Trabalhos aprovados - UFRB
Simpósio Temático 2
INQUISIÇÃO E ORDENS RELIGIOSAS EM PORTUGAL:
CUMPLICIDADES, ESTRANHAMENTOS E PERSEGUIÇÕES
Mário Fernandes Correia Branco (Universidade Federal Fluminense)
A recente publicação em 2007, do instigante livro dos professores José Eduardo Franco
e Célia Cristina Tavares, Jesuítas e Inquisição: cumplicidades e confrontações trouxe à
luz uma nova perspectiva de análise acerca do papel desempenhado por duas das mais
poderosas instituições da Igreja de Roma: a Inquisição portuguesa e a Companhia de
Jesus. As razões para a existência desta problemática residem, como se sabe, nas
inúmeras querelas em que se envolveram jesuítas e inquisidores ao longo dos séculos.
Todavia, o ambiente das relações institucionais e da prática religiosa no qual estas duas
instituições operaram, foi matizado inicialmente pela cumplicidade. Inácio de Loyola,
primeiro geral da Companhia de Jesus, que se mostrou um dos maiores entusiastas da
fundação do Tribunal do Santo Ofício em Portugal. Naquela época, conforme as
assertivas de Lucien Febvre, a religião moldava a vida dos homens, desde o nascimento
até a hora da morte. Todavia, desde a ruptura de Martinho Lutero, em princípios do
século XVI, a prática religiosa já se encontrava em processo de ressignificação,
notadamente quanto ao valor da ação do homem no mundo. A partir de então, a
intransigência, o confronto e a intolerância deram a tônica para a resolução dos conflitos
religiosos e políticos. Por conseguinte, na ação da Inquisição prevaleceu a inegável
pedagogia do medo, segundo a percepção clássica de Jean Delumeau. No entanto, as
ações dos religiosos da Companhia de Jesus, ordem essencialmente missionária e
pedagógica, legaram à posteridade um modus operandi que favoreceu a experimentação
e as misturas culturais em suas ações de propagação e defesa do catolicismo. Por
conseguinte, o estranhamento e, muitas vezes, o confronto entre os missionários e os
inquisidores tornaram-se inevitáveis. Curiosamente, as vertentes de análise sobre as
querelas entre eles variaram, ao longo do tempo, do aplauso irrestrito a mais ferrenha e
biliosa oposição. Este Simpósio Temático, seguindo a metodologia proposta por
Eduardo Franco e Célia Tavares, busca resgatar a história das relações entre o Santo
Ofício e os jesuítas. Neste sentido, pretende reunir trabalhos de pesquisadores que
atuem na perspectiva de análise isenta e da compreensão das reais dimensões da atuação
do Tribunal do Santo Ofício e da Companhia de Jesus, entre os séculos XVI e XVIII.
Por conseguinte, buscar-se-á aprofundar e discutir os aspectos da Religião e do Poder
em suas relações institucionais.
SESSÃO I
OS JESUÍTAS E A INQUISIÇÃO: CUMPLICIDADES E CONFLITOS
Entre a Fé e a Opressão: o jesuíta Antônio Vieira no Tribunal do Santo
Ofício
Mário Fernandes Correia Branco
Universidade Federal Fluminense
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Em meados de 1641, recém-chegado ao reino de Portugal, poucos meses após a
aclamação de Dom João IV, o padre Antônio Vieira se destacou como pregador
régio, conselheiro e emissário d´El Rei. Vieira personificou o irrestrito apoio
institucional dos religiosos da Companhia de Jesus ao rei lusitano. Todavia, o
padre Vieira extrapolou o comum das atividades dos inacianos ao sugerir que
os judeus portugueses, então vivendo em Amsterdam, fossem autorizados a
retornar a Portugal. Sua ousadia lhe custou caro. De fato, até mesmo dentro da
Companhia de Jesus, o padre Antônio Vieira enfrentou dissabores,
controvérsias e traições. Basta lembrar que a primeira denúncia contra ele ao
Santo Ofício de Portugal, partiu, não por acaso, de um de seus confrades Como
se sabe, durante o reinado de D. João IV, Vieira estivera fora do alcance dos
agentes inquisitoriais. Afinal, era então o mais influente dos assessores do rei
português e, por conseguinte, gozava de grande prestígio pessoal na corte
brigantina. Do mesmo modo, o jesuíta jamais ocultou sua desaprovação com o
modus faciendi inquisitorial. Nesse sentido, as atividades exercidas por Vieira,
além do irrestrito apoio que sempre manifestou aos cristãos-novos,
contribuíram para que fosse condenado pelo Tribunal do Santo Ofício, em
1667. De todo modo, para o combativo padre Antônio Vieira, mesmo
condenado, sua luta contra a Inquisição lusitana havia apenas começado...
Argumentar nesta direção constitui o principal objetivo desta comunicação.
Entre a Fé e o Rei: um conflito de lealdades
Henrique Rodrigues de Albuquerque
Universidade Federal Fluminense
Durante a dominação espanhola, iniciada em 1580, os inacianos de Portugal
mantiveram-se muito mais próximos à nobreza lusitana, particularmente junto
aos duques de Bragança, participando do cotidiano daquelas verdadeiras
‘cortes nas aldeias’, constituídas nas propriedades ducais, segundo a percepção
de Bouza Álvares. Nesse sentido, não causa espanto a centralidade que a ‘corte
aldeã’ dos Bragança, a maior e mais significativa de todas as antigas casas do
espoliado reino lusitano, assumiu durante a fase mais aguda da conspiração
contra o domínio espanhol. Apesar da vitória da conspiração que resultou na
Aclamação do oitavo Duque de Bragança como o novo rei de Portugal, D. João
IV, iniciou-se uma época turbulenta, matizada pela tensão entre as duas coroas
ibéricas. De fato, os jesuítas constituíram-se nos principais aliados da dinastia
brigantina. Todavia, a Inquisição, francamente filipina, representava um grande
obstáculo para a consolidação da dinastia recém-iniciada em Portugal. O
Tribunal inquisitorial, instituição dotada de uma máquina burocrática
formidável, se desenvolveu muito no período filipino e, portanto, não
reconhecia a legitimidade do rei D. João IV. Esta comunicação pretende
abordar as questões que opuseram, notadamente durante os primeiros anos do
reinado de D. João IV, por um lado, os jesuítas, defensores intransigentes da
dinastia brigantina e, por outro lado, os integrantes do aparato inquisitorial
favoráveis aos interesses de Felipe IV de Espanha.
MESA II
ASPECTOS DA AÇÃO INQUISITORIAL NO ORIENTE E NA ÁFRICA
Entre cumplicidades e conflitos: a relação entre o Santo Ofício de Goa e a
Companhia de Jesus na Índia portuguesa
Ana Paula Sena Gomide
Universidade Federal de Viçosa
Duas grandes pontas da presença católica no Oriente, Santo Ofício de Goa e
Companhia de Jesus, ambas as instituições estiveram à frente da difícil
empreitada de fazer da Índia um espaço possível para que o catolicismo se
tornasse dominante juntamente com o poder político português. Desse modo, a
presente comunicação tem por objetivo central analisar o modo como
inquisidores e jesuítas trataram da questão de certos costumes e cerimônias
hindus em detrimento do processo de conversão e manutenção do catolicismo
na Índia. Para melhor compreender como ambas as instituições estabeleceram
um constante diálogo para atender a tarefa da cristianização no Oriente, e como
que, por vezes, esta relação entrava em conflito, tomaremos como exemplo
maior da problemática criada, a atuação do jesuíta italiano Roberto de Nobili
no início do século XVII, que teve entre seus críticos, João Delgado Figueira,
na época, promotor do Santo Ofício de Goa. A partir da leitura cultural e
política de Nobili acerca dos costumes e das práticas indianas, em especial do
uso da linha bramânica, João Delgado Figueira procurou demonstrar, junto ao
Conselho Geral do Santo Ofício, que os costumes indianos representavam na
verdade a própria gentilidade daquele povo e que, por este mesmo sentido,
estas mesmas práticas não deveriam ser permitidas pelos cristãos; opinião
contrária a de Nobili. Assim, o trabalho pretende investigar o debate instalado
entre Roberto de Nobili e João Delgado Figueira, a fim de perceber em última
instância os diferentes contornos que o catolicismo assumiu na Índia através
das ações e das relações criadas entre inquisidores e jesuítas.
Santidades e Inquisição: o hibridismo no além-mar
Hélvia Cruz de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
O trabalho dos missionários da Companhia de Jesus foi matizado por inúmeras
acomodações ao ambiente em que atuaram. Os Companheiros de Jesus,
imersos no ambiente tropical, ainda que encantados com a diversidade dos
povos e da natureza naquelas latitudes tiveram a preocupação de registrar tudo
que observaram. Nesse sentido, através de suas cartas, os jesuítas colocaram
para mentalidade europeia do século XVI problemas inéditos, em termos de
distâncias a superar entre a realidade e os pressupostos de que dispunham para
entender a nova face da humanidade com que se defrontaram no ultramar. Esta
comunicação pretende abordar o impacto causado pela missionação jesuítica,
as respostas culturais dos ameríndios e o caráter perturbador que tais práticas
causaram aos agentes inquisitoriais enviados ao Brasil. Como se sabe, ao longo
tempo, o Tribunal do Santo Ofício mostrou-se um dos principais adversários
dos métodos de missionação adotados pela Companhia de Jesus. De fato, por
um lado, a ação missionária dos inacianos permitiu aos nativos aprender cada
vez mais acerca do cristianismo. Por outro lado, a partir do mito da terra sem
mal, os indígenas foram capazes de construir complexas estruturas hibridas
entre o cristianismo e a sua própria cosmogonia. Este hibridismo cultural foi
magistralmente analisado por Ronaldo Vainfas em seu livro, “Heresia dos
Índios”, no qual indicou forte aspecto de resistência, por parte dos nativos, à
nova condição social e política imposta pela colonização.
MESA III
VESTÍGIOS DA AÇÃO INQUISITORIAL: ENTRE A FILOSOFIA E O
PATRIMÔNIO
El difícil diálogo sobre el albedrío. Luis de Molina y la modernidad (1588-
1607)
Enrique Téllez Fabiani
Universidad Nacional Autónoma de México
A controvérsia de Auxiliis é um debate entre jesuítas e dominicanos em torno
da relação entre a graça divina e a ação (livre vontade) humana. Foi conduzido,
desde a publicação do Concordia do jesuíta Luís de Molina em 1588, até 1607,
quando se Paul V decidiu acabar com a controvérsia com a proibição de falar
sobre o assunto. Por ordem da Inquisição, o trabalho foi tirado de circulação
desde a primeira edição.
A controvérsia sobre o envolvimento da agência humana na história, antes
deixada exclusivamente ao auxílio da graça divina. A Teologia dos Jesuítas é a
viragem antropológica do pensamento escolástico no início da era moderna
enquadrada no primeiro empírico sistema-mundo.
Pretendemos mostrar que esse diálogo não se pode limitar a um mero debate
teológico entre duas posições dentro do contexto teológico (Luteranismo etc.),
mas a expansão colonial por todo o planeta, que define a modernidade no
início, a condição de cuja possibilidade é a encobrimento dos antigos
habitantes do continente americano. A teologia política dos jesuítas levantou a
possibilidade de oferecer uma filosofia da alteridade, impossível considerar
sem a inclusão da ação humana na história.
O outro lado da Inquisição: os Jesuítas e os métodos religiosos,
catequéticos, científicos e matemáticos revelados no legado cultural da
Bahia colonial
Mônica Farias Menezes Vicente
Universidade Federal da Bahia
A história da Companhia de Jesus é marcada, dentre outras questões, pela
expansão dominante em diversas áreas da formação das sociedades por onde
adentrou território. Constituídos pela égide do Concílio de Trento, demarcou
unidade de fé, disciplina, organização pedagógica e produção artística por onde
passou, tendo a implantação dos Colégios o marco principal para
desenvolvimento e prática dos seus objetivos. Do levantamento que se pôde
alcançar dos Jesuítas que estiveram ou passaram pelo Colégio da Bahia, é
possível perceber o avanço científico-pedagógico que estes homens
propagaram, sobretudo porque, atrelado a eles estão suas formações, funções e
atividades desenvolvidas. Apesar da ótica de uma estrutura religiosa
implantada pelo poder, é possível observar que em paralelo, e de grande
relevância, estava a formação de uma produção artística a serviço da fé e, ao
mesmo tempo, a validação do avanço de uma sociedade no que consiste sua
formação cultural. Em Salvador, o modus operandi que estes homens
implantavam aglutinava conhecimentos científicos, teóricos e práticos
misturados à experiências locais promovendo uma identidade artística local,
mas que não fugia do propósito maior: a propagação e defesa do catolicismo.
Esta repercussão pode ser observada no legado cultural presente na cidade,
tendo na decoração dos tetos das edificações religiosas o maior grau de
complexidade de realização artística. Neste acervo pictórico, uma produção
merece destaque pela representatividade que possui, pois se transforma numa
espécie de documento memorial apresentando iconograficamente os inacianos
que perderam sua vida em prol de sua crença: o teto da sacristia da igreja do
antigo Colégio da Bahia. Esta comunicação tem por finalidade trazer a mostra
o elenco de informes acerca da vida, obra e produção artístico-pedagógica dos
Jesuítas que passaram pela Bahia, desde a sua chegada, em 1549, à sua
completa expulsão por completo em 1760, revelando o outro lado deste
“exército de Deus” em terras do além-mar que, de certa forma, conduziram a
formação da sociedade soteropolitana.