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PÚBLICO E ÍNTIMO<br />

Olhares<br />

ISABEL LEAL<br />

Psicóloga clínica<br />

Acontecem coisas. Todos os dias, em todas<br />

as latitudes, nascem e morrem pessoas,<br />

uns adoecem e outros curam-se, uns<br />

casam-se e outros divorciam-se, uns<br />

zangam-se e outros reconciliam-se,<br />

uns deprimem e outros ficam eufóricos.<br />

Todos os dias, nasce o sol, umas vezes,<br />

esplendoroso, outras, ofuscado; e nós,<br />

que por aqui cumprimos o nosso tempo,<br />

olhamos o que somos capazes de ver.<br />

O que somos capazes de ver é sempre<br />

pouco e sempre parcelar. Vemos o que nos<br />

mostram, vemos o que acontece à frente<br />

dos nossos olhos, vemos o que somos<br />

capazes de interpretar e se inscreve<br />

no nosso quadro compreensivo. Vemos<br />

sobretudo o que nos interessa ver.<br />

O que nos interessa ver ressoa nas nossas<br />

dinâmicas afectivas. Reparamos no que<br />

valorizamos e anulamos magicamente<br />

o que, num dado momento, está longe<br />

das nossas preocupações. Só quando<br />

estamos grávidas é que reparamos como,<br />

afinal, há mulheres grávidas. Só quando<br />

não temos o filho que desejamos é que nos<br />

parece que o nosso caminho se cruza com<br />

demasiadas crianças. Só quando estamos<br />

doentes e passamos a frequentar consultas<br />

e hospitais é que descobrimos que, afinal,<br />

o mundo não gira apenas em torno<br />

de pessoas saudáveis.<br />

Por vezes, deixamos que nos guiem o olhar<br />

sobre realidades que sempre lá estiveram<br />

ou detalhes específicos que, sem<br />

explicitações, permaneceriam invisíveis.<br />

Algumas dessas experiências são artísticas,<br />

sublimes e frutuosas, acrescentando<br />

sentido à nossa visão do mundo e de nós<br />

próprios. Outras vezes, aquilo que somos<br />

convidados a ver, aquilo que nos conduzem<br />

a tomar conhecimento, emergindo de<br />

um fundo indistinto de milhares de<br />

acontecimentos que apenas passam,<br />

obriga-nos não só a questionar a<br />

perspicácia do nosso habitual olhar, como,<br />

Reparamos no<br />

que valorizamos<br />

e anulamos<br />

magicamente o que,<br />

num dado momento,<br />

está longe das nossas<br />

preocupações.<br />

sobretudo, a nossa relação com a realidade.<br />

Provavelmente, como diria Cioran, demasiada<br />

realidade é incompatível com a realidade<br />

dos nossos órgãos. Provavelmente,<br />

só conseguimos mesmo captar e metabolizar<br />

parcelas menores de algumas realidades<br />

que, estranhamente, até nos dizem respeito.<br />

Porque nem a realidade é fiável nem o nosso<br />

olhar sobre as coisas merece confiança,<br />

talvez seja esperto treinarmos<br />

permanentemente múltiplos olhares sobre<br />

nós próprios e tudo o que nos rodeia.<br />

Se não nos perdermos no esforço, pode ser<br />

que descubramos o arco-íris perfeito.<br />

38 Caixa Woman

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