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no Bairro Alto? - Fonoteca Municipal de Lisboa - Câmara Municipal ...

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Sexta-feira<br />

27 Fevereiro 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

Há vida <strong>no</strong>va<br />

<strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>?<br />

MIGUEL MADEIRA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 6905 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

U2João Paulo CuencaRogério Casa<strong>no</strong>vaThomas Walgrave Nelson Cascais


Flash<br />

Sumário<br />

<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> 6<br />

As suas sete vidas<br />

U2 14<br />

Chegou o <strong>no</strong>vo disco do maior<br />

grupo do mundo<br />

Deus.Pátria.Revolução 20<br />

Teatro musical que<br />

revisita hi<strong>no</strong>s fascistas e<br />

revolucionários (promete<br />

incomodar)<br />

João Paulo Cuenca 22<br />

O escritor que vive dias<br />

Mastroianni<br />

Rogério Casa<strong>no</strong>va 24<br />

O autor do melhor blogue<br />

português<br />

Thomas Walgrave 25<br />

Perfil do futuro director do<br />

Alkantara<br />

Porto 28<br />

Que segunda cida<strong>de</strong> do país<br />

é esta on<strong>de</strong> há pessoas para<br />

tudo me<strong>no</strong>s para o cinema?<br />

Ficha Técnica<br />

Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Editores Vasco Câmara,<br />

Joana Gorjão Henriques (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel Coutinho,<br />

Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belancia<strong>no</strong><br />

Design Mark Porter,<br />

Simon Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Jorge Guimarães,<br />

Mariana Soares<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Arquitectura portuguesa<br />

em exposição em Berlim<br />

Há <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s provavelmente<br />

não teria sido possível. Mas<br />

em 2009, o arquitecto<br />

Ricardo Carvalho não teve<br />

gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em<br />

escolher 21 projectos <strong>de</strong><br />

arquitectos portugueses fora<br />

do território nacional.<br />

Convidado pela Or<strong>de</strong>m dos<br />

Arquitectos, a pedido do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

Cavaco Silva, a comissariar<br />

uma exposição sobre<br />

arquitectura portuguesa que<br />

será apresentada durante a<br />

viagem presi<strong>de</strong>ncial à<br />

Alemanha (entre 3 e 6 <strong>de</strong><br />

Março), Ricardo Carvalho<br />

optou por mostrar 21<br />

trabalhos em curso ou<br />

terminados recentemente,<br />

<strong>de</strong> arquitectos portugueses,<br />

em lugares tão diferentes<br />

como Cabo Ver<strong>de</strong>, China, a<br />

República Checa ou Timor-<br />

Leste.<br />

“O processo <strong>de</strong><br />

internacionalização da<br />

arquitectura portuguesa<br />

está agora a começar”, diz o<br />

comissário, crítico <strong>de</strong><br />

arquitectura do PÚBLICO.<br />

“Se excluirmos Álvaro Siza,<br />

que é um arquitecto que<br />

constrói tradicionalmente<br />

<strong>no</strong> estrangeiro, só agora é<br />

que se está a iniciar um<br />

movimento para o exterior.”<br />

A escolha - que inclui, por<br />

exemplo, um crematório em<br />

Antuérpia (<strong>de</strong> Eduardo<br />

Souto <strong>de</strong> Moura), um<br />

conjunto urba<strong>no</strong> em Luanda<br />

(Barbani Arquitectos), uma<br />

igreja em Quelicai, Timor<br />

(Pedro Reis), o Museu do<br />

Conto em Málaga (Aires<br />

Mateus) ou a Fundação<br />

Iberê Camargo, <strong>no</strong> Brasil<br />

(Álvaro Siza), o Teatro<br />

Auditório <strong>de</strong> Poitiers<br />

(Carrilho da Graça) - tenta<br />

abarcar o máximo <strong>de</strong> pontos<br />

geográficos possível, e<br />

mostrar que se está a<br />

trabalhar em projectos<br />

<strong>de</strong> escalas muito diversas.<br />

“Há concursos<br />

internacionais, em que as<br />

participações são quase<br />

sempre por convite, mas há<br />

também encomenda<br />

privada, geralmente <strong>de</strong><br />

grupos que investem em<br />

Portugal, gostam da<br />

resposta e querem trabalhar<br />

com o mesmo atelier<br />

quando fazem um<br />

investimento <strong>no</strong>utro ponto<br />

do mundo.” Estes<br />

investidores procuram,<br />

segundo Ricardo Carvalho,<br />

“qualida<strong>de</strong> e eficácia”, mas<br />

encontram <strong>no</strong>s arquitectos<br />

com quem trabalham em<br />

Portugal, para além disso,<br />

“relevância cultural”.<br />

O que a exposição “Portugal<br />

Fora <strong>de</strong> Portugal” - entre 4<br />

Internet<br />

<strong>de</strong> Março e 9 <strong>de</strong> Abril na<br />

galeria Ae<strong>de</strong>s am<br />

Pfefferberg, na zona do<br />

Mitte, em Berlim - também<br />

quer mostrar é que “se esta<br />

internacionalização<br />

aconteceu <strong>de</strong> forma não<br />

concertada, imagine-se o<br />

que po<strong>de</strong> acontecer se<br />

houver uma estratégia” para<br />

promover a arquitectura<br />

portuguesa fora <strong>de</strong> Portugal.<br />

Nos meios eruditos, o<br />

Estamos online. Entre em<br />

www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

con<strong>no</strong>sco.<br />

Três dos 21 projectos: em cima,<br />

o Teatro Auditório <strong>de</strong> Poitiers<br />

(Carrilho da Graça); em baixo<br />

à esquerda: Fundação Iberê<br />

Camargo, <strong>no</strong> Brasil (Álvaro Siza);<br />

à direita: Museu do Conto em<br />

Málaga (Aires Mateus)<br />

trabalhos dos arquitectos<br />

portugueses “têm já uma<br />

reputação imensa”,<br />

sublinha. Mas ainda estamos<br />

longe <strong>de</strong> uma situação<br />

como, por exemplo, a <strong>de</strong><br />

Espanha, “que tem uma<br />

política <strong>de</strong> ‘marketing’<br />

muito agressiva para a<br />

promoção da sua<br />

arquitectura <strong>no</strong><br />

estrangeiro”.<br />

Alexandra Prado Coelho<br />

Pavilhão <strong>de</strong> Verão<br />

da Serpentine<br />

Gallery vai ser<br />

criado pelos<br />

japoneses<br />

Sanaa<br />

Kazuyo Sejima e Ryue Nizhizawa<br />

Os arquitectos japoneses Kazuyo<br />

Sejima e Ryue Nizhizawa, do atelier<br />

Sanaa, foram os convidados <strong>de</strong>ste<br />

a<strong>no</strong> para conceberem o pavilhão <strong>de</strong><br />

Verão da Serpentine Gallery, em<br />

Londres, estrutura temporária<br />

encomendada anualmente a um<br />

arquitecto, que tem cerca <strong>de</strong> seis<br />

meses para a pensar, <strong>de</strong>senhar e<br />

construir. Para o “Guardian”, a<br />

escolha é uma promessa, já que se<br />

trata <strong>de</strong> uma equipa <strong>de</strong> arquitectos<br />

que tem “alargado as fronteiras da<br />

arquitectura contemporânea”,<br />

criando “edifícios, interiores,<br />

instalações, mobiliário e outro tipo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign extraordinariamente<br />

calmo e pacificador”. Um dos<br />

exemplos mais conhecidos do<br />

trabalho dos Sanaa é o Novo Museu<br />

<strong>de</strong> Arte Contemporânea, em Nova<br />

Iorque. O projecto do pavilhão <strong>de</strong><br />

Verão começou em 2000 e já<br />

participaram nele Frank Gehry<br />

(2008), Olafur Eliasson e Kjetil<br />

Thorsen (2007), Rem Koolhaas e<br />

Cecil Balmond (2006), Álvaro Siza e<br />

Eduardo Souto <strong>de</strong> Moura, com Cecil<br />

Balmond (2005), MVRDV (2004,<br />

a<strong>no</strong> em que o projecto não se<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 3


Flash<br />

O escultor Anthony Gromley<br />

é um dos subscritores<br />

da petição dirigida ao Ministério<br />

do Interior britânico<br />

“O Enforcamento”, <strong>de</strong> Nagisa<br />

Oshima, um dos títulos do ciclo<br />

“Eros+Revolta”<br />

chegou a realizar), Oscar<br />

Niemeyer (2003), Toyo Ito (2002),<br />

Daniel Libeskind (2001) e Zaha<br />

Hadid (2000).<br />

Eros+Revolta<br />

explo<strong>de</strong><br />

na Culturgest<br />

De 12 a 17 <strong>de</strong> Maio a Culturgest, em<br />

<strong>Lisboa</strong>, explo<strong>de</strong> com erotismo e<br />

política. “Eros+Revolta - o <strong>no</strong>vo<br />

cinema japonês dos a<strong>no</strong>s 60”<br />

documenta a afirmação, <strong>no</strong> ocaso do<br />

sistema <strong>de</strong> estúdios que estruturava<br />

o cinema clássico japonês, <strong>de</strong> uma<br />

“<strong>no</strong>uvelle vague”. Que questio<strong>no</strong>u a<br />

socieda<strong>de</strong>, revolucio<strong>no</strong>u as formas e<br />

quebrou tabus figurativos - em alguns<br />

casos colocou-se mesmo nas<br />

margens do cinema erótico. O ciclo<br />

mostrará filmes <strong>de</strong> Nagisa Oshima<br />

(“O Cemitério do Sol”, 1960, “Noite<br />

e Nevoeiro <strong>no</strong> Japão”, 1960, “Sobre<br />

as Canções Brejeiras Japonesas”,<br />

1967, “O Enforcamento”, 1968),<br />

Yoshishige Yoshida (“As Termas <strong>de</strong><br />

Akitsu”, 1962, “Eros + Massacre”,<br />

1969), Shohei Imamura (“A Mulher-<br />

Insecto”, 1963, “Desejo Assassi<strong>no</strong>”,<br />

1964), Kôji Wakamatsu (“Go, Go,<br />

Second Time Virgin”, 1969), Toshio<br />

Matsumoto (“O Funeral das Rosas”,<br />

1969), Seijun Suzuki (“A Porta da<br />

Carne”, 1964, “Elegia da Luta”,<br />

1966, “O Vagabundo <strong>de</strong> Tóquio”,<br />

1966) e Masahiro Shi<strong>no</strong>da (“Duplo<br />

Suicídio em Amijima”, 1969).<br />

Uma série <strong>de</strong> músicos recriam<br />

hoje <strong>no</strong> Santiago Alquimista<br />

a música <strong>de</strong> Patti Smith<br />

Recriar Patti<br />

Smith <strong>no</strong> Santiago<br />

Alquimista<br />

“Patti Smith: Dream of Life”, o<br />

filme <strong>de</strong> Steven Sebring que<br />

tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver<br />

<strong>no</strong> último Indie<strong>Lisboa</strong>,<br />

estreará <strong>no</strong> City Classic<br />

Alvala<strong>de</strong> a 5 <strong>de</strong> Março. Antes<br />

disso, contudo, haverá lugar a<br />

celebração. Uma festa para Mrs.<br />

Smith: está marcada para hoje,<br />

<strong>no</strong> Santiago Alquimista, em<br />

<strong>Lisboa</strong>, e é da<br />

responsabilida<strong>de</strong> da<br />

associação Projecto Marginal<br />

e da Midas Filmes.<br />

No filme, Sebring entra na<br />

intimida<strong>de</strong> da autora <strong>de</strong> “Horses”<br />

para tentar <strong>de</strong>svendá-la. Na<br />

celebração, músicos dos The<br />

Hypers, Mur<strong>de</strong>ring Tripping Blues,<br />

You Should Go Ahead, Covers, Neil<br />

Leyton ou Ana Leorne, dos Clits,<br />

recriam-lhe a música e os<br />

Happiness e Tiago Gomes, editor da<br />

revista Bíblia que temos visto,<br />

acompanhado <strong>de</strong> Tó Trips,<br />

improvisando sobre o “Pela Estrada<br />

Fora” <strong>de</strong> Kerouac, dão <strong>no</strong>vo<br />

enquadramento às suas palavras.<br />

A partir das 23h, ouvir-se-ão<br />

versões <strong>de</strong> “Gloria”, “Horses”, “Till<br />

victory” ou “Because the night”,<br />

ouvir-se-ão o rock’n’roll da poetisa<br />

do punk e os versos da <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />

da geração beat - que, como<br />

sabemos, são uma e a mesma.<br />

Depois das actuações, a dupla <strong>de</strong><br />

DJs Miss Nicotine e Fernando<br />

Morgado<br />

responsabilizam-se,<br />

como é habitual nas festas do<br />

Projecto Marginal, por encher a<br />

pista <strong>de</strong> dança com canções da<br />

“celebrada” e música que gravita<br />

próxima do seu universo. A entrada<br />

custa cinco euros.<br />

Artistas assinam<br />

petição contra regras<br />

que dificultam<br />

entrada <strong>de</strong> não<br />

europeus <strong>no</strong> Rei<strong>no</strong><br />

Unido<br />

Centenas<br />

<strong>de</strong> pessoas<br />

assinaram<br />

uma<br />

petição<br />

dirigida ao<br />

Ministério<br />

do Interior<br />

britânico a propor<br />

a revisão <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas<br />

regras da lei da<br />

imigração que<br />

dificultam a entrada <strong>no</strong><br />

Rei<strong>no</strong> Unido <strong>de</strong> artistas<br />

<strong>de</strong> países que não fazem<br />

parte da União Europeia.<br />

A petição, criada a partir do<br />

site Manifesto Club e publicada<br />

<strong>no</strong> domingo <strong>no</strong> “Observer”, já foi<br />

assinada por personalida<strong>de</strong>s do<br />

mundo das artes como Antony<br />

Gormley, escultor, Jeremy Deller,<br />

vencedor do Turner Prize <strong>de</strong> 2004,<br />

Nicholas Hytner, encenador,<br />

produtor e director artístico do Royal<br />

National Theather, e Ju<strong>de</strong> Kelly,<br />

directora artística do Southbank<br />

Centre <strong>de</strong> Londres.<br />

A petição contesta os <strong>no</strong>vos<br />

procedimentos burocráticos da lei<br />

da imigração, expressos num<br />

documento com 158 páginas, um<br />

sistema que fica caro tanto para os<br />

artistas como para as organizações.<br />

Segundo explicam, os visitantes<br />

têm a obrigação <strong>de</strong> pedir um visto<br />

em pessoa, fornecer dados<br />

biométricos, impressões digitais<br />

electrónicas e fotografia digital. Já<br />

as organizações que os convidam<br />

têm que guardar cópias do seu<br />

passaporte, <strong>de</strong> um cartão<br />

biométrico britânico e dos <strong>de</strong>talhes<br />

dos seus contactos. “Se o artista<br />

não aparecer <strong>no</strong> seu estúdio ou<br />

local <strong>de</strong> trabalho (...) a organização<br />

é legalmente obrigada a informar o<br />

serviço <strong>de</strong> fronteiras do Rei<strong>no</strong><br />

Unido.”<br />

O “Observer” explica ainda que os<br />

artistas “também têm <strong>de</strong> encontrar<br />

um patrocinador que tome<br />

completa responsabilida<strong>de</strong><br />

financeira por eles e se<br />

comprometa pelas suas activida<strong>de</strong>s<br />

enquanto estão em solo britânico.<br />

Uma pequena organização tem <strong>de</strong><br />

pagar 400 libras para se tornar um<br />

‘patrocinador’ oficial, enquanto<br />

grupos maiores têm <strong>de</strong> pagar 1000<br />

libras”.<br />

Um exemplo recente dado pelo<br />

jornal foi o cancelamento do<br />

concerto do pianista russo<br />

Grigory Sokolov, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> não ser<br />

capaz <strong>de</strong> entregar os documentos<br />

necessários para obter um visto <strong>de</strong><br />

visita. Sokolov tinha um concerto<br />

agendado para Abril, em Londres.<br />

“Sinto que a comunida<strong>de</strong> das artes<br />

não sabe como [as leis <strong>de</strong> imigração<br />

actual] estão a afectar as suas<br />

relações com artistas<br />

internacionais”, disse Manick<br />

Govinda, produtor artístico e<br />

promotor da Artsadmin ao<br />

“Observer”. Govinda, criador da<br />

petição, argumenta que as <strong>no</strong>vas<br />

regras estão “a criminalizar estes<br />

artistas”. “São as salas e festivais<br />

mais peque<strong>no</strong>s os mais afectados,<br />

mas todos vão encontrar<br />

dificulda<strong>de</strong>s [em trazer artistas<br />

estrangeiros para actuar].”<br />

Salman Rushdie contra RETRE4<br />

“Slumdog Millionaire”, RETRE4<br />

“O Leitor” e “O Estranho RETRE4<br />

Caso <strong>de</strong> Benjamin RETRE4<br />

Button”<br />

Um porta-voz do Serviço <strong>de</strong><br />

Fronteiras explicou ao “Observer”<br />

que, apesar <strong>de</strong> se querer manter o<br />

Rei<strong>no</strong> Unido aberto aos artistas<br />

criativos, é necessário ter um<br />

sistema seguro <strong>de</strong> controlo das<br />

fronteiras. “É importante que quem<br />

beneficie da contribuição cultural<br />

<strong>de</strong>stes artistas cumpra a sua parte e<br />

assegure que o sistema não é<br />

quebrado através do <strong>no</strong>sso sistema<br />

<strong>de</strong> patrocínios.”<br />

Não são só os artistas que estão<br />

sujeitos a estas regras, todos os<br />

imigrantes que venham ao Rei<strong>no</strong><br />

Unido para trabalhar ou estudar,<br />

excepto “os mais talentosos”, têm<br />

que ter um certificado <strong>de</strong><br />

patrocínio, explicou o porta-voz ao<br />

“Guardian”.<br />

Salman Rushdie<br />

contra os filmes dos<br />

Óscares<br />

O escritor Salman Rushdie levou<br />

muito a sério a verosimilhança das<br />

histórias <strong>de</strong> três filmes, adaptados<br />

<strong>de</strong> livros, que estiveram <strong>no</strong>s<br />

Óscares. Começando por “Quem<br />

Quer Ser Bilionário?”, não se<br />

juntou ao coro <strong>de</strong> aplausos quer ao<br />

livro <strong>de</strong> Vikas Swarup (“Q&A”) quer<br />

ao filme <strong>de</strong> Danny Boyle. “O filme<br />

acumula impossibilida<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong><br />

impossibilida<strong>de</strong>”, disse, num<br />

colóquio na Emory University <strong>de</strong><br />

Atalanta, on<strong>de</strong> é escritor resi<strong>de</strong>nte,<br />

e prosseguiu que “o problema com<br />

esta adaptação começa com o<br />

trabalho que é adaptado.” O<br />

“Guardian” cita ainda o “Atlanta<br />

Journal-Constitution”, segundo o<br />

qual Rushdie não morre <strong>de</strong> amores<br />

por outros dois filmes adaptados <strong>de</strong><br />

livros. “O Leitor”, segundo o<br />

romance <strong>de</strong> Bernhard Schlink, é<br />

“um filme sem alma” enquanto “O<br />

Estranho Caso <strong>de</strong> Benjamin<br />

Button”, adaptado <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong><br />

F. Scott Fitzgerald, “<strong>no</strong> fundo não<br />

tem nada a dizer.” Uma adaptação<br />

<strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Rushdie,<br />

“Midnight’s Children”,<br />

está em produção.<br />

Vai ser realizado<br />

por Deepa<br />

Mehta, coautora<br />

do<br />

argumento<br />

com o<br />

próprio<br />

Rushdie.<br />

4 • Ípsilon • Sexta-feira 4 Julho 2008


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Capa<br />

PEDRO CUNHA<br />

As sete<br />

vidas do<br />

<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />

6 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Os que o viveram <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80 dizem<br />

que já nada resta <strong>de</strong>sses tempos. Quem o vive hoje<br />

diz que é insubstituível. A activida<strong>de</strong> <strong>no</strong>cturna e a<br />

vida cultural do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> estão a mudar. Um <strong>no</strong>vo<br />

equilíbrio parece ser necessário para garantir o<br />

futuro do único bairro cultural <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. O episódio<br />

do encerramento dos bares às 2 da manhã<br />

apenas o veio explicitar. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 7


HÉLDER OLINO<br />

Não é <strong>no</strong>vo. Já ouvimos <strong>de</strong>sabafos<br />

<strong>de</strong>stes ao longo dos a<strong>no</strong>s (“o <strong>Bairro</strong><br />

<strong>Alto</strong> já não é o que era”, “está cada<br />

vez mais <strong>de</strong>gradado”, “as ruas estão<br />

uma miséria”, “gente a mais”), mas<br />

<strong>no</strong> último a<strong>no</strong> as visões sombrias<br />

aumentaram. Ele é o ruído, bares em<br />

excesso, toxico<strong>de</strong>pendência nas ruas<br />

ou conflitos <strong>de</strong> interesses entre os<br />

diversos actores. O equilíbrio parece<br />

em risco e a mais recente medida dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos <strong>de</strong> encerrar os bares<br />

às duas da madrugada é apenas mais<br />

um capítulo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate.<br />

O <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> é importante. O<br />

“boom” dos a<strong>no</strong>s 80, que o afirmou<br />

como lugar <strong>de</strong> boémia e cultura, foi<br />

<strong>de</strong>terminante em termos simbólicos,<br />

mas muito antes já era lugar <strong>de</strong><br />

encontro, <strong>de</strong> tertúlia e <strong>de</strong> animação<br />

cultural.<br />

Hoje é área resi<strong>de</strong>ncial. É zona <strong>de</strong><br />

comércio, animação <strong>no</strong>cturna e <strong>de</strong><br />

restauração que não só tem resistido,<br />

nas últimas décadas, ao irromper <strong>de</strong><br />

outros pólos (Avenida 24 <strong>de</strong> Julho,<br />

Docas, Expo) como <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s<br />

- principalmente <strong>de</strong>pois da abertura<br />

do metro <strong>no</strong> Chiado - tem atraído<br />

mais gente. É em termos culturais<br />

uma das áreas mais activas e atractivas<br />

da cida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong> ser constatado<br />

pela quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> agentes e activida<strong>de</strong>s que aí se concentram<br />

e se relacionam. É <strong>de</strong>ssa<br />

conjugação <strong>de</strong> actuações, e da forma<br />

como se relacionam entre si, que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o equilíbrio da zona. Uma<br />

harmonia que aqueles que viveram<br />

os a<strong>no</strong>s 80 dizem já não existir.<br />

O “meu” <strong>Bairro</strong><br />

“O ‘meu’ <strong>Bairro</strong> morreu”, afirma<br />

Manuel Alvarez, arquitecto, 45 a<strong>no</strong>s.<br />

“Hoje vou lá, vejo toda a gente na<br />

rua, <strong>de</strong> copo na mão e não sinto vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> partilhar. Antes jantava-se,<br />

conversava-se, dançava-se. O <strong>Bairro</strong><br />

<strong>Alto</strong> está moribundo. Está a morrer<br />

aos poucos.”<br />

“Aborreço-me”, afirma o cineasta<br />

Jorge Cramez que viveu intensamente<br />

a década <strong>de</strong> 90 [ver texto sobre o bar<br />

Captain Kirk] “Posso pensar nisso<br />

<strong>de</strong>ssa forma, mas não me parece que<br />

tenha a ver com a ida<strong>de</strong>. Sinto é que<br />

antes havia um ritual <strong>no</strong> sair que se<br />

per<strong>de</strong>u.”<br />

Ambos, <strong>no</strong> entanto, diferenciam a<br />

vertente diurna e <strong>no</strong>cturna, a vocação<br />

cultural da activida<strong>de</strong> <strong>no</strong>ctívaga. Tal<br />

como DJ Rui Murka, 36 a<strong>no</strong>s. “Hoje a<br />

minha relação com o <strong>Bairro</strong> é diurna,<br />

para comer, cortar o cabelo, fazer compras<br />

na Rua do Norte, comprar discos<br />

ou, à <strong>no</strong>ite, ver concertos, exposições<br />

ou encontrar-me com alguém.”<br />

Mas esta visão está longe <strong>de</strong> ser partilhada<br />

por gerações mais <strong>no</strong>vas. Com<br />

maior incidência às sextas e sábados,<br />

chegam em grupos, <strong>no</strong>rmalmente<br />

encontram-se na Praça Camões a partir<br />

das 22h. Pouco tempo <strong>de</strong>pois<br />

enchem as ruas, o estacionamento<br />

torna-se impossível, a circulação pedonal<br />

complicada e, muitas vezes, os<br />

parapeitos das janelas servem para<br />

<strong>de</strong>ixar copos vazios.<br />

“Quando tinha 15 a<strong>no</strong>s ia para o<br />

Loft, em Santos, ou para o Paradise<br />

Garage, em Alcântara, porque os meus<br />

pais não gostavam que fosse para o<br />

<strong>Bairro</strong>”, conta Ana Prazeres, estudante,<br />

19 a<strong>no</strong>s. “Mas há dois a<strong>no</strong>s<br />

comecei a vir para aqui e gosto muito”.<br />

Foi <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> que começou a contactar<br />

com “gente das mais diversas ‘tribos’.”<br />

O companheiro, Pedro Freire, 20<br />

a<strong>no</strong>s, reforça: “Isto é único, não existe<br />

nada assim <strong>no</strong> país, on<strong>de</strong> se possa<br />

PEDRO CUNHA<br />

É uma das áreas mais<br />

activas da cida<strong>de</strong>, o<br />

que se po<strong>de</strong> constatar<br />

pela quantida<strong>de</strong><br />

e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

activida<strong>de</strong>s que aí se<br />

concentram. Dessa<br />

conjugação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

o equilíbrio da zona.<br />

Uma harmonia que<br />

os que viveram os<br />

a<strong>no</strong>s 80 dizem já<br />

não existir<br />

PEDRO CUNHA<br />

HÉLDER OLINO<br />

8 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


BA<br />

Social<br />

Nos a<strong>no</strong>s 80 e 90<br />

as sociabilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>senrolavam-se <strong>no</strong><br />

interior dos bares,<br />

mas na última<br />

década é na rua que<br />

tudo acontece<br />

BA<br />

Comércio<br />

As velhas lojas <strong>de</strong><br />

negócio tradicional<br />

perduram,<br />

convivendo com<br />

mercearias finas,<br />

livrarias e lojas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign<br />

BA<br />

Serviços<br />

A Rua do Norte,<br />

sucessão <strong>de</strong><br />

cabeleireiros, lojas<br />

<strong>de</strong> roupa e <strong>de</strong> discos,<br />

tor<strong>no</strong>u-se na mais<br />

movimentada do<br />

<strong>Bairro</strong> durante o dia<br />

O bairro cultural <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Partindo <strong>de</strong> uma reflexão sobre activida<strong>de</strong>s culturais em relação com o <strong>de</strong>senvolvimento dos territórios,<br />

o investigador Pedro Costa analisou o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> <strong>no</strong> livro “A Cultura em <strong>Lisboa</strong>”. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />

Há-os em muitas cida<strong>de</strong>s. O<br />

seu mo<strong>de</strong>lo é variável mas, por<br />

<strong>no</strong>rma, são zonas que foram<br />

reconvertidas, com ambiente<br />

criativo e informal, mistura<br />

<strong>de</strong> cafés, bares, galerias ou<br />

salas <strong>de</strong> concertos, on<strong>de</strong><br />

artistas emergentes po<strong>de</strong>m<br />

experimentar. São os bairros<br />

culturais, cada vez mais<br />

enaltecidos por permitirem<br />

um estilo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> escala<br />

humana e por serem sinónimo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico<br />

sustentável. As suas fronteiras<br />

po<strong>de</strong>m ser in<strong>de</strong>finidas, mas<br />

quando <strong>de</strong>sembocamos num<br />

<strong>de</strong>sses locais sentimos que não<br />

só entrámos numa comunida<strong>de</strong><br />

cultural como po<strong>de</strong>mos<br />

participar <strong>de</strong>la.<br />

Hoje, esse tipo <strong>de</strong> territórios<br />

ganhou <strong>no</strong>va pertinência,<br />

também porque o sentido<br />

<strong>de</strong> cultura foi alterado,<br />

englobando indústrias<br />

culturais tradicionais, <strong>no</strong>vas<br />

indústrias <strong>de</strong> conteúdos,<br />

formas consagradas <strong>de</strong> arte<br />

ou manifestações emergentes<br />

associadas às formas <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> urbana juvenis.<br />

Motivado por isto, há quatro<br />

a<strong>no</strong>s, Pedro Costa - professor<br />

do Departamento <strong>de</strong> Eco<strong>no</strong>mia<br />

do ISCTE e investigador do<br />

Dinâmia (Centro Estudos Sobre<br />

a Mudança Socioeconómica),<br />

que li<strong>de</strong>ra o grupo <strong>de</strong> trabalho<br />

para as Estratégias para a<br />

Cultura em <strong>Lisboa</strong> - concluiu<br />

uma tese <strong>de</strong> doutoramento que<br />

parte <strong>de</strong> uma reflexão sobre as<br />

activida<strong>de</strong>s culturais em relação<br />

com o <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

territórios e que inci<strong>de</strong> sobre a<br />

Área Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>,<br />

em particular o principal bairro<br />

cultural da cida<strong>de</strong>, o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />

e Chiado. Uma versão <strong>de</strong>ssa tese<br />

foi lançada em livro: “A Cultura<br />

em <strong>Lisboa</strong> - competitivida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento territorial (edi.<br />

Imprensa <strong>de</strong> Ciências Sociais).”<br />

“Esta é a zona da cida<strong>de</strong> que<br />

mais facilmente se po<strong>de</strong>rá<br />

assemelhar a um bairro<br />

cultural”, diz-<strong>no</strong>s, “não só pela<br />

quantida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

agentes que aqui se localizam,<br />

como pelo potencial simbólico<br />

que usufrui na cida<strong>de</strong>, bem<br />

como pelos efeitos exter<strong>no</strong>s<br />

gerados pela conjugação<br />

<strong>de</strong>ssas características. Isso foi<br />

<strong>de</strong>cisivo para me <strong>de</strong>bruçar sobre<br />

este eixo, <strong>de</strong>dicando atenção<br />

à i<strong>no</strong>vação e criativida<strong>de</strong><br />

nas dinâmicas geradas<br />

na zona, bem como na sua<br />

afirmação competitiva e na sua<br />

sustentabilida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixando<br />

<strong>de</strong> lado os conflitos existentes.”<br />

Sinergias e diferenças<br />

Entre o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> e o Chiado<br />

existem sinergias, mas<br />

também diferenças. “São dois<br />

sistemas autó<strong>no</strong>mos”, reflecte,<br />

“o lado mais <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong> ligado<br />

à transgressão, a activida<strong>de</strong>s<br />

emergentes, <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, e o<br />

lado mais institucional, diur<strong>no</strong>,<br />

<strong>no</strong> Chiado, on<strong>de</strong> existe a maior<br />

concentração <strong>de</strong> livrarias do<br />

país.”<br />

A zona é um dos pólos<br />

principais da cida<strong>de</strong> <strong>no</strong> que<br />

respeita à animação <strong>no</strong>cturna,<br />

às artes performativas, à moda,<br />

ao sector do livro, a segmentos<br />

da produção audiovisual<br />

ou a alguns dos mercados<br />

alternativos das indústrias<br />

culturais. Evi<strong>de</strong>ncia-se pela<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s<br />

culturais aí implantadas, mas<br />

sobretudo pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> um meio criativo propício<br />

à circulação da informação, à<br />

difusão da i<strong>no</strong>vação e à maneira<br />

tolerante como são recebidas as<br />

“É um espaço on<strong>de</strong><br />

é necessário estar, ir,<br />

ser visto, encetar<br />

contactos e divulgar<br />

lá coisas”<br />

<strong>de</strong>monstrações culturais mais<br />

alternativas.<br />

“É um espaço on<strong>de</strong> é<br />

necessário estar, ir, ser visto,<br />

encetar contactos e divulgar<br />

lá coisas. É um pólo nesse<br />

sentido, funcionando como<br />

base do sistema produtivo das<br />

activida<strong>de</strong>s culturais. Por outro<br />

lado, possui um sistema <strong>de</strong><br />

(auto)governação específico e<br />

um sistema <strong>de</strong> representações<br />

próprio - os agentes que lá estão<br />

reconhecem o local como um<br />

bairro cultural e, externamente,<br />

é visto <strong>de</strong>ssa forma.”<br />

Mo<strong>de</strong>los<br />

O exemplo do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />

difere do <strong>de</strong> outros bairros<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

culturais pela sua duração.<br />

Não é comum uma zona com<br />

estas características manter<br />

a centralida<strong>de</strong> durante tantos<br />

a<strong>no</strong>s. “Nos EUA são <strong>no</strong>rmais<br />

fenóme<strong>no</strong>s <strong>de</strong> gentrificação.<br />

Os artistas dão visibilida<strong>de</strong> ao<br />

bairro, criam valor imobiliário,<br />

a zona é apropriada por outras<br />

pessoas e os artistas vão<br />

saindo.”<br />

Em Inglaterra é diferente. “As<br />

operações são conduzidas pelos<br />

po<strong>de</strong>res públicos, promovendo<br />

agências <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

local, que actuam em zonas<br />

industriais, facilitando o<br />

aparecimento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s<br />

culturais”, funcionando como<br />

veículo <strong>de</strong> requalificação<br />

urbanística <strong>de</strong> espaços<br />

<strong>de</strong>gradados ou reconvertidos.<br />

Um outro mo<strong>de</strong>lo é aquele<br />

que permite que, através da<br />

iniciativa <strong>de</strong> vários agentes<br />

da mesma área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>,<br />

se tente criar uma área com<br />

motivações comuns. É isso que<br />

tem sido tentado em <strong>Lisboa</strong><br />

com o projecto “Santos Design<br />

District”, em Santos.<br />

No <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> ainda<br />

não existe um fenóme<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong> gentrificação, mas a<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>senvolvido<br />

o seu trabalho, Costa é da<br />

opinião que existe um perigo<br />

<strong>de</strong> massificação. “Não é<br />

compatível ter uma área<br />

criativa e vanguardista sendo<br />

massificada. Já se sente isso,<br />

com pessoas a saírem para<br />

zonas envolventes, da Bica ao<br />

Cais do Sodré. Por outro lado,<br />

socialmente, mais pessoas po<strong>de</strong><br />

ser sinónimo <strong>de</strong> mais conflitos.”<br />

Quando começou a<br />

<strong>de</strong>senvolver o seu trabalho,<br />

o valor estratégico das<br />

activida<strong>de</strong>s culturais<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

territorial ainda não tinha o<br />

reconhecimento que hoje têm.<br />

Mas <strong>no</strong> último a<strong>no</strong>, <strong>no</strong>ções como<br />

o das “cida<strong>de</strong>s criativas” ou<br />

“indústrias criativas” ganharam<br />

visibilida<strong>de</strong> em Portugal porque<br />

parece existir, por fim, até da<br />

parte do po<strong>de</strong>r político, a <strong>no</strong>ção<br />

que são necessários <strong>no</strong>vos<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

que cruzem cultura, urbanismo,<br />

eco<strong>no</strong>mia e questões sociais.<br />

Mas Pedro Costa espera que a<br />

questão não se fique apenas pela<br />

retórica. Até porque se “por um<br />

lado existe esse tipo <strong>de</strong> discurso,<br />

<strong>de</strong>pois reduz-se o orçamento<br />

do estado para a cultura.” Ora,<br />

o que faz sentido quando se<br />

acredita numa área <strong>de</strong> actuação<br />

<strong>no</strong>va é aumentar o orçamento e<br />

não reduzi-lo.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 9


PEDRO CUNHA<br />

HÉLDER OLINO<br />

On d<br />

Fala-se muito da v<br />

Como outros locais cuja v<br />

HÉLDER OLINO<br />

vir beber um copo, ver um concerto<br />

na ZDB ou conviver nas ruas com pessoas<br />

que não se encontram em mais<br />

nenhum local.”<br />

O valor icónico <strong>de</strong> lugares que marcaram<br />

as décadas <strong>de</strong> 80 e 90, como<br />

o Frágil, Três Pastorinhos ou Captain<br />

Kirk per<strong>de</strong>u-se. Claro que continuam<br />

a existir espaços que se diferenciam<br />

(bares como Maria Caxuxa, Clube da<br />

Esquina, Mexe Café ou Purex, bares<br />

dançantes como o Frágil ou o<br />

Bedroom, livrarias como a Ler Devagar<br />

ou a Galeria ZDB), mas é na rua<br />

que tudo acontece.<br />

Apesar das tentativas <strong>de</strong> controlo,<br />

os bares multiplicaram-se. O investigador<br />

Pedro Costa, que estudou o<br />

bairro [ver texto nestas páginas], diz<br />

que os po<strong>de</strong>res públicos foram sensíveis<br />

à questão. “O problema é que<br />

isso não inviabilizou nada, simplesmente<br />

inflacio<strong>no</strong>u os preços, fez com<br />

que os trespasses se fossem multiplicando<br />

e criaram-se subterfúgios,<br />

como os bares <strong>de</strong> apoio.”<br />

Um do<strong>no</strong> <strong>de</strong> um bar, que prefere<br />

manter o a<strong>no</strong>nimato, refere que esse<br />

é o problema do território neste<br />

momento. “É injusto olhar para todos<br />

os espaços <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s <strong>de</strong> forma nivelada.<br />

Alguns geram interesse cultural,<br />

porque fazem participar as pessoas<br />

numa dinâmica criativa e estimulam,<br />

enquanto outros são peque<strong>no</strong>s sítios<br />

que se limitam a ven<strong>de</strong>r copos para a<br />

rua. Como é possível que sejam tratados<br />

<strong>de</strong> forma uniforme?”<br />

Os conflitos <strong>no</strong> bairro, resultantes<br />

da exploração dos recursos e nas formas<br />

<strong>de</strong> os regular, não são <strong>no</strong>vos. As<br />

tensões são múltiplas, seja entre resi<strong>de</strong>ntes<br />

e frequentadores, entre moradores<br />

tradicionais e <strong>no</strong>vos resi<strong>de</strong>ntes,<br />

entre comércio tradicional e <strong>no</strong>vas<br />

activida<strong>de</strong>s, entre utilizadores diur<strong>no</strong>s<br />

e <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s ou entre agentes<br />

culturais e reguladores públicos das<br />

suas activida<strong>de</strong>s.<br />

Até agora, a intervenção externa<br />

não tem sido muito necessária. Tem<br />

havido uma espécie <strong>de</strong> auto-regulação<br />

que emerge do próprio sistema do<br />

bairro, resultante <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mecanismos. Mas os perigos<br />

<strong>de</strong>correntes do excesso - <strong>de</strong> bares e<br />

<strong>de</strong> pessoas, com o que isso acarreta<br />

BA<br />

Noite<br />

Às quintas, sextas<br />

e sábados as ruas<br />

enchem-se <strong>de</strong> gente<br />

que sobe e <strong>de</strong>sce ruas<br />

ou paira, <strong>de</strong> cop<br />

o na mão, em frente<br />

aos bares<br />

Foi na década <strong>de</strong> 80. O país<br />

vinha <strong>de</strong> uma ditadura, queria<br />

abrir-se à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, uma<br />

<strong>no</strong>va geração agitava-se, a<br />

pop irrompia, a moda dava os<br />

primeiros passos e o <strong>Bairro</strong><br />

<strong>Alto</strong> transformava-se <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo<br />

centro da <strong>Lisboa</strong> boémia.<br />

Em espaços como o Frágil,<br />

Três Pastorinhos, Rockhouse<br />

(<strong>de</strong>pois Juke Box), Café<br />

Concerto, Nova ou Keops,<br />

a arquitectura, a música, o<br />

<strong>de</strong>sign, a moda, o jornalismo,<br />

a dança, copos, corpos<br />

cruzavam-se, fazendo <strong>de</strong>sses<br />

espaços uma mistura <strong>de</strong><br />

sociabilização do prazer e <strong>de</strong><br />

produção artística.<br />

Apesar da propensão<br />

portuguesa para passar ao<br />

lado da História - talvez porque<br />

não vivamos, autenticamente,<br />

as histórias - já muito foi dito<br />

sobre essa época. Por ter sido<br />

iniciática é hoje i<strong>de</strong>alizada. Por<br />

ter sido relevante, muitos dos<br />

que a fizeram acontecer estão<br />

hoje <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

A meio dos a<strong>no</strong>s 80, a <strong>Lisboa</strong><br />

artística misturava-se com<br />

a <strong>Lisboa</strong> castiça do Cais do<br />

Sodré e do mercado da Ribeira<br />

nas “Noites Longas”, ao Largo<br />

Con<strong>de</strong> Barão, Santos, num<br />

charmoso palacete do século<br />

XVI, que mais tar<strong>de</strong> viria a<br />

hospedar o B. Leza. Ali comiase<br />

tardiamente, discutiam-se<br />

projectos, dançava-se <strong>no</strong> salão.<br />

Dez a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, a meio<br />

dos a<strong>no</strong>s 90, a festa já não<br />

tinha a mesma exuberância.<br />

O Frágil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre o<br />

símbolo do <strong>Bairro</strong>, já não<br />

possuía a mesma aura. Mas<br />

em Dezembro <strong>de</strong> 1995, surgiu<br />

o Captain Kirk, <strong>no</strong> nº 121 da<br />

Rua do Norte. Iria incorporar<br />

um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudança, como<br />

se fosse a manifestação <strong>de</strong><br />

uma verda<strong>de</strong> que ninguém<br />

ainda expressara. Era o<br />

prolongamento da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> bar<br />

boémio e cultural que havia<br />

feito a fama do Frágil. Mas era<br />

outra coisa.<br />

Os locais <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s em voga<br />

nesse período personificavam<br />

um mo<strong>de</strong>lo consolidado, com<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sumptuosida<strong>de</strong>.<br />

No Kirk prevalecia a<br />

informalida<strong>de</strong> e até alguma<br />

vulgarida<strong>de</strong> que, afinal, era<br />

afirmação estética. Havia<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver algo<br />

<strong>de</strong> diferente, ao nível dos<br />

comportamentos.<br />

Não era um espaço gran<strong>de</strong>.<br />

Mas não é por aí que se me<strong>de</strong><br />

a sua influência. Todas as<br />

<strong>no</strong>ites eram iguais e distintas<br />

(seguindo a lógica dos clubes<br />

britânicos com sessões<br />

temáticas todos os dias). Ao<br />

final da tar<strong>de</strong> havia cinema e<br />

ali se legitimou a activida<strong>de</strong><br />

do DJ como em nenhum outro<br />

sítio da época. Isolados,<br />

nenhum <strong>de</strong>stes factores era<br />

<strong>no</strong>vo. A <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> era essas<br />

especificida<strong>de</strong>s estarem<br />

reunidas, con<strong>de</strong>nsado a<br />

vonta<strong>de</strong> dos que achavam<br />

que o <strong>Bairro</strong> dos a<strong>no</strong>s 80<br />

havia cristalizado e <strong>de</strong> uma<br />

geração mais <strong>no</strong>va que retinha<br />

10 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


<strong>de</strong> pára o Captain Kirk?<br />

a<br />

a<br />

vitalida<strong>de</strong> dos a<strong>no</strong>s 80, mas entre 1995 e 1997 houve um meteorito <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, o Captain Kirk, o espaço on<strong>de</strong> todos queriam estar.<br />

valida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na energia que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam não se aguentou muito tempo. Mas a sua marca ainda se faz sentir. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />

a energia adolescente dos que<br />

querem que o mundo fosse seu<br />

- agora.<br />

Dois a<strong>no</strong>s alucinantes<br />

O Kirk durou pouco. Talvez não<br />

pu<strong>de</strong>sse ser <strong>de</strong> outra forma, diz<br />

o realizador Jorge Cramez, na<br />

casa dos 40 a<strong>no</strong>s, espécie <strong>de</strong><br />

“do<strong>no</strong> ho<strong>no</strong>rário”, como gosta <strong>de</strong><br />

afirmar. Em sua casa, olhando<br />

para uma foto <strong>de</strong> Marilyn, não<br />

resiste à analogia: “Penso<br />

nela ou <strong>no</strong> [James] Dean como<br />

metáforas. Viveram o tempo<br />

certo para <strong>de</strong>ixarem rasto. O<br />

Kirk também. Viveu o tempo<br />

certo para ficar qualquer coisa.<br />

Aquela potência esgotou-se. Só<br />

podia. Aqueles dois a<strong>no</strong>s foram<br />

alucinantes!”<br />

Os proprietários eram Tiago<br />

Vaz, que hoje está retirado, e o<br />

belga Gilluu Leroy, que se <strong>de</strong>dica<br />

à restauração na Tailândia.<br />

Recuperaram uma velha casa,<br />

transformando-a num bar<br />

dançante. Não era gran<strong>de</strong>, mas<br />

foi optimizado. À direita, uma<br />

máquina <strong>de</strong> flipers, à esquerda<br />

mesas, ro<strong>de</strong>ando uma pista<br />

<strong>de</strong> dança circular, um balcão<br />

corrido e oito televisores.<br />

“No primeiro a<strong>no</strong>, foi um<br />

acontecimento em <strong>Lisboa</strong>”,<br />

recorda Cramez, “agregando<br />

pessoas do Frágil, e <strong>de</strong> outros<br />

espaços, ligadas às artes, dança,<br />

cinema, jornalismo ou moda.<br />

Depois, funcio<strong>no</strong>u o boca-a-boca.<br />

Inicialmente, os ciclos <strong>de</strong> cinema<br />

ao final da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>ram-lhe<br />

visibilida<strong>de</strong>, tornando-o em algo<br />

mais do que sítio <strong>de</strong> copos. Às<br />

sete da tar<strong>de</strong> podia verse<br />

retrospectivas<br />

Em pouco mais <strong>de</strong> seis meses, tor<strong>no</strong>u-se ‘o’ sítio <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>de</strong> realizadores <strong>de</strong> referência.<br />

Em pouco mais <strong>de</strong> seis meses,<br />

era ‘o’ sítio <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.” Ia-se ao<br />

Kirk para se ver e ser visto. Mas,<br />

até pela configuração do espaço,<br />

a pose <strong>de</strong> “ver o ambiente” não<br />

funcionava. “Quem ia lá, ia lá<br />

mesmo”, lembra Ricardo Montas,<br />

38 a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong>signer, a viver hoje<br />

em Londres. “Não era um espaço<br />

on<strong>de</strong> se fosse <strong>de</strong>scontrair. Tinha<br />

que se estar lá, mesmo.”<br />

“O Kirk representa a essência<br />

do <strong>Bairro</strong>, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> num<br />

espaço peque<strong>no</strong> haver pessoas<br />

diferentes. Tanto havia o pessoal<br />

artístico como as pessoas que só<br />

queriam dançar, numa mistura<br />

<strong>de</strong> pessoas mais velhas e <strong>no</strong>vas.”<br />

Montas veio dos arredores <strong>de</strong><br />

Leiria para estudar em <strong>Lisboa</strong>. O<br />

Kirk foi a segunda escola. “Foi o<br />

Kirk que me integrou em <strong>Lisboa</strong>.<br />

E foi dali que abri olhos para o<br />

mundo.”<br />

À porta estava a figurinista<br />

Isabel Peres ou Vanessa Rato,<br />

hoje jornalista do PÚBLICO.<br />

Ao balcão encontrava-se,<br />

inicialmente, DJ Rui Murka,<br />

hoje com 36 a<strong>no</strong>s. “Tinha 22<br />

a<strong>no</strong>s, naquele espaço respiravase<br />

qualquer coisa <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo e<br />

queria fazer parte daquilo. Era<br />

uma excitação ir para lá. Havia<br />

sempre muita gente, aquilo não<br />

parava. Estava sempre ansioso<br />

por ir trabalhar. Fazia parte<br />

<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> pessoas que<br />

se queria afirmar e que sentia<br />

que aquele era o espaço on<strong>de</strong><br />

estavam as coisas a acontecer.”<br />

O tempo <strong>de</strong>u-lhe razão.<br />

Nessa época<br />

“Havia muita avi<strong>de</strong>z<br />

na forma como<br />

aquele ambiente se<br />

consumia e, às tantas,<br />

começou a ser o<br />

ambiente a consumir<br />

algumas pessoas”<br />

Rui Murka, DJ<br />

Todas as <strong>no</strong>ites eram iguais e<br />

distintas (seguindo a lógica dos<br />

clubes britânicos com sessões<br />

temáticas todos os dias)<br />

movimentavam-se uma série<br />

<strong>de</strong> DJs que queriam legitimar<br />

<strong>no</strong>vas so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong>s para lá da<br />

lógica da música <strong>de</strong> dança mais<br />

funcional (house e tec<strong>no</strong>) que<br />

predominava. O Kirk funcio<strong>no</strong>u<br />

como catalisador. Foi ali que<br />

<strong>de</strong>spontaram, ou tiveram<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evoluir, <strong>no</strong>mes<br />

hoje firmados da cultura DJ<br />

portuguesa como Tiago Miranda<br />

(Loosers, Dezperados, Pop Dell’<br />

Arte, Slight Delay), Dinis, Nu<strong>no</strong><br />

Rosa (Pink Boy, Dezperados)<br />

ou Rui Murka. Foi também ali<br />

que o colectivo CoolTrain Crew<br />

(Johnny, Murka, Dinis, Rosa,<br />

Miranda e eu próprio) <strong>de</strong>u os<br />

primeiros passos, antes <strong>de</strong><br />

iniciar residência <strong>no</strong> Ciclone (ex-<br />

Johnny Guitar) e transitar pelo<br />

resto do país.<br />

Todos esses <strong>no</strong>mes, em<br />

conjunto com outros, como os<br />

resi<strong>de</strong>ntes Lígia Pereira ou Rui<br />

Viana (so<strong>no</strong>plasta), criaram a<br />

imagem sónica do Kirk, misto<br />

<strong>de</strong> linguagens em afirmação<br />

na época, do drum & bass ao<br />

jazz mais dançável, até <strong>no</strong>ites<br />

ecléticas on<strong>de</strong> tudo podia<br />

acontecer. Uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>r que chegou a ser<br />

elogiada na revista inglesa “The<br />

Face”.<br />

O sociólogo, músico e artista<br />

António Contador, 38 a<strong>no</strong>s, hoje<br />

em Paris, também por lá andava.<br />

Às vezes como cliente, outras na<br />

cabine <strong>de</strong> DJ. “Recordo-me das<br />

<strong>no</strong>ites Pimp-Pop, ao domingos,<br />

em que o Rui Viana e o Tiago<br />

Vaz misturavam piroseiras<br />

num espírito embriagador, com<br />

aquele cheiro a tabaco e a bafio<br />

por todo o lado que se colava à<br />

pele e era maravilhoso. Lembrome<br />

da Isabel Peres e da Vanessa<br />

Rato na porta, adornavam com o<br />

seu ar ‘arty-trashy’ a cena toda<br />

que girava à volta do Kirk e que<br />

era naquela altura o centro do<br />

universo criativo lisboeta.”<br />

Algumas das <strong>no</strong>ites mais<br />

emblemáticas não aconteciam<br />

aos fins-<strong>de</strong>-semana. A dinâmica<br />

era diferente da actual.<br />

“Não havia tanta oferta”,<br />

reflecte Murka, “e as pessoas<br />

concentravam-se mais num<br />

circuito, contribuindo para que<br />

todos os dias existisse alguma<br />

animação. Havia uma gran<strong>de</strong><br />

dinâmica e aos domingos,<br />

segundas ou terças havia<br />

pessoas para se divertirem.”<br />

Uma das imagens que ainda<br />

hoje perdura é a dos televisores.<br />

“Era singular um bar daqueles<br />

ter tanta informação visual,<br />

com uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> televisores<br />

a passar coisas diversas<br />

- documentários, coisas ligadas<br />

à arte ou fitas clássicas”,<br />

conta Cramez, que fazia<br />

a programação <strong>de</strong><br />

cinema.<br />

O Kirk<br />

libertava uma energia<br />

excessiva. Não era apenas um<br />

bar ou uma discoteca. Era um<br />

organismo vivo e como muitos<br />

locais cuja valida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na<br />

vitalida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam<br />

não se aguentou muito tempo.<br />

“Havia muita avi<strong>de</strong>z na forma<br />

como aquele ambiente se<br />

consumia e, às tantas, começou<br />

a ser o ambiente a consumir<br />

algumas pessoas”, diz Rui<br />

Murka. “Havia tantos exageros<br />

que era impossível manter<br />

aquele negócio. Não havia<br />

cabeça para tal.”<br />

Certa <strong>no</strong>ite, uma dúzia <strong>de</strong><br />

pessoas, entre empregados e<br />

clientes, foi parar à esquadra<br />

e, <strong>de</strong>pois, presente a tribunal.<br />

Acusação: distúrbios à or<strong>de</strong>m<br />

pública. O facto nada teve <strong>de</strong><br />

extraordinário, efeito <strong>de</strong> uma<br />

discussão acalorada entre<br />

empregados, clientes e polícia,<br />

pelo facto do bar ainda conter<br />

pessoas <strong>de</strong>pois das quatro da<br />

manhã, mas Murka assinala<br />

o sucedido como marcante.<br />

“Foi um episódio, mas <strong>de</strong>u<br />

início ao <strong>de</strong>clínio. O primeiro<br />

a<strong>no</strong> foi intenso, com cultura,<br />

diversão e sentido lúdico, mas<br />

<strong>de</strong>pois começaram os exageros<br />

com os consumos ilícitos e<br />

os responsáveis per<strong>de</strong>ram o<br />

controlo à coisa.”<br />

O último com aura<br />

O bar Captain Kirk, <strong>no</strong>me <strong>de</strong><br />

herói do Caminho das Estrelas,<br />

imortalizado na canção<br />

“Where’s Captain Kirk?” do<br />

grupo punk Spizzenerg!,<br />

surgiu num tempo <strong>de</strong> transição<br />

do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>.<br />

Recebeu a herança dos<br />

a<strong>no</strong>s 80, atribuindo-lhe<br />

<strong>no</strong>va energia, generosa mas<br />

<strong>de</strong>smesurada, ao mesmo<br />

tempo que já prenunciava<br />

os <strong>no</strong>vos tempos. A fase <strong>de</strong><br />

empobrecimento coinci<strong>de</strong> já<br />

com a ocupação das ruas do<br />

<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, que começou a<br />

ser vivido <strong>no</strong> exterior e não<br />

<strong>no</strong> interior. Para muitos, como<br />

para Ricardo Montas, foi o<br />

último dos bares icónicos<br />

do <strong>Bairro</strong> a ter essa aura <strong>de</strong><br />

mistério. “Quando entrava<br />

naquele sítio, perguntava-me<br />

sempre: ‘o que vou encontrar<br />

<strong>de</strong>sta vez?’”<br />

A jornalista Maria João<br />

Guardão evoca o espaço <strong>de</strong><br />

forma lapidar: “falar, falar,<br />

falar, beber, beber, beber,<br />

dançar, dançar, dançar, e tudo,<br />

outra e outra vez”.<br />

António Contador recorda<strong>no</strong>s<br />

que um local daqueles<br />

também é espaço <strong>de</strong> afectos:<br />

“Lembro-me tão bem das<br />

pessoas que trabalhavam <strong>no</strong><br />

Kirk, em especial da Cikuta.<br />

Para mim, o Kirk era muito<br />

ela. Nunca lho disse e adorava<br />

fazê-lo. Lembro-me do seu<br />

corpo esguio, das mãos finas<br />

e compridas, do cabelo curto<br />

e do rosto e sorriso à Grace<br />

Jones. Cikuta, se me estás a<br />

ler, fica sabendo que foste<br />

linda e seguramente ainda és.”<br />

Se souberem on<strong>de</strong> ela pára,<br />

digam-lhe.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 11


BA<br />

Típico<br />

PEDRO CUNHA<br />

Mercearias, tascas,<br />

antiquários, ardinas<br />

e velhas casas <strong>de</strong><br />

fado são algumas das<br />

marcas que o <strong>Bairro</strong><br />

<strong>Alto</strong> <strong>de</strong> outros tempos<br />

ainda conserva.<br />

Principalmente<br />

durante o Verão, os<br />

turistas agra<strong>de</strong>cem<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontrole à volta - po<strong>de</strong>m levar<br />

ao colapso <strong>de</strong>sse processo. O conflito<br />

à volta dos horários <strong>de</strong> encerramento<br />

apenas explicitou essa i<strong>de</strong>ia.<br />

A intervenção pública po<strong>de</strong>rá não<br />

fazer sentido em muitas questões, mas<br />

<strong>no</strong> caso da limitação do ruído, é <strong>de</strong>fensável<br />

que aconteça, dizem os moradores.<br />

Para reduzir o barulho, a Câmara<br />

<strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> implementou, em<br />

Outubro, o encerramento dos bares<br />

às duas da manhã. Beli<strong>no</strong> Costa da<br />

Associação <strong>de</strong> Comerciantes do <strong>Bairro</strong><br />

<strong>Alto</strong> diz que existe uma “e<strong>no</strong>rme insatisfação”,<br />

já que é uma medida <strong>de</strong><br />

excepção que “impe<strong>de</strong> a concorrência<br />

em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias com<br />

outras zonas da cida<strong>de</strong>.”<br />

“Não duvido das boas intenções <strong>de</strong><br />

quem tomou essas medidas”, diz<br />

Mário Augusto, <strong>de</strong>signer, <strong>de</strong> 29 a<strong>no</strong>s,<br />

que vive na zona, “o problema são os<br />

efeitos colaterais. Agora toda a gente<br />

sai dos bares em massa à mesma hora,<br />

ficando a marinar por aí, criando focos<br />

<strong>de</strong> tensão. É como a história dos ‘graffiti’.<br />

Toda a gente sabe que as zonas<br />

on<strong>de</strong> são proibidos são as preferidas<br />

<strong>de</strong> quem os faz. Ou seja, ao querer<br />

reprimir-se, está-se a convidar.”<br />

A questão dos horários é apenas<br />

uma, entre outras, reveladora <strong>de</strong> conflitos<br />

<strong>de</strong> interesses, num momento em<br />

que a área vive momentos <strong>de</strong> transformação.<br />

O receio da especulação<br />

imobiliária - intensificado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

se soube da reconversão, em condomínio<br />

privado, do Convento dos Inglesinhos<br />

- ou o temor que a zona se torne<br />

PEDRO CUNHA<br />

<strong>de</strong>masiado turística, são outros temas<br />

que provocam <strong>de</strong>bate aceso.<br />

Mas, apesar do equilíbrio precário<br />

e da insatisfação <strong>de</strong> muitos actores<br />

envolvidos na dinâmica <strong>de</strong> um bairro<br />

cultural com as características do<br />

<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, nada <strong>de</strong> essencial ainda<br />

se per<strong>de</strong>u. Ao longo da história a zona<br />

tem conseguido manter o seu dinamismo<br />

e apresentado uma gran<strong>de</strong><br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regeneração.<br />

Hoje continua a manter públicos,<br />

re<strong>no</strong>vando-os, e conserva o ambiente<br />

- apesar <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r dizer que está<br />

mais <strong>de</strong>gradado - que lhe <strong>de</strong>u reputação,<br />

ao mesmo tempo que manteve<br />

as re<strong>de</strong>s e formas específicas <strong>de</strong> interacção<br />

com outras activida<strong>de</strong>s que lhe<br />

permitiram afirmar-se.<br />

Nas cida<strong>de</strong>s estáveis, maduras e<br />

dinâmicas, com suficiente massa crítica,<br />

existe gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

re<strong>no</strong>vação. Há aptidão para alimentar,<br />

periodicamente, <strong>no</strong>vos ambientes<br />

criativos. Nos últimos a<strong>no</strong>s, o prolongamento<br />

do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> tem sido<br />

encetado na direcção do bairro da<br />

Bica, Cais do Sodré, Cais da Pedra<br />

(Lux) ou Santos.<br />

Mas até po<strong>de</strong> acontecer que surja<br />

um <strong>no</strong>vo eixo cultural e boémio <strong>no</strong>utra<br />

zona da cida<strong>de</strong>. “<strong>Lisboa</strong> tem<br />

dimensão para ter outros bairros culturais”,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Pedro Costa, “mas<br />

necessitariam <strong>de</strong> uma actuação<br />

pública mais vincada do que acontece<br />

<strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, seja <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> facilitar<br />

a apropriação do espaço pelas<br />

activida<strong>de</strong>s culturais, seja <strong>de</strong> disciplinar<br />

as operações urbanísticas que lá<br />

acontecem.”<br />

Quem sabe se qualquer coisa capaz<br />

<strong>de</strong> gerar uma dinâmica semelhante à<br />

do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> não po<strong>de</strong>rá nascer na<br />

Baixa, em Braço <strong>de</strong> Prata (Cabo Ruivo),<br />

on<strong>de</strong> a reutilização <strong>de</strong> espaços inexplorados<br />

é possível, na Almirante Reis,<br />

on<strong>de</strong> as rendas ainda são baratas, ou<br />

na zona industrial <strong>de</strong> Alcântara? O<br />

<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, algo congestionado, até<br />

era capaz <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer.<br />

12 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


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FOTOGRAFIAS DE ANTON CORBIJN<br />

Larry Mullen diz, <strong>de</strong> tempos a tempos,<br />

que os U2 são a sua banda. Historicamente,<br />

tem razão. Foi ele que em<br />

1976, em Dublin, afixou um anúncio<br />

na escola requisitando músicos para<br />

formar um grupo. The Edge e Bo<strong>no</strong><br />

foram alguns dos que respon<strong>de</strong>ram e<br />

o baixista Adam Clayton chegou como<br />

amigo do guitarrista. Ou seja, não fossem<br />

as audições organizadas por Mullen<br />

na cozinha da sua casa e aquela<br />

que é hoje consi<strong>de</strong>rada a maior banda<br />

do mundo não existiria.<br />

Por isso, o baterista que, como acontece<br />

com a maioria dos bateristas, é o<br />

membro da banda com me<strong>no</strong>s entradas<br />

em pesquisa do Google (tem 546<br />

mil, próximas das 750 mil <strong>de</strong> Adam<br />

Clayton, longe dos muitos milhões <strong>de</strong><br />

Bo<strong>no</strong> e Edge). Levanta a voz e exclama:<br />

“Os U2 são a minha banda!” Claro que<br />

não é para levar a sério e ele sabe-o.<br />

Citamo-lo, na Wikipedia, recordando<br />

os primeiros passos do grupo: “Fomos<br />

a Larry Mullen Band por cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

minutos, <strong>de</strong>pois Bo<strong>no</strong> apareceu e elimi<strong>no</strong>u<br />

qualquer hipótese que eu<br />

tivesse <strong>de</strong> estar <strong>no</strong> comando”.<br />

Se tal foi verda<strong>de</strong> nesse 1976 em<br />

que quatro adolescentes <strong>de</strong> Dublin,<br />

pouco dotados tecnicamente, se juntaram<br />

para tocar versões e tentar<br />

inventar alguns originais, inspirados<br />

pelos Clash e pelos Joy Division, hoje<br />

em dia é uma evidência inescapável.<br />

Os U2 são a última gran<strong>de</strong> banda<br />

<strong>de</strong> estádio, uma das poucas da sua<br />

geração a ter impacto real junto <strong>de</strong><br />

um público alargado e numa <strong>de</strong>pauperada<br />

indústria discográfica. Cada<br />

<strong>no</strong>vo disco é muito mais que um simples<br />

lançamento: é um acontecimento<br />

esmiuçado ao porme<strong>no</strong>r e<br />

analisado bem para além da música.<br />

“No Line On The Horizon”, álbum<br />

que põe fim ao maior hiato entre edições<br />

na história da banda - há cinco<br />

a<strong>no</strong>s a separá-lo <strong>de</strong> “How To Dismantle<br />

An Atomic Bomb” -, surge como<br />

<strong>no</strong>va prova disso mesmo.<br />

Acompanharam-se as movimentações<br />

da banda entre Marrocos,<br />

Holanda, Estados Unidos e Irlanda,<br />

especulando-se sobre uma revolução<br />

so<strong>no</strong>ra que incluiria transe magrebi<strong>no</strong><br />

e outras músicas africanas. Falou-se e<br />

sonhou-se com os resultados da parceria<br />

com os produtores Brian E<strong>no</strong> e<br />

Daniel La<strong>no</strong>is, ligados a alguns dos<br />

momentos mais criativos dos U2,<br />

como “Unforgettable Fire” ou<br />

“Achtung Baby”. E, com isso, veio tudo<br />

o resto. Se “How To Dismantle An Atomic<br />

Bomb” reflectia a era <strong>de</strong> chumbo<br />

da Administração Bush, controverso<br />

amigo pessoal <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong> (já lá vamos),<br />

“No Line On The Horizon”, a começar<br />

pela capa do fotógrafo japonês Hiroshi<br />

Sugimoto, sugere o reencontro com<br />

um certo equilíbrio.<br />

Rock e filantropia<br />

Naturalmente, tudo se centra em<br />

Bo<strong>no</strong>, o cantor <strong>no</strong>meado Sir por Elisabeth<br />

II, “o homem do a<strong>no</strong>” <strong>de</strong> 2005,<br />

distinguido pela “Time” ao lado do<br />

casal Bill e Melinda Gates, a estrela<br />

rock que é personagem política omnipresente,<br />

correndo da Casa Branca<br />

para o 10 <strong>de</strong> Downing Street numa<br />

tentativa <strong>de</strong> consciencializar a elite<br />

política da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvar África<br />

da fome, da sida, da miséria e da corrupção<br />

- não é por acaso que os seus<br />

admiradores lhe chamam Santo Bo<strong>no</strong>,<br />

não é por acaso que os <strong>de</strong>tractores lhe<br />

chamam o mesmo. Ele tenta separar<br />

as águas e distinguir a sua activida<strong>de</strong><br />

como filantropo da sua posição <strong>de</strong><br />

vocalista <strong>de</strong> uma banda rock, mas tem<br />

perfeita consciência que tal é impossível<br />

- o <strong>no</strong>vo álbum, <strong>de</strong> resto, está<br />

repleto <strong>de</strong> referências a isso mesmo.<br />

“Há o perigo <strong>de</strong> as pessoas começarem<br />

a ver os U2 como parte do espectáculo<br />

Bo<strong>no</strong>”, dizia Larry Mullen a<br />

Sean O’Hagan, jornalista do “Guardian”<br />

que acompanhou o longo processo<br />

<strong>de</strong> gravação <strong>de</strong> “No Line On The<br />

Horizon”. “Admiro e apoio tudo o que<br />

ele faz”, continuava, “mas afirmo categoricamente<br />

que não é isso que<br />

suce<strong>de</strong>”.<br />

Assim sendo, talvez o erro <strong>de</strong> percepção<br />

esteja <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso olhar. Talvez<br />

os U2, pela dimensão que têm - são<br />

uma das bandas que mais discos ven<strong>de</strong><br />

em todo o mundo e a que tem as<br />

digressões mais lucrativas -, não consigam<br />

escapar a essa leitura.<br />

Nesta altura, e já há muito, a música<br />

é apenas parte da equação. Não por<br />

acaso, todos os álbuns que editaram<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> “Pop” (1997) são analisados<br />

tendo o próprio percurso da banda<br />

como referência. Dizemo-los mais<br />

aventureiros ou mais conservadores,<br />

mais interventivos ou introspectivos<br />

por comparação com a sua obra, não<br />

com o pa<strong>no</strong>rama global da música<br />

popular urbana: tornaram-se um<br />

género acima dos géneros - e, nele, o<br />

Bo<strong>no</strong> “salvador do mundo” que muito<br />

fala e não canta é componente tão<br />

inescapável quanto a lumi<strong>no</strong>sida<strong>de</strong><br />

reverberante da guitarra <strong>de</strong> Edge.<br />

“No Line On The Horizon”, o <strong>no</strong>vo<br />

álbum, não po<strong>de</strong>ria nunca escapar a<br />

essa percepção - uma faca <strong>de</strong> dois<br />

gumes.<br />

Por um lado, torna a banda e os seus<br />

membros personalida<strong>de</strong>s com uma<br />

exposição e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influência<br />

ímpar <strong>no</strong> cenário musical: as suas<br />

i<strong>de</strong>ias, qualquer que seja o assunto,<br />

vão ser escutadas atentamente, amplificadas<br />

e discutidas <strong>no</strong> espaço<br />

público.<br />

Por outro, a sua relevância <strong>no</strong>s<br />

mecanismos criativos da cultura pop<br />

contemporânea está reduzida ao seu<br />

peso como instituição - e neste<br />

momento ele é tal que, num certo sentido,<br />

atingiram o patamar dos Rolling<br />

Stones: po<strong>de</strong>m mudar, po<strong>de</strong>m até i<strong>no</strong>var,<br />

mas nunca serão, como <strong>no</strong> passado,<br />

alavanca para a mudança.<br />

Além da auto-ironia <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong> quanto<br />

à sua dupla condição <strong>de</strong> músico e <strong>de</strong><br />

activista político - “be careful of small<br />

man with big i<strong>de</strong>as”, canta na <strong>no</strong>va<br />

“Stand up comedy”; “the right to be<br />

ridiculous is something I hold <strong>de</strong>ar”,<br />

informa em “I’ll go crazy if I don’t go<br />

crazy tonight” -, além da sua transparência<br />

e interesse nulo em manter uma<br />

imagem <strong>de</strong> estrela rock’n’roll politicamente<br />

correcta (o mundo, incluindo os<br />

companheiros <strong>de</strong> banda, irritou-se com<br />

os seus encontros com George W. Bush<br />

e ele respon<strong>de</strong>u com o maior apoio<br />

america<strong>no</strong> <strong>de</strong> sempre à prevenção da<br />

sida em África), além <strong>de</strong> tudo isto que<br />

não é a música mas são os U2, dizíamos,<br />

o mais interessante é ver como esta<br />

banda acredita na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marcar<br />

a agenda criativa da actualida<strong>de</strong>.<br />

De Fez para o mundo<br />

“No Line On The Horizon” começou<br />

a nascer na cida<strong>de</strong> marroquina <strong>de</strong> Fez.<br />

Após umas abortadas sessões <strong>de</strong> gravação<br />

com Rick Rubin, mítico produtor<br />

dos Beastie Boys e, <strong>de</strong>pois disso,<br />

responsável pela reabilitação criativa<br />

Os U2 são a última gran<strong>de</strong> banda <strong>de</strong> estádio, uma das poucas a ter impacto real junto <strong>de</strong> um públi c<br />

e cada <strong>no</strong>vo disco é um acontecimento analisado bem para além da música. “No Line On The Ho r<br />

“No Line On The Horizon” existe e i<br />

Música<br />

acontecimen


“Pessoas como eu,<br />

todos os activistas,<br />

po<strong>de</strong>m ser<br />

consi<strong>de</strong>rados<br />

culpados <strong>de</strong> achar<br />

que têm uma<br />

<strong>de</strong>sculpa para serem<br />

fundamentalistas.<br />

É por isso que tantos<br />

militantes<br />

anti-pobreza são tão<br />

aborrecidos.<br />

Eu incluído”<br />

Bo<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong> Johnny Cash, os U2 voltaram-se<br />

para terre<strong>no</strong>s mais familiares. Convocados<br />

Brian E<strong>no</strong> e Daniel La<strong>no</strong>is,<br />

reconvertido o jardim interior <strong>de</strong> um<br />

hotel <strong>de</strong> luxo em estúdio, começou o<br />

longo processo <strong>de</strong> gravação.<br />

Ao “Guardian”, Larry Mullen recordou<br />

as sessões em Fez como um período<br />

libertador: “Tocar música pelo<br />

simples prazer <strong>de</strong> o fazer, sem nenhum<br />

verda<strong>de</strong>iro objectivo à vista. Foi por<br />

vezes caótico, mas mesmo o caos foi<br />

criativo.” Acrescentou: “Por vezes per<strong>de</strong>mos<br />

consciência disso, com todas<br />

as outras coisas que agora surgem por<br />

estarmos <strong>no</strong>s U2.”<br />

As “outras coisas” <strong>de</strong> que fala são,<br />

por exemplo, ver Paul Allen, co-fundador<br />

da Microsoft e um dos homens<br />

mais ricos do mundo, aparecer <strong>no</strong><br />

estúdio para uma jam com a sua banda<br />

amadora, são Bo<strong>no</strong> a oferecer um jantar<br />

à Rainha da Jordânia e a acolhe-la<br />

<strong>no</strong> dia seguinte como espectadora <strong>de</strong><br />

um ensaio - dois mundos a colidir, o<br />

da aristocracia mediática e o da banda<br />

rock entregue à gravação <strong>de</strong> um disco.<br />

Bo<strong>no</strong> nega tal conflito: “Quando estou<br />

com os U2 a fazer o trabalho dos U2<br />

têm-me a cem por cento ou não estaria<br />

aqui agora e certamente que não teríamos<br />

feito um álbum como este.”<br />

Explica: “Entrego o meu tempo à<br />

minha família, à minha banda e ao<br />

meu interesse pelo mundo.” Segundo<br />

ele, não há interferências entre cada<br />

um dos pla<strong>no</strong>s. Vejamos.<br />

Diz compreen<strong>de</strong>r os que vêem nele<br />

uma personalida<strong>de</strong> irritante: “Pessoas<br />

como eu, todos os activistas, po<strong>de</strong>m<br />

ser consi<strong>de</strong>rados culpados <strong>de</strong> achar<br />

que, como lidam com questões <strong>de</strong> vida<br />

ou <strong>de</strong> morte, têm uma <strong>de</strong>sculpa para<br />

serem fundamentalistas. É por isso<br />

que tantos militantes anti-pobreza são<br />

tão aborrecidos. Eu incluído.” A sua<br />

posição enquanto vocalista surge,<br />

então, como reflexo da exposição<br />

enquanto “militante irritante”: “[A<br />

vida <strong>no</strong>s U2] tor<strong>no</strong>u-se um lugar muito<br />

privado e muito especial. As canções<br />

tornaram-se mais intimistas. [Com “No<br />

Line On The Horizon”] queria chegar<br />

a um lugar íntimo, interior. Quero<br />

escapar ao sujeito e ao tema e torná-los<br />

puro intercâmbio.”<br />

“No Line On The Horizon”, preparado<br />

ao longo <strong>de</strong> dois longos a<strong>no</strong>s,<br />

criado a partir <strong>de</strong> sessões <strong>de</strong> gravação<br />

que produziram cerca <strong>de</strong> seis <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> canções - prevê-se que, até ao final<br />

do a<strong>no</strong>, seja editado um <strong>no</strong>vo álbum<br />

com o material exce<strong>de</strong>nte -, não é propriamente<br />

esse lugar privado. Bo<strong>no</strong><br />

satiriza a sua própria imagem, dá voz<br />

a soldados em guerra num lugar in<strong>de</strong>finido<br />

- mas é <strong>no</strong> Médio Oriente, obviamente,<br />

que os imaginamos -, atira amor<br />

cristão sobre o presente e exclama:<br />

“The future needs a big kiss.”<br />

Não há espaço para intimida<strong>de</strong><br />

quando o mundo espera ler-se a si<br />

mesmo nas palavras e na música <strong>de</strong><br />

uma banda rock. Não é possível separar<br />

a estrela rock do cidadão filantropo<br />

quando a banda se tor<strong>no</strong>u maior que<br />

a sua própria música.<br />

Chegou o <strong>no</strong>vo disco do maior<br />

grupo do mundo e o ruído do<br />

momento é amplificado pelo facto <strong>de</strong><br />

os U2, como aponta Sean O’Hagan,<br />

serem os últimos a “insistir que o rock<br />

tem um qualquer significado superior,<br />

num tempo em que o formato parece<br />

perseguido pela sua falta <strong>de</strong> ressonância<br />

cultural”.<br />

Pois bem, aí o temos. Justa ou injustamente,<br />

tudo o resto (a re<strong>no</strong>vação<br />

estética, os temas abordados, a ironia<br />

e o intimismo <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>) é secundário.<br />

“No Line On The Horizon” existe. Eis<br />

o acontecimento.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 44 e 45<br />

i co alargado. São a banda <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>, estrela rock e filantropo,<br />

o rizon” surge como <strong>no</strong>va prova disso mesmo. Mário Lopes<br />

e isso é um<br />

nto<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 15


Simone e Zélia Duncan nunca tinham<br />

pensado em cantar juntas. Mas uma<br />

sucessão <strong>de</strong> acasos levou-as a partilharem<br />

o palco, num espectáculo que<br />

só agora sai do Brasil para três apresentações<br />

em Portugal: dia 2 na<br />

Figueira da Foz (CAE), 3 <strong>no</strong> Porto<br />

(Coliseu) e 6 em <strong>Lisboa</strong> (Campo<br />

Peque<strong>no</strong>).<br />

Simone conta como tudo suce<strong>de</strong>u:<br />

“Temos um amigo comum, [o produtor<br />

e compositor] Hermínio Bello <strong>de</strong><br />

Carvalho, que foi com quem comecei.<br />

A Zélia e a Bia Paes Leme estavam a<br />

produzir um disco do Hermínio e fui<br />

convidada a participar numa das faixas,<br />

‘Ouro e incenso’, música <strong>de</strong>le<br />

com o Martinho da Vila. Gravei.<br />

Semanas <strong>de</strong>pois, fui gravar o meu<br />

DVD e convi<strong>de</strong>i a Zélia a participar,<br />

junto com Milton e Ivan Lins.”<br />

Foi <strong>no</strong> Teatro João Caeta<strong>no</strong>, em<br />

Agosto <strong>de</strong> 2005. Mas o convite nasceu<br />

<strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> canções. Simone<br />

pedira a Zélia que fizesse uma versão<br />

<strong>de</strong> “The Blowers’s Daughter”, <strong>de</strong><br />

Damien Rice, e Zélia ripostara<br />

enviando-lhe uma versão <strong>de</strong> “La edad<br />

<strong>de</strong>l cielo”, <strong>de</strong> Jorge Drexler, feita por<br />

Paulinho Moska, propondo-lhe que<br />

a ouvisse. “Quer cantar comigo?”,<br />

perguntou Simone. Quis. “E aí começou.”<br />

No lançamento do DVD <strong>de</strong> Simone,<br />

<strong>no</strong> Canecão, Zélia também subiu ao<br />

palco. Na plateia estava Márcia Alvarez,<br />

directora artística do Tom Brasil,<br />

que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> as ouvir as <strong>de</strong>safiou a<br />

fazerem um espectáculo juntas. Zélia<br />

aceitou: “Tenho a minha carreira,<br />

faço milhares <strong>de</strong> coisas ao mesmo<br />

tempo e achei maravilhoso estar com<br />

uma artista como a Simone, que sempre<br />

admirei tanto.” Simone recorda:<br />

“O primeiro espectáculo foi em<br />

Agosto <strong>de</strong> 2006, <strong>de</strong>pois fizemos outro<br />

<strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro em Dezembro e o<br />

disco foi gravado em Outubro do a<strong>no</strong><br />

seguinte, 2007.” E chegou às lojas <strong>no</strong><br />

Brasil em Junho <strong>de</strong> 2008 com o título<br />

“Amigo é Casa”, logo seguido do<br />

DVD.<br />

Esta é, em síntese, a história do<br />

projecto. “O reportório estava pronto<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, nada foi mudado”, diz<br />

Simone. “A única música que foi<br />

acrescentada foi ‘Amigo é casa’, que<br />

<strong>de</strong>u o <strong>no</strong>me ao CD e ao DVD. É uma<br />

música lindíssima [parceria <strong>de</strong> Hermínio<br />

com Capiba] que sempre foi<br />

pensada como extra. A gente reunia<br />

as pessoas na casa do Hermínio ou<br />

na minha casa e conversava sobre a<br />

“Na verda<strong>de</strong>, das 26<br />

músicas que foram<br />

gravadas, só oito ou<br />

<strong>no</strong>ve cantámos<br />

separadas. Então,<br />

em 70 por cento do<br />

espectáculo estamos<br />

cantando juntas.<br />

É uma dupla,<br />

mesmo”, diz Simone.<br />

Zélia concorda:<br />

“Somos duas<br />

cantoras solistas<br />

mas aqui somos<br />

uma dupla, tudo<br />

foi feito para que<br />

cantássemos juntas,<br />

o que dá um tom<br />

singular ao projecto”<br />

amiza<strong>de</strong>, a família e cantava essa<br />

música.” É assim, aliás, que surge <strong>no</strong><br />

DVD da dupla, gravado em casa <strong>de</strong><br />

Simone, como único bónus extraconcerto.<br />

Mas em Portugal, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> 15 shows pelo Brasil, a canção vai<br />

mesmo ser incluída <strong>no</strong> espectáculo.<br />

“É uma <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> que vocês vão<br />

po<strong>de</strong>r ver”, diz Zélia. “É um momento<br />

muito bonito, só voz e violão on<strong>de</strong> a<br />

gente canta juntas ‘Amigo é casa’,<br />

mais ou me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> meio do espectáculo.”<br />

Uma dupla, mesmo<br />

Des<strong>de</strong> o início, ambas garantem que<br />

resistiram à tentação da facilida<strong>de</strong>.<br />

Simone disse a Márcia, em resposta<br />

ao convite: “Não vamos reunir <strong>de</strong>z<br />

sucessos e cantá-los porque vai ficar<br />

uma coisa muito chata, ridícula, sem<br />

nenhuma criativida<strong>de</strong>. Vamos tentar<br />

fazer uma coisa que a gente nunca<br />

tenha cantado.” Zélia acrescenta:<br />

“Quisemos escolher um reportório<br />

que não fosse óbvio. E foi muito emocionante.<br />

Fizemos uma lista do que<br />

pu<strong>de</strong>sse ser relevante para ser registado,<br />

que não parecesse um truque.”<br />

Assim vieram “Meu ego” (Roberto e<br />

Erasmo Carlos), “Gatas extraordinárias”<br />

(Caeta<strong>no</strong>), “Grávida” (Marina<br />

Lima e Arnaldo Antunes). Ou “A companheira”,<br />

<strong>de</strong> Luiz Tatit, que Zélia<br />

canta sozinha ao longo <strong>de</strong> seis minutos.<br />

“É maravilhosa, mas jamais vou<br />

<strong>de</strong>corar uma música <strong>de</strong>sse tamanho”,<br />

diz Simone. “Luiz Tatit é um compositor<br />

da vanguarda paulista e é um<br />

dos meus ídolos”, justifica Zélia. “A<br />

canção é uma história linda, mas difícil.”<br />

E há também a versão <strong>de</strong> “The<br />

Blower’s Daughter”, que Zélia escreveu<br />

para Simone como “Então me<br />

diz” e é agora cantada pelas duas. “A<br />

gente não sabia que a Ana Carolina<br />

também estava a fazer uma versão<br />

[com o título ‘É isso aí’]. O escritório<br />

do Damien Rice <strong>de</strong>u os direitos à<br />

Simone para ela gravar, eu fiz a versão,<br />

e só na véspera soube da outra<br />

versão. Que loucura! Foi uma coincidência,<br />

mesmo...”<br />

Já a intenção <strong>de</strong> acentuar o trabalho<br />

a duas foi tudo me<strong>no</strong>s coincidência.<br />

“Na verda<strong>de</strong>, das 26 músicas que<br />

foram gravadas, só oito ou <strong>no</strong>ve cantámos<br />

separadas. Então, em 70 por<br />

cento do espectáculo estamos cantando<br />

juntas. É uma dupla, mesmo”,<br />

diz Simone. Zélia concorda: “Somos<br />

duas cantoras solistas mas aqui somos<br />

uma dupla, tudo foi feito para que<br />

cantássemos juntas, o que dá um tom<br />

singular ao projecto.”<br />

“As vozes combinaram bastante”,<br />

diz Simone. “Visto <strong>de</strong> fora, não tenho<br />

nada a ver com a Zélia e ela não tem<br />

nada a ver comigo. É <strong>de</strong> uma geração<br />

mais <strong>no</strong>va que a minha, é uma cantora<br />

pop, rock, mas também viaja<br />

pelo universo do samba. Tem uma<br />

cultura musical muito boa, é uma<br />

cantora e compositora muito boa,<br />

mas acredito que ela jamais tenha<br />

pensado (como eu também não pensei)<br />

que um dia cantaríamos juntas.”<br />

Já Zélia Duncan recorda Simone<br />

como uma referência antiga. “Comecei<br />

a cantar com 16 a<strong>no</strong>s e Simone,<br />

como Bethânia, Elis, Elizeth Cardoso,<br />

Gal Costa, sempre foram meus ídolos.<br />

Eu morava em Brasília e a primeira<br />

vez que vim ao Rio, ao Canecão, foi<br />

para assistir a um show da Simone.<br />

Então, voltarmos àquele palco as<br />

duas, juntas, foi uma gran<strong>de</strong> emoção<br />

para mim.” Simone também dá muito<br />

valor à experiência. E por uma razão<br />

acrescida: “Adoro dividir o palco,<br />

adoro cantar junto, sempre fui colectivo.<br />

Você apren<strong>de</strong> uma lição quando<br />

divi<strong>de</strong> o palco: é que não po<strong>de</strong> ultrapassar<br />

essa linha ténue do seu companheiro<br />

ou companheira. Tem que<br />

se ser mais rigoroso.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos pág. 44 e agenda<br />

<strong>de</strong> concertos pág. 42<br />

Música<br />

uma<br />

O primeiro espectáculo musical a que Zélia<br />

Duas em<br />

Duncan assistiu <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, na sua juventu<strong>de</strong>,<br />

foi <strong>de</strong> Simone. Agora andam juntas pelos palcos<br />

e, antes <strong>de</strong> uma digressão em Portugal explicam<br />

como e porquê. Nu<strong>no</strong> Pacheco<br />

Simone, à direita,<br />

diz que “as vozes<br />

combinaram<br />

bastante”<br />

16 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


RENATO NUNES<br />

Associado ao surto <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong><br />

dos últimos a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> jazz nacional,<br />

Nelson Cascais saltou, <strong>de</strong> forma quase<br />

imperceptível, para a linha da frente<br />

dos contrabaixistas portugueses.<br />

Subitamente, e ainda enquanto<br />

alu<strong>no</strong> da escola do Hot Clube <strong>de</strong> Portugal,<br />

o seu <strong>no</strong>me passou a alinhar<br />

com os mais <strong>de</strong>stacados músicos <strong>de</strong><br />

jazz, ao mesmo tempo que era solicitado<br />

para tocar e gravar com Isaac<br />

Turienzo, Abe Rába<strong>de</strong> e Jesús Santandreu<br />

e para acompanhar músicos<br />

<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s e europeus <strong>de</strong> passagem<br />

por Portugal.<br />

Aos 20 a<strong>no</strong>s, apresentou-se durante<br />

três <strong>no</strong>ites com Rick Margitza, o primeiro<br />

<strong>de</strong> vários músicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

internacional com quem pisou o<br />

palco, entre eles Maria Schnei<strong>de</strong>r,<br />

David Binney, Aaron Goldberg, Antonio<br />

Faraò, Rich Perry, Jerome Richardson<br />

ou Antonio Sanchez.<br />

Nelson Cascais relembra que a sua<br />

atracção pela música começou cedo.<br />

“Contam os meus pais que, com três<br />

ou quatro a<strong>no</strong>s, ficava atento a ouvir<br />

a música clássica na RDP. Além disso,<br />

como tinha ple<strong>no</strong> acesso à aparelhagem<br />

e aos discos, tinha sempre<br />

música a tocar.” Era uma família marcada<br />

pela música: “O meu pai tocava<br />

guitarra e cantava. Tinha tido os seus<br />

conjuntos <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> 50 e 60 e contava-me<br />

imensas histórias, que me<br />

fascinavam. A minha mãe passava o<br />

dia a cantar, e cantava bem. Tinha eu<br />

sete ou oito a<strong>no</strong>s, ofereceram-me um<br />

órgão electrónico, com o qual brinquei<br />

à música até aos 14.”<br />

Foi então que um professor do<br />

liceu se lembrou <strong>de</strong> formar uma<br />

banda <strong>de</strong> alu<strong>no</strong>s para tocar na festa<br />

<strong>de</strong> final <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. “Não havia baixista<br />

e ofereci-me. Nunca tinha tocado<br />

baixo até então. O meu irmão mais<br />

velho tocava numa banda <strong>de</strong> rock e<br />

comecei a praticar na guitarra <strong>de</strong>le,<br />

até que o professor me emprestou o<br />

seu baixo eléctrico. Safei-me e nasceu<br />

um baixista. Foi uma viragem na<br />

minha vida, porque nunca me tinha<br />

sentido feliz <strong>no</strong> meio escolar. Até<br />

então sentira-me sempre <strong>de</strong>senquadrado.<br />

Mas, a partir <strong>de</strong>sse momento,<br />

a escola passou para um segundo<br />

pla<strong>no</strong> e tor<strong>no</strong>u-se suportável porque<br />

per<strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> me afligir.”<br />

O papel do irmão tor<strong>no</strong>u-se crucial,<br />

principalmente quando <strong>de</strong>cidiu oferecer<br />

ao jovem Nelson o seu primeiro<br />

baixo eléctrico. A música nunca mais<br />

lhe sairia da cabeça: “Vieram as bandas<br />

<strong>de</strong> garagem, o rock alternativo,<br />

que me marcou <strong>de</strong>finitivamente com<br />

Joy Divison, The Smiths, Bauhaus. E<br />

<strong>de</strong>pois, nem sei como, chega-me o<br />

‘Tutu’ do Miles Davis. Por essa altura,<br />

e por achar que po<strong>de</strong>ria ser ‘cool’<br />

Nelson Cascais O meni<strong>no</strong> bonito do<br />

jazz<br />

Música<br />

Um professor do liceu lembrou-se <strong>de</strong> formar uma banda <strong>de</strong> alu<strong>no</strong>s para tocar na festa<br />

<strong>de</strong> final <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. Aí “nasceu um baixista”. Nelson Cascais lança “Guruka”, disco que volta<br />

a dar conta <strong>de</strong> um espírito arrojado e aberto a diversas influências. Paulo Barbosa<br />

18 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


“O que <strong>de</strong>sejo<br />

verda<strong>de</strong>iramente<br />

é que a minha música<br />

provoque emoções<br />

em quem a escuta”<br />

ouvir jazz com os amigos, comprei<br />

na feira da ladra dois discos <strong>de</strong> jazz:<br />

‘Random Abstract’ do Brandford Marsalis<br />

e um do Sexteto <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

com Mário Laginha, Jorge Reis,<br />

Tomás Pimentel...”<br />

Foi com o grupo <strong>de</strong> Mário Laginha<br />

que teve a sorte <strong>de</strong> se <strong>de</strong>parar logo<br />

na sua primeira ida ao Hot Clube.<br />

“Nunca esquecerei o impacto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer<br />

as escadinhas e ver aqueles ‘craques’<br />

a tocar à minha frente. O interesse<br />

pelo jazz começou a acentuar-se<br />

e, com ele, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ir para a Escola<br />

do Hot.”<br />

Orgânico<br />

Aos 18 a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong> baixo eléctrico na<br />

mão, Nelson foi bater à porta da<br />

Escola <strong>de</strong> Jazz Luiz Villas-Boas do<br />

HCP. Recorda “uma feliz conversa<br />

com o Eng.º Bernardo Moreira, que<br />

<strong>de</strong>spertou a curiosida<strong>de</strong> pelo contrabaixo.”<br />

Foi também por essa altura<br />

que a namorada, actualmente sua<br />

mulher e mãe da pequena “Guruka”<br />

- a Madalena, <strong>de</strong> dois a<strong>no</strong>s - lhe ofereceu<br />

uma colectânea com gran<strong>de</strong>s<br />

<strong>no</strong>mes do jazz, como Charles Mingus,<br />

Art Blakey, Clifford Brown, Max<br />

Roach e Billie Holliday, “na esperança”<br />

<strong>de</strong> que se “<strong>de</strong>ixasse seduzir<br />

pela so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong> do contrabaixo, instrumento<br />

<strong>de</strong> que ela muito gostava”.<br />

“Foi com estes discos que, <strong>de</strong>finitivamente,<br />

me apaixonei pelo jazz e pelo<br />

contrabaixo.”<br />

Consi<strong>de</strong>ra um privilégio ter tido<br />

aulas com os contrabaixistas Carlos<br />

Barretto e Bernardo Moreira. Reconhece<br />

neste último “um mentor”:<br />

“Sempre que não podia fazer um concerto<br />

mandava-me em seu lugar. Tive<br />

oportunida<strong>de</strong>s incríveis, que aceitei<br />

sempre e com as quais aprendi<br />

imenso.” Pedro Moreira, que pouco<br />

tempo <strong>de</strong>pois tomou as ré<strong>de</strong>as da<br />

escola, conta-<strong>no</strong>s que “o Nelson era<br />

um alu<strong>no</strong> extremamente <strong>de</strong>dicado e<br />

‘sacava’ os temas todos. Em pouco<br />

tempo, tinha um excelente som <strong>de</strong><br />

contrabaixo e um tempo muito bom.<br />

O fraseio, a linha <strong>de</strong> baixo... já estava<br />

tudo certo.”<br />

O mesmo Pedro Moreira, que agora<br />

integra o grupo do contrabaixista,<br />

consi<strong>de</strong>ra-o “um lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong><br />

e inteligência, que sabe o<br />

que quer, mas sabe também <strong>de</strong>ixar<br />

espaço para o resto do pessoal opinar,<br />

ouvindo-<strong>no</strong>s sempre. É um<br />

músico com muito bom gosto, muito<br />

orgânico, com tudo integrado.”<br />

Por causa <strong>de</strong> uma agenda preenchida,<br />

a sua carreira tem-se pautado<br />

por um hiato <strong>de</strong> três a<strong>no</strong>s entre cada<br />

edição discográfica, mas o seu percurso<br />

como lí<strong>de</strong>r não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser,<br />

ainda assim, um dos mais admirados<br />

pela crítica e amantes <strong>de</strong>ste género<br />

musical.<br />

Da mesma forma que os mais <strong>de</strong>slumbrantes<br />

finais <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> vivem do<br />

contraste entre as nuvens <strong>no</strong> horizonte<br />

e a luz do sol, a música <strong>de</strong> Nelson<br />

Cascais é rica em subtis sombreados<br />

que não fazem senão sobressair<br />

o esplendor das suas melodias. Se o<br />

seu álbum <strong>de</strong> estreia, “Ciclope”, se<br />

co<strong>no</strong>tava com um jazz mais tradicional,<br />

o registo seguinte, “Nine Stories”,<br />

veio afirmar a originalida<strong>de</strong> e<br />

o elevado apuramento estético <strong>de</strong> um<br />

compositor dig<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>ta. Os angulosos<br />

contor<strong>no</strong>s das histórias musicais<br />

do contrabaixista eram limados<br />

pela elevada proficiência dos músicos<br />

do seu quinteto até ao difícil ponto<br />

<strong>de</strong> equilíbrio entre o <strong>de</strong>safiante e o<br />

acessível, entre uma urgência intensamente<br />

visceral e uma lógica profundamente<br />

racional. O resultado foi<br />

uma das gran<strong>de</strong>s edições <strong>de</strong> 2005.<br />

Lançado este a<strong>no</strong>, “Guruka” volta<br />

a dar conta <strong>de</strong> um espírito arrojado<br />

e aberto às mais diversas influências.<br />

“Toda a música que ouvi até hoje contribuiu<br />

para o meu imaginário musical<br />

e acredito que estarão presentes<br />

todas essas influências <strong>no</strong> meu processo<br />

criativo”, diz, na tentativa <strong>de</strong><br />

explicar o ecletismo que caracteriza<br />

a sua música.<br />

“No início eram os Supertramp,<br />

Kate Bush, Joy Division e Smiths.<br />

Depois Tom Jobim, Chico Buarque e<br />

Djavan.” Já na área do jazz, refere<br />

Charles Mingus, “pela intensida<strong>de</strong> e<br />

profundida<strong>de</strong> da sua escrita, pela<br />

forma como a tradição está sempre<br />

presente na sua música, a par <strong>de</strong> toda<br />

a irreverência e vanguardismo”;<br />

Wayne Shorter, “pela sofisticação e<br />

ambiguida<strong>de</strong> harmónica e porque<br />

continua, com quase 80 a<strong>no</strong>s, a trilhar<br />

<strong>no</strong>vos caminhos nesta forma <strong>de</strong><br />

arte.” É também gran<strong>de</strong> admirador<br />

<strong>de</strong> Tony Williams: “Como se não bastasse<br />

ser ‘o baterista <strong>de</strong> jazz’ - eh pá,<br />

o Elvin Jones também, pois claro -, é<br />

também um gran<strong>de</strong> compositor.”<br />

De Radiohead a Bach<br />

Da <strong>no</strong>va geração, <strong>de</strong>staca David Binney,<br />

“pelo eclectismo da sua composição,<br />

com todas as referências e sem<br />

preconceitos.” A pop nunca <strong>de</strong>ixou,<br />

porém, <strong>de</strong> invadir as suas audições:<br />

“Os Radiohead são uma gran<strong>de</strong> fonte<br />

<strong>de</strong> inspiração. Melodias geniais e harmonias<br />

sofisticadíssimas. Imbatíveis”.<br />

Cita ainda Rufus Wainwright e Elliott<br />

Smith como “excelentes escritores<br />

<strong>de</strong> canções”. Mas também, na clássica,<br />

“Prokofiev, Mahler e Bach, sempre<br />

Bach.”<br />

A empatia entre os cinco membros<br />

do <strong>no</strong>vo quinteto <strong>de</strong> Cascais é evi<strong>de</strong>nte<br />

em toda a música <strong>de</strong> “Guruka”.<br />

“O Pedro Moreira e o André Fernan<strong>de</strong>s<br />

tornam a minha música, que<br />

po<strong>de</strong> por vezes ter alguma complexida<strong>de</strong>,<br />

sempre mais fácil. Nunca<br />

ensaiamos muito, não é preciso explicar<br />

nada e fazem solos brutais... É um<br />

gozo e<strong>no</strong>rme. O João Paulo é um<br />

músico <strong>de</strong> uma sensibilida<strong>de</strong> elevadíssima,<br />

livre <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong><br />

clichés na sua linguagem. Tem uma<br />

voz imensamente forte, pessoal, mas<br />

consegue encontrar o seu espaço na<br />

minha música, à qual trouxe uma<br />

so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte e que me<br />

apraz imenso. Apesar <strong>de</strong> ter apenas<br />

21 a<strong>no</strong>s, o Iago Fernan<strong>de</strong>z é já um<br />

gigante. Tocar com ele é uma experiência<br />

incrível, pela energia, pela<br />

interacção, pelo som, pela leveza,<br />

pela inteligência... Enfim, reúne todas<br />

as características que aprecio num<br />

baterista <strong>de</strong> jazz contemporâneo.”<br />

Reconhece as vantagens <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

compor para estes músicos. “É muito<br />

bom po<strong>de</strong>r imaginar como a música<br />

irá soar nas suas mãos e po<strong>de</strong>r<br />

escrevê-la para que soe especialmente<br />

bem porque será tocada por<br />

aquele músico que tem aquele som<br />

e aquele discurso. Consigo antever<br />

que uma <strong>de</strong>terminada melodia tocada<br />

pelo André em unísso<strong>no</strong> com o Pedro<br />

po<strong>de</strong> soar muito bem. Por outro lado,<br />

sei que posso escrever qualquer progressão<br />

harmónica porque eles dão<br />

conta do recado.”<br />

Sobre a carga emocional não raras<br />

vezes evi<strong>de</strong>nte na sua música, garante<br />

nunca partir <strong>de</strong> um sentimento ou<br />

emoção para compor, mas admite:<br />

“Ao compor, sou por vezes levado por<br />

um caminho em que me é clara a ligação<br />

a um <strong>de</strong>terminado estado <strong>de</strong> espírito.<br />

Mas o que <strong>de</strong>sejo verda<strong>de</strong>iramente<br />

é que a minha música provoque<br />

emoções em quem a escuta.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos pág. 44 e segs.<br />

SEX <br />

21:00 SALA SUGGIA<br />

<br />

REMIX ENSEMBLE<br />

<br />

<br />

<br />

(Homenagem a Haydn)¹<br />

<br />

, para violoncelo e ensemble²<br />

<br />

, para violoncelo e ensemble<br />

<br />

1 Estreia mundial, encomenda da Casa da Música<br />

2 Encomenda Casa da Música<br />

Ensemble<br />

Intercontemporain<br />

temporain<br />

SEX<br />

<br />

Um programa on<strong>de</strong> o<br />

violoncelo merece <strong>de</strong>staque<br />

enquanto instrumento<br />

solista, proporcionado<br />

pelos mais aclamados<br />

compositores <strong>de</strong> origem<br />

grega do séc. XX. Em estreia<br />

mundial, uma <strong>no</strong>va obra<br />

do Jovem Compositor em<br />

Residência 09.<br />

<br />

<br />

Obras <strong>de</strong>e<br />

O regresso à Casa da Música do mais prestigiado agrupamento<br />

mundial <strong>de</strong> música contemporânea<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 19


“Tudo começou com uma brinca<strong>de</strong>ira”,<br />

diz Luís Bragança Gil, o gran<strong>de</strong><br />

impulsionador <strong>de</strong> “Deus. Pátria. Revolução”.<br />

Mas até chegar aqui a coisa foi<br />

mudando <strong>de</strong> figura: tor<strong>no</strong>u-se séria,<br />

sem per<strong>de</strong>r o humor. O compositor,<br />

maestro e musicólogo já andava a<br />

estudar a canção política em Portugal<br />

(entre 1960 e 1985). As suas investigações<br />

levaram-<strong>no</strong> a <strong>de</strong>scobrir também<br />

música oficial do regime salazarista<br />

<strong>no</strong>s arquivos. Por outro lado, foi<br />

reler Fernando Lopes-Graça e revisitar<br />

uma das suas obras mais explícitas<br />

i<strong>de</strong>ologicamente: as “Marchas, Danças<br />

e Canções” (<strong>de</strong>pois chamadas<br />

“Heróicas”), canções <strong>de</strong> luta anti-fascista<br />

com textos <strong>de</strong> poetas cúmplices<br />

(José Gomes Ferreira, Mário Dionísio,<br />

Carlos <strong>de</strong> Oliveira, entre outros),<br />

escritas para serem cantadas por<br />

qualquer um - “pelo povo”. Luís Bragança<br />

Gil liga o ponto <strong>de</strong> partida a<br />

uma perplexida<strong>de</strong>: “Estive a reler o<br />

que o Graça escreveu, tenho muita<br />

admiração pela obra, pela pessoa e<br />

pelo intelectual. E fiquei perplexo<br />

com as ‘Marchas, Danças e Canções’.<br />

Aquela obra tem uma questão: é a sua<br />

obra mais datada, são canções fixadas<br />

<strong>no</strong> tempo, é uma obra carregada <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ologia, e levantou-me questões.”<br />

“A ausência <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ologia faz com que<br />

inventemos hi<strong>no</strong>s<br />

vazios, e po<strong>de</strong>mos<br />

cantar o futebol,<br />

gritar ‘Angola é <strong>no</strong>ssa’<br />

ou dizer ‘coca-cola é<br />

que é” Luís Bragança<br />

Gil, musicólogo<br />

Massas e marchas<br />

“Deus. Pátria. Revolução” surgiu antes<br />

<strong>de</strong> mais como uma tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r<br />

a essa perplexida<strong>de</strong>: “Claro<br />

que aquela obra não era para músicos,<br />

mas para toda a gente po<strong>de</strong>r cantar.<br />

Mesmo sabendo isso não se compreen<strong>de</strong><br />

a linguagem que utiliza. Como<br />

um homem com i<strong>de</strong>ias tão claras<br />

sobre o papel do artista, uma clareza<br />

i<strong>de</strong>ológica tão gran<strong>de</strong>, faz ao mesmo<br />

tempo uma música carregada <strong>de</strong> uma<br />

linguagem que <strong>no</strong>s põe dúvida sobre<br />

a i<strong>de</strong>ologia que este homem está a<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Quando se quer levar as<br />

massas, as marchas têm <strong>de</strong> ter sempre<br />

a mesma linguagem...”.<br />

Questão equívoca, difícil e repisada<br />

da forma e do conteúdo? Sim, também.<br />

Pois foi mesmo essa a i<strong>de</strong>ia que<br />

provocou a explosão musical <strong>de</strong><br />

“Deus. Pátria. Revolução”, em que há<br />

canções gravadas, uma orquestra,<br />

solistas e um coro, há hi<strong>no</strong>s <strong>de</strong> direita<br />

e <strong>de</strong> esquerda, hi<strong>no</strong>s da Mocida<strong>de</strong> Portuguesa<br />

e canções <strong>de</strong> luta proibidas<br />

pelo regime. Mas sem confusões nem<br />

branqueamentos. Luísa Costa Gomes,<br />

escritora e co-autora da dramaturgia<br />

do espectáculo, faz questão <strong>de</strong> sublinhar<br />

que “não são todos iguais. Eu<br />

nisso sou muito pouco pós-mo<strong>de</strong>rna.<br />

Uma coisa é um hi<strong>no</strong> fascista que<br />

manda as pessoas para a guerra e<br />

outra é uma canção <strong>de</strong> luta que procura<br />

que as pessoas tomem consciência<br />

da sua situação. Isso não ponho<br />

nada ao mesmo nível. É evi<strong>de</strong>nte para<br />

nós, é um ponto <strong>de</strong> partida.”<br />

Apesar disso, Luís Bragança Gil vai<br />

bastante longe na exploração das tipologias<br />

musicais que percorreram o<br />

século XX. Algumas chegaram mesmo<br />

até aos <strong>no</strong>ssos dias, como os hi<strong>no</strong>s do<br />

futebol, com que também se brinca (a<br />

sério) neste teatro musical que promete<br />

não <strong>de</strong>ixar ninguém indiferente,<br />

e talvez mesmo reabrir <strong>de</strong>bates sobre<br />

a socieda<strong>de</strong> actual tanto como acerca<br />

das formas musicais que são parte da<br />

memória colectiva.<br />

Só para ico<strong>no</strong>clastas<br />

“Os hi<strong>no</strong>s são frutos perversos”, como<br />

diz a canção <strong>de</strong> Sérgio Godinho (“Os<br />

hi<strong>no</strong>s”) que não entra neste espectáculo,<br />

mas tem tudo a ver com ele. Entre<br />

o “conservadorismo da esquerda tradicional<br />

e o imenso conservadorismo do<br />

regime”, diz Luísa Costa Gomes, aparecem<br />

neste teatro musical, num outro<br />

pla<strong>no</strong>, várias canções <strong>de</strong> Zeca Afonso.<br />

Luís Bragança Gil explica porquê: “Não<br />

é por acaso que as canções do Zeca<br />

Afonso têm uma função completamente<br />

diferente e são cantadas quase sempre<br />

por solistas e <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>purada.”<br />

Luísa Costa Gomes pensa que<br />

Zeca Afonso “é outra coisa, como<br />

músico <strong>de</strong> excepção, cantor <strong>de</strong> excepção,<br />

como pessoa <strong>de</strong> excepção. Ouve-se<br />

a música do Zeca e ela está <strong>no</strong>utro nível,<br />

tem uma consistência, uma gran<strong>de</strong>za,<br />

uma beleza que me comove. Transcen<strong>de</strong><br />

a circunstância.”<br />

A escritora lembra-se da letra e da<br />

música da “Chula da Póvoa”, uma canção<br />

<strong>de</strong> José Afonso que ali está presente:<br />

“Tenho mais <strong>de</strong> mil amigos e<br />

não me sinto só, é extraordinário, é<br />

isso para mim a <strong>no</strong>ção da pátria. O que<br />

é o sítio on<strong>de</strong> vivemos e on<strong>de</strong> lutamos.<br />

Aqui é que estão os meus amigos. Não<br />

é uma i<strong>de</strong>ia abstracta, é concreta.” A<br />

dramaturgia que fez foi acompanhada<br />

<strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira “dramaturgia musical”<br />

que implicava “avaliar a compatibilida<strong>de</strong><br />

das canções entre si, dos ritmos,<br />

etc. A parte musical é feita ainda<br />

sobre a minha dramaturgia”, explica<br />

Luísa Costa Gomes.<br />

Depois há ainda o trabalho do encenador,<br />

António Pires. “O António concretiza<br />

teatralmente as i<strong>de</strong>ias”, diz<br />

Costa Gomes, “torna-as corpo, tornaas<br />

perceptíveis, pensa o que é que hoje<br />

é importante, o que é que hoje conta,<br />

porque isso tem <strong>de</strong> ser manifesto.” Um<br />

espectáculo questionador do país e da<br />

socieda<strong>de</strong>, através da música? Mais do<br />

que isso, parece questionar ainda a<br />

música e a forma como a ouvimos. Por<br />

isso Luísa Costa Gomes diz: “Achei que<br />

o subtítulo do espectáculo podia ser<br />

‘só para ico<strong>no</strong>clastas’. Na sua opinião,<br />

o espectáculo “é capaz <strong>de</strong> incomodar”,<br />

mas a abordagem “é <strong>de</strong> comédia e<br />

sobretudo <strong>de</strong> permanente relação com<br />

o presente, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> pontes com<br />

a actualida<strong>de</strong>.”<br />

FOTOGRAFIAS DE MÁRIO SABINO SOUSA<br />

Os hi<strong>no</strong>s<br />

são frutos pervers<br />

“Deus. Pátria. Revolução” promete incomodar. Este teatro musical revisita hi<strong>no</strong>s fascistas e<br />

numa colagem provocadora. Questiona a história portuguesa e o valor dos hi<strong>no</strong>s, interrogando as<br />

das canções. E vice-versa. A partir <strong>de</strong> amanhã, <strong>no</strong> CCB, em <strong>Lisboa</strong>. Pedro Boléo<br />

20 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Colagem. Recriação.<br />

Descolagem<br />

Como trabalhou Luís Bragança Gil<br />

estes materiais carregados <strong>de</strong> símbolos,<br />

como pegou nestas canções com<br />

história? Ao invés <strong>de</strong> tentar fazer um<br />

trabalho historiográfico, quis dar a<br />

volta ao que parece não ter volta a<br />

dar. Como, por exemplo, pegar num<br />

hi<strong>no</strong> tão violento como “Angola é<br />

<strong>no</strong>ssa”? O teatro socorreu a música e<br />

ajudou a “<strong>de</strong>scolar” e “recontextualizar”,<br />

expressões recorrentes do<br />

compositor. “Como compositor estou<br />

a percorrer um terre<strong>no</strong> armadilhado,<br />

que é só trabalhar com música dos<br />

outros. Não há nenhuma melodia<br />

inventada por mim. O que fiz foi compor<br />

<strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> armar, arquitectar,<br />

tecer uma re<strong>de</strong>. O princípio que usei<br />

foi o da sobreposição <strong>de</strong> géneros e <strong>de</strong><br />

linguagens, fugindo do ‘medley’ e da<br />

ligação do tipo do ‘music-hall’. Isto<br />

também não é uma ópera, não há<br />

narrativa com princípio meio e fim.<br />

Mas há um intervalo entre as duas<br />

partes do espectáculo, e esse ‘intervalo’<br />

é uma opereta. Aí surgem verda<strong>de</strong>iras<br />

personagens, enquanto <strong>no</strong><br />

resto do tempo os cantores representam<br />

linguagens”.<br />

Gostaria que o resultado fosse visto<br />

por gente <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s e com<br />

referências culturais diferentes:<br />

“Parece-me importante não estar só a<br />

falar para as pessoas que conhecem as<br />

canções. Apetece-me falar para as pessoas<br />

que não as conhecem. Todo o<br />

elenco que está ali nasceu <strong>de</strong>pois, não<br />

conhecia as canções, e isso para mim<br />

foi maravilhoso.” Alexandra Moura<br />

(Sopra<strong>no</strong>), Inês Ma<strong>de</strong>ira (Mezzo-<br />

Sopra<strong>no</strong>), Fernando Guimarães<br />

(Te<strong>no</strong>r) e Rui Baeta (Baríto<strong>no</strong>) são os<br />

solistas do espectáculo que estará em<br />

cena até 2 <strong>de</strong> Março, e que conta ainda<br />

com o coro Voces Caelestes e a Orquestra<br />

Aldrabófona<br />

Luísa Costa Gomes dá ainda mais<br />

pistas sobre o espectáculo: “É capaz<br />

<strong>de</strong> ser bizarro para as pessoas, mas<br />

para mim é interessante <strong>de</strong>scolar o<br />

conteúdo da forma. Há um cantor que<br />

canta o hi<strong>no</strong> do Benfica como canção<br />

<strong>de</strong> amor traído.” Um espectáculo provocador?<br />

Sobre isso parece não haver<br />

dúvidas: “A pura comédia, o sarcasmo<br />

puro não me interessa tanto, interessame<br />

mais o lado <strong>de</strong> provocação, <strong>de</strong> as<br />

pessoas se sentirem abanadas e ficarem<br />

perplexas com algumas coisas”,<br />

assume o compositor.<br />

Como se abana as pessoas? “Através<br />

da justaposição, do cruzamento, da<br />

ironia, já se vai fazendo o <strong>no</strong>sso trabalho”,<br />

diz Luísa Costa Gomes. “É a primeira<br />

vez que estes hi<strong>no</strong>s fascistas são<br />

cantados em público. Não sei o que<br />

isso quer dizer, mas é verda<strong>de</strong> que não<br />

se cantam”, diz. Mas garante que “não<br />

é reabilitação nenhuma. Cada um fará<br />

o que pu<strong>de</strong>r. É música com a qual nós<br />

crescemos, <strong>de</strong> certa maneira <strong>no</strong>s formou...<br />

Não é nunca boa política obscurecer<br />

o passado, dizer que as coisas<br />

não existiram, fingir que não está lá.<br />

Está. Tanto que está que <strong>de</strong>pois passa<br />

para o hi<strong>no</strong> a seguir, ou seja, a atitu<strong>de</strong><br />

mantém-se. Até ao futebol.”<br />

Luís Bragança Gil sabe que o espectáculo<br />

“é uma crítica à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

hoje. A ausência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, <strong>no</strong> sentido<br />

mais profundo do termo, faz com<br />

que inventemos hi<strong>no</strong>s vazios, e po<strong>de</strong>mos<br />

cantar o futebol, gritar ‘Angola é<br />

<strong>no</strong>ssa’ ou dizer ‘coca-cola é que é’.”<br />

Mas para ele é também uma crítica ao<br />

revivalismo musical e uma tentativa<br />

<strong>de</strong> questionar a música: “Fico horrorizado,<br />

acho medonho, o simples pastiche,<br />

a repetição igual, o revivalismo.<br />

Na televisão só há revivalismo e não<br />

interessa nada o revivalismo, vivemos<br />

um tempo <strong>de</strong> pouca criativida<strong>de</strong> e é<br />

preciso mexer com o que há. Se ponho<br />

lado a lado um hi<strong>no</strong> do Lopes-Graça<br />

e uma marcha <strong>de</strong> trabalho da FNAT<br />

(antiga “Fundação Nacional para a<br />

Alegria <strong>no</strong> Trabalho”), quero que pensem<br />

<strong>no</strong> assunto. Acho que a gente tem<br />

<strong>de</strong> pensar. Numa socieda<strong>de</strong> em que<br />

tudo é objecto <strong>de</strong> consumo... tenho<br />

este i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> que o espectáculo não<br />

seja um objecto <strong>de</strong> consumo: ‘Não vos<br />

vamos incomodar, não vos vamos<br />

dizer nada’, diz um cantor <strong>no</strong> espectáculo.<br />

Se calhar vamos mesmo incomodar.<br />

Quando perceber que só estou<br />

a facultar hora e meia <strong>de</strong> agradável<br />

consumo, nunca mais farei nada.<br />

Acredito que ainda posso comunicar<br />

com as pessoas e mexer com a sua<br />

consciência.”<br />

Mas em tom <strong>de</strong> comédia? Como diz<br />

Bragança Gil: “Uma boa piada tem <strong>de</strong><br />

ter algumas questões. Não é uma<br />

piada fácil.”<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 42 e segs.<br />

“Uma coisa é um hi<strong>no</strong><br />

fascista que manda<br />

as pessoas para<br />

a guerra e outra<br />

é uma canção <strong>de</strong> luta<br />

que procura que<br />

as pessoas tomem<br />

consciência da sua<br />

situação. Isso<br />

não ponho nada<br />

ao mesmo nível.<br />

É evi<strong>de</strong>nte para nós,<br />

é um ponto <strong>de</strong><br />

partida”<br />

Luísa Costa Gomes,<br />

co-autora da<br />

dramaturgia<br />

do espectáculo<br />

<br />

Música<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 21


ADRIANO MIRANDA<br />

O homem que<br />

inventa<br />

as mulheres<br />

Um homem é a soma das suas obsessões e o brasileiro<br />

João Paulo Cuenca tem as suas: inventar mulheres e<br />

viver muitos dias Mastroianni. Isabel Coutinho<br />

João Paulo Cuenca acredita que a graça<br />

da literatura está <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r ser maravilhosamente<br />

inútil. Quando lhe vêm<br />

com histórias <strong>de</strong> como é difícil ser<br />

escritor, contrapõe: “Isso é muito<br />

chato, então vai fazer outra coisa, não<br />

enche o saco! Não amola.”<br />

A mãe <strong>de</strong>ste carioca ensi<strong>no</strong>u-o a ler,<br />

em casa, com a ajuda <strong>de</strong> bloquinhos<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com letrinhas. Por isso<br />

quando João Paulo entrou para o colégio<br />

<strong>de</strong> freiras, já sabia ler. Rapidamente<br />

percebeu que tinha que “driblar”<br />

as freiras da biblioteca para ler<br />

o que elas não queriam que ele lesse,<br />

e foi ao ler Dostoiévski que <strong>de</strong>sgraçou<br />

a vida para sempre.<br />

Licenciou-se em Eco<strong>no</strong>mia, criou o<br />

seu primeiro blogue em 1999 (teve<br />

algum sucesso, hoje renega-o) e mais<br />

tar<strong>de</strong>, ao mesmo tempo que escrevia<br />

“uma narrativa longa e fragmentada”<br />

que viria a ser o primeiro romance<br />

(“Corpo Presente”), fez na Internet um<br />

diário on<strong>de</strong> contava aos leitores as suas<br />

“paranóias, angústias, bloqueios, motivações<br />

espúrias” e on<strong>de</strong> falava <strong>de</strong> “tudo<br />

o que envolve o processo <strong>de</strong> escrever,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> substâncias químicas até joguinhos<br />

mentais e auto-ajuda”. Mandou,<br />

então, um excerto daquela narrativa<br />

longa (a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um baile funk)<br />

para a revista brasileira “Ficções” e foi<br />

publicado. “Teve imensa repercussão.<br />

A partir daí surgiu o convite <strong>de</strong> publicar<br />

o romance na editora Planeta. Tive<br />

muita sorte. Acho que não teria essa<br />

força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar procurando<br />

editora”, afirma o brasileiro que participou<br />

<strong>no</strong> encontro <strong>de</strong> escritores <strong>de</strong><br />

expressão ibérica, Correntes d’Escritas,<br />

na Póvoa <strong>de</strong> Varzim.<br />

É um livro “muito forte”. Logo <strong>no</strong><br />

primeiro capítulo <strong>de</strong> “Corpo Presente”,<br />

Carmen está a dar <strong>de</strong> mamar, está a<br />

apanhar com chupa<strong>de</strong>las <strong>de</strong> um bebé,<br />

e enquanto o “bebê chupa e chupa,<br />

indiferente”, ela masturba-se e “então<br />

“Se você se vê numa<br />

cobertura <strong>de</strong> hotel,<br />

tomando ‘dry<br />

martini’, numa festa<br />

da agência Elite<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque isso é<br />

um dia<br />

Mastroianni”<br />

explo<strong>de</strong>”. João Paulo diz que não sabe<br />

se a mãe chegou a ler o livro. “Ela foi<br />

ao lançamento, lhe <strong>de</strong>i o livro mas <strong>de</strong>diquei<br />

dizendo que ela não o podia ler.<br />

A abertura é muito pesada para a mãe<br />

do escritor ler.”<br />

Foi assim que aos 25 a<strong>no</strong>s, João<br />

Paulo Cuenca (o pai é argenti<strong>no</strong>) viu<br />

nas livrarias uma obra que escreveu<br />

durante três a<strong>no</strong>s, julgando que nunca<br />

iria ser publicada, que nunca seria lida.<br />

Um dia, Chico Buarque, numa entrevista<br />

à BBC, disse: “Há um autor <strong>no</strong>vo<br />

<strong>de</strong> que gosto muito, o João Paulo<br />

Cuenca”. Para o escritor brasileiro Marçal<br />

Aqui<strong>no</strong> “fazia tempo” que uma narrativa<br />

não o impressionava tanto; para<br />

outro autor brasileiro, Marcelo Rubens<br />

Paiva, o livro era “<strong>de</strong>slumbrante”,<br />

explorando Copacabana e os seus personagens<br />

ao limite.<br />

João Paulo Cuenca começou então<br />

a receber cartas, emails <strong>de</strong> leitores,<br />

principalmente <strong>de</strong> leitoras. Interpretavam<br />

o livro, diziam-lhe que as arrebatara.<br />

Um dia, uma <strong>de</strong>ssas leitoras até<br />

o seguiu por Copacabana. É claro que<br />

Cuenca acabou por escrever um conto<br />

sobre isso.<br />

Era uma menina que lhe escrevia a<br />

dizer que o tinha visto <strong>no</strong> metro <strong>no</strong> dia<br />

anterior, com <strong>de</strong>terminada roupa, e<br />

confessava que o seguira durante vários<br />

quarteirões. “Eu nesse dia realmente<br />

estava vestido daquela maneira, como<br />

ela <strong>de</strong>screvia e foi estranho. Muito<br />

estranho, muito assustador. Se você<br />

entra nesse jogo literário, nessa brinca<strong>de</strong>ira<br />

com o peito aberto, está sujeito<br />

a muita coisa. Muita coisa boa e ruim.<br />

Porque as pessoas fazem do que você<br />

escreveu o que elas querem.”<br />

Aquilo que parecia ser um<br />

sonho para qualquer<br />

jovem escritor, gerou<br />

uma pressão e<strong>no</strong>rme.<br />

Cuenca per<strong>de</strong>u a i<strong>no</strong>-<br />

Livros<br />

Cuenca traça<br />

o retrato <strong>de</strong><br />

uma geração<br />

que tem<br />

muitos<br />

projectos<br />

e não faz<br />

nada. As<br />

personagens<br />

brindam aos<br />

escritores sem<br />

livros, aos<br />

músicos sem<br />

discos, aos<br />

cineastas sem<br />

filmes. O “Oito<br />

e Meio” <strong>de</strong><br />

Fellini<br />

(à esquerda)<br />

é influência<br />

em “O Dia<br />

Mastroianni”<br />

22 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


“Existe uma <strong>no</strong>stalgia<br />

roubada que eu tenho<br />

e conheço muita<br />

gente que tem, uma<br />

<strong>no</strong>stalgia <strong>de</strong> uma<br />

época que não se<br />

viveu. Tenho<br />

sauda<strong>de</strong>s dos a<strong>no</strong>s 60<br />

quando vejo certos<br />

filmes. Nunca vivi<br />

nem nunca vou viver<br />

aquilo. Vivo num<br />

mundo muito mais<br />

sem graça. E o meu<br />

livro tem um pouco<br />

disso, <strong>de</strong>ssa ressaca”<br />

cência: passou a ser um autor publicado<br />

e teve consciência <strong>de</strong> que tudo o<br />

que escrevesse a partir daquele<br />

momento era passível <strong>de</strong> ser lido.<br />

“Você ganha muitos olhares quando<br />

está sozinho escrevendo. Ganha uma<br />

responsabilida<strong>de</strong>, um peso que não<br />

tinha até então. Por isso <strong>de</strong>morei quatro<br />

a<strong>no</strong>s para publicar o meu segundo<br />

romance e é também por isso que ele<br />

é tão radicalmente diferente.” É como<br />

se este segundo romance - “O Dia Mastroianni”,<br />

editado agora em Portugal<br />

pela Caminho - purgasse essa pressão<br />

através da sátira.<br />

Sem a experiência <strong>de</strong> conviver com<br />

outros escritores, <strong>de</strong> participar em festivais<br />

literários, este livro não existiria.<br />

“Ele é fruto <strong>de</strong>ssa minha experiência<br />

como jovem escritor.” Um autor que<br />

faz parte dos “39 escritores com me<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong> 39 a<strong>no</strong>s” (naturais <strong>de</strong> um país da<br />

América Latina) que foram consi<strong>de</strong>rados<br />

os mais importantes da actualida<strong>de</strong><br />

pela Bogotá Capital Mundial do Livro<br />

2007 e pelo Hay Festival em 2007.<br />

Aqueles com potencial para <strong>de</strong>finir as<br />

tendências que marcarão a literatura<br />

lati<strong>no</strong>-americana. Um escritor que<br />

todas as semanas escreve uma crónica<br />

<strong>no</strong> suplemento “Megazine” do jornal<br />

“Globo” e que é um dos comentadores<br />

do programa Estúdio 1, da Globo News<br />

(canal <strong>de</strong> <strong>no</strong>tícias 24 horas).<br />

A <strong>no</strong>stalgia roubada<br />

“No meu grupo <strong>de</strong> amigos <strong>no</strong> Brasil,<br />

temos essa piada interna, esse calão<br />

particular do dia Mastroianni. É quando<br />

o dia está muito divertido, inesperado<br />

e as coisas tomam um rumo glamoroso.<br />

Se você se vê numa cobertura <strong>de</strong> um<br />

hotel, tomando ‘dry martini’, numa<br />

festa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los da agência Elite <strong>de</strong><br />

Nova Iorque isso é um dia Mastroianni”,<br />

explica. “Toda a vez que isso acontecia<br />

a gente falava: ‘Olha está ficando Mastroianni<br />

o <strong>no</strong>sso dia’. E <strong>no</strong> meio <strong>de</strong>sse<br />

conceito, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sperdiçar as horas,<br />

comecei a engendrar essa narrativa que<br />

durasse um dia e que contasse a história<br />

<strong>de</strong> dois amigos bastante adolescentes<br />

e idiotas, pretensos artistas que<br />

vivessem <strong>de</strong> uma maneira episódica o<br />

percurso por uma cida<strong>de</strong>.”<br />

Mas sempre com essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer<br />

alguma coisa que o divertisse.<br />

Além da referência ao cinema a<br />

que se chega pelo título, o livro está<br />

salpicado <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras e <strong>de</strong> referências<br />

literárias. O narrador, Pedro<br />

Cassavas, é um pretenso artista, cheio<br />

<strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s e <strong>de</strong> intenções mas que não<br />

realiza nada. Cuenca traça o retrato<br />

<strong>de</strong> uma geração que tem muitos projectos<br />

e que não faz nada. As personagens<br />

brindam aos dândis precoces,<br />

aos escritores sem livros, aos músicos<br />

sem discos, aos cineastas sem filmes.<br />

“Pessoas que têm pla<strong>no</strong>s e pretensões<br />

e têm todo um discurso já pronto mas<br />

não têm obra.”<br />

“Oito e Meio”, <strong>de</strong> Fellini e “O Acossado”<br />

<strong>de</strong> Godard <strong>de</strong>slizam pelo<br />

romance. São referências para pessoas<br />

da geração do brasileiro , aquelas que<br />

gostavam <strong>de</strong> ter vivido há 40 a<strong>no</strong>s.<br />

“Existe uma <strong>no</strong>stalgia roubada que eu<br />

tenho e conheço muita gente que tem,<br />

uma <strong>no</strong>stalgia <strong>de</strong> uma época que não<br />

se viveu. Tenho sauda<strong>de</strong>s dos a<strong>no</strong>s 60<br />

quando vejo certos filmes. Nunca vivi<br />

nem nunca vou viver aquilo. Vivo num<br />

mundo muito mais sem graça. E o meu<br />

livro tem um pouco disso, <strong>de</strong>ssa ressaca.<br />

Essa vida que os dois personagens<br />

<strong>de</strong>sperdiçam por essa cida<strong>de</strong> é uma<br />

vida sem i<strong>de</strong>ologia, sem gran<strong>de</strong>s amores,<br />

sem objectivo num mundo em que<br />

é muito mais difícil viver. Pedro Cassavas<br />

e Tomás Anselmo, os personagens<br />

<strong>de</strong>ste livro, queriam ser Mastroianni.<br />

Queriam viver em Roma na década <strong>de</strong><br />

70, em Paris, ou numa mistura <strong>de</strong>ssas<br />

cida<strong>de</strong>s e não na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> eles<br />

vivem hoje”, continua.<br />

No Brasil “O Dia Mastroianni” gerou<br />

polémica. “Se o leitor não faz um pacto<br />

com o livro, vai <strong>de</strong>testar. Ainda mais se<br />

esse leitor for um escritor jovem ou um<br />

preten<strong>de</strong>nte a ser publicado. Porque é<br />

um livro ousado e corajoso. Faço uma<br />

crítica <strong>de</strong>struidora - eu acredito - à<br />

minha geração. Por mais que eu queira<br />

que o livro seja divertido ele é um<br />

pouco arrasador.”<br />

Mas ao mesmo tempo há ali universalida<strong>de</strong>.<br />

“O livro faz graça com esse<br />

cosmopolitismo que a gente vive. Ele<br />

se passa numa cida<strong>de</strong> que é a mistura<br />

<strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s. Numa gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

você tem o quarteirão chinês, o restaurante<br />

japonês, o restaurante egípcio<br />

on<strong>de</strong> você fuma haxixe, vê uma mulher<br />

fazendo dança do ventre. Tem as mulatas<br />

sambando. Dentro <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> na Europa ou na América<br />

Latina você tem um caleidoscópio <strong>de</strong><br />

paisagens <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e eu levo essa<br />

imagem nesse livro ao extremo, é uma<br />

cida<strong>de</strong> completamente inventada e<br />

misturada.”<br />

“Quero crer que o livro é universal,<br />

o caminho <strong>de</strong>sses dois jovens, os dramas<br />

todos do protagonista e o seu amadurecimento,<br />

eu quero crer que não é<br />

uma coisa localizada <strong>no</strong> Brasil.”<br />

“O Dia Mastroianni” tem também<br />

uma componente <strong>de</strong> meta-literatura:<br />

“Faz piada com ele mesmo”. Cuenca<br />

achou divertido começar um romance<br />

com o protagonista a ser interrogado.<br />

“O protagonista está num interrogatório,<br />

refém <strong>de</strong> uma voz. Está num<br />

balanço [baloiço], nas nuvens, <strong>no</strong> meio<br />

do céu, e tem essa voz gigantesca que<br />

fala com ele em maiúsculas. E ele respon<strong>de</strong><br />

em minúsculas. Na verda<strong>de</strong>,<br />

essa voz que as pessoas acham que é<br />

Deus ou crítico literário ou o próprio<br />

leitor, na verda<strong>de</strong> sou eu, aquela voz é<br />

minha. É uma das coisas mais polémicas<br />

do livro - tem gente que <strong>de</strong>testa -<br />

mas eu acho que funciona, inclusive<br />

como recurso narrativo.”<br />

Como queria que os leitores encarassem<br />

o livro com alguma leveza<br />

pediu a um ilustrador que fizesse uns<br />

<strong>de</strong>senhos para ajudar a dar o tom.<br />

“Como se fosse ‘O Principezinho’, <strong>de</strong><br />

Saint-Exupery, que é o livro preferido<br />

das mo<strong>de</strong>los do mundo inteiro. Esse<br />

traço fi<strong>no</strong> foi a referência que eu passei<br />

para o meu <strong>de</strong>senhista. Pedi que<br />

fizesse <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> abacaxi, uma<br />

lagosta, as havaianas, Brasil o país dos<br />

chinelos.”<br />

E <strong>de</strong>pois há a forma como <strong>de</strong>screve<br />

as mulheres <strong>no</strong>s seus livros “bombas<br />

<strong>de</strong> hormônio cada vez me<strong>no</strong>s exigentes<br />

e mais <strong>de</strong>sesperadas”. Carmen,<br />

em “Corpo Presente”; doce Maria e<br />

Françoise em “O Dia Mastroianni”.<br />

São livros que só podiam ser escritos<br />

por um homem, mas ao mesmo<br />

tempo João Paulo olha para as mulheres<br />

<strong>de</strong> uma maneira em que elas se<br />

reconhecem. “O meu olhar sobre as<br />

mulheres é muito infantil. É muito<br />

primário. É um horror”, afirma quase<br />

envergonhado. “Perco muito tempo<br />

da minha vida pensando <strong>no</strong> que<br />

pensa uma mulher porque sou infantil.<br />

O texto po<strong>de</strong> ser maduro, mas o<br />

ponto <strong>de</strong> vista é <strong>de</strong> uma criança chocada.<br />

Uma vez uma repórter ficou<br />

muito revoltada comigo e me perguntou:<br />

‘Você escreve essas coisas para<br />

chocar, não é? Você quer chocar.’ E<br />

eu falei: ‘não. Eu escrevo porque<br />

estou chocado, porque me choca. E<br />

isso me gera uma reacção.’<br />

Essa coisa com as mulheres é porque<br />

eu tenho um ponto <strong>de</strong> vista infantil e<br />

fascinado. A única maneira que um<br />

homem tem <strong>de</strong> conhecer realmente<br />

uma mulher é inventando essa mulher.<br />

Um homem não conhece uma mulher.<br />

Jamais. É uma ilusão, a fantasia <strong>de</strong> você<br />

achar que vai <strong>de</strong>sconfiar aquilo que<br />

uma mulher está pensando. É impenetrável.<br />

E você po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a sua vida<br />

nisso. É o que eu faço. E aí você inventa.<br />

Você conhece inventando.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 37 e segs.<br />

<br />

cultur al<br />

encontros<br />

culti<strong>de</strong>ias ®<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 23


“Pastoral Portuguesa” é o melhor<br />

blogue português. Estilo, cultura,<br />

graça e inteligência, um cocktail perfeito.<br />

O autor do blogue assina “Rogério<br />

Casa<strong>no</strong>va”, mas é possível que<br />

seja um anagrama. Presumivelmente<br />

nascido em 1980, Casa<strong>no</strong>va vai <strong>de</strong>ixando<br />

uma ou outra pista biográfica<br />

mas resguarda a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> civil.<br />

O sucesso dos seus textos na blogosfera<br />

valeu-lhe convites da imprensa,<br />

e é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há alguns meses crítico<br />

literário <strong>no</strong> “Expresso” e colunista<br />

da revista “Ler”. Agora, a Quetzal<br />

publica uma selecção <strong>de</strong> textos <strong>de</strong><br />

“Pastoral Portuguesa” e torna mais<br />

conhecido o homem que mantém o<br />

<strong>no</strong>me <strong>de</strong> guerra, não aparece em<br />

eventos públicos e prefere ser <strong>de</strong>senhado<br />

do que fotografado. Há semanas,<br />

Casa<strong>no</strong>va foi encarregado <strong>de</strong><br />

entrevistar Peter Carey. Sugeriu uma<br />

entrevista via Messenger. O escritor<br />

australia<strong>no</strong> nem levou a sério tal<br />

hipótese. Propusemos então que o<br />

esquivo Casa<strong>no</strong>va <strong>de</strong>sse ao Ípsilon<br />

precisamente uma entrevista por<br />

Messenger. Ele aceitou logo.<br />

Com um <strong>no</strong>me como<br />

“Casa<strong>no</strong>va” estaríamos à espera<br />

<strong>de</strong> um blogue me<strong>no</strong>s cerebral e<br />

mais carnal.<br />

O <strong>no</strong>me Casa<strong>no</strong>va acompanha-me<br />

antes <strong>de</strong> eu saber o que era “carne”<br />

ou até “expectativas”. Mas também<br />

não concordo nada que o blogue seja<br />

cerebral.<br />

Digamos que a maioria dos<br />

“A aparição do<br />

Joaquin Phoenix<br />

<strong>no</strong> Letterman é uma<br />

ilustração perfeita<br />

dos motivos pelos<br />

quais está aqui um<br />

<strong>de</strong>senho do Pedro<br />

Vieira e isto foi tudo<br />

feito por Messenger”<br />

Livros<br />

leitores portugueses não<br />

acompanham com avi<strong>de</strong>z a obra<br />

<strong>de</strong> Bernard Malamud [escritor<br />

ju<strong>de</strong>u america<strong>no</strong>, muito citado<br />

por Casa<strong>no</strong>va].<br />

Isso é uma questão que eu vou resolver<br />

eventualmente. Devem ler-se<br />

todos esses ju<strong>de</strong>us velhos. Todos,<br />

todos.<br />

E gostar acima <strong>de</strong> todos do<br />

[Thomas] Pynchon não é uma<br />

paixão cerebral?<br />

Não. Eu comecei a gostar do Pynchon<br />

quando li uma cena em<br />

que uma invasão a um canil<br />

terminava com um gajo a<br />

meter o pé <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

sanita.<br />

O facto <strong>de</strong> esta<br />

entrevista ser ilustrada<br />

com um <strong>de</strong>senho e não<br />

com uma fotografia é uma<br />

homenagem ao mestre?<br />

A minha intenção era fingir surpresa,<br />

e dizer que ninguém me pediu uma<br />

fotografia.<br />

“Não aparecer”, como se diz,<br />

po<strong>de</strong> ser uma estratégia, até <strong>de</strong><br />

“marketing.”<br />

Aqui há tempos uma pessoa, digamos,<br />

“do meio”, passou meia-hora<br />

a explicar-me que os, digamos,<br />

“autores”, <strong>de</strong>viam aparecer, que isso<br />

só ajudava, só ajudava, nunca prejudicava,<br />

etc. Foi na mesma semana<br />

em que esgotou a edição do Herberto<br />

Hel<strong>de</strong>r. Mas eu juro que só não apareço<br />

porque não consigo tirar uma<br />

foto tipo passe <strong>de</strong>cente <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1996.<br />

O gosto por anagramas vem<br />

<strong>de</strong> ser uma mistura entre o<br />

intelectual e o lúdico, tal como<br />

tudo o que escreve?<br />

Sim, exacto. Era mesmo isso que eu<br />

ia respon<strong>de</strong>r, caso a pergunta fosse<br />

só “<strong>de</strong> on<strong>de</strong> é que vem o gosto por<br />

anagramas”: é uma mistura entre o<br />

intelectual e o lúdico, tal como tudo<br />

o que escrevo.<br />

E a anglofilia? Há quem diga<br />

que esta geração tem anglofilia<br />

a mais.<br />

A anglofilia é uma coisa terrível: é<br />

tão fácil ser ridículo quando se está<br />

a ser anglófilo. Ando a tentar arranjar<br />

<strong>de</strong>fesas para isso, mas não tem<br />

sido fácil. E <strong>de</strong>pois há a anglofilia<br />

selectiva, que só gosta <strong>de</strong> uma versão<br />

daquilo baseada <strong>no</strong> pior livro do<br />

Waugh, mas nunca fala <strong>de</strong> cavalos e<br />

porridge, por exemplo. A minha<br />

anglofilia também era muito em função<br />

<strong>de</strong> estar lá a viver.<br />

Os angló-filos ten<strong>de</strong>m<br />

a ser muito antifrance-ses,<br />

e acho<br />

que cita<br />

poucos<br />

franceses<br />

<strong>no</strong> seu<br />

livro.<br />

Ao contrário da maioria dos anglófilos<br />

que conheço, eu sou uma nódoa<br />

em francês: não consigo ler mais do<br />

que o “L’Equipe”, e mesmo assim<br />

com gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s. Para a<br />

literatura francesa estou totalmente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Pedro Tamen e tenho<br />

lacunas e<strong>no</strong>rmes <strong>no</strong> currículo por<br />

causa disso. Mas não tenho assim<br />

nada contra eles, genericamente.<br />

Aliás, uma vez estive em França e<br />

achei tudo, como diria o Gonçalo<br />

Cadilhe, “muito bonito”.<br />

Geralmente o antifrancesismo<br />

tem uma costela política, mas<br />

as suas i<strong>de</strong>ias políticas são<br />

um pouco opacas. Cito: “uma<br />

espécie <strong>de</strong> cruzamento entre o<br />

rancho <strong>de</strong> Hunter S. Thompson,<br />

a cabeça <strong>de</strong> Milton Friedman,<br />

o palácio <strong>de</strong> Tibério e a social<strong>de</strong>mocracia<br />

sueca”.<br />

Não acho que essa salada seja uma<br />

coisa muito original: é o truque<br />

básico das pessoas que gostam <strong>de</strong><br />

mostrar que não são <strong>de</strong> esquerda,<br />

mas ao mesmo tempo que são espectaculares<br />

a todos os outros níveis.<br />

Há uma referência <strong>no</strong> livro<br />

à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Foi<br />

uma experiência proveitosa?<br />

Estive lá dois a<strong>no</strong>s. Tive dois professores<br />

muito, muito bons: o David<br />

Prescott, que me <strong>de</strong>u a conhecer o<br />

Gore Vidal, e a Marijke Boucherie,<br />

que me perguntava semanalmente<br />

o que é que eu estava ali a fazer. Também<br />

fiquei em segundo lugar num<br />

torneio <strong>de</strong> matraquilhos. Pela minha<br />

saú<strong>de</strong>, fiquei mesmo.<br />

E apostas, houve?<br />

Isso veio <strong>de</strong>pois, felizmente.<br />

O que são as “zonas <strong>de</strong> guerra”<br />

da Penha <strong>de</strong> França e da Linha<br />

da Azambuja?<br />

As escolas que frequentei - <strong>de</strong>coradas<br />

com um bocadinho <strong>de</strong> mitomania.<br />

Não eram assim tão más, para<br />

dizer a verda<strong>de</strong>. Quer dizer, uma<br />

<strong>de</strong>las ficou péssima, mas já <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> eu ter saído.<br />

Gosta <strong>de</strong> “guilty pleasures”<br />

(“reality shows”, filmes<br />

bíblicos, o Sporting)?<br />

O Sporting, um “guilty pleasure”?<br />

Mas o que é isto? O Sporting e os filmes<br />

bíblicos - duas coisas que têm<br />

muito em comum - são paixõezinhas<br />

<strong>de</strong> infância. Uma pessoa fica refém<br />

disto o resto da vida.<br />

Há uma passagem <strong>no</strong> livro que<br />

mostra pouco apreço pelas<br />

“analogias sobre ‘relações’”.<br />

Deduzo que nunca teremos<br />

a vida amorosa <strong>de</strong> Casa<strong>no</strong>va<br />

“online”.<br />

Bom, a i<strong>de</strong>ia era mostrar pouco<br />

apreço por um certo tipo <strong>de</strong> analogias<br />

sobre relações. Há quem faça<br />

isso bem, mas eu não faço. E qualquer<br />

opinião crítica que eu dê sobre<br />

o que quer que seja está basicamente<br />

a exaltar aquilo que eu faço bem, e<br />

a dizer que aquilo que eu não sei<br />

fazer não presta. I<strong>de</strong>almente, estas<br />

coisas não se confessam, mas suponho<br />

que agora é tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais.<br />

As referências ao seu quintal<br />

são a costela Rousseau?<br />

É da costela anglófila, evi<strong>de</strong>ntemente.<br />

Tratar do jardim, só isso.<br />

Tenho um quintalinho com cinco<br />

laranjeiros, e um marmeleiro, e<br />

tenho muito orgulho em ainda não<br />

ter <strong>de</strong>ixado morrer nada.<br />

E que insistência é essa <strong>no</strong> tema<br />

da “maionese”?<br />

Por castigo divi<strong>no</strong>, houve uma altura<br />

em que o primeiro resultado <strong>de</strong> uma<br />

busca <strong>no</strong> Google para “manteiga<br />

planta” era o meu blogue. Com a<br />

maionese nunca lá cheguei.<br />

Finalmente, a questão mais<br />

importante do <strong>no</strong>sso tempo:<br />

Joaquin Phoenix <strong>no</strong> show<br />

<strong>de</strong> David Letterman estava<br />

pedrado ou a gozar [está <strong>no</strong><br />

Youtube]?<br />

A aparição do Joaquin Phoenix <strong>no</strong><br />

Letterman é uma ilustração perfeita<br />

dos motivos pelos quais está aqui um<br />

<strong>de</strong>senho do Pedro Vieira e isto foi<br />

tudo feito por Messenger.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 37 e segs.<br />

Rogério Casa<strong>no</strong>va,<br />

aliás<br />

“Rogério<br />

Casa<strong>no</strong>va”<br />

Não aparece em eventos públicos e prefere<br />

ser <strong>de</strong>senhado do que fotografado. É autor<br />

do melhor blogue português, “Pastoral<br />

Portuguesa”. Uma selecção <strong>de</strong>sses textos<br />

acaba <strong>de</strong> ser publicada. Texto <strong>de</strong> Pedro<br />

Mexia lustração <strong>de</strong> Pedro Vieira<br />

24 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


SÁB 28 FEV<br />

18:00 SALA SUGGIA<br />

Olari Elts direcção musical<br />

Håkan Har<strong>de</strong>nberger trompete<br />

Johannes Brahms Abertura Trágica<br />

Rolf Martinsson Concerto para<br />

trompete n.º 1, A Ponte<br />

Dimitri Chostakovitch Sinfonia n.º 6<br />

Trompete Virtuoso<br />

O trompetista Håkan Har<strong>de</strong>nberger<br />

estreia em Portugal A Ponte, concerto<br />

<strong>de</strong> Martinsson que já interpretou com as<br />

mais prestigiadas orquestras mundiais.<br />

www.casadamusica.com | T 220 120 220<br />

MECENAS ORQUESTRA<br />

NACIONAL DO PORTO<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS DA CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

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ENRIC VIVES-RUBIO<br />

belga<br />

Thomas Walgrave, um<br />

em <strong>Lisboa</strong><br />

É o futuro director do Alkantara festival. Thomas Walgrave vai escolher o que vamos ver<br />

em 2010 mas, por enquanto, ainda é cedo para falar <strong>de</strong> programação. O que sabemos, então?<br />

Que um festival não tem que ser um “best-of”. Joana Gorjão Henriques<br />

Há quatro a<strong>no</strong>s que anda entre Portugal,<br />

Bélgica e o resto do mundo. Cada<br />

vez me<strong>no</strong>s vai a Antuérpia, cida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> nasceu e cresceu. Des<strong>de</strong> 2005<br />

que a sua casa é Portugal.<br />

Thomas Walgrave, 43 a<strong>no</strong>s, fundador<br />

da companhia flamenga Tg Stan<br />

(que existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1989), vai mesmo<br />

ter que passar mais tempo por cá,<br />

pelo me<strong>no</strong>s em 2010, a<strong>no</strong> do próximo<br />

Alkantara, o mais importante<br />

festival <strong>de</strong> dança contemporânea português<br />

(que se tem vindo a alargar ao<br />

teatro).<br />

O cenógrafo/<strong>de</strong>senhador <strong>de</strong> luzes,<br />

formado em História da Arte e Antropologia,<br />

vai estrear-se na direcção <strong>de</strong><br />

um festival, substituindo Mark Deputter,<br />

agora director do Teatro Maria<br />

Matos, em <strong>Lisboa</strong> - conhecem-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1989, estava Deputter <strong>no</strong> espaço<br />

STUC, em Lovaina, Bélgica.<br />

Estamos <strong>no</strong> piso térreo do Café<br />

Império, em <strong>Lisboa</strong>, a parte agora<br />

“mo<strong>de</strong>rnizada” do edifício projectado<br />

pelo arquitecto Cassia<strong>no</strong> Branco <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s 1950. Walgrave olha para baixo,<br />

on<strong>de</strong> está o painel <strong>de</strong> Jorge Barrada:<br />

adora este sítio. É aqui que lembra que<br />

a sua mudança não foi <strong>de</strong> Antuérpia<br />

para <strong>Lisboa</strong>, foi <strong>de</strong> Bruxelas para <strong>Lisboa</strong>.<br />

Há a<strong>no</strong>s que vivia na capital belga<br />

porque Antuérpia é uma cida<strong>de</strong> “complicada<br />

para viver” - “fechada, tem um<br />

peso forte da extrema-direita, é outro<br />

mundo”. Como os Tg Stan não têm<br />

sala própria e estreiam em todo o lado,<br />

ele podia “viver on<strong>de</strong> quiser”.<br />

A primeira vez que veio a Portugal<br />

foi para passar férias, tinha 18 a<strong>no</strong>s e<br />

não se lembra “muito bem”. Portugal<br />

faz parte da “mitologia da família”<br />

porque um dos avós tem um apelido<br />

que será <strong>de</strong> origem portuguesa. De<br />

qualquer modo, “para um belga, Portugal<br />

tem qualquer coisa <strong>de</strong> familiar”.<br />

É uma familiarida<strong>de</strong> mais intuitiva do<br />

que racional, “tem qualquer coisa a<br />

ver com as pessoas, com a sua <strong>de</strong>scrição<br />

e relação entre elas”.<br />

Regressou em 1997 para fazer uma<br />

“espécie <strong>de</strong> mini-festival Stan”, <strong>no</strong><br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Belém (CCB), com<br />

cinco espectáculos e um workshop<br />

- Mark Deputter era programador <strong>de</strong><br />

dança do CCB, Jorge Silva Melo <strong>de</strong><br />

teatro.<br />

Na altura trouxeram Henrik Ibsen<br />

(“O Inimigo Público”, a que <strong>de</strong>ram o<br />

título “JDX-A Public Enemy”), Gorki<br />

(“Os Últimos”), as peças “Yesterday<br />

We Will” (“Ontem Faremos”) e “One<br />

2 Life” (sobre textos escritos por<br />

George Jackson na prisão), “Buraco<br />

Negro” e “Cancro”, do encenador<br />

holandês Gerardjan Rjjn<strong>de</strong>rs.<br />

Foi aqui e assim que começou a relação<br />

dos Stan com Portugal, e nasceu<br />

uma geração que seria influenciada<br />

por eles (“ou não; há algumas pessoas<br />

que contrariaram” essa influência, diz<br />

Thomas): Tiago Rodrigues, ainda hoje<br />

colaborador do grupo, Dinarte Branco,<br />

Pedro Penim, António Simão, Cristina<br />

Bizarro... A i<strong>de</strong>ia do workshop era<br />

apresentar <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte um espectáculo<br />

com os actores portugueses -<br />

Teatro/ Dança<br />

26 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


“Point Blank”, a partir <strong>de</strong> “Plato<strong>no</strong>v”,<br />

<strong>de</strong> Tchekov -, estreado <strong>no</strong> Citemor. Os<br />

Stan foram regressando, mas não com<br />

tanta intensida<strong>de</strong> como naquele 1997<br />

e <strong>no</strong>s três a<strong>no</strong>s seguintes.<br />

Cena portuguesa: improvisar<br />

Thomas Walgrave conhece alguns dos<br />

elementos da companhia flamenga<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 15 a<strong>no</strong>s. Trabalhava numa<br />

das casas <strong>de</strong> cultura que nasceram <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s 1980 e se tornaram <strong>de</strong>cisivas na<br />

Bélgica - “eram o exemplo <strong>de</strong> espaços<br />

não controlados pelo Gover<strong>no</strong>”. Tinha<br />

23 a<strong>no</strong>s e começou a colaborar com<br />

os Stan gradualmente, até que foi<br />

ficando. “As funções não eram bem<br />

<strong>de</strong>finidas, toda a gente fazia <strong>de</strong> tudo.<br />

Agora já não é bem assim”. Foi ficando,<br />

como foi ficando em Portugal, primeiro<br />

tendo casa cá e lá, <strong>de</strong>pois largando<br />

a casa na Bélgica. Isto, como<br />

dissémos, a partir <strong>de</strong> 2005. “Tinha a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer um a<strong>no</strong> sabático. Estava<br />

há 15 a<strong>no</strong>s com a mesma companhia<br />

e tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com<br />

outras pessoas. Depois passámos dois<br />

meses a trabalhar aqui <strong>no</strong> ‘Berenice’<br />

[a partir <strong>de</strong> Racine, apresentado na<br />

Casa dos Dias d’Água], e também<br />

houve uma história pessoal. Tive<br />

imensa sorte, foi tudo muito rápido,<br />

tive uma série <strong>de</strong> convites.”<br />

De Lúcia Sigalho ao Alkantara, <strong>de</strong><br />

Tiago Rodrigues ao espectáculo a solo<br />

<strong>de</strong> Ricardo Araújo Pereira, Thomas<br />

Walgrave foi colaborando como cenógrafo/<strong>de</strong>senhador<br />

<strong>de</strong> luz com vários<br />

criadores. Hoje já po<strong>de</strong> dizer que<br />

conhece a paisagem portuguesa, as<br />

suas vantagens e <strong>de</strong>svantagens.<br />

“Venho <strong>de</strong> uma cena cultural que tem<br />

muito mais dinheiro e isso, às vezes,<br />

complica as coisas. Aqui gran<strong>de</strong> parte<br />

do trabalho é encontrar dinheiro. Portugal<br />

é um país em que se está sempre<br />

obrigado a improvisar, muito mais do<br />

que na Bélgica. Não conheço nenhum<br />

país em que se possa improvisar tão<br />

facilmente como aqui: tem a ver com<br />

cenários, transportes, com um dia<br />

antes <strong>de</strong> o espectáculo estrear pensares<br />

que isto vai ser um <strong>de</strong>sastre mas<br />

<strong>de</strong> repente todos os elementos se<br />

encontram e batem certo.”<br />

Walgrave gosta do “caos”, e agora<br />

quando regressa à Bélgica faz-lhe<br />

impressão “a situação mimada”. Era<br />

bom, porém, que em Portugal houvesse<br />

um “bocadinho mais <strong>de</strong> dinheiro<br />

para fazer coisas. Não acho a pobreza<br />

muito romântica. As pessoas que trabalham<br />

neste sistema <strong>de</strong>senvolvem<br />

mais habilida<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>senvolver<br />

coisas com poucos meios, e o Alkantara<br />

é um bom exemplo disso. Outros<br />

festivais na Europa fazem o mesmo<br />

com muito mais dinheiro.”<br />

Nota em Portugal uma “cena artística<br />

que não está completamente instalada,<br />

e que tem uma gran<strong>de</strong> fome<br />

<strong>de</strong> fazer coisas”. Exemplos: estruturas<br />

como o Rumo do Fumo, coreógrafos<br />

como Miguel Pereira ou Vera<br />

Mantero já trabalham há a<strong>no</strong>s, mas<br />

têm uma maneira <strong>de</strong> estar na sua arte<br />

Em Portugal há<br />

uma “cena artística<br />

que não está<br />

completamente<br />

instalada, e que tem<br />

uma gran<strong>de</strong> fome<br />

<strong>de</strong> fazer coisas”<br />

“muito fresca” - uma maneira <strong>de</strong> procurarem<br />

<strong>de</strong>safios e <strong>de</strong> se relacionarem<br />

uns com os outros, sobretudo na<br />

dança, que Thomas acha “muito<br />

forte”. “São ligados, vão ver os trabalhos<br />

uns dos outros e há um diálogo.<br />

No teatro é mais complicado, porque<br />

o peso das estruturas é antigo, mas<br />

começa a acontecer na geração do<br />

Tiago Rodrigues, da Truta, dos Praga,<br />

da Patrícia Portela. Tenho trabalhado<br />

muito em França e vê-se o peso da<br />

tradição, do passado: para quem quer<br />

sair e encontrar uma ligação com vanguarda<br />

europeia é difícil.”<br />

Lista <strong>de</strong> “best-of ” não<br />

Po<strong>de</strong> ter sido pela sua ligação a Portugal,<br />

po<strong>de</strong> ter sido pela sua ligação<br />

ao Alkantara, por nada ou tudo isto<br />

que foi convidado para dirigir este<br />

festival que surgiu do Danças na<br />

Cida<strong>de</strong>, também bienal, também dirigido<br />

por Mark Deputter. Thomas acha<br />

que não é a ele que cabe respon<strong>de</strong>r.<br />

Sabe que teve papel importante <strong>no</strong>s<br />

espectáculos que fez com o Alkantara<br />

(na última edição, “harS”, <strong>de</strong> Aydin<br />

Teker, ou “DOO”, <strong>de</strong> Miguel Pereira)<br />

e isso tem sobretudo a ver com aquilo<br />

a que ele chama “a dramaturgia, pensar<br />

os projectos”.<br />

Por exemplo, <strong>no</strong> projecto Lugares<br />

Imaginários, que começou em 2007,<br />

cinco equipas pluridisciplinares <strong>de</strong><br />

vários países trabalharam sobre o<br />

tema da cida<strong>de</strong> mediterrânica e a sua<br />

história <strong>de</strong> urbanismo, fazendo<br />

<strong>de</strong>pois residências artísticas e apresentações<br />

em várias cida<strong>de</strong>s. Walgrave<br />

foi cenógrafo/ <strong>de</strong>senhador <strong>de</strong><br />

luzes <strong>de</strong> três espectáculos <strong>de</strong>ste projecto:<br />

“Yesterday’s man” <strong>de</strong> Rabih<br />

Mroué, Tiago Rodrigues e Tony<br />

Chakar; “F A Q (Frequently Asked<br />

Questions)” <strong>de</strong> Antonio Tagliarini,<br />

Carlo Antonio Borghi, Danya Hammoud<br />

e Ornella d’Agosti<strong>no</strong>; “La grammaire<br />

d’ENOS”, <strong>de</strong> Cristia<strong>no</strong> Carpanini.<br />

Mas isso, como já era habitual<br />

com os Stan, implicou mais do que<br />

participação na sua “área”, implicou<br />

“fazer perguntas essenciais sobre o<br />

espectáculo”: “Venho <strong>de</strong> uma tradição<br />

em que é o contrário <strong>de</strong> cada um<br />

ter a sua caixinha.”<br />

O último Alkantara foi “muito sobre<br />

a memória <strong>de</strong> ver um espectáculo”.<br />

Portanto ele e Mark conversaram bastante<br />

sobre a “função <strong>de</strong> um festival<br />

numa cida<strong>de</strong>”. Mais do que aquilo que<br />

<strong>de</strong>ve ser, o futuro director sabe o que<br />

um festival não <strong>de</strong>ve ser: “uma lista<br />

<strong>de</strong> ‘best of’” <strong>de</strong> espectáculos.<br />

Ainda é cedo para revelar o que<br />

quer que seja. Thomas po<strong>de</strong> apenas<br />

dizer que um “programa tem a ver<br />

com a dinâmica <strong>de</strong> uma cena local” e<br />

a sua relação com o “que está a acontecer<br />

a nível internacional”. “Há mais<br />

razões para apresentar um espectáculo<br />

do que simplesmente a sua qualida<strong>de</strong>.”<br />

Como por exemplo? “Pôr a<br />

mexer <strong>de</strong>senvolvimentos locais.”<br />

E <strong>Lisboa</strong>? Do que precisa do Alkantara?<br />

“Quando falamos <strong>de</strong> uma certa<br />

frescura, o Alkantara teve um papel<br />

importante e <strong>de</strong>ve continuar a ter esse<br />

papel. A paisagem local está a mudar:<br />

o facto <strong>de</strong> o Mark estar <strong>no</strong> Maria Matos<br />

e ter uma programação regular, <strong>de</strong> ter<br />

espectáculos que antes só aconteciam<br />

a nível do festival muda a paisagem.”<br />

Isto não significa que o festival tenha<br />

que se re<strong>de</strong>finir, nem que agora exista<br />

concorrência - vão continuar a ser parceiros,<br />

ambos “precisam <strong>de</strong> uma cena<br />

artística saudável”. Até porque a programação<br />

<strong>de</strong> um festival e <strong>de</strong> um teatro<br />

são coisas “completamente diferentes”.<br />

Mas o facto <strong>de</strong> o Maria Matos,<br />

a Culturgest ou São Luiz terem espectáculos<br />

que po<strong>de</strong>riam ser apresentados<br />

<strong>no</strong> Alkantara “obriga a <strong>de</strong>finir<br />

melhor a função <strong>de</strong> um festival”.<br />

Uma coisa ele sabe: Portugal tem<br />

uma posição privilegiada com África<br />

e Brasil e essa vai continuar a ser uma<br />

parte importante do Alkantara. Por<br />

enquanto, anda a ver espectáculos.<br />

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PARA O CONCERTO DO DIA 6 DE MARÇO NA CASA DA MÚSICA. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

QUA <br />

22:00 SALA SUGGIA<br />

O <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Wayne Shorter confun<strong>de</strong>-se<br />

com a história do jazz mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>,<br />

manifestando-se nalgumas das<br />

formações mais influentes e <strong>de</strong>finidoras<br />

do hard bop. Compositor e solista <strong>de</strong><br />

extrema originalida<strong>de</strong>, está entre<br />

os gran<strong>de</strong>s do jazz, explorando com<br />

este quarteto um valioso repertório<br />

construído ao longo <strong>de</strong> uma carreira<br />

<strong>de</strong> 50 a<strong>no</strong>s.<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 27


FERNANDO VELUDO/ PÚBLICO<br />

Cinema<br />

a bela<br />

adormecida<br />

Que segunda cida<strong>de</strong> do país é esta que já teve um dos maiores<br />

cineclubes da Europa e on<strong>de</strong> agora há pessoas para tudo, me<strong>no</strong>s<br />

para o cinema? Andamos a queixar-<strong>no</strong>s muito (4373 <strong>no</strong>mes num<br />

abaixo-assinado pela criação <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca <strong>no</strong> Porto)<br />

mas nunca <strong>no</strong>s queixaremos <strong>de</strong>masiado. Inês Nadais<br />

28 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009<br />

Porto,<br />

A se<strong>de</strong> do<br />

Cineclube<br />

praticamente<br />

não abre:<br />

chegou a ter<br />

mais sócios do<br />

que o FC Porto<br />

e agora tem<br />

300, mas são<br />

só <strong>de</strong>z a pagar<br />

as quotas


O poster encostado à pare<strong>de</strong> <strong>de</strong>scascada<br />

da se<strong>de</strong> do Cineclube do Porto,<br />

na Rua do Rosário, diz “hoje há<br />

cinema infantil” mas não há - não há<br />

cinema infantil nem há cinema,<br />

ponto. Podíamos não escrever mais<br />

nada porque tudo o que vem a seguir<br />

está escrito na testa <strong>de</strong>sta pare<strong>de</strong> <strong>de</strong>scascada,<br />

ou do tecto da Casa das<br />

Artes, que <strong>de</strong>sabou em 2004 e até<br />

hoje não foi reparado: é aí que vamos<br />

ter um pólo da Cinemateca, ou lá o<br />

que é, e ainda este a<strong>no</strong> (não estamos<br />

a <strong>de</strong>lirar: são <strong>de</strong>clarações solenes do<br />

ministro da Cultura, Pinto Ribeiro,<br />

<strong>no</strong> centenário <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira,<br />

e o Porto leva essas coisas a sério).<br />

Há a<strong>no</strong>s que não víamos o poster (a<br />

se<strong>de</strong> do Cineclube praticamente não<br />

abre: chegou a ter mais sócios do que<br />

o FC Porto e agora tem 300, mas são<br />

só <strong>de</strong>z a pagar as quotas), há a<strong>no</strong>s que<br />

não sabemos o que é feito do Cineclube,<br />

mas cruzámo-<strong>no</strong>s com eles um<br />

<strong>de</strong>stes dias, numa exposição na Casa<br />

do Infante que conta a história, e é<br />

uma história exemplar me<strong>no</strong>s na<br />

parte em que acaba mal, <strong>de</strong> um dos<br />

maiores cineclubes da Europa.<br />

O pa<strong>no</strong>rama actual da exibição<br />

cinematográfica <strong>no</strong> Porto é tudo<br />

me<strong>no</strong>s exemplar - 14 salas em funcionamento,<br />

12 das quais em centros<br />

comerciais (oito salas Lusomundo <strong>no</strong><br />

Dolce Vita do Estádio do Dragão, quatro<br />

salas Me<strong>de</strong>ia <strong>no</strong> Shopping Cida<strong>de</strong><br />

do Porto, com um anexo <strong>no</strong> Cine-<br />

Estúdio do Teatro do Campo Alegre),<br />

e apenas um cinema na Baixa (o Estú-<br />

dio 111, <strong>no</strong> Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira),<br />

a passar filmes por<strong>no</strong>. Dos 21 cinemas<br />

activos na cida<strong>de</strong> em 1978, não<br />

há nenhum aberto. O Cineclube do<br />

Porto não fechou mas é como se<br />

tivesse fechado, o Cineclube do Norte<br />

fechou, a Casa das Artes (equipamento<br />

que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Direcção-<br />

Geral das Artes) fechou, a Casa da<br />

Animação tem problemas <strong>de</strong> financiamento,<br />

o festival <strong>de</strong> documentário<br />

e <strong>no</strong>vos media Odisseia nas Imagens,<br />

lançado pela Capital Europeia da Cultura<br />

em 2001, ficou na gaveta <strong>de</strong> Rui<br />

Rio - e continua a não haver Cinemateca.<br />

É como se o Porto tivesse <strong>de</strong>ixado<br />

<strong>de</strong> estar à sua própria altura.<br />

“É constrangedor ver o estado em<br />

que as coisas estão quando se viveram<br />

aqueles a<strong>no</strong>s extraordinários em que<br />

o cinema era a base <strong>de</strong> uma militância<br />

cultural e também uma plataforma<br />

<strong>de</strong> oposição ao regime. Era uma<br />

vivência riquíssima: as pessoas viam<br />

filmes em condições que hoje não se<br />

imaginam, e <strong>de</strong>pois discutiam até <strong>de</strong><br />

madrugada”, diz Bernard Despomadères,<br />

cinéfilo furioso, amigo <strong>de</strong> Oliveira<br />

e responsável pelos serviços<br />

culturais do Consulado Geral <strong>de</strong><br />

França <strong>no</strong> Porto, que ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong><br />

passado organizou com a Me<strong>de</strong>ia um<br />

ciclo <strong>de</strong> cinema sobre o Maio <strong>de</strong> 68<br />

- “com duas cópias cedidas pela Cinemateca”,<br />

acrescenta António Costa,<br />

representante (íamos dizer resistente)<br />

da Me<strong>de</strong>ia <strong>no</strong> Porto.<br />

E o público?<br />

É uma palavra que ouvimos <strong>de</strong> cinco<br />

em cinco minutos - há décadas. No<br />

a<strong>no</strong> passado, 4373 assinaturas<br />

<strong>de</strong>pois, o Ministério da Cultura assumiu<br />

a criação <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca<br />

<strong>no</strong> Porto: é uma <strong>de</strong>claração em<br />

que já ninguém acredita (sobretudo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se saber que o pólo é uma<br />

coisa a três, Serralves, Casa das Artes<br />

e Casa Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira, e que duas<br />

<strong>de</strong>las não existem), mas que a há, há.<br />

Era fácil, diz António Costa: “A Casa<br />

das Artes está equipada, e não é preciso<br />

fazer um investimento por aí<br />

além. Ainda por cima, a Sala Henrique<br />

Alves Costa tem uma tradição <strong>de</strong><br />

cinefilia: foi programada pela Me<strong>de</strong>ia<br />

durante <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s, sempre com bastante<br />

público, foi lá que a Cinemateca<br />

fez as comemorações do centenário<br />

do cinema em 1997, leva o <strong>no</strong>me <strong>de</strong><br />

um dos maiores divulgadores do<br />

cinema <strong>no</strong> Porto, e até tem espaço<br />

para uma pequena biblioteca”.<br />

Só não sabemos se tem público<br />

(ainda há poucos meses João Bénard<br />

da Costa atirou isto à cara dos signatários<br />

da petição: as tais comemorações<br />

do centenário do cinema, em<br />

1997, não fizeram propriamente<br />

milhares <strong>de</strong> espectadores). “Temos<br />

um grave problema <strong>de</strong> oferta, que<br />

gerou um grave problema <strong>de</strong> procura:<br />

há um público a reconstruir <strong>no</strong><br />

Porto”, argumenta João Fernan<strong>de</strong>s,<br />

director do Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea<br />

<strong>de</strong> Serralves.<br />

“O Porto tem vários públicos, mas<br />

são voláteis: a Casa das Artes fazia 60<br />

a 70 mil espectadores por a<strong>no</strong>, e lembro-me<br />

<strong>de</strong> haver dias em que o ‘Vale<br />

Abrãao’ esgotava as três sessões.<br />

Quando fechou, esse público dispersou-se<br />

- agora é difícil reconquistá-lo.<br />

Mas quando organizámos um ciclo<br />

<strong>de</strong> cinema italia<strong>no</strong> em Outubro quase<br />

todas as sessões estiveram esgotadas.<br />

O ‘Fome’, do Steve McQueen, fez mil<br />

espectadores em duas semanas, o que<br />

não foi mau numa fase em que já só<br />

se falava dos Óscares. É óbvio que se<br />

pudéssemos estrear certos filmes em<br />

simultâneo em <strong>Lisboa</strong> e Porto podíamos<br />

potenciar o efeito multiplicador.<br />

Quando chegam cá, os jornais já <strong>de</strong>ixaram<br />

<strong>de</strong> falar <strong>de</strong>les há meses - e as<br />

pessoas vêem na carteleira ‘A Rapariga<br />

Cortada em Dois’ mas não se lembram<br />

que é um filme do Chabrol”,<br />

explica António Costa. É um facto: as<br />

quatro salas Me<strong>de</strong>ia do Shopping<br />

Cida<strong>de</strong> do Porto são <strong>no</strong>tícia mais<br />

vezes por estarem em risco <strong>de</strong> fechar<br />

do que pelos filmes que tem em exibição.<br />

No curto prazo - com ou sem Cinemateca<br />

- não vai haver milagres<br />

<strong>de</strong>mográficos, e o Porto vai continuar<br />

a ser esta segunda cida<strong>de</strong> que per<strong>de</strong>u<br />

quase 100 mil habitantes em duas<br />

décadas e que tem uma população<br />

cada vez mais próxima da que tinha<br />

<strong>no</strong> início do século XX (por dia, são<br />

20 pessoas que saem e já não voltam).<br />

Há uma parte <strong>de</strong>sse problema que<br />

não é específica do Porto - as salas<br />

monumentais, como o Águia D’Ouro<br />

e o Batalha, fecharam porque esse<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cinemas se tor<strong>no</strong>u obsoleto<br />

com o VHS e o DVD e com a abertura<br />

<strong>de</strong> complexos multiplex <strong>de</strong>ntro<br />

dos centros comerciais. Mas há outra<br />

parte que faz <strong>de</strong>sta história um caso<br />

particular. “O número <strong>de</strong> cinemas<br />

fechados e abandonados é assustador.<br />

O Porto tem um problema grave<br />

<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo cultural que<br />

tem a ver com uma centralização progressiva<br />

das estruturas culturais em<br />

<strong>Lisboa</strong>, a ressaca da Capital Europeia<br />

da Cultura e o <strong>de</strong>sinteresse da câmara<br />

por estas questões. As gerações mais<br />

<strong>no</strong>vas cresceram <strong>de</strong>sligadas da produção<br />

artística - e do cinema”, aponta<br />

Guilherme Blanc. Está a estudar fora<br />

do Porto, como a maioria dos miúdos<br />

que estiveram por trás do movimento<br />

Circuito - Cinema na Universida<strong>de</strong>,<br />

que fe<strong>de</strong>rou uma série <strong>de</strong> cineclubes<br />

universitários e que acabou como<br />

sabemos, numa petição com mais <strong>de</strong><br />

4000 assinaturas. David Barros também:<br />

não podia estudar cinema <strong>no</strong><br />

Porto. “Em <strong>Lisboa</strong> posso ver em sala,<br />

com condições excepcionais, 95 por<br />

cento dos filmes que <strong>no</strong> Porto teria<br />

<strong>de</strong> ver em DVD. Não fui para <strong>Lisboa</strong><br />

fazer um mestrado por causa da qualida<strong>de</strong><br />

da Universida<strong>de</strong> Nova mas por<br />

causa da qualida<strong>de</strong> da Cinemateca.<br />

É disso que <strong>no</strong>s queixamos: falta-<strong>no</strong>s<br />

todo o cinema anterior à década <strong>de</strong><br />

90, falta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma geração<br />

inteira crescer a ver cinema. Não<br />

foi sempre assim. Ainda há dias estive<br />

a fazer uma pesquisa na Cinemateca<br />

e encontrei artigos sobre as vindas<br />

do Jean Rouch ao Porto”, resume.<br />

Sim, há um problema <strong>de</strong> público<br />

Dos 21 cinemas<br />

activos na cida<strong>de</strong> em<br />

1978, não há nenhum<br />

aberto<br />

PAULO PIMENTA<br />

“Temos um grave<br />

problema <strong>de</strong> oferta,<br />

que gerou um grave<br />

problema <strong>de</strong> procura:<br />

há um público a<br />

reconstruir <strong>no</strong> Porto”,<br />

João Fernan<strong>de</strong>s,<br />

director do Museu <strong>de</strong><br />

Arte Contemporânea<br />

<strong>de</strong> Serralves<br />

Fantasporto, um caso<br />

único a nível nacional<br />

FERNANDO VELUDO/ NFACTOS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 29


NELSON GARRIDO<br />

O pa<strong>no</strong>rama<br />

da exibição <strong>no</strong><br />

Porto: 14 salas<br />

em funcionamento,<br />

12 das<br />

quais em<br />

centros<br />

comerciais e<br />

apenas um na<br />

Baixa a exibir<br />

filmes por<strong>no</strong><br />

<strong>no</strong> Porto e também tem a ver com<br />

isto: “Se formos contar espingardas,<br />

vamos perceber que muitas pessoas<br />

que trabalham em <strong>Lisboa</strong> na área do<br />

cinema vieram do Porto, que não<br />

consegue fixar essa massa criativa”,<br />

lembra Dario Oliveira, um dos quatro<br />

directores do Curtas Vila do Con<strong>de</strong><br />

(já foram cinco, mas Luís Urba<strong>no</strong> foi<br />

para <strong>Lisboa</strong> gerir uma produtora, O<br />

Som e a Fúria).<br />

David Barros não está interessado<br />

em ir para o divã procurar explicações:<br />

“Temos é <strong>de</strong> lidar com a situação<br />

e ultrapassar esta falácia <strong>de</strong> que<br />

não há cinema <strong>no</strong> Porto porque não<br />

há público. Também não há público<br />

se não houver cinema. É preciso<br />

começar a criar <strong>no</strong>vos circuitos <strong>de</strong><br />

cinefilia”.<br />

Carlos Azeredo Mesquita, que continua<br />

ligado ao Cineclube da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Belas-Artes, admite que já<br />

houve mais espectadores, mas continua<br />

a ser “uma experiência curiosa”:<br />

“Há pessoas mais velhas que não<br />

sabemos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm”. O futuro<br />

po<strong>de</strong> passar por projectos a esta<br />

escala, diz: “Fiquei chocado com a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinemas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />

<strong>de</strong> bairro, que vi em Varsóvia. No<br />

Porto faltam pessoas que se mexam.<br />

A Cinemateca seria a instituição perfeita,<br />

mas não resolve os problemas<br />

todos: há coisas mais pequenas,<br />

me<strong>no</strong>s institucionais, que po<strong>de</strong>m<br />

criar práticas mais <strong>de</strong>nsas. Também<br />

achávamos que não havia público<br />

para as artes visuais, e tanto Serralves<br />

como Miguel Bombarda são o que<br />

são”.<br />

Tudo ou nada?<br />

Rodrigo Affreixo, que já tentou - teve<br />

os seus a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> militância <strong>no</strong> Cineclube<br />

do Norte e na revista “A Gran<strong>de</strong><br />

Ilusão”, na década <strong>de</strong> 80, quando o<br />

cineclubismo do Porto teve o seu<br />

gran<strong>de</strong> cisma e se partiu ao meio -,<br />

tem dúvidas: “Nisso o Porto é diferente<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Estive a programar<br />

a sala do Teatro do Campo Alegre<br />

entre 2000 e 2001 e tentei fazer uma<br />

coisa tipo Cinemateca. A sala estava<br />

sempre vazia - não sei se por falta <strong>de</strong><br />

promoção, ou por estar a <strong>de</strong>correr o<br />

Porto 2001 ao mesmo tempo. De<br />

facto o circuito <strong>de</strong> exibição não po<strong>de</strong><br />

resumir-se a isto que temos agora: era<br />

como se <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> haver restaurantes<br />

e passasse a haver apenas praças<br />

da alimentação. Mas a i<strong>de</strong>ia com que<br />

fiquei é que os circuitos alternativos<br />

não funcionam”.<br />

Mário Dorminsky, director do Fantasporto,<br />

concorda: “As pessoas não<br />

se interessam por ciclos, a não ser<br />

que sejam suportados por filmes inéditos,<br />

porque já viram tudo em DVD.<br />

Acontece com o Fantasporto. Gostávamos<br />

<strong>de</strong> fazer mais coisas ao longo<br />

do a<strong>no</strong>, mas não vale a pena. Nesse<br />

sentido, <strong>no</strong> Porto não falta nada: está<br />

tudo editado em DVD, muitas vezes<br />

em cópias remasterizadas <strong>de</strong> altíssima<br />

qualida<strong>de</strong>”.<br />

É uma questão <strong>de</strong> perspectiva:<br />

Carlos Azeredo Mesquita diz que<br />

falta tudo, “cinema anterior à década<br />

<strong>de</strong> 90, algum cinema da própria<br />

década <strong>de</strong> 90 e muito cinema contemporâneo”,<br />

João Fernan<strong>de</strong>s diz<br />

que “falta, conhecida e reconhecidamente<br />

um confronto com a História<br />

do cinema, com o cinema experimental<br />

e também com muitas possibilida<strong>de</strong>s<br />

do cinema<br />

contemporâneo e com as cinematografias<br />

do mundo, até porque há filmes<br />

que <strong>de</strong>saparecem após uma<br />

semana <strong>de</strong> exibição”.<br />

Olhamos para o que aconteceu em<br />

Serralves, na Casa da Música, <strong>no</strong> S.<br />

João e na rua Galeria <strong>de</strong> Paris e <strong>de</strong>cidimos:<br />

tem <strong>de</strong> haver público para o<br />

cinema. “O Porto 2001 é a prova:<br />

havendo uma programação séria,<br />

uma ligação à universida<strong>de</strong> e ao<br />

meio artístico, há público. O Festival<br />

Odisseia nas Imagens tinha tudo para<br />

ter ficado para a cida<strong>de</strong>, mas a<br />

câmara não teve abertura para uma<br />

única reunião. Havia um trabalho <strong>de</strong><br />

ligação com as universida<strong>de</strong>s, com<br />

a Cinemateca e com os festivais<br />

estrangeiros, <strong>de</strong>u-se formação, encomendaram-se<br />

filmes. Todo esse trabalho<br />

se per<strong>de</strong>u”, sublinha Dario<br />

Oliveira. Falta esse festival e faltam<br />

salas <strong>de</strong> rua, diz: “Micro-multiplexes,<br />

como em toda a Europa. Não<br />

adianta haver uma sala sozinha na<br />

“Há esse mito <strong>de</strong> que<br />

os cidadãos do Porto<br />

são muito activos e<br />

muito resistentes, eu<br />

acho que não são: a<br />

cida<strong>de</strong> não reage às<br />

suas perdas”<br />

Alexandre Alves<br />

Costa, arquitecto<br />

Baixa: fizemos essa experiência com<br />

o Passos Manuel e não foi viável porque<br />

a média <strong>de</strong> espectadores era<br />

muito baixa. É o que se passa agora<br />

com este movimento da rua Galeria<br />

<strong>de</strong> Paris: <strong>de</strong>z bares na mesma rua<br />

criam práticas com que um bar sozinho<br />

não po<strong>de</strong> sequer sonhar”. Tudo<br />

o que existe <strong>no</strong> Porto na área do do<br />

cinema existe pontualmente, subscreve<br />

Abi Feijó, que foi o primeiro<br />

director da Casa da Animação: “O<br />

Fantasporto pontualmente, Serralves<br />

pontualmente, a Casa da Animação<br />

pontualmente. São gotas <strong>no</strong> ocea<strong>no</strong>”.<br />

Uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> salas <strong>de</strong> bairro, na<br />

Baixa, po<strong>de</strong> funcionar como incentivo<br />

para que a cida<strong>de</strong> volte a ocupar<br />

o centro, mas isto já é “wishful<br />

thinking”: “A distribuição e a exibição<br />

comercial são áreas difíceis, mas seria<br />

interessante que aparecessem aventuras<br />

privadas a par do formato mais<br />

institucional <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca,<br />

até porque muitas das salas<br />

fechadas estão equipadas”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />

João Fernan<strong>de</strong>s. “Não temos razões<br />

para frequentar a Baixa, está tudo em<br />

ruínas a não ser a vida <strong>no</strong>cturna. O<br />

fim do projecto do Rivoli, que <strong>de</strong><br />

facto funcionava como centro cívico,<br />

foi terrível. E tudo isto acontece à<br />

<strong>no</strong>ssa frente, sem que a cida<strong>de</strong> pareça<br />

incomodada. Há esse mito <strong>de</strong> que os<br />

cidadãos do Porto são muito activos<br />

e muito resistentes, eu acho que não<br />

FERNANDO VELUDO/ NFACTOS<br />

são: a cida<strong>de</strong> não reage às suas perdas.<br />

É impensável que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

2001, a cida<strong>de</strong> tenha eleito um presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> câmara não só inculto<br />

como manifestamente anti-cultural”,<br />

frisa o arquitecto Alexandre Alves<br />

Costa, filho do histórico director do<br />

Cineclube do Porto Henrique Alves<br />

Costa. É a favor <strong>de</strong> uma Cinemateca<br />

<strong>no</strong> Porto, mesmo que seja só para 20<br />

pessoas: “Se não começarmos pelas<br />

20 pessoas, nunca passaremos para<br />

as 2000”.<br />

É uma <strong>de</strong>cisão política, diz António<br />

Costa: “Ou se faz ou não se faz. Não<br />

se po<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sistir antes <strong>de</strong> começar”.<br />

Mas também há outras coisas que se<br />

po<strong>de</strong>m fazer antes da Cinemateca:<br />

“A Casa das Artes é o centro i<strong>de</strong>al<br />

para a difusão do cinema <strong>no</strong> Porto.<br />

Ainda existe o espaço, ainda existem<br />

as pessoas, existem as universida<strong>de</strong>s.<br />

Era possível abrir o Porto a outro tipo<br />

<strong>de</strong> cinema com custos baixíssimos,<br />

se houvesse boa vonta<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> não<br />

haver público real, mas há público<br />

potencial, e um sítio para esse público<br />

se encontrar. O cinema <strong>no</strong> Porto é<br />

uma bela adormecida: precisa <strong>de</strong><br />

pouco para <strong>de</strong>spertar”, diz Bernard<br />

Despomadères.<br />

Estamos naquela fase em que já<br />

não interessa o que se vai fazer -<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se faça qualquer coisa para<br />

acabar com este so<strong>no</strong> <strong>de</strong> 20 e tal<br />

a<strong>no</strong>s.<br />

David Barros<br />

(terceiro a<br />

contar da<br />

direita) faz<br />

mestrado em<br />

cinema.<br />

Deixou o Porto<br />

e foi para<br />

<strong>Lisboa</strong> não por<br />

causa da<br />

qualida<strong>de</strong> da<br />

Universida<strong>de</strong><br />

Nova mas por<br />

causa da<br />

qualida<strong>de</strong> da<br />

Cinemateca<br />

30 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

MÃO MORTA À CONVERSA COM…<br />

28.02. 17H30 FNAC NORTESHOPPING<br />

28.02. 21H30 FNAC COIMBRA<br />

03.03. 19H00 FNAC BRAGA<br />

AO VIVO<br />

BUNNYRANCH<br />

Teach Us Lord How To Wait<br />

27.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />

05.03. 21H30 FNAC VISEU<br />

AO VIVO<br />

DOISMILEOITO<br />

doismileoito<br />

28.02. 17H00 FNAC CHIADO<br />

01.03. 18H30 FNAC COLOMBO<br />

06.03. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

07.03. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />

07.03. 22H00 FNAC BRAGA<br />

13.03. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />

13.03. 22H00 FNAC MAR SHOPPING<br />

15.03. 17H30 FNAC VISEU<br />

AO VIVO<br />

:PAPERCUTZ<br />

Lylac<br />

28.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />

28.02. 22H00 FNAC GAIASHOPPING<br />

07.03. 17H00 FNAC BRAGA<br />

14.03. 17H00 FNAC VISEU<br />

EXPOSIÇÃO<br />

UM PONTO EXACTO PARA VER<br />

Fotografias <strong>de</strong> Hugo Rodrigues Cunha<br />

Novo Talento Fnac Fotografia 2008, Vencedor<br />

05.03. - 20.05.2009 FNAC CHIADO<br />

Apoio:


Cinema<br />

Anjo caído<br />

É um filme sobre glórias<br />

passadas e sobre uma queda.<br />

Randy, como Rourke, foi<br />

“gran<strong>de</strong>” <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, e<br />

agora <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong><br />

encontrar um espelho que<br />

reflicta essa gran<strong>de</strong>za.<br />

Luís Miguel Oliveira<br />

O Wrestler<br />

The Wrestler<br />

De Darren Aro<strong>no</strong>fsky,<br />

com Mickey Rourke, Marisa Tomei,<br />

Evan Rachel Wood. M/16<br />

MMMnn<br />

Sem Rourke, “O Wrestler” não faria sentido<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30 6ª<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; Castello<br />

Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />

24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h40,<br />

21h40, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7:<br />

5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50, 18h30, 21h35, 23h45<br />

Sábado Domingo 11h30, 13h40, 15h50, 18h30, 21h35,<br />

23h45; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 14h, 16h10, 18h20, 21h40 6ª 14h, 16h10, 18h20,<br />

21h40, 00h05 Sábado 11h45, 14h, 16h10, 18h20,<br />

21h40, 00h05 Domingo 11h45, 14h, 16h10, 18h20,<br />

21h40; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,<br />

00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h15, 21h30, 23h55<br />

Domingo 11h30, 14h15, 16h50, 19h15, 21h30,<br />

23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h30,<br />

00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h10,<br />

21h40, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30, 18h15,<br />

21h10, 23h50; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h30,<br />

21h25, 00h10; UCI Freeport: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

16h, 18h40, 21h30 6ª 16h, 18h40, 21h30, 24h<br />

Sábado 13h40, 16h, 18h40, 21h30, 24h<br />

Domingo 13h40, 16h, 18h40, 21h30; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45,<br />

18h25, 21h30, 00h05; ZON<br />

Lusomundo Fórum<br />

Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h40, 16h20,<br />

18h45, 21h30,<br />

24h<br />

Porto:<br />

Arrábida<br />

As estrelas do público<br />

20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15,<br />

16h50, 19h25, 22h, 00h45 3ª 4ª 16h50, 19h25, 22h,<br />

00h45; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,<br />

21h50; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h20 6ª<br />

Sábado 13h, 15h30, 18h10, 21h20, 00h20; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 19h, 22h,<br />

00h40; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h30, 21h10 6ª<br />

Sábado 13h, 15h45, 18h30, 21h10, 24h<br />

Mickey Rourke não é apenas o actor<br />

<strong>de</strong> “O Wrestler”. É o seu tema, o seu<br />

objecto, a sua razão <strong>de</strong> ser. Diz-se<br />

muitas vezes que todos os filmes<br />

acabam por ser uma espécie <strong>de</strong><br />

“documentário” sobre os seus<br />

actores. É verda<strong>de</strong>, e quanto mais o<br />

tempo passa sobre um filme mais<br />

essa verda<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte (como dizia<br />

alguém, o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> da “ficção” é<br />

tornar-se “documento”). Ainda<br />

assim, é raro encontrar um filme<br />

que, como “O Wrestler”, leve essa<br />

i<strong>de</strong>ia tão a peito. O seu acto<br />

essencial é ser testemunha <strong>de</strong> uma<br />

presença, da presença <strong>de</strong> um actor,<br />

da presença <strong>de</strong>ste actor. Sem<br />

Rourke - e sem a história <strong>de</strong> Rourke,<br />

que está, por assim dizer,<br />

“incrustada” em cada milímetro do<br />

seu corpo e do seu rosto - o filme<br />

não faria sentido, ou faria um<br />

sentido completamente diferente.<br />

Claro que a dissociação continua<br />

a ser possível, e não só possível<br />

como <strong>de</strong>sejável. É um actor e uma<br />

personagem, a sobreposição não é<br />

absoluta, e a história <strong>de</strong> Mickey<br />

Rourke não é bem a história do<br />

“wrestler” Randy the Ram. Mas há<br />

ecos <strong>de</strong> um <strong>no</strong> outro, ou não fosse<br />

“O Wrestler” um filme sobre glórias<br />

passadas e, se não sobre a<br />

<strong>de</strong>cadência, sobre uma queda, um<br />

confronto com a vulgarida<strong>de</strong> do<br />

mundo. Randy, como Rourke, foi<br />

“gran<strong>de</strong>” <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, e agora<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> encontrar<br />

um espelho que reflicta essa<br />

gran<strong>de</strong>za - não tão longe assim, e é<br />

uma lembrança que <strong>no</strong>s ocorre a<br />

certa altura, da Gloria Swanson do<br />

“Sunset Boulevard” <strong>de</strong> Billy Wil<strong>de</strong>r,<br />

esse filme sobre “come backs” e<br />

sobre o crepúsculo dos <strong>de</strong>uses... É o<br />

mesmo mundo “encolhido”, e dirse-ia<br />

que é nisso que Darren<br />

Aro<strong>no</strong>fsky pensa quando trata a<br />

relação do e<strong>no</strong>rme corpo <strong>de</strong> Rourke<br />

com certos décors. As cenas <strong>no</strong><br />

supermercado on<strong>de</strong> Randy faz uns<br />

biscates <strong>no</strong> intervalo entre dois<br />

combates, por exemplo: há ali uma<br />

espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sproporção, como se<br />

Randy fosse o protótipo do “leão<br />

enjaulado”...<br />

Um mundo vulgar, mas cheio<br />

<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>. A principal proeza<br />

do olhar <strong>de</strong> Aro<strong>no</strong>fsky está nessa<br />

justeza. Consegue filmar um<br />

mundo, ou submundo, tão<br />

codificado como os dos “wrestlers”<br />

sem tombar <strong>no</strong> grotesco ou na<br />

caricatura. E confrontar-se, por sua<br />

vez, com uma vulgarida<strong>de</strong><br />

corriqueira, com uma urbanida<strong>de</strong><br />

cinzenta e <strong>de</strong>primente, sem nunca<br />

as me<strong>no</strong>rizar nem sequer julgar,<br />

trazendo-lhes uma lumi<strong>no</strong>sida<strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente tocante. As<br />

cenas com Rourke e a<br />

maravilhosa Marisa Tomei,<br />

sobretudo as cenas diurnas<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

O Casamento <strong>de</strong> Rachel mmnnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />

Dúvida MMmnn mmnnn mmmnn mmnnn<br />

O Leitor mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

Maradona nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn<br />

Milk mmmmm mmmmn mmmmm mmmmn<br />

Quem quer ser Bilionário? mmnnn a mnnnn a<br />

Revolutionary Road nnnnn mmnnn mmmnn mnnnn<br />

Um dia <strong>de</strong> cada vez mmmmn nnnnn mmnnn mnnnn<br />

O Visitante mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

O Wrestler nnnnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />

Bárbara<br />

Reis<br />

Coffee-break<br />

A morte dos outros<br />

Há uns a<strong>no</strong>s fui ao New Museum <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque ver Bob Flanagan morrer. O “New<br />

York Times” dizia que era um poeta<br />

sadomasoquista famoso por ler poesia em<br />

público com pesos pendurados <strong>no</strong>s<br />

testículos e por ter uma doença hereditária incurável. E<br />

dizia outra coisa: Flanagan estava a morrer na exposição.<br />

Seria possível?<br />

Uma pessoa não sabe bem o que pensar quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

ir ver uma coisa assim. O espectáculo da morte não é uma<br />

invenção do <strong>no</strong>sso século, os roma<strong>no</strong>s morriam na arena<br />

entre palmas e lágrimas, mas em 1994, quando fui ver<br />

Flanagan, a morte ainda não voltara a ser espectáculo diário<br />

<strong>de</strong> multidões, como é hoje.<br />

Esta semana, Ja<strong>de</strong> Goody, que está a semanas <strong>de</strong> morrer<br />

com um cancro <strong>no</strong> cólon do útero, cobrou um milhão<br />

<strong>de</strong> euros pelo exclusivo do seu casamento. Quer <strong>de</strong>ixar<br />

dinheiro aos filhos e se a <strong>no</strong>ssa arena da morte é a televisão,<br />

porque não? Filha <strong>de</strong> um casal <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

dos subúrbios <strong>de</strong> Londres, Ja<strong>de</strong> Goody foi uma anónima<br />

assistente <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista até entrar <strong>no</strong> Big Brother britânico<br />

em 2002. Ficou célebre por ser ig<strong>no</strong>rante. Num programa<br />

perguntou se o Rio <strong>de</strong> Janeiro era uma “pessoa”, <strong>no</strong>utro se<br />

em Portugal se falava “portuganês”. Tinha 20 a<strong>no</strong>s. Hoje<br />

tem 27 e soube ao vivo, num Big Brother da Índia on<strong>de</strong><br />

estava como convidada, que tinha um cancro. No dia dos<br />

namorados, o seu <strong>no</strong>ivo <strong>de</strong> 21 a<strong>no</strong>s, preso por ter atacado<br />

um adolescente com um taco <strong>de</strong> basebol, pediu-lhe e mão.<br />

Jack Straw, ministro da Justiça, abriu uma excepção e <strong>de</strong>ixou<br />

que o <strong>no</strong>ivo-con<strong>de</strong>nado dormisse fora uma <strong>no</strong>ite – está em<br />

liberda<strong>de</strong> condicional e obrigado pelo tribunal a regressar<br />

a casa da mãe até às sete da<br />

tar<strong>de</strong>. “Esta <strong>no</strong>ite é <strong>de</strong>les, talvez<br />

Bob Flanagan viveu na<br />

exposição entre<br />

Setembro e Novembro <strong>de</strong><br />

1994. Morreu dois a<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong>pois. Sinto que não<br />

aprendi nada com<br />

aquilo. E com Ju<strong>de</strong><br />

Goody vai ser igual<br />

seja a única que passam juntos.<br />

Estamos gratos a Straw”,<br />

disse Max Clifford, o agente<br />

<strong>de</strong> Ja<strong>de</strong> Goody que foi agente<br />

dos Beatles. “Vivi em frente<br />

às câmaras e talvez morra em<br />

frente a elas”, é a frase que fica<br />

<strong>de</strong> tudo isto. Especula-se, como<br />

os roma<strong>no</strong>s, se Ja<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>rá<br />

também a sua morte.<br />

Há 15 a<strong>no</strong>s, quando fui<br />

com a Isabel ver Bob Flanagan<br />

morrer, ainda não se tinha<br />

inventado o Big Brother.<br />

Lembro-me <strong>de</strong> sentir medo que<br />

ele morresse à minha frente.<br />

A exposição chamava-se “Visiting Hours” e começava com<br />

um berço e uma linha branca na pare<strong>de</strong> que <strong>no</strong>s conduzia<br />

pelas salas, como um corrimão sem espessura. Com a linha,<br />

seguia também o poema “Porquê” que se lia à medida<br />

que caminhávamos: “Porque é bom/ Porque me dá uma<br />

erecção/ Porque sou tarado.” Avancei pelo espectáculo<br />

da dor e rapidamente acelerei o passo. Vi um ví<strong>de</strong>o com<br />

Flanagan a pôr piercings <strong>no</strong> mamilo, outro com sangue a<br />

esguichar. Quando cheguei ao pénis a ser perfurado por<br />

um prego saí. No caminho li o resto do poema: “Porque há<br />

muitas doenças/ Porque gosto da atenção/ Porque fiquei<br />

muitas vezes sozinho em criança/ Porque eu era diferente/<br />

Porque os miúdos me batiam a caminho da escola/ Porque<br />

fui humilhado pelas freiras/ Por causa da crucificação.”<br />

Fiquei na rua à espera da Isabel. Resistente, pensei. Meia<br />

hora <strong>de</strong>pois fui procurá-la. Calmamente, ela conversava<br />

com Bob Flanagan, que estava <strong>no</strong> fim da exposição, nu,<br />

com soro <strong>no</strong>s braços e tubos <strong>no</strong> nariz, num quarto <strong>de</strong><br />

hospital real transportado para o New Museum. Como<br />

passa os dias? Porque é que tem um Cristo em cima da<br />

cama? Que livros tem na cabeceira? As pessoas conversam<br />

consigo? E o que lhe dizem?<br />

Bob Flanagan viveu na exposição entre Setembro e<br />

Novembro <strong>de</strong> 1994. Morreu dois a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois. Sinto que não<br />

aprendi nada com aquilo. E com Ju<strong>de</strong> Goody vai ser igual.<br />

breis@publico.pt<br />

32 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

“Maradona”: o futebolista, patético<br />

e perdido num filme <strong>de</strong>magógico<br />

Espaço<br />

Público<br />

Tire-se o chapéu a Gus Van<br />

Sant. Apesar <strong>de</strong> aventuras<br />

em formato “mainstream”<br />

como “Good Will Hunting”<br />

ou “Finding Forrester”,<br />

tem <strong>de</strong>dicado a sua<br />

carreira a correr riscos,<br />

oferecendo-<strong>no</strong>s pérolas<br />

escondidas em ostras <strong>de</strong><br />

tamanho indie como “My<br />

Own Private Idaho” ou<br />

“Last Days”. “Milk”é uma<br />

pérola indie em formato<br />

universal. O filme conta a<br />

história <strong>de</strong> Harvey Milk, o<br />

primeiro político<br />

assumidamente gay a ser<br />

eleito para um cargo<br />

público <strong>no</strong>s EUA. É incrível<br />

a forma como Van Sant<br />

transmuta a história<br />

individual numa epopeia<br />

colectiva, começando<br />

numa rua, avançando para<br />

um país para, <strong>de</strong> repente,<br />

tomar conta do mundo<br />

inteiro. Porque não é<br />

apenas dos direitos gay<br />

que Milk se acerca, mas <strong>de</strong><br />

todos os direitos e<br />

liberda<strong>de</strong>s inalienáveis ao<br />

ser huma<strong>no</strong> enquanto<br />

indivíduo e à sua<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha.<br />

No a<strong>no</strong> em que a eleição <strong>de</strong><br />

Obama <strong>de</strong>volveu a<br />

esperança ao planeta,<br />

ofereço a esta odisseia pela<br />

liberda<strong>de</strong> 9 Castros em 10.<br />

Pedro Miguel Silva, 35<br />

a<strong>no</strong>s, Técnico <strong>de</strong><br />

Comunicação<br />

2008 FOCUS FEATURES. ALL RIGHTS RESERVED<br />

dos seus encontros <strong>no</strong> café ou nas<br />

lojas, trabalham numa simplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> ador<strong>no</strong>s que é sempre<br />

uma maneira <strong>de</strong> fazer justiça às<br />

personagens.<br />

Numa <strong>de</strong>ssas cenas Randy faz o<br />

elogio dos a<strong>no</strong>s 80 através do<br />

“rock”, aquele “rock FM” não<br />

muito sofisticado que ele gosta <strong>de</strong><br />

ouvir (“<strong>de</strong>pois”, diz, “apareceu o<br />

Kurt Cobain e estragou tudo”).<br />

Noutra cena joga, com um miúdo<br />

seu vizinho, um velhíssimo jogo<br />

<strong>de</strong> consola, enquanto o miúdo lhe<br />

fala dos jogos <strong>no</strong>vos, <strong>de</strong> que Randy<br />

já ouviu falar mas não tem<br />

interesse em experimentar.<br />

Pequenas reiterações do carácter<br />

“perdido <strong>no</strong> tempo” da<br />

personagem <strong>de</strong> Rourke.<br />

Aro<strong>no</strong>fsky, em vez <strong>de</strong> filmar para a<br />

“recuperar”, oferece-lhe a<br />

possibilida<strong>de</strong> do mergulho total<br />

nessa “perdição”. Mas <strong>no</strong> último<br />

pla<strong>no</strong> do filme (que é, afinal <strong>de</strong><br />

contas, um “mergulho”) a<br />

diferença entre uma maldição e<br />

uma bênção torna-se uma questão<br />

<strong>de</strong> perspectiva: Randy está<br />

<strong>de</strong>stinado a ganhar-se por aquilo<br />

que o per<strong>de</strong>. E isso é muito bonito.<br />

Continuam<br />

Maradona<br />

Maradona by Kusturica<br />

De Emir Kusturica,<br />

com Lucas Fuica, Emir Kusturica,<br />

Diego Armando Maradona. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 18h50, 21h20 6ª Sábado<br />

13h40, 18h50, 21h20, 23h40<br />

Emir Kusturica tem uma obra<br />

respeitável, à qual este “biopic”<br />

supostamente original nada vem<br />

acrescentar. Trata-se do encontro<br />

<strong>de</strong>sinteressante entre dois egos<br />

imensos, com algum respeito pelo<br />

biografado, mas com uma<br />

hagiografia que não faz gran<strong>de</strong><br />

sentido, na medida em que se per<strong>de</strong><br />

em escusadas lau<strong>de</strong>s e em<br />

porme<strong>no</strong>res. Nem a tentativa <strong>de</strong><br />

aproveitar a Guerra das Malvinas,<br />

para con<strong>de</strong>nar o regime “fascista”<br />

<strong>de</strong> Mrs. Thatcher, funciona:<br />

politizar, à boa maneira dos seus<br />

filmes “jugoslavos”, <strong>de</strong>ixa Kusturica<br />

num impasse, uma vez que tudo<br />

esbarra numa confrangedora<br />

facilida<strong>de</strong> representativa. E, <strong>de</strong>pois,<br />

Maradona, figura tragicómica,<br />

sossobra <strong>no</strong> processo: patético e<br />

perdido num filme <strong>de</strong>magógico.<br />

Mário Jorge Torres<br />

O Casamento <strong>de</strong> Rachel<br />

Rachel Getting Married<br />

De Jonathan Demme,<br />

com Anne Hathaway, Rosemarie<br />

DeWitt, Debra Winger. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 13h50, 16h Sábado Domingo 11h40, 13h50,<br />

16h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20, 18h50, 21h30,<br />

24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h45, 19h10, 21h35,<br />

24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 21h15, 23h45 4ª 23h45<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 19h15, 21h45, 00h20; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />

“O Casamento <strong>de</strong> Rachel”<br />

Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

19h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h35,<br />

21h20, 23h40; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30 6ª<br />

Sábado 13h05, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20;<br />

Sim, nós já sabemos que as famílias<br />

são uma coisa lixada, e a esse nível<br />

“O Casamento <strong>de</strong> Rachel”, história<br />

do regresso a casa <strong>de</strong> uma drogada<br />

em reabilitação para assistir ao<br />

casamento da irmã, não traz nada <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vo. O que traz <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo – ou, pelo<br />

me<strong>no</strong>s, <strong>de</strong> invulgar – é o modo<br />

“home movie” como Jonathan<br />

Demme o filma, como se a câmara<br />

fizesse parte da família e estivesse lá<br />

sempre que as coisas ficam feias (e<br />

ficam bastantes vezes). O que traz <strong>de</strong><br />

mais interessante é a interpretação<br />

reveladora <strong>de</strong> Anne Hathaway<br />

(<strong>no</strong>meada para o Oscar) <strong>no</strong> papel da<br />

irmã perdida (bem secundada por<br />

Rosemarie <strong>de</strong> Witt <strong>no</strong> papel da irmã<br />

certinha; e que pena que Debra<br />

Winger quase não apareça). Mas a<br />

sensação que “O Casamento <strong>de</strong><br />

Rachel” <strong>de</strong>ixa é exactamente a <strong>de</strong><br />

um casamento para o qual somos<br />

convidados sem conhecer bem a<br />

família, e do qual saímos sem termos<br />

percebido muito bem porque é que<br />

aceitámos ir; o ponche<br />

emocional está<br />

<strong>de</strong>masiado diluido na<br />

boémia, a evocação <strong>de</strong><br />

Altman esbarra na<br />

incapacida-<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gerir habilmente<br />

os<br />

vários fios<br />

cru-zados.<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

“Um Dia <strong>de</strong> Cada Vez”: o “sistema”<br />

<strong>de</strong> Mike Leigh em flagrante <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong><br />

Um Dia <strong>de</strong> Cada Vez<br />

Happy-Go-Lucky<br />

De Mike Leigh,<br />

com Sally Hawkins, Elliot Cowan,<br />

Alexis Zegerman. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h15<br />

O “sistema Mike Leigh” parece<br />

<strong>de</strong>sabar. O querer fazer uma<br />

comédia “optimista” (querer chegar<br />

a mais público?) parece ser neste<br />

filme, antes <strong>de</strong> tudo, um objectivo<br />

imposto <strong>de</strong> fora, um “a priori”,<br />

coisa pouco orgânica, uma tarefa,<br />

na verda<strong>de</strong>. O resultado é um<br />

flagrante <strong>de</strong> artificialismo e<br />

falsida<strong>de</strong>. O que se vê são os<br />

processos, os tiques, e quando<br />

Agenda<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. B213596200<br />

Sexta, 27<br />

Quando o Rio se Enfurece<br />

Wild River<br />

De Elia Kazan. Com Jo Van<br />

Fleet, Lee Remick,<br />

Montgomery Clift. 110 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Les Dames<br />

du Bois <strong>de</strong> Boulogne<br />

De Robert Bresson. Com<br />

Blanchette Bru<strong>no</strong>y, Lucienne<br />

Bogaert, Paul Bernard. 90<br />

min.<br />

19h - Sala Félix<br />

Ribeiro<br />

Nuvens <strong>de</strong> Verão<br />

Iwashigumo<br />

De Mikio Naruse. Com<br />

Chikage Awashima,<br />

Michiyo Aratama,<br />

Yôko Tsukasa. 128<br />

min.<br />

19h30 - Sala Luís<br />

<strong>de</strong> Pina<br />

Almas em Fúria<br />

The Furies<br />

De Anthony Mann.<br />

Com Barbara<br />

Stanwyck,<br />

Wen<strong>de</strong>ll Corey, walter Huston. 112<br />

min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Velho e o Mar<br />

The Old Man and The Sea<br />

De John Sturges. Com Felipe Pazos,<br />

Harry Bellaver, Spencer Tracy. 86<br />

min. M12.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Sábado, 28<br />

Montgomery Clift em “Wild River”<br />

Amor Selvagem<br />

Canyon Passage<br />

De Jacques Tourneur. Com Dana<br />

Andrews, Brian Donlevy, Susan<br />

Hayward, Patricia Roc. 92 min.<br />

M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

A Múmia<br />

Al Mummia<br />

De Chadi Ab<strong>de</strong>l Salam. Com Ahmed<br />

Marei, Ahmad Hegazi, Zouzou<br />

Hamdy El-Hakim. 102 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Autobiography of a Princess<br />

De James Ivory. Com James Mason,<br />

Madhur Jaffrey, Keith Varnier. 60<br />

min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

A Mulher na Lua<br />

Frau im Mond<br />

De Fritz Lang. Com Gerda Maurus,<br />

Kirsten Heilberg, Willy Fritsch.<br />

190 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Painters Painting<br />

De Emile <strong>de</strong> Antonio. 116 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

PARCERIA ESTRATÉGICA<br />

WWW.MONSTRAFESTIVAL.COM<br />

MEDIA PARTNER<br />

APOIO<br />

09 –15 Mar<br />

monstra<br />

festival <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> LISBOA animated film festival<br />

Cinema São Jorge<br />

Museu do Oriente<br />

Museu da Marioneta<br />

Museu <strong>de</strong> Et<strong>no</strong>logia<br />

Teatro Meridional<br />

Escola Sec. D. Diniz<br />

Animação Suíça<br />

Competição Longas<br />

e curtas <strong>de</strong> Estudantes<br />

Ante-estreias<br />

<strong>de</strong> filmes portugueses<br />

Exposições<br />

MONSTRINHA<br />

Transversalida<strong>de</strong>s<br />

| Cabaret Voltaire<br />

Formação<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

MUSEU DA MARIONETA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 33


Cinema<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Sérgio Sant’anna esteve<br />

em Praga, Luiz Ruffato<br />

em <strong>Lisboa</strong>, Joca Reiners<br />

Terron <strong>no</strong> Cairo...<br />

Amores<br />

Expressos<br />

http://<br />

amoresexpressos.<br />

com.br/<br />

GARY HERSHORN/ REUTERS<br />

Óscares<br />

Ciberescritas<br />

Os escritores<br />

e as cida<strong>de</strong>s<br />

Esta crónica “pega um pouco” a da semana<br />

passada. Isto porque acho que há muito mais<br />

para dizer sobre Amores Expressos e sobre os<br />

16 escritores brasileiros que participaram<br />

neste projecto.<br />

“Se há uma marca que <strong>de</strong>fine a literatura do <strong>no</strong>sso tempo,<br />

é a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estéticas e propostas que convivem <strong>no</strong><br />

mesmo tempo e espaço”, lê-se <strong>no</strong> “site” do projecto literário<br />

brasileiro Amores Expressos. Foi por isso que o produtor<br />

Rodrigo Teixeira (que ficou conhecido pela colecção Camisa<br />

13, em que pediu a escritores brasileiros que escrevessem<br />

sobre futebol) teve agora a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> propor a 16 autores<br />

brasileiros, <strong>de</strong> diferentes gerações, que escrevessem histórias<br />

<strong>de</strong> amor com uma cida<strong>de</strong> a servir <strong>de</strong> cenário e inspiração<br />

para as narrativas. Enviou-os, isolados, por um mês, para<br />

várias cida<strong>de</strong>s espalhadas pelo mundo. Acreditava que o<br />

conjunto final dos textos formaria “um rico mosaico literário,<br />

retratando em diferentes instantâneos o estado das relações<br />

e do amor contemporâneo pelo planeta.” Foram escolhidos<br />

(o coor<strong>de</strong>nador editorial do projecto é João Paulo Cuenca,<br />

que entrevistámos para esta edição) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> escritores<br />

consagrados como Sérgio Sant’Anna e Bernardo Carvalho,<br />

até escritores que nunca tinham publicado um romance<br />

e foram <strong>de</strong>scobertos por terem publicado contos e outros<br />

textos em revistas literárias. A editora brasileira Companhia<br />

das Letras associou-se, publicará os livros. E durante toda a<br />

permanência dos escritores nas cida<strong>de</strong>s, cada um manteve<br />

um blogue e <strong>de</strong>pois foi feito um DVD, com documentários <strong>de</strong><br />

todas as experiências.<br />

Já foi publicado <strong>no</strong> Brasil o primeiro livro associado a<br />

Amores Expressos: “Cordilheira” <strong>de</strong> Daniel Galera, Prémio<br />

Machado <strong>de</strong> Assis 2008. Daniel Galera esteve em Bue<strong>no</strong>s<br />

Aires e escreveu <strong>no</strong> seu blogue,<br />

<strong>no</strong> seu diário <strong>de</strong> bordo, “Já <strong>de</strong><br />

volta a São Paulo, ruminando<br />

fotos e memórias. Tenho uma<br />

história rabiscada na mente.<br />

Acho que ela po<strong>de</strong>ria se passar<br />

em qualquer lugar, mas se<br />

passará em Bue<strong>no</strong>s Aires,<br />

uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carnes tenras,<br />

mulheres elegantes e ruas planas que mimam os andarilhos<br />

com cafés e livrarias inesgotáveis.”<br />

Agora vai ser publicado o livro <strong>de</strong> Bernardo Carvalho,<br />

que se passa em São Petersburgo. Cuenca, que já leu, diz<br />

que é excelente, “o melhor livro <strong>de</strong>le.” Basta ir espreitar o<br />

seu diário <strong>de</strong> bordo na Internet para ter a certeza que isso<br />

só po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>: “Começo a me dar conta <strong>de</strong> outra<br />

São Petersburgo. Em parte, graças ao Maxim, que é um<br />

sujeito muito peculiar.(...) Estudou cinema, em Moscou,<br />

com Marlen Huciev, cineasta soviético contemporâneo <strong>de</strong><br />

Tarkovski. Uma <strong>no</strong>ite, <strong>no</strong> hotel, em Moscou, liguei a TV e<br />

<strong>de</strong>i com a cena <strong>de</strong> um filme em preto e branco, dos a<strong>no</strong>s<br />

60, em que um grupo <strong>de</strong> jovens (Tarkovski entre eles) falava<br />

alto, recitava poemas, dançava, e passava do riso ao choro<br />

sem tomar fôlego, como parece ser costume entre os russos,<br />

bipolares intempestivos. Como não falo russo, não entendi<br />

bulhufas do que diziam. Mas tampouco consegui <strong>de</strong>sgrudar<br />

os olhos da TV. A cena era estonteante. Era incrível que<br />

aquele filme tivesse sido feito na União Soviética dos a<strong>no</strong>s<br />

60. A influência da <strong>no</strong>uvelle vague era clara. Mas havia<br />

outra coisa, uma melancolia, um peso, um <strong>de</strong>sencanto, que<br />

os filmes da <strong>no</strong>uvelle vague não têm. Só ontem, o Maxim<br />

me esclareceu que a cena que eu vi é <strong>de</strong> um filme célebre<br />

do Huciev. O Maxim é um cara sabido e estranho.”<br />

Sérgio Sant’anna esteve em Praga, Luiz Ruffato em<br />

<strong>Lisboa</strong>, Joca Reiners Terron <strong>no</strong> Cairo, Amilcar Bettega em<br />

Istambul, Adriana <strong>Lisboa</strong> em Paris, Paulo Scott em Sydney<br />

e como ainda não temos os livros, resta-<strong>no</strong>s ler os seus<br />

apontamentos <strong>de</strong> viagem na Internet.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

A <strong>no</strong>va fórmula da cerimónia<br />

dos Óscares, a <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong> substituir os habituais<br />

apresentadores por um<br />

“all-singing, all-dancing”<br />

Hugh Jackman, teve efeito<br />

<strong>no</strong> aumento das audiências<br />

da cerimónia: segundo<br />

a ABC o número <strong>de</strong><br />

espectadores america<strong>no</strong>s<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

que viram a transmissão<br />

televisiva passou dos 32<br />

milhões, do a<strong>no</strong> passado,<br />

para 36 milhões, um<br />

aumento <strong>de</strong> 13 por cento.<br />

Ainda assim é o terceiro<br />

pior resultado da década,<br />

longe dos 55 milhões <strong>de</strong><br />

1998, a<strong>no</strong> <strong>de</strong> “Titanic”.<br />

isso é assim a experiência chega a<br />

ser exasperante (já tinha acontecido<br />

isso perante “All or Nothing”, em<br />

2002). Vasco Câmara<br />

Quem Quer Ser Bilionário?<br />

Slumdog Millionaire<br />

De Danny Boyle, Loveleen Tandan,<br />

com Dev Patel, Anil Kapoor, Freida<br />

Pinto. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30,<br />

21h30, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax:<br />

5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 18h50, 21h35, 23h55<br />

Sábado Domingo 11h45, 14h10, 16h30, 18h50, 21h35,<br />

23h55; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h05, 21h30 6ª 14h10, 16h35,<br />

19h05, 21h30, 23h55 Sábado 11h30, 14h10, 16h35,<br />

19h05, 21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h35,<br />

19h05, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 - Cine<br />

Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30,<br />

17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />

16h35, 19h10, 21h45, 00h10 Domingo 11h30, 14h05,<br />

16h35, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />

16h, 18h55, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 00h20; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20, 21h15,<br />

00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h30, 21h20,<br />

00h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h10,<br />

21h20, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h30,<br />

21h15, 00h05<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h25, 19h05, 21h45, 00h30 3ª<br />

4ª 16h25, 19h05, 21h45, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />

Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h40, 21h40, 00h35; ZON<br />

Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h40,<br />

00h40<br />

“Trainspotting” e “Shallow Grave”<br />

eram objectos <strong>de</strong> culto para<br />

adolescentes que confundiam<br />

cinema com efeitos, abusando da<br />

gran<strong>de</strong> angular e <strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s<br />

distorcidos e grotescos. “A Praia”<br />

fazia o realizador entrar pela porta<br />

da gran<strong>de</strong> produção com resultados<br />

catastróficos, <strong>de</strong>monstrando<br />

semelhante gosto pelo exótico, sem<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> cinema para além da<br />

<strong>de</strong>magogia mais imediatista. Agora,<br />

o premiado “Quem Quer Ser<br />

Bilionário?” acentua a<br />

<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> do universo <strong>de</strong><br />

Danny Boyle, sempre <strong>no</strong> local<br />

on<strong>de</strong> possa colher louros:<br />

Hollywood encontra Bollywood,<br />

sem respeito por géneros, por<br />

pessoas, por situações. Tudo feito<br />

por medida para aproveitar o<br />

que está à mão: crianças dos<br />

bairros pobres,<br />

instrumentalizadas<br />

para a ilusão <strong>de</strong> que<br />

superar a crise<br />

está ao alcance<br />

<strong>de</strong> todos. Que<br />

dizer? Há uma<br />

repugnância<br />

que ultrapassa<br />

tudo. M.J.T.<br />

“Quem Quer Ser Bilionário?” acentua<br />

a <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> do universo <strong>de</strong> Danny Boyle<br />

DVD<br />

Cinema<br />

O divi<strong>no</strong><br />

marquês<br />

Sadismo, surrealismo,<br />

voyeurismo e formalismo:<br />

bem-vindos ao mundo <strong>de</strong><br />

Dario Argento, estilista do<br />

“giallo” italia<strong>no</strong> finalmente<br />

<strong>de</strong>volvido aos cinéfilos<br />

portugueses. Jorge Mourinha<br />

Caixa Dario Argento Vol. 1<br />

Castello Lopes Multimedia<br />

mmmmn<br />

Sem extras<br />

O Pássaro<br />

com Plumas<br />

<strong>de</strong> Cristal<br />

L’Uccello<br />

dalle Piume<br />

di Cristallo<br />

com Tony<br />

Musante, Suzy<br />

Kendall, Enrico<br />

Maria Saler<strong>no</strong><br />

O Gato<br />

das Sete Vidas<br />

Il Gatto<br />

a Nove Co<strong>de</strong><br />

com James<br />

Franciscus, Karl<br />

Mal<strong>de</strong>n,<br />

Catherine Spaak<br />

O Mistério<br />

da Casa<br />

Assombrada<br />

Profondo Rosso<br />

com David<br />

Hemmings, Daria<br />

Nicolodi, Gabriele<br />

Lavia<br />

34 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Internet<br />

Estamos online. Entre em<br />

www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

con<strong>no</strong>sco.<br />

O fenóme<strong>no</strong> chama-se “reavaliação”<br />

e consiste em reparar que, muitas<br />

vezes, por trás do que parece um<br />

simples exercício <strong>de</strong> género com<br />

intuitos comerciais, se escon<strong>de</strong> um<br />

estilo, uma linguagem, uma marca<br />

<strong>de</strong> autor. Que passa <strong>de</strong>spercebida<br />

em alguns casos porque ninguém<br />

está a olhar para ali, e <strong>no</strong>utros<br />

porque só a<strong>no</strong>s mais tar<strong>de</strong>, quando<br />

existe uma obra, um corpo <strong>de</strong><br />

estudo, é que se repara <strong>no</strong> que se<br />

andou a per<strong>de</strong>r.<br />

Isto tudo a propósito <strong>de</strong> Dario<br />

Argento, realizador italia<strong>no</strong> que,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> carreira como crítico <strong>de</strong><br />

cinema e argumentista (por exemplo<br />

para Sergio Leone, em “Aconteceu<br />

<strong>no</strong> Oeste”), se lançou na realização<br />

<strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> género e, sobretudo, do<br />

género peculiarmente transalpi<strong>no</strong><br />

que ficou conhecido como “giallo”:<br />

policiais surreais, sádicos e<br />

sanguinários, pare<strong>de</strong>s-meias com o<br />

fantástico e com o cinema <strong>de</strong><br />

“exploitation” <strong>de</strong>stinado às salas <strong>de</strong><br />

bairro, cuja fórmula foi cristalizada<br />

na década <strong>de</strong> 1960 por mestre Mario<br />

Bava.<br />

Com o correr do tempo e com a<br />

atenção que começou entretanto a<br />

ser dada ao mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> cinema<br />

fantástico, que <strong>no</strong>s tem dado autores<br />

como David Cronenberg ou John<br />

Carpenter, Argento foi sendo<br />

(re)avaliado como mais do que<br />

Dario Argento: um cinema voyeurista<br />

mas que <strong>de</strong>volve esse voyeurismo ao espectador<br />

através <strong>de</strong> uma teatralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corpo inteiro<br />

simples tarefeiro <strong>de</strong> género e foi<br />

re<strong>de</strong>scoberto como estilista ímpar,<br />

“elo perdido” entre Hitchcock e a<br />

geração <strong>de</strong> Carpenter e Brian <strong>de</strong><br />

Palma. Em Portugal, contudo, tudo<br />

isto foi-<strong>no</strong>s passando ao lado, <strong>de</strong>vido<br />

à inexistência em vi<strong>de</strong>o das suas<br />

obras - que, mesmo<br />

internacionalmente, têm sido<br />

razoavelmente maltratadas e só<br />

agora começam a ressurgir em<br />

cópias dignas do cuidado formal que<br />

Argento colocava <strong>no</strong>s filmes.<br />

Louvemos, então, a Castello Lopes<br />

por ousar trazer ao DVD local o<br />

cinema <strong>de</strong> Argento, <strong>no</strong> que será uma<br />

re<strong>de</strong>scoberta para quem não vê os<br />

filmes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as suas estreias locais,<br />

há mais <strong>de</strong> 30 a<strong>no</strong>s, e uma revelação<br />

para toda uma geração <strong>de</strong> cinéfilos<br />

que se habituou a ouvir falar do<br />

realizador mas não teve hipótese <strong>de</strong><br />

ace<strong>de</strong>r aos filmes em condições<br />

i<strong>de</strong>ais. Nesta primeira <strong>de</strong> duas caixas<br />

(a segunda prevê-se para Março),<br />

acompanhada por um peque<strong>no</strong><br />

ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong> on<strong>de</strong> o jornalista Luís<br />

Salvado contextualiza os filmes e<br />

fornece preciosa informação sobre a<br />

sua criação e recepção, reunem-se<br />

três dos quatro “giallos” fundadores<br />

da reputação <strong>de</strong> Argento, nas<br />

versões originais faladas em italia<strong>no</strong><br />

(em vez das dobragens inglesas<br />

preparadas para os mercados<br />

internacionais, muitas vezes<br />

encurtadas <strong>de</strong> alguns minutos e<br />

“censuradas” das cenas mais<br />

violentas) e em cópias <strong>de</strong> impecável<br />

transcrição <strong>de</strong> imagem.<br />

A narrativa é igual <strong>no</strong>s três filmes:<br />

um transeunte assiste por acaso a<br />

um homicídio (ou a uma tentativa <strong>de</strong><br />

homicídio), e começa a investigar o<br />

caso por sua conta e a ser<br />

perseguido pelo assassi<strong>no</strong>,<br />

geralmente um maníaco sádico e<br />

sanguinário. Em “O Pássaro com<br />

Plumas <strong>de</strong> Cristal” (1969, primeira<br />

realização <strong>de</strong> Argento), trata-se <strong>de</strong><br />

um “serial killer” que apenas ataca<br />

mulheres jovens e solteiras; em “O<br />

Gato das Sete Vidas” (1970), as<br />

vítimas estão relacionadas com um<br />

instituto on<strong>de</strong> se realizam<br />

investigações genéticas; em “O<br />

Mistério da Casa Assombrada” (1975,<br />

consi<strong>de</strong>rado pelo próprio realizador<br />

o seu “giallo” preferido), as vítimas<br />

são investigadores do para<strong>no</strong>rmal e<br />

a solução do mistério resi<strong>de</strong> numa<br />

mansão abandonada que se diz<br />

assombrada. (Entre o segundo e o<br />

terceiro, Argento dirigiu “Quattro<br />

Mosche di Veluto Grigio”, invisível<br />

há a<strong>no</strong>s por questões <strong>de</strong> direitos, e<br />

abando<strong>no</strong>u o “giallo” por algum<br />

tempo para experimentar a televisão<br />

e a comédia.)<br />

Mas o que interessa a Argento<br />

não é tanto construir uma história<br />

on<strong>de</strong> as pontas soltas fiquem todas<br />

atadas e certinhas <strong>no</strong> final; antes<br />

usar as técnicas cinematográficas<br />

para construir um ambiente <strong>de</strong><br />

tensão e suspense e, <strong>de</strong> passagem,<br />

distrair o espectador <strong>de</strong> eventuais<br />

inconsistências. Argento apren<strong>de</strong>u<br />

bem as lições <strong>de</strong> Hitchcock - os<br />

crimes que são as “pièces <strong>de</strong><br />

résistance” <strong>de</strong> cada filme são<br />

cinema puro, magnificado pela<br />

ausência <strong>de</strong> diálogo e pelas bandasso<strong>no</strong>ras<br />

psicadélicas <strong>de</strong> Ennio<br />

Morricone ou Giorgio Gaslini - mas<br />

tradu-las para uma paisagem <strong>de</strong><br />

uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> surreal, muito<br />

marcada pelas explorações<br />

psicanalíticas do subconsciente,<br />

com requintes <strong>de</strong> malva<strong>de</strong>z sádica<br />

<strong>de</strong>safiando o espectador a<br />

continuar a olhar, como se a sua<br />

matriz fosse um qualquer<br />

cruzamento entre “Psico” e “A Casa<br />

Encantada”<br />

Argento, antigo crítico, sabe que<br />

estamos <strong>no</strong> rei<strong>no</strong> do cinema<br />

popular - e <strong>de</strong> um cinema popular<br />

italia<strong>no</strong> <strong>de</strong>rivativo da série B<br />

americana e produzido em série, o<br />

que torna esta caixa também numa<br />

fascinante cápsula do tempo <strong>de</strong> um<br />

cinema que já não se faz mais. E o<br />

melhor <strong>de</strong>stes três filmes vê-o a<br />

cumprir à risca as regras do género -<br />

“O Pássaro com Plumas <strong>de</strong> Cristal”,<br />

económico mistério policial que<br />

consegue um rigoroso equilíbrio<br />

entre soli<strong>de</strong>z do argumento<br />

(adaptando livremente, e sem o<br />

creditar, um romance <strong>de</strong> Fredric<br />

Brown) e surrealismo visual.<br />

Mas isso não o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

experiências. “O Mistério da Casa<br />

Assombrada” é uma espécie <strong>de</strong><br />

“giallo <strong>de</strong>sconstruído” on<strong>de</strong> vale<br />

tudo, com interlúdios <strong>de</strong> comédia<br />

romântica que parece estarem lá<br />

apenas para justificarem a presença<br />

<strong>de</strong> Daria Nicolodi, personagem<br />

supérflua à narrativa (e futura<br />

esposa do realizador), resultando<br />

num paqui<strong>de</strong>rme inchado que<br />

avança aos tropeções mas que ao<br />

mesmo tempo sublinha a irrisão<br />

subjacente ao lado “grand-guig<strong>no</strong>l”,<br />

sangui<strong>no</strong>lento, barroco, que se<br />

começava a revelar<br />

progressivamente mais <strong>no</strong> seu<br />

cinema.<br />

E Argento não per<strong>de</strong> uma ocasião<br />

para sublinhar a consciência<br />

profunda <strong>de</strong> estar a fazer um cinema<br />

voyeurista mas que <strong>de</strong>volve esse<br />

voyeurismo ao espectador através<br />

da teatralida<strong>de</strong> que assume <strong>de</strong> corpo<br />

inteiro, num jogo <strong>de</strong> espelhos que<br />

explica na perfeição porque é que o<br />

seu cinema tem vindo a seduzir<br />

cinéfilos e a ser justamente<br />

reavaliado. O centro <strong>de</strong> “O Pássaro<br />

com Plumas <strong>de</strong> Cristal” é uma<br />

galeria <strong>de</strong> arte com uma e<strong>no</strong>rme<br />

fachada <strong>de</strong> vidro, “O Mistério da<br />

Casa Assombrada” começa com uma<br />

cortina que se abre num opulento<br />

teatro on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senrola um<br />

congresso para<strong>no</strong>rmal e o<br />

apartamento do herói fica à esquina<br />

<strong>de</strong> um bar <strong>de</strong>calcado <strong>de</strong> um quadro<br />

<strong>de</strong> Edward Hopper numa praça<br />

romana que evoca inevitavelmente a<br />

“Dolce Vita” <strong>de</strong> Fellini, ao mesmo<br />

tempo que todos os três filmes<br />

exploram com progressivo<br />

virtuosismo a “câmara subjectiva”,<br />

do ponto <strong>de</strong> vista do assassi<strong>no</strong>, que<br />

Carpenter e De Palma mais tar<strong>de</strong><br />

fariam sua.<br />

As legendagens, correctas, têm<br />

algumas falhas pontuais. Os únicos<br />

extras são os trailers italia<strong>no</strong>s e<br />

ingleses <strong>de</strong> época, cujo<br />

experimentalismo psicadélico<br />

(nascido certamente das limitações<br />

financeiras) apenas contribui para o<br />

aspecto “cápsula do tempo” <strong>de</strong>sta<br />

edição.<br />

Música<br />

O Muro,<br />

reconstituído<br />

Lou Reed - Berlim<br />

De Julian Schnabel<br />

Edição Zon Lusomundo<br />

mmmnn<br />

Sem extras<br />

Diz-se que todos<br />

os filmes-concerto<br />

se parecem uns<br />

com os outros. E<br />

que não há muitas<br />

maneiras <strong>de</strong><br />

filmar um<br />

concerto, pelo<br />

me<strong>no</strong>s sem que o<br />

resultado <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser um filmeconcerto.<br />

Verda<strong>de</strong>s “axiomáticas”<br />

que “Lou Reed - Berlim” não<br />

<strong>de</strong>smente, bem pelo contrário, antes<br />

encontrando nessa confirmação as<br />

suas virtu<strong>de</strong>s e os seus limites.<br />

Realizado por Julian Schnabel, e<br />

filmado ao longo <strong>de</strong> cinco <strong>no</strong>ites<br />

num auditório <strong>de</strong> Brooklyn, “Lou<br />

Reed - Berlim” é o registo do<br />

concerto em que o ex-Velvet<br />

Un<strong>de</strong>rground trouxe à vida (ou seja,<br />

ao “live”) o seu célebre álbum <strong>de</strong><br />

1973, “Berlin”. Também quase <strong>de</strong><br />

certeza a sua obra-prima, <strong>de</strong> uma<br />

amplitu<strong>de</strong> orquestral resolutamente<br />

pós-velvetiana, ferida por uma<br />

dramaturgia plena <strong>de</strong> negrume e<br />

violência psicológica (os choros das<br />

crianças: disco “pop” algum gravou<br />

sons mais arrepiantes, “hélas!”<br />

impossíveis <strong>de</strong> reproduzir em<br />

palco). Mas “Berlin”, por várias<br />

razões, entre as quais a sua orgânica<br />

“conceptual” (o todo é infinitamente<br />

mais po<strong>de</strong>roso do que qualquer das<br />

suas partes avulsas), foi um disco <strong>de</strong><br />

que Lou Reed se manteve afastado,<br />

em actuações ao vivo, durante trinta<br />

e tal a<strong>no</strong>s. O “acontecimento” <strong>de</strong>ste<br />

concerto, ou <strong>de</strong>sta série <strong>de</strong><br />

concertos (a digressão passou por<br />

Portugal) era este: “Berlin”,<br />

finalmente, “reconstituído” ao vivo<br />

<strong>de</strong> maneira capaz <strong>de</strong> fazer justiça à<br />

riqueza da sua textura original.<br />

E é isto, esta “reconstituição”, que<br />

Schnabel filma. Fá-lo bem, com<br />

<strong>de</strong>voção pela música e pelos músicos,<br />

por Reed e por “Berlin”. Não tem<br />

muitas i<strong>de</strong>ias, mas não tenta disfarçálo<br />

fingindo que tem i<strong>de</strong>ias a mais.<br />

Não tem rasgos, mas não se estraga à<br />

procura <strong>de</strong>les. As imagens<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 35


DVD<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

JOSÉ MANUEL RIBEIRO/ REUTERS<br />

Um filme imperdível para “lou-reedia<strong>no</strong>s”<br />

Alexandra<br />

Lucas<br />

Coelho<br />

Viagens com bolso<br />

A herança<br />

No último dia <strong>de</strong> Janeiro fui visitar Uri Orlev.<br />

Uri começou a escrever aos 13 a<strong>no</strong>s em<br />

Bergen-Belsen. Como não era fácil arranjar<br />

papel, fazia o rascunho em lascas do beliche<br />

e a seguir passava-o para o ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong> que a tia<br />

ainda lhe conseguira comprara. À chegada, vindos do Gueto<br />

<strong>de</strong> Varsóvia, o campo não lhes parecera assim tão mau.<br />

Depois passaram a ser duas pessoas por cama e começou<br />

a fome. A tia pagava um pedaço <strong>de</strong> pão a um homem que<br />

fora professor para dar aulas a Uri. Durante 22 meses em<br />

Bergen-Belsen foi isso que Uri Orlev viu, como os homens<br />

sobrevivem <strong>no</strong> fundo, cada vez mais fundo, um dia <strong>de</strong> cada<br />

vez, a pensar que se houver pão basta.<br />

As pessoas que sobrevivem são em geral mais curiosas<br />

do que têm medo, disse-me Uri um dia, na sua casa <strong>de</strong><br />

Jerusalém. E também por isso ali estávamos, ele a falar<br />

e eu a ouvir, ali estivemos longas manhãs <strong>de</strong> Verão. A<br />

curiosida<strong>de</strong> puxa para a frente.<br />

Agora era Inver<strong>no</strong>, havia aquecedores <strong>no</strong> chão <strong>de</strong> pedra,<br />

mais um neto Orlev <strong>de</strong> fralda e gran<strong>de</strong>s olhos azuis do<br />

que na última vez, mais um filho Orlev prestes a casar na<br />

Primavera, toda a família ainda reunida <strong>de</strong>pois do almoço, à<br />

espera que Uri terminasse a sesta. Já tinham falado <strong>de</strong> Gaza<br />

antes <strong>de</strong> eu chegar, mas eu estava a chegar <strong>de</strong> Gaza, eles<br />

queriam saber, e Uri também, quando acordou. Sentouse<br />

na velha ca<strong>de</strong>ira favorita, com os braços firmemente<br />

apoiados, à espera.<br />

Os seus livros juvenis estão traduzidos em muitos<br />

países. Uma vez convidaram-<strong>no</strong> para ir ao Egipto e foi um<br />

problema. Qual era o problema?, perguntei eu. Tenho<br />

medo dos árabes, respon<strong>de</strong>u ele. As mãos com que escreve<br />

cavaram trincheiras nas guerras <strong>de</strong> Israel contra os árabes.<br />

Os árabes eram o inimigo, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1967, quando os<br />

exércitos do inimigo foram<br />

fulminados em seis dias,<br />

continuaram a ser o outro. Uri<br />

Do pior crime só sairá<br />

crime, os sujeitos ao<br />

incomparável<br />

sujeitarão o seu<br />

semelhante, os filhos<br />

dos que sobreviveram<br />

terão po<strong>de</strong>r sobre<br />

homens não-livres<br />

não quer viver <strong>no</strong> meio <strong>de</strong>les.<br />

Quer viver e <strong>de</strong>ixá-los viver.<br />

Não quer colonizar terras,<br />

<strong>de</strong>testa colo<strong>no</strong>s, enfurecem-<strong>no</strong>.<br />

Não quer ter po<strong>de</strong>r sobre os<br />

palestinia<strong>no</strong>s, governá-los, acha<br />

que esse império corrompe. E<br />

Israel é o país que a sua geração<br />

ia <strong>de</strong>ixar como herança aos<br />

homens.<br />

Em “Se Isto é um Homem”,<br />

Primo Levi <strong>de</strong>screve o<br />

momento em que um dos<br />

revoltosos do campo é<br />

enforcado pelos nazis. O último<br />

grito do con<strong>de</strong>nado trespassa<br />

os que assistem em silêncio: “Camaradas, eu sou o último!”<br />

O corpo contorce-se, pen<strong>de</strong>, a assistência volta em silêncio<br />

para os beliches, e aquele não será o último.<br />

Mas a herança do Holocausto seria essa. Nunca mais viver<br />

para o próximo pedaço <strong>de</strong> pão, nunca mais rapar a marmita<br />

vazia, nunca mais lavar o tronco com água podre e a <strong>no</strong>ssa<br />

única camisa apertada <strong>no</strong>s joelhos para não a roubarem.<br />

Viver como um homem, morrer como um homem livre.<br />

O Holocausto não é comparável a nada que conheçamos.<br />

A sua forma <strong>de</strong> estar continuamente presente é ser uma<br />

herança. E ver <strong>no</strong> que essa herança se transformou é um<br />

veredicto <strong>de</strong>solador para todos os homens - do pior crime<br />

só sairá crime, os sujeitos ao incomparável sujeitarão o seu<br />

semelhante, os filhos dos que sobreviveram terão po<strong>de</strong>r<br />

sobre homens não-livres.<br />

Quando Uri se sentou, à espera <strong>de</strong> saber, as crianças<br />

corriam à sua volta, e caíra a <strong>no</strong>ite. Era melhor ficar para<br />

outro dia, disse eu. Despedi-me, saí, e até agora não houve<br />

outro dia. Mas Uri sabe, não precisa <strong>de</strong> saber mais.<br />

Todos os que acreditaram num país <strong>de</strong> “kibbutzim”<br />

sabem aquilo <strong>de</strong> que esse país se tor<strong>no</strong>u capaz. A revolta,<br />

hoje, será não participar.<br />

viagenscombolso@gmail.com<br />

sobrepostas - “flashes” encenados<br />

da vida <strong>de</strong> Caroline e Jim,<br />

personagens do disco - justificam-se<br />

pela “storyline” subjacente a<br />

“Berlin”, mesmo se a montagem por<br />

vezes as <strong>de</strong>staca <strong>de</strong> modo um pouco<br />

aleatório. Nada que traia o princípio<br />

fundamental do filme, o registo da<br />

“performance” <strong>de</strong> Lou Reed e dos<br />

seus companheiros <strong>de</strong> palco. E<br />

“Berlin” revive, <strong>de</strong> facto, em todo o<br />

seu extraordinário po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Lou ataca o<br />

microfone para estas lendárias<br />

palavras, “in Berlin, by the wall”. Por<br />

vezes é quase “spoken word”, um<br />

pouco mais do que <strong>no</strong> disco, e na<br />

maneira como Reed se serve da sua<br />

voz (muito mais grave e granulosa do<br />

que há 36 a<strong>no</strong>s) percebe-se que ele<br />

está em perfeito domínio da<br />

dramaturgia da sua música e das suas<br />

palavras. A niti<strong>de</strong>z, visual, mas<br />

sobretudo so<strong>no</strong>ra, é impressionante.<br />

Talvez até um pouco estranha para<br />

quem estiver habituado a ouvir<br />

“Berlin” <strong>no</strong> som concentrado e<br />

abafado <strong>de</strong> um velho vinil, e se<br />

espante com a maneira como a<br />

música se abre e <strong>de</strong>ixa passar tanto<br />

“ar” entre os instrumentos - mas isto<br />

seria outra conversa. Retenhamos o<br />

essencial: um filme imperdível para<br />

“lou-reedia<strong>no</strong>s” e para melóma<strong>no</strong>s<br />

“pop” em geral que tenham preferido<br />

ir ver Leonard Cohen na <strong>no</strong>ite em<br />

que “Berlin” era tocado <strong>no</strong> Campo<br />

Peque<strong>no</strong>, e o tipo <strong>de</strong> objecto que<br />

parece mais próximo <strong>de</strong> fazer ple<strong>no</strong><br />

sentido num DVD do que numa sala<br />

<strong>de</strong> cinema.<br />

A edição não tem extras<br />

significativos. O concerto sim:<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Berlin” Lou Reed volta<br />

para mais três canções <strong>de</strong> outros<br />

discos, em registo mais “freestyle” e<br />

com um convidado (Antony, o dos<br />

Johnsons) para “Candy Says”, dos<br />

Velvet Un<strong>de</strong>rground. L.M.O.<br />

O velho protesto<br />

em tempos <strong>de</strong> Bush<br />

Crosby Stills Nash & Young<br />

CSNY / Déjà Vu<br />

Fortissimo Films; distri. Zon<br />

Lusomundo<br />

mmmnn<br />

Extras<br />

mmnnn<br />

“CSNY / Deja Vu”<br />

tem inscrito <strong>no</strong><br />

título a sua<br />

premissa.<br />

Documentando a<br />

digressão<br />

“Freedom of<br />

Speech” dos<br />

Crosby, Stills,<br />

Nash & Young,<br />

realizada em 2006 após a edição <strong>de</strong><br />

“Living With War”, álbum manifesto<br />

anti-guerra e anti-Bush editado<br />

nesse mesmo a<strong>no</strong> por Neil Young, o<br />

filme preten<strong>de</strong> estabelecer um<br />

paralelo entre a realida<strong>de</strong> americana<br />

quando <strong>de</strong> outra guerra, a do<br />

Vietname, há 40 a<strong>no</strong>s, e o momento<br />

presente (voilá: Déjà Vu).<br />

Um paralelo entre a realida<strong>de</strong> americana<br />

quando <strong>de</strong> outra guerra, a do Vietname, há 40 a<strong>no</strong>s,<br />

e o momento presente (voilá: “Déjà Vu”)<br />

Realizado por Neil Young sob o<br />

pseudónimo habitual, Bernard<br />

Shakey, foi feito com o propósito <strong>de</strong><br />

amplificar o eco dos concertos.<br />

Filme para um momento específico,<br />

com eleições próximas <strong>no</strong> horizonte,<br />

pretendia estimular o <strong>de</strong>bate e<br />

funcionar, <strong>de</strong>ntro das suas<br />

possibilida<strong>de</strong>s, como alavanca <strong>de</strong><br />

mudança. Talvez por isso pareça,<br />

visto hoje, o documento <strong>de</strong> um<br />

tempo passado: quatro músicos<br />

vetera<strong>no</strong>s e activistas em tempos <strong>de</strong><br />

Bush - mas agora já vivemos em<br />

tempos <strong>de</strong> Obama. Como se<br />

percebe, a sua ressonância <strong>no</strong><br />

espectador não é a mesma.<br />

Parte documentário <strong>de</strong> digressão,<br />

parte reportagem jornalística - o<br />

repórter Mike Cerre, soldado <strong>no</strong><br />

Vietname e enviado à guerra do<br />

Iraque, acompanha a banda e<br />

recolhe <strong>de</strong>poimentos do público -,<br />

“CSNY / Deja Vu” acaba por expor,<br />

paradoxalmente, aquilo que separa<br />

as duas eras. Não falamos do facto<br />

<strong>de</strong> Stephen Stills, o homem mais<br />

elegante <strong>de</strong> Los Angeles quando <strong>no</strong>s<br />

Buffalo Springfield, parecer agora<br />

um pensionista da Florida (camisa<br />

florida incluída), ou do lumi<strong>no</strong>so<br />

David Crosby <strong>de</strong> ontem assomar<br />

como anafado habitante <strong>de</strong> uma<br />

al<strong>de</strong>ia gaulesa. Ou seja, não falamos<br />

da forma como a música,<br />

<strong>de</strong>scontando os momentos em que<br />

Neil Young todos arrasta com a sua<br />

urgência e vivacida<strong>de</strong>, soa me<strong>no</strong>s<br />

inspirada que quando da gravação<br />

<strong>de</strong> “Deja Vu”, o álbum dos Crosby<br />

Stills Nash & Young <strong>de</strong> 1971.<br />

Logo a início, sobre imagens <strong>de</strong><br />

arquivo da banda tocando em<br />

Woodstock ou <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> época<br />

<strong>de</strong> manifestações, diz-se que<br />

naquele período a juventu<strong>de</strong> se uniu<br />

à música para dar voz aos seus<br />

anseios. Hoje, entre os velhos<br />

hippies e os <strong>no</strong>vos que querem ser<br />

velhos hippies, vemos parte do<br />

público <strong>de</strong> Atlanta, irado,<br />

abandonando ruidosamente a sala<br />

quando da interpretação <strong>de</strong> “Let’s<br />

impeach the presi<strong>de</strong>nt”: “Paguei<br />

200 dólares e quero ouvir a música,<br />

não as suas opiniões”, gritam.<br />

Querem entretenimento e o prazer<br />

da <strong>no</strong>stalgia - e a <strong>no</strong>stalgia po<strong>de</strong> até<br />

ser a <strong>de</strong> quando, há quatro décadas,<br />

se manifestavam nas ruas contra o<br />

final da guerra, mas isto <strong>no</strong> Iraque é<br />

diferente: porque eles estão mais<br />

velhos e conservadores, porque a<br />

música <strong>de</strong>ixou para eles <strong>de</strong> ser uma<br />

questão i<strong>de</strong>ntitária, algo que os<br />

<strong>de</strong>finia em relação aos outros. Isso é<br />

ainda mais evi<strong>de</strong>nte quando o<br />

impacto daquilo que é uma<br />

digressão <strong>de</strong> protesto numa América<br />

em ebulição se revela<br />

manifestamente reduzido - estão lá<br />

os pacifistas “Vets 4 Vets”, uma mãe,<br />

cujo filho morreu <strong>no</strong> Iraque,<br />

chorando enquanto a banda<br />

interpreta “Find the cost of<br />

freedom”, um soldado <strong>de</strong>sta geração<br />

interpretando canções em palco e<br />

<strong>no</strong> site gerido por Neil Young para<br />

dar voz a quem se opõe à guerra,<br />

mas uma verda<strong>de</strong>ira discussão, o<br />

tocar na ferida que dividia o país,<br />

manifesta-se apenas <strong>no</strong> supracitado<br />

concerto <strong>de</strong> Atlanta.<br />

A acusação <strong>de</strong> que a banda não<br />

passa <strong>de</strong> quatro milionários a<br />

capitalizar com o sentimento anti-<br />

Bush, repetida regularmente, não<br />

convence - já eram milionários em<br />

1970, quando levantavam a voz, bem<br />

alto, contra a intervenção <strong>no</strong><br />

Vietname. A intervenção <strong>de</strong> Neil<br />

Young e da banda é sincera, tal como<br />

é louvável a sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuar<br />

ainda sobre o presente.<br />

“CSNY / Deja Vu” torna evi<strong>de</strong>nte a<br />

ina<strong>de</strong>quação do voluntarismo,<br />

fundado nas i<strong>de</strong>ias e <strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />

acção dos músicos da geração <strong>de</strong><br />

1960, à forma como, para o bem e<br />

para o mal, a sua música é entendida<br />

e fruída na actualida<strong>de</strong> - isso (e a<br />

impagável “vox populi” dos irados<br />

sulistas), são aquilo que torna o<br />

filme um documento interessante.<br />

Como extra, são apresentados<br />

trailers e mais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong> canções, maioritariamente<br />

<strong>de</strong> “Living With War”. Mário Lopes<br />

36 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Livros<br />

Um romance que vale cada uma das suas<br />

mais <strong>de</strong> 500 páginas: “Nostromo”,<br />

<strong>de</strong> Joseph Conrad<br />

Lista<br />

Ficção<br />

O nascimento<br />

<strong>de</strong> uma nação<br />

Uma ficção sobre ilusões<br />

individuais, i<strong>de</strong>ológicas<br />

e revolucionárias num<br />

mundo sobre<strong>de</strong>terminado<br />

por po<strong>de</strong>res económicos<br />

supranacionais e, por<br />

assim dizer, a-políticos.<br />

Mo<strong>de</strong>rníssimo. Mário Santos<br />

Nostromo<br />

Joseph Conrad<br />

(trad. <strong>de</strong> Ana Maria Chaves e<br />

Fernando Ferreira Alves)<br />

Dom Quixote<br />

mmmmm<br />

Amos Oz, autor <strong>de</strong> “O Meu<br />

Michael” e “Uma História<br />

<strong>de</strong> Amor e Trevas” (Edições<br />

Asa), é o escritor israelita<br />

mais traduzido: a sua obra<br />

já foi traduzida para<br />

36 línguas. Amos<br />

li<strong>de</strong>ra a lista<br />

apresentada<br />

pelo Instituto<br />

para a<br />

Tradução <strong>de</strong><br />

Literatura<br />

Hebraica.<br />

O Capitão Mitchell,<br />

personagem<br />

i<strong>no</strong>fensivamente<br />

pomposa <strong>de</strong>ste<br />

romance, gosta <strong>de</strong><br />

elogiar (quase como<br />

quem gaba<br />

proprieda<strong>de</strong> sua) o<br />

capataz dos seus<br />

estivadores, “esse<br />

homem entre mil”, Nostromo, “um<br />

homem que vale o seu peso em ouro”.<br />

Nós preferimos elogiar “Nostromo”, o<br />

romance, que, sendo o mais extenso<br />

<strong>de</strong> Conrad, vale cada uma das suas<br />

páginas, que são mais <strong>de</strong> 500. É um<br />

romance entre mil. A extensão <strong>de</strong>ste<br />

livro (fortemente sublinhada pela sua<br />

complexida<strong>de</strong> estrutural e pela sua<br />

ambiguida<strong>de</strong> temática) parece ser,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua publicação em 1904, uma<br />

das razões para alguma relativa<br />

impopularida<strong>de</strong> entre os leitores <strong>de</strong><br />

Joseph Conrad (1857-1924) e po<strong>de</strong>,<br />

hoje ainda, causar alguma<br />

“<strong>de</strong>sconfiança” em leitores mais<br />

voláteis. E <strong>no</strong> entanto, digamo-lo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, “Nostromo” também se<br />

<strong>de</strong>ixa ler da maneira viciante<br />

como é suposto ler um<br />

romance <strong>de</strong> “aventuras”.<br />

Diga-se já, também, que<br />

os elogios do Capitão<br />

Mitchell não<br />

<strong>de</strong>vem levar<strong>no</strong>s<br />

a<br />

confundir<br />

Nostromo com<br />

um qualquer<br />

“herói” clássico<br />

ou mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> (ele<br />

será mais um<br />

anti-herói, e dos<br />

mo<strong>de</strong>rníssimos),<br />

sendo, por<br />

outro<br />

A lista, que não teve<br />

em conta os resultados<br />

<strong>de</strong> vendas dos livros,<br />

consi<strong>de</strong>rou o número <strong>de</strong><br />

línguas para as quais<br />

os textos originalmente<br />

escritos em hebraico<br />

foram traduzidos.<br />

Ephraim Kishon<br />

e Uri Orlev<br />

(“Lídia, Rainha<br />

da Palestina” e<br />

“A Ilha na Rua<br />

dos Pássaros”,<br />

lado, francamente problematizável o<br />

seu estatuto <strong>de</strong> protagonista, num<br />

romance cujo subtítulo não é me<strong>no</strong>s<br />

irónico na sua branca in<strong>de</strong>terminação:<br />

“Uma história da beira-mar”.<br />

Posterior a “O Coração das Trevas”<br />

e “Lord Jim”, “Nostromo” é um<br />

portentoso romance político, uma<br />

ficção sobre a História enquanto<br />

ficção, invenção <strong>de</strong> sentidos, sobre<br />

ilusões individuais, i<strong>de</strong>ológicas e<br />

revolucionárias num mundo<br />

crescentemente sobre<strong>de</strong>terminado<br />

por po<strong>de</strong>res económicos<br />

supranacionais e, por assim dizer, a-<br />

políticos. É um romance sobre o início<br />

da globalização imperialista do<br />

capitalismo liberal. Um romance<br />

mo<strong>de</strong>rníssimo, portanto (embora não<br />

necessariamente paródico ou<br />

caricatural). E até profético, a seu<br />

tempo. A acção <strong>de</strong>corre pelo final do<br />

século XIX num país imaginário da<br />

América Latina. Tão imaginário que<br />

até parece real. Conrad chamou-lhe<br />

Costaguana e <strong>de</strong>screve-o com boa<br />

cópia <strong>de</strong> porme<strong>no</strong>res, seja quanto à<br />

paisagem, seja quanto aos usos e<br />

costumes políticos. Detém-se<br />

particularmente na sua Província<br />

Oci<strong>de</strong>ntal (<strong>de</strong>pois República<br />

Oci<strong>de</strong>ntal, num arroubo secessionista)<br />

e em Sulaco, a capital <strong>de</strong>la, uma<br />

cida<strong>de</strong> pacata e quase esquecida (por<br />

força da geografia que os interesses<br />

britânicos <strong>no</strong>s caminhos-<strong>de</strong>-ferro<br />

tratarão <strong>de</strong> relativizar). A República <strong>de</strong><br />

Costaguana terá, <strong>no</strong> máximo, uma<br />

História <strong>de</strong> “cinquenta a<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m”, <strong>de</strong> acordo com o título do<br />

livro <strong>de</strong> um dos seus mais ilustres<br />

cidadãos, Don José Avella<strong>no</strong>s. De<br />

acordo com a Senhora Gould, da<br />

eco<strong>no</strong>micamente mais po<strong>de</strong>rosa<br />

família da cida<strong>de</strong>, essa História<br />

resume-se a “um jogo pueril e<br />

sangrento <strong>de</strong> crime e rapina jogado<br />

com terrível realismo por crianças<br />

<strong>de</strong>pravadas”. Entre o caos e a tirania,<br />

entre um ditador e outro, entre um<br />

“pronunciamento” militar e uma<br />

revolta, a banda lá vai tocando na<br />

Alameda <strong>de</strong> Sulaco. Quando o Senhor<br />

Gould, <strong>de</strong> ascendência inglesa<br />

chegada a Costaguana há várias<br />

gerações, regressa da Europa, após os<br />

estudos, para reactivar a mina <strong>de</strong><br />

prata <strong>de</strong> que é her<strong>de</strong>iro dispõe-se a<br />

procurar investidores. Encontra um<br />

exemplar na pessoa do Senhor<br />

Holroyd, po<strong>de</strong>roso financeiro <strong>de</strong> São<br />

Francisco, Califórnia, que “olhava<br />

para o seu Deus como uma espécie <strong>de</strong><br />

sócio maioritário que recebia parte<br />

dos lucros através dos donativos que<br />

fazia às igrejas” e que faz a Gould este<br />

belo discurso (e aqui relembramos<br />

que o livro <strong>de</strong> Conrad foi publicado<br />

em 1904): “Aqui neste pais [EUA]<br />

sabemos quando <strong>de</strong>vemos ficar em<br />

casa. Sabemos quando <strong>de</strong>vemos<br />

sentar-<strong>no</strong>s e ficar à espera. Mas,<br />

naturalmente, lá virá o dia em que<br />

<strong>de</strong>cidimos avançar. Não temos outro<br />

remédio. Mas também não temos<br />

pressa. O próprio tempo estará ao<br />

serviço do maior país <strong>de</strong> todo este<br />

mundo <strong>de</strong> Deus. Seremos nós a dar o<br />

mote para tudo: indústria, comércio,<br />

leis, jornalismo, arte, política e<br />

religião, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Cabo Horn até ao<br />

Estreito <strong>de</strong> Smith, e, se for caso disso,<br />

até ao Polo Norte, se lá aparecer<br />

Ambar) ficaram empatados<br />

em segundo lugar com<br />

as suas obras traduzidas<br />

para 34 línguas. A lista<br />

inclui ainda autores como<br />

Etgar Keret (“O Motorista<br />

<strong>de</strong> Autocarro Que Queria<br />

Ser Deus”, Ambar), David<br />

Grossman (“Em Carne<br />

Viva” ou “Ver: Amor”,<br />

Campo das Letras) e<br />

Zeruya Shalev (“Vida<br />

Amorosa <strong>de</strong> uma Mulher”,<br />

Editorial Presença).<br />

alguma coisa que valha a pena agarrar.<br />

E, <strong>de</strong>pois, po<strong>de</strong>mos ocupar-<strong>no</strong>s com<br />

toda a calma das ilhas e continentes<br />

mais distantes. Quer o mundo queira,<br />

quer não, seremos nós os senhores do<br />

mundo dos negócios. O mundo não<br />

po<strong>de</strong> evitá-lo, e nós também não, acho<br />

eu.” O mínimo que se po<strong>de</strong> dizer é<br />

que o século XX não se cansou <strong>de</strong> dar<br />

‘razão’ ao Senhor Holroyd.<br />

Já <strong>de</strong>ixámos entrever que<br />

“Nostromo” é um romance coral. São<br />

várias as personagens memoráveis e<br />

concorrentes. Citemos <strong>de</strong> passagem<br />

Giorgio Viola, um velho ge<strong>no</strong>vês<br />

republica<strong>no</strong> e revolucionário, excompanheiro<br />

<strong>de</strong> Garibaldi, exilado<br />

pela <strong>de</strong>silusão política em Costaguana;<br />

ou o jovem Don Martin Decoud,<br />

“exótico dândi dos ‘boulevards’<br />

parisienses”, regressado a Sulaco para<br />

dirigir o jornal da cida<strong>de</strong>, o<br />

“Porvenir”, e arvorar-se em i<strong>de</strong>ólogo<br />

da secessão da Republica Oci<strong>de</strong>ntal. O<br />

próprio Gould seria um “i<strong>de</strong>alista”,<br />

embora frio, que via na riqueza<br />

económica gerada pela sua mina <strong>de</strong><br />

prata um passo em direcção à<br />

estabilida<strong>de</strong> política do país. Um<br />

daqueles homens aos quais a “acção”,<br />

“amiga das ilusões lisonjeiras”, leva<br />

“consolo”. A narração não é linear,<br />

e<strong>no</strong>vela-se sobre si mesma, avança e<br />

recua, recontando peripécias <strong>de</strong><br />

pontos <strong>de</strong> vista diferentes. Na sua<br />

maior parte é feita por um narrador<br />

omnisciente e ausente, uma das<br />

excepções sendo a carta na qual<br />

Decoud relata à irmã, que está em<br />

França, os últimas <strong>no</strong>vida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Sulaco: “Prepara os <strong>no</strong>ssos amigos <strong>de</strong><br />

Paris para o nascimento <strong>de</strong> mais uma<br />

república sul-americana.”<br />

Não po<strong>de</strong>mos resumir todas as<br />

tribulações políticas por que passará<br />

Costaguana. Contemos apenas que, <strong>no</strong><br />

meio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, o prestável<br />

Nostromo é chamado para uma missão<br />

patriótica: salvar o tesouro da mina,<br />

um belo carregamento <strong>de</strong> prata. Mas o<br />

“incorruptível” Nostromo, <strong>de</strong> quem se<br />

diz que era apreciado por homens,<br />

mulheres e crianças, o ingénuo<br />

homem <strong>de</strong> mão do Capitão Mitchell<br />

(‘Nostromo’ <strong>de</strong>riva do paternalismo<br />

mal-articulado <strong>de</strong> Mitchell: “Nostro<br />

Uomo”, o <strong>no</strong>sso homem) fez<br />

entretanto a sua evolução i<strong>de</strong>ológica,<br />

ganhou consciência política, e acabará<br />

<strong>de</strong>positando o tesouro numa<br />

“offshore” (Conrad não podia ser mais<br />

mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>). Literalmente: Nostromo<br />

escon<strong>de</strong> o tesouro numa ilhota ao<br />

largo <strong>de</strong> Sulaco e diz aos “caballeros”<br />

da cida<strong>de</strong> que a prata se afundou <strong>no</strong><br />

mar. O magnífico capataz dispõe-se<br />

agora a “enriquecer muito <strong>de</strong>vagar”.<br />

Como diria Decoud, “tudo isto é vida,<br />

tem <strong>de</strong> ser vida, já que se aproxima<br />

tanto do sonho”. Nostromo prefere<br />

dizer que “só a honestida<strong>de</strong> não chega<br />

para se sobreviver”.<br />

Romance sobre pequenas tragédias<br />

e <strong>de</strong>silusões individuais na gran<strong>de</strong><br />

farsa da História, “Nostromo” é um<br />

livro pessimista (o que não será<br />

<strong>no</strong>vida<strong>de</strong> em Conrad) ou, pelo me<strong>no</strong>s,<br />

profundamente céptico. Também<br />

po<strong>de</strong> ser lido como uma alegoria mais<br />

geral que toma a “incorruptível” prata<br />

como medida indiferente da<br />

corrupção moral e mortal dos homens<br />

concretos.<br />

Atiq Rahimi,<br />

escritor, fotografo<br />

e cineasta afegão<br />

Sombras<br />

errantes<br />

Dois romances <strong>de</strong> Atiq<br />

Rahimi, um dos quais<br />

vencedor do Goncourt<br />

em 2008: o mundo<br />

elementar <strong>de</strong> peque<strong>no</strong>s<br />

gestos, sentimentos porém<br />

fortíssimos, em brasa.<br />

Maria Conceição Caleiro<br />

Terra e Cinzas<br />

Pedra-<strong>de</strong>-Paciência<br />

Atiq Rahimi<br />

(trad. Carlos Correia Monteiro<br />

<strong>de</strong> Oliveira)<br />

Teorema<br />

mmmmn<br />

Atiq Rahimi,<br />

escritor, fotografo<br />

e cineasta afegão<br />

nasceu em 1962.<br />

Devido à invasão<br />

soviética, à<br />

ditadura e à guerra<br />

civil, emigrou em<br />

1984. Com 25 a<strong>no</strong>s,<br />

com o estatuto <strong>de</strong><br />

refugiado político,<br />

instalou-se em<br />

Paris, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985<br />

(tinha frequentado<br />

o liceu francês em<br />

Cabul). A par das<br />

letras, faz filmes.<br />

“Terra e Cinzas”,<br />

primeiro romance,<br />

seria por si realizado e, em 2004,<br />

integrava a Selecção Oficial <strong>de</strong> Cannes.<br />

Arrebatou o Prémio Goncourt em<br />

2008 com “Pedra-<strong>de</strong>-Paciência”,<br />

primeiro romance directamente<br />

escrito em francês.<br />

A paixão do cinema afecta o<br />

“ethos” da escrita, os campos<br />

indissociam-se e as palavras isolam e<br />

redobram campos visuais. Há algo em<br />

comum entre Rahimi e Duras. Os dois<br />

escrevem e filmam, e filmam aquilo<br />

que escrevem; e escrevem cenas<br />

curtas e intensas como se filmassem.<br />

O ponto <strong>de</strong> vista, o percurso<br />

narrativo, a “mise-en-scène” das<br />

sequências, mesmo as que o so<strong>no</strong>, o<br />

sonho, as visões ou a memória fazem<br />

chegar ao presente da narrativa são os<br />

<strong>de</strong> uma câmara ou uma voz narrativa<br />

em “off”. Uma espécie <strong>de</strong> voz “off”<br />

que não participa da história, mas<br />

que a dá, ar<strong>de</strong>nte e aridamente, a ver<br />

ou a escutar ou a sentir, que ora se<br />

aproxima, ora se retrai, apontando<br />

apenas traços mínimos da paisagem<br />

rarefeita, aludindo o <strong>de</strong>serto que fica<br />

a reverberar em nós. Por vezes, o<br />

texto parece um guião que o leitor vai<br />

realizar (“ouve-se ela sair com as duas<br />

meninas”). Rahimi revela uma<br />

mestria e uma originalida<strong>de</strong> narrativa<br />

surpreen<strong>de</strong>ntes. É um soco <strong>de</strong>licado e<br />

acutilante <strong>no</strong> estômago que <strong>no</strong>-lo<br />

encosta à pare<strong>de</strong>. Apenas um<br />

exemplo emblemático: quando os<br />

tanques se calam, “talvez <strong>de</strong>vido<br />

BORIS HORVAT<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 37


Livros<br />

Edição<br />

Tessa Dick, mulher <strong>de</strong><br />

Philip K Dick, publicou<br />

“The Owl in Daylight”, que<br />

se baseia <strong>no</strong> livro que o<br />

autor estava a trabalhar<br />

quando morreu em 1982.<br />

Tessa editou o livro<br />

sozinha, através do<br />

site CreateSpace<br />

e já está<br />

disponível na<br />

livraria online,<br />

Amazon, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Janeiro. Depois<br />

<strong>de</strong> alguns fãs <strong>de</strong><br />

Dick “implorarem” para<br />

ela escrever o livro, Tessa<br />

“ce<strong>de</strong>u” aos pedidos<br />

e tentou “expressar o<br />

espírito” da obra e ao<br />

mesmo tempo fazer um<br />

tributo a Philip K Dick.<br />

Na carta que enviou ao<br />

seu editor e ao agente,<br />

Philip revelara pla<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong> escrever sobre um<br />

gran<strong>de</strong> cientista que cria<br />

um computador, mas que<br />

fica preso numa realida<strong>de</strong><br />

virtual. A versão <strong>de</strong> Tessa,<br />

que não utiliza o enredo<br />

que Philip revelou, conta<br />

a história <strong>de</strong> Arthur<br />

Grimley, um compositor<br />

que <strong>de</strong>scobre que o<br />

universo é feito <strong>de</strong> música.<br />

“[Arthur] enriqueceu<br />

a sua alma, viajando<br />

através do Infer<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

Dante e a ‘Flauta Mágica’<br />

<strong>de</strong> Mozart”, disse Tessa<br />

<strong>no</strong> seu blogue sobre a<br />

história que também<br />

inclui uma organização<br />

secreta, cita o “Guardian”.<br />

ao fim das munições” (e o clima é<br />

sempre o <strong>de</strong> guerra latente e o do<br />

<strong>de</strong>smoronamento): “o silêncio<br />

espesso e enfumarado volta a instalarse.//<br />

Nessa inércia poirenta, na parte<br />

<strong>de</strong> baixo da pare<strong>de</strong> que segura as<br />

duas janelas, uma aranha vem<br />

circular à volta do cadáver da mosca<br />

abandonada pelas formigas. Examinaa.<br />

Também a abandona, dá a volta ao<br />

quarto, regressa à janela, agarra-se à<br />

cortina, sobe-a e passeia pelas aves<br />

migradoras especadas <strong>no</strong> céu<br />

amarelo e azul. (...)// A mulher<br />

reaparece. Mais uma vez com o<br />

alguidar, com o alguidar <strong>de</strong> plástico,<br />

uma toalha, um lençol. Limpa tudo.<br />

Os estilhaços <strong>de</strong> vidro, a fuligem<br />

espalhada pelo quarto”.<br />

A atmosfera que domina estes dois<br />

livros é, literal e retoricamente, a<br />

secura, a <strong>de</strong>solação, a situação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>samparo dos seres reduzidos entre<br />

ruínas. O mundo elementar <strong>de</strong><br />

peque<strong>no</strong>s gestos, sentimentos, porém<br />

fortíssimos, em brasa, sufocados, que<br />

se evolam. Um texto atravessado por<br />

narrativas tradicionais, saberes<br />

antigos. A poeticida<strong>de</strong> muitas vezes<br />

apontada da escrita <strong>de</strong> Rahimi advémlhe<br />

também do po<strong>de</strong>r da contenção e<br />

paradoxalmente da repetição.<br />

Em “Terra e Cinzas” uma al<strong>de</strong>ia é<br />

bombar<strong>de</strong>ada pelos russos - Abqul,<br />

uma al<strong>de</strong>ia em Baghian, província <strong>no</strong><br />

Nor<strong>de</strong>ste do Afeganistão cuja capital é<br />

Pol-e-khomri, cida<strong>de</strong> por on<strong>de</strong> passa<br />

uma estrada que vai até Cabul. Aqui<br />

Rahhimi ainda localiza e torna<br />

reconhecíveis os espaços e os campos<br />

em confronto. Toda a família <strong>de</strong><br />

Dastaguir, homem que trabalhava a<br />

terra da alvorada ao a<strong>no</strong>itecer, é<br />

morta. Me<strong>no</strong>s Yassin, o neto, que<br />

ensur<strong>de</strong>ceu com o som; e ainda não<br />

sabe: “avô, os russos vieram buscar as<br />

vozes <strong>de</strong> toda a gente? Que fazem<br />

<strong>de</strong>las? Porque <strong>de</strong>ixaste que te<br />

roubassem a voz?”.<br />

Dastaguir parte em busca <strong>de</strong><br />

Mourad, o filho, pai <strong>de</strong> Yassin,<br />

con<strong>de</strong>nado a seis meses <strong>de</strong> prisão por<br />

um crime que diriam <strong>de</strong> “honra”:<br />

com uma pá rachara a cabeça ao filho<br />

<strong>de</strong> um vizinho que fizera umas<br />

propostas à mulher; <strong>de</strong>pois<br />

abando<strong>no</strong>u a al<strong>de</strong>ia e foi trabalhar<br />

Filho <strong>de</strong> um estivador e <strong>de</strong> uma<br />

criada <strong>de</strong> café, Welsh, ex<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> drogas duras,<br />

conhece o “milieu” <strong>de</strong> “Por<strong>no</strong><br />

numa mina. Dastaguir parte para lhe<br />

contar o sucedido. Desconhece se o<br />

filho sabe, ou o que sabe. E porque<br />

não teria voltado? O romance é a<br />

viagem e nela a vida inteira que<br />

<strong>de</strong>sfila, silenciosamente, embora se<br />

trate <strong>de</strong> um silêncio em brasa, ao<br />

sabor <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> “naswar” que vai<br />

mascando e o alucinam. A viagem é<br />

uma <strong>de</strong>scida aos infer<strong>no</strong>s que a<br />

personagem realiza. Enquanto espera<br />

o carro que há-<strong>de</strong> conduzir à mina,<br />

revê tudo e todos aqueles e aquelas<br />

que viu <strong>de</strong> repente perecer à sua<br />

beira. O narrador segue-o, interpelao,<br />

provoca-o, questiona-o e ele<br />

<strong>de</strong>svela os passos da sua consciência<br />

que é a consciência do que o vai<br />

assaltando até chegar à mina. On<strong>de</strong><br />

encontrará, ou não, o filho. É um<br />

romance também sobre o po<strong>de</strong>r, o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uns e o impo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outros, a<br />

arbitrarieda<strong>de</strong> dos primeiros.<br />

Em “Pedra-<strong>de</strong>-Paciência” a<br />

geografia é mais imprecisa, assim<br />

como os actores, o que torne a<br />

narrativa mais universal. “Algures <strong>no</strong><br />

Afeganistão, ou em outro lugar” é a<br />

frase <strong>de</strong> abertura. Imaginamos estar<br />

numa república conforme ao mo<strong>de</strong>lo<br />

irania<strong>no</strong> talvez já à beira do regime<br />

dos talibans. Certo é que os homens<br />

que <strong>de</strong>spontam são <strong>de</strong> longa barba<br />

hirsuta, armados e <strong>de</strong> turbante. Uma<br />

<strong>no</strong>va lei fora proclamada <strong>no</strong> país e até<br />

o mulá mudou, já não ri e tem medo.<br />

A mulher, ao invés, é <strong>de</strong>scrita com<br />

extremo cuidado, sensualida<strong>de</strong> e<br />

elegância. A mulher está perto do seu<br />

homem, <strong>de</strong>itado, inconsciente.<br />

Apenas respira e a sua respiração<br />

tornada sensível pontua a passagem<br />

do tempo, assim como as gotas <strong>de</strong><br />

água açucarada-salgada que caem<br />

uma a uma, lentamente, da bolsa <strong>de</strong><br />

perfusão. Tem duas filhas. O homem<br />

levou um tiro na nuca. O homem, esse<br />

herói, tanto tempo ausente, envolvido<br />

que estava em combates, em várias<br />

frentes, levou uma bala <strong>de</strong> um fula<strong>no</strong>,<br />

aliás do seu campo, numa disputa em<br />

que lhe haviam insultado a mãe. A<br />

mulher sente-se só, não quer que ele<br />

morra. Depois aos poucos sentimo-la<br />

revoltar-se, continua sem querer que<br />

ele morra, precisa fazer daquele corpo<br />

inerte a sua “syngué sabour”, isto é, a<br />

Pedra-<strong>de</strong>-Paciência, aquilo que<br />

recolhe todos os segredos e que um<br />

dia racha e eles ficam à solta. Os<br />

segredos que a mulher vai revelando<br />

são um dos mais belos testemunhos<br />

(sem <strong>de</strong>magogia) da pungente<br />

condição feminina <strong>no</strong> mundo<br />

islamista, da sua horrenda opressão. E<br />

o que acontece aqui e o fim é terrível.<br />

O bando <strong>de</strong> Leith<br />

Por<strong>no</strong><br />

Irvine Welsh<br />

(trad. Colin Ginks)<br />

Quetzal<br />

mmmnn<br />

Enquanto não chega “The Bedroom<br />

Secrets of the Master Chefs” (2006),<br />

sátira corrosiva à ASAE escocesa,<br />

vários livros <strong>de</strong> Irvine Welsh (n. 1958)<br />

estão neste momento a ser reeditados<br />

em Portugal. Por exemplo, “Ecstasy”<br />

(1996) e “Por<strong>no</strong>”<br />

(2002)<br />

regressaram às<br />

livrarias em<br />

simultâneo. Vamos<br />

falar do segundo.<br />

Dividido em três<br />

núcleos principais,<br />

“Por<strong>no</strong>” prolonga<br />

“Trainspotting”<br />

(1993), a saga dos “junkies” dos cais <strong>de</strong><br />

Leith que marcou a estreia <strong>de</strong> Welsh, a<br />

partir da qual Danny Boyle fez o filme<br />

que celebrizou ambos. Sem surpresa,<br />

tudo se passa <strong>no</strong> meio <strong>de</strong> droga e<br />

sexo, embora <strong>no</strong> lugar do primitivo<br />

bar haja agora um estúdio <strong>de</strong> filmes<br />

por<strong>no</strong>gráficos. O intervalo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s<br />

ajudou a refinar o humor negro,<br />

mantendo-se fiel ao imaginário <strong>de</strong><br />

Iggy Pop. Os narradores são Sick Boy,<br />

Renton, Nicki, Spud e Begbie, cada<br />

um com o seu jargão próprio. Dos<br />

cinco, a universitária Nicki Fuller-<br />

Smith é a única que não vem <strong>de</strong><br />

“Trainspotting”. Spud e Begbie falam<br />

à moda “lá <strong>de</strong> cima”, que o mesmo é<br />

dizer à moda <strong>de</strong> Edimburgo. Para<br />

resolver a discrepância entre o inglês<br />

comum e as peculiarida<strong>de</strong>s da<br />

ortoépia escocesa, o tradutor Colin<br />

Ginks optou pela <strong>de</strong>clinação à moda<br />

do Porto: “Tenho <strong>de</strong> dar um jeito à<br />

minha bida [...] Gostaba <strong>de</strong> apenas<br />

po<strong>de</strong>r ir-bos bisitar primeiro, e<br />

combidar-te para saíres comigo, ‘tás a<br />

ber”? Não sei se correspon<strong>de</strong>rá às<br />

inflexões fonéticas dos naturais da<br />

Escócia, mas sempre é melhor do que<br />

seguir o figuri<strong>no</strong> oxbridge. O calão<br />

não foi esquecido, parecendo-me<br />

a<strong>de</strong>quadas as correspondências.<br />

Filho <strong>de</strong> um estivador e <strong>de</strong> uma<br />

criada <strong>de</strong> café, Welsh, antigo<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> drogas duras, conhece<br />

bem o “milieu” que escolheu para<br />

centrar a obra. Tendo começado por<br />

trabalhar como electricista <strong>no</strong><br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> habitação social da<br />

Câmara <strong>de</strong> Edimburgo, voltou a<br />

estudar <strong>de</strong>pois da morte do pai,<br />

obtendo um MBA na Heriot-Watt<br />

University com uma tese sobre a<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s entre<br />

homens e mulheres. Perguntado pelo<br />

“Daily Mail” sobre as origens sociais,<br />

afirmou consi<strong>de</strong>rar-se “<strong>no</strong>t so much<br />

middle-class as upper-class. I’m very<br />

much a gentleman of leisure. I write.”<br />

Transgressão por transgressão, a<br />

crítica canónica sente-se mais segura<br />

com Nick Hornby. Mesmo se Welsh<br />

cita Voltaire. Tem a sua lógica.<br />

“Por<strong>no</strong>” volta ao local do crime,<br />

isto é, a Leith, a zona portuária on<strong>de</strong><br />

Welsh viveu os primeiros a<strong>no</strong>s. Foi lá<br />

que situou “Trainspotting”, voltou lá<br />

por causa <strong>de</strong> “Por<strong>no</strong>”. Propósitos <strong>de</strong><br />

assepsia <strong>de</strong> um auto-<strong>de</strong><strong>no</strong>minado<br />

Fórum das Empresas <strong>de</strong> Leith Contra<br />

a Droga, apostado numa versão<br />

“yuppie” da zona, não inibem Sick<br />

Boy, aliás Simon Davis Williamson, <strong>de</strong><br />

fazer um filme por<strong>no</strong>gráfico, “Sete<br />

Malhadas para Sete Irmãos”,<br />

inspirado num clássico do musical<br />

america<strong>no</strong>, “Sete Noivas para Sete<br />

Irmãos” (Stanley Donen, 1954). Ao<br />

longo da história, a tensão é <strong>de</strong> cortar<br />

à faca, porque o grupo alimenta<br />

<strong>de</strong>sconfianças mútuas, a coca<br />

complica, e o ressentimento <strong>de</strong><br />

Begbie pelos a<strong>no</strong>s passados na prisão<br />

não <strong>de</strong>ixam ninguém tranquilo. Os<br />

diálogos seguem a <strong>no</strong>rma: “Vai-te<br />

fo<strong>de</strong>r, Terry - diz o Rab com um<br />

sorriso amaneirado -. É satisfatório<br />

quanto baste, embora meia dúzia <strong>de</strong><br />

caralhos enfiados na tua boca não<br />

seriam suficientes para que ficasses<br />

calado.” Nas partes em que entra a<br />

pronúncia do Norte (ou seja, nas falas<br />

<strong>de</strong> Spud e Begbie), a coisa fica<br />

“altamente”.<br />

Mas nem só <strong>de</strong> “trash” vive o<br />

romance. Como Bret Easton Ellis não<br />

<strong>de</strong>tém o exclusivo da citação <strong>de</strong><br />

marcas, Welsh não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha os seus<br />

Gucci e Prada, ou mesmo o ocasional<br />

Chardonay Clos du Bois a acompanhar<br />

um “sublime homard bleu, suc lie <strong>de</strong><br />

truffe <strong>no</strong>ire et basilic pilé...”. Se a i<strong>de</strong>ia<br />

é promover o filme com vista aos<br />

prémios <strong>de</strong> Cinema para Adultos, há<br />

que agir em conformida<strong>de</strong>. Reflexões<br />

em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> uma tese universitária e<br />

uma aguda consciência <strong>de</strong> classe<br />

ajudam a matizar a figura <strong>de</strong> Sick<br />

Boy, provável alter-ego do autor,<br />

alguém empenhado <strong>no</strong> retrato social<br />

da geração ‘<strong>de</strong>scamisada’ da era<br />

Thatcher.<br />

Sem me<strong>no</strong>sprezo do fôlego<br />

narrativo, a que não é alheio o<br />

domínio perfeito da arquitectura<br />

romanesca, parecem-me excessivas as<br />

quase seiscentas páginas da história.<br />

Eduardo Pitta<br />

Comparsas do tédio<br />

O Dia Mastroianni<br />

João Paulo Cuenca<br />

Caminho, €15<br />

mmmnn<br />

Depois <strong>de</strong> ter<br />

publicado um<br />

primeiro romance,<br />

“Corpo Presente”,<br />

retrato <strong>de</strong><br />

Copacabana, João<br />

Paulo Cuenca quis<br />

mudar <strong>de</strong> registo e<br />

escrever um livro<br />

que o divertisse. “O<br />

Dia Mastroianni” é<br />

esse livro. É um projecto arrojado,<br />

diferente da sua primeira obra, e<br />

com capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong>siludidos todos os que ficaram<br />

impressionados com o romance <strong>de</strong><br />

estreia do autor brasileiro. No<br />

entanto, encontram-se aqui as<br />

suas marcas: humor e sarcasmo<br />

misturados com <strong>no</strong>stalgia, o<br />

“bas fond” da cida<strong>de</strong>, amores<br />

<strong>de</strong>smedidos, sexo.<br />

Em “O Dia Mastroianni” há<br />

uma cida<strong>de</strong> que já não é<br />

Copacabana, mas também é.<br />

Uma cida<strong>de</strong> que o leitor vai<br />

percebendo como cada vez mais<br />

irreal, fruto dos vapores do álcool<br />

e das drogas que, durante as 24<br />

horas em que se passa a acção,<br />

são ingeridas pelas personagens<br />

principais, Pedro Cassavas e<br />

Tomás Anselmo.<br />

Dois jovens - “comparsas do<br />

tédio”, “volúveis e voláteis” - da<br />

geração dos “escritores sem livro,<br />

músicos sem disco, cineastas sem<br />

filme” que vagueiam pelas ruas como<br />

se fossem Marcello Mastroianni a<br />

vaguear por Roma num filme <strong>de</strong><br />

Fellini. Um romance <strong>de</strong> geração, mas<br />

“um romance <strong>de</strong> geração ao<br />

contrário”, como escreveu André<br />

Nigri, na revista “Bravo!”.<br />

“O verda<strong>de</strong>iro herói é o que se<br />

diverte sozinho”, citação <strong>de</strong> Charles<br />

Bau<strong>de</strong>laire, é a primeira epígrafe do<br />

livro. O “eu fui o maior onanista do<br />

meu tempo” <strong>de</strong> Oswaldo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />

a segunda. E assim está dado o tom ao<br />

livro que por vezes tem um texto<br />

“carregado com adjectivações<br />

excessivas” (é o próprio Cuenca quem<br />

o diz) mas que serviram ao autor para<br />

construir o estado <strong>de</strong> espírito do<br />

narrador, Pedro Cassavas, pretenso<br />

artista, cheio <strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s mas que não<br />

realiza nada. Cuenca meteu <strong>no</strong> livro<br />

todos os clichés <strong>de</strong> uma geração que,<br />

como alguém já disse, por tanto temer<br />

os lugares comuns acaba por se<br />

confundir com eles.<br />

Romance salpicado <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras<br />

e <strong>de</strong> referências literárias, está aqui a<br />

influência <strong>de</strong> João do Rio, dandy que<br />

<strong>de</strong>screvia afrancesadamente a<br />

socieda<strong>de</strong> carioca do início do século<br />

XX. Bau<strong>de</strong>laire, Rimbaud, Wil<strong>de</strong>. O<br />

Oswaldo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Serafim<br />

Ponte Gran<strong>de</strong>” é outra referência<br />

e<strong>no</strong>rme e também não se po<strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r “O Dia Mastroianni”<br />

sem pensar em “Pilatos” <strong>de</strong> Carlos<br />

Heitor Cony em que a personagem<br />

principal diz: “a literatura só se<br />

salvará se voltar às suas origens. O<br />

folhetim, a aventura, a escatologia”<br />

(Cuenca gosta <strong>de</strong> acreditar que<br />

conversou um pouco com este livro<br />

que Cony escreveu em 1973).<br />

E há aqueles diálogos que abrem<br />

alguns capítulos, em que o narrador é<br />

interrogado (por Deus? por um crítico<br />

literário? pelo leitor?) e on<strong>de</strong> Cuenca,<br />

jovem autor, não escapa à sua<br />

própria crítica.<br />

É um romance que tanto se po<strong>de</strong><br />

odiar como amar. E nessa dificulda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> estabelecer pactos que<br />

está a graça. Mas<br />

quando se entra <strong>no</strong><br />

espírito, é um<br />

romance que <strong>no</strong>s<br />

diverte. Como<br />

poucos. Isabel<br />

Coutinho<br />

Cuenca meteu <strong>no</strong> livro todos<br />

os clichés <strong>de</strong> uma geração que,<br />

como alguém já disse, por tanto<br />

temer os lugares comuns acaba<br />

por se confundir com eles<br />

ADRIANO MIRANDA<br />

38 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

NELSON GARRIDO<br />

Oliveira <strong>no</strong> automóvel recuperado<br />

que utilizou há 75 a<strong>no</strong>s quando<br />

era piloto <strong>de</strong> corridas<br />

Ensaio<br />

Alcatifa<br />

estilo<br />

Weimar<br />

“Best of” <strong>de</strong> um blogue que<br />

se tor<strong>no</strong>u um fenóme<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

culto. Pedro Mexia<br />

Pastoral Portuguesa<br />

Rogério Casa<strong>no</strong>va<br />

Quetzal, €14,40<br />

mmmmm<br />

O autor avisa logo<br />

<strong>de</strong> início que<br />

“Pastoral<br />

Portuguesa” é uma<br />

colectânea <strong>de</strong><br />

textos sobre “os<br />

temas<br />

fundamentais do<br />

<strong>no</strong>sso tempo”.<br />

Embora não <strong>de</strong>dique uma palavra ao<br />

aquecimento global e ao casamento<br />

entre pessoas do mesmo sexo,<br />

Casa<strong>no</strong>va faz referências à CMVM, a<br />

Vera Roquete, a V. S. Pritchett, aos<br />

“sans-cullotes” e à “alcatifa estilo<br />

Weimar”. É pois um “best of” do<br />

blogue que se tor<strong>no</strong>u um fenóme<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong> culto e que levou Casa<strong>no</strong>va, muito<br />

justamente, à imprensa escrita.<br />

Casa<strong>no</strong>va é um anglófilo<br />

impenitente, mas um anglófilo que<br />

diz “exemplar” e não “cópia”,<br />

<strong>de</strong>monstrando que também conhece<br />

a língua <strong>de</strong> chegada. A primeira parte<br />

do livro é constituída por peque<strong>no</strong>s<br />

ensaios e <strong>no</strong>tas acerca <strong>de</strong> escritores<br />

anglo-america<strong>no</strong>s. Com evi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>staque para Thomas Pynchon:<br />

“Pynchon sempre <strong>de</strong>dicou uma<br />

atenção especial aos espaços em<br />

branco <strong>no</strong> espectro oficial da<br />

Verda<strong>de</strong>, aos vácuos nas cro<strong>no</strong>logias,<br />

às convulsões invisíveis que saco<strong>de</strong>m<br />

as mudanças <strong>de</strong> paradigma, e on<strong>de</strong><br />

costumam florescer os mitos urba<strong>no</strong>s<br />

e as teorias da conspiração; não há<br />

muita obsessão subterrânea que não<br />

lhe tenha merecido algum tempo <strong>de</strong><br />

antena, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colónia <strong>de</strong> crocodilos<br />

<strong>no</strong>s esgotos <strong>de</strong> Nova Iorque, à<br />

supressão <strong>de</strong> uma lâmpada perpétua<br />

pela Philips, passando por ge<strong>no</strong>cídios<br />

secretos e serviços postais<br />

alternativos” (pág. 22). Se Pynchon é<br />

o escritor favorito, o crítico <strong>de</strong> eleição<br />

é James Wood (“The New Yorker”),<br />

que tem <strong>no</strong> entanto o grave “<strong>de</strong>feito”<br />

<strong>de</strong> não ser um entusiasta<br />

pynchonia<strong>no</strong>. Casa<strong>no</strong>va lida com esse<br />

embaraço explicando a Wood, como<br />

se ele lesse, que Pynchon não faz<br />

“realismo psicológico” mas que<br />

nunca abdicou <strong>de</strong> testar os limites do<br />

termo “realismo”. E que nesse<br />

sentido é ainda um realista, ainda<br />

que talvez um pouco histérico.<br />

O convívio directo com os textos<br />

sobre os quais Casa<strong>no</strong>va escreve é<br />

incomum, e isso justifica as subtilezas<br />

e as graças. Subtilezas como quando<br />

diz que as personagens <strong>de</strong> Henry<br />

James atribuem um valor exagerado à<br />

suspeitas das intenções<br />

alheias. Graças como<br />

quando refere a importância da<br />

contracção do esfíncter na ficção <strong>de</strong><br />

John Updike, burguês obcecado com<br />

o <strong>de</strong>talhe javardo. Casa<strong>no</strong>va também<br />

consegue resumir em poucas linhas<br />

porque é que Philip Roth tem “uma<br />

voz” e não “um estilo” ou, mais difícil<br />

ainda, porque é que Don DeLillo se<br />

assemelha me<strong>no</strong>s a Baudrillard do<br />

que a Herman José.<br />

Casa<strong>no</strong>va viveu em Inglaterra, e é<br />

bem visível a leitura compulsiva da<br />

imprensa e da edição angloamericanas.<br />

Dos estudos culturais aos<br />

sketches parlamentares, das biografias<br />

aos comediantes, tudo é<br />

estrangeirado, mas não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso.<br />

O estilo, nada altivo, ajuda. Não há<br />

muitos críticos que escrevam numa<br />

página a palavra “berlaitada” e numa<br />

outra se refiram à “magnificação<br />

apofénica”. Por mais elaborado que<br />

seja o tema, o discurso é quase<br />

sempre humorístico, misturando<br />

registos e analisando as minúcias da<br />

linguagem. É o caso <strong>de</strong> um texto sobre<br />

o can<strong>de</strong>nte tema do ponto e vírgula (a<br />

“semicolo<strong>no</strong>scopia”), que segundo<br />

Casa<strong>no</strong>va é me<strong>no</strong>s um tema<br />

linguístico do que diplomático (ele<br />

explica). E da magnífica “flash<br />

interview” a James Joyce, que cruza<br />

futebol e ousadias mo<strong>de</strong>rnistas: “A<br />

gramática e a semântica estão em<br />

gran<strong>de</strong> forma e causaram-<strong>no</strong>s alguns<br />

problemas, mas <strong>no</strong> final acabou por<br />

ganhar o mais forte”. (pág. 97).<br />

Alar<strong>de</strong>ando o seu muito tempo<br />

disponível, Casa<strong>no</strong>va passa mais<br />

tempo em frente da televisão do que<br />

qualquer outro português que leia<br />

livros. A televisão é o único modo <strong>de</strong><br />

conjugar curiosida<strong>de</strong> sociológica e<br />

preguiça doméstica, e <strong>no</strong> meio dos<br />

seus amados Maltesers, o crítico<br />

Casa<strong>no</strong>va engole programas <strong>de</strong> Artur<br />

Albarran, entrevistas, varieda<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong>bates políticos, séries históricas,<br />

épicos bíblicos que se parecem com<br />

vi<strong>de</strong>oclips dos Soft Cell, filmes sobre<br />

filhos <strong>de</strong> Satanás, <strong>no</strong>ites dos Óscares,<br />

reveillons, documentários <strong>de</strong> Richard<br />

Dawkins e “a festa dos touros”<br />

(<strong>de</strong>scrita por uma espécie <strong>de</strong><br />

marcia<strong>no</strong>). É a televisão como “guilty<br />

pleasure” e sintoma cultural. Baseado<br />

apenas na <strong>de</strong>scrição fria ou<br />

estrambólica, ou <strong>no</strong>s adjectivos e<br />

repetições, Casa<strong>no</strong>va arrasa, quase<br />

com carinho, o telelixo que é hoje<br />

quase toda a televisão. Ele nunca se<br />

indigna, nunca se choca, nunca tem o<br />

discurso cansativo da inveja e do<br />

ressentimento. A televisão é a<br />

comédia humana com entrega ao<br />

domicílio, e Casa<strong>no</strong>va diverte-se com<br />

isso, utilizando em estilo o seu truque<br />

favorito: o cruzamento entre a cultura<br />

erudita e a popular. Pouca gente<br />

chamaria a um apresentador “um<br />

jovem saído <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> Bernard<br />

Malamud”, e Casa<strong>no</strong>va não se importa<br />

nem um bocadinho com o<br />

restritíssimo auditório que apanha a<br />

piada. No seu mundo mental, tudo se<br />

cruza, ele é o intelectual integrado por<br />

excelência, um homem para quem o<br />

caos da cultura mo<strong>de</strong>rna é um<br />

divertimento e não um apocalipse. Há<br />

mesmo uma espécie <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />

entre todas as manifestações culturais,<br />

uma espécie <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><br />

antropológica das <strong>no</strong>ssas emoções e<br />

manias. É por isso que a tourada não<br />

difere muito <strong>de</strong> um Rivette, que uma<br />

citação apócrifa <strong>de</strong> George Steiner o<br />

põe a falar como uma adolescente <strong>de</strong><br />

Birmingham e que se diz, como bons<br />

motivos, que Mário Viegas entrou em<br />

“The Big Lebowski”.<br />

Rogério Casa<strong>no</strong>va é sportinguista, e<br />

os sportinguistas são conhecidos pelo<br />

seu existencialismo torturado. Daí que<br />

várias páginas sejam <strong>de</strong>dicadas a uma<br />

análise leonina que é quase um<br />

diagnóstico cultural. Vamos do<br />

espantosamente intitulado “O 18 do<br />

Brumário <strong>de</strong> Rodrigo Tiuí” às razões<br />

pelas quais Miguel Veloso é um<br />

utilitarista benthamia<strong>no</strong>: “Miguel<br />

Veloso levantou a cabeça, viu Abel e<br />

Izmailov teoricamente ‘<strong>de</strong>smarcados’<br />

e, leitor atento <strong>de</strong> Bentham que é,<br />

tomou a opção utilitarista (as<br />

consequências <strong>de</strong> acto sendo mais<br />

importante do que a sua natureza<br />

intrínseca, etc.): endossou-a ao<br />

adversário que consi<strong>de</strong>rou me<strong>no</strong>s<br />

capaz <strong>de</strong> iniciar um contra-ataque<br />

perigoso (...). Ao minuto sessenta da<br />

final da Taça da Liga, em ple<strong>no</strong> lance<br />

<strong>de</strong> ataque do Sporting, a melhor<br />

hipótese <strong>de</strong> maximizar a felicida<strong>de</strong><br />

geral da sua equipa era ce<strong>de</strong>r a bola<br />

ao adversário me<strong>no</strong>s talentoso (pág.<br />

239)”. Ao melhor estilo David Foster<br />

Wallace, Casa<strong>no</strong>va também comenta<br />

com brio estratégico e dromológico<br />

um torneio <strong>de</strong> ténis ou uma corrida<br />

<strong>de</strong> cavalos, até porque em geral<br />

aposta <strong>no</strong>s resultados. Um patusco<br />

hábito inglês que faz todo o sentido<br />

nesta espécie <strong>de</strong> inglês que vê tudo<br />

como um jogo. E que, diabos o<br />

levem, ganha sempre.<br />

História<br />

Andar<br />

<strong>de</strong>pressa,<br />

viver<br />

<strong>de</strong>pressa<br />

Foi <strong>no</strong>s automóveis<br />

que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />

concretizou um dos lemas<br />

da sua vida: andar <strong>de</strong>pressa,<br />

viver <strong>de</strong>pressa. Sérgio<br />

C. Andra<strong>de</strong><br />

Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira - Piloto <strong>de</strong><br />

Automóveis<br />

José Barros Rodrigues<br />

Edição Caleidoscópio, €33,60<br />

mmmmn<br />

Quase se po<strong>de</strong>rá<br />

dizer que este é o<br />

livro que faltava<br />

para ficarmos a<br />

conhecer melhor<br />

a vida <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el<br />

<strong>de</strong> Oliveira (n.<br />

Porto, 1908), na<br />

sua dimensão pública.<br />

Esquadrinhada que foi, em<br />

Dezembro e a<br />

pretexto do<br />

centenário, a<br />

biografia do cineasta, este livro-álbum<br />

<strong>de</strong> José Barros Rodrigues vem<br />

recordar, <strong>de</strong> forma exaustiva, a<br />

carreira <strong>de</strong> Oliveira piloto <strong>de</strong><br />

automóveis, que a sua longevida<strong>de</strong> faz<br />

parecer já tão longínqua. Decorreu<br />

entre os a<strong>no</strong>s 1930 e 50, distribuída<br />

por dois períodos (1935-38 e 1947-53),<br />

e inscreveu o seu <strong>no</strong>me na história do<br />

automobilismo nacional, em mol<strong>de</strong>s<br />

que levam o autor do livro a garantir<br />

que Oliveira foi “um dos maiores<br />

pilotos portugueses <strong>de</strong> sempre”.<br />

É claro que ainda ficará por revelar,<br />

também em mais porme<strong>no</strong>r do que o<br />

que se conhece, a carreira <strong>de</strong> Oliveira<br />

atleta e <strong>de</strong>sportista - o nadador, o<br />

trapezista, o ginasta e o atleta que,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo as cores do Sport Club do<br />

Porto, se tor<strong>no</strong>u, por três vezes, vicecampeão<br />

<strong>de</strong> salto à vara!<br />

Mas foi, <strong>de</strong> facto, <strong>no</strong>s automóveis<br />

que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira concretizou<br />

um dos lemas da sua vida: andar<br />

<strong>de</strong>pressa, viver <strong>de</strong>pressa. “Poucos<br />

saberão que, por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> uma<br />

câmara que com escrúpulo mas com<br />

objectivos claros teima em mover-se<br />

<strong>de</strong>vagar, está um homem que foi<br />

rápido, muito rápido, sobretudo<br />

com o volante nas mãos”, escreve na<br />

introdução José Barros Rodrigues,<br />

especialista da história do<br />

automobilismo e também<br />

empresário do sector. Oliveira<br />

<strong>de</strong>dicou-se ao automobilismo com a<br />

serieda<strong>de</strong> e a paixão com que<br />

abraçou igualmente o cinema, refere<br />

o prefaciador do livro, Marcelo<br />

Rebelo <strong>de</strong> Sousa: “Também <strong>no</strong>s<br />

automóveis, nele existe paixão, culto<br />

da aprendizagem, aventura, gosto<br />

do risco, insatisfação, <strong>de</strong>terminação,<br />

criativida<strong>de</strong>, serenida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s<br />

momentos essenciais.”<br />

Se a carreira <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />

piloto <strong>de</strong> competição se <strong>de</strong>senvolveu<br />

<strong>no</strong>s dois períodos atrás referidos, foi,<br />

contudo, <strong>no</strong>s primeiros três a<strong>no</strong>s<br />

(1935-38) que ela alcançou maior<br />

velocida<strong>de</strong> e <strong>no</strong>torieda<strong>de</strong>.<br />

Curiosamente, ela atingiu o apogeu<br />

não <strong>no</strong>s seis primeiros lugares (ou <strong>no</strong>s<br />

doze pódios, entre ralis, rampas e<br />

circuitos) que o piloto então<br />

acumulou, mas na terceira posição<br />

que bravamente conquistou, <strong>no</strong> dia 12<br />

<strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1938, <strong>no</strong> famoso Circuito<br />

Internacional da Gávea, <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro (equivalente a uma prova da<br />

Fórmula 1 actual), cuja dificulda<strong>de</strong> da<br />

pista lhe justificava a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong><br />

“Trampolim do Diabo”.<br />

Profusamente documentado e<br />

ilustrado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />

páginas, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira prova<br />

corrida (e ganha) por Oliveira, <strong>no</strong><br />

seu primeiro carro, um Fiat Balilla<br />

(uma gincana <strong>no</strong> rali do Porto, <strong>no</strong>s<br />

jardins do Palácio e Cristal, em Abril<br />

<strong>de</strong> 1935), o livro ganha também o seu<br />

brilho maior nas 72 páginas (<strong>de</strong> um<br />

total <strong>de</strong> 178) do capítulo <strong>de</strong>dicado a<br />

esta experiência internacional do<br />

piloto. Foi uma corrida também<br />

vivida intensamente <strong>no</strong> Brasil (pela<br />

comunida<strong>de</strong> portuguesa local e não<br />

só), cuja imprensa especializada<br />

<strong>de</strong>dicou páginas e páginas ilustradas<br />

a vermelho e branco, representando<br />

as cores do Ford<br />

Especial <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong><br />

Oliveira e também do Bugatti do seu<br />

irmão Casimiro (5º classificado), que<br />

asseguraram a representação lusa<br />

nesse a<strong>no</strong>, <strong>no</strong> circuito da Gávea, com<br />

um brilhantismo inesperado.<br />

O livro compulsa e enquadra as<br />

<strong>no</strong>tícias da época, com todo o <strong>de</strong>talhe,<br />

e dá também a conhecer a história da<br />

cuidada preparação do Ford Especial<br />

V8 pela equipa composta por Manuel<br />

Menères (o concessionário da marca<br />

<strong>no</strong> Porto) e Eduardo Ferreirinha, o<br />

piloto-engenheiro que Oliveira dizia<br />

ser “o gran<strong>de</strong> mestre da mecânica dos<br />

automóveis”. Foi ele quem fez a<br />

adaptação do carro <strong>de</strong> turismo<br />

importado da América num<br />

competitivo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> corrida - um<br />

trabalho que, curiosamente, o próprio<br />

Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira então registou <strong>no</strong><br />

seu documentário “Já se Fabricam<br />

Automóveis em Portugal” (1938).<br />

Outra curiosida<strong>de</strong> é o facto <strong>de</strong> uma<br />

das provas com que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong><br />

Oliveira preparou a sua ida ao Brasil -<br />

a Rampa do Gradil, realizada em<br />

Março, e que venceu - ser a única <strong>de</strong><br />

toda a sua carreira <strong>de</strong> piloto que está<br />

documentada em filme.<br />

O livro <strong>de</strong> José Barros Rodrigues<br />

contém outras revelações/recordações<br />

<strong>de</strong>sta vertente da vida <strong>de</strong> Oliveira.<br />

Entre elas, a <strong>no</strong>tícia <strong>de</strong> que a sua<br />

brilhante “performance” <strong>no</strong> circuito<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro - em que o seu Ford<br />

Especial só foi suplantado pelos bem<br />

mais competitivos Alfa Romeos do<br />

italia<strong>no</strong> Pintacuda (o vencedor) e do<br />

argenti<strong>no</strong> Arzani -, fez com que fosse<br />

convidado a participar, logo <strong>no</strong> a<strong>no</strong><br />

seguinte, <strong>no</strong> Gran<strong>de</strong> Prémio <strong>de</strong><br />

Bue<strong>no</strong>s Aires, na Argentina, outro<br />

importante circuito do calendário<br />

mundial. E mais, a revista “Sporting”<br />

anunciava que o piloto po<strong>de</strong>ria vir<br />

mesmo a “fixar residência <strong>no</strong> Brasil”,<br />

eventualmente para, a partir daí,<br />

preparar com mais eficácia<br />

competitiva as suas prestações<br />

automobilísticas internacionais.<br />

Quem conhece a biografia do<br />

realizador sabe que não foi isso que<br />

aconteceu. Em vez <strong>de</strong> voltar à<br />

América do Sul, Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />

viria a casar em 1940, <strong>de</strong>cisão que o<br />

levou a abandonar<br />

(temporariamente) os automóveis.<br />

“Realmente, já não me interessava<br />

andar a correr <strong>de</strong> automóvel. A<br />

minha esposa ficaria em cuidado, e<br />

não havia necessida<strong>de</strong> disso”,<br />

justificou Oliveira em entrevista à<br />

PÚBLICA (edição <strong>de</strong> 07/12/2008). E o<br />

apelo do cinema também falou mais<br />

alto, já que, dois a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, o<br />

realizador estreava a sua primeira<br />

longa-metragem, “Aniki-Bóbó”.<br />

O cinema e a família triunfaram<br />

sobre os automóveis. E o regresso às<br />

pistas, em 1947, já só aconteceu em<br />

ralis, que entendia não “comportar<br />

gran<strong>de</strong> perigo”. Mas o <strong>no</strong>me Oliveira<br />

continuou, apesar <strong>de</strong> tudo, a acelerar<br />

nas pistas dos circuitos através do<br />

irmão Casimiro que, na década <strong>de</strong> 50,<br />

se tornaria num dos gran<strong>de</strong>s pilotos<br />

portugueses (sempre com o apoio do<br />

irmão Ma<strong>no</strong>el nas boxes).<br />

Está tudo (bem) contado em<br />

“Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira - Piloto <strong>de</strong><br />

Automóveis”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 39


Teatro/Dança<br />

“Os Maias <strong>no</strong> Trinda<strong>de</strong>”<br />

Bem-vindos<br />

ao Norte<br />

A partir <strong>de</strong> hoje, po<strong>de</strong>mos<br />

entrar <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo espectáculo<br />

das Comédias do Minho.<br />

Inês Nadais<br />

Contra-Bando<br />

Pelas Comédias do Minho.<br />

Dramaturgia, encenação e<br />

coreografia <strong>de</strong> Madalena Victori<strong>no</strong>.<br />

Com Ainhoa Vidal, Miguel Fragata,<br />

Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva,<br />

Mónica Tavares, Rui Mendonça e<br />

Tânia Almeida.<br />

Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura. Lugar da Seara (Bico). Hoje, às<br />

17h30; amanhã e dom., às 11h30, 15h e 17h30.<br />

Melgaço. Lugar do Paço (Parada do Monte). Dia 6 <strong>de</strong><br />

Março, às 21h; dias 7 e 8 <strong>de</strong> Março às 11h30, 16h, 21h.<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Cerveira. Lugar das Furnas (Campos).<br />

Dia 13 <strong>de</strong> Março, às 21h; dias 14 e 15 <strong>de</strong> Março às<br />

11h30, 16h e 21h. Monção. Mercearia dos Vilar<br />

(Lara). Dia 20 <strong>de</strong> Março às 17h30; dias 21 e 22 <strong>de</strong><br />

Março às 11h30, 15h e 17h30. Valença. Estufas <strong>de</strong><br />

flores (Verdoejo). Dia 27 <strong>de</strong> Março, às 21h; dias 28 e<br />

29 <strong>de</strong> Março, às 11h30, 16h e 21h. Entrada gratuita.<br />

Madalena Victori<strong>no</strong> foi a última a<br />

chegar a Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura mas já há<br />

sítios on<strong>de</strong> conseguia ir ter <strong>de</strong> olhos<br />

fechados: a mercearia dos Vilar,<br />

numa freguesia <strong>de</strong> Monção, uma<br />

ermida abandonada em Melgaço, as<br />

estufas <strong>de</strong> flores <strong>de</strong> Verdoejo, as<br />

cabanas dos pescadores <strong>de</strong> lampreia<br />

em Cerveira, a cozinha <strong>de</strong> uma<br />

senhora <strong>de</strong> 80 a<strong>no</strong>s que “nunca foi à<br />

escola, nunca foi ao médico” e vive<br />

com os seus animais em Bico.<br />

Em Novembro, quando a<br />

convidaram para criar um<br />

espectáculo que resultasse <strong>de</strong> uma<br />

imersão profunda na comunida<strong>de</strong> -<br />

acabaram por ser cinco<br />

espectáculos, ou um espectáculo em<br />

cinco partes -, as Comédias do<br />

Minho <strong>de</strong>ram-lhe “carta branca”<br />

para ela fazer o que enten<strong>de</strong>sse, e<br />

ela enten<strong>de</strong>u que <strong>de</strong>via meter-se<br />

num carro com os actores e ir ver<br />

como é o interior do interior (e o<br />

Norte do Norte) do país.<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

Esta Noite Improvisa-se<br />

De Luigi Piran<strong>de</strong>llo. Encenação:<br />

Jorge Silva Melo. Com António<br />

Simão, Cândido Ferreira, Cecília<br />

Henriques, João Meireles, Lia<br />

Gama, Sílvia Filipe,entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro<br />

IV. De 05/03 a 05/04. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30.<br />

Dom. às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€.<br />

JORGE GONÇALVES<br />

“A Tempesta<strong>de</strong>”<br />

Foi uma viagem <strong>de</strong><br />

reconhecimento - e um ritual <strong>de</strong><br />

iniciação a um território que<br />

Madalena Victori<strong>no</strong> <strong>de</strong>sconhecia<br />

absolutamente. “Fomos falar com os<br />

presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> junta e com os padres,<br />

que são as figuras <strong>de</strong> referência<br />

nestas al<strong>de</strong>ias, e eles conduziram-<strong>no</strong>s<br />

às pessoas. Em Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura<br />

encontrámos duas mulheres que me<br />

atraíram imenso pela sua ida<strong>de</strong> e<br />

pelo seu saber a cultivar os seus<br />

pedaços <strong>de</strong> terra com uma alegria e<br />

Variações Enigmáticas<br />

De Eric-Emmanuel Schmitt.<br />

Encenação: João Mota. Com Carlos<br />

Paulo, Álvaro Correia.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha.<br />

De 04/03 a 31/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 217221770. 10€ e 7,5€ (quartas e quintas:<br />

5€).<br />

Continuam<br />

A Tempesta<strong>de</strong><br />

De William Shakespeare.<br />

Encenação: John Mowat. Com Jorge<br />

Cruz, Marta Cerqueira, Tiago<br />

Viegas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até 01/03.<br />

5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 218855550. 10€ e<br />

7,5€.<br />

Minetti ou Retrato<br />

do Artista Quando Jovem<br />

De Thomas Bernhard. Encenação:<br />

Mónia Calle. Com David Pereira<br />

Bastos.<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Já há sítios on<strong>de</strong> Madalena Victori<strong>no</strong> conseguia<br />

ir <strong>de</strong> olhos fechados, como a cozinha <strong>de</strong> uma senhora<br />

<strong>de</strong> 80 a<strong>no</strong>s que “nunca foi à escola, nunca foi ao médico”<br />

e vive com os seus animais em Bico<br />

Internet<br />

uma força que muitas raparigas <strong>de</strong> 20<br />

a<strong>no</strong>s não têm. Em Verdoejo<br />

<strong>de</strong>scobrimos as estufas <strong>de</strong> uma<br />

família que cultiva, apanha e ven<strong>de</strong><br />

flores <strong>no</strong>s mercados. Em Cerveira<br />

apren<strong>de</strong>mos muito sobre o rio, sobre<br />

o contrabando com Espanha, sobre a<br />

emigração a salto. Infiltrámo-<strong>no</strong>s na<br />

vida das pessoas, vimo-las a<br />

trabalhar, conversámos com elas - e<br />

trouxemos esses materiais para o<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Coura”, explica.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Casa Conveniente.<br />

Rua Nova do Carvalho, 11 (ao Cais do Sodré). Até<br />

28/02. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 964407007.<br />

Os Produtores<br />

De Mel Brooks. Encenação:<br />

Cláudio Hochman. Com Rita<br />

Pereira, Miguel Dias, Manuel<br />

Marques, Rodrigo Saraiva,<br />

Custódia Galego. Direcção<br />

Musical: Nu<strong>no</strong> Feist.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />

182. Até 28/02. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. e Dom.<br />

às 17h00 e 21h30. Feriados às 17h00. Tel.: 213572025.<br />

27,5€ a 45€.<br />

Os Maias <strong>no</strong> Trinda<strong>de</strong><br />

De Eça <strong>de</strong> Queiroz,<br />

António Torrado. Encenação:<br />

Rui Men<strong>de</strong>s. Com João Di<strong>de</strong>let,<br />

José Airosa, Mário Jacques, entre<br />

outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Largo da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />

Até 26/04. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00.<br />

Tel.: 213420000. 10€ a 15€<br />

Estamos online. Entre em<br />

www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

con<strong>no</strong>sco.<br />

Não ficaram lá muito tempo: a<br />

partir <strong>de</strong> hoje, começam a <strong>de</strong>volver<br />

à comunida<strong>de</strong> o que criaram “a<br />

partir <strong>de</strong>sses itens <strong>de</strong> conversa”, das<br />

coisas que mais os fascinaram (“a<br />

forma como estas pessoas<br />

trabalham, como usam os músculos,<br />

como se relacionam com os animais,<br />

como sonham”) e <strong>de</strong> textos <strong>de</strong><br />

Gabriel García Márquez, Luísa Costa<br />

Gomes, António Lobo Antunes e<br />

Miguel Torga que a companhia<br />

“infiltrou <strong>no</strong>s fumeiros, nas a<strong>de</strong>gas,<br />

nas cortes, <strong>no</strong>s espigueiros, <strong>no</strong>s<br />

quartos <strong>de</strong> dormir”.<br />

Os cinco capítulos <strong>de</strong> “Contra-<br />

Bando” - “O salto da água / Cozinha”,<br />

“Coração <strong>de</strong> porco”, “Labaredas”,<br />

“Uma pequena i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> amor” e<br />

“Saias <strong>de</strong> sabão” - vão ser apresentados<br />

<strong>no</strong>s sítios on<strong>de</strong> fazem realmente<br />

sentido: <strong>de</strong>ntro das casas, dos locais<br />

<strong>de</strong> trabalho e dos espaços públicos<br />

on<strong>de</strong> as pessoas para os quais foram<br />

criados viveram toda a vida. É a lógica<br />

das Comédias do Minho - uma<br />

estrutura radicalmente itinerante,<br />

cujos espectáculos circulam pelos<br />

cinco concelhos da região -, mas Madalena<br />

Victori<strong>no</strong> está a levá-la a on<strong>de</strong><br />

ela nunca tinha ido (ao tal interior do<br />

interior que ficou para trás quando<br />

<strong>no</strong>s atirámos todos ao mesmo tempo<br />

para as cida<strong>de</strong>s do litoral).<br />

Mais do que um espectáculo,<br />

“Contra-Bando” é sobretudo uma<br />

comunida<strong>de</strong>: “Há um bando que se<br />

passeia em viagem pelo Minho,<br />

contra as convenções teatrais mais<br />

estabelecidas, e que se mistura com<br />

outro bando que é este povo do<br />

Minho. São espectáculos em que as<br />

pessoas se reconhecem e revisitam o<br />

que é seu, surpreen<strong>de</strong>ndo-se com o<br />

que vêem. Ainda ontem em Parada<br />

do Monte [Melgaço] as pessoas <strong>no</strong>s<br />

diziam: ‘A <strong>no</strong>ssa casa nunca esteve<br />

tão bonita’. A <strong>no</strong>ssa ce<strong>no</strong>grafia é a<br />

vida real <strong>de</strong>stas pessoas - e elas<br />

sentem-se realmente parte <strong>de</strong> uma<br />

história.” Começa a ser contada hoje,<br />

numa al<strong>de</strong>ia da freguesia <strong>de</strong> Bico, em<br />

Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura. Parece muito<br />

longe, mas também tem página na<br />

Wikipédia - com as coor<strong>de</strong>nadas GPS,<br />

para não haver <strong>de</strong>sculpa.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Tritone<br />

Companhia Real Pelágio.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av.<br />

Professor Egas Moniz. Dia 27/02. 6ª às 21h30. Tel.:<br />

212739360. 10€ (c/ <strong>de</strong>scontos).<br />

Paraíso<br />

De Olga Roriz. Com Catarina<br />

Câmara, Sara Carinhas, Pedro<br />

Santiago Cal, entre outros<br />

Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />

António <strong>de</strong> Aguiar. Dia 27/02. 6ª às 21h30. Tel.:<br />

266703112.<br />

Cats<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Dança do Vale do<br />

Sousa.<br />

Santa Maria da Feira. Europarque - Centro <strong>de</strong><br />

Congressos. Espargo <strong>de</strong> Baixo. Dia 27/02. 6ª às 22h<br />

(sessões para escolas: 10h00, 11h30, 14h00 e<br />

15h30). Tel.: 256370222. 15€; Escolas: 4,50€ (por<br />

cada 20 alu<strong>no</strong>s é oferecido um convite).<br />

40 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Exposições<br />

Susanne S. D. Themlitz<br />

A fotografia<br />

como<br />

mundo<br />

A primeira exposição <strong>de</strong><br />

Jean Marc-Bustamante em<br />

Portugal. José Marmeleira<br />

Pedigree<br />

De Jean-Marc Bustamante.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />

Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 07/03. 3ª a<br />

Sáb. das 10h às 20h.<br />

mmmnn<br />

“Pedigree”, na Galeria Filomena<br />

Soares, é a primeira exposição em<br />

Portugal <strong>de</strong> Jean Marc-Bustamante<br />

(Toulouse, 1952), um dos artistas<br />

franceses <strong>de</strong> maior projecção<br />

internacional. Antes <strong>de</strong> iniciar a sua<br />

carreira, entre os finais dos a<strong>no</strong>s 70<br />

e o princípio dos a<strong>no</strong>s 80, chegou a<br />

ser assistente do fotógrafo <strong>no</strong>rteamerica<strong>no</strong><br />

William Klein e, <strong>no</strong><br />

seguimento <strong>de</strong> exposições na<br />

Documenta X (1997) e na Tate<br />

Britain (1999), foi escolhido em 2003<br />

para representar França na 50ª<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

At Eye Level<br />

De Susanne S. D. Themlitz.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida 24<br />

<strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até 04/04. 3ª a<br />

6ª das 11h às 19h. Dom. das 15h às 20h. Inaugura<br />

27/2 às 22h.<br />

Desenho.<br />

Já Viram Alguém Levar<br />

um Tiro e Não Deitar Sangue?<br />

De Francisco Queirós.<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> 20 - Arte Contemporânea. Rua<br />

Tenente Ferreira Durão, 18B. Tel.: 213830834. Até<br />

11/04. 3ª a 6ª das 14h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.<br />

Inaugura 27/2 às 22h.<br />

Desenho.<br />

Selotemachinas<br />

De Catarina Patrício.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte<br />

Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/<br />

c. Tel.: 217261831. Até 07/04. 2ª a 6ª das 10h30 às<br />

19h30. Sáb. das 12h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura<br />

28/2 às 16h.<br />

Pintura.<br />

Escrita Inventada<br />

De Alexandra Mesquita.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império -<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.: 213617100.<br />

Até 16/04. 2ª a Dom. das 10h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte.<br />

Inaugura 28/2 das 15h às 20h.<br />

Desenho, Outros.<br />

The Land Beyond The Sun<br />

De Ângelo Encarnação.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Diferença. Rua São Filipe Neri, 42 -<br />

Cave. Tel.: 213832193. Até 11/04. 3ª a Sáb. das 15h<br />

às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 às 15h.<br />

Pintura.<br />

A Natureza Ubíqua do Ser<br />

De Margarida Cepêda.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galveias - Galeria <strong>de</strong> Arte. Rua da<br />

Misericórdia, 83. Tel.: 213422232. Até 11/04. 2ª a<br />

Sáb. das 10h30 às 19h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2<br />

das 16h às 20h.<br />

Pintura.<br />

Bienal <strong>de</strong> Veneza.<br />

O seu trabalho tem sido marcado<br />

por uma relação intensa e re<strong>no</strong>vada<br />

com a fotografia, não como simples<br />

suporte, mas enquanto matriz <strong>de</strong> uma<br />

investigação que se propõe a pensar a<br />

própria fotografia enquanto mundo<br />

ou objecto. Tome-se, como exemplo,<br />

a série “Lumières” (1991), on<strong>de</strong><br />

imagens fotográficas, apropriadas <strong>de</strong><br />

livros, são serigrafadas sobre<br />

plexiglas, numa constante<br />

interpelação ao espectador, à luz e ao<br />

espaço, ou os “Pa<strong>no</strong>ramas”, painéis<br />

que mostram <strong>de</strong>senhos fotografados e<br />

<strong>de</strong>pois gravados sobre o plexiglas.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a arte <strong>de</strong> Jean<br />

Marc Bustamante “refaz-se” numa<br />

pesquisa que, partindo da fotografia,<br />

se dirige ao quadro, à pare<strong>de</strong>, à<br />

transparência, à cor.<br />

“Pedigree” não preten<strong>de</strong>,<br />

assinale-se, ser representativa <strong>de</strong><br />

uma obra <strong>de</strong>senvolvida ao longo <strong>de</strong><br />

Momento<br />

De Vasco Costa.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Jorge Shirley. Largo Hintze Ribeiro,<br />

2E/F. Tel.: 213868496 . Até 09/04. 3ª a Sáb. das 15h<br />

às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 15h às 20h.<br />

Escultura.<br />

Accrochage 01/09<br />

De vários autores.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Luís Serpa - Projectos. Rua Tenente<br />

Raúl Cascais, 1B. Tel.: 213977794. Até 11/04. 3ª a Sáb.<br />

das 15h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 15h<br />

às 20h.<br />

Pintura.<br />

Fotografias 1990-1997<br />

De António Júlio Duarte.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Módulo - Centro Difusor <strong>de</strong> Arte. Calçada dos<br />

Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 11/04. 3ª a Sáb.<br />

das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 18h às<br />

20h.<br />

Fotografia.<br />

Aparelhos Breves<br />

De Rodrigo Tavarela Peixoto.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Sopro - Projecto <strong>de</strong> Arte Contemporânea.<br />

Rua das Fontaínhas, 40. Tel.: 213618756. Até 04/04.<br />

3ª a Sáb. das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2<br />

das 15h às 20h.<br />

Fotografia.<br />

João Rodrigues, Obra Plástica<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Fundação Cuperti<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

Miranda. Praça Dona Maria II - Apartado 701. Tel.:<br />

252301650. Até 08/05. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.<br />

das 14h às 18h. Inaugura 28/2 às 17h.<br />

Desenho.<br />

Silêncio a Silêncio<br />

De Moirika Reker, Gilberto Reis.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Carmona e Costa. Ed <strong>de</strong> Espanha -<br />

R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D. Tel.:<br />

217803003. Até 18/04. 4ª a 6ª das 14h às 20h. Sáb.<br />

das 14h às 19h. Inaugura 3/3 às 18h30.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Desenho.<br />

The Quiet Messenger<br />

De Pedro Henriques.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço Round The Corner - Porta 9F/9G. R.<br />

Nova da Trinda<strong>de</strong> - Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Tel.:<br />

213420000. Até 10/03. 2ª a Dom. das 17h às 20h.<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

mais <strong>de</strong> duas décadas e da qual<br />

fazem parte séries distintas ainda<br />

que retomadas pelo artista. Mostra<br />

trabalhos recentes e serve sobretudo<br />

como introdução a uma<br />

<strong>de</strong>terminada produção.<br />

Nas fotografias <strong>de</strong> “Something Is<br />

Missing” (2008) - uma série<br />

inaugurada em 1995 - encontramos<br />

fachadas e traseiras <strong>de</strong> habitações,<br />

árvores, um muro junto a um fio <strong>de</strong><br />

água, ruas, um canteiro. São lugares<br />

banais, quase <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong><br />

referentes, como instantes captados<br />

por um “flaneur”, mas na sua<br />

neutralida<strong>de</strong> fixam e abrem um<br />

olhar que afinal também é o do<br />

espectador. O mesmo repto é<br />

lançado na escultura<br />

(“Contrapposto”, 2002) on<strong>de</strong> o<br />

corpo acaba por ser convocado, pois<br />

é o seu movimento que <strong>de</strong>termina as<br />

ligações que na peça se estabelecem<br />

entre a cor e o espaço, a<br />

Inaugura 4/3 às 17h.<br />

Ví<strong>de</strong>o.<br />

(Lugar da Água)<br />

De Rui Vasconcelos.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474 . Até 31/05. 3ª a Dom. das 10h às 18h<br />

(última admissão às 17h45). Inaugura 5/3 às 18h30.<br />

Desenho.<br />

O Infinito Segredo<br />

De Cruzeiro Seixas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria São Mame<strong>de</strong>. Rua da Escola<br />

Politécnica, 167. Tel.: 213973255. Até 05/04. 2ª a 6ª<br />

das 10h30 às 20h. Sáb. das 11h às 19h. Inaugura 5/3<br />

das 19h às 22h.<br />

Pintura, Desenho.<br />

Continuam<br />

Heimo Zobernig<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />

- José <strong>de</strong> Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau<br />

Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 24/05.<br />

3ª a Dom. das 10h às 18h. Bilhetes: 4€<br />

(c/<strong>de</strong>scontos).<br />

Pintura, Ví<strong>de</strong>o, Instalação,<br />

Escultura, Outros.<br />

Raúl Perez - Desenho e Pintura<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo.<br />

Praça do Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.:<br />

213612878. Até 12/04. 6ª das 10h às 22h00. 2ª a 5ª,<br />

Sáb. e Dom. das 10h às 19h.<br />

Desenho, Pintura.<br />

Na escultura “Contrapposto”,<br />

<strong>de</strong> 2002, o corpo acaba<br />

por ser convocado<br />

verticalida<strong>de</strong> e a horizontalida<strong>de</strong> e<br />

os materiais do objecto (ferro, tinta,<br />

plexiglas).<br />

Seguem-se, finalmente, obras da<br />

série “Pa<strong>no</strong>ramas” e outras<br />

realizadas com a mesma técnica.<br />

Vemos motivos figurativos e<br />

abstractos numa experiência<br />

<strong>de</strong>terminada pela transparência, a<br />

luz e a sombra (e a esse propósito é<br />

interessante <strong>no</strong>tar semelhanças<br />

formais com alguns dos motivos das<br />

fotografias <strong>de</strong> “Something Is<br />

Missing”). O artista, ao ampliar e<br />

gravar os <strong>de</strong>senhos nas placas <strong>de</strong><br />

plexiglas, transforma-os em<br />

pinturas, mas ao pendurá-los a uma<br />

certa distância da pare<strong>de</strong> oferecelhes<br />

um carácter escultórico.<br />

Descobre-lhes uma profundida<strong>de</strong><br />

inesperada, torna-os ao mesmo<br />

tempo fotografia, escultura e<br />

pintura.<br />

Algo ironicamente são estes<br />

trabalhos, pela sua presença<br />

excessiva (por vezes até <strong>de</strong>corativa),<br />

que <strong>de</strong>sequilibram a curadoria <strong>de</strong><br />

“Pedigree”, do <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong><br />

David Rosenberg. Teria sido mais<br />

estimulante se a exposição tivesse<br />

aprofundado o seu cariz<br />

introdutório com outras obras <strong>de</strong><br />

Jean-Marc Bustamante. Por<br />

exemplo, com as pertencentes à<br />

série “Trophées”, “Sites” ou<br />

“Lumières”.<br />

Desenhos A - Z, Colecção<br />

Ma<strong>de</strong>ira Corporate Services<br />

De Mark Dion, Trisha Donnelly,<br />

Olafur Eliasson, Pedro Cabrita<br />

Reis, Rui Chafes, Ingar Dragset,<br />

Leonilson, Thomas Sheibitz,<br />

Marjetica Potrc, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Campo<br />

Gran<strong>de</strong>, 245. Tel.: 217513200. Até 29/03. 3ª a Dom.<br />

das 10h às 18h (Encerra Feriados). Pavilhão Preto.<br />

Desenho, Outros.<br />

Lá Fora<br />

De Manuela Marques, Francisco da<br />

Mata, Gerald Petit, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Avenida Brasília -<br />

Edifício Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 15/03.<br />

3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Pintura, Desenho, Fotografia,<br />

Instalação, Escultura, Ví<strong>de</strong>o.<br />

A Analogia do Olho<br />

De JCJ Van<strong>de</strong>rhey<strong>de</strong>n.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 10/05. 2ª a 6ª das 11h às<br />

19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30). Bilhetes: 2€.<br />

Pintura, Fotografia.<br />

Jochen<br />

Lempert<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua<br />

Arco do Cego - Edifício<br />

da CGD. Tel.:<br />

217905155. Até 10/05.<br />

2ª a 6ª das 11h às 19h<br />

(última admissão às<br />

18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h às 20h<br />

(última admissão às<br />

19h30). Bilhetes: 2€.<br />

Fotografia.<br />

A Evolução <strong>de</strong> Darwin<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 24/05.<br />

3ª a Dom. das 10h às 18h. Bilhetes: 4€; 2€ (Cartão<br />

Jovem, -25, +65); Grátis (-12, Domingo). Inaugura<br />

12/2 às 19h.<br />

Ciência, Outros.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 41


Concertos<br />

Espaço<br />

Público<br />

É francês, <strong>de</strong>dica-se à<br />

divulgação da música<br />

sem artifícios e é, para<br />

mim, um dos melhores<br />

blogs/sites musicais <strong>de</strong><br />

todo o planeta. Entre<br />

artigos <strong>de</strong> opinião, visitas<br />

improvisadas a “backstages”,<br />

entrevistas<br />

Pop<br />

Eles querem<br />

espalhar<br />

magia<br />

Estamos a aproximar-<strong>no</strong>s<br />

da Primavera e não há razão<br />

para que a magia não resulte.<br />

Mário Lopes<br />

I’m From Barcelona + Rui Vargas<br />

& Zé Salvador + Tiago + DJ Al<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />

Armazém A. Sáb., 28, às 22h30. Tel.: 218820890.<br />

22€.<br />

Todos se lembram da canção: uns<br />

coros bem metidos, uma melodia<br />

escandalosamente cantarolável e a<br />

bizarria <strong>de</strong> ter vinte e tal suecos a<br />

cantar que éramos todos <strong>de</strong><br />

Barcelona. Foi um romance <strong>de</strong> Verão<br />

adolescente, bem vivido e<br />

rapidamente esquecido ali <strong>no</strong> A<strong>no</strong><br />

da Graça <strong>de</strong> 2007.<br />

E o que eram eles: pop comunal e<br />

pop <strong>de</strong>senho animado, <strong>de</strong>vidamente<br />

colorida e graciosamente exposta<br />

em telediscos que piscavam o olho<br />

ao “Playtime” <strong>de</strong> Tati ou que se<br />

prestavam a um karaoke <strong>de</strong> festa<br />

caseira. Acontece que o romance <strong>de</strong><br />

Verão não se apagou para sempre da<br />

memória. Os I’m From Barcelona<br />

estiveram <strong>de</strong>pois <strong>no</strong> Sudoeste,<br />

trouxeram pelo me<strong>no</strong>s dois terços<br />

da banda - ou seja, uns vinte músicos<br />

e dançari<strong>no</strong>s e o que quer que seja -,<br />

e fizeram a festa. E, agora, sabemos<br />

que não acabaram por ali. “Who<br />

Killed Harry Houdini?”, segundo<br />

álbum que cita um dos fascínios do<br />

lí<strong>de</strong>r da banda, mágico amador,<br />

chegou em Outubro para mostrar<br />

que, na cabeça do fundador<br />

Emanuel Lundgren, nada mudou:<br />

“In my heart, I’m still a kid”, canta<br />

ele algures e não podia ser <strong>de</strong> outra<br />

maneira. “Why do we care / Britney<br />

wants to shave its head?”, cantava<br />

ele <strong>no</strong>utro algures, entre coros <strong>de</strong><br />

mil vozes e guitarrinhas indie a<br />

forrar o conjunto, e comprovava-se<br />

que os I’m From Barcelona são<br />

comunida<strong>de</strong> que brinca com<br />

símbolos pop para falar daquilo que<br />

I’m From Barcelona são comunida<strong>de</strong> que brinca com símbolos<br />

pop para falar daquilo que a pop sempre falou: o coração magoado<br />

inteligentes e toneladas<br />

<strong>de</strong> discos, muitas são as<br />

razões para fazerem <strong>de</strong><br />

La Blogotheque um local<br />

<strong>de</strong> peregrinação diária.<br />

É também aqui que vão<br />

encontrar os entusiasmantes<br />

“Concerts a emporter”,<br />

na sua maior parte<br />

a pop sempre falou: o coração<br />

magoado, a inadaptação ao mundo<br />

em volta, a beleza que é a vida e a<br />

tristeza que é a vida (a mesma).<br />

Ao vivo, como se sabe, a tristeza sai<br />

<strong>de</strong> cena e só há lugar para festa e<br />

fanfarra. Os I’m From Barcelona vêm<br />

ao Lux apresentar o segundo álbum,<br />

<strong>de</strong> circulação bem mais discreta que<br />

o primeiro, e lá teremos <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

pessoas em palco a cantar as suas<br />

melodias tão simples quanto épicas<br />

<strong>de</strong> vozes em unísso<strong>no</strong>. Os suecos só<br />

querem espalhar magia: essa que<br />

suscita tão parvos quanto inexplicáveis<br />

sorrisos em quem dança porque<br />

tudo aquilo é feliz e bonito e não há<br />

como não gostar <strong>de</strong>les. Estamos a<br />

aproximar-<strong>no</strong>s da Primavera e, em<br />

princípio, não há razão para que a<br />

magia não resulte. M.L.<br />

Clássica<br />

A França e o<br />

Oriente pelo<br />

Ensemble<br />

Intercontemporain<br />

Um dos agrupamentos<br />

míticos na interpretação<br />

da <strong>no</strong>va música.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Ensemble Intercontemporain<br />

Maestro: François-Xavier Roth.<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. 6ª, 27, às 21h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Na Sala Suggia.<br />

Ensemble Intercontemporain<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Sáb., 28, dom., 1, às 19h00.<br />

Tel.: 217823700. 15€.<br />

O Ensemble Intercontemporain é<br />

uma das referências máximas na<br />

interpretação da música<br />

contemporânea, tendo igualmente<br />

papel activo na criação graças à sua<br />

relação privilegiada com o Institut<br />

<strong>de</strong> Recherche et Coordination<br />

Acoustique Musique (IRCAM),<br />

sediado em Paris. Criado em 1976<br />

por Pierre Boulez, o seu repertório<br />

inclui quase dois mil títulos,<br />

incluindo a estreia <strong>de</strong> numerosas<br />

obras compostas em função do<br />

grupo, bem como clássicos das<br />

primeira meta<strong>de</strong> do século XX. Os<br />

seus 31 instrumentistas são solistas<br />

consumados que optaram por dar<br />

primazia à música <strong>de</strong> conjunto, mas<br />

que <strong>de</strong>senvolvem também carreiras<br />

paralelas como virtuoses do seu<br />

respectivo instrumento.<br />

De regresso a Portugal, o<br />

Ensemble Intercontemporain<br />

apresenta-se hoje, às 21h, na Casa da<br />

Música, e <strong>no</strong> sábado e <strong>no</strong> domingo<br />

na Gulbenkian, sob a direcção <strong>de</strong><br />

François-Xavier Roth, um dos mais<br />

carismáticos maestros da <strong>no</strong>va<br />

filmados pelo inevitável<br />

Vincent Moon, que mostram<br />

as bandas/artistas<br />

num estado <strong>de</strong> pura graça,<br />

<strong>de</strong>spojados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

artimanhas tec<strong>no</strong>lógicas<br />

ou manipulações <strong>de</strong><br />

estúdio. Para <strong>de</strong>scobrir<br />

em www.blogotheque.<br />

geração. Com créditos firmados <strong>no</strong><br />

âmbito da música contemporânea,<br />

Roth <strong>de</strong>dica-se também a outros<br />

repertórios, que se esten<strong>de</strong>m do<br />

barroco à actualida<strong>de</strong>. Um exemplo<br />

<strong>de</strong>ssa versatilida<strong>de</strong> é a orquestra Les<br />

Siècles, que criou em 2003<br />

<strong>de</strong>stinada a interpretar obras dos<br />

diversos períodos da história da<br />

música. Foi com esta formação que<br />

se apresentou em <strong>Lisboa</strong> na Festa da<br />

Música (em 2006) num empolgante<br />

programa <strong>de</strong>dicado a Rameau.<br />

A actuação do Ensemble<br />

Intercontemporain <strong>no</strong> Porto inserese<br />

na retrospectiva alargada da<br />

produção <strong>de</strong> Jonathan Harvey<br />

promovida pela Casa da Música. O<br />

programa integra uma das obras<br />

mais importantes do britânico<br />

(“Bahkti”), estreada precisamente<br />

por este agrupamento em 1982, em<br />

Paris. Trata-se <strong>de</strong> uma peça<br />

po<strong>de</strong>rosa que faz referência directa<br />

à espiritualida<strong>de</strong> hindu (em<br />

sânscrito “Bahkti” significa <strong>de</strong>voção<br />

a um <strong>de</strong>us em busca <strong>de</strong> caminho<br />

para a salvação). Será também<br />

possível ouvir “Streets”, do francês<br />

Bru<strong>no</strong> Mantovani (on<strong>de</strong> se faz alusão<br />

às agitadas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque) e<br />

“Fantasie Mécanique”, da<br />

compositora sul-coreana Unsuk<br />

Chin.<br />

Estas partituras serão também<br />

interpretadas em <strong>Lisboa</strong> <strong>no</strong> âmbito<br />

<strong>de</strong> dois concertos com linhas<br />

temáticas <strong>de</strong>finidas. O primeiro<br />

intitula-se “Nova Música Francesa” e<br />

além da obra <strong>de</strong> Mantovani dará a<br />

ouvir “Fragments pour un portrait”,<br />

<strong>de</strong> Philippe Ma<strong>no</strong>ury, e “Eclipse”, <strong>de</strong><br />

Yan Maresz. O segundo (<strong>no</strong> dia 1)<br />

<strong>de</strong>signa-se “Em busca do Oriente” e<br />

inclui as já citadas obras <strong>de</strong> Unsuk<br />

Chin e Jonathan Harvey, em<br />

conjunto com “L’Éthique <strong>de</strong> la<br />

Lumière”, do jorda<strong>no</strong> Saed Haddah.<br />

Ambos serão precedidos por<br />

comentários introdutórios (às 18h,<br />

<strong>no</strong> Auditório 3), da responsabilida<strong>de</strong><br />

dos compositores Sérgio Azevedo e<br />

Pedro Amaral, respectivamente.<br />

Sons <strong>de</strong> câmara<br />

<strong>de</strong> Jerusalém<br />

Jerusalem Chamber Music<br />

Festival<br />

Com Elena Bashkirova (pia<strong>no</strong>), Guy<br />

Braunstein (violi<strong>no</strong>), Amichal Grosz<br />

(viola), Kyril Zlotnikov (violoncelo),<br />

Karheinz Steffens (clarinete).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª e 3ª às 19h00. Tel.:<br />

217823700. 10€ a 20€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />

Schumann, Hin<strong>de</strong>mith e Kurtág (dia<br />

2) e Stravinsky, Mozart, Berg e<br />

Beethoven (dia 3).<br />

Elena Bashkirova, a criadora<br />

do Festival <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Jerusalém<br />

Criado em 1998 pela pianista russa<br />

Elena Bashkirova, o Festival <strong>de</strong><br />

Música <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Jerusalém junta<br />

anualmente jovens instrumentistas<br />

<strong>de</strong> todo o mundo para interpretar<br />

repertório pouco ouvido nas<br />

temporadas tradicionais. A<br />

programação obe<strong>de</strong>ce a temáticas<br />

específicas - por exemplo<br />

“Despedidas <strong>de</strong> Século” (ciclos<br />

baseados em obras dos finais dos<br />

séculos XVIII, XIX e XX),<br />

“Transcrições e Transformações” ou<br />

“Compositores da Europa Oriental” -<br />

e dá primazia a formações<br />

instrumentais diversificadas, que<br />

nem sempre encaixam <strong>no</strong>s mo<strong>de</strong>los<br />

convencionais. Após o encerramento<br />

<strong>de</strong> cada edição, os participantes<br />

efectuam digressões internacionais<br />

on<strong>de</strong> interpretam alguns dos<br />

programas criados para o festival. É<br />

neste contexto que se apresentam na<br />

Gulbenkian <strong>no</strong>s dias 2 e 3 com um<br />

efectivo constituído por pia<strong>no</strong>,<br />

violi<strong>no</strong>, viola, violoncelo e clarinete.<br />

Combinados <strong>de</strong> diferentes maneiras,<br />

estes instrumentos permitem<br />

percorrer um programa eclético que<br />

se esten<strong>de</strong> do classicismo vienense ao<br />

século XX. No primeiro concerto<br />

serão tocadas as Seis Peças em<br />

Câ<strong>no</strong>ne op. 56 e o Quarteto com<br />

pia<strong>no</strong> op. 47, <strong>de</strong> Schumann; o<br />

Quarteto para pia<strong>no</strong>, clarinete,<br />

violi<strong>no</strong> e violoncelo, <strong>de</strong> Hin<strong>de</strong>mith; e<br />

“Hommage a Robert Schumann”,<br />

para clarinete, viola e pia<strong>no</strong>, <strong>de</strong><br />

Kurtág. No segundo concerto po<strong>de</strong>rá<br />

ouvir-se a pequena suite para violi<strong>no</strong>,<br />

clarinete e pia<strong>no</strong> da “História do<br />

Soldado” <strong>de</strong> Stravinsky; o Quarteto<br />

para pia<strong>no</strong> e cordas K. 493 <strong>de</strong> Mozart;<br />

o “Adagio” para violi<strong>no</strong>, clarinete e<br />

pia<strong>no</strong>, <strong>de</strong> Berg; e o Trio para pia<strong>no</strong>,<br />

clarinete e violoncelo em Mi bemol<br />

maior, <strong>de</strong> Beethoven. C.F.<br />

Jazz<br />

Trombone apontado<br />

às estrelas<br />

Gianluca Petrella Indigo Quartet<br />

Com Gianluca Petrella (trombone),<br />

Francesco Bearzatti (saxofone),<br />

Paoli<strong>no</strong> dalla Porta (contrabaixo),<br />

Fabio Accardi (bateria).<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Praça<br />

da Republica, 39. Sáb., 28, às 21h30. Tel.:<br />

245307498. 10€. Passe Festival: 30€. Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD, dom., 1, às 21h30. Tel.: 217905155. 15€. -30<br />

a<strong>no</strong>s: 5€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />

No domingo terá lugar o concerto <strong>de</strong><br />

apresentação <strong>de</strong> “Kaleido”, o <strong>no</strong>vo<br />

registo <strong>de</strong> Gianluca Petrella Indigo 4,<br />

agrupamento li<strong>de</strong>rado pela mais<br />

jovem estrela do jazz europeu, o<br />

trombonista Gianluca Petrella.<br />

Aclamado pelo público e pela crítica<br />

internacionais como um dos mais<br />

imaginativos e talentosos músicos da<br />

<strong>no</strong>va geração, Gianluca Petrella, 33<br />

a<strong>no</strong>s, que vem apresentar o <strong>no</strong>vo<br />

registo, “Kaleido”, colaborou já com<br />

músicos da estatura <strong>de</strong> Enrico Rava,<br />

Steve Swallow, Greg Osby, Carla Bley,<br />

42 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Bunnyranch <strong>no</strong> Porto e em Aveiro Rodrigo Leão e Cinema Ensemble em digressão John Zorn hoje em Portalegre<br />

DANIEL ROCHA<br />

Steve Coleman, Lester Bowie, Pat<br />

Metheney, John Abercrombie, ou<br />

Gianluca Trovesi, entre muitos<br />

outros, tendo ainda recebido<br />

distinções <strong>de</strong> relevo pelas<br />

prestigiadas revistas “Jazzman” e<br />

“Downbeat”. Apesar <strong>de</strong> não ser<br />

propriamente um i<strong>no</strong>vador, concilia<br />

<strong>de</strong> forma interessante o lado mais<br />

tradicional do jazz com elementos<br />

retirados do rock, música<br />

electrónica ou mesmo da música<br />

tradicional italiana. Acima <strong>de</strong> tudo,<br />

trata-se <strong>de</strong> um instrumentista e<br />

improvisador <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto,<br />

com uma linguagem forte e incisiva<br />

que transforma cada um dos seus<br />

espectáculos numa celebração da<br />

vitalida<strong>de</strong> do <strong>no</strong>vo jazz europeu.<br />

Rodrigo Amado<br />

Gianluca Petrella, a mais<br />

jovem estrela do jazz europeu<br />

Un<strong>de</strong>r-Un<strong>de</strong>rground<br />

Alan Silva / Burton Greene<br />

Com Alan Silva (contrabaixo,<br />

sintetizadores) e Burton Greene<br />

(pia<strong>no</strong>, sintetizadores)<br />

3 <strong>de</strong> Março, Auditório Fundação Cuperti<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

Miranda, Famalicão - 21h30 - 5 Euros<br />

4 <strong>de</strong> Março, Club Setubalense, Setúbal - 22h00<br />

- 4 Euros<br />

5 <strong>de</strong> Março, ZDB, <strong>Lisboa</strong> - 23h00 - 8 Euros<br />

Alan Silva e Burton Greene possuem<br />

um historial <strong>de</strong> realizações musicais<br />

- associado a uma inconstante<br />

presença <strong>no</strong>s palcos internacionais -<br />

que <strong>no</strong>s permite classificar esta<br />

visita ao <strong>no</strong>sso país como um<br />

acontecimento. Em três concertos<br />

que se realizarão nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Alan Silva<br />

Setúbal, Famalicão e <strong>Lisboa</strong>, os dois<br />

irão libertar em palco algum do<br />

génio, loucura e magia que fizeram<br />

<strong>de</strong>les duas das mais importantes<br />

figuras do “un<strong>de</strong>rground” jazz <strong>no</strong>vaiorqui<strong>no</strong><br />

dos a<strong>no</strong>s 60.<br />

Particularmente interessante é o<br />

facto <strong>de</strong> que ambos formaram, em<br />

1963, o Free Form Improvisation<br />

Ensemble, colectivo visionário<br />

<strong>de</strong>dicado à exploração dos <strong>no</strong>vos<br />

caminhos da improvisação livre e da<br />

composição em tempo real, tendo<br />

<strong>de</strong>senvolvido carreiras que se<br />

esten<strong>de</strong>m por cinco décadas <strong>de</strong><br />

i<strong>no</strong>vação musical. Alan Silva tocou<br />

com Cecil Taylor, Sun Ra, Albert<br />

Ayler, Archie Shepp, Bill Dixon ou<br />

Andrew Hill, entre muitos outros, e<br />

Burton Greene com Sam Rivers,<br />

Gato Barbieri e Marion Brown, tendo<br />

recentemente gravado para a editora<br />

Tzadik <strong>de</strong> John Zorn. Ligações que<br />

irão convergir em três espectáculos<br />

que se adivinham memoráveis.<br />

Rodrigo Amado<br />

Agenda<br />

Sexta 27<br />

Maria Bethânia<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />

96. 6ª e Sáb. às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.:<br />

213240580. 30€ a 65€. Camarotes: 150€ a 270€.<br />

Tara Perdida<br />

Porto. Cinema Batalha. Praça da Batalha, 47, às<br />

22h00. Tel.: 222011913. 15€.<br />

Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />

Tomar. Cine-Teatro Paraíso. Rua da Infantaria, 15 -<br />

Edifício Teatro, às 21h30. Tel.: 249329190. 12€ a 15€.<br />

John Zorn + Cyro Baptista<br />

+ Ttukunak<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />

Portalegre. Praça da Republica, 39, às 21h30. Tel.:<br />

245307498. 10€. Passe Festival: 30€. No Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />

Rodrigo Amado Motion Trio<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />

Portalegre. Praça da Republica, 39, às 23h30. Tel.:<br />

245307498. 3€. Passe Festival: 30€. Café-concerto.<br />

Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong><br />

Portalegre. M/4.<br />

The Profilers<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes. Pq. <strong>de</strong><br />

Sinçães. 6ª às 22h00. Tel.: 252371297. 5€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Swing”. M/3.<br />

Celina Pereira + Dany Silva<br />

Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />

Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.: 219107110.<br />

10€ a 15€. Descontos para -18 e +65 a<strong>no</strong>s.<br />

No Auditório Jorge Sampaio.<br />

Mornas. M/6.<br />

Honeyboy Hickling<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda. Rua<br />

Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.<br />

No Peque<strong>no</strong> Auditório. InBlues -<br />

Festival <strong>de</strong> Blues da Guarda 2009.<br />

M/4.<br />

Rose Blanket<br />

Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque, às<br />

21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Our Early<br />

Balloons”.<br />

Dimitri From Paris<br />

Estoril. Casi<strong>no</strong> Estoril. Pç. José Teodoro dos Santos,<br />

às 00h00. Tel.: 214667700. 10€ (oferta <strong>de</strong> 2 bebidas).<br />

No Salão Preto e Prata.<br />

Bossa Nossa<br />

Coimbra. Fnac (Fórum Coimbra). Quinta <strong>de</strong> São<br />

Gemil, às 22h00. Tel.: 707313435. Entrada livre.<br />

Joana Costa<br />

Maia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira da<br />

Silva, 779, às 23h00. Tel.: 229829425. 5€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Recado”.<br />

Sete Lágrimas<br />

Almada. Fnac (Almada Fórum). Caminho <strong>Municipal</strong><br />

1101 - Vale <strong>de</strong> Mourelos. 6ª às 21h30. Tel.: 707313435.<br />

Entrada livre.<br />

Bunnyranch<br />

Porto. Porto-Rio. Rua do Ouro - Barco Gandufe, às<br />

00h00. Tel.: 917871912.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “...How To Wait”.<br />

Sábado 28<br />

Joana Costa na Maia<br />

The Datsuns<br />

<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />

Santiago, 19, às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.:<br />

218884503. 18€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Head Stunts”.<br />

Deus.Pátria.Revolução<br />

De Luísa Costa Gomes, Luís<br />

Bragança Gil. Ce<strong>no</strong>grafia: João<br />

Men<strong>de</strong>s Ribeiro, Luísa<br />

Bebia<strong>no</strong> Correia.<br />

Direcção Musical:<br />

Luís Bragança Gil.<br />

Com Alexandra<br />

Moura (sopra<strong>no</strong>),<br />

Inês Ma<strong>de</strong>ira (mezzosopra<strong>no</strong>),<br />

Fernando Guimarães<br />

(te<strong>no</strong>r), Rui Baeta (baríto<strong>no</strong>). Com<br />

Sérgio Fontão (assistente musical),<br />

Nicholas McNair (assistente<br />

musical), Didier Chazeau (assistente<br />

cénico e coreográfico), Coro Voces<br />

Caelestes. Com Orquestra<br />

Aldrabófona. Encenação: João<br />

Men<strong>de</strong>s Ribeiro, Luísa Bebia<strong>no</strong><br />

Correia.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do Império.<br />

2ª e Sáb. às 21h00.Dom. às 17h00. Tel.: 213612400.<br />

12,5€ a 15€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />

No Peque<strong>no</strong> Auditório. Teatro<br />

musical. M/12.<br />

Ver texto págs. 20 e 21<br />

Hakan Har<strong>de</strong>nberger e Orquestra<br />

Nacional do Porto<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 18h00. Tel.: 220120220. 16€. Jantarconcerto:<br />

30€.<br />

Na Sala Suggia. Obras <strong>de</strong> Brahms,<br />

Martinsson e Chostakovitch.<br />

Sherman Robertson<br />

Seia. Casa <strong>Municipal</strong> da Cultura <strong>de</strong> Seia. Avenida<br />

Luís Vaz <strong>de</strong> Camões, às 21h45. Tel.: 238310251. 3€.<br />

Passe Festival: 10€. Desconto com Cartão M.<br />

Juventu<strong>de</strong> e Idoso.<br />

Space Ensemble<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />

Portalegre. Praça da Republica, 39, às 23h30.<br />

Tel.: 245307498. 3€. Passe Festival: 30€.<br />

Café-concerto. Spy<br />

Quintet. Portalegre<br />

JazzFest - 7.º<br />

Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Jazz<br />

<strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />

Rodrigo Leão<br />

& Cinema Ensemble<br />

Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes.<br />

Jardim dos Centenários, às 22h30. Tel.: 258520520.<br />

13€. No auditório.<br />

António Pinho Vargas<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes <strong>de</strong> Vila Nova<br />

<strong>de</strong> Famalicão. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 22h00. Tel.:<br />

252371297. 8€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/3.<br />

Rita Redshoes<br />

Pare<strong>de</strong>s. Casa da Cultura <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>s. Av. República,<br />

176, às 21h30. Tel.: 255780440. 1€.<br />

Baile dos Vampiros 2009<br />

Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira,<br />

108, às 23h59. Tel.: 222003595.15€.<br />

Com Clã, DJ Kitten, DJ Nacho e DJ Luís<br />

Machado. Fantasporto 2009 - Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Cinema do Porto.<br />

Camané<br />

Seixal. Fórum Cultural do Seixal. Qta. dos Franceses,<br />

às 21h30. Tel.: 212226411.10€.<br />

No Auditório <strong>Municipal</strong>. Apresentação<br />

<strong>de</strong> “Sempre <strong>de</strong> Mim”. M/6.<br />

Segunda 2<br />

Simone & Zélia Duncan<br />

Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos. R.<br />

Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.: 233407200. 35€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Apresentação<br />

<strong>de</strong> “Amigo é Casa”. M/6.<br />

Ver texto pág. 16<br />

Terça 3<br />

Simone & Zélia Duncan<br />

Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às<br />

21h30. Tel.: 223394947. 18€ a 52€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Amigo é Casa”. M/6.<br />

Rodrigo Leão<br />

& Cinema Ensemble<br />

O<strong>de</strong>mira. Cine-Teatro Camacho Costa. Praçeta<br />

Sousa Prado, 4, às 21h30. Tel.: 283320880.<br />

Quarta 4<br />

Bunnyranch<br />

Aveiro. Teatro Aveirense. Pç. República, às 22h00.<br />

Tel.: 234400922. 4€.<br />

Na Sala Estúdio. Apresentação <strong>de</strong><br />

“...How To Wait”.<br />

Rodrigo Leão & Cinema<br />

Ensemble<br />

Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />

António <strong>de</strong> Aguiar, às 21h30. Tel.: 266703112. 15€ a<br />

25€.<br />

Quinta 5<br />

Dual I<strong>de</strong>ntity<br />

Com Steve Lehman (saxofone),<br />

Rudresh Mahnathappa (saxofone),<br />

Liberty Ellman (guitarra), Matt<br />

Brewer (contrabaixo), Damion<br />

Reid (bateria).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />

No Peque<strong>no</strong> Auditório. Ciclo Isto É<br />

Jazz? M/12.<br />

Alisa Weilerstein<br />

e Orquestra Gulbenkian<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 21h00. 6ª às 19h00.<br />

Tel.: 217823700. 10€ a 20€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />

Wagner e Walton.<br />

André Fernan<strong>de</strong>s Quarteto<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às<br />

22h00. Tel.: 253203800. 10€ (dia). Passe Festival:<br />

40€.<br />

Na Sala Principal. BragaJazz 2009.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Imaginário”.<br />

Rodrigo Leão<br />

& Cinema Ensemble<br />

Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />

5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 10€ a 20€<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 43


Discos<br />

Pop<br />

Os U2 pelos U2, um par <strong>de</strong> belos singles<br />

Os U2 explicados<br />

pelos<br />

próprios<br />

Compêndio <strong>de</strong> carreira<br />

<strong>de</strong>vidamente vitaminado por<br />

uma louvável dose <strong>de</strong> autoconfiança.<br />

Mário Lopes<br />

U2<br />

No Line On The Horizon<br />

Island; distri. Universal Music<br />

mmmnn<br />

Os U2 po<strong>de</strong>m viajar<br />

até Fez, anunciar<br />

uma mudança<br />

so<strong>no</strong>ra que<br />

implicará transe<br />

africa<strong>no</strong>, prometer<br />

mil surpresas e reconversões que,<br />

chegados a este ponto (três décadas<br />

<strong>de</strong> carreira e estatuto <strong>de</strong> maior<br />

banda do mundo), a certeza é uma e<br />

apenas uma: po<strong>de</strong>mos tirar os U2 do<br />

seu habitat, mas os U2 nunca<br />

abandonam os U2.<br />

Quer isto dizer que “No Line On<br />

The Horizon”, 12º álbum e aquele que<br />

põe fim ao maior hiato entre edições<br />

da banda irlan<strong>de</strong>sa, não é a surpresa<br />

que os autores <strong>de</strong> “Boy” anunciavam.<br />

Isso será problemático quando<br />

confrontado com a “bouta<strong>de</strong>” recente<br />

<strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>: “Se este não for o <strong>no</strong>sso<br />

melhor álbum, então somos<br />

irrelevantes.” Se o amigo põe as coisas<br />

nesses termos, vemo-<strong>no</strong>s obrigados a<br />

assinar o seu atestado <strong>de</strong> irrelevância,<br />

o que é injusto, tendo em conta o seu<br />

peso <strong>no</strong> pa<strong>no</strong>rama musical da<br />

actualida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>veras aborrecido,<br />

consi<strong>de</strong>rando o mediatismo que<br />

envolve toda e qualquer activida<strong>de</strong><br />

relacionada com a sua banda.<br />

Porém, ig<strong>no</strong>rando as altas<br />

ANTON CORBIJN<br />

expectativas <strong>de</strong>positadas pelos<br />

próprios em “No Line On The<br />

Horizon”, a inexistência <strong>de</strong> uma<br />

metamorfose ao nível <strong>de</strong> “Achtung<br />

Baby” não é propriamente uma<br />

<strong>de</strong>silusão. O <strong>no</strong>vo álbum dos U2 é um<br />

compêndio <strong>de</strong> carreira <strong>de</strong>vidamente<br />

vitaminado por uma louvável dose <strong>de</strong><br />

auto-confiança.<br />

Temos, portanto, a produção <strong>de</strong><br />

Brian E<strong>no</strong> e Daniel La<strong>no</strong>is a empregar<br />

um tom etéreo, orgânico-digital, ao<br />

entorpecente tema-título - os<br />

sintetizadores, um groove<br />

serpenteante e Bo<strong>no</strong> a ce<strong>de</strong>r, como<br />

habitualmente, aos “oh oh oh” que<br />

põem estádios em ebulição. Temos a<br />

abordagem soul <strong>de</strong> “Moment of<br />

surren<strong>de</strong>r”, canção <strong>no</strong>cturna, canção<br />

<strong>de</strong> solidão na metrópole, com sons<br />

borbulhantes como pa<strong>no</strong> <strong>de</strong> fundo e<br />

um solo guitarra Floydia<strong>no</strong> a acentuar<br />

a serenida<strong>de</strong> épica dos sete minutos<br />

<strong>de</strong> música. Temos um riff pedido<br />

emprestado aos Led Zeppelin a<br />

originar a auto-sátira <strong>de</strong> “Stand up<br />

comedy” e o muito dançante<br />

hedonismo do primeiro single “Get on<br />

your boots” - ligação directa a<br />

“Achtung baby” e espaço para os U2<br />

flirtarem com a luxúria: “I don’t want<br />

to talk about wars between nation /<br />

Not right <strong>no</strong>w / Hey sexy boots.”<br />

Entre os U2 em piloto automático<br />

(conferir a festa para yuppie <strong>de</strong>lirar<br />

<strong>de</strong> “I’ll go crazy if I don’t go crazy<br />

tonight”), os U2 da guitarra<br />

reverberante <strong>de</strong> Edge (“Unk<strong>no</strong>w<br />

caller” tem força congregadora e é<br />

bem vinda canção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

vintage) e os U2 enquanto pais <strong>de</strong><br />

Killers e afins (tudo explicado pelo<br />

músculo rock, perfeição asséptica,<br />

<strong>de</strong> “Breathe”), “No Line On The<br />

Horizon” tem um pouco <strong>de</strong> tudo o<br />

que fez a história da banda. Tem o<br />

jogo entre o conservadorismo rock e<br />

o experimentalismo da produção; o<br />

tom confessional, eternamente<br />

optimista, e o abrir as goelas ao<br />

mundo para todo o mundo ouvir (e<br />

replicar); o tom ambiental <strong>de</strong><br />

“Unforgettable Fire”, a Americana<br />

polida <strong>de</strong> “Joshua Tree” e a tentação<br />

épica que se tor<strong>no</strong>u componente<br />

essencial do código genético da<br />

banda.<br />

Resumindo: “No Line On The<br />

Horizon” são os U2 pelos U2. Tem um<br />

par <strong>de</strong> bons singles, como eles sempre<br />

tiveram, e os tiques que já se tornaram<br />

cliché. Os fãs entusiasmam-se e<br />

acrescentam um volume à discografia,<br />

os restantes assobiam para o lado e<br />

seguem com a sua vidinha.<br />

Chango Spasiuk<br />

Pynandí<br />

World Village, distri. Harmonia<br />

Mundi<br />

mmmmn<br />

Chango<br />

Spasiuk, um dos<br />

<strong>no</strong>mes maiores<br />

da música<br />

lati<strong>no</strong>-americana<br />

O chamamé é o som<br />

do <strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste remoto<br />

da Argentina, na<br />

fronteira com o<br />

Brasil. Uma música<br />

centrada na polka e<br />

<strong>no</strong> acor<strong>de</strong>ão, o “pia<strong>no</strong> dos pobres”<br />

trazido pelos emigrantes europeus<br />

que assentaram na região ao longo do<br />

século XIX. Mas é também uma<br />

Simone e Zélia Duncan, tributo à música e à amiza<strong>de</strong><br />

música mestiça, que foi ganhando<br />

<strong>no</strong>vas colorações <strong>no</strong> convívio com as<br />

percussões dos escravos africa<strong>no</strong>s e as<br />

tradições musicais dos indígenas<br />

Guaraní. Nunca <strong>de</strong>ixou, porém, <strong>de</strong> ser<br />

uma música <strong>de</strong> camponeses, ig<strong>no</strong>rada<br />

ou <strong>de</strong>squalificada pelas elites culturais<br />

<strong>de</strong> Bue<strong>no</strong>s Aires.<br />

Chango Spasiuk assume esse legado<br />

musical e as causas das comunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> que proce<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo<br />

indica o título do <strong>no</strong>vo álbum: chamase<br />

“Pynandí”, o que em Guarani<br />

significa pés <strong>de</strong>scalços e por extensão<br />

<strong>de</strong>signa os camponeses que vivem <strong>no</strong><br />

limiar da pobreza. Mas se a música<br />

que produz se enraíza nessa música<br />

rural, a sua aproximação <strong>de</strong><strong>no</strong>ta uma<br />

complexida<strong>de</strong> e requinte totalmente à<br />

margem das suas tradições.<br />

Salvaguardadas as <strong>de</strong>vidas<br />

distâncias, Chango Spasiuk está para o<br />

chamamé como Astor Piazzola para o<br />

tango. Ou seja, é o artista que marca o<br />

ponto <strong>de</strong> viragem, que revoluciona<br />

um som popular e marginal,<br />

elevando-o à dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> música <strong>de</strong><br />

concerto. É essa via <strong>de</strong><br />

experimentação que o acor<strong>de</strong>onista<br />

escolheu e que agora, aos 40 a<strong>no</strong>s,<br />

atinge a plena maturida<strong>de</strong>, num disco<br />

na maior parte instrumental, que<br />

ensaia subtilmente a aproximação à<br />

música <strong>de</strong> câmara. Instrumentos da<br />

tradição clássica oci<strong>de</strong>ntal, como o<br />

violi<strong>no</strong> e o violoncelo, inclusive um<br />

violi<strong>no</strong> barroco, cruzam-se com tamtams<br />

africa<strong>no</strong>s, docemente<br />

tamborilados em caixas <strong>de</strong> percussão,<br />

sustentando um acor<strong>de</strong>ão que se<br />

<strong>de</strong>sdobra entre melodias populares e<br />

improvisos virtuosos.<br />

É uma música ao mesmo tempo<br />

aérea e telúrica, feita <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong><br />

humores e <strong>de</strong> paisagens, ora<br />

<strong>no</strong>stálgicas e românticas, ora efusivas<br />

e radiosas, mas sempre elegante e<br />

sofisticada. Tem essa aura <strong>de</strong> magia<br />

que se reconhece, por exemplo, <strong>no</strong>s<br />

melhores Daniel La<strong>no</strong>is e Penguin<br />

Cafe Orchestra, certificando Chango<br />

Spasiuk como um dos <strong>no</strong>mes maiores<br />

da música lati<strong>no</strong>-americana da<br />

actualida<strong>de</strong>. Luís Maio<br />

Simone & Zélia Duncan<br />

Amigo é Casa - Ao Vivo<br />

CD ou DVD Biscoito Fi<strong>no</strong>, distri. IPlay<br />

mmmmn<br />

Há duplas que não<br />

resultam ou nada<br />

acrescentam à<br />

simples soma das<br />

partes. Mas a que<br />

juntou as cantoras<br />

brasileiras Simone e Zélia Duncan,<br />

num espectáculo em 2008, é das<br />

mais felizes dos últimos a<strong>no</strong>s. Me<strong>no</strong>s<br />

visceral mas também me<strong>no</strong>s<br />

superficial do que a <strong>de</strong> Seu Jorge com<br />

Ana Carolina (um êxito), esta assenta<br />

na exploração hábil <strong>de</strong> laços e dotes<br />

comuns, do timbre vocal (diferente,<br />

mas incrivelmente harmónico <strong>no</strong>s<br />

unísso<strong>no</strong>s) à partilha do reportório,<br />

muito bem escolhido e igualmente<br />

bem interpretado. Do lírico “Alguém<br />

cantando” (Caeta<strong>no</strong> Veloso) ao<br />

ragtime “Agito e uso” (Ângela Ro Ro),<br />

passando pelo rock “Petúnia resedá”<br />

(Gonzaga Jr.) ou pelo quase rap<br />

The (International) Noise Conspiracy:<br />

fingirem que tudo continua como<br />

dantes, neste contexto, é uma <strong>de</strong>silusão<br />

“Kitnet” (Alzira E/Arruda), Simone e<br />

Zélia empenham-se a fundo num<br />

espectáculo que, <strong>no</strong> CD, chega quase<br />

aos 65 minutos (18 temas) e <strong>no</strong> DVD<br />

ultrapassa hora e meia (26 temas, 98<br />

minutos). Sendo a mesma gravação,<br />

captada ao vivo, a do DVD permite<br />

mergulhar mais profundamente na<br />

essência do espectáculo e perceber<br />

com porme<strong>no</strong>r as subtilezas dos<br />

muitos duetos (até por tirar bom<br />

partido do movimento das câmaras,<br />

o que nem sempre suce<strong>de</strong>). Além<br />

disso, <strong>no</strong> único extra, gravado em<br />

casa <strong>de</strong> Simone, ouve-se a canção<br />

que dá título ao trabalho: “Amigo é<br />

Casa”. Um tributo à música e à<br />

amiza<strong>de</strong>. Nu<strong>no</strong> Pacheco<br />

The (International) Noise<br />

Conspiracy<br />

The Cross Of My Calling<br />

American Recordings; distri. E<strong>de</strong>l<br />

mmmnn<br />

Os The<br />

(International) Noise<br />

Conspiracy foram<br />

das melhores coisas<br />

que este início <strong>de</strong><br />

século XXI <strong>no</strong>s<br />

ofereceu <strong>no</strong> binómio rock’n’roll /<br />

salvação do mundo. Música que servia<br />

o corpo, violentamente sensual, e que<br />

se erguia sobre tradições activistas (<strong>de</strong><br />

esquerda, provi<strong>de</strong>ncialmente).<br />

Basicamente, sexo e revolução:<br />

canções obrigando ao mui cool<br />

menear <strong>de</strong> ancas, enquanto o<br />

vocalista Dennis Lyxzén disparava<br />

panfletos revolucionários portáteis.<br />

Pois agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um confuso<br />

“Armed Love” (álbum negligenciável<br />

<strong>de</strong> 2004), tinham tudo a seu favor: o<br />

capitalismo mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> em cacos,<br />

Fukuyama, corado <strong>de</strong> vergonha, a<br />

fingir que aquela tirada do “fim da<br />

História” foi apenas reflexo <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>slumbramento infantil e o mundo à<br />

procura <strong>de</strong> acertar passo com uma<br />

<strong>no</strong>va era. E que fazem eles? O mesmo<br />

<strong>de</strong> sempre, com duas nuances: abrem<br />

espaço para a revolução individual<br />

(“The assassination of myself”) e<br />

investem na negritu<strong>de</strong> (“The Cross Of<br />

My Calling” é todo o funk possível em<br />

garage-rockers e tem Funka<strong>de</strong>lic e Sly<br />

Stone por todo o lado). Isso até resulta<br />

em coisas magníficas como o refrão<br />

contagiante <strong>de</strong> “Hiroshima mon<br />

amour” ou a bamboleante “I am<br />

dynamite”, que tem congas e órgão<br />

Hammond a trabalhar o “boogie”<br />

como se <strong>de</strong>seja. Com as erupções<br />

44 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Internet<br />

Estamos online. Entre em<br />

www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

con<strong>no</strong>sco.<br />

Nelson Cascais volta a <strong>de</strong>ixar<br />

uma forte marca <strong>no</strong> jazz nacional<br />

RENATO NUNES<br />

ão<br />

eléctricas à The Who, com o “Spanish<br />

bombs” dos Clash inspirando<br />

“Washington bullets”, com sangue<br />

“funk” latejando à superfície, este é<br />

um óptimo álbum <strong>de</strong> rock’n’roll. Sexo<br />

e revolução muito <strong>de</strong> acordo com a<br />

cartilha The (International) Noise<br />

Conspiracy. Acontece que a banda<br />

sueca sempre quis actuar sobre o<br />

presente e estes tempos seriam<br />

perfeitos para o fazerem. Fingirem<br />

que tudo continua como dantes, neste<br />

contexto, é uma <strong>de</strong>silusão. M.L.<br />

Clássica<br />

Erik Satie,<br />

um excêntrico<br />

genial<br />

Alexandre Tharaud revela<br />

os meandros inesgotáveis<br />

da imaginação <strong>de</strong> Erik Satie<br />

num irresistível álbum<br />

duplo. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Erik Satie<br />

Avant-<strong>de</strong>rnières Pensées<br />

Alexandre Tharaud e Éric le Sage<br />

(pia<strong>no</strong>)<br />

Juliette e Jean Delescluse (canto)<br />

Isabelle Faust (violi<strong>no</strong>), David<br />

Guerrier (trompete)<br />

Harmonia Mundi HMC 902017.18 (2 CD)<br />

mmmmm<br />

O recente projecto do pianista<br />

Alexandre Tharaud em tor<strong>no</strong> da<br />

música <strong>de</strong> Erik Satie constitui mais<br />

uma prova das suas infinitas<br />

qualida<strong>de</strong>s musicais<br />

e da sua inteligência<br />

interpretativa e<br />

conceptual. Num<br />

álbum duplo<br />

irresistível oferece<strong>no</strong>s<br />

uma antologia criteriosa da obra<br />

do excêntrico compositor francês que<br />

<strong>no</strong>s permite aferir as múltiplas facetas<br />

<strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong> fora do comum<br />

e cuja imagem musical corrente junto<br />

do gran<strong>de</strong> público se resume às séries<br />

<strong>de</strong> “Gym<strong>no</strong>pédies”, às “G<strong>no</strong>ssienes” e<br />

a alguns (poucos) trechos vocais.<br />

O primeiro CD, <strong>de</strong>dicado ao pia<strong>no</strong><br />

solo, inclui apenas a “Gym<strong>no</strong>pédie”<br />

nº 1 e intercala as seis “G<strong>no</strong>ssiennes”<br />

com outras peças <strong>de</strong> carácter<br />

contrastante - da ligeireza brilhante da<br />

música <strong>de</strong> café concerto expressa em<br />

“Picadilly” e na valsa “Poudre d’Or” às<br />

miniaturas humorísticas como os<br />

“Véritables Prélu<strong>de</strong>s flasques (pour un<br />

chien)” ou os “Embryons <strong>de</strong>sséchés”,<br />

passando pelas “Piéces Froi<strong>de</strong>s” ou<br />

pelos “Avant-<strong>de</strong>rnières Pensées” que<br />

dão <strong>no</strong>me ao disco.<br />

Em cada um <strong>de</strong>stes microcosmos,<br />

cada <strong>no</strong>ta e cada acor<strong>de</strong> são<br />

trabalhados com gran<strong>de</strong> preciosismo<br />

ao nível do peso dinâmico e da cor<br />

so<strong>no</strong>ra sem <strong>de</strong>ixar<br />

per<strong>de</strong>r a flui<strong>de</strong>z do<br />

discurso. Nas mãos<br />

<strong>de</strong> outro<br />

pianista as<br />

Alexandre Tharaud oferece-<strong>no</strong>s<br />

uma antologia criteriosa da obra do<br />

excêntrico compositor francês<br />

“Descriptions Automatiques”<br />

correriam o risco <strong>de</strong> se tornarem<br />

fragmentos sem sentido, mas com<br />

Tharaud a sua dimensão mecânica,<br />

quase seca, ganha uma <strong>no</strong>va luz, que<br />

contrasta com a poesia enigmática das<br />

“G<strong>no</strong>ssienes”. Uma curiosida<strong>de</strong><br />

inédita são as sete peças escritas para<br />

a comédia lírica “Le Piège <strong>de</strong><br />

Méduse”, aqui tocadas pela primeira<br />

vez em pia<strong>no</strong> preparado (através da<br />

colocação <strong>de</strong> peque<strong>no</strong>s pedaços <strong>de</strong><br />

papel nas cordas), <strong>de</strong> acordo com um<br />

relato da época. Frequente-mente<br />

negligenciada pelo ensi<strong>no</strong> académico<br />

do pia<strong>no</strong> pelo facto <strong>de</strong> não exigir um<br />

gran<strong>de</strong> virtuosismo técnico, a música<br />

<strong>de</strong> Satie apenas atinge a sua plenitu<strong>de</strong><br />

através <strong>de</strong> uma combinação <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>s à primeira vista<br />

contraditórias (<strong>de</strong>spojamento, ironia,<br />

irreverência, mistério, introspecção)<br />

que Tharaud encarna com aguda<br />

perspicácia.<br />

O segundo CD (“Duos”) é também<br />

um puro <strong>de</strong>leite, incluindo uma<br />

empolgante parceria com Éric Le Sage<br />

nas peças para pia<strong>no</strong> a quatro mãos<br />

(“La Belle Excentrique”, “Trois<br />

Morceaux en forme <strong>de</strong> poire” e<br />

“Cinéma”, um arranjo <strong>de</strong> Darius<br />

Milhaud da música concebida para<br />

acompanhar o filme <strong>de</strong> René Clair<br />

que serviu <strong>de</strong> interlúdio <strong>no</strong> bailado<br />

“Relâche”). Para as canções <strong>de</strong><br />

cabaret (como a famosa “Diva <strong>de</strong><br />

l’Empire”) foi a<strong>de</strong>quadamente<br />

escolhida uma cantora próxima<br />

<strong>de</strong>sse universo (Juliette) em vez <strong>de</strong><br />

uma intérprete <strong>de</strong> formação<br />

lírica, enquanto o te<strong>no</strong>r<br />

Jean Delescluse <strong>no</strong>s<br />

oferece elegantes e<br />

<strong>de</strong>puradas versões<br />

<strong>de</strong> outras páginas<br />

vocais,<br />

incluindo um<br />

contagiante<br />

“Allons-y<br />

Chochotte!”.<br />

Destacamse<br />

ainda as<br />

participações da<br />

violinista Isabelle Faust<br />

(“Chooses vues a droite et<br />

à gauche - sans lunettes”) e<br />

do trompetista David<br />

Guerrier em mais uma<br />

rarida<strong>de</strong>: “La Statue Retrouvée”.<br />

Jazz<br />

Um quinteto<br />

em estado <strong>de</strong><br />

glória<br />

Nelson Cascais regressa em<br />

força com aquele que é já<br />

um dos gran<strong>de</strong>s discos <strong>de</strong><br />

jazz do a<strong>no</strong>. Paulo Barbosa<br />

Nelson Cascais<br />

Guruka<br />

Toneofapithc; Dist. Dargil<br />

mmmmm<br />

“Guruka” pren<strong>de</strong> a<br />

atenção logo em<br />

“1984”, uma<br />

composição que,<br />

como tantas outras<br />

<strong>de</strong> Nelson Cascais,<br />

apresenta uma força melódica <strong>de</strong><br />

características hínicas, enfatizada<br />

pelo unísso<strong>no</strong> da guitarra <strong>de</strong> André<br />

Fernan<strong>de</strong>s e do sax te<strong>no</strong>r <strong>de</strong> Pedro<br />

Moreira e acrescida do po<strong>de</strong>r<br />

rítmico do rock.<br />

Rejuvenescido e, aparentemente,<br />

em contínua evolução, o saxofonista<br />

Pedro Moreira é responsável por um<br />

solo que quebra por completo com o<br />

que <strong>de</strong> mais previsível possa haver<br />

<strong>no</strong> fraseio típico do jazz,<br />

aproximando-se do omnitonalismo,<br />

quando não mesmo <strong>de</strong> um<br />

pantonalismo ainda mais “ao lado”<br />

do centro tonal do tema, sem que<br />

com isso - e aqui resi<strong>de</strong> o mais difícil<br />

- comprometa a natureza acessível e<br />

quase dançável da composição <strong>de</strong><br />

Cascais. E porque <strong>de</strong>pois da<br />

tempesta<strong>de</strong> se espera a bonança, o<br />

pia<strong>no</strong> eléctrico <strong>de</strong> João Paulo Esteves<br />

da Silva volta a colocar a melodia em<br />

primeiro pla<strong>no</strong>, até uma breve<br />

retoma do tema por todo o grupo,<br />

do qual se ergue a guitarra <strong>de</strong> André<br />

Fernan<strong>de</strong>s para o terceiro <strong>de</strong> uma<br />

série <strong>de</strong> inspirados solos. Após um<br />

segundo regresso ao tema, é a vez <strong>de</strong><br />

brilhar Iago Fernan<strong>de</strong>z, um baterista<br />

a quem o futuro irá seguramente<br />

piscar o olho.<br />

A faixa-título, um unísso<strong>no</strong><br />

repetitivo <strong>de</strong> flauta e guitarra, <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>s quase infantis e<br />

representando o minuto me<strong>no</strong>s<br />

inspirado do disco, é o contexto que<br />

faz arrancar o majestoso contrabaixo<br />

em solo absoluto que introduz <strong>de</strong>pois<br />

“O Centro do Mundo”, faixa que<br />

disputa com “Zulu Baby” o lugar <strong>de</strong><br />

tema central do álbum. O certo é que<br />

ambos ostentam a óbvia assinatura <strong>de</strong><br />

Nelson Cascais e uma impressionante<br />

sequência <strong>de</strong> improvisações.<br />

“Saboteur” é o original <strong>de</strong> Cascais que<br />

mais facilmente po<strong>de</strong>ria provir da<br />

sessão da qual resultou o anterior<br />

“Nine Stories”, sendo <strong>de</strong> especial <strong>no</strong>ta<br />

o portento do contrabaixo do lí<strong>de</strong>r,<br />

em solo ou a acompanhar.<br />

“PC” é uma sentida <strong>de</strong>dicatória <strong>de</strong><br />

Pedro Moreira ao pianista<br />

ma<strong>de</strong>irense Paulo Correia, um<br />

“rubato” on<strong>de</strong> a espiritualida<strong>de</strong><br />

“coltraneana” se mistura com a do<br />

bom Garbarek <strong>de</strong> há 30 a<strong>no</strong>s e com o<br />

sufoco do “Love Theme” <strong>de</strong> “Bla<strong>de</strong><br />

Runner”. Ainda mais comovente será<br />

“Yuliya”, uma autêntica “canção” do<br />

baterista Mathieu Chazarenc, tomada<br />

em trio, com especial enfoque <strong>no</strong><br />

contrabaixo do lí<strong>de</strong>r, mas com<br />

excelentes prestações também do<br />

pianista e do baterista.<br />

Surpreen<strong>de</strong>ntes intervalos melódicos<br />

permitem <strong>de</strong> imediato reconhecer<br />

“Radio Days” como um tema <strong>de</strong><br />

André Fernan<strong>de</strong>s e é exactamente<br />

nessa sua criação que o guitarrista<br />

<strong>no</strong>s oferece um dos seus solos mais<br />

arrebatadores <strong>de</strong> todo o álbum.<br />

O <strong>de</strong>sfecho não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />

melhor forma: com uma comovente<br />

versão <strong>de</strong> “Silence”, <strong>de</strong> Charlie Ha<strong>de</strong>n,<br />

uma balada engenhosamente<br />

sobreposta a uma agitada trama<br />

rítmica, na qual o baterista<br />

quadruplica o tempo, e dominada<br />

pelo contrabaixo <strong>de</strong> um músico que<br />

aqui volta a <strong>de</strong>ixar uma forte marca<br />

<strong>no</strong> jazz nacional.<br />

musica.clix.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 45


DAVID BURNETT/ CONTACT PRESS IMAGES<br />

Quando M<br />

era apenas um tipo,<br />

David Burnett foi fotografar o “reggae” a Kingston mas não sabia quem era B<br />

um livro <strong>de</strong> fotos e a filha e os amigos ainda penduram posters <strong>de</strong> Bob <strong>no</strong><br />

Em 1976, o fotojornalista David Burnett<br />

foi enviado pela revista “Time”<br />

à Jamaica como correspon<strong>de</strong>nte. A<br />

sua missão era escrever um artigo<br />

sobre a música reggae da ilha. A<br />

estrela era Bob Marley, claro. No<br />

entanto, havia um peque<strong>no</strong> problema.<br />

“Tenho <strong>de</strong> confessar que<br />

nunca tinha ouvido falar do Bob até<br />

à semana anterior à viagem”, conta<br />

Burnett. “Um dos investigadores com<br />

quem eu trabalhava disse: ‘Vais fazer<br />

uma peça sobre reggae, por isso precisamos<br />

<strong>de</strong> algo com o Bob Marley.’<br />

Eu respondi: ‘Quem é o Bob Marley?’”<br />

“One love, one heart”... e sem a<br />

mínima i<strong>de</strong>ia!<br />

Burnett ri-se. É especialmente<br />

engraçado agora, tendo em conta que<br />

o fotógrafo e co-fundador da agência<br />

fotográfica Contact Press Images<br />

acaba <strong>de</strong> publicar um livro, “Soul<br />

Rebel: An Intimate Portrait of Bob<br />

Marley”, com correspon<strong>de</strong>nte exposição<br />

que acaba <strong>de</strong> ser inaugurada na<br />

Govinda Gallery <strong>de</strong> Washington.<br />

“Em 1976, a maioria das pessoas<br />

neste país não sabia o que o reggae<br />

era”, diz Burnett. “Sabíamos o que o<br />

calypso [estilo <strong>de</strong> musica afro-caraibea<strong>no</strong>]<br />

era; tínhamos, <strong>de</strong> certa forma,<br />

crescido com ‘The Banana Boat Song/<br />

Day-O’, <strong>de</strong> Harry Belafonte, mesmo<br />

que não soubéssemos o que significava.<br />

Mas era preciso procurar entre<br />

pessoas que enten<strong>de</strong>ssem mesmo <strong>de</strong><br />

música para encontrar alguém que<br />

soubesse realmente o que era o reggae.<br />

Eu não saiba... Mas isto foi antes<br />

<strong>de</strong> <strong>no</strong>s po<strong>de</strong>rmos sentar em frente<br />

do computador e ir ao Google investigar<br />

qualquer assunto.”<br />

Burnett fotografou Marley <strong>de</strong>ntro<br />

e à volta do seu recinto na Hope Road,<br />

em Kingston, Jamaica, e a “Time”<br />

acabou por publicar uma única imagem<br />

do ícone mundial emergente,<br />

uma minúscula fotografia a preto-ebranco.<br />

Mas o jovem fotógrafo <strong>de</strong><br />

Utah tinha centenas <strong>de</strong> outras fotos<br />

<strong>de</strong> Marley, em conjunto com alguns<br />

dos pioneiros do reagge, como Peter<br />

Tosh, Burning Spear e Lee “Scratch”<br />

Perry. Burnett aumentou a sua colecção<br />

um a<strong>no</strong> mais tar<strong>de</strong>, quando a<br />

“Rolling Stone” o enviou para a<br />

Europa durante a tournée <strong>de</strong> Marley,<br />

“Exodus”, para fotografar tudo,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os “sound checks” e jogos <strong>de</strong><br />

futebol aos momentos mais sossegados<br />

e contemplativos <strong>no</strong> autocarro.<br />

“Era interessante” conta, “porque a<br />

carreira <strong>de</strong> Bob começava naquele<br />

momento a levantar voo, mas ele<br />

tinha os pés bem assentes <strong>no</strong> chão.<br />

Tinha um bom autocarro, mas eu<br />

tinha estado em autocarros melhores<br />

<strong>no</strong> Iowa com políticos que apenas<br />

conseguiam 12 votos.”<br />

Legado<br />

O portfólio <strong>de</strong> Burnett está cheio <strong>de</strong><br />

lí<strong>de</strong>res mundiais e outras figuras<br />

famosas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes e papas<br />

até ao Ayatollah Khomeini. (A capa<br />

da “Time” da edição controversa que<br />

elegia o homem do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1979 era<br />

um retrato <strong>de</strong> Khomeini tirado por<br />

Burnett.) Mas havia algo particularmente<br />

inesquecível em Bob Marley,<br />

e não era só por ele ser tão simpático<br />

e fácil <strong>de</strong> chegar.<br />

“Era mesmo um trabalho <strong>de</strong> sonho,<br />

porque o Bob estava feliz por estar<br />

con<strong>no</strong>sco, ele dava muito <strong>de</strong> si<br />

quando o fotografávamos. Ele podia<br />

olhar em todas as direcções que eu<br />

não conseguia errar... O Bob tinha<br />

uma expressão facial maravilhosa -<br />

uma óptima cara e uma óptima presença.<br />

Não era só ter bom aspecto - e<br />

tinha. Nós é que sentíamos algo mais<br />

do que o que víamos pelo visor da<br />

câmara.”<br />

Tanta sabedoria. Tanto carisma -<br />

como se estivéssemos na presença<br />

<strong>de</strong> João Paulo II, diz Burnett, que fotografou<br />

o Papa. “Há poucas pessoas<br />

que têm este ar tão carismático. O<br />

Bob era só um tipo, mas era ‘o’<br />

tipo.”<br />

Marley morreu em 1981, <strong>de</strong> cancro,<br />

aos 36 a<strong>no</strong>s. Tinha um estatuto<br />

icónico, senão messiânico, por todo<br />

o mundo. E o tempo quase não afectou<br />

o seu legado. “Legend”, uma<br />

compilação da mú-sica <strong>de</strong> Marley<br />

póstuma editada em 2002, tor<strong>no</strong>u-se<br />

um dos álbuns <strong>de</strong> reggae mais vendidos<br />

<strong>de</strong> sempre, e o poeta-profeta continua<br />

a ser uma das figuras mais adoradas<br />

da música pop.<br />

As suas canções, sobre justiça,<br />

liberda<strong>de</strong> e amor continuam a ser<br />

celebradas por todo o mundo. (Sim,<br />

foi o hi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Marley, “One Love”, que<br />

Will.I.Am, Herbie Hancock e Sheryl<br />

Crow tocaram na Barackapalooza, a<br />

festa que antece<strong>de</strong>u a tomada <strong>de</strong><br />

posse do Presi<strong>de</strong>nte Obama <strong>no</strong> Lincoln<br />

Memorial, em Washington DC.<br />

E não, não há nada melhor que o original.)<br />

“Soul Rebel” chega na altura em<br />

que se comemorou o aniversário <strong>de</strong><br />

Marley. Faria 64 a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> dia 6 <strong>de</strong><br />

Fevereiro. Burnett não tinha pensado<br />

fazer uma exposição, muito me<strong>no</strong>s<br />

um livro, até há quatro a<strong>no</strong>s, quando<br />

viu um poster <strong>de</strong> Marley na porta do<br />

quarto <strong>de</strong> um amigo da filha numa<br />

residência <strong>de</strong> estudantes.<br />

“Era uma das minhas fotos!”,<br />

exclama. “Não sei se ven<strong>de</strong>mos os<br />

direitos para ela, ou se alguém a viu<br />

numa revista e <strong>de</strong>cidiu fazer um poster.<br />

Mas eles acharam que era fixe. E<br />

aqui estavam estes miúdos, todos eles<br />

nascidos <strong>de</strong>pois do falecimento <strong>de</strong><br />

Bob Marley, a olharem para ele e para<br />

a sua música com carinho e atracção<br />

magnética. Era maravilhoso.”<br />

E isto motivou Burnett a limpar o<br />

pó ao portfólio com décadas <strong>de</strong> Marley,<br />

cheio <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> fotografias<br />

não publicadas. Menciona a colecção<br />

ao seu amigo, Chris Murray, o proprietário<br />

da Govinda Gallery, que<br />

acabou por escrever a introdução do<br />

livro. Numa entrevista, Murray <strong>de</strong>screve<br />

as fotos como “extraordinárias”.<br />

“As imagens são tão fantásticas<br />

que quase tive uma reacção física a<br />

elas. O Bob transmite muita intimida<strong>de</strong><br />

nestas fotos.”<br />

Uma fotografia que não vão ver:<br />

Bob Marley com o próprio Burnett.<br />

“A minha filha perguntou: ‘On<strong>de</strong> está<br />

a tua foto com o Bob?’. Eu gostava <strong>de</strong><br />

ter uma. Mas não estava a pensar<br />

nisso em 1976-1977; essa fotografia<br />

não existe.”<br />

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post<br />

“O Bob tinha uma<br />

expressão facial<br />

maravilhosa - uma<br />

óptima cara e uma<br />

óptima presença.<br />

Não era só ter bom<br />

aspecto - e tinha.<br />

Nós é que sentíamos<br />

algo mais do que o<br />

que víamos pelo visor<br />

da câmara” David<br />

Burnett<br />

46 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009


Marley<br />

, mas já era “o” tipo<br />

a Bob Marley. Trabalhava para a “Time”, foi em 1976. Trinta a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, edita<br />

o quarto. E “One Love” serve <strong>de</strong> hi<strong>no</strong> às festas por Obama. J. Freedom du Lac<br />

“Soul Rebel: An Intimate<br />

Portrait of Bob Marley”,<br />

do fotógrafo David Burnett,<br />

acaba <strong>de</strong> ser publicado<br />

Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 47

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