodados com a situação da internet na região Norte e Amazônia.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A desigualdade do acesso à internet entre as regiões brasileiras, especialmente<br />
quando se compara a Região Norte com as demais, levou a senadora<br />
Ângela Portela (PT-RR) a solicitar a realização de uma audiência pública na<br />
manhã desta quarta-feira (21/03/12) na Comissão de Ciência e Tecnologia<br />
(CCT). Segundo a parlamentar, a região Amazônia vive hoje uma situação de<br />
“pura exclusão digital” [...] O secretário executivo do Ministério das Comunicações,<br />
Cezar Alvarez, admitiu que a região amazônica tinha ficado de fora<br />
do projeto inicial do PNBL, mas a pressão da sociedade provocou mudanças<br />
na plataforma [...] A senadora disse que reconhecia o esforço do Ministério<br />
em tentar levar internet para região, mas cobrou a criação de mecanismos<br />
que obriguem as operadoras a cumprir metas mais audaciosas [..] o maior<br />
entrave na efetivação do PNBL no Norte é a falta de infraestrutura. A mesma<br />
ideia foi compartilhada pelo presidente da Telebras, Caio Bonilha, que ressaltou<br />
a dificuldade de adequar os preços das obras empreendidas nos lugares<br />
mais longevos da região amazônica (PTNOSENADO, 2012).<br />
249
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Só na segunda metade dos anos 2000 é que podemos enumerar as primeiras<br />
iniciativas de utilização da banda larga (que diga-se de passagem,<br />
com velocidade consideravelmente inferior ao restante do Brasil) na Amazônia.<br />
De acordo com dados do IBGE, até 2008 somente 20% da população da<br />
Região Norte tinha internet banda larga. Isso traz consequências para todo<br />
o tipo de inserção em redes sociais, sites, blogs etc., principalmente no que<br />
diz respeito à frequência de participação das pessoas dentro dessas redes.<br />
Segundo Malini (2009) essa conjuntura interferiu diretamente na relação dos<br />
moradores da região Norte com a produção e desenvolvimento de conteúdo<br />
na rede mundial de computadores.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
No que se refere aos blogs, a periodicidade dos posts depende diretamente<br />
da possibilidade de acesso das pessoas à internet […] A utilização do blog<br />
como instrumento de comunicação é recente na região norte do país, cerca<br />
de 87(%) dos blogs pesquisados datam sua primeira postagem do período<br />
de 2007 a 2009. Esses dados são indicadores de características típicas dessa<br />
região, como o atraso tecnológico em relação às demais regiões brasileiras,<br />
a deficiência em infraestrutura e a falta de investimentos em políticas públicas,<br />
principalmente as voltadas para a inclusão digital. Como resultado de<br />
tal problemática temos a aquisição tardia do uso do blog como dispositivo<br />
de comunicação nessa região e o acesso limitado a pequenos grupos sociais<br />
[…] o Amapá apresenta aspectos que apontam claramente as deficiências<br />
existentes nesta região. Em suas principais cidades, Macapá e Santana,<br />
250
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
o serviço de internet carece de recursos tecnológicos mais avançados, a<br />
utilização da banda larga é recente, sendo o estado uma das últimas localidades<br />
no país a dispor desse serviço. Como forma de crítica a essa situação,<br />
alguns blogueiros fazem uso dos termos “cipónet” e “intermerda” quando<br />
se referem ao nível dos provedores de internet existentes na região (MAR-<br />
TINS; POMPERMAIER; LOYOLA; MARTINUZZO; MALINI, 2009, p.6-7-10).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tal anacronismo inviabilizou/inviabiliza grande parte da participação<br />
mais efetiva da sociedade amazônica junto as novas mídias digitais e, por<br />
conseguinte, na militância exercida através do ciberespaço. Os atores que<br />
mencionaremos ao longo deste trabalho, por exemplo, começaram sua militância<br />
digital no final da primeira década dos anos 2000. Ou seja, cronologia<br />
condizente com os problemas infraestruturais já apontados. Paradoxalmente<br />
apesar dos problemas mencionados e da ausência de políticas públicas<br />
para se ampliar e utilizar a rede mundial de computadores, os movimentos<br />
sociais ou ativistas da Amazônia que fazem uso das TICs para defender suas<br />
causas vêm crescendo. Verificamos que as lutas travadas pelo ciberativismo<br />
praticado na região ou, como afirma Moraes (2007, p.01) “trata-se de conceber<br />
a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia,<br />
de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança<br />
cultural ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras”.<br />
Todo ato de ativismo social/digital é resultado de uma insatisfação ou<br />
251
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
necessidade de expressão individual ou coletiva, com o intuito de dar visibilidade<br />
a uma “causa”, que pode ser desde uma crítica relacionada a um<br />
caso de corrupção, denúncia ambiental, expressão étnica ou sociocultural.<br />
Em uma época que o discurso político-institucional – seja ele nacional ou<br />
internacional – aponta diretrizes sobre a Amazônia e como os povos desta<br />
região devem viver, vozes endógenas, oriundas da floresta têm outros<br />
pontos de vista. Pontos de vista esses que vão desde a luta pela preservação<br />
do meio ambiente e seus recursos naturais, passando pela defesa e<br />
resistência dos indígenas e povos tradicionais que lutam para sobreviver<br />
sem a perca de seus valores e culturas, dos direitos humanos em todos os<br />
seus níveis (do direito a vida, alimentação, saúde, educação etc.), contra<br />
a corrupção política, pela luta contra as corporações e governos e seus<br />
“grandes projetos” para a Amazônia e até mesmo pela implantação de uma<br />
política de cultura e softwares livres em contrapartida as grandes empresas<br />
de tecnologia e sua padronização comercial.<br />
Ponderamos que um dos motivos principais que movem esses diferentes<br />
atores e coletivos militantes está relacionado, também, ao que Castells (1999)<br />
chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização social moderna<br />
plasmada por interesses comuns, segmentados, muitas vezes relacionados<br />
a tradições identitária, culturais e/ou étnicas e que por sua vez promovem<br />
resistência à dominação do Establishment ou, também, de fortalecimento e<br />
252
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
radicalização do mesmo. Podemos afirmar que a atuação ciberativista na<br />
Amazônia está promovendo um novo tipo de integração e exposição na e<br />
da região. Onde temas outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional<br />
podem ser publicizados através dos novos meios digitais de comunicação e<br />
seus atores, em uma perspectiva identitária, ao mesmo tempo local e global,<br />
mas, sobretudo, articuladora. É o que veremos no tópico seguinte.<br />
A construção da identidade no ciberativismo dos povos da floresta<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Um dos fenômenos recentes ao término do século XX e começo de século<br />
XXI, a partir da exposição de (novas) bandeiras de antigos e recentes<br />
atores (re)significados por uma perspectiva de empoderamento cultural/<br />
midiático está relacionado ao que Castells (1999) chama de “Identidade”.<br />
No segundo volume da trilogia “A Era da Informação” 17 o sociólogo aborda<br />
com riqueza de detalhes, exemplos e reflexões a exata importância da questão<br />
da identidade para o fortalecimento e visibilidade de uma determinada<br />
cultura/povo/etnia/comunidade/movimento social. Uma visibilidade não<br />
compreendida se analisada apenas por si mesma, pelo mero princípio de<br />
uma “factualidade”, ou seja, para ser pauta e aparecer midiaticamente. O<br />
fenômeno ao qual se refere Castells (1999, p.22) e já abordado por outros<br />
17 Conjunto das obras A Sociedade em Rede, O Poder da Identidade e O Fim do Milênio.<br />
253
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
intelectuais trata de um “processo de construção de significado com base<br />
em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-<br />
-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado”.<br />
Tal reflexão remete-nos ao apontamento de que a construção e fortalecimento<br />
das identidades coletivas é matéria-prima para uma posterior visibilidade<br />
e exaltação dessas identidades, cultivando seus valores em uma sociedade<br />
heterogênea e segmentada. Por exemplo, a medida que uma etnia indígena<br />
como os Tukano 18 do Alto Rio Negro criam associações organizativas para<br />
discutir cultural e politicamente suas diretrizes e comercializar seus produtos<br />
artesanais, fazendo uso das novas tecnologias digitais (como sites e blogs)<br />
para divulgar suas ações e, também, suas pautas reivindicativas, temos aí um<br />
importante elemento de fortalecimento identitário. Uma (re) significação de<br />
seus valores no sentido de fortalecê-los em uma decodificação alinhada ao<br />
que o já mencionado Castells (Idem) chama de Sociedade em Rede.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Identidades, por sua vez, constituem fontes de significados para os próprios<br />
atores, por eles originadas, e construídas por meio de um processo de individualização<br />
[…] Contudo, identidades são fontes mais importantes de significado<br />
do que papéis, por causa do processo de autoconstrução e individualização<br />
[..]A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida<br />
pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela<br />
18 Os Tukano são uma das etnias indígenas mais importantes da região conhecida como Alto Rio Negro, no estado<br />
do Amazonas.<br />
254
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações<br />
de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos<br />
indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em<br />
função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura<br />
social, bem como em sua visão de tempo/espaço (CASTELLS, 1999, p.23).<br />
Neste contexto apontamos que o ciberativismo praticado pelos povos<br />
da floresta ou da Amazônia têm como importante elemento o resgate (ou<br />
ações de resistência) de seus valores culturais e/ou políticos. Essas ações<br />
constituem-se e materializam-se no conceito ao qual Castells (1999, p.24)<br />
faz referência como “Identidade de Resistência”. Qual seja a forma e os mecanismos<br />
pelos quais os atores que de alguma forma estão oprimidos ou<br />
desvalorizados encontram para redefinir sua posição na sociedade. Para o<br />
autor a identidade de resistência refere-se aquela,<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas<br />
e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras<br />
de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes<br />
dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes<br />
últimos […] É provável que seja esse o tipo mais importante de construção<br />
de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de resistência<br />
coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável, em<br />
geral com base em identidades que, aparentemente, foram definidas com<br />
255
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
clareza pela história, geografia ou biologia, facilitando assim a “essencialização”<br />
dos limites da resistência (CASTELLS, 1999, p.24-25).<br />
Um exemplo da argumentação anterior é a Rede Povos da Floresta. Um<br />
movimento social originário do estado do Acre que reúne comunidades tradicionais<br />
e indígenas, articulando-as em prol da preservação de suas culturas,<br />
do meio ambiente e de seus territórios. Promovendo a mobilização e<br />
divulgação de suas ações com a ajuda das TICs e da rede mundial de computadores,<br />
fundamental para a propagação de seus ideais.<br />
Figura 02 – Rede Povos da Floresta<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: <br />
256
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Esta rede, uma das primeiras a se organizarem na região amazônica em<br />
prol de interesses comuns relacionados a suas tradições e cultura se inspiraram<br />
no processo organizativo pensado inicialmente por Chico Mendes e<br />
seus contemporâneos do estado do Acre no início dos anos 80 do século XX.<br />
No item “Quem Somos” no portal do referido movimento social encontramos<br />
a seguinte explicação para sua formação e atuação na Amazônia.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A Rede Povos da Floresta é um movimento social que reúne comunidades<br />
tradicionais e indígenas, unidas por um mesmo ideal de preservação do ambiente,<br />
de suas culturas tradicionais e de seus territórios originais. A Rede<br />
foi criada em 2003 como uma revitalização da Aliança dos Povos da Floresta<br />
- mobilização feita por índios e seringueiros liderada por Chico Mendes e<br />
Ailton Krenak, que durante a década de 90 fez as mudanças que resultaram<br />
na criação das reservas extrativistas e na correção das políticas do Banco<br />
Mundial para o financiamento de grandes projetos de impacto socioambiental<br />
nas regiões de florestas tropicais em todo o mundo.Tem como objetivo a<br />
preservação do ambiente e o que nele está inserido: a fauna, a flora, os recursos<br />
naturais e culturais e o morador tradicional. Assim como o registro da<br />
memória por meio das TIC’s - Tecnologias da Informação e da Comunicação<br />
(REDEPOVOSDAFLORESTA, Disponível em: ).<br />
257
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Atores e coletivos digitais na amazônia - Exemplos e diversidade<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A proposta deste tópico é apresentar um mosaico de exemplos relacionados<br />
ao ciberativismo praticado na Amazônia. Como veremos este ativismo é<br />
exercido por atores sociais individuais ou coletivos, militantes estes de causas<br />
as mais variadas, mas todas com o fio condutor relacionado a Amazônia. Os<br />
quais utilizam a internet como ferramenta principal de comunicação e articulação.<br />
Destes, procuramos evidenciar as características teóricas elencadas por<br />
nós ao longo deste artigo, reproduzindo e refletindo alguns dos argumentos<br />
que justificam a prática militante através da rede mundial de computadores<br />
na região. Como exemplos a serem citados escolhemos, além da Rede Povos<br />
da Floresta e sua resistência ciberativista identitária mencionada nos parágrafos<br />
anteriores, o Blog Lingua Ferina 19 , do militante social residente em<br />
Santarém (PA) Cândido Cunha, o qual é responsável por um diário de notícias<br />
virtual, repleto de matérias e artigos referentes a denúncias sociais, políticas<br />
e econômicas, temas esses em sua maioria relacionados à Amazônia e defendidos<br />
com ênfase por seu idealizador; O Movimento Nacional do Atingidos<br />
por Barragens (MAB) 20 pela ênfase de sua atuação em rede na região Norte e<br />
Amazônia ampliando seu discurso ideológico através da internet;<br />
19 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />
20 Disponível em: . Acesso em 24 de agosto de 2012.<br />
258
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O blogueiro acreano Altino Machado 21 , jornalista que através de seu trabalho<br />
e militância com a informação tornou-se uma das maiores referências sobre<br />
política na região. E, por último, um dos profissionais de comunicação mais respeitados<br />
no Brasil no que se refere aos assuntos relacionados à Amazônia, principalmente<br />
ao impacto e participação das multinacionais e seus grandes projetos<br />
na maior floresta tropical do planeta, Lúcio Flávio Pinto e o seu Jornal Pessoal 22 .<br />
Para começarmos a apresentação destes exemplos ciberativistas, deslocamo-<br />
-nos à Santarém, uma das cidades mais importantes do estado do Pará e onde<br />
o funcionário público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária<br />
(Incra) Cândido Cunha radicou-se em 2006. Idealizador do Blog Língua Ferina,<br />
Cândido conta que até a data de sua mudança para Santarém, pouco ou quase<br />
nada conhecia sobre a região. Em entrevista concedida para esta pesquisa, o<br />
militante explica que seu desconhecimento sobre a Amazônia logo o motivou<br />
a saber cada vez mais sobre a região e, também, se posicionar em momentos<br />
importantes.“Vim parar no meio da Amazônia, no “olho do furacão”.<br />
Por ter atuado na militância estudantil e pela reforma agrária [...] já tinha certa<br />
visão de que lado ficar em determinadas situações de conflito”. Com temáticas<br />
provocativas principalmente relacionadas aos governos (sejam eles municipal,<br />
estadual ou federal) o blogueiro está construindo um número considerável<br />
21 Disponível em: . Acesso em 20 de agosto de 2012.<br />
22 Disponível em: . Acesso em 28 de março de 2012.<br />
259
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
de internautas assíduos em seu blog. Os quais sempre voltam para consultar e<br />
acessar suas notícias. Cândido conta que a ideia de criar um blog surgiu em dezembro<br />
de 2007 em um contexto difícil, ele havia sido destacado em uma força<br />
tarefa do Incra para trabalhar nos municípios de Altamira e Anapu, região do<br />
Pará com várias denúncias de corrupção por parte da direção do Instituto e que<br />
também foi palco do assassinato da missionária Dorothy Stang 23 .<br />
É importante destacar que o estado o Pará desde sua formação foi palco de<br />
vários conflitos que vitimaram centenas de milhares de trabalhadores anônimos e<br />
lideranças políticas do meio rural e urbano. Lembramos, para fins de registro, que<br />
foi neste mesmo estado que aconteceu o Massacre de Eldorado do Carajás 24 , um<br />
dos conflitos pela reforma agrária mais importantes da história recente do país.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Em Altamira, num final de semana e preocupado com o poderia me acontecer<br />
ou acontecer com outros colegas, resolvi colocar na internet um conjunto<br />
de matéria que havia sido produzido até então na grande mídia sobre tudo<br />
isso, focando mais as denúncias do que a nossa situação. Ou seja, o blog seria<br />
um lugar onde estaria contado toda esta história e por aí acabaria [] Somente<br />
muitos meses depois, quando o blog já tinha objetivos mais ambiciosos e<br />
já tinha uma dinâmica é que pensei em dar o nome Lingua Ferina [] Desde<br />
23 Religiosa norte-americana assassinada em Anapu no Pará por defender projetos sustentáveis em assentamentos<br />
rurais. Seu assassinato causou grande repercussão na mídia internacional.<br />
24 Foi o assassinato de 19 sem terras no município de Eldorado do Carajás (PA) em 1996 feito por policiais militares. Várias<br />
testemunhas afirmam que o número de mortos é bem maior que o que foi registrado. Disponível em: . Acesso em 24 de agosto de 2012.<br />
260
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
então, o blog se ampliou bastante tanto em temáticas como em acessos, que<br />
hoje é em média de 1.000 por dia, mas já chegou 10.000 em um único dia.<br />
Sinto que há um público leitor mais fiel, há aqueles que chegam no blog pelos<br />
sítios de busca e redes sociais em busca de assuntos específicos e há aqueles<br />
que são leitores mais sazonais. Hoje, o blog busca trazer informações de algumas<br />
temáticas, algumas mais ligadas à esta realidade pouco conhecida da<br />
Amazônia e outras que se conectam com a luta mais geral dos trabalhadores<br />
no Brasil e no resto do mundo (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).<br />
Figura 04 – Blog Lingua Ferina<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: <br />
261
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Com relação a importância da internet na Amazônia, Cândido deixa claro<br />
que apesar de suas limitações ela representa um “divisor de águas” no que<br />
tange a comunicação e a produção de contrainformação sobre a região. Para<br />
nosso entrevistado sua contribuição reside no ato de desmistificar conceitos<br />
enraizados e o exotismo que paira sobre as visões exógenas sobre os povos<br />
da floresta e suas culturas e lutas. Onde a mesma, segundo o blogueiro, é<br />
considerada por muitos como um “espaço vazio a ser dominado”.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
As visões de “paraíso,” “inferno”, “vazio” e “espaço a ser dominado” foram<br />
construídos ao longo dos séculos e interessou e interessa muito a todos<br />
que enxergam esta região do ponto de vista mais pragmático, no pior sentido<br />
da palavra: a Amazônia como região que está aí para ser dominada, a<br />
receber aqueles de “espirito empreendedor”. Assim, esse desconhecimento<br />
serve a interesses antagônicos aos trabalhadores e povos originários da<br />
região [] A internet é só mais uma ferramenta neste processo, com uma<br />
diferencial importante que é possibilidade de produção de informações<br />
por fora dos meios oficiais ou dos meios que servem a esta dominação,<br />
a chamada contrainformação. Possibilita também reunir e divulgar informações<br />
que estão dispersas, muitas vezes desconectadas e dar outras<br />
versões para além das versões oficiais e da grande imprensa.Mas mesmo<br />
nos meios tidos como alternativos há muita desinformação, o que exige<br />
de quem escreve sobre esta região, a partir da própria região, um esforço<br />
constante de formação e reflexão. Assim, mostrar “outras Amazônias” não<br />
é tarefa das mais fáceis pelo gigantismo, os preconceitos e o peso das in-<br />
262
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
formações oficiais. Mas a internet mesmo com suas limitações possibilita<br />
isso (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
É importante destacar que a prática ciberativista pode estar presente nos<br />
jornalistas ou comunicadores que atuam na internet, no jornalismo digital,<br />
mas não necessariamente todos os jornalistas que atuam neste campo são<br />
ativistas. Não é o fato de fazer uso das ferramentas digitais de comunicação<br />
que tornam seus usuários ciberativistas, mas o uso “engajado” e sistemático<br />
destes recursos ciberespaciais.<br />
Outro exemplo de militância pela rede que destacamos é o Movimento<br />
dos Atingidos por Barragens (MAB), um movimento social gerado a partir<br />
da luta de populações tradicionais afetadas por grandes empreendimentos<br />
hidrelétricos. Mesmo sendo um movimento nacional com penetração em<br />
todo o país, o MAB tem atuação sistemática na Amazônia. Não coincidentemente<br />
é nesta região que encontram-se a maior quantidade de barragens<br />
e, por consequência, o maior número de populações tradicionais atingidas.<br />
O MAB pode ser considerado um movimento com práticas ciberativistas<br />
porque sua luta, além do enfrentamento direto com as grandes obras hidroelétricas<br />
e seus mentores governamentais e privados, é articulada em rede e<br />
faz, frequentemente, uso das tecnologias de informação e comunicação. Tais<br />
recursos podem ser vistos em seu site na internet (http://www.mabnacional.<br />
263
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
org.br), onde estão disponíveis artigos, livros digitalizados, fotos e vídeos<br />
produzidos por seus militantes para serem difundidos em todos os espaços<br />
possíveis. O MAB produziu, por exemplo, uma série de vídeos – disponíveis<br />
no YouTube – que foram apresentados na Cúpula dos Povos 25 , um deles denunciando<br />
a construção de barragens na Amazônia.<br />
Figura 05 – Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens – MAB<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: http://www.mabnacional.org.br/<br />
25 Evento que aconteceu em 2012 na cidade do Rio de Janeiro paralelo a Rio + 20. Onde se discutiu as temáticas<br />
relacionadas ao meio ambiente pela ótica dos movimentos sociais.<br />
264
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Um capítulo a parte nesta reflexão sobre as articulações feitas na rede mundial<br />
de computadores pelos movimentos sociais contrários a política energética<br />
brasileira relacionada a construção de barragens, é o caso simbólico da<br />
Usina Hidroelétrica de Belo Monte no Pará 26 . A respectiva construção é fato<br />
polêmico há pelo menos três décadas e nos últimos anos tem tencionado os<br />
movimentos sociais contra o Governo Federal para que o mesmo não concretize<br />
sua construção. Os ativistas argumentam que se as obras forem realizadas<br />
a destruição do meio ambiente será irreversível, extinguindo uma parte preciosa<br />
daquele ecossistema (fauna, flora e rios), além de expulsar de seus territórios<br />
uma série de etnias indígenas e populações tradicionais que habitam<br />
a região há séculos. Nesta disputa ideológica e de perspectivas, não faltam<br />
argumentos feitos por militantes, estudiosos e interessados sobre a questão,<br />
estes disponíveis em sua maioria na internet, fazendo jus ao tema que é considerado<br />
um dos mais polêmicos da Amazônia.<br />
Por ser a maior fonte de recursos naturais e biodiversidade do planeta, a<br />
Amazônia atrai aventureiros das mais variadas origens e estirpes. São milhares<br />
de pessoas anônimas que vieram e vêm para a região ainda hoje com o<br />
intuito de encontrar o “Eldorado” perdido. Foi assim com os ciclos da borracha<br />
que tornaram Manaus no início do século XIX uma das cidades mais<br />
importantes da América Latina. Riqueza construída pelas mãos de nordes-<br />
26 Disponível em: . Acesso em 24 de<br />
agosto de 2012.<br />
265
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
tinos residentes nos interiores da floresta que extraiam a maior riqueza da<br />
época: a borracha usada na indústria e nas guerras do mundo. Também foi<br />
assim com os garimpeiros de Serra Pelada, mineradores advindos de todo o<br />
país, trabalhando em condições totalmente improvisadas no Sul do Pará, na<br />
busca incessante de seus quilos de ouro e prosperidade.<br />
Mas o que mais impressiona na história recente da exploração amazônica<br />
são os grandes projetos pensados para a região. Projetos estes arquitetados<br />
pelos governos anteriores e atuais com essencial presença das grandes multinacionais<br />
do campo da mineração e produção de energia. Estas, de grande<br />
impacto econômico, social e principalmente ambiental. Uma das grandes<br />
autoridades jornalísticas - talvez a maior - sobre a Amazônia chama-se Lúcio<br />
Flávio Pinto. Jornalista atuante desde os anos 60, criou há mais de 20 anos o<br />
Jornal Pessoal, uma publicação quinzenal impressa que possui um site e sua<br />
versão em formato digital. O destaque aqui não está para os recursos técnico<br />
digitais utilizados por Lúcio Flávio, mas para a densidade e repercussão de<br />
suas reportagens e artigos.<br />
A dimensão que o conteúdo produzido por ele sobre a Amazônia toma<br />
ultrapassa as fronteiras do Pará e repercute em todo o Brasil. Essa repercussão<br />
só é possível pelo advento da rede mundial de computadores e suas<br />
ferramentas de propagação da informação. Além de jornalista Lúcio Flávio<br />
se considera um “militante da notícia”, ou seja, um ativista que produz in-<br />
266
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
formação qualificada sobre a Amazônia. Colunista cativo do Observatório<br />
da Imprensa, do Portal Yahoo! dentre outros sites, suas reflexões - sempre<br />
sobre a Amazônia - já foram subsídio para inúmeros trabalhos acadêmicos<br />
em várias universidades pelo país. A abordagem sobre os grandes projetos<br />
desenvolvidos na região tornaram Lúcio Flávio Pinto persona non grata para<br />
o alto escalão de multinacionais como a Vale (antiga Vale do Rio Doce).<br />
Alguns de seus trabalhos demoram meses e até anos para serem concluídos,<br />
examinando minunciosamente relatórios, arquivos e projetos, consultando<br />
fontes importantes e exclusivas (relação esta construída ao longo<br />
de décadas de trabalho nos rincões, rios e estradas da região). Apesar de o<br />
jornalista manifestar publicamente que seu trabalho só tem validade porque<br />
o Jornal Pessoal ainda é feito em formato impresso (OBSERVATÓRIO, 2011)<br />
é na internet que sua produção reverbera, se amplifica e polemiza questões<br />
centrais da região.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Na avaliação do jornalista, os leitores do Jornal Pessoal percebem que as<br />
análises e reflexões ali veiculadas não são encontradas em outros jornais e<br />
proporcionam subsídios para a compreensão de problemas estruturais da<br />
região amazônica. “A visão de fora da Amazônia é muito exótica. As pessoas<br />
estão dispostas a aceitar a Amazônia do rio enorme, com a vastidão das florestas.<br />
Mas não conseguem entender a Amazônia como tendo há cinquenta<br />
quilômetros de onde estamos a oitava maior fábrica de alumínio do mundo”,<br />
explicou o jornalista. Convivem na região polos de tecnologia de ponta e<br />
267
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
áreas com graves problemas sociais e econômicos. “É difícil ter uma ideia da<br />
realidade da Amazônia por conta desses paradoxos. E a grande imprensa, e<br />
mesmo o cidadão comum fora da Amazônia, não consegue perceber estes<br />
contrastes.” O jornalista contou que acha necessário manter um acompanhamento<br />
contínuo das questões da Amazônia, e por isso optou por voltar a<br />
morar no Norte do país. Mas destacou que é importante não perder a perspectiva<br />
da inserção da floresta no contexto internacional. “Você não explica a<br />
Amazônia só estando aqui”, destacou (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2011).<br />
Figura 06 – Site Jornal Pessoal<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: http://www.lucioflaviopinto.com.br<br />
268
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
As redes sociais são um importante espaço para vinculação das matérias<br />
do Jornal Pessoal, estas funcionam, segundo Milhomens (2009) como<br />
uma memória da arena da esfera pública interconectada, fazendo com que<br />
os temas sobre a Amazônia permaneçam registrados no ciberespaço muito<br />
tempo depois dos mesmos terem sido publicados em sua versão impressa.<br />
Dessa forma temáticas como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e<br />
a polêmica em torno de sua construção; os Trabalhadores Rurais Sem-Terra<br />
atacados por latifundiários no Sul do Pará; os recursos e a destruição do<br />
meio ambiente promovidos pela Vale; os indígenas que se organizam para<br />
resistir na Amazônia; e os desmandos de políticos violentos e corruptos da<br />
região tornam-se ao mesmo tempo pauta e fonte para pesquisas e debates<br />
na rede mundial de computadores. Um outro destaque a ser feito é a<br />
participação do Jornal Pessoal na arena virtual através de seus leitores que<br />
interagem com seu idealizador/jornalista. A repercussão de suas matérias<br />
extrapola o campo virtual, tanto que vários de seus leitores fazem questão<br />
de cumprimentar o jornalista pessoalmente, seja na rua ou em espaços públicos<br />
(OBSERVATÓRIO, 2011).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
269
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 7 – Especial Observatório da Imprensa 2011 sobre Lúcio Flávio Pinto<br />
Fonte:<br />
Considerações finais<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fazendo um retrospecto da proposta deste paper, procuramos apontar<br />
a complexidade da Amazônia em termos humanos, geográficos e culturais.<br />
Em um panorama que apresenta a região de forma didática e histórica, com<br />
ênfase em sua diversidade e formação humana, mostrando a perspectiva da<br />
270
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
pluralidade dos povos que vivem em seu vasto território. Sendo esses povos<br />
os “da floresta” ou o “da cidade”, ambos componentes do caldeirão cultural<br />
amazônico. A propósito do termo “povos da floresta”, apropriamo-nos do<br />
conceito de ativismo originário do seringueiro Chico Mendes, um dos primeiros<br />
líderes amazônicos que pensou a organização política como forma de resistência<br />
utilizando técnicas de repercussão mundial (como denúncias através<br />
da participação de eventos internacionais), isso antes do advento da Web e<br />
suas possibilidades comunicacionais.<br />
Abordamos também o que denominamos de “cabanagem digital”, ou<br />
seja, o ativismo caboclo (termo este que utilizamos livremente aqui para<br />
representar um dos personagens centrais da região), este cada vez mais<br />
usuário das tecnologias de informação e comunicação, as TICs. Tanto para<br />
fazer militância das mais variadas formas e propósitos como para divulgar<br />
suas opiniões a todos que estiverem conectados ao ciberespaço. Elencamos<br />
que um dos principais motivos que impulsionam estes atores amazônicos<br />
está relacionado ao conceito defendido por Castells (1999) de identidade.<br />
Para ser mais exato, de ‘identidade de resistência’, a forma pela qual atores<br />
e coletivos oprimidos e estigmatizados social e economicamente encontram<br />
para resistir e, também, criar novos conceitos sobre si mesmos, o uso da internet<br />
e das redes digitais vêm ao encontro deste processo, consolidando-o<br />
e amplificando-o. Chamamos isso de ciberativismo, e mais especificamente,<br />
271
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
ciberativismo amazônico, por suas peculiaridades originárias da região. Por<br />
fim apontamos alguns exemplos de prática ciberativista na Amazônia, dois<br />
com formação profissional (jornalistas), ou seja, tento sua atuação no ciberespaço<br />
também como meio de vida (Lúcio Flávio Pinto/Jornal Pessoal e Altino<br />
Machado/Seu Blog), um com o viés militante jornalístico dividindo sua<br />
atuação junto a profissão de funcionário público (Cândido Cunha/Lingua<br />
Ferina) e dois movimentos sociais que fazem uso dos recursos ciberativistas<br />
(Rede Povos da Floresta e Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB)<br />
atuantes na divulgação e luta pela preservação do meio ambiente, resistência<br />
cultural de indígenas e povos tradicionais além de ações de visibilidade<br />
política na rede em favor de suas causas.<br />
Podemos afirmar que a atuação ciberativista na Amazônia está promovendo<br />
um novo tipo de (re)integração e exposição. Onde a diversidade dos moradores<br />
da região é abordada em uma perspectiva heterogênea, plural e diversificada.<br />
Diversidade esta construída, registrada e propagada pelos próprios<br />
atores amazônicos, das suas mais variadas formas e estilos, abordando temas<br />
outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional através dos novos meios<br />
digitais de comunicação. Nossa reflexão é que tal processo irá se aprofundar<br />
cada vez mais, principalmente a medida que a infraestrutura telecomunicacional<br />
se aprimora, possibilitando a outros “povos da floresta” acesso a internet<br />
de qualidade e produção de conteúdos originais na rede mundial de compu-<br />
272
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
tadores. É a digitalização das possibilidades, o ciberativismo como forma de<br />
resistência no planeta Amazônia.<br />
Referências<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
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CUNHA, Cândido. Entrevista. Agosto de 2012.<br />
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999.<br />
MENDES, Chico. Educação UOL. Disponível em: .Acesso em: 11 ago. 2012.<br />
DINIZ, Lilian. Lúcio Flávio Pinto e a saga do Jornal Pessoal. Observatório da Imprensa.<br />
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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
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MILHOMENS, Lucas. Entendendo o Ciberativismo Sem Terra na Nova Esfera Pública Interconectada.<br />
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MORAES, Dênis. Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas.<br />
Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. EPTI,<br />
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274
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
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SANTANNA, Rogério. Democracia no acesso vai aprofundar uso de novas aplicações da<br />
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e Comunicação no Brasil. Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2010, p.57-59.<br />
TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a vida. Rio de Janeiro, 2001 A Noite, 2001.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
275
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
O PROSUMER MIDIÁTICO &<br />
A RESSIGNIFICAÇÃO JORNALÍSTICA<br />
Pâmela Bório 1<br />
Olga Tavares 2<br />
Resumo<br />
O novo personagem midiático surge como produtor e consumidor de informação,<br />
participando ativamente na elaboração de conteúdos jornalísticos nas novas mídias e<br />
modificando o cenário comunicacional. O prosumer identifica o perfil do novo comunicador<br />
que, hoje, é participativo, colaborativo e interativo. A sua atuação no telejornalismo<br />
digital anuncia uma tendência que vai vigorar nos novos hábitos informacionais,<br />
principalmente com o advento da TVDI.<br />
Palavras-chave: Prosumer. Comunicação midiática. TVDI.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante<br />
do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: pamela_monique@<br />
hotmail.com<br />
2 Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação<br />
e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Departamento<br />
de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica<br />
– GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. Endereço eletrônico: <strong>olga</strong>tavares@cchla.ufpb.br<br />
276
A cultura do consumidor-produtor<br />
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A dinâmica da progressiva evolução tecnológica trouxe um novo perfil<br />
de consumidor, cada vez mais interessado em produzir e mais focado em<br />
um desempenho pontual e participativo, que lhe permita interagir dentro de<br />
um conjunto de regras coletivas.<br />
O neologismo cunhado por Tofler (2007), para a análise do comportamento<br />
dos indivíduos, situa o prosumer mesmo antes do período anterior ao capitalismo,<br />
quando no sistema agrícola produzia e consumia os próprios produtos.<br />
Atualmente, o termo faz referência aos produtores-consumidores que participam<br />
ativamente na produção de matérias, notícias, informações nas novas<br />
mídias. Esse novo protagonista midiático tem um novo perfil comunicacional<br />
que traz novas configurações aos conteúdos em pauta.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Definem o termo “prosumer” como toda e qualquer atividade de criação<br />
de valor realizada pelos consumidores que terminam resultando na produção<br />
de produtos. Observa-se que, eventualmente, podem ou não consumir,<br />
constituindo suas experiências de consumo. Ainda destacam alguns fatores<br />
que podem, de alguma forma, incrementar a propensão do prosumer, tais<br />
como: avanços tecnológicos, aumento de acesso à internet, entre outros<br />
(BAGOZZI; DHOLAKIA apud XAVIER, 2012, p. 54).<br />
277
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O prosumer está interferindo na comunicação de uma maneira geral e<br />
especialmente no cotidiano do telejornalismo, que é afetado pelas inovações<br />
e produtos como a TVDI. Com a evolução tecnocientífica marcando<br />
presença diária nos meios de comunicação, os profissionais não devem ficar<br />
à mercê dos avanços e mudanças, mas fazer uso e compreender da melhor<br />
forma seus papéis atuais e futuros, tendo consciência da nova atribuição que<br />
os receptores adquirem via rede, pois produzir e consumir informação concomitantemente<br />
é algo .revolucionário. Práticas televisivas atuais poderão<br />
ser totalmente modificadas com as ações do prosumer, que passa a ser um<br />
participante ativo e produtivo na rede da emissão-recepção. Com o advento<br />
da TVDI, e seu pleno funcionamento, surgirão novas chances de expressividade<br />
do prosumer na mídia televisiva. Têm-se, hoje, como exemplos, o site<br />
YouTube, que é abastecido por muitos vídeos produzidos pelo prosumer. No<br />
portal da Rede Globo, por exemplo, o 8p no Globo.com se utiliza editorialmente<br />
para gerar conteúdo jornalístico. E o portal Terra, com o Você Repórter,<br />
apresenta práticas semelhantes da presença do prosumer.<br />
De acordo com Bender (2003, p.13), “o papel dos consumidores já não é<br />
mais somente consumir. Suas expectativas mudaram. São eles agora parte do<br />
diálogo - estão engajados no tipo de discurso que antes ocorria muito além de<br />
sua esfera de ação”. Portanto, surge o prosumer para agilizar a dinâmica do<br />
consumo e da disseminação dos conteúdos, que passa a acontecer de modo<br />
278
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
colaborativo e participativo, sempre em uma produção coletiva, de modo a expandir<br />
o processo informativo em torno de interesses e motivações coletivas.<br />
Sobre esse cenário colaborativo que está sendo construído por esse novo<br />
produtor, os pesquisadores Primo e Recuero (2003) destacam a construção<br />
coletiva, a partir de espaços interativos, mantidos por produtores, a exemplo<br />
da Wikipédia e dos blogs, em trabalho sobre “hipertexto cooperativo”:<br />
Ou seja, um mesmo texto multissequencial escrito por diversos colaboradores.<br />
A cada intervenção, o texto como um todo se altera. Após cada movimento,<br />
a produção se mostra diferente aos seus autores. Esse processo<br />
coletivo acaba por criar um espaço de debates, mantido através de negociações<br />
entre os participantes. Essa dinâmica ganha movimento a partir das<br />
modificações que constantemente alteram o escrito e, por que não os próprios<br />
autores. Além disso, com a inclusão de novos links, outros caminhos<br />
se abrem, e a própria web se expande (PRIMO; RECUERO, 2003, p. 9).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Tem-se a globalização e a expansão da Internet como dois fatores essenciais<br />
para essas novas configurações de trabalho e relações socioculturais.<br />
Segundo Tarcitano e Guimarães (2004), toda a reestruturação causada pelas<br />
transformações deflagradas pela globalização, tem imposto a adoção de “novas<br />
metodologias de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho,<br />
levando a profundas rupturas no tecido social e a uma crônica insatisfação,<br />
especialmente quanto ao modus operandi das relações no trabalho”. Com isso,<br />
279
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
está havendo uma reorganização na forma de as empresas de comunicação,<br />
por exemplo, valorizarem as novas práticas interativas e contemplarem a participação<br />
desses novos agentes da informação e do conhecimento.<br />
Tecnologias da inteligência são sine qua non tecnologias interativas. Por<br />
isso mesmo elas nublam as fronteiras entre produtores e consumidores,<br />
emissores e receptores. Nas formas literárias, teatro, cinema, televisão e<br />
vídeo há sempre uma linha divisória relativamente clara entre produtores<br />
e receptores, o que já não ocorre nas novas formas de comunicação e de<br />
criação interativas, formas que nos games atingem níveis de clímax. Como<br />
meio bidirecional, dinâmico, que só pode ir se realizando em ato, por meio<br />
do agenciamento do usuário, o game implode radicalmente os tradicionais<br />
papéis de quem produz e de quem recebe. (SANTAELLA, 2009, p. 108).<br />
No contexto midiático, a otimização do potencial informativo passa pela<br />
introdução de dispositivos que facilitem a transformação das experiências<br />
vividas no cotidiano profissional em aprendizagens e trocas satisfatórias.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Televisão e indústria cultural<br />
No Brasil, a televisão tem sido a maior porta-voz do contexto sociopolítico<br />
e cultural sob a égide da indústria cultural. Desde a sua implementação,<br />
280
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
em 1950 do século 20, a TV brasileira tem se definido como um totem familiar<br />
que faz parte e influencia a sociologia do cotidiano nacional.<br />
Com o advento da Internet, a popularização da TV brasileira ainda alcança<br />
índices consideráveis de audiência, haja vista o público ainda ter hábitos<br />
arraigados de recepção televisiva, como assistir a novelas, telejornais<br />
e reality shows. Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia – 2014 -<br />
hábitos de consumo de mídia pela população brasileira” (BRASILNOTICIA,<br />
2014), feita pelo Ibope, a pedido da Secretaria de Comunicação Social da<br />
Presidência da República, “Brasileiros usam a Internet mais frequentemente,<br />
mas a televisão ainda é a mídia mais consumida. (...)Os brasileiros gastam,<br />
em média, 3h39 por dia na Internet, seguido de 3h29 em frente à televisão.<br />
Esta pesquisa ainda aponta a Internet “como o meio de comunicação que<br />
mais cresce entre os brasileiros”.<br />
Portanto, já está havendo uma migração enorme para a Internet, desde<br />
2012 (O GLOBOTECNOLOGIA; TECHTUDO, 2012; UOL, 2014). Porém, está<br />
havendo grande convergência entre TV e Internet, ou seja, internautas brasileiros<br />
assistem à TV, enquanto navegam na rede.<br />
De fato, as duas mídias têm andado cada vez mais juntas. A pesquisa da comScore<br />
afirma que 73% dos internautas acessam a rede enquanto assistem à TV, sendo<br />
que 37% fazem isso sempre. O tempo não está sendo dividido pelas mídias, é<br />
o usuário que se divide para dar conta da simultaneidade da informação. É o<br />
281
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
fenômeno da segunda tela, que torna possível usar o Twitter como indicador<br />
de audiência, como faz a firma de pesquisas Nielsen. (OGLOBO, 25/8/2013)<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Diante dessa evidência, por exemplo, “a Engenharia e a Informática da<br />
(TV) Globo estão trabalhando juntas na elaboração de um novo projeto, que<br />
possa envolver todos os produtos do seu jornalismo com as redes sociais” ,<br />
com o objetivo de ter “a audiência da internet na televisão” (UOL, 2014). Ou<br />
seja, começa a existir um movimento para as emissoras de TV se conectarem<br />
mais efetivamente à internet.<br />
Com a disponiblização das emissoras em sites na rede, pode-se acesssar<br />
os telejornais com seus destaques e matérias, aumentando o fluxo de<br />
informações e se aproximando mais do público. Com a ascensão das redes<br />
sociais, a partir de 2006, os usuários brasileiros tiveram um modo eficaz e<br />
gratificante de comunicação. Com isso, as rotinas produtivas dos telejornais<br />
começaram a ser modificadas. As atuações das mídias digitais estabelecem<br />
diálogos constantes, participativos, interativos, entre si e com o público.. A<br />
nova sociabilidade das redes sociais também foi agregada pelas emissoras<br />
de TV, mudando os rumos da própria comunicação televisiva. Essas novas<br />
práticas se disseminaram no cotidiano dos jornalistas de forma tão intensa e<br />
rápida que, na atualidade, os profissionais não conseguem mais desenvolver<br />
suas atividades sem a presença dos meios digitais.<br />
282
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
De acordo com dados elaborados pela Serasa Experian (EXAMEABRIL,<br />
2013), as visitas do internauta brasileiro às redes sociais concentram-se no Facebook<br />
e no Youtube.<br />
Tabela 1 - Visitas do internauta brasileiro às redes sociais<br />
Rede Social<br />
Participação<br />
1 Facebook 73,50%<br />
2 YouTube 16,34%<br />
3 Badoo 1,20%<br />
4 Google+ 1,15%<br />
5 Orkut 0,97%<br />
6 Yahoo! Respostas 0,94%<br />
7 Twitter 0,90%<br />
8 Ask.fm 0,89%<br />
9 Bate-Papo UOL 0,81%<br />
10 LinkedIn 0,31%<br />
Fonte:< http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/facebook-e-youtube-dominam-redes-sociais-no-brasil>.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A convergência entre a TV e a Internet está redefinindo o modo com<br />
que o público se relaciona com as mídias. É comum, nas redes de relacionamento<br />
ou fóruns, internautas expressarem que estão diante de transmissões<br />
televisivas ou como estão reagindo diante de alguma informação veiculada<br />
283
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
pela televisão. Eles discutem a programação, postam opiniões e muitas vezes<br />
acontece até um “frenesi” instantâneo na rede diante de algum assunto<br />
polêmico transmitido pela TV. Eventos que mostram bons índices de audiência,<br />
imediatamente se disseminam pela internet, com comentários maciços<br />
e grande repercussão nas redes sociais.. A internet, além de mudar a relação<br />
do telespectador com o entretenimento, está mudando a rotina produtiva<br />
televisiva e a tendência é de haver uma maior expressividade do telespectador<br />
na televisão, conforme for amadurecendo a própria inter-relação estabelecida<br />
pelos dois meios.<br />
A TVDI, o telejornalismo e o prosumer<br />
Com a digitalização de meios audiovisuais e o hibridismo entre televisão<br />
e internet, através do sistema de televisão digital interativa (TVDI), há uma<br />
demanda por ações baseadas nas inovações tecnológicas.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
[...] Com as ferramentas tecnológicas adequadas e boa usabilidade, as<br />
pessoas criam sites na internet, publicam blogs, videoblogs, enviam vídeos<br />
para portais específicos, ou seja, passam a ser produtores de programas<br />
(conteúdos) podendo enviá-los para exibição na internet e, de forma<br />
crescente, também para as TVs abertas comerciais. Estas já selecionam e<br />
exibem produções de telespectadores até em seus programas de horá-<br />
284
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
rios nobres, estimulando a participação individual e coletiva. (PASCHOAL<br />
NETO, 2010, p. 41).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Se antes, o receptor interagia com um conteúdo já preexistente, com<br />
a TVDI essa capacidade de produzir conteúdo é ampliada, assumindo sua<br />
condição plena de prosumer, com o desafio de produzir com qualidade, com<br />
capacidade técnico-estética, livres dos apelos mercadológico-comerciais e<br />
políticos, a fim de buscar uma alternativa às fórmulas prontas difundidas<br />
atualmente pela TV analógica. Isso consiste em um patamar, onde se pretende<br />
repensar os meios de comunicação, que atuam como vetores cognitivos,<br />
sociais, estéticos, ético-políticos, contemplando os ambientes culturais<br />
irradiados pelos processos midiáticos, e colocando em perspectiva o modo<br />
como se realizam as modalidades de interação social no contexto das novas<br />
tecnologias da comunicação e nas investigações jornalísticas, por exemplo.<br />
A aptidão para ser um prosumer não se justifica pela inevitabilidade do<br />
contato com os produtos midiáticos na atualidade, onde a mídia tem relevância<br />
plena na comunicação contemporânea. O fato de ser ‘capaz’ de produzir<br />
notícia, não significa que se é “capacitado” para trabalhar a informação.<br />
O prosumer deve aprender com os profissionais do mercado da informação<br />
e estes, por sua vez, devem se atualizar, se remodelar, tendo a ajuda do prosumer<br />
ao tratar sobre o que seria “noticiável”.<br />
285
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Os limites da interferência do prosumer na produção de notícias são<br />
justificados pelas regras dos contratos comunicativos que acontecem em<br />
todos os meios. Por exemplo, em decorrência de restrições advindas dos<br />
meios técnicos de produção televisiva, geralmente o receptor não pode<br />
empregar o mesmo tipo de mediação – a televisiva – para visibilizar a sua<br />
resposta. Grande parte das contribuições do prosumer, tais quais comentários<br />
sobre programas, acontece no ciberespaço. Portanto, não seria verdadeiro<br />
dizer que existe funcionamento pleno da interatividade, que dirá o da<br />
interferência do telespectador na TV.<br />
O fenômeno precisa ser compreendido para elucidar o papel dos telespectadores<br />
nessa fase de complexidade e hibridação dos produtos midiáticos.<br />
O momento é o de refletir sobre esse novo personagem midiático,<br />
tanto quanto definir sobre sua atuação junto aos veículos de comunicação<br />
e seus produtos, principalmente o telejornalístico, cujo conteúdo não pode<br />
prescindir dos princípios básicos do jornalismo como mediador social, que<br />
divulga uma realidade objetiva e coerente, que tem compromisso com o interesse<br />
público e que respeita o público,assim como os valores universais de<br />
diversidades sociais, culturais, étnicas e ambientais.<br />
Mesmo que o campo jornalístico esteja sempre à mercê das interferências<br />
dos interesses corporativos e afins, ele ainda detém o lugar do discurso da<br />
realidade. Se essa realidade for obliterada definitivamente pelas ficções, aí<br />
286
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
sim, o jornalismo poderá abdicar da sua condição de democratizar a informação,<br />
socializar os acontecimentos e disseminar possíveis resistências<br />
aos lugares-comuns das formações discursivas predominantes. (TAVARES;<br />
MASCARENHAS, 2013, p.202).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
O prosumer, no campo jornalístico, pode ser visto como um ser mercadológico,<br />
que tem um determinado perfil que interessa a variadas tribos<br />
digitais e produz informações que são utilizadas pelas organizações para<br />
orientar suas ações estratégicas, no sentido de satisfazer os clientes, atingindo<br />
mais diretamente seus públicos-alvos com os produtos sob medida para<br />
os seus anseios. Ou seja, o prosumer faz recortes socioculturais que podem<br />
ser úteis às pautas jornalísticas, no tocante a atender algumas demandas<br />
informacionais do público em geral.<br />
Isso pode ser visto como um modelo, segundo Lévy (1998, p. 54), no qual<br />
“os indivíduos colocam seu conhecimento a serviço de um objetivo comum,<br />
um fim coletivo, do qual emerge uma inteligência alavancada, que combina<br />
a expertise dos membros de uma determinada comunidade”. São de iniciativas<br />
voluntárias, independentes da origem e do tempo, que se mostram<br />
estratégicas para dadas finalidades.<br />
Um exemplo é o site brasileiro WocoNews.com (World Community News)<br />
– “a rede social de jornalistas e empresários”, que tem a proposta de ser uma<br />
rede social de notícias, a página permite que qualquer usuário crie um perfil,<br />
287
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
adicione contatos e passe a postar notícias de até 255 caracteres – mais ou<br />
menos o tamanho de um lide. Há ainda a possibilidade de acrescentar imagens<br />
e vídeos às postagens. A rede social já nasce com algumas iniciativas<br />
ousadas, como o fato de ser trilíngue – português, espanhol e inglês – e a<br />
proposta de divisão dos espaços de publicidade. Além disso, em vez de se<br />
ter “contatos” ou “amigos”, têm-se “colaboradores” e “com quem colaboro”,<br />
nomes mais simpáticos para designar os seguidores e os seguidos, e que faz<br />
sentido dentro da proposta da rede social, de proclamar: “Tudo o que está<br />
acontecendo no mundo neste exato momento, por você!”. O resultado é<br />
uma mistura de webjornalismo participativo (o leitor faz a notícia) com site<br />
de rede social (há contatos, possibilidade de visualização da lista de contatos<br />
dos outros usuários, e ainda de troca de informações entre os interagentes)<br />
e microblog (as postagens são exibidas em ordem cronológica inversa e há<br />
uma limitação de tamanho a cada atualização).<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
288
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 1: WocoNews<br />
Fonte: <br />
O prosumer e os dispositivos de interatividade<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Diversas marcas de televisão já disponibilizaram seus modelos de televisores<br />
com acesso à internet, aplicativos e reprodução do conteúdo em 3D,<br />
entre outras inovações. As empresas de TV já estão interessadas na segunda<br />
tela como uma forma de suprir a nova demanda comunicativa do atual espectador.<br />
A tecnologia usa dispositivos móveis como <strong>tablet</strong>s e smartphones<br />
para oferecer uma extensão do conteúdo das TVs.<br />
289
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
A segunda tela pode ser qualquer dispositivo com acesso à internet como<br />
smartphones, <strong>tablet</strong>s,notebooks entre outros, usados de forma simultânea<br />
à programação daTV. Essa navegação paralela permite o consumo de conteúdos<br />
complementares (saber mais sobre a história, os atores, a trama...)<br />
e a interação com outras pessoas . Uma experiência que potencializa a repercussão<br />
do conteúdo e o laço social, e tem se tornado cada vez mais<br />
comum. (FINGER;SOUZA, 2012, p. 7-8)<br />
A TV SBT é o “canal que mais investe em segunda tela no país” e “é o<br />
lider no ranking elaborado pela plataforma TV Square, criada para reunir<br />
comentários sobre programas postados nas mídias sociais” , publicou VE-<br />
JAONLINE ( 9/8/2013).<br />
Por sua vez, a TV Globo lançará neste primeiro semestre de 2014, aplicativos<br />
de segunda tela mais eficazes do que os já usados no BBB, por<br />
exemplo, conforme explica o site TelaViva (2014):<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Segundo Erick Brêtas, diretor de Mídias Digitais da Globo, a ideia não é<br />
ter uma app para cada conteúdo da emissora. Ao contrário, o lançamento<br />
será um aplicativo único, sincronizado com o que está na grade linear do<br />
canal. Os primeiros testes acontecerão no Campeonato Carioca de Futebol<br />
e, na sequência, no Campeonato Paulista. (TELAVIVA, 2014).<br />
290
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Figura 2: Segunda tela<br />
Fonte: <br />
A Band TV, da mesma forma, lançou novos aplicativos de segunda tela,<br />
no dia 24 de março de 2014, no programa CQC.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
A Band retoma o conceito de “Segunda Tela” com o lançamento de um<br />
novo aplicativo para sistemas Android, WindowsPhone e iOS. Essa nova<br />
versão da ferramenta chega muito mais completa em relação à lançada em<br />
2013, durante a Copa das Confederações, com transmissões ao vivo, vídeos<br />
dos programas e a programação completa da emissora. (...)“Queremos<br />
utilizar as tecnologias disponíveis para aproximar ainda mais o público do<br />
291
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
conteúdo da Band”, afirma Eliane Leme, diretora-executiva do Band.com.br<br />
e responsável pelo projeto.(...) “Mais uma vez, a Band na frente das outras<br />
emissoras. A ferramenta está linda e muito divertida. O público poderá interagir<br />
conosco de uma maneira inédita e de qualquer plataforma”, revela<br />
Marcelo Tas, apresentador do CQC. (SHOWMETECH, 2014).<br />
Contudo, noticiários já são os programas mais assistidos na televisão por<br />
aqueles que estão conectados também na internet, de acordo com o estudo<br />
Social TV, do IBOPE Nielsen Online, realizado em 13 regiões metropolitanas do<br />
Brasil , entre os dias 13 e 29 de fevereiro de 2012 (UMPIERRES, 2012). A grande<br />
maioria dos consumidores simultâneos, mais da metade dos pesquisados,<br />
possui o hábito de comentar sobre os telejornais que assiste, demonstrando a<br />
tendência de atuar como prosumer no telejornalismo.<br />
Figura 3: Programas mais assistidos e comentados<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: <br />
292
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
Por enquanto, apenas o telejornalismo da TV Cultura de São Paulo inseriu<br />
no seu formato a segunda tela, onde “as informações são atualizadas em<br />
tempo real durante a exibição do telejornal através do site da emissora”, e a<br />
iniciativa mostra que “a Segunda Tela complementa e “relembra” o telespectador<br />
sobre os assuntos abordados, colaborando com a compreensão da notícia”<br />
(PUHL, 2013, p.1). O Jornal da Cultura ainda disponibiliza as edições do<br />
telejornal na íntegra em um canal no Youtube, diariamente, e dá acesso aos<br />
telespectadores ao vivo pelo Facebbok, Twitter, Flickr, Google + e Instagram.<br />
Figura 4: Jornal da Cultura<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Fonte: <br />
Pensar a união do jornalismo de televisão com os dispositivos móveis é um<br />
desafio; por outro lado, é uma prática cada vez mais necessária. A Segunda<br />
Tela proposta pela TV Cultura é inovadora, mesmo tendo sido verificado que<br />
293
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
ainda apresenta fragilidades. No Brasil, é um caso pioneiro.(...) O fluxo de informações<br />
só tende a aumentar. Televisão e web podem ser complementos e<br />
agentes desse novo entendimento de cultura e sociedade. (PUHL, 2013, p.14).<br />
A convergência dos meios, que se configura como o futuro da comunicação,<br />
além do claro empoderamento do público, que se mostra ativo, colaborativo<br />
e participativo ao fazer escolhas com o uso de ferramentas inovadoras<br />
e interativas, além das comunidades que se formam em redes, são exemplo<br />
da cultura prosumer emergindo no telejornalismo, se intensificando com<br />
as novas mídias que oferecem desafios e potencialidades. Com isso, o desenvolvimento<br />
de aplicativos digitais que promovem maior interatividade já<br />
pode ser observado na televisão. Percebe-se já em muitos produtos da grade<br />
de programação televisiva, geralmente no rodapé da tela, comentários<br />
instantâneos de telespectadores a partir de redes sociais. Colaborações de<br />
telespectadores se multiplicam, bem como a transmissão de programas em<br />
plataformas diversas.<br />
Capa<br />
Sumário<br />
eLivre<br />
Considerações finais<br />
A Internet, a televisão e as redes sociais abrem espaço para novas configurações<br />
midiáticas que estão definindo a sociologia do cotidiano universal.<br />
Novas dinâmicas de sociabilidade estão surgindo, tanto quanto novas<br />
294
Culturas midiáticas audiovisuais: estudos<br />
práticas profissionais. A junção disso também apresenta novos personagens<br />
do cenário digital, como o prosumer. Este novo protagonista da rede pode<br />
dialogar com os profissionais de jornalismo e promover novas formas de<br />
consumo e de produção de notícias. Portanto, essas mudanças podem ser<br />
agregadoras de novos valores que serão incorporados àqueles que o jornalismo<br />
já tem, a fim de serem aplicados nos novos dispositivos à disposição<br />
do consumo midiático. Então, espera-se que a TVDI e as Redes Sociais possam<br />
ser o grande diferencial das trocas informacionais deste século 21.<br />
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