no Bairro Alto? - Fonoteca Municipal de Lisboa - Câmara Municipal ...
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Sexta-feira<br />
27 Fevereiro 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
Há vida <strong>no</strong>va<br />
<strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>?<br />
MIGUEL MADEIRA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 6905 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
U2João Paulo CuencaRogério Casa<strong>no</strong>vaThomas Walgrave Nelson Cascais
Flash<br />
Sumário<br />
<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> 6<br />
As suas sete vidas<br />
U2 14<br />
Chegou o <strong>no</strong>vo disco do maior<br />
grupo do mundo<br />
Deus.Pátria.Revolução 20<br />
Teatro musical que<br />
revisita hi<strong>no</strong>s fascistas e<br />
revolucionários (promete<br />
incomodar)<br />
João Paulo Cuenca 22<br />
O escritor que vive dias<br />
Mastroianni<br />
Rogério Casa<strong>no</strong>va 24<br />
O autor do melhor blogue<br />
português<br />
Thomas Walgrave 25<br />
Perfil do futuro director do<br />
Alkantara<br />
Porto 28<br />
Que segunda cida<strong>de</strong> do país<br />
é esta on<strong>de</strong> há pessoas para<br />
tudo me<strong>no</strong>s para o cinema?<br />
Ficha Técnica<br />
Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
Editores Vasco Câmara,<br />
Joana Gorjão Henriques (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel Coutinho,<br />
Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belancia<strong>no</strong><br />
Design Mark Porter,<br />
Simon Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Jorge Guimarães,<br />
Mariana Soares<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Arquitectura portuguesa<br />
em exposição em Berlim<br />
Há <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s provavelmente<br />
não teria sido possível. Mas<br />
em 2009, o arquitecto<br />
Ricardo Carvalho não teve<br />
gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em<br />
escolher 21 projectos <strong>de</strong><br />
arquitectos portugueses fora<br />
do território nacional.<br />
Convidado pela Or<strong>de</strong>m dos<br />
Arquitectos, a pedido do<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />
Cavaco Silva, a comissariar<br />
uma exposição sobre<br />
arquitectura portuguesa que<br />
será apresentada durante a<br />
viagem presi<strong>de</strong>ncial à<br />
Alemanha (entre 3 e 6 <strong>de</strong><br />
Março), Ricardo Carvalho<br />
optou por mostrar 21<br />
trabalhos em curso ou<br />
terminados recentemente,<br />
<strong>de</strong> arquitectos portugueses,<br />
em lugares tão diferentes<br />
como Cabo Ver<strong>de</strong>, China, a<br />
República Checa ou Timor-<br />
Leste.<br />
“O processo <strong>de</strong><br />
internacionalização da<br />
arquitectura portuguesa<br />
está agora a começar”, diz o<br />
comissário, crítico <strong>de</strong><br />
arquitectura do PÚBLICO.<br />
“Se excluirmos Álvaro Siza,<br />
que é um arquitecto que<br />
constrói tradicionalmente<br />
<strong>no</strong> estrangeiro, só agora é<br />
que se está a iniciar um<br />
movimento para o exterior.”<br />
A escolha - que inclui, por<br />
exemplo, um crematório em<br />
Antuérpia (<strong>de</strong> Eduardo<br />
Souto <strong>de</strong> Moura), um<br />
conjunto urba<strong>no</strong> em Luanda<br />
(Barbani Arquitectos), uma<br />
igreja em Quelicai, Timor<br />
(Pedro Reis), o Museu do<br />
Conto em Málaga (Aires<br />
Mateus) ou a Fundação<br />
Iberê Camargo, <strong>no</strong> Brasil<br />
(Álvaro Siza), o Teatro<br />
Auditório <strong>de</strong> Poitiers<br />
(Carrilho da Graça) - tenta<br />
abarcar o máximo <strong>de</strong> pontos<br />
geográficos possível, e<br />
mostrar que se está a<br />
trabalhar em projectos<br />
<strong>de</strong> escalas muito diversas.<br />
“Há concursos<br />
internacionais, em que as<br />
participações são quase<br />
sempre por convite, mas há<br />
também encomenda<br />
privada, geralmente <strong>de</strong><br />
grupos que investem em<br />
Portugal, gostam da<br />
resposta e querem trabalhar<br />
com o mesmo atelier<br />
quando fazem um<br />
investimento <strong>no</strong>utro ponto<br />
do mundo.” Estes<br />
investidores procuram,<br />
segundo Ricardo Carvalho,<br />
“qualida<strong>de</strong> e eficácia”, mas<br />
encontram <strong>no</strong>s arquitectos<br />
com quem trabalham em<br />
Portugal, para além disso,<br />
“relevância cultural”.<br />
O que a exposição “Portugal<br />
Fora <strong>de</strong> Portugal” - entre 4<br />
Internet<br />
<strong>de</strong> Março e 9 <strong>de</strong> Abril na<br />
galeria Ae<strong>de</strong>s am<br />
Pfefferberg, na zona do<br />
Mitte, em Berlim - também<br />
quer mostrar é que “se esta<br />
internacionalização<br />
aconteceu <strong>de</strong> forma não<br />
concertada, imagine-se o<br />
que po<strong>de</strong> acontecer se<br />
houver uma estratégia” para<br />
promover a arquitectura<br />
portuguesa fora <strong>de</strong> Portugal.<br />
Nos meios eruditos, o<br />
Estamos online. Entre em<br />
www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
con<strong>no</strong>sco.<br />
Três dos 21 projectos: em cima,<br />
o Teatro Auditório <strong>de</strong> Poitiers<br />
(Carrilho da Graça); em baixo<br />
à esquerda: Fundação Iberê<br />
Camargo, <strong>no</strong> Brasil (Álvaro Siza);<br />
à direita: Museu do Conto em<br />
Málaga (Aires Mateus)<br />
trabalhos dos arquitectos<br />
portugueses “têm já uma<br />
reputação imensa”,<br />
sublinha. Mas ainda estamos<br />
longe <strong>de</strong> uma situação<br />
como, por exemplo, a <strong>de</strong><br />
Espanha, “que tem uma<br />
política <strong>de</strong> ‘marketing’<br />
muito agressiva para a<br />
promoção da sua<br />
arquitectura <strong>no</strong><br />
estrangeiro”.<br />
Alexandra Prado Coelho<br />
Pavilhão <strong>de</strong> Verão<br />
da Serpentine<br />
Gallery vai ser<br />
criado pelos<br />
japoneses<br />
Sanaa<br />
Kazuyo Sejima e Ryue Nizhizawa<br />
Os arquitectos japoneses Kazuyo<br />
Sejima e Ryue Nizhizawa, do atelier<br />
Sanaa, foram os convidados <strong>de</strong>ste<br />
a<strong>no</strong> para conceberem o pavilhão <strong>de</strong><br />
Verão da Serpentine Gallery, em<br />
Londres, estrutura temporária<br />
encomendada anualmente a um<br />
arquitecto, que tem cerca <strong>de</strong> seis<br />
meses para a pensar, <strong>de</strong>senhar e<br />
construir. Para o “Guardian”, a<br />
escolha é uma promessa, já que se<br />
trata <strong>de</strong> uma equipa <strong>de</strong> arquitectos<br />
que tem “alargado as fronteiras da<br />
arquitectura contemporânea”,<br />
criando “edifícios, interiores,<br />
instalações, mobiliário e outro tipo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign extraordinariamente<br />
calmo e pacificador”. Um dos<br />
exemplos mais conhecidos do<br />
trabalho dos Sanaa é o Novo Museu<br />
<strong>de</strong> Arte Contemporânea, em Nova<br />
Iorque. O projecto do pavilhão <strong>de</strong><br />
Verão começou em 2000 e já<br />
participaram nele Frank Gehry<br />
(2008), Olafur Eliasson e Kjetil<br />
Thorsen (2007), Rem Koolhaas e<br />
Cecil Balmond (2006), Álvaro Siza e<br />
Eduardo Souto <strong>de</strong> Moura, com Cecil<br />
Balmond (2005), MVRDV (2004,<br />
a<strong>no</strong> em que o projecto não se<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 3
Flash<br />
O escultor Anthony Gromley<br />
é um dos subscritores<br />
da petição dirigida ao Ministério<br />
do Interior britânico<br />
“O Enforcamento”, <strong>de</strong> Nagisa<br />
Oshima, um dos títulos do ciclo<br />
“Eros+Revolta”<br />
chegou a realizar), Oscar<br />
Niemeyer (2003), Toyo Ito (2002),<br />
Daniel Libeskind (2001) e Zaha<br />
Hadid (2000).<br />
Eros+Revolta<br />
explo<strong>de</strong><br />
na Culturgest<br />
De 12 a 17 <strong>de</strong> Maio a Culturgest, em<br />
<strong>Lisboa</strong>, explo<strong>de</strong> com erotismo e<br />
política. “Eros+Revolta - o <strong>no</strong>vo<br />
cinema japonês dos a<strong>no</strong>s 60”<br />
documenta a afirmação, <strong>no</strong> ocaso do<br />
sistema <strong>de</strong> estúdios que estruturava<br />
o cinema clássico japonês, <strong>de</strong> uma<br />
“<strong>no</strong>uvelle vague”. Que questio<strong>no</strong>u a<br />
socieda<strong>de</strong>, revolucio<strong>no</strong>u as formas e<br />
quebrou tabus figurativos - em alguns<br />
casos colocou-se mesmo nas<br />
margens do cinema erótico. O ciclo<br />
mostrará filmes <strong>de</strong> Nagisa Oshima<br />
(“O Cemitério do Sol”, 1960, “Noite<br />
e Nevoeiro <strong>no</strong> Japão”, 1960, “Sobre<br />
as Canções Brejeiras Japonesas”,<br />
1967, “O Enforcamento”, 1968),<br />
Yoshishige Yoshida (“As Termas <strong>de</strong><br />
Akitsu”, 1962, “Eros + Massacre”,<br />
1969), Shohei Imamura (“A Mulher-<br />
Insecto”, 1963, “Desejo Assassi<strong>no</strong>”,<br />
1964), Kôji Wakamatsu (“Go, Go,<br />
Second Time Virgin”, 1969), Toshio<br />
Matsumoto (“O Funeral das Rosas”,<br />
1969), Seijun Suzuki (“A Porta da<br />
Carne”, 1964, “Elegia da Luta”,<br />
1966, “O Vagabundo <strong>de</strong> Tóquio”,<br />
1966) e Masahiro Shi<strong>no</strong>da (“Duplo<br />
Suicídio em Amijima”, 1969).<br />
Uma série <strong>de</strong> músicos recriam<br />
hoje <strong>no</strong> Santiago Alquimista<br />
a música <strong>de</strong> Patti Smith<br />
Recriar Patti<br />
Smith <strong>no</strong> Santiago<br />
Alquimista<br />
“Patti Smith: Dream of Life”, o<br />
filme <strong>de</strong> Steven Sebring que<br />
tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver<br />
<strong>no</strong> último Indie<strong>Lisboa</strong>,<br />
estreará <strong>no</strong> City Classic<br />
Alvala<strong>de</strong> a 5 <strong>de</strong> Março. Antes<br />
disso, contudo, haverá lugar a<br />
celebração. Uma festa para Mrs.<br />
Smith: está marcada para hoje,<br />
<strong>no</strong> Santiago Alquimista, em<br />
<strong>Lisboa</strong>, e é da<br />
responsabilida<strong>de</strong> da<br />
associação Projecto Marginal<br />
e da Midas Filmes.<br />
No filme, Sebring entra na<br />
intimida<strong>de</strong> da autora <strong>de</strong> “Horses”<br />
para tentar <strong>de</strong>svendá-la. Na<br />
celebração, músicos dos The<br />
Hypers, Mur<strong>de</strong>ring Tripping Blues,<br />
You Should Go Ahead, Covers, Neil<br />
Leyton ou Ana Leorne, dos Clits,<br />
recriam-lhe a música e os<br />
Happiness e Tiago Gomes, editor da<br />
revista Bíblia que temos visto,<br />
acompanhado <strong>de</strong> Tó Trips,<br />
improvisando sobre o “Pela Estrada<br />
Fora” <strong>de</strong> Kerouac, dão <strong>no</strong>vo<br />
enquadramento às suas palavras.<br />
A partir das 23h, ouvir-se-ão<br />
versões <strong>de</strong> “Gloria”, “Horses”, “Till<br />
victory” ou “Because the night”,<br />
ouvir-se-ão o rock’n’roll da poetisa<br />
do punk e os versos da <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />
da geração beat - que, como<br />
sabemos, são uma e a mesma.<br />
Depois das actuações, a dupla <strong>de</strong><br />
DJs Miss Nicotine e Fernando<br />
Morgado<br />
responsabilizam-se,<br />
como é habitual nas festas do<br />
Projecto Marginal, por encher a<br />
pista <strong>de</strong> dança com canções da<br />
“celebrada” e música que gravita<br />
próxima do seu universo. A entrada<br />
custa cinco euros.<br />
Artistas assinam<br />
petição contra regras<br />
que dificultam<br />
entrada <strong>de</strong> não<br />
europeus <strong>no</strong> Rei<strong>no</strong><br />
Unido<br />
Centenas<br />
<strong>de</strong> pessoas<br />
assinaram<br />
uma<br />
petição<br />
dirigida ao<br />
Ministério<br />
do Interior<br />
britânico a propor<br />
a revisão <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas<br />
regras da lei da<br />
imigração que<br />
dificultam a entrada <strong>no</strong><br />
Rei<strong>no</strong> Unido <strong>de</strong> artistas<br />
<strong>de</strong> países que não fazem<br />
parte da União Europeia.<br />
A petição, criada a partir do<br />
site Manifesto Club e publicada<br />
<strong>no</strong> domingo <strong>no</strong> “Observer”, já foi<br />
assinada por personalida<strong>de</strong>s do<br />
mundo das artes como Antony<br />
Gormley, escultor, Jeremy Deller,<br />
vencedor do Turner Prize <strong>de</strong> 2004,<br />
Nicholas Hytner, encenador,<br />
produtor e director artístico do Royal<br />
National Theather, e Ju<strong>de</strong> Kelly,<br />
directora artística do Southbank<br />
Centre <strong>de</strong> Londres.<br />
A petição contesta os <strong>no</strong>vos<br />
procedimentos burocráticos da lei<br />
da imigração, expressos num<br />
documento com 158 páginas, um<br />
sistema que fica caro tanto para os<br />
artistas como para as organizações.<br />
Segundo explicam, os visitantes<br />
têm a obrigação <strong>de</strong> pedir um visto<br />
em pessoa, fornecer dados<br />
biométricos, impressões digitais<br />
electrónicas e fotografia digital. Já<br />
as organizações que os convidam<br />
têm que guardar cópias do seu<br />
passaporte, <strong>de</strong> um cartão<br />
biométrico britânico e dos <strong>de</strong>talhes<br />
dos seus contactos. “Se o artista<br />
não aparecer <strong>no</strong> seu estúdio ou<br />
local <strong>de</strong> trabalho (...) a organização<br />
é legalmente obrigada a informar o<br />
serviço <strong>de</strong> fronteiras do Rei<strong>no</strong><br />
Unido.”<br />
O “Observer” explica ainda que os<br />
artistas “também têm <strong>de</strong> encontrar<br />
um patrocinador que tome<br />
completa responsabilida<strong>de</strong><br />
financeira por eles e se<br />
comprometa pelas suas activida<strong>de</strong>s<br />
enquanto estão em solo britânico.<br />
Uma pequena organização tem <strong>de</strong><br />
pagar 400 libras para se tornar um<br />
‘patrocinador’ oficial, enquanto<br />
grupos maiores têm <strong>de</strong> pagar 1000<br />
libras”.<br />
Um exemplo recente dado pelo<br />
jornal foi o cancelamento do<br />
concerto do pianista russo<br />
Grigory Sokolov, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> não ser<br />
capaz <strong>de</strong> entregar os documentos<br />
necessários para obter um visto <strong>de</strong><br />
visita. Sokolov tinha um concerto<br />
agendado para Abril, em Londres.<br />
“Sinto que a comunida<strong>de</strong> das artes<br />
não sabe como [as leis <strong>de</strong> imigração<br />
actual] estão a afectar as suas<br />
relações com artistas<br />
internacionais”, disse Manick<br />
Govinda, produtor artístico e<br />
promotor da Artsadmin ao<br />
“Observer”. Govinda, criador da<br />
petição, argumenta que as <strong>no</strong>vas<br />
regras estão “a criminalizar estes<br />
artistas”. “São as salas e festivais<br />
mais peque<strong>no</strong>s os mais afectados,<br />
mas todos vão encontrar<br />
dificulda<strong>de</strong>s [em trazer artistas<br />
estrangeiros para actuar].”<br />
Salman Rushdie contra RETRE4<br />
“Slumdog Millionaire”, RETRE4<br />
“O Leitor” e “O Estranho RETRE4<br />
Caso <strong>de</strong> Benjamin RETRE4<br />
Button”<br />
Um porta-voz do Serviço <strong>de</strong><br />
Fronteiras explicou ao “Observer”<br />
que, apesar <strong>de</strong> se querer manter o<br />
Rei<strong>no</strong> Unido aberto aos artistas<br />
criativos, é necessário ter um<br />
sistema seguro <strong>de</strong> controlo das<br />
fronteiras. “É importante que quem<br />
beneficie da contribuição cultural<br />
<strong>de</strong>stes artistas cumpra a sua parte e<br />
assegure que o sistema não é<br />
quebrado através do <strong>no</strong>sso sistema<br />
<strong>de</strong> patrocínios.”<br />
Não são só os artistas que estão<br />
sujeitos a estas regras, todos os<br />
imigrantes que venham ao Rei<strong>no</strong><br />
Unido para trabalhar ou estudar,<br />
excepto “os mais talentosos”, têm<br />
que ter um certificado <strong>de</strong><br />
patrocínio, explicou o porta-voz ao<br />
“Guardian”.<br />
Salman Rushdie<br />
contra os filmes dos<br />
Óscares<br />
O escritor Salman Rushdie levou<br />
muito a sério a verosimilhança das<br />
histórias <strong>de</strong> três filmes, adaptados<br />
<strong>de</strong> livros, que estiveram <strong>no</strong>s<br />
Óscares. Começando por “Quem<br />
Quer Ser Bilionário?”, não se<br />
juntou ao coro <strong>de</strong> aplausos quer ao<br />
livro <strong>de</strong> Vikas Swarup (“Q&A”) quer<br />
ao filme <strong>de</strong> Danny Boyle. “O filme<br />
acumula impossibilida<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong><br />
impossibilida<strong>de</strong>”, disse, num<br />
colóquio na Emory University <strong>de</strong><br />
Atalanta, on<strong>de</strong> é escritor resi<strong>de</strong>nte,<br />
e prosseguiu que “o problema com<br />
esta adaptação começa com o<br />
trabalho que é adaptado.” O<br />
“Guardian” cita ainda o “Atlanta<br />
Journal-Constitution”, segundo o<br />
qual Rushdie não morre <strong>de</strong> amores<br />
por outros dois filmes adaptados <strong>de</strong><br />
livros. “O Leitor”, segundo o<br />
romance <strong>de</strong> Bernhard Schlink, é<br />
“um filme sem alma” enquanto “O<br />
Estranho Caso <strong>de</strong> Benjamin<br />
Button”, adaptado <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong><br />
F. Scott Fitzgerald, “<strong>no</strong> fundo não<br />
tem nada a dizer.” Uma adaptação<br />
<strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Rushdie,<br />
“Midnight’s Children”,<br />
está em produção.<br />
Vai ser realizado<br />
por Deepa<br />
Mehta, coautora<br />
do<br />
argumento<br />
com o<br />
próprio<br />
Rushdie.<br />
4 • Ípsilon • Sexta-feira 4 Julho 2008
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Capa<br />
PEDRO CUNHA<br />
As sete<br />
vidas do<br />
<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />
6 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Os que o viveram <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80 dizem<br />
que já nada resta <strong>de</strong>sses tempos. Quem o vive hoje<br />
diz que é insubstituível. A activida<strong>de</strong> <strong>no</strong>cturna e a<br />
vida cultural do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> estão a mudar. Um <strong>no</strong>vo<br />
equilíbrio parece ser necessário para garantir o<br />
futuro do único bairro cultural <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. O episódio<br />
do encerramento dos bares às 2 da manhã<br />
apenas o veio explicitar. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 7
HÉLDER OLINO<br />
Não é <strong>no</strong>vo. Já ouvimos <strong>de</strong>sabafos<br />
<strong>de</strong>stes ao longo dos a<strong>no</strong>s (“o <strong>Bairro</strong><br />
<strong>Alto</strong> já não é o que era”, “está cada<br />
vez mais <strong>de</strong>gradado”, “as ruas estão<br />
uma miséria”, “gente a mais”), mas<br />
<strong>no</strong> último a<strong>no</strong> as visões sombrias<br />
aumentaram. Ele é o ruído, bares em<br />
excesso, toxico<strong>de</strong>pendência nas ruas<br />
ou conflitos <strong>de</strong> interesses entre os<br />
diversos actores. O equilíbrio parece<br />
em risco e a mais recente medida dos<br />
po<strong>de</strong>res públicos <strong>de</strong> encerrar os bares<br />
às duas da madrugada é apenas mais<br />
um capítulo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate.<br />
O <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> é importante. O<br />
“boom” dos a<strong>no</strong>s 80, que o afirmou<br />
como lugar <strong>de</strong> boémia e cultura, foi<br />
<strong>de</strong>terminante em termos simbólicos,<br />
mas muito antes já era lugar <strong>de</strong><br />
encontro, <strong>de</strong> tertúlia e <strong>de</strong> animação<br />
cultural.<br />
Hoje é área resi<strong>de</strong>ncial. É zona <strong>de</strong><br />
comércio, animação <strong>no</strong>cturna e <strong>de</strong><br />
restauração que não só tem resistido,<br />
nas últimas décadas, ao irromper <strong>de</strong><br />
outros pólos (Avenida 24 <strong>de</strong> Julho,<br />
Docas, Expo) como <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s<br />
- principalmente <strong>de</strong>pois da abertura<br />
do metro <strong>no</strong> Chiado - tem atraído<br />
mais gente. É em termos culturais<br />
uma das áreas mais activas e atractivas<br />
da cida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong> ser constatado<br />
pela quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> agentes e activida<strong>de</strong>s que aí se concentram<br />
e se relacionam. É <strong>de</strong>ssa<br />
conjugação <strong>de</strong> actuações, e da forma<br />
como se relacionam entre si, que<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o equilíbrio da zona. Uma<br />
harmonia que aqueles que viveram<br />
os a<strong>no</strong>s 80 dizem já não existir.<br />
O “meu” <strong>Bairro</strong><br />
“O ‘meu’ <strong>Bairro</strong> morreu”, afirma<br />
Manuel Alvarez, arquitecto, 45 a<strong>no</strong>s.<br />
“Hoje vou lá, vejo toda a gente na<br />
rua, <strong>de</strong> copo na mão e não sinto vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> partilhar. Antes jantava-se,<br />
conversava-se, dançava-se. O <strong>Bairro</strong><br />
<strong>Alto</strong> está moribundo. Está a morrer<br />
aos poucos.”<br />
“Aborreço-me”, afirma o cineasta<br />
Jorge Cramez que viveu intensamente<br />
a década <strong>de</strong> 90 [ver texto sobre o bar<br />
Captain Kirk] “Posso pensar nisso<br />
<strong>de</strong>ssa forma, mas não me parece que<br />
tenha a ver com a ida<strong>de</strong>. Sinto é que<br />
antes havia um ritual <strong>no</strong> sair que se<br />
per<strong>de</strong>u.”<br />
Ambos, <strong>no</strong> entanto, diferenciam a<br />
vertente diurna e <strong>no</strong>cturna, a vocação<br />
cultural da activida<strong>de</strong> <strong>no</strong>ctívaga. Tal<br />
como DJ Rui Murka, 36 a<strong>no</strong>s. “Hoje a<br />
minha relação com o <strong>Bairro</strong> é diurna,<br />
para comer, cortar o cabelo, fazer compras<br />
na Rua do Norte, comprar discos<br />
ou, à <strong>no</strong>ite, ver concertos, exposições<br />
ou encontrar-me com alguém.”<br />
Mas esta visão está longe <strong>de</strong> ser partilhada<br />
por gerações mais <strong>no</strong>vas. Com<br />
maior incidência às sextas e sábados,<br />
chegam em grupos, <strong>no</strong>rmalmente<br />
encontram-se na Praça Camões a partir<br />
das 22h. Pouco tempo <strong>de</strong>pois<br />
enchem as ruas, o estacionamento<br />
torna-se impossível, a circulação pedonal<br />
complicada e, muitas vezes, os<br />
parapeitos das janelas servem para<br />
<strong>de</strong>ixar copos vazios.<br />
“Quando tinha 15 a<strong>no</strong>s ia para o<br />
Loft, em Santos, ou para o Paradise<br />
Garage, em Alcântara, porque os meus<br />
pais não gostavam que fosse para o<br />
<strong>Bairro</strong>”, conta Ana Prazeres, estudante,<br />
19 a<strong>no</strong>s. “Mas há dois a<strong>no</strong>s<br />
comecei a vir para aqui e gosto muito”.<br />
Foi <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> que começou a contactar<br />
com “gente das mais diversas ‘tribos’.”<br />
O companheiro, Pedro Freire, 20<br />
a<strong>no</strong>s, reforça: “Isto é único, não existe<br />
nada assim <strong>no</strong> país, on<strong>de</strong> se possa<br />
PEDRO CUNHA<br />
É uma das áreas mais<br />
activas da cida<strong>de</strong>, o<br />
que se po<strong>de</strong> constatar<br />
pela quantida<strong>de</strong><br />
e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
activida<strong>de</strong>s que aí se<br />
concentram. Dessa<br />
conjugação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
o equilíbrio da zona.<br />
Uma harmonia que<br />
os que viveram os<br />
a<strong>no</strong>s 80 dizem já<br />
não existir<br />
PEDRO CUNHA<br />
HÉLDER OLINO<br />
8 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
BA<br />
Social<br />
Nos a<strong>no</strong>s 80 e 90<br />
as sociabilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>senrolavam-se <strong>no</strong><br />
interior dos bares,<br />
mas na última<br />
década é na rua que<br />
tudo acontece<br />
BA<br />
Comércio<br />
As velhas lojas <strong>de</strong><br />
negócio tradicional<br />
perduram,<br />
convivendo com<br />
mercearias finas,<br />
livrarias e lojas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign<br />
BA<br />
Serviços<br />
A Rua do Norte,<br />
sucessão <strong>de</strong><br />
cabeleireiros, lojas<br />
<strong>de</strong> roupa e <strong>de</strong> discos,<br />
tor<strong>no</strong>u-se na mais<br />
movimentada do<br />
<strong>Bairro</strong> durante o dia<br />
O bairro cultural <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
Partindo <strong>de</strong> uma reflexão sobre activida<strong>de</strong>s culturais em relação com o <strong>de</strong>senvolvimento dos territórios,<br />
o investigador Pedro Costa analisou o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> <strong>no</strong> livro “A Cultura em <strong>Lisboa</strong>”. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />
Há-os em muitas cida<strong>de</strong>s. O<br />
seu mo<strong>de</strong>lo é variável mas, por<br />
<strong>no</strong>rma, são zonas que foram<br />
reconvertidas, com ambiente<br />
criativo e informal, mistura<br />
<strong>de</strong> cafés, bares, galerias ou<br />
salas <strong>de</strong> concertos, on<strong>de</strong><br />
artistas emergentes po<strong>de</strong>m<br />
experimentar. São os bairros<br />
culturais, cada vez mais<br />
enaltecidos por permitirem<br />
um estilo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> escala<br />
humana e por serem sinónimo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico<br />
sustentável. As suas fronteiras<br />
po<strong>de</strong>m ser in<strong>de</strong>finidas, mas<br />
quando <strong>de</strong>sembocamos num<br />
<strong>de</strong>sses locais sentimos que não<br />
só entrámos numa comunida<strong>de</strong><br />
cultural como po<strong>de</strong>mos<br />
participar <strong>de</strong>la.<br />
Hoje, esse tipo <strong>de</strong> territórios<br />
ganhou <strong>no</strong>va pertinência,<br />
também porque o sentido<br />
<strong>de</strong> cultura foi alterado,<br />
englobando indústrias<br />
culturais tradicionais, <strong>no</strong>vas<br />
indústrias <strong>de</strong> conteúdos,<br />
formas consagradas <strong>de</strong> arte<br />
ou manifestações emergentes<br />
associadas às formas <strong>de</strong><br />
sociabilida<strong>de</strong> urbana juvenis.<br />
Motivado por isto, há quatro<br />
a<strong>no</strong>s, Pedro Costa - professor<br />
do Departamento <strong>de</strong> Eco<strong>no</strong>mia<br />
do ISCTE e investigador do<br />
Dinâmia (Centro Estudos Sobre<br />
a Mudança Socioeconómica),<br />
que li<strong>de</strong>ra o grupo <strong>de</strong> trabalho<br />
para as Estratégias para a<br />
Cultura em <strong>Lisboa</strong> - concluiu<br />
uma tese <strong>de</strong> doutoramento que<br />
parte <strong>de</strong> uma reflexão sobre as<br />
activida<strong>de</strong>s culturais em relação<br />
com o <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />
territórios e que inci<strong>de</strong> sobre a<br />
Área Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>,<br />
em particular o principal bairro<br />
cultural da cida<strong>de</strong>, o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />
e Chiado. Uma versão <strong>de</strong>ssa tese<br />
foi lançada em livro: “A Cultura<br />
em <strong>Lisboa</strong> - competitivida<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento territorial (edi.<br />
Imprensa <strong>de</strong> Ciências Sociais).”<br />
“Esta é a zona da cida<strong>de</strong> que<br />
mais facilmente se po<strong>de</strong>rá<br />
assemelhar a um bairro<br />
cultural”, diz-<strong>no</strong>s, “não só pela<br />
quantida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
agentes que aqui se localizam,<br />
como pelo potencial simbólico<br />
que usufrui na cida<strong>de</strong>, bem<br />
como pelos efeitos exter<strong>no</strong>s<br />
gerados pela conjugação<br />
<strong>de</strong>ssas características. Isso foi<br />
<strong>de</strong>cisivo para me <strong>de</strong>bruçar sobre<br />
este eixo, <strong>de</strong>dicando atenção<br />
à i<strong>no</strong>vação e criativida<strong>de</strong><br />
nas dinâmicas geradas<br />
na zona, bem como na sua<br />
afirmação competitiva e na sua<br />
sustentabilida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixando<br />
<strong>de</strong> lado os conflitos existentes.”<br />
Sinergias e diferenças<br />
Entre o <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> e o Chiado<br />
existem sinergias, mas<br />
também diferenças. “São dois<br />
sistemas autó<strong>no</strong>mos”, reflecte,<br />
“o lado mais <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong> ligado<br />
à transgressão, a activida<strong>de</strong>s<br />
emergentes, <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, e o<br />
lado mais institucional, diur<strong>no</strong>,<br />
<strong>no</strong> Chiado, on<strong>de</strong> existe a maior<br />
concentração <strong>de</strong> livrarias do<br />
país.”<br />
A zona é um dos pólos<br />
principais da cida<strong>de</strong> <strong>no</strong> que<br />
respeita à animação <strong>no</strong>cturna,<br />
às artes performativas, à moda,<br />
ao sector do livro, a segmentos<br />
da produção audiovisual<br />
ou a alguns dos mercados<br />
alternativos das indústrias<br />
culturais. Evi<strong>de</strong>ncia-se pela<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s<br />
culturais aí implantadas, mas<br />
sobretudo pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> um meio criativo propício<br />
à circulação da informação, à<br />
difusão da i<strong>no</strong>vação e à maneira<br />
tolerante como são recebidas as<br />
“É um espaço on<strong>de</strong><br />
é necessário estar, ir,<br />
ser visto, encetar<br />
contactos e divulgar<br />
lá coisas”<br />
<strong>de</strong>monstrações culturais mais<br />
alternativas.<br />
“É um espaço on<strong>de</strong> é<br />
necessário estar, ir, ser visto,<br />
encetar contactos e divulgar<br />
lá coisas. É um pólo nesse<br />
sentido, funcionando como<br />
base do sistema produtivo das<br />
activida<strong>de</strong>s culturais. Por outro<br />
lado, possui um sistema <strong>de</strong><br />
(auto)governação específico e<br />
um sistema <strong>de</strong> representações<br />
próprio - os agentes que lá estão<br />
reconhecem o local como um<br />
bairro cultural e, externamente,<br />
é visto <strong>de</strong>ssa forma.”<br />
Mo<strong>de</strong>los<br />
O exemplo do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong><br />
difere do <strong>de</strong> outros bairros<br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
culturais pela sua duração.<br />
Não é comum uma zona com<br />
estas características manter<br />
a centralida<strong>de</strong> durante tantos<br />
a<strong>no</strong>s. “Nos EUA são <strong>no</strong>rmais<br />
fenóme<strong>no</strong>s <strong>de</strong> gentrificação.<br />
Os artistas dão visibilida<strong>de</strong> ao<br />
bairro, criam valor imobiliário,<br />
a zona é apropriada por outras<br />
pessoas e os artistas vão<br />
saindo.”<br />
Em Inglaterra é diferente. “As<br />
operações são conduzidas pelos<br />
po<strong>de</strong>res públicos, promovendo<br />
agências <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
local, que actuam em zonas<br />
industriais, facilitando o<br />
aparecimento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s<br />
culturais”, funcionando como<br />
veículo <strong>de</strong> requalificação<br />
urbanística <strong>de</strong> espaços<br />
<strong>de</strong>gradados ou reconvertidos.<br />
Um outro mo<strong>de</strong>lo é aquele<br />
que permite que, através da<br />
iniciativa <strong>de</strong> vários agentes<br />
da mesma área <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>,<br />
se tente criar uma área com<br />
motivações comuns. É isso que<br />
tem sido tentado em <strong>Lisboa</strong><br />
com o projecto “Santos Design<br />
District”, em Santos.<br />
No <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> ainda<br />
não existe um fenóme<strong>no</strong><br />
<strong>de</strong> gentrificação, mas a<strong>no</strong>s<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>senvolvido<br />
o seu trabalho, Costa é da<br />
opinião que existe um perigo<br />
<strong>de</strong> massificação. “Não é<br />
compatível ter uma área<br />
criativa e vanguardista sendo<br />
massificada. Já se sente isso,<br />
com pessoas a saírem para<br />
zonas envolventes, da Bica ao<br />
Cais do Sodré. Por outro lado,<br />
socialmente, mais pessoas po<strong>de</strong><br />
ser sinónimo <strong>de</strong> mais conflitos.”<br />
Quando começou a<br />
<strong>de</strong>senvolver o seu trabalho,<br />
o valor estratégico das<br />
activida<strong>de</strong>s culturais<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
territorial ainda não tinha o<br />
reconhecimento que hoje têm.<br />
Mas <strong>no</strong> último a<strong>no</strong>, <strong>no</strong>ções como<br />
o das “cida<strong>de</strong>s criativas” ou<br />
“indústrias criativas” ganharam<br />
visibilida<strong>de</strong> em Portugal porque<br />
parece existir, por fim, até da<br />
parte do po<strong>de</strong>r político, a <strong>no</strong>ção<br />
que são necessários <strong>no</strong>vos<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
que cruzem cultura, urbanismo,<br />
eco<strong>no</strong>mia e questões sociais.<br />
Mas Pedro Costa espera que a<br />
questão não se fique apenas pela<br />
retórica. Até porque se “por um<br />
lado existe esse tipo <strong>de</strong> discurso,<br />
<strong>de</strong>pois reduz-se o orçamento<br />
do estado para a cultura.” Ora,<br />
o que faz sentido quando se<br />
acredita numa área <strong>de</strong> actuação<br />
<strong>no</strong>va é aumentar o orçamento e<br />
não reduzi-lo.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 9
PEDRO CUNHA<br />
HÉLDER OLINO<br />
On d<br />
Fala-se muito da v<br />
Como outros locais cuja v<br />
HÉLDER OLINO<br />
vir beber um copo, ver um concerto<br />
na ZDB ou conviver nas ruas com pessoas<br />
que não se encontram em mais<br />
nenhum local.”<br />
O valor icónico <strong>de</strong> lugares que marcaram<br />
as décadas <strong>de</strong> 80 e 90, como<br />
o Frágil, Três Pastorinhos ou Captain<br />
Kirk per<strong>de</strong>u-se. Claro que continuam<br />
a existir espaços que se diferenciam<br />
(bares como Maria Caxuxa, Clube da<br />
Esquina, Mexe Café ou Purex, bares<br />
dançantes como o Frágil ou o<br />
Bedroom, livrarias como a Ler Devagar<br />
ou a Galeria ZDB), mas é na rua<br />
que tudo acontece.<br />
Apesar das tentativas <strong>de</strong> controlo,<br />
os bares multiplicaram-se. O investigador<br />
Pedro Costa, que estudou o<br />
bairro [ver texto nestas páginas], diz<br />
que os po<strong>de</strong>res públicos foram sensíveis<br />
à questão. “O problema é que<br />
isso não inviabilizou nada, simplesmente<br />
inflacio<strong>no</strong>u os preços, fez com<br />
que os trespasses se fossem multiplicando<br />
e criaram-se subterfúgios,<br />
como os bares <strong>de</strong> apoio.”<br />
Um do<strong>no</strong> <strong>de</strong> um bar, que prefere<br />
manter o a<strong>no</strong>nimato, refere que esse<br />
é o problema do território neste<br />
momento. “É injusto olhar para todos<br />
os espaços <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s <strong>de</strong> forma nivelada.<br />
Alguns geram interesse cultural,<br />
porque fazem participar as pessoas<br />
numa dinâmica criativa e estimulam,<br />
enquanto outros são peque<strong>no</strong>s sítios<br />
que se limitam a ven<strong>de</strong>r copos para a<br />
rua. Como é possível que sejam tratados<br />
<strong>de</strong> forma uniforme?”<br />
Os conflitos <strong>no</strong> bairro, resultantes<br />
da exploração dos recursos e nas formas<br />
<strong>de</strong> os regular, não são <strong>no</strong>vos. As<br />
tensões são múltiplas, seja entre resi<strong>de</strong>ntes<br />
e frequentadores, entre moradores<br />
tradicionais e <strong>no</strong>vos resi<strong>de</strong>ntes,<br />
entre comércio tradicional e <strong>no</strong>vas<br />
activida<strong>de</strong>s, entre utilizadores diur<strong>no</strong>s<br />
e <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s ou entre agentes<br />
culturais e reguladores públicos das<br />
suas activida<strong>de</strong>s.<br />
Até agora, a intervenção externa<br />
não tem sido muito necessária. Tem<br />
havido uma espécie <strong>de</strong> auto-regulação<br />
que emerge do próprio sistema do<br />
bairro, resultante <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> mecanismos. Mas os perigos<br />
<strong>de</strong>correntes do excesso - <strong>de</strong> bares e<br />
<strong>de</strong> pessoas, com o que isso acarreta<br />
BA<br />
Noite<br />
Às quintas, sextas<br />
e sábados as ruas<br />
enchem-se <strong>de</strong> gente<br />
que sobe e <strong>de</strong>sce ruas<br />
ou paira, <strong>de</strong> cop<br />
o na mão, em frente<br />
aos bares<br />
Foi na década <strong>de</strong> 80. O país<br />
vinha <strong>de</strong> uma ditadura, queria<br />
abrir-se à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, uma<br />
<strong>no</strong>va geração agitava-se, a<br />
pop irrompia, a moda dava os<br />
primeiros passos e o <strong>Bairro</strong><br />
<strong>Alto</strong> transformava-se <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo<br />
centro da <strong>Lisboa</strong> boémia.<br />
Em espaços como o Frágil,<br />
Três Pastorinhos, Rockhouse<br />
(<strong>de</strong>pois Juke Box), Café<br />
Concerto, Nova ou Keops,<br />
a arquitectura, a música, o<br />
<strong>de</strong>sign, a moda, o jornalismo,<br />
a dança, copos, corpos<br />
cruzavam-se, fazendo <strong>de</strong>sses<br />
espaços uma mistura <strong>de</strong><br />
sociabilização do prazer e <strong>de</strong><br />
produção artística.<br />
Apesar da propensão<br />
portuguesa para passar ao<br />
lado da História - talvez porque<br />
não vivamos, autenticamente,<br />
as histórias - já muito foi dito<br />
sobre essa época. Por ter sido<br />
iniciática é hoje i<strong>de</strong>alizada. Por<br />
ter sido relevante, muitos dos<br />
que a fizeram acontecer estão<br />
hoje <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
A meio dos a<strong>no</strong>s 80, a <strong>Lisboa</strong><br />
artística misturava-se com<br />
a <strong>Lisboa</strong> castiça do Cais do<br />
Sodré e do mercado da Ribeira<br />
nas “Noites Longas”, ao Largo<br />
Con<strong>de</strong> Barão, Santos, num<br />
charmoso palacete do século<br />
XVI, que mais tar<strong>de</strong> viria a<br />
hospedar o B. Leza. Ali comiase<br />
tardiamente, discutiam-se<br />
projectos, dançava-se <strong>no</strong> salão.<br />
Dez a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, a meio<br />
dos a<strong>no</strong>s 90, a festa já não<br />
tinha a mesma exuberância.<br />
O Frágil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre o<br />
símbolo do <strong>Bairro</strong>, já não<br />
possuía a mesma aura. Mas<br />
em Dezembro <strong>de</strong> 1995, surgiu<br />
o Captain Kirk, <strong>no</strong> nº 121 da<br />
Rua do Norte. Iria incorporar<br />
um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudança, como<br />
se fosse a manifestação <strong>de</strong><br />
uma verda<strong>de</strong> que ninguém<br />
ainda expressara. Era o<br />
prolongamento da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> bar<br />
boémio e cultural que havia<br />
feito a fama do Frágil. Mas era<br />
outra coisa.<br />
Os locais <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>s em voga<br />
nesse período personificavam<br />
um mo<strong>de</strong>lo consolidado, com<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sumptuosida<strong>de</strong>.<br />
No Kirk prevalecia a<br />
informalida<strong>de</strong> e até alguma<br />
vulgarida<strong>de</strong> que, afinal, era<br />
afirmação estética. Havia<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver algo<br />
<strong>de</strong> diferente, ao nível dos<br />
comportamentos.<br />
Não era um espaço gran<strong>de</strong>.<br />
Mas não é por aí que se me<strong>de</strong><br />
a sua influência. Todas as<br />
<strong>no</strong>ites eram iguais e distintas<br />
(seguindo a lógica dos clubes<br />
britânicos com sessões<br />
temáticas todos os dias). Ao<br />
final da tar<strong>de</strong> havia cinema e<br />
ali se legitimou a activida<strong>de</strong><br />
do DJ como em nenhum outro<br />
sítio da época. Isolados,<br />
nenhum <strong>de</strong>stes factores era<br />
<strong>no</strong>vo. A <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> era essas<br />
especificida<strong>de</strong>s estarem<br />
reunidas, con<strong>de</strong>nsado a<br />
vonta<strong>de</strong> dos que achavam<br />
que o <strong>Bairro</strong> dos a<strong>no</strong>s 80<br />
havia cristalizado e <strong>de</strong> uma<br />
geração mais <strong>no</strong>va que retinha<br />
10 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
<strong>de</strong> pára o Captain Kirk?<br />
a<br />
a<br />
vitalida<strong>de</strong> dos a<strong>no</strong>s 80, mas entre 1995 e 1997 houve um meteorito <strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, o Captain Kirk, o espaço on<strong>de</strong> todos queriam estar.<br />
valida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na energia que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam não se aguentou muito tempo. Mas a sua marca ainda se faz sentir. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />
a energia adolescente dos que<br />
querem que o mundo fosse seu<br />
- agora.<br />
Dois a<strong>no</strong>s alucinantes<br />
O Kirk durou pouco. Talvez não<br />
pu<strong>de</strong>sse ser <strong>de</strong> outra forma, diz<br />
o realizador Jorge Cramez, na<br />
casa dos 40 a<strong>no</strong>s, espécie <strong>de</strong><br />
“do<strong>no</strong> ho<strong>no</strong>rário”, como gosta <strong>de</strong><br />
afirmar. Em sua casa, olhando<br />
para uma foto <strong>de</strong> Marilyn, não<br />
resiste à analogia: “Penso<br />
nela ou <strong>no</strong> [James] Dean como<br />
metáforas. Viveram o tempo<br />
certo para <strong>de</strong>ixarem rasto. O<br />
Kirk também. Viveu o tempo<br />
certo para ficar qualquer coisa.<br />
Aquela potência esgotou-se. Só<br />
podia. Aqueles dois a<strong>no</strong>s foram<br />
alucinantes!”<br />
Os proprietários eram Tiago<br />
Vaz, que hoje está retirado, e o<br />
belga Gilluu Leroy, que se <strong>de</strong>dica<br />
à restauração na Tailândia.<br />
Recuperaram uma velha casa,<br />
transformando-a num bar<br />
dançante. Não era gran<strong>de</strong>, mas<br />
foi optimizado. À direita, uma<br />
máquina <strong>de</strong> flipers, à esquerda<br />
mesas, ro<strong>de</strong>ando uma pista<br />
<strong>de</strong> dança circular, um balcão<br />
corrido e oito televisores.<br />
“No primeiro a<strong>no</strong>, foi um<br />
acontecimento em <strong>Lisboa</strong>”,<br />
recorda Cramez, “agregando<br />
pessoas do Frágil, e <strong>de</strong> outros<br />
espaços, ligadas às artes, dança,<br />
cinema, jornalismo ou moda.<br />
Depois, funcio<strong>no</strong>u o boca-a-boca.<br />
Inicialmente, os ciclos <strong>de</strong> cinema<br />
ao final da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>ram-lhe<br />
visibilida<strong>de</strong>, tornando-o em algo<br />
mais do que sítio <strong>de</strong> copos. Às<br />
sete da tar<strong>de</strong> podia verse<br />
retrospectivas<br />
Em pouco mais <strong>de</strong> seis meses, tor<strong>no</strong>u-se ‘o’ sítio <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>de</strong> realizadores <strong>de</strong> referência.<br />
Em pouco mais <strong>de</strong> seis meses,<br />
era ‘o’ sítio <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.” Ia-se ao<br />
Kirk para se ver e ser visto. Mas,<br />
até pela configuração do espaço,<br />
a pose <strong>de</strong> “ver o ambiente” não<br />
funcionava. “Quem ia lá, ia lá<br />
mesmo”, lembra Ricardo Montas,<br />
38 a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong>signer, a viver hoje<br />
em Londres. “Não era um espaço<br />
on<strong>de</strong> se fosse <strong>de</strong>scontrair. Tinha<br />
que se estar lá, mesmo.”<br />
“O Kirk representa a essência<br />
do <strong>Bairro</strong>, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> num<br />
espaço peque<strong>no</strong> haver pessoas<br />
diferentes. Tanto havia o pessoal<br />
artístico como as pessoas que só<br />
queriam dançar, numa mistura<br />
<strong>de</strong> pessoas mais velhas e <strong>no</strong>vas.”<br />
Montas veio dos arredores <strong>de</strong><br />
Leiria para estudar em <strong>Lisboa</strong>. O<br />
Kirk foi a segunda escola. “Foi o<br />
Kirk que me integrou em <strong>Lisboa</strong>.<br />
E foi dali que abri olhos para o<br />
mundo.”<br />
À porta estava a figurinista<br />
Isabel Peres ou Vanessa Rato,<br />
hoje jornalista do PÚBLICO.<br />
Ao balcão encontrava-se,<br />
inicialmente, DJ Rui Murka,<br />
hoje com 36 a<strong>no</strong>s. “Tinha 22<br />
a<strong>no</strong>s, naquele espaço respiravase<br />
qualquer coisa <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo e<br />
queria fazer parte daquilo. Era<br />
uma excitação ir para lá. Havia<br />
sempre muita gente, aquilo não<br />
parava. Estava sempre ansioso<br />
por ir trabalhar. Fazia parte<br />
<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> pessoas que<br />
se queria afirmar e que sentia<br />
que aquele era o espaço on<strong>de</strong><br />
estavam as coisas a acontecer.”<br />
O tempo <strong>de</strong>u-lhe razão.<br />
Nessa época<br />
“Havia muita avi<strong>de</strong>z<br />
na forma como<br />
aquele ambiente se<br />
consumia e, às tantas,<br />
começou a ser o<br />
ambiente a consumir<br />
algumas pessoas”<br />
Rui Murka, DJ<br />
Todas as <strong>no</strong>ites eram iguais e<br />
distintas (seguindo a lógica dos<br />
clubes britânicos com sessões<br />
temáticas todos os dias)<br />
movimentavam-se uma série<br />
<strong>de</strong> DJs que queriam legitimar<br />
<strong>no</strong>vas so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong>s para lá da<br />
lógica da música <strong>de</strong> dança mais<br />
funcional (house e tec<strong>no</strong>) que<br />
predominava. O Kirk funcio<strong>no</strong>u<br />
como catalisador. Foi ali que<br />
<strong>de</strong>spontaram, ou tiveram<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evoluir, <strong>no</strong>mes<br />
hoje firmados da cultura DJ<br />
portuguesa como Tiago Miranda<br />
(Loosers, Dezperados, Pop Dell’<br />
Arte, Slight Delay), Dinis, Nu<strong>no</strong><br />
Rosa (Pink Boy, Dezperados)<br />
ou Rui Murka. Foi também ali<br />
que o colectivo CoolTrain Crew<br />
(Johnny, Murka, Dinis, Rosa,<br />
Miranda e eu próprio) <strong>de</strong>u os<br />
primeiros passos, antes <strong>de</strong><br />
iniciar residência <strong>no</strong> Ciclone (ex-<br />
Johnny Guitar) e transitar pelo<br />
resto do país.<br />
Todos esses <strong>no</strong>mes, em<br />
conjunto com outros, como os<br />
resi<strong>de</strong>ntes Lígia Pereira ou Rui<br />
Viana (so<strong>no</strong>plasta), criaram a<br />
imagem sónica do Kirk, misto<br />
<strong>de</strong> linguagens em afirmação<br />
na época, do drum & bass ao<br />
jazz mais dançável, até <strong>no</strong>ites<br />
ecléticas on<strong>de</strong> tudo podia<br />
acontecer. Uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>r que chegou a ser<br />
elogiada na revista inglesa “The<br />
Face”.<br />
O sociólogo, músico e artista<br />
António Contador, 38 a<strong>no</strong>s, hoje<br />
em Paris, também por lá andava.<br />
Às vezes como cliente, outras na<br />
cabine <strong>de</strong> DJ. “Recordo-me das<br />
<strong>no</strong>ites Pimp-Pop, ao domingos,<br />
em que o Rui Viana e o Tiago<br />
Vaz misturavam piroseiras<br />
num espírito embriagador, com<br />
aquele cheiro a tabaco e a bafio<br />
por todo o lado que se colava à<br />
pele e era maravilhoso. Lembrome<br />
da Isabel Peres e da Vanessa<br />
Rato na porta, adornavam com o<br />
seu ar ‘arty-trashy’ a cena toda<br />
que girava à volta do Kirk e que<br />
era naquela altura o centro do<br />
universo criativo lisboeta.”<br />
Algumas das <strong>no</strong>ites mais<br />
emblemáticas não aconteciam<br />
aos fins-<strong>de</strong>-semana. A dinâmica<br />
era diferente da actual.<br />
“Não havia tanta oferta”,<br />
reflecte Murka, “e as pessoas<br />
concentravam-se mais num<br />
circuito, contribuindo para que<br />
todos os dias existisse alguma<br />
animação. Havia uma gran<strong>de</strong><br />
dinâmica e aos domingos,<br />
segundas ou terças havia<br />
pessoas para se divertirem.”<br />
Uma das imagens que ainda<br />
hoje perdura é a dos televisores.<br />
“Era singular um bar daqueles<br />
ter tanta informação visual,<br />
com uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> televisores<br />
a passar coisas diversas<br />
- documentários, coisas ligadas<br />
à arte ou fitas clássicas”,<br />
conta Cramez, que fazia<br />
a programação <strong>de</strong><br />
cinema.<br />
O Kirk<br />
libertava uma energia<br />
excessiva. Não era apenas um<br />
bar ou uma discoteca. Era um<br />
organismo vivo e como muitos<br />
locais cuja valida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na<br />
vitalida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam<br />
não se aguentou muito tempo.<br />
“Havia muita avi<strong>de</strong>z na forma<br />
como aquele ambiente se<br />
consumia e, às tantas, começou<br />
a ser o ambiente a consumir<br />
algumas pessoas”, diz Rui<br />
Murka. “Havia tantos exageros<br />
que era impossível manter<br />
aquele negócio. Não havia<br />
cabeça para tal.”<br />
Certa <strong>no</strong>ite, uma dúzia <strong>de</strong><br />
pessoas, entre empregados e<br />
clientes, foi parar à esquadra<br />
e, <strong>de</strong>pois, presente a tribunal.<br />
Acusação: distúrbios à or<strong>de</strong>m<br />
pública. O facto nada teve <strong>de</strong><br />
extraordinário, efeito <strong>de</strong> uma<br />
discussão acalorada entre<br />
empregados, clientes e polícia,<br />
pelo facto do bar ainda conter<br />
pessoas <strong>de</strong>pois das quatro da<br />
manhã, mas Murka assinala<br />
o sucedido como marcante.<br />
“Foi um episódio, mas <strong>de</strong>u<br />
início ao <strong>de</strong>clínio. O primeiro<br />
a<strong>no</strong> foi intenso, com cultura,<br />
diversão e sentido lúdico, mas<br />
<strong>de</strong>pois começaram os exageros<br />
com os consumos ilícitos e<br />
os responsáveis per<strong>de</strong>ram o<br />
controlo à coisa.”<br />
O último com aura<br />
O bar Captain Kirk, <strong>no</strong>me <strong>de</strong><br />
herói do Caminho das Estrelas,<br />
imortalizado na canção<br />
“Where’s Captain Kirk?” do<br />
grupo punk Spizzenerg!,<br />
surgiu num tempo <strong>de</strong> transição<br />
do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>.<br />
Recebeu a herança dos<br />
a<strong>no</strong>s 80, atribuindo-lhe<br />
<strong>no</strong>va energia, generosa mas<br />
<strong>de</strong>smesurada, ao mesmo<br />
tempo que já prenunciava<br />
os <strong>no</strong>vos tempos. A fase <strong>de</strong><br />
empobrecimento coinci<strong>de</strong> já<br />
com a ocupação das ruas do<br />
<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, que começou a<br />
ser vivido <strong>no</strong> exterior e não<br />
<strong>no</strong> interior. Para muitos, como<br />
para Ricardo Montas, foi o<br />
último dos bares icónicos<br />
do <strong>Bairro</strong> a ter essa aura <strong>de</strong><br />
mistério. “Quando entrava<br />
naquele sítio, perguntava-me<br />
sempre: ‘o que vou encontrar<br />
<strong>de</strong>sta vez?’”<br />
A jornalista Maria João<br />
Guardão evoca o espaço <strong>de</strong><br />
forma lapidar: “falar, falar,<br />
falar, beber, beber, beber,<br />
dançar, dançar, dançar, e tudo,<br />
outra e outra vez”.<br />
António Contador recorda<strong>no</strong>s<br />
que um local daqueles<br />
também é espaço <strong>de</strong> afectos:<br />
“Lembro-me tão bem das<br />
pessoas que trabalhavam <strong>no</strong><br />
Kirk, em especial da Cikuta.<br />
Para mim, o Kirk era muito<br />
ela. Nunca lho disse e adorava<br />
fazê-lo. Lembro-me do seu<br />
corpo esguio, das mãos finas<br />
e compridas, do cabelo curto<br />
e do rosto e sorriso à Grace<br />
Jones. Cikuta, se me estás a<br />
ler, fica sabendo que foste<br />
linda e seguramente ainda és.”<br />
Se souberem on<strong>de</strong> ela pára,<br />
digam-lhe.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 11
BA<br />
Típico<br />
PEDRO CUNHA<br />
Mercearias, tascas,<br />
antiquários, ardinas<br />
e velhas casas <strong>de</strong><br />
fado são algumas das<br />
marcas que o <strong>Bairro</strong><br />
<strong>Alto</strong> <strong>de</strong> outros tempos<br />
ainda conserva.<br />
Principalmente<br />
durante o Verão, os<br />
turistas agra<strong>de</strong>cem<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontrole à volta - po<strong>de</strong>m levar<br />
ao colapso <strong>de</strong>sse processo. O conflito<br />
à volta dos horários <strong>de</strong> encerramento<br />
apenas explicitou essa i<strong>de</strong>ia.<br />
A intervenção pública po<strong>de</strong>rá não<br />
fazer sentido em muitas questões, mas<br />
<strong>no</strong> caso da limitação do ruído, é <strong>de</strong>fensável<br />
que aconteça, dizem os moradores.<br />
Para reduzir o barulho, a Câmara<br />
<strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> implementou, em<br />
Outubro, o encerramento dos bares<br />
às duas da manhã. Beli<strong>no</strong> Costa da<br />
Associação <strong>de</strong> Comerciantes do <strong>Bairro</strong><br />
<strong>Alto</strong> diz que existe uma “e<strong>no</strong>rme insatisfação”,<br />
já que é uma medida <strong>de</strong><br />
excepção que “impe<strong>de</strong> a concorrência<br />
em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias com<br />
outras zonas da cida<strong>de</strong>.”<br />
“Não duvido das boas intenções <strong>de</strong><br />
quem tomou essas medidas”, diz<br />
Mário Augusto, <strong>de</strong>signer, <strong>de</strong> 29 a<strong>no</strong>s,<br />
que vive na zona, “o problema são os<br />
efeitos colaterais. Agora toda a gente<br />
sai dos bares em massa à mesma hora,<br />
ficando a marinar por aí, criando focos<br />
<strong>de</strong> tensão. É como a história dos ‘graffiti’.<br />
Toda a gente sabe que as zonas<br />
on<strong>de</strong> são proibidos são as preferidas<br />
<strong>de</strong> quem os faz. Ou seja, ao querer<br />
reprimir-se, está-se a convidar.”<br />
A questão dos horários é apenas<br />
uma, entre outras, reveladora <strong>de</strong> conflitos<br />
<strong>de</strong> interesses, num momento em<br />
que a área vive momentos <strong>de</strong> transformação.<br />
O receio da especulação<br />
imobiliária - intensificado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
se soube da reconversão, em condomínio<br />
privado, do Convento dos Inglesinhos<br />
- ou o temor que a zona se torne<br />
PEDRO CUNHA<br />
<strong>de</strong>masiado turística, são outros temas<br />
que provocam <strong>de</strong>bate aceso.<br />
Mas, apesar do equilíbrio precário<br />
e da insatisfação <strong>de</strong> muitos actores<br />
envolvidos na dinâmica <strong>de</strong> um bairro<br />
cultural com as características do<br />
<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, nada <strong>de</strong> essencial ainda<br />
se per<strong>de</strong>u. Ao longo da história a zona<br />
tem conseguido manter o seu dinamismo<br />
e apresentado uma gran<strong>de</strong><br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regeneração.<br />
Hoje continua a manter públicos,<br />
re<strong>no</strong>vando-os, e conserva o ambiente<br />
- apesar <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r dizer que está<br />
mais <strong>de</strong>gradado - que lhe <strong>de</strong>u reputação,<br />
ao mesmo tempo que manteve<br />
as re<strong>de</strong>s e formas específicas <strong>de</strong> interacção<br />
com outras activida<strong>de</strong>s que lhe<br />
permitiram afirmar-se.<br />
Nas cida<strong>de</strong>s estáveis, maduras e<br />
dinâmicas, com suficiente massa crítica,<br />
existe gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
re<strong>no</strong>vação. Há aptidão para alimentar,<br />
periodicamente, <strong>no</strong>vos ambientes<br />
criativos. Nos últimos a<strong>no</strong>s, o prolongamento<br />
do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> tem sido<br />
encetado na direcção do bairro da<br />
Bica, Cais do Sodré, Cais da Pedra<br />
(Lux) ou Santos.<br />
Mas até po<strong>de</strong> acontecer que surja<br />
um <strong>no</strong>vo eixo cultural e boémio <strong>no</strong>utra<br />
zona da cida<strong>de</strong>. “<strong>Lisboa</strong> tem<br />
dimensão para ter outros bairros culturais”,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Pedro Costa, “mas<br />
necessitariam <strong>de</strong> uma actuação<br />
pública mais vincada do que acontece<br />
<strong>no</strong> <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, seja <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> facilitar<br />
a apropriação do espaço pelas<br />
activida<strong>de</strong>s culturais, seja <strong>de</strong> disciplinar<br />
as operações urbanísticas que lá<br />
acontecem.”<br />
Quem sabe se qualquer coisa capaz<br />
<strong>de</strong> gerar uma dinâmica semelhante à<br />
do <strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong> não po<strong>de</strong>rá nascer na<br />
Baixa, em Braço <strong>de</strong> Prata (Cabo Ruivo),<br />
on<strong>de</strong> a reutilização <strong>de</strong> espaços inexplorados<br />
é possível, na Almirante Reis,<br />
on<strong>de</strong> as rendas ainda são baratas, ou<br />
na zona industrial <strong>de</strong> Alcântara? O<br />
<strong>Bairro</strong> <strong>Alto</strong>, algo congestionado, até<br />
era capaz <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer.<br />
12 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
www.casadamusica.com | T 220 120 220
FOTOGRAFIAS DE ANTON CORBIJN<br />
Larry Mullen diz, <strong>de</strong> tempos a tempos,<br />
que os U2 são a sua banda. Historicamente,<br />
tem razão. Foi ele que em<br />
1976, em Dublin, afixou um anúncio<br />
na escola requisitando músicos para<br />
formar um grupo. The Edge e Bo<strong>no</strong><br />
foram alguns dos que respon<strong>de</strong>ram e<br />
o baixista Adam Clayton chegou como<br />
amigo do guitarrista. Ou seja, não fossem<br />
as audições organizadas por Mullen<br />
na cozinha da sua casa e aquela<br />
que é hoje consi<strong>de</strong>rada a maior banda<br />
do mundo não existiria.<br />
Por isso, o baterista que, como acontece<br />
com a maioria dos bateristas, é o<br />
membro da banda com me<strong>no</strong>s entradas<br />
em pesquisa do Google (tem 546<br />
mil, próximas das 750 mil <strong>de</strong> Adam<br />
Clayton, longe dos muitos milhões <strong>de</strong><br />
Bo<strong>no</strong> e Edge). Levanta a voz e exclama:<br />
“Os U2 são a minha banda!” Claro que<br />
não é para levar a sério e ele sabe-o.<br />
Citamo-lo, na Wikipedia, recordando<br />
os primeiros passos do grupo: “Fomos<br />
a Larry Mullen Band por cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
minutos, <strong>de</strong>pois Bo<strong>no</strong> apareceu e elimi<strong>no</strong>u<br />
qualquer hipótese que eu<br />
tivesse <strong>de</strong> estar <strong>no</strong> comando”.<br />
Se tal foi verda<strong>de</strong> nesse 1976 em<br />
que quatro adolescentes <strong>de</strong> Dublin,<br />
pouco dotados tecnicamente, se juntaram<br />
para tocar versões e tentar<br />
inventar alguns originais, inspirados<br />
pelos Clash e pelos Joy Division, hoje<br />
em dia é uma evidência inescapável.<br />
Os U2 são a última gran<strong>de</strong> banda<br />
<strong>de</strong> estádio, uma das poucas da sua<br />
geração a ter impacto real junto <strong>de</strong><br />
um público alargado e numa <strong>de</strong>pauperada<br />
indústria discográfica. Cada<br />
<strong>no</strong>vo disco é muito mais que um simples<br />
lançamento: é um acontecimento<br />
esmiuçado ao porme<strong>no</strong>r e<br />
analisado bem para além da música.<br />
“No Line On The Horizon”, álbum<br />
que põe fim ao maior hiato entre edições<br />
na história da banda - há cinco<br />
a<strong>no</strong>s a separá-lo <strong>de</strong> “How To Dismantle<br />
An Atomic Bomb” -, surge como<br />
<strong>no</strong>va prova disso mesmo.<br />
Acompanharam-se as movimentações<br />
da banda entre Marrocos,<br />
Holanda, Estados Unidos e Irlanda,<br />
especulando-se sobre uma revolução<br />
so<strong>no</strong>ra que incluiria transe magrebi<strong>no</strong><br />
e outras músicas africanas. Falou-se e<br />
sonhou-se com os resultados da parceria<br />
com os produtores Brian E<strong>no</strong> e<br />
Daniel La<strong>no</strong>is, ligados a alguns dos<br />
momentos mais criativos dos U2,<br />
como “Unforgettable Fire” ou<br />
“Achtung Baby”. E, com isso, veio tudo<br />
o resto. Se “How To Dismantle An Atomic<br />
Bomb” reflectia a era <strong>de</strong> chumbo<br />
da Administração Bush, controverso<br />
amigo pessoal <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong> (já lá vamos),<br />
“No Line On The Horizon”, a começar<br />
pela capa do fotógrafo japonês Hiroshi<br />
Sugimoto, sugere o reencontro com<br />
um certo equilíbrio.<br />
Rock e filantropia<br />
Naturalmente, tudo se centra em<br />
Bo<strong>no</strong>, o cantor <strong>no</strong>meado Sir por Elisabeth<br />
II, “o homem do a<strong>no</strong>” <strong>de</strong> 2005,<br />
distinguido pela “Time” ao lado do<br />
casal Bill e Melinda Gates, a estrela<br />
rock que é personagem política omnipresente,<br />
correndo da Casa Branca<br />
para o 10 <strong>de</strong> Downing Street numa<br />
tentativa <strong>de</strong> consciencializar a elite<br />
política da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvar África<br />
da fome, da sida, da miséria e da corrupção<br />
- não é por acaso que os seus<br />
admiradores lhe chamam Santo Bo<strong>no</strong>,<br />
não é por acaso que os <strong>de</strong>tractores lhe<br />
chamam o mesmo. Ele tenta separar<br />
as águas e distinguir a sua activida<strong>de</strong><br />
como filantropo da sua posição <strong>de</strong><br />
vocalista <strong>de</strong> uma banda rock, mas tem<br />
perfeita consciência que tal é impossível<br />
- o <strong>no</strong>vo álbum, <strong>de</strong> resto, está<br />
repleto <strong>de</strong> referências a isso mesmo.<br />
“Há o perigo <strong>de</strong> as pessoas começarem<br />
a ver os U2 como parte do espectáculo<br />
Bo<strong>no</strong>”, dizia Larry Mullen a<br />
Sean O’Hagan, jornalista do “Guardian”<br />
que acompanhou o longo processo<br />
<strong>de</strong> gravação <strong>de</strong> “No Line On The<br />
Horizon”. “Admiro e apoio tudo o que<br />
ele faz”, continuava, “mas afirmo categoricamente<br />
que não é isso que<br />
suce<strong>de</strong>”.<br />
Assim sendo, talvez o erro <strong>de</strong> percepção<br />
esteja <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso olhar. Talvez<br />
os U2, pela dimensão que têm - são<br />
uma das bandas que mais discos ven<strong>de</strong><br />
em todo o mundo e a que tem as<br />
digressões mais lucrativas -, não consigam<br />
escapar a essa leitura.<br />
Nesta altura, e já há muito, a música<br />
é apenas parte da equação. Não por<br />
acaso, todos os álbuns que editaram<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> “Pop” (1997) são analisados<br />
tendo o próprio percurso da banda<br />
como referência. Dizemo-los mais<br />
aventureiros ou mais conservadores,<br />
mais interventivos ou introspectivos<br />
por comparação com a sua obra, não<br />
com o pa<strong>no</strong>rama global da música<br />
popular urbana: tornaram-se um<br />
género acima dos géneros - e, nele, o<br />
Bo<strong>no</strong> “salvador do mundo” que muito<br />
fala e não canta é componente tão<br />
inescapável quanto a lumi<strong>no</strong>sida<strong>de</strong><br />
reverberante da guitarra <strong>de</strong> Edge.<br />
“No Line On The Horizon”, o <strong>no</strong>vo<br />
álbum, não po<strong>de</strong>ria nunca escapar a<br />
essa percepção - uma faca <strong>de</strong> dois<br />
gumes.<br />
Por um lado, torna a banda e os seus<br />
membros personalida<strong>de</strong>s com uma<br />
exposição e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influência<br />
ímpar <strong>no</strong> cenário musical: as suas<br />
i<strong>de</strong>ias, qualquer que seja o assunto,<br />
vão ser escutadas atentamente, amplificadas<br />
e discutidas <strong>no</strong> espaço<br />
público.<br />
Por outro, a sua relevância <strong>no</strong>s<br />
mecanismos criativos da cultura pop<br />
contemporânea está reduzida ao seu<br />
peso como instituição - e neste<br />
momento ele é tal que, num certo sentido,<br />
atingiram o patamar dos Rolling<br />
Stones: po<strong>de</strong>m mudar, po<strong>de</strong>m até i<strong>no</strong>var,<br />
mas nunca serão, como <strong>no</strong> passado,<br />
alavanca para a mudança.<br />
Além da auto-ironia <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong> quanto<br />
à sua dupla condição <strong>de</strong> músico e <strong>de</strong><br />
activista político - “be careful of small<br />
man with big i<strong>de</strong>as”, canta na <strong>no</strong>va<br />
“Stand up comedy”; “the right to be<br />
ridiculous is something I hold <strong>de</strong>ar”,<br />
informa em “I’ll go crazy if I don’t go<br />
crazy tonight” -, além da sua transparência<br />
e interesse nulo em manter uma<br />
imagem <strong>de</strong> estrela rock’n’roll politicamente<br />
correcta (o mundo, incluindo os<br />
companheiros <strong>de</strong> banda, irritou-se com<br />
os seus encontros com George W. Bush<br />
e ele respon<strong>de</strong>u com o maior apoio<br />
america<strong>no</strong> <strong>de</strong> sempre à prevenção da<br />
sida em África), além <strong>de</strong> tudo isto que<br />
não é a música mas são os U2, dizíamos,<br />
o mais interessante é ver como esta<br />
banda acredita na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marcar<br />
a agenda criativa da actualida<strong>de</strong>.<br />
De Fez para o mundo<br />
“No Line On The Horizon” começou<br />
a nascer na cida<strong>de</strong> marroquina <strong>de</strong> Fez.<br />
Após umas abortadas sessões <strong>de</strong> gravação<br />
com Rick Rubin, mítico produtor<br />
dos Beastie Boys e, <strong>de</strong>pois disso,<br />
responsável pela reabilitação criativa<br />
Os U2 são a última gran<strong>de</strong> banda <strong>de</strong> estádio, uma das poucas a ter impacto real junto <strong>de</strong> um públi c<br />
e cada <strong>no</strong>vo disco é um acontecimento analisado bem para além da música. “No Line On The Ho r<br />
“No Line On The Horizon” existe e i<br />
Música<br />
acontecimen
“Pessoas como eu,<br />
todos os activistas,<br />
po<strong>de</strong>m ser<br />
consi<strong>de</strong>rados<br />
culpados <strong>de</strong> achar<br />
que têm uma<br />
<strong>de</strong>sculpa para serem<br />
fundamentalistas.<br />
É por isso que tantos<br />
militantes<br />
anti-pobreza são tão<br />
aborrecidos.<br />
Eu incluído”<br />
Bo<strong>no</strong><br />
<strong>de</strong> Johnny Cash, os U2 voltaram-se<br />
para terre<strong>no</strong>s mais familiares. Convocados<br />
Brian E<strong>no</strong> e Daniel La<strong>no</strong>is,<br />
reconvertido o jardim interior <strong>de</strong> um<br />
hotel <strong>de</strong> luxo em estúdio, começou o<br />
longo processo <strong>de</strong> gravação.<br />
Ao “Guardian”, Larry Mullen recordou<br />
as sessões em Fez como um período<br />
libertador: “Tocar música pelo<br />
simples prazer <strong>de</strong> o fazer, sem nenhum<br />
verda<strong>de</strong>iro objectivo à vista. Foi por<br />
vezes caótico, mas mesmo o caos foi<br />
criativo.” Acrescentou: “Por vezes per<strong>de</strong>mos<br />
consciência disso, com todas<br />
as outras coisas que agora surgem por<br />
estarmos <strong>no</strong>s U2.”<br />
As “outras coisas” <strong>de</strong> que fala são,<br />
por exemplo, ver Paul Allen, co-fundador<br />
da Microsoft e um dos homens<br />
mais ricos do mundo, aparecer <strong>no</strong><br />
estúdio para uma jam com a sua banda<br />
amadora, são Bo<strong>no</strong> a oferecer um jantar<br />
à Rainha da Jordânia e a acolhe-la<br />
<strong>no</strong> dia seguinte como espectadora <strong>de</strong><br />
um ensaio - dois mundos a colidir, o<br />
da aristocracia mediática e o da banda<br />
rock entregue à gravação <strong>de</strong> um disco.<br />
Bo<strong>no</strong> nega tal conflito: “Quando estou<br />
com os U2 a fazer o trabalho dos U2<br />
têm-me a cem por cento ou não estaria<br />
aqui agora e certamente que não teríamos<br />
feito um álbum como este.”<br />
Explica: “Entrego o meu tempo à<br />
minha família, à minha banda e ao<br />
meu interesse pelo mundo.” Segundo<br />
ele, não há interferências entre cada<br />
um dos pla<strong>no</strong>s. Vejamos.<br />
Diz compreen<strong>de</strong>r os que vêem nele<br />
uma personalida<strong>de</strong> irritante: “Pessoas<br />
como eu, todos os activistas, po<strong>de</strong>m<br />
ser consi<strong>de</strong>rados culpados <strong>de</strong> achar<br />
que, como lidam com questões <strong>de</strong> vida<br />
ou <strong>de</strong> morte, têm uma <strong>de</strong>sculpa para<br />
serem fundamentalistas. É por isso<br />
que tantos militantes anti-pobreza são<br />
tão aborrecidos. Eu incluído.” A sua<br />
posição enquanto vocalista surge,<br />
então, como reflexo da exposição<br />
enquanto “militante irritante”: “[A<br />
vida <strong>no</strong>s U2] tor<strong>no</strong>u-se um lugar muito<br />
privado e muito especial. As canções<br />
tornaram-se mais intimistas. [Com “No<br />
Line On The Horizon”] queria chegar<br />
a um lugar íntimo, interior. Quero<br />
escapar ao sujeito e ao tema e torná-los<br />
puro intercâmbio.”<br />
“No Line On The Horizon”, preparado<br />
ao longo <strong>de</strong> dois longos a<strong>no</strong>s,<br />
criado a partir <strong>de</strong> sessões <strong>de</strong> gravação<br />
que produziram cerca <strong>de</strong> seis <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong> canções - prevê-se que, até ao final<br />
do a<strong>no</strong>, seja editado um <strong>no</strong>vo álbum<br />
com o material exce<strong>de</strong>nte -, não é propriamente<br />
esse lugar privado. Bo<strong>no</strong><br />
satiriza a sua própria imagem, dá voz<br />
a soldados em guerra num lugar in<strong>de</strong>finido<br />
- mas é <strong>no</strong> Médio Oriente, obviamente,<br />
que os imaginamos -, atira amor<br />
cristão sobre o presente e exclama:<br />
“The future needs a big kiss.”<br />
Não há espaço para intimida<strong>de</strong><br />
quando o mundo espera ler-se a si<br />
mesmo nas palavras e na música <strong>de</strong><br />
uma banda rock. Não é possível separar<br />
a estrela rock do cidadão filantropo<br />
quando a banda se tor<strong>no</strong>u maior que<br />
a sua própria música.<br />
Chegou o <strong>no</strong>vo disco do maior<br />
grupo do mundo e o ruído do<br />
momento é amplificado pelo facto <strong>de</strong><br />
os U2, como aponta Sean O’Hagan,<br />
serem os últimos a “insistir que o rock<br />
tem um qualquer significado superior,<br />
num tempo em que o formato parece<br />
perseguido pela sua falta <strong>de</strong> ressonância<br />
cultural”.<br />
Pois bem, aí o temos. Justa ou injustamente,<br />
tudo o resto (a re<strong>no</strong>vação<br />
estética, os temas abordados, a ironia<br />
e o intimismo <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>) é secundário.<br />
“No Line On The Horizon” existe. Eis<br />
o acontecimento.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 44 e 45<br />
i co alargado. São a banda <strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>, estrela rock e filantropo,<br />
o rizon” surge como <strong>no</strong>va prova disso mesmo. Mário Lopes<br />
e isso é um<br />
nto<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 15
Simone e Zélia Duncan nunca tinham<br />
pensado em cantar juntas. Mas uma<br />
sucessão <strong>de</strong> acasos levou-as a partilharem<br />
o palco, num espectáculo que<br />
só agora sai do Brasil para três apresentações<br />
em Portugal: dia 2 na<br />
Figueira da Foz (CAE), 3 <strong>no</strong> Porto<br />
(Coliseu) e 6 em <strong>Lisboa</strong> (Campo<br />
Peque<strong>no</strong>).<br />
Simone conta como tudo suce<strong>de</strong>u:<br />
“Temos um amigo comum, [o produtor<br />
e compositor] Hermínio Bello <strong>de</strong><br />
Carvalho, que foi com quem comecei.<br />
A Zélia e a Bia Paes Leme estavam a<br />
produzir um disco do Hermínio e fui<br />
convidada a participar numa das faixas,<br />
‘Ouro e incenso’, música <strong>de</strong>le<br />
com o Martinho da Vila. Gravei.<br />
Semanas <strong>de</strong>pois, fui gravar o meu<br />
DVD e convi<strong>de</strong>i a Zélia a participar,<br />
junto com Milton e Ivan Lins.”<br />
Foi <strong>no</strong> Teatro João Caeta<strong>no</strong>, em<br />
Agosto <strong>de</strong> 2005. Mas o convite nasceu<br />
<strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> canções. Simone<br />
pedira a Zélia que fizesse uma versão<br />
<strong>de</strong> “The Blowers’s Daughter”, <strong>de</strong><br />
Damien Rice, e Zélia ripostara<br />
enviando-lhe uma versão <strong>de</strong> “La edad<br />
<strong>de</strong>l cielo”, <strong>de</strong> Jorge Drexler, feita por<br />
Paulinho Moska, propondo-lhe que<br />
a ouvisse. “Quer cantar comigo?”,<br />
perguntou Simone. Quis. “E aí começou.”<br />
No lançamento do DVD <strong>de</strong> Simone,<br />
<strong>no</strong> Canecão, Zélia também subiu ao<br />
palco. Na plateia estava Márcia Alvarez,<br />
directora artística do Tom Brasil,<br />
que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> as ouvir as <strong>de</strong>safiou a<br />
fazerem um espectáculo juntas. Zélia<br />
aceitou: “Tenho a minha carreira,<br />
faço milhares <strong>de</strong> coisas ao mesmo<br />
tempo e achei maravilhoso estar com<br />
uma artista como a Simone, que sempre<br />
admirei tanto.” Simone recorda:<br />
“O primeiro espectáculo foi em<br />
Agosto <strong>de</strong> 2006, <strong>de</strong>pois fizemos outro<br />
<strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro em Dezembro e o<br />
disco foi gravado em Outubro do a<strong>no</strong><br />
seguinte, 2007.” E chegou às lojas <strong>no</strong><br />
Brasil em Junho <strong>de</strong> 2008 com o título<br />
“Amigo é Casa”, logo seguido do<br />
DVD.<br />
Esta é, em síntese, a história do<br />
projecto. “O reportório estava pronto<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, nada foi mudado”, diz<br />
Simone. “A única música que foi<br />
acrescentada foi ‘Amigo é casa’, que<br />
<strong>de</strong>u o <strong>no</strong>me ao CD e ao DVD. É uma<br />
música lindíssima [parceria <strong>de</strong> Hermínio<br />
com Capiba] que sempre foi<br />
pensada como extra. A gente reunia<br />
as pessoas na casa do Hermínio ou<br />
na minha casa e conversava sobre a<br />
“Na verda<strong>de</strong>, das 26<br />
músicas que foram<br />
gravadas, só oito ou<br />
<strong>no</strong>ve cantámos<br />
separadas. Então,<br />
em 70 por cento do<br />
espectáculo estamos<br />
cantando juntas.<br />
É uma dupla,<br />
mesmo”, diz Simone.<br />
Zélia concorda:<br />
“Somos duas<br />
cantoras solistas<br />
mas aqui somos<br />
uma dupla, tudo<br />
foi feito para que<br />
cantássemos juntas,<br />
o que dá um tom<br />
singular ao projecto”<br />
amiza<strong>de</strong>, a família e cantava essa<br />
música.” É assim, aliás, que surge <strong>no</strong><br />
DVD da dupla, gravado em casa <strong>de</strong><br />
Simone, como único bónus extraconcerto.<br />
Mas em Portugal, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> 15 shows pelo Brasil, a canção vai<br />
mesmo ser incluída <strong>no</strong> espectáculo.<br />
“É uma <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> que vocês vão<br />
po<strong>de</strong>r ver”, diz Zélia. “É um momento<br />
muito bonito, só voz e violão on<strong>de</strong> a<br />
gente canta juntas ‘Amigo é casa’,<br />
mais ou me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> meio do espectáculo.”<br />
Uma dupla, mesmo<br />
Des<strong>de</strong> o início, ambas garantem que<br />
resistiram à tentação da facilida<strong>de</strong>.<br />
Simone disse a Márcia, em resposta<br />
ao convite: “Não vamos reunir <strong>de</strong>z<br />
sucessos e cantá-los porque vai ficar<br />
uma coisa muito chata, ridícula, sem<br />
nenhuma criativida<strong>de</strong>. Vamos tentar<br />
fazer uma coisa que a gente nunca<br />
tenha cantado.” Zélia acrescenta:<br />
“Quisemos escolher um reportório<br />
que não fosse óbvio. E foi muito emocionante.<br />
Fizemos uma lista do que<br />
pu<strong>de</strong>sse ser relevante para ser registado,<br />
que não parecesse um truque.”<br />
Assim vieram “Meu ego” (Roberto e<br />
Erasmo Carlos), “Gatas extraordinárias”<br />
(Caeta<strong>no</strong>), “Grávida” (Marina<br />
Lima e Arnaldo Antunes). Ou “A companheira”,<br />
<strong>de</strong> Luiz Tatit, que Zélia<br />
canta sozinha ao longo <strong>de</strong> seis minutos.<br />
“É maravilhosa, mas jamais vou<br />
<strong>de</strong>corar uma música <strong>de</strong>sse tamanho”,<br />
diz Simone. “Luiz Tatit é um compositor<br />
da vanguarda paulista e é um<br />
dos meus ídolos”, justifica Zélia. “A<br />
canção é uma história linda, mas difícil.”<br />
E há também a versão <strong>de</strong> “The<br />
Blower’s Daughter”, que Zélia escreveu<br />
para Simone como “Então me<br />
diz” e é agora cantada pelas duas. “A<br />
gente não sabia que a Ana Carolina<br />
também estava a fazer uma versão<br />
[com o título ‘É isso aí’]. O escritório<br />
do Damien Rice <strong>de</strong>u os direitos à<br />
Simone para ela gravar, eu fiz a versão,<br />
e só na véspera soube da outra<br />
versão. Que loucura! Foi uma coincidência,<br />
mesmo...”<br />
Já a intenção <strong>de</strong> acentuar o trabalho<br />
a duas foi tudo me<strong>no</strong>s coincidência.<br />
“Na verda<strong>de</strong>, das 26 músicas que<br />
foram gravadas, só oito ou <strong>no</strong>ve cantámos<br />
separadas. Então, em 70 por<br />
cento do espectáculo estamos cantando<br />
juntas. É uma dupla, mesmo”,<br />
diz Simone. Zélia concorda: “Somos<br />
duas cantoras solistas mas aqui somos<br />
uma dupla, tudo foi feito para que<br />
cantássemos juntas, o que dá um tom<br />
singular ao projecto.”<br />
“As vozes combinaram bastante”,<br />
diz Simone. “Visto <strong>de</strong> fora, não tenho<br />
nada a ver com a Zélia e ela não tem<br />
nada a ver comigo. É <strong>de</strong> uma geração<br />
mais <strong>no</strong>va que a minha, é uma cantora<br />
pop, rock, mas também viaja<br />
pelo universo do samba. Tem uma<br />
cultura musical muito boa, é uma<br />
cantora e compositora muito boa,<br />
mas acredito que ela jamais tenha<br />
pensado (como eu também não pensei)<br />
que um dia cantaríamos juntas.”<br />
Já Zélia Duncan recorda Simone<br />
como uma referência antiga. “Comecei<br />
a cantar com 16 a<strong>no</strong>s e Simone,<br />
como Bethânia, Elis, Elizeth Cardoso,<br />
Gal Costa, sempre foram meus ídolos.<br />
Eu morava em Brasília e a primeira<br />
vez que vim ao Rio, ao Canecão, foi<br />
para assistir a um show da Simone.<br />
Então, voltarmos àquele palco as<br />
duas, juntas, foi uma gran<strong>de</strong> emoção<br />
para mim.” Simone também dá muito<br />
valor à experiência. E por uma razão<br />
acrescida: “Adoro dividir o palco,<br />
adoro cantar junto, sempre fui colectivo.<br />
Você apren<strong>de</strong> uma lição quando<br />
divi<strong>de</strong> o palco: é que não po<strong>de</strong> ultrapassar<br />
essa linha ténue do seu companheiro<br />
ou companheira. Tem que<br />
se ser mais rigoroso.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos pág. 44 e agenda<br />
<strong>de</strong> concertos pág. 42<br />
Música<br />
uma<br />
O primeiro espectáculo musical a que Zélia<br />
Duas em<br />
Duncan assistiu <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, na sua juventu<strong>de</strong>,<br />
foi <strong>de</strong> Simone. Agora andam juntas pelos palcos<br />
e, antes <strong>de</strong> uma digressão em Portugal explicam<br />
como e porquê. Nu<strong>no</strong> Pacheco<br />
Simone, à direita,<br />
diz que “as vozes<br />
combinaram<br />
bastante”<br />
16 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
RENATO NUNES<br />
Associado ao surto <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong><br />
dos últimos a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> jazz nacional,<br />
Nelson Cascais saltou, <strong>de</strong> forma quase<br />
imperceptível, para a linha da frente<br />
dos contrabaixistas portugueses.<br />
Subitamente, e ainda enquanto<br />
alu<strong>no</strong> da escola do Hot Clube <strong>de</strong> Portugal,<br />
o seu <strong>no</strong>me passou a alinhar<br />
com os mais <strong>de</strong>stacados músicos <strong>de</strong><br />
jazz, ao mesmo tempo que era solicitado<br />
para tocar e gravar com Isaac<br />
Turienzo, Abe Rába<strong>de</strong> e Jesús Santandreu<br />
e para acompanhar músicos<br />
<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s e europeus <strong>de</strong> passagem<br />
por Portugal.<br />
Aos 20 a<strong>no</strong>s, apresentou-se durante<br />
três <strong>no</strong>ites com Rick Margitza, o primeiro<br />
<strong>de</strong> vários músicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />
internacional com quem pisou o<br />
palco, entre eles Maria Schnei<strong>de</strong>r,<br />
David Binney, Aaron Goldberg, Antonio<br />
Faraò, Rich Perry, Jerome Richardson<br />
ou Antonio Sanchez.<br />
Nelson Cascais relembra que a sua<br />
atracção pela música começou cedo.<br />
“Contam os meus pais que, com três<br />
ou quatro a<strong>no</strong>s, ficava atento a ouvir<br />
a música clássica na RDP. Além disso,<br />
como tinha ple<strong>no</strong> acesso à aparelhagem<br />
e aos discos, tinha sempre<br />
música a tocar.” Era uma família marcada<br />
pela música: “O meu pai tocava<br />
guitarra e cantava. Tinha tido os seus<br />
conjuntos <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> 50 e 60 e contava-me<br />
imensas histórias, que me<br />
fascinavam. A minha mãe passava o<br />
dia a cantar, e cantava bem. Tinha eu<br />
sete ou oito a<strong>no</strong>s, ofereceram-me um<br />
órgão electrónico, com o qual brinquei<br />
à música até aos 14.”<br />
Foi então que um professor do<br />
liceu se lembrou <strong>de</strong> formar uma<br />
banda <strong>de</strong> alu<strong>no</strong>s para tocar na festa<br />
<strong>de</strong> final <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. “Não havia baixista<br />
e ofereci-me. Nunca tinha tocado<br />
baixo até então. O meu irmão mais<br />
velho tocava numa banda <strong>de</strong> rock e<br />
comecei a praticar na guitarra <strong>de</strong>le,<br />
até que o professor me emprestou o<br />
seu baixo eléctrico. Safei-me e nasceu<br />
um baixista. Foi uma viragem na<br />
minha vida, porque nunca me tinha<br />
sentido feliz <strong>no</strong> meio escolar. Até<br />
então sentira-me sempre <strong>de</strong>senquadrado.<br />
Mas, a partir <strong>de</strong>sse momento,<br />
a escola passou para um segundo<br />
pla<strong>no</strong> e tor<strong>no</strong>u-se suportável porque<br />
per<strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> me afligir.”<br />
O papel do irmão tor<strong>no</strong>u-se crucial,<br />
principalmente quando <strong>de</strong>cidiu oferecer<br />
ao jovem Nelson o seu primeiro<br />
baixo eléctrico. A música nunca mais<br />
lhe sairia da cabeça: “Vieram as bandas<br />
<strong>de</strong> garagem, o rock alternativo,<br />
que me marcou <strong>de</strong>finitivamente com<br />
Joy Divison, The Smiths, Bauhaus. E<br />
<strong>de</strong>pois, nem sei como, chega-me o<br />
‘Tutu’ do Miles Davis. Por essa altura,<br />
e por achar que po<strong>de</strong>ria ser ‘cool’<br />
Nelson Cascais O meni<strong>no</strong> bonito do<br />
jazz<br />
Música<br />
Um professor do liceu lembrou-se <strong>de</strong> formar uma banda <strong>de</strong> alu<strong>no</strong>s para tocar na festa<br />
<strong>de</strong> final <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. Aí “nasceu um baixista”. Nelson Cascais lança “Guruka”, disco que volta<br />
a dar conta <strong>de</strong> um espírito arrojado e aberto a diversas influências. Paulo Barbosa<br />
18 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
“O que <strong>de</strong>sejo<br />
verda<strong>de</strong>iramente<br />
é que a minha música<br />
provoque emoções<br />
em quem a escuta”<br />
ouvir jazz com os amigos, comprei<br />
na feira da ladra dois discos <strong>de</strong> jazz:<br />
‘Random Abstract’ do Brandford Marsalis<br />
e um do Sexteto <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
com Mário Laginha, Jorge Reis,<br />
Tomás Pimentel...”<br />
Foi com o grupo <strong>de</strong> Mário Laginha<br />
que teve a sorte <strong>de</strong> se <strong>de</strong>parar logo<br />
na sua primeira ida ao Hot Clube.<br />
“Nunca esquecerei o impacto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer<br />
as escadinhas e ver aqueles ‘craques’<br />
a tocar à minha frente. O interesse<br />
pelo jazz começou a acentuar-se<br />
e, com ele, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ir para a Escola<br />
do Hot.”<br />
Orgânico<br />
Aos 18 a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong> baixo eléctrico na<br />
mão, Nelson foi bater à porta da<br />
Escola <strong>de</strong> Jazz Luiz Villas-Boas do<br />
HCP. Recorda “uma feliz conversa<br />
com o Eng.º Bernardo Moreira, que<br />
<strong>de</strong>spertou a curiosida<strong>de</strong> pelo contrabaixo.”<br />
Foi também por essa altura<br />
que a namorada, actualmente sua<br />
mulher e mãe da pequena “Guruka”<br />
- a Madalena, <strong>de</strong> dois a<strong>no</strong>s - lhe ofereceu<br />
uma colectânea com gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>no</strong>mes do jazz, como Charles Mingus,<br />
Art Blakey, Clifford Brown, Max<br />
Roach e Billie Holliday, “na esperança”<br />
<strong>de</strong> que se “<strong>de</strong>ixasse seduzir<br />
pela so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong> do contrabaixo, instrumento<br />
<strong>de</strong> que ela muito gostava”.<br />
“Foi com estes discos que, <strong>de</strong>finitivamente,<br />
me apaixonei pelo jazz e pelo<br />
contrabaixo.”<br />
Consi<strong>de</strong>ra um privilégio ter tido<br />
aulas com os contrabaixistas Carlos<br />
Barretto e Bernardo Moreira. Reconhece<br />
neste último “um mentor”:<br />
“Sempre que não podia fazer um concerto<br />
mandava-me em seu lugar. Tive<br />
oportunida<strong>de</strong>s incríveis, que aceitei<br />
sempre e com as quais aprendi<br />
imenso.” Pedro Moreira, que pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois tomou as ré<strong>de</strong>as da<br />
escola, conta-<strong>no</strong>s que “o Nelson era<br />
um alu<strong>no</strong> extremamente <strong>de</strong>dicado e<br />
‘sacava’ os temas todos. Em pouco<br />
tempo, tinha um excelente som <strong>de</strong><br />
contrabaixo e um tempo muito bom.<br />
O fraseio, a linha <strong>de</strong> baixo... já estava<br />
tudo certo.”<br />
O mesmo Pedro Moreira, que agora<br />
integra o grupo do contrabaixista,<br />
consi<strong>de</strong>ra-o “um lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong><br />
e inteligência, que sabe o<br />
que quer, mas sabe também <strong>de</strong>ixar<br />
espaço para o resto do pessoal opinar,<br />
ouvindo-<strong>no</strong>s sempre. É um<br />
músico com muito bom gosto, muito<br />
orgânico, com tudo integrado.”<br />
Por causa <strong>de</strong> uma agenda preenchida,<br />
a sua carreira tem-se pautado<br />
por um hiato <strong>de</strong> três a<strong>no</strong>s entre cada<br />
edição discográfica, mas o seu percurso<br />
como lí<strong>de</strong>r não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser,<br />
ainda assim, um dos mais admirados<br />
pela crítica e amantes <strong>de</strong>ste género<br />
musical.<br />
Da mesma forma que os mais <strong>de</strong>slumbrantes<br />
finais <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> vivem do<br />
contraste entre as nuvens <strong>no</strong> horizonte<br />
e a luz do sol, a música <strong>de</strong> Nelson<br />
Cascais é rica em subtis sombreados<br />
que não fazem senão sobressair<br />
o esplendor das suas melodias. Se o<br />
seu álbum <strong>de</strong> estreia, “Ciclope”, se<br />
co<strong>no</strong>tava com um jazz mais tradicional,<br />
o registo seguinte, “Nine Stories”,<br />
veio afirmar a originalida<strong>de</strong> e<br />
o elevado apuramento estético <strong>de</strong> um<br />
compositor dig<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>ta. Os angulosos<br />
contor<strong>no</strong>s das histórias musicais<br />
do contrabaixista eram limados<br />
pela elevada proficiência dos músicos<br />
do seu quinteto até ao difícil ponto<br />
<strong>de</strong> equilíbrio entre o <strong>de</strong>safiante e o<br />
acessível, entre uma urgência intensamente<br />
visceral e uma lógica profundamente<br />
racional. O resultado foi<br />
uma das gran<strong>de</strong>s edições <strong>de</strong> 2005.<br />
Lançado este a<strong>no</strong>, “Guruka” volta<br />
a dar conta <strong>de</strong> um espírito arrojado<br />
e aberto às mais diversas influências.<br />
“Toda a música que ouvi até hoje contribuiu<br />
para o meu imaginário musical<br />
e acredito que estarão presentes<br />
todas essas influências <strong>no</strong> meu processo<br />
criativo”, diz, na tentativa <strong>de</strong><br />
explicar o ecletismo que caracteriza<br />
a sua música.<br />
“No início eram os Supertramp,<br />
Kate Bush, Joy Division e Smiths.<br />
Depois Tom Jobim, Chico Buarque e<br />
Djavan.” Já na área do jazz, refere<br />
Charles Mingus, “pela intensida<strong>de</strong> e<br />
profundida<strong>de</strong> da sua escrita, pela<br />
forma como a tradição está sempre<br />
presente na sua música, a par <strong>de</strong> toda<br />
a irreverência e vanguardismo”;<br />
Wayne Shorter, “pela sofisticação e<br />
ambiguida<strong>de</strong> harmónica e porque<br />
continua, com quase 80 a<strong>no</strong>s, a trilhar<br />
<strong>no</strong>vos caminhos nesta forma <strong>de</strong><br />
arte.” É também gran<strong>de</strong> admirador<br />
<strong>de</strong> Tony Williams: “Como se não bastasse<br />
ser ‘o baterista <strong>de</strong> jazz’ - eh pá,<br />
o Elvin Jones também, pois claro -, é<br />
também um gran<strong>de</strong> compositor.”<br />
De Radiohead a Bach<br />
Da <strong>no</strong>va geração, <strong>de</strong>staca David Binney,<br />
“pelo eclectismo da sua composição,<br />
com todas as referências e sem<br />
preconceitos.” A pop nunca <strong>de</strong>ixou,<br />
porém, <strong>de</strong> invadir as suas audições:<br />
“Os Radiohead são uma gran<strong>de</strong> fonte<br />
<strong>de</strong> inspiração. Melodias geniais e harmonias<br />
sofisticadíssimas. Imbatíveis”.<br />
Cita ainda Rufus Wainwright e Elliott<br />
Smith como “excelentes escritores<br />
<strong>de</strong> canções”. Mas também, na clássica,<br />
“Prokofiev, Mahler e Bach, sempre<br />
Bach.”<br />
A empatia entre os cinco membros<br />
do <strong>no</strong>vo quinteto <strong>de</strong> Cascais é evi<strong>de</strong>nte<br />
em toda a música <strong>de</strong> “Guruka”.<br />
“O Pedro Moreira e o André Fernan<strong>de</strong>s<br />
tornam a minha música, que<br />
po<strong>de</strong> por vezes ter alguma complexida<strong>de</strong>,<br />
sempre mais fácil. Nunca<br />
ensaiamos muito, não é preciso explicar<br />
nada e fazem solos brutais... É um<br />
gozo e<strong>no</strong>rme. O João Paulo é um<br />
músico <strong>de</strong> uma sensibilida<strong>de</strong> elevadíssima,<br />
livre <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong><br />
clichés na sua linguagem. Tem uma<br />
voz imensamente forte, pessoal, mas<br />
consegue encontrar o seu espaço na<br />
minha música, à qual trouxe uma<br />
so<strong>no</strong>rida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte e que me<br />
apraz imenso. Apesar <strong>de</strong> ter apenas<br />
21 a<strong>no</strong>s, o Iago Fernan<strong>de</strong>z é já um<br />
gigante. Tocar com ele é uma experiência<br />
incrível, pela energia, pela<br />
interacção, pelo som, pela leveza,<br />
pela inteligência... Enfim, reúne todas<br />
as características que aprecio num<br />
baterista <strong>de</strong> jazz contemporâneo.”<br />
Reconhece as vantagens <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
compor para estes músicos. “É muito<br />
bom po<strong>de</strong>r imaginar como a música<br />
irá soar nas suas mãos e po<strong>de</strong>r<br />
escrevê-la para que soe especialmente<br />
bem porque será tocada por<br />
aquele músico que tem aquele som<br />
e aquele discurso. Consigo antever<br />
que uma <strong>de</strong>terminada melodia tocada<br />
pelo André em unísso<strong>no</strong> com o Pedro<br />
po<strong>de</strong> soar muito bem. Por outro lado,<br />
sei que posso escrever qualquer progressão<br />
harmónica porque eles dão<br />
conta do recado.”<br />
Sobre a carga emocional não raras<br />
vezes evi<strong>de</strong>nte na sua música, garante<br />
nunca partir <strong>de</strong> um sentimento ou<br />
emoção para compor, mas admite:<br />
“Ao compor, sou por vezes levado por<br />
um caminho em que me é clara a ligação<br />
a um <strong>de</strong>terminado estado <strong>de</strong> espírito.<br />
Mas o que <strong>de</strong>sejo verda<strong>de</strong>iramente<br />
é que a minha música provoque<br />
emoções em quem a escuta.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos pág. 44 e segs.<br />
SEX <br />
21:00 SALA SUGGIA<br />
<br />
REMIX ENSEMBLE<br />
<br />
<br />
<br />
(Homenagem a Haydn)¹<br />
<br />
, para violoncelo e ensemble²<br />
<br />
, para violoncelo e ensemble<br />
<br />
1 Estreia mundial, encomenda da Casa da Música<br />
2 Encomenda Casa da Música<br />
Ensemble<br />
Intercontemporain<br />
temporain<br />
SEX<br />
<br />
Um programa on<strong>de</strong> o<br />
violoncelo merece <strong>de</strong>staque<br />
enquanto instrumento<br />
solista, proporcionado<br />
pelos mais aclamados<br />
compositores <strong>de</strong> origem<br />
grega do séc. XX. Em estreia<br />
mundial, uma <strong>no</strong>va obra<br />
do Jovem Compositor em<br />
Residência 09.<br />
<br />
<br />
Obras <strong>de</strong>e<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 19
“Tudo começou com uma brinca<strong>de</strong>ira”,<br />
diz Luís Bragança Gil, o gran<strong>de</strong><br />
impulsionador <strong>de</strong> “Deus. Pátria. Revolução”.<br />
Mas até chegar aqui a coisa foi<br />
mudando <strong>de</strong> figura: tor<strong>no</strong>u-se séria,<br />
sem per<strong>de</strong>r o humor. O compositor,<br />
maestro e musicólogo já andava a<br />
estudar a canção política em Portugal<br />
(entre 1960 e 1985). As suas investigações<br />
levaram-<strong>no</strong> a <strong>de</strong>scobrir também<br />
música oficial do regime salazarista<br />
<strong>no</strong>s arquivos. Por outro lado, foi<br />
reler Fernando Lopes-Graça e revisitar<br />
uma das suas obras mais explícitas<br />
i<strong>de</strong>ologicamente: as “Marchas, Danças<br />
e Canções” (<strong>de</strong>pois chamadas<br />
“Heróicas”), canções <strong>de</strong> luta anti-fascista<br />
com textos <strong>de</strong> poetas cúmplices<br />
(José Gomes Ferreira, Mário Dionísio,<br />
Carlos <strong>de</strong> Oliveira, entre outros),<br />
escritas para serem cantadas por<br />
qualquer um - “pelo povo”. Luís Bragança<br />
Gil liga o ponto <strong>de</strong> partida a<br />
uma perplexida<strong>de</strong>: “Estive a reler o<br />
que o Graça escreveu, tenho muita<br />
admiração pela obra, pela pessoa e<br />
pelo intelectual. E fiquei perplexo<br />
com as ‘Marchas, Danças e Canções’.<br />
Aquela obra tem uma questão: é a sua<br />
obra mais datada, são canções fixadas<br />
<strong>no</strong> tempo, é uma obra carregada <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ologia, e levantou-me questões.”<br />
“A ausência <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ologia faz com que<br />
inventemos hi<strong>no</strong>s<br />
vazios, e po<strong>de</strong>mos<br />
cantar o futebol,<br />
gritar ‘Angola é <strong>no</strong>ssa’<br />
ou dizer ‘coca-cola é<br />
que é” Luís Bragança<br />
Gil, musicólogo<br />
Massas e marchas<br />
“Deus. Pátria. Revolução” surgiu antes<br />
<strong>de</strong> mais como uma tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r<br />
a essa perplexida<strong>de</strong>: “Claro<br />
que aquela obra não era para músicos,<br />
mas para toda a gente po<strong>de</strong>r cantar.<br />
Mesmo sabendo isso não se compreen<strong>de</strong><br />
a linguagem que utiliza. Como<br />
um homem com i<strong>de</strong>ias tão claras<br />
sobre o papel do artista, uma clareza<br />
i<strong>de</strong>ológica tão gran<strong>de</strong>, faz ao mesmo<br />
tempo uma música carregada <strong>de</strong> uma<br />
linguagem que <strong>no</strong>s põe dúvida sobre<br />
a i<strong>de</strong>ologia que este homem está a<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Quando se quer levar as<br />
massas, as marchas têm <strong>de</strong> ter sempre<br />
a mesma linguagem...”.<br />
Questão equívoca, difícil e repisada<br />
da forma e do conteúdo? Sim, também.<br />
Pois foi mesmo essa a i<strong>de</strong>ia que<br />
provocou a explosão musical <strong>de</strong><br />
“Deus. Pátria. Revolução”, em que há<br />
canções gravadas, uma orquestra,<br />
solistas e um coro, há hi<strong>no</strong>s <strong>de</strong> direita<br />
e <strong>de</strong> esquerda, hi<strong>no</strong>s da Mocida<strong>de</strong> Portuguesa<br />
e canções <strong>de</strong> luta proibidas<br />
pelo regime. Mas sem confusões nem<br />
branqueamentos. Luísa Costa Gomes,<br />
escritora e co-autora da dramaturgia<br />
do espectáculo, faz questão <strong>de</strong> sublinhar<br />
que “não são todos iguais. Eu<br />
nisso sou muito pouco pós-mo<strong>de</strong>rna.<br />
Uma coisa é um hi<strong>no</strong> fascista que<br />
manda as pessoas para a guerra e<br />
outra é uma canção <strong>de</strong> luta que procura<br />
que as pessoas tomem consciência<br />
da sua situação. Isso não ponho<br />
nada ao mesmo nível. É evi<strong>de</strong>nte para<br />
nós, é um ponto <strong>de</strong> partida.”<br />
Apesar disso, Luís Bragança Gil vai<br />
bastante longe na exploração das tipologias<br />
musicais que percorreram o<br />
século XX. Algumas chegaram mesmo<br />
até aos <strong>no</strong>ssos dias, como os hi<strong>no</strong>s do<br />
futebol, com que também se brinca (a<br />
sério) neste teatro musical que promete<br />
não <strong>de</strong>ixar ninguém indiferente,<br />
e talvez mesmo reabrir <strong>de</strong>bates sobre<br />
a socieda<strong>de</strong> actual tanto como acerca<br />
das formas musicais que são parte da<br />
memória colectiva.<br />
Só para ico<strong>no</strong>clastas<br />
“Os hi<strong>no</strong>s são frutos perversos”, como<br />
diz a canção <strong>de</strong> Sérgio Godinho (“Os<br />
hi<strong>no</strong>s”) que não entra neste espectáculo,<br />
mas tem tudo a ver com ele. Entre<br />
o “conservadorismo da esquerda tradicional<br />
e o imenso conservadorismo do<br />
regime”, diz Luísa Costa Gomes, aparecem<br />
neste teatro musical, num outro<br />
pla<strong>no</strong>, várias canções <strong>de</strong> Zeca Afonso.<br />
Luís Bragança Gil explica porquê: “Não<br />
é por acaso que as canções do Zeca<br />
Afonso têm uma função completamente<br />
diferente e são cantadas quase sempre<br />
por solistas e <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>purada.”<br />
Luísa Costa Gomes pensa que<br />
Zeca Afonso “é outra coisa, como<br />
músico <strong>de</strong> excepção, cantor <strong>de</strong> excepção,<br />
como pessoa <strong>de</strong> excepção. Ouve-se<br />
a música do Zeca e ela está <strong>no</strong>utro nível,<br />
tem uma consistência, uma gran<strong>de</strong>za,<br />
uma beleza que me comove. Transcen<strong>de</strong><br />
a circunstância.”<br />
A escritora lembra-se da letra e da<br />
música da “Chula da Póvoa”, uma canção<br />
<strong>de</strong> José Afonso que ali está presente:<br />
“Tenho mais <strong>de</strong> mil amigos e<br />
não me sinto só, é extraordinário, é<br />
isso para mim a <strong>no</strong>ção da pátria. O que<br />
é o sítio on<strong>de</strong> vivemos e on<strong>de</strong> lutamos.<br />
Aqui é que estão os meus amigos. Não<br />
é uma i<strong>de</strong>ia abstracta, é concreta.” A<br />
dramaturgia que fez foi acompanhada<br />
<strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira “dramaturgia musical”<br />
que implicava “avaliar a compatibilida<strong>de</strong><br />
das canções entre si, dos ritmos,<br />
etc. A parte musical é feita ainda<br />
sobre a minha dramaturgia”, explica<br />
Luísa Costa Gomes.<br />
Depois há ainda o trabalho do encenador,<br />
António Pires. “O António concretiza<br />
teatralmente as i<strong>de</strong>ias”, diz<br />
Costa Gomes, “torna-as corpo, tornaas<br />
perceptíveis, pensa o que é que hoje<br />
é importante, o que é que hoje conta,<br />
porque isso tem <strong>de</strong> ser manifesto.” Um<br />
espectáculo questionador do país e da<br />
socieda<strong>de</strong>, através da música? Mais do<br />
que isso, parece questionar ainda a<br />
música e a forma como a ouvimos. Por<br />
isso Luísa Costa Gomes diz: “Achei que<br />
o subtítulo do espectáculo podia ser<br />
‘só para ico<strong>no</strong>clastas’. Na sua opinião,<br />
o espectáculo “é capaz <strong>de</strong> incomodar”,<br />
mas a abordagem “é <strong>de</strong> comédia e<br />
sobretudo <strong>de</strong> permanente relação com<br />
o presente, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> pontes com<br />
a actualida<strong>de</strong>.”<br />
FOTOGRAFIAS DE MÁRIO SABINO SOUSA<br />
Os hi<strong>no</strong>s<br />
são frutos pervers<br />
“Deus. Pátria. Revolução” promete incomodar. Este teatro musical revisita hi<strong>no</strong>s fascistas e<br />
numa colagem provocadora. Questiona a história portuguesa e o valor dos hi<strong>no</strong>s, interrogando as<br />
das canções. E vice-versa. A partir <strong>de</strong> amanhã, <strong>no</strong> CCB, em <strong>Lisboa</strong>. Pedro Boléo<br />
20 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Colagem. Recriação.<br />
Descolagem<br />
Como trabalhou Luís Bragança Gil<br />
estes materiais carregados <strong>de</strong> símbolos,<br />
como pegou nestas canções com<br />
história? Ao invés <strong>de</strong> tentar fazer um<br />
trabalho historiográfico, quis dar a<br />
volta ao que parece não ter volta a<br />
dar. Como, por exemplo, pegar num<br />
hi<strong>no</strong> tão violento como “Angola é<br />
<strong>no</strong>ssa”? O teatro socorreu a música e<br />
ajudou a “<strong>de</strong>scolar” e “recontextualizar”,<br />
expressões recorrentes do<br />
compositor. “Como compositor estou<br />
a percorrer um terre<strong>no</strong> armadilhado,<br />
que é só trabalhar com música dos<br />
outros. Não há nenhuma melodia<br />
inventada por mim. O que fiz foi compor<br />
<strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> armar, arquitectar,<br />
tecer uma re<strong>de</strong>. O princípio que usei<br />
foi o da sobreposição <strong>de</strong> géneros e <strong>de</strong><br />
linguagens, fugindo do ‘medley’ e da<br />
ligação do tipo do ‘music-hall’. Isto<br />
também não é uma ópera, não há<br />
narrativa com princípio meio e fim.<br />
Mas há um intervalo entre as duas<br />
partes do espectáculo, e esse ‘intervalo’<br />
é uma opereta. Aí surgem verda<strong>de</strong>iras<br />
personagens, enquanto <strong>no</strong><br />
resto do tempo os cantores representam<br />
linguagens”.<br />
Gostaria que o resultado fosse visto<br />
por gente <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s e com<br />
referências culturais diferentes:<br />
“Parece-me importante não estar só a<br />
falar para as pessoas que conhecem as<br />
canções. Apetece-me falar para as pessoas<br />
que não as conhecem. Todo o<br />
elenco que está ali nasceu <strong>de</strong>pois, não<br />
conhecia as canções, e isso para mim<br />
foi maravilhoso.” Alexandra Moura<br />
(Sopra<strong>no</strong>), Inês Ma<strong>de</strong>ira (Mezzo-<br />
Sopra<strong>no</strong>), Fernando Guimarães<br />
(Te<strong>no</strong>r) e Rui Baeta (Baríto<strong>no</strong>) são os<br />
solistas do espectáculo que estará em<br />
cena até 2 <strong>de</strong> Março, e que conta ainda<br />
com o coro Voces Caelestes e a Orquestra<br />
Aldrabófona<br />
Luísa Costa Gomes dá ainda mais<br />
pistas sobre o espectáculo: “É capaz<br />
<strong>de</strong> ser bizarro para as pessoas, mas<br />
para mim é interessante <strong>de</strong>scolar o<br />
conteúdo da forma. Há um cantor que<br />
canta o hi<strong>no</strong> do Benfica como canção<br />
<strong>de</strong> amor traído.” Um espectáculo provocador?<br />
Sobre isso parece não haver<br />
dúvidas: “A pura comédia, o sarcasmo<br />
puro não me interessa tanto, interessame<br />
mais o lado <strong>de</strong> provocação, <strong>de</strong> as<br />
pessoas se sentirem abanadas e ficarem<br />
perplexas com algumas coisas”,<br />
assume o compositor.<br />
Como se abana as pessoas? “Através<br />
da justaposição, do cruzamento, da<br />
ironia, já se vai fazendo o <strong>no</strong>sso trabalho”,<br />
diz Luísa Costa Gomes. “É a primeira<br />
vez que estes hi<strong>no</strong>s fascistas são<br />
cantados em público. Não sei o que<br />
isso quer dizer, mas é verda<strong>de</strong> que não<br />
se cantam”, diz. Mas garante que “não<br />
é reabilitação nenhuma. Cada um fará<br />
o que pu<strong>de</strong>r. É música com a qual nós<br />
crescemos, <strong>de</strong> certa maneira <strong>no</strong>s formou...<br />
Não é nunca boa política obscurecer<br />
o passado, dizer que as coisas<br />
não existiram, fingir que não está lá.<br />
Está. Tanto que está que <strong>de</strong>pois passa<br />
para o hi<strong>no</strong> a seguir, ou seja, a atitu<strong>de</strong><br />
mantém-se. Até ao futebol.”<br />
Luís Bragança Gil sabe que o espectáculo<br />
“é uma crítica à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
hoje. A ausência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, <strong>no</strong> sentido<br />
mais profundo do termo, faz com<br />
que inventemos hi<strong>no</strong>s vazios, e po<strong>de</strong>mos<br />
cantar o futebol, gritar ‘Angola é<br />
<strong>no</strong>ssa’ ou dizer ‘coca-cola é que é’.”<br />
Mas para ele é também uma crítica ao<br />
revivalismo musical e uma tentativa<br />
<strong>de</strong> questionar a música: “Fico horrorizado,<br />
acho medonho, o simples pastiche,<br />
a repetição igual, o revivalismo.<br />
Na televisão só há revivalismo e não<br />
interessa nada o revivalismo, vivemos<br />
um tempo <strong>de</strong> pouca criativida<strong>de</strong> e é<br />
preciso mexer com o que há. Se ponho<br />
lado a lado um hi<strong>no</strong> do Lopes-Graça<br />
e uma marcha <strong>de</strong> trabalho da FNAT<br />
(antiga “Fundação Nacional para a<br />
Alegria <strong>no</strong> Trabalho”), quero que pensem<br />
<strong>no</strong> assunto. Acho que a gente tem<br />
<strong>de</strong> pensar. Numa socieda<strong>de</strong> em que<br />
tudo é objecto <strong>de</strong> consumo... tenho<br />
este i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> que o espectáculo não<br />
seja um objecto <strong>de</strong> consumo: ‘Não vos<br />
vamos incomodar, não vos vamos<br />
dizer nada’, diz um cantor <strong>no</strong> espectáculo.<br />
Se calhar vamos mesmo incomodar.<br />
Quando perceber que só estou<br />
a facultar hora e meia <strong>de</strong> agradável<br />
consumo, nunca mais farei nada.<br />
Acredito que ainda posso comunicar<br />
com as pessoas e mexer com a sua<br />
consciência.”<br />
Mas em tom <strong>de</strong> comédia? Como diz<br />
Bragança Gil: “Uma boa piada tem <strong>de</strong><br />
ter algumas questões. Não é uma<br />
piada fácil.”<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 42 e segs.<br />
“Uma coisa é um hi<strong>no</strong><br />
fascista que manda<br />
as pessoas para<br />
a guerra e outra<br />
é uma canção <strong>de</strong> luta<br />
que procura que<br />
as pessoas tomem<br />
consciência da sua<br />
situação. Isso<br />
não ponho nada<br />
ao mesmo nível.<br />
É evi<strong>de</strong>nte para nós,<br />
é um ponto <strong>de</strong><br />
partida”<br />
Luísa Costa Gomes,<br />
co-autora da<br />
dramaturgia<br />
do espectáculo<br />
<br />
Música<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 21
ADRIANO MIRANDA<br />
O homem que<br />
inventa<br />
as mulheres<br />
Um homem é a soma das suas obsessões e o brasileiro<br />
João Paulo Cuenca tem as suas: inventar mulheres e<br />
viver muitos dias Mastroianni. Isabel Coutinho<br />
João Paulo Cuenca acredita que a graça<br />
da literatura está <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r ser maravilhosamente<br />
inútil. Quando lhe vêm<br />
com histórias <strong>de</strong> como é difícil ser<br />
escritor, contrapõe: “Isso é muito<br />
chato, então vai fazer outra coisa, não<br />
enche o saco! Não amola.”<br />
A mãe <strong>de</strong>ste carioca ensi<strong>no</strong>u-o a ler,<br />
em casa, com a ajuda <strong>de</strong> bloquinhos<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com letrinhas. Por isso<br />
quando João Paulo entrou para o colégio<br />
<strong>de</strong> freiras, já sabia ler. Rapidamente<br />
percebeu que tinha que “driblar”<br />
as freiras da biblioteca para ler<br />
o que elas não queriam que ele lesse,<br />
e foi ao ler Dostoiévski que <strong>de</strong>sgraçou<br />
a vida para sempre.<br />
Licenciou-se em Eco<strong>no</strong>mia, criou o<br />
seu primeiro blogue em 1999 (teve<br />
algum sucesso, hoje renega-o) e mais<br />
tar<strong>de</strong>, ao mesmo tempo que escrevia<br />
“uma narrativa longa e fragmentada”<br />
que viria a ser o primeiro romance<br />
(“Corpo Presente”), fez na Internet um<br />
diário on<strong>de</strong> contava aos leitores as suas<br />
“paranóias, angústias, bloqueios, motivações<br />
espúrias” e on<strong>de</strong> falava <strong>de</strong> “tudo<br />
o que envolve o processo <strong>de</strong> escrever,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> substâncias químicas até joguinhos<br />
mentais e auto-ajuda”. Mandou,<br />
então, um excerto daquela narrativa<br />
longa (a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um baile funk)<br />
para a revista brasileira “Ficções” e foi<br />
publicado. “Teve imensa repercussão.<br />
A partir daí surgiu o convite <strong>de</strong> publicar<br />
o romance na editora Planeta. Tive<br />
muita sorte. Acho que não teria essa<br />
força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar procurando<br />
editora”, afirma o brasileiro que participou<br />
<strong>no</strong> encontro <strong>de</strong> escritores <strong>de</strong><br />
expressão ibérica, Correntes d’Escritas,<br />
na Póvoa <strong>de</strong> Varzim.<br />
É um livro “muito forte”. Logo <strong>no</strong><br />
primeiro capítulo <strong>de</strong> “Corpo Presente”,<br />
Carmen está a dar <strong>de</strong> mamar, está a<br />
apanhar com chupa<strong>de</strong>las <strong>de</strong> um bebé,<br />
e enquanto o “bebê chupa e chupa,<br />
indiferente”, ela masturba-se e “então<br />
“Se você se vê numa<br />
cobertura <strong>de</strong> hotel,<br />
tomando ‘dry<br />
martini’, numa festa<br />
da agência Elite<br />
<strong>de</strong> Nova Iorque isso é<br />
um dia<br />
Mastroianni”<br />
explo<strong>de</strong>”. João Paulo diz que não sabe<br />
se a mãe chegou a ler o livro. “Ela foi<br />
ao lançamento, lhe <strong>de</strong>i o livro mas <strong>de</strong>diquei<br />
dizendo que ela não o podia ler.<br />
A abertura é muito pesada para a mãe<br />
do escritor ler.”<br />
Foi assim que aos 25 a<strong>no</strong>s, João<br />
Paulo Cuenca (o pai é argenti<strong>no</strong>) viu<br />
nas livrarias uma obra que escreveu<br />
durante três a<strong>no</strong>s, julgando que nunca<br />
iria ser publicada, que nunca seria lida.<br />
Um dia, Chico Buarque, numa entrevista<br />
à BBC, disse: “Há um autor <strong>no</strong>vo<br />
<strong>de</strong> que gosto muito, o João Paulo<br />
Cuenca”. Para o escritor brasileiro Marçal<br />
Aqui<strong>no</strong> “fazia tempo” que uma narrativa<br />
não o impressionava tanto; para<br />
outro autor brasileiro, Marcelo Rubens<br />
Paiva, o livro era “<strong>de</strong>slumbrante”,<br />
explorando Copacabana e os seus personagens<br />
ao limite.<br />
João Paulo Cuenca começou então<br />
a receber cartas, emails <strong>de</strong> leitores,<br />
principalmente <strong>de</strong> leitoras. Interpretavam<br />
o livro, diziam-lhe que as arrebatara.<br />
Um dia, uma <strong>de</strong>ssas leitoras até<br />
o seguiu por Copacabana. É claro que<br />
Cuenca acabou por escrever um conto<br />
sobre isso.<br />
Era uma menina que lhe escrevia a<br />
dizer que o tinha visto <strong>no</strong> metro <strong>no</strong> dia<br />
anterior, com <strong>de</strong>terminada roupa, e<br />
confessava que o seguira durante vários<br />
quarteirões. “Eu nesse dia realmente<br />
estava vestido daquela maneira, como<br />
ela <strong>de</strong>screvia e foi estranho. Muito<br />
estranho, muito assustador. Se você<br />
entra nesse jogo literário, nessa brinca<strong>de</strong>ira<br />
com o peito aberto, está sujeito<br />
a muita coisa. Muita coisa boa e ruim.<br />
Porque as pessoas fazem do que você<br />
escreveu o que elas querem.”<br />
Aquilo que parecia ser um<br />
sonho para qualquer<br />
jovem escritor, gerou<br />
uma pressão e<strong>no</strong>rme.<br />
Cuenca per<strong>de</strong>u a i<strong>no</strong>-<br />
Livros<br />
Cuenca traça<br />
o retrato <strong>de</strong><br />
uma geração<br />
que tem<br />
muitos<br />
projectos<br />
e não faz<br />
nada. As<br />
personagens<br />
brindam aos<br />
escritores sem<br />
livros, aos<br />
músicos sem<br />
discos, aos<br />
cineastas sem<br />
filmes. O “Oito<br />
e Meio” <strong>de</strong><br />
Fellini<br />
(à esquerda)<br />
é influência<br />
em “O Dia<br />
Mastroianni”<br />
22 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
“Existe uma <strong>no</strong>stalgia<br />
roubada que eu tenho<br />
e conheço muita<br />
gente que tem, uma<br />
<strong>no</strong>stalgia <strong>de</strong> uma<br />
época que não se<br />
viveu. Tenho<br />
sauda<strong>de</strong>s dos a<strong>no</strong>s 60<br />
quando vejo certos<br />
filmes. Nunca vivi<br />
nem nunca vou viver<br />
aquilo. Vivo num<br />
mundo muito mais<br />
sem graça. E o meu<br />
livro tem um pouco<br />
disso, <strong>de</strong>ssa ressaca”<br />
cência: passou a ser um autor publicado<br />
e teve consciência <strong>de</strong> que tudo o<br />
que escrevesse a partir daquele<br />
momento era passível <strong>de</strong> ser lido.<br />
“Você ganha muitos olhares quando<br />
está sozinho escrevendo. Ganha uma<br />
responsabilida<strong>de</strong>, um peso que não<br />
tinha até então. Por isso <strong>de</strong>morei quatro<br />
a<strong>no</strong>s para publicar o meu segundo<br />
romance e é também por isso que ele<br />
é tão radicalmente diferente.” É como<br />
se este segundo romance - “O Dia Mastroianni”,<br />
editado agora em Portugal<br />
pela Caminho - purgasse essa pressão<br />
através da sátira.<br />
Sem a experiência <strong>de</strong> conviver com<br />
outros escritores, <strong>de</strong> participar em festivais<br />
literários, este livro não existiria.<br />
“Ele é fruto <strong>de</strong>ssa minha experiência<br />
como jovem escritor.” Um autor que<br />
faz parte dos “39 escritores com me<strong>no</strong>s<br />
<strong>de</strong> 39 a<strong>no</strong>s” (naturais <strong>de</strong> um país da<br />
América Latina) que foram consi<strong>de</strong>rados<br />
os mais importantes da actualida<strong>de</strong><br />
pela Bogotá Capital Mundial do Livro<br />
2007 e pelo Hay Festival em 2007.<br />
Aqueles com potencial para <strong>de</strong>finir as<br />
tendências que marcarão a literatura<br />
lati<strong>no</strong>-americana. Um escritor que<br />
todas as semanas escreve uma crónica<br />
<strong>no</strong> suplemento “Megazine” do jornal<br />
“Globo” e que é um dos comentadores<br />
do programa Estúdio 1, da Globo News<br />
(canal <strong>de</strong> <strong>no</strong>tícias 24 horas).<br />
A <strong>no</strong>stalgia roubada<br />
“No meu grupo <strong>de</strong> amigos <strong>no</strong> Brasil,<br />
temos essa piada interna, esse calão<br />
particular do dia Mastroianni. É quando<br />
o dia está muito divertido, inesperado<br />
e as coisas tomam um rumo glamoroso.<br />
Se você se vê numa cobertura <strong>de</strong> um<br />
hotel, tomando ‘dry martini’, numa<br />
festa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los da agência Elite <strong>de</strong><br />
Nova Iorque isso é um dia Mastroianni”,<br />
explica. “Toda a vez que isso acontecia<br />
a gente falava: ‘Olha está ficando Mastroianni<br />
o <strong>no</strong>sso dia’. E <strong>no</strong> meio <strong>de</strong>sse<br />
conceito, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sperdiçar as horas,<br />
comecei a engendrar essa narrativa que<br />
durasse um dia e que contasse a história<br />
<strong>de</strong> dois amigos bastante adolescentes<br />
e idiotas, pretensos artistas que<br />
vivessem <strong>de</strong> uma maneira episódica o<br />
percurso por uma cida<strong>de</strong>.”<br />
Mas sempre com essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer<br />
alguma coisa que o divertisse.<br />
Além da referência ao cinema a<br />
que se chega pelo título, o livro está<br />
salpicado <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras e <strong>de</strong> referências<br />
literárias. O narrador, Pedro<br />
Cassavas, é um pretenso artista, cheio<br />
<strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s e <strong>de</strong> intenções mas que não<br />
realiza nada. Cuenca traça o retrato<br />
<strong>de</strong> uma geração que tem muitos projectos<br />
e que não faz nada. As personagens<br />
brindam aos dândis precoces,<br />
aos escritores sem livros, aos músicos<br />
sem discos, aos cineastas sem filmes.<br />
“Pessoas que têm pla<strong>no</strong>s e pretensões<br />
e têm todo um discurso já pronto mas<br />
não têm obra.”<br />
“Oito e Meio”, <strong>de</strong> Fellini e “O Acossado”<br />
<strong>de</strong> Godard <strong>de</strong>slizam pelo<br />
romance. São referências para pessoas<br />
da geração do brasileiro , aquelas que<br />
gostavam <strong>de</strong> ter vivido há 40 a<strong>no</strong>s.<br />
“Existe uma <strong>no</strong>stalgia roubada que eu<br />
tenho e conheço muita gente que tem,<br />
uma <strong>no</strong>stalgia <strong>de</strong> uma época que não<br />
se viveu. Tenho sauda<strong>de</strong>s dos a<strong>no</strong>s 60<br />
quando vejo certos filmes. Nunca vivi<br />
nem nunca vou viver aquilo. Vivo num<br />
mundo muito mais sem graça. E o meu<br />
livro tem um pouco disso, <strong>de</strong>ssa ressaca.<br />
Essa vida que os dois personagens<br />
<strong>de</strong>sperdiçam por essa cida<strong>de</strong> é uma<br />
vida sem i<strong>de</strong>ologia, sem gran<strong>de</strong>s amores,<br />
sem objectivo num mundo em que<br />
é muito mais difícil viver. Pedro Cassavas<br />
e Tomás Anselmo, os personagens<br />
<strong>de</strong>ste livro, queriam ser Mastroianni.<br />
Queriam viver em Roma na década <strong>de</strong><br />
70, em Paris, ou numa mistura <strong>de</strong>ssas<br />
cida<strong>de</strong>s e não na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> eles<br />
vivem hoje”, continua.<br />
No Brasil “O Dia Mastroianni” gerou<br />
polémica. “Se o leitor não faz um pacto<br />
com o livro, vai <strong>de</strong>testar. Ainda mais se<br />
esse leitor for um escritor jovem ou um<br />
preten<strong>de</strong>nte a ser publicado. Porque é<br />
um livro ousado e corajoso. Faço uma<br />
crítica <strong>de</strong>struidora - eu acredito - à<br />
minha geração. Por mais que eu queira<br />
que o livro seja divertido ele é um<br />
pouco arrasador.”<br />
Mas ao mesmo tempo há ali universalida<strong>de</strong>.<br />
“O livro faz graça com esse<br />
cosmopolitismo que a gente vive. Ele<br />
se passa numa cida<strong>de</strong> que é a mistura<br />
<strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s. Numa gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />
você tem o quarteirão chinês, o restaurante<br />
japonês, o restaurante egípcio<br />
on<strong>de</strong> você fuma haxixe, vê uma mulher<br />
fazendo dança do ventre. Tem as mulatas<br />
sambando. Dentro <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> na Europa ou na América<br />
Latina você tem um caleidoscópio <strong>de</strong><br />
paisagens <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e eu levo essa<br />
imagem nesse livro ao extremo, é uma<br />
cida<strong>de</strong> completamente inventada e<br />
misturada.”<br />
“Quero crer que o livro é universal,<br />
o caminho <strong>de</strong>sses dois jovens, os dramas<br />
todos do protagonista e o seu amadurecimento,<br />
eu quero crer que não é<br />
uma coisa localizada <strong>no</strong> Brasil.”<br />
“O Dia Mastroianni” tem também<br />
uma componente <strong>de</strong> meta-literatura:<br />
“Faz piada com ele mesmo”. Cuenca<br />
achou divertido começar um romance<br />
com o protagonista a ser interrogado.<br />
“O protagonista está num interrogatório,<br />
refém <strong>de</strong> uma voz. Está num<br />
balanço [baloiço], nas nuvens, <strong>no</strong> meio<br />
do céu, e tem essa voz gigantesca que<br />
fala com ele em maiúsculas. E ele respon<strong>de</strong><br />
em minúsculas. Na verda<strong>de</strong>,<br />
essa voz que as pessoas acham que é<br />
Deus ou crítico literário ou o próprio<br />
leitor, na verda<strong>de</strong> sou eu, aquela voz é<br />
minha. É uma das coisas mais polémicas<br />
do livro - tem gente que <strong>de</strong>testa -<br />
mas eu acho que funciona, inclusive<br />
como recurso narrativo.”<br />
Como queria que os leitores encarassem<br />
o livro com alguma leveza<br />
pediu a um ilustrador que fizesse uns<br />
<strong>de</strong>senhos para ajudar a dar o tom.<br />
“Como se fosse ‘O Principezinho’, <strong>de</strong><br />
Saint-Exupery, que é o livro preferido<br />
das mo<strong>de</strong>los do mundo inteiro. Esse<br />
traço fi<strong>no</strong> foi a referência que eu passei<br />
para o meu <strong>de</strong>senhista. Pedi que<br />
fizesse <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> abacaxi, uma<br />
lagosta, as havaianas, Brasil o país dos<br />
chinelos.”<br />
E <strong>de</strong>pois há a forma como <strong>de</strong>screve<br />
as mulheres <strong>no</strong>s seus livros “bombas<br />
<strong>de</strong> hormônio cada vez me<strong>no</strong>s exigentes<br />
e mais <strong>de</strong>sesperadas”. Carmen,<br />
em “Corpo Presente”; doce Maria e<br />
Françoise em “O Dia Mastroianni”.<br />
São livros que só podiam ser escritos<br />
por um homem, mas ao mesmo<br />
tempo João Paulo olha para as mulheres<br />
<strong>de</strong> uma maneira em que elas se<br />
reconhecem. “O meu olhar sobre as<br />
mulheres é muito infantil. É muito<br />
primário. É um horror”, afirma quase<br />
envergonhado. “Perco muito tempo<br />
da minha vida pensando <strong>no</strong> que<br />
pensa uma mulher porque sou infantil.<br />
O texto po<strong>de</strong> ser maduro, mas o<br />
ponto <strong>de</strong> vista é <strong>de</strong> uma criança chocada.<br />
Uma vez uma repórter ficou<br />
muito revoltada comigo e me perguntou:<br />
‘Você escreve essas coisas para<br />
chocar, não é? Você quer chocar.’ E<br />
eu falei: ‘não. Eu escrevo porque<br />
estou chocado, porque me choca. E<br />
isso me gera uma reacção.’<br />
Essa coisa com as mulheres é porque<br />
eu tenho um ponto <strong>de</strong> vista infantil e<br />
fascinado. A única maneira que um<br />
homem tem <strong>de</strong> conhecer realmente<br />
uma mulher é inventando essa mulher.<br />
Um homem não conhece uma mulher.<br />
Jamais. É uma ilusão, a fantasia <strong>de</strong> você<br />
achar que vai <strong>de</strong>sconfiar aquilo que<br />
uma mulher está pensando. É impenetrável.<br />
E você po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a sua vida<br />
nisso. É o que eu faço. E aí você inventa.<br />
Você conhece inventando.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 37 e segs.<br />
<br />
cultur al<br />
encontros<br />
culti<strong>de</strong>ias ®<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 23
“Pastoral Portuguesa” é o melhor<br />
blogue português. Estilo, cultura,<br />
graça e inteligência, um cocktail perfeito.<br />
O autor do blogue assina “Rogério<br />
Casa<strong>no</strong>va”, mas é possível que<br />
seja um anagrama. Presumivelmente<br />
nascido em 1980, Casa<strong>no</strong>va vai <strong>de</strong>ixando<br />
uma ou outra pista biográfica<br />
mas resguarda a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> civil.<br />
O sucesso dos seus textos na blogosfera<br />
valeu-lhe convites da imprensa,<br />
e é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há alguns meses crítico<br />
literário <strong>no</strong> “Expresso” e colunista<br />
da revista “Ler”. Agora, a Quetzal<br />
publica uma selecção <strong>de</strong> textos <strong>de</strong><br />
“Pastoral Portuguesa” e torna mais<br />
conhecido o homem que mantém o<br />
<strong>no</strong>me <strong>de</strong> guerra, não aparece em<br />
eventos públicos e prefere ser <strong>de</strong>senhado<br />
do que fotografado. Há semanas,<br />
Casa<strong>no</strong>va foi encarregado <strong>de</strong><br />
entrevistar Peter Carey. Sugeriu uma<br />
entrevista via Messenger. O escritor<br />
australia<strong>no</strong> nem levou a sério tal<br />
hipótese. Propusemos então que o<br />
esquivo Casa<strong>no</strong>va <strong>de</strong>sse ao Ípsilon<br />
precisamente uma entrevista por<br />
Messenger. Ele aceitou logo.<br />
Com um <strong>no</strong>me como<br />
“Casa<strong>no</strong>va” estaríamos à espera<br />
<strong>de</strong> um blogue me<strong>no</strong>s cerebral e<br />
mais carnal.<br />
O <strong>no</strong>me Casa<strong>no</strong>va acompanha-me<br />
antes <strong>de</strong> eu saber o que era “carne”<br />
ou até “expectativas”. Mas também<br />
não concordo nada que o blogue seja<br />
cerebral.<br />
Digamos que a maioria dos<br />
“A aparição do<br />
Joaquin Phoenix<br />
<strong>no</strong> Letterman é uma<br />
ilustração perfeita<br />
dos motivos pelos<br />
quais está aqui um<br />
<strong>de</strong>senho do Pedro<br />
Vieira e isto foi tudo<br />
feito por Messenger”<br />
Livros<br />
leitores portugueses não<br />
acompanham com avi<strong>de</strong>z a obra<br />
<strong>de</strong> Bernard Malamud [escritor<br />
ju<strong>de</strong>u america<strong>no</strong>, muito citado<br />
por Casa<strong>no</strong>va].<br />
Isso é uma questão que eu vou resolver<br />
eventualmente. Devem ler-se<br />
todos esses ju<strong>de</strong>us velhos. Todos,<br />
todos.<br />
E gostar acima <strong>de</strong> todos do<br />
[Thomas] Pynchon não é uma<br />
paixão cerebral?<br />
Não. Eu comecei a gostar do Pynchon<br />
quando li uma cena em<br />
que uma invasão a um canil<br />
terminava com um gajo a<br />
meter o pé <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
sanita.<br />
O facto <strong>de</strong> esta<br />
entrevista ser ilustrada<br />
com um <strong>de</strong>senho e não<br />
com uma fotografia é uma<br />
homenagem ao mestre?<br />
A minha intenção era fingir surpresa,<br />
e dizer que ninguém me pediu uma<br />
fotografia.<br />
“Não aparecer”, como se diz,<br />
po<strong>de</strong> ser uma estratégia, até <strong>de</strong><br />
“marketing.”<br />
Aqui há tempos uma pessoa, digamos,<br />
“do meio”, passou meia-hora<br />
a explicar-me que os, digamos,<br />
“autores”, <strong>de</strong>viam aparecer, que isso<br />
só ajudava, só ajudava, nunca prejudicava,<br />
etc. Foi na mesma semana<br />
em que esgotou a edição do Herberto<br />
Hel<strong>de</strong>r. Mas eu juro que só não apareço<br />
porque não consigo tirar uma<br />
foto tipo passe <strong>de</strong>cente <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1996.<br />
O gosto por anagramas vem<br />
<strong>de</strong> ser uma mistura entre o<br />
intelectual e o lúdico, tal como<br />
tudo o que escreve?<br />
Sim, exacto. Era mesmo isso que eu<br />
ia respon<strong>de</strong>r, caso a pergunta fosse<br />
só “<strong>de</strong> on<strong>de</strong> é que vem o gosto por<br />
anagramas”: é uma mistura entre o<br />
intelectual e o lúdico, tal como tudo<br />
o que escrevo.<br />
E a anglofilia? Há quem diga<br />
que esta geração tem anglofilia<br />
a mais.<br />
A anglofilia é uma coisa terrível: é<br />
tão fácil ser ridículo quando se está<br />
a ser anglófilo. Ando a tentar arranjar<br />
<strong>de</strong>fesas para isso, mas não tem<br />
sido fácil. E <strong>de</strong>pois há a anglofilia<br />
selectiva, que só gosta <strong>de</strong> uma versão<br />
daquilo baseada <strong>no</strong> pior livro do<br />
Waugh, mas nunca fala <strong>de</strong> cavalos e<br />
porridge, por exemplo. A minha<br />
anglofilia também era muito em função<br />
<strong>de</strong> estar lá a viver.<br />
Os angló-filos ten<strong>de</strong>m<br />
a ser muito antifrance-ses,<br />
e acho<br />
que cita<br />
poucos<br />
franceses<br />
<strong>no</strong> seu<br />
livro.<br />
Ao contrário da maioria dos anglófilos<br />
que conheço, eu sou uma nódoa<br />
em francês: não consigo ler mais do<br />
que o “L’Equipe”, e mesmo assim<br />
com gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s. Para a<br />
literatura francesa estou totalmente<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Pedro Tamen e tenho<br />
lacunas e<strong>no</strong>rmes <strong>no</strong> currículo por<br />
causa disso. Mas não tenho assim<br />
nada contra eles, genericamente.<br />
Aliás, uma vez estive em França e<br />
achei tudo, como diria o Gonçalo<br />
Cadilhe, “muito bonito”.<br />
Geralmente o antifrancesismo<br />
tem uma costela política, mas<br />
as suas i<strong>de</strong>ias políticas são<br />
um pouco opacas. Cito: “uma<br />
espécie <strong>de</strong> cruzamento entre o<br />
rancho <strong>de</strong> Hunter S. Thompson,<br />
a cabeça <strong>de</strong> Milton Friedman,<br />
o palácio <strong>de</strong> Tibério e a social<strong>de</strong>mocracia<br />
sueca”.<br />
Não acho que essa salada seja uma<br />
coisa muito original: é o truque<br />
básico das pessoas que gostam <strong>de</strong><br />
mostrar que não são <strong>de</strong> esquerda,<br />
mas ao mesmo tempo que são espectaculares<br />
a todos os outros níveis.<br />
Há uma referência <strong>no</strong> livro<br />
à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Foi<br />
uma experiência proveitosa?<br />
Estive lá dois a<strong>no</strong>s. Tive dois professores<br />
muito, muito bons: o David<br />
Prescott, que me <strong>de</strong>u a conhecer o<br />
Gore Vidal, e a Marijke Boucherie,<br />
que me perguntava semanalmente<br />
o que é que eu estava ali a fazer. Também<br />
fiquei em segundo lugar num<br />
torneio <strong>de</strong> matraquilhos. Pela minha<br />
saú<strong>de</strong>, fiquei mesmo.<br />
E apostas, houve?<br />
Isso veio <strong>de</strong>pois, felizmente.<br />
O que são as “zonas <strong>de</strong> guerra”<br />
da Penha <strong>de</strong> França e da Linha<br />
da Azambuja?<br />
As escolas que frequentei - <strong>de</strong>coradas<br />
com um bocadinho <strong>de</strong> mitomania.<br />
Não eram assim tão más, para<br />
dizer a verda<strong>de</strong>. Quer dizer, uma<br />
<strong>de</strong>las ficou péssima, mas já <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> eu ter saído.<br />
Gosta <strong>de</strong> “guilty pleasures”<br />
(“reality shows”, filmes<br />
bíblicos, o Sporting)?<br />
O Sporting, um “guilty pleasure”?<br />
Mas o que é isto? O Sporting e os filmes<br />
bíblicos - duas coisas que têm<br />
muito em comum - são paixõezinhas<br />
<strong>de</strong> infância. Uma pessoa fica refém<br />
disto o resto da vida.<br />
Há uma passagem <strong>no</strong> livro que<br />
mostra pouco apreço pelas<br />
“analogias sobre ‘relações’”.<br />
Deduzo que nunca teremos<br />
a vida amorosa <strong>de</strong> Casa<strong>no</strong>va<br />
“online”.<br />
Bom, a i<strong>de</strong>ia era mostrar pouco<br />
apreço por um certo tipo <strong>de</strong> analogias<br />
sobre relações. Há quem faça<br />
isso bem, mas eu não faço. E qualquer<br />
opinião crítica que eu dê sobre<br />
o que quer que seja está basicamente<br />
a exaltar aquilo que eu faço bem, e<br />
a dizer que aquilo que eu não sei<br />
fazer não presta. I<strong>de</strong>almente, estas<br />
coisas não se confessam, mas suponho<br />
que agora é tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais.<br />
As referências ao seu quintal<br />
são a costela Rousseau?<br />
É da costela anglófila, evi<strong>de</strong>ntemente.<br />
Tratar do jardim, só isso.<br />
Tenho um quintalinho com cinco<br />
laranjeiros, e um marmeleiro, e<br />
tenho muito orgulho em ainda não<br />
ter <strong>de</strong>ixado morrer nada.<br />
E que insistência é essa <strong>no</strong> tema<br />
da “maionese”?<br />
Por castigo divi<strong>no</strong>, houve uma altura<br />
em que o primeiro resultado <strong>de</strong> uma<br />
busca <strong>no</strong> Google para “manteiga<br />
planta” era o meu blogue. Com a<br />
maionese nunca lá cheguei.<br />
Finalmente, a questão mais<br />
importante do <strong>no</strong>sso tempo:<br />
Joaquin Phoenix <strong>no</strong> show<br />
<strong>de</strong> David Letterman estava<br />
pedrado ou a gozar [está <strong>no</strong><br />
Youtube]?<br />
A aparição do Joaquin Phoenix <strong>no</strong><br />
Letterman é uma ilustração perfeita<br />
dos motivos pelos quais está aqui um<br />
<strong>de</strong>senho do Pedro Vieira e isto foi<br />
tudo feito por Messenger.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 37 e segs.<br />
Rogério Casa<strong>no</strong>va,<br />
aliás<br />
“Rogério<br />
Casa<strong>no</strong>va”<br />
Não aparece em eventos públicos e prefere<br />
ser <strong>de</strong>senhado do que fotografado. É autor<br />
do melhor blogue português, “Pastoral<br />
Portuguesa”. Uma selecção <strong>de</strong>sses textos<br />
acaba <strong>de</strong> ser publicada. Texto <strong>de</strong> Pedro<br />
Mexia lustração <strong>de</strong> Pedro Vieira<br />
24 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
SÁB 28 FEV<br />
18:00 SALA SUGGIA<br />
Olari Elts direcção musical<br />
Håkan Har<strong>de</strong>nberger trompete<br />
Johannes Brahms Abertura Trágica<br />
Rolf Martinsson Concerto para<br />
trompete n.º 1, A Ponte<br />
Dimitri Chostakovitch Sinfonia n.º 6<br />
Trompete Virtuoso<br />
O trompetista Håkan Har<strong>de</strong>nberger<br />
estreia em Portugal A Ponte, concerto<br />
<strong>de</strong> Martinsson que já interpretou com as<br />
mais prestigiadas orquestras mundiais.<br />
www.casadamusica.com | T 220 120 220<br />
MECENAS ORQUESTRA<br />
NACIONAL DO PORTO<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
MECENAS DA CASA DA MÚSICA<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
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ENRIC VIVES-RUBIO<br />
belga<br />
Thomas Walgrave, um<br />
em <strong>Lisboa</strong><br />
É o futuro director do Alkantara festival. Thomas Walgrave vai escolher o que vamos ver<br />
em 2010 mas, por enquanto, ainda é cedo para falar <strong>de</strong> programação. O que sabemos, então?<br />
Que um festival não tem que ser um “best-of”. Joana Gorjão Henriques<br />
Há quatro a<strong>no</strong>s que anda entre Portugal,<br />
Bélgica e o resto do mundo. Cada<br />
vez me<strong>no</strong>s vai a Antuérpia, cida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> nasceu e cresceu. Des<strong>de</strong> 2005<br />
que a sua casa é Portugal.<br />
Thomas Walgrave, 43 a<strong>no</strong>s, fundador<br />
da companhia flamenga Tg Stan<br />
(que existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1989), vai mesmo<br />
ter que passar mais tempo por cá,<br />
pelo me<strong>no</strong>s em 2010, a<strong>no</strong> do próximo<br />
Alkantara, o mais importante<br />
festival <strong>de</strong> dança contemporânea português<br />
(que se tem vindo a alargar ao<br />
teatro).<br />
O cenógrafo/<strong>de</strong>senhador <strong>de</strong> luzes,<br />
formado em História da Arte e Antropologia,<br />
vai estrear-se na direcção <strong>de</strong><br />
um festival, substituindo Mark Deputter,<br />
agora director do Teatro Maria<br />
Matos, em <strong>Lisboa</strong> - conhecem-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1989, estava Deputter <strong>no</strong> espaço<br />
STUC, em Lovaina, Bélgica.<br />
Estamos <strong>no</strong> piso térreo do Café<br />
Império, em <strong>Lisboa</strong>, a parte agora<br />
“mo<strong>de</strong>rnizada” do edifício projectado<br />
pelo arquitecto Cassia<strong>no</strong> Branco <strong>no</strong>s<br />
a<strong>no</strong>s 1950. Walgrave olha para baixo,<br />
on<strong>de</strong> está o painel <strong>de</strong> Jorge Barrada:<br />
adora este sítio. É aqui que lembra que<br />
a sua mudança não foi <strong>de</strong> Antuérpia<br />
para <strong>Lisboa</strong>, foi <strong>de</strong> Bruxelas para <strong>Lisboa</strong>.<br />
Há a<strong>no</strong>s que vivia na capital belga<br />
porque Antuérpia é uma cida<strong>de</strong> “complicada<br />
para viver” - “fechada, tem um<br />
peso forte da extrema-direita, é outro<br />
mundo”. Como os Tg Stan não têm<br />
sala própria e estreiam em todo o lado,<br />
ele podia “viver on<strong>de</strong> quiser”.<br />
A primeira vez que veio a Portugal<br />
foi para passar férias, tinha 18 a<strong>no</strong>s e<br />
não se lembra “muito bem”. Portugal<br />
faz parte da “mitologia da família”<br />
porque um dos avós tem um apelido<br />
que será <strong>de</strong> origem portuguesa. De<br />
qualquer modo, “para um belga, Portugal<br />
tem qualquer coisa <strong>de</strong> familiar”.<br />
É uma familiarida<strong>de</strong> mais intuitiva do<br />
que racional, “tem qualquer coisa a<br />
ver com as pessoas, com a sua <strong>de</strong>scrição<br />
e relação entre elas”.<br />
Regressou em 1997 para fazer uma<br />
“espécie <strong>de</strong> mini-festival Stan”, <strong>no</strong><br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Belém (CCB), com<br />
cinco espectáculos e um workshop<br />
- Mark Deputter era programador <strong>de</strong><br />
dança do CCB, Jorge Silva Melo <strong>de</strong><br />
teatro.<br />
Na altura trouxeram Henrik Ibsen<br />
(“O Inimigo Público”, a que <strong>de</strong>ram o<br />
título “JDX-A Public Enemy”), Gorki<br />
(“Os Últimos”), as peças “Yesterday<br />
We Will” (“Ontem Faremos”) e “One<br />
2 Life” (sobre textos escritos por<br />
George Jackson na prisão), “Buraco<br />
Negro” e “Cancro”, do encenador<br />
holandês Gerardjan Rjjn<strong>de</strong>rs.<br />
Foi aqui e assim que começou a relação<br />
dos Stan com Portugal, e nasceu<br />
uma geração que seria influenciada<br />
por eles (“ou não; há algumas pessoas<br />
que contrariaram” essa influência, diz<br />
Thomas): Tiago Rodrigues, ainda hoje<br />
colaborador do grupo, Dinarte Branco,<br />
Pedro Penim, António Simão, Cristina<br />
Bizarro... A i<strong>de</strong>ia do workshop era<br />
apresentar <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte um espectáculo<br />
com os actores portugueses -<br />
Teatro/ Dança<br />
26 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
“Point Blank”, a partir <strong>de</strong> “Plato<strong>no</strong>v”,<br />
<strong>de</strong> Tchekov -, estreado <strong>no</strong> Citemor. Os<br />
Stan foram regressando, mas não com<br />
tanta intensida<strong>de</strong> como naquele 1997<br />
e <strong>no</strong>s três a<strong>no</strong>s seguintes.<br />
Cena portuguesa: improvisar<br />
Thomas Walgrave conhece alguns dos<br />
elementos da companhia flamenga<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 15 a<strong>no</strong>s. Trabalhava numa<br />
das casas <strong>de</strong> cultura que nasceram <strong>no</strong>s<br />
a<strong>no</strong>s 1980 e se tornaram <strong>de</strong>cisivas na<br />
Bélgica - “eram o exemplo <strong>de</strong> espaços<br />
não controlados pelo Gover<strong>no</strong>”. Tinha<br />
23 a<strong>no</strong>s e começou a colaborar com<br />
os Stan gradualmente, até que foi<br />
ficando. “As funções não eram bem<br />
<strong>de</strong>finidas, toda a gente fazia <strong>de</strong> tudo.<br />
Agora já não é bem assim”. Foi ficando,<br />
como foi ficando em Portugal, primeiro<br />
tendo casa cá e lá, <strong>de</strong>pois largando<br />
a casa na Bélgica. Isto, como<br />
dissémos, a partir <strong>de</strong> 2005. “Tinha a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer um a<strong>no</strong> sabático. Estava<br />
há 15 a<strong>no</strong>s com a mesma companhia<br />
e tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com<br />
outras pessoas. Depois passámos dois<br />
meses a trabalhar aqui <strong>no</strong> ‘Berenice’<br />
[a partir <strong>de</strong> Racine, apresentado na<br />
Casa dos Dias d’Água], e também<br />
houve uma história pessoal. Tive<br />
imensa sorte, foi tudo muito rápido,<br />
tive uma série <strong>de</strong> convites.”<br />
De Lúcia Sigalho ao Alkantara, <strong>de</strong><br />
Tiago Rodrigues ao espectáculo a solo<br />
<strong>de</strong> Ricardo Araújo Pereira, Thomas<br />
Walgrave foi colaborando como cenógrafo/<strong>de</strong>senhador<br />
<strong>de</strong> luz com vários<br />
criadores. Hoje já po<strong>de</strong> dizer que<br />
conhece a paisagem portuguesa, as<br />
suas vantagens e <strong>de</strong>svantagens.<br />
“Venho <strong>de</strong> uma cena cultural que tem<br />
muito mais dinheiro e isso, às vezes,<br />
complica as coisas. Aqui gran<strong>de</strong> parte<br />
do trabalho é encontrar dinheiro. Portugal<br />
é um país em que se está sempre<br />
obrigado a improvisar, muito mais do<br />
que na Bélgica. Não conheço nenhum<br />
país em que se possa improvisar tão<br />
facilmente como aqui: tem a ver com<br />
cenários, transportes, com um dia<br />
antes <strong>de</strong> o espectáculo estrear pensares<br />
que isto vai ser um <strong>de</strong>sastre mas<br />
<strong>de</strong> repente todos os elementos se<br />
encontram e batem certo.”<br />
Walgrave gosta do “caos”, e agora<br />
quando regressa à Bélgica faz-lhe<br />
impressão “a situação mimada”. Era<br />
bom, porém, que em Portugal houvesse<br />
um “bocadinho mais <strong>de</strong> dinheiro<br />
para fazer coisas. Não acho a pobreza<br />
muito romântica. As pessoas que trabalham<br />
neste sistema <strong>de</strong>senvolvem<br />
mais habilida<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>senvolver<br />
coisas com poucos meios, e o Alkantara<br />
é um bom exemplo disso. Outros<br />
festivais na Europa fazem o mesmo<br />
com muito mais dinheiro.”<br />
Nota em Portugal uma “cena artística<br />
que não está completamente instalada,<br />
e que tem uma gran<strong>de</strong> fome<br />
<strong>de</strong> fazer coisas”. Exemplos: estruturas<br />
como o Rumo do Fumo, coreógrafos<br />
como Miguel Pereira ou Vera<br />
Mantero já trabalham há a<strong>no</strong>s, mas<br />
têm uma maneira <strong>de</strong> estar na sua arte<br />
Em Portugal há<br />
uma “cena artística<br />
que não está<br />
completamente<br />
instalada, e que tem<br />
uma gran<strong>de</strong> fome<br />
<strong>de</strong> fazer coisas”<br />
“muito fresca” - uma maneira <strong>de</strong> procurarem<br />
<strong>de</strong>safios e <strong>de</strong> se relacionarem<br />
uns com os outros, sobretudo na<br />
dança, que Thomas acha “muito<br />
forte”. “São ligados, vão ver os trabalhos<br />
uns dos outros e há um diálogo.<br />
No teatro é mais complicado, porque<br />
o peso das estruturas é antigo, mas<br />
começa a acontecer na geração do<br />
Tiago Rodrigues, da Truta, dos Praga,<br />
da Patrícia Portela. Tenho trabalhado<br />
muito em França e vê-se o peso da<br />
tradição, do passado: para quem quer<br />
sair e encontrar uma ligação com vanguarda<br />
europeia é difícil.”<br />
Lista <strong>de</strong> “best-of ” não<br />
Po<strong>de</strong> ter sido pela sua ligação a Portugal,<br />
po<strong>de</strong> ter sido pela sua ligação<br />
ao Alkantara, por nada ou tudo isto<br />
que foi convidado para dirigir este<br />
festival que surgiu do Danças na<br />
Cida<strong>de</strong>, também bienal, também dirigido<br />
por Mark Deputter. Thomas acha<br />
que não é a ele que cabe respon<strong>de</strong>r.<br />
Sabe que teve papel importante <strong>no</strong>s<br />
espectáculos que fez com o Alkantara<br />
(na última edição, “harS”, <strong>de</strong> Aydin<br />
Teker, ou “DOO”, <strong>de</strong> Miguel Pereira)<br />
e isso tem sobretudo a ver com aquilo<br />
a que ele chama “a dramaturgia, pensar<br />
os projectos”.<br />
Por exemplo, <strong>no</strong> projecto Lugares<br />
Imaginários, que começou em 2007,<br />
cinco equipas pluridisciplinares <strong>de</strong><br />
vários países trabalharam sobre o<br />
tema da cida<strong>de</strong> mediterrânica e a sua<br />
história <strong>de</strong> urbanismo, fazendo<br />
<strong>de</strong>pois residências artísticas e apresentações<br />
em várias cida<strong>de</strong>s. Walgrave<br />
foi cenógrafo/ <strong>de</strong>senhador <strong>de</strong><br />
luzes <strong>de</strong> três espectáculos <strong>de</strong>ste projecto:<br />
“Yesterday’s man” <strong>de</strong> Rabih<br />
Mroué, Tiago Rodrigues e Tony<br />
Chakar; “F A Q (Frequently Asked<br />
Questions)” <strong>de</strong> Antonio Tagliarini,<br />
Carlo Antonio Borghi, Danya Hammoud<br />
e Ornella d’Agosti<strong>no</strong>; “La grammaire<br />
d’ENOS”, <strong>de</strong> Cristia<strong>no</strong> Carpanini.<br />
Mas isso, como já era habitual<br />
com os Stan, implicou mais do que<br />
participação na sua “área”, implicou<br />
“fazer perguntas essenciais sobre o<br />
espectáculo”: “Venho <strong>de</strong> uma tradição<br />
em que é o contrário <strong>de</strong> cada um<br />
ter a sua caixinha.”<br />
O último Alkantara foi “muito sobre<br />
a memória <strong>de</strong> ver um espectáculo”.<br />
Portanto ele e Mark conversaram bastante<br />
sobre a “função <strong>de</strong> um festival<br />
numa cida<strong>de</strong>”. Mais do que aquilo que<br />
<strong>de</strong>ve ser, o futuro director sabe o que<br />
um festival não <strong>de</strong>ve ser: “uma lista<br />
<strong>de</strong> ‘best of’” <strong>de</strong> espectáculos.<br />
Ainda é cedo para revelar o que<br />
quer que seja. Thomas po<strong>de</strong> apenas<br />
dizer que um “programa tem a ver<br />
com a dinâmica <strong>de</strong> uma cena local” e<br />
a sua relação com o “que está a acontecer<br />
a nível internacional”. “Há mais<br />
razões para apresentar um espectáculo<br />
do que simplesmente a sua qualida<strong>de</strong>.”<br />
Como por exemplo? “Pôr a<br />
mexer <strong>de</strong>senvolvimentos locais.”<br />
E <strong>Lisboa</strong>? Do que precisa do Alkantara?<br />
“Quando falamos <strong>de</strong> uma certa<br />
frescura, o Alkantara teve um papel<br />
importante e <strong>de</strong>ve continuar a ter esse<br />
papel. A paisagem local está a mudar:<br />
o facto <strong>de</strong> o Mark estar <strong>no</strong> Maria Matos<br />
e ter uma programação regular, <strong>de</strong> ter<br />
espectáculos que antes só aconteciam<br />
a nível do festival muda a paisagem.”<br />
Isto não significa que o festival tenha<br />
que se re<strong>de</strong>finir, nem que agora exista<br />
concorrência - vão continuar a ser parceiros,<br />
ambos “precisam <strong>de</strong> uma cena<br />
artística saudável”. Até porque a programação<br />
<strong>de</strong> um festival e <strong>de</strong> um teatro<br />
são coisas “completamente diferentes”.<br />
Mas o facto <strong>de</strong> o Maria Matos,<br />
a Culturgest ou São Luiz terem espectáculos<br />
que po<strong>de</strong>riam ser apresentados<br />
<strong>no</strong> Alkantara “obriga a <strong>de</strong>finir<br />
melhor a função <strong>de</strong> um festival”.<br />
Uma coisa ele sabe: Portugal tem<br />
uma posição privilegiada com África<br />
e Brasil e essa vai continuar a ser uma<br />
parte importante do Alkantara. Por<br />
enquanto, anda a ver espectáculos.<br />
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QUA <br />
22:00 SALA SUGGIA<br />
O <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Wayne Shorter confun<strong>de</strong>-se<br />
com a história do jazz mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>,<br />
manifestando-se nalgumas das<br />
formações mais influentes e <strong>de</strong>finidoras<br />
do hard bop. Compositor e solista <strong>de</strong><br />
extrema originalida<strong>de</strong>, está entre<br />
os gran<strong>de</strong>s do jazz, explorando com<br />
este quarteto um valioso repertório<br />
construído ao longo <strong>de</strong> uma carreira<br />
<strong>de</strong> 50 a<strong>no</strong>s.<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 27
FERNANDO VELUDO/ PÚBLICO<br />
Cinema<br />
a bela<br />
adormecida<br />
Que segunda cida<strong>de</strong> do país é esta que já teve um dos maiores<br />
cineclubes da Europa e on<strong>de</strong> agora há pessoas para tudo, me<strong>no</strong>s<br />
para o cinema? Andamos a queixar-<strong>no</strong>s muito (4373 <strong>no</strong>mes num<br />
abaixo-assinado pela criação <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca <strong>no</strong> Porto)<br />
mas nunca <strong>no</strong>s queixaremos <strong>de</strong>masiado. Inês Nadais<br />
28 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009<br />
Porto,<br />
A se<strong>de</strong> do<br />
Cineclube<br />
praticamente<br />
não abre:<br />
chegou a ter<br />
mais sócios do<br />
que o FC Porto<br />
e agora tem<br />
300, mas são<br />
só <strong>de</strong>z a pagar<br />
as quotas
O poster encostado à pare<strong>de</strong> <strong>de</strong>scascada<br />
da se<strong>de</strong> do Cineclube do Porto,<br />
na Rua do Rosário, diz “hoje há<br />
cinema infantil” mas não há - não há<br />
cinema infantil nem há cinema,<br />
ponto. Podíamos não escrever mais<br />
nada porque tudo o que vem a seguir<br />
está escrito na testa <strong>de</strong>sta pare<strong>de</strong> <strong>de</strong>scascada,<br />
ou do tecto da Casa das<br />
Artes, que <strong>de</strong>sabou em 2004 e até<br />
hoje não foi reparado: é aí que vamos<br />
ter um pólo da Cinemateca, ou lá o<br />
que é, e ainda este a<strong>no</strong> (não estamos<br />
a <strong>de</strong>lirar: são <strong>de</strong>clarações solenes do<br />
ministro da Cultura, Pinto Ribeiro,<br />
<strong>no</strong> centenário <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira,<br />
e o Porto leva essas coisas a sério).<br />
Há a<strong>no</strong>s que não víamos o poster (a<br />
se<strong>de</strong> do Cineclube praticamente não<br />
abre: chegou a ter mais sócios do que<br />
o FC Porto e agora tem 300, mas são<br />
só <strong>de</strong>z a pagar as quotas), há a<strong>no</strong>s que<br />
não sabemos o que é feito do Cineclube,<br />
mas cruzámo-<strong>no</strong>s com eles um<br />
<strong>de</strong>stes dias, numa exposição na Casa<br />
do Infante que conta a história, e é<br />
uma história exemplar me<strong>no</strong>s na<br />
parte em que acaba mal, <strong>de</strong> um dos<br />
maiores cineclubes da Europa.<br />
O pa<strong>no</strong>rama actual da exibição<br />
cinematográfica <strong>no</strong> Porto é tudo<br />
me<strong>no</strong>s exemplar - 14 salas em funcionamento,<br />
12 das quais em centros<br />
comerciais (oito salas Lusomundo <strong>no</strong><br />
Dolce Vita do Estádio do Dragão, quatro<br />
salas Me<strong>de</strong>ia <strong>no</strong> Shopping Cida<strong>de</strong><br />
do Porto, com um anexo <strong>no</strong> Cine-<br />
Estúdio do Teatro do Campo Alegre),<br />
e apenas um cinema na Baixa (o Estú-<br />
dio 111, <strong>no</strong> Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira),<br />
a passar filmes por<strong>no</strong>. Dos 21 cinemas<br />
activos na cida<strong>de</strong> em 1978, não<br />
há nenhum aberto. O Cineclube do<br />
Porto não fechou mas é como se<br />
tivesse fechado, o Cineclube do Norte<br />
fechou, a Casa das Artes (equipamento<br />
que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Direcção-<br />
Geral das Artes) fechou, a Casa da<br />
Animação tem problemas <strong>de</strong> financiamento,<br />
o festival <strong>de</strong> documentário<br />
e <strong>no</strong>vos media Odisseia nas Imagens,<br />
lançado pela Capital Europeia da Cultura<br />
em 2001, ficou na gaveta <strong>de</strong> Rui<br />
Rio - e continua a não haver Cinemateca.<br />
É como se o Porto tivesse <strong>de</strong>ixado<br />
<strong>de</strong> estar à sua própria altura.<br />
“É constrangedor ver o estado em<br />
que as coisas estão quando se viveram<br />
aqueles a<strong>no</strong>s extraordinários em que<br />
o cinema era a base <strong>de</strong> uma militância<br />
cultural e também uma plataforma<br />
<strong>de</strong> oposição ao regime. Era uma<br />
vivência riquíssima: as pessoas viam<br />
filmes em condições que hoje não se<br />
imaginam, e <strong>de</strong>pois discutiam até <strong>de</strong><br />
madrugada”, diz Bernard Despomadères,<br />
cinéfilo furioso, amigo <strong>de</strong> Oliveira<br />
e responsável pelos serviços<br />
culturais do Consulado Geral <strong>de</strong><br />
França <strong>no</strong> Porto, que ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong><br />
passado organizou com a Me<strong>de</strong>ia um<br />
ciclo <strong>de</strong> cinema sobre o Maio <strong>de</strong> 68<br />
- “com duas cópias cedidas pela Cinemateca”,<br />
acrescenta António Costa,<br />
representante (íamos dizer resistente)<br />
da Me<strong>de</strong>ia <strong>no</strong> Porto.<br />
E o público?<br />
É uma palavra que ouvimos <strong>de</strong> cinco<br />
em cinco minutos - há décadas. No<br />
a<strong>no</strong> passado, 4373 assinaturas<br />
<strong>de</strong>pois, o Ministério da Cultura assumiu<br />
a criação <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca<br />
<strong>no</strong> Porto: é uma <strong>de</strong>claração em<br />
que já ninguém acredita (sobretudo<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se saber que o pólo é uma<br />
coisa a três, Serralves, Casa das Artes<br />
e Casa Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira, e que duas<br />
<strong>de</strong>las não existem), mas que a há, há.<br />
Era fácil, diz António Costa: “A Casa<br />
das Artes está equipada, e não é preciso<br />
fazer um investimento por aí<br />
além. Ainda por cima, a Sala Henrique<br />
Alves Costa tem uma tradição <strong>de</strong><br />
cinefilia: foi programada pela Me<strong>de</strong>ia<br />
durante <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s, sempre com bastante<br />
público, foi lá que a Cinemateca<br />
fez as comemorações do centenário<br />
do cinema em 1997, leva o <strong>no</strong>me <strong>de</strong><br />
um dos maiores divulgadores do<br />
cinema <strong>no</strong> Porto, e até tem espaço<br />
para uma pequena biblioteca”.<br />
Só não sabemos se tem público<br />
(ainda há poucos meses João Bénard<br />
da Costa atirou isto à cara dos signatários<br />
da petição: as tais comemorações<br />
do centenário do cinema, em<br />
1997, não fizeram propriamente<br />
milhares <strong>de</strong> espectadores). “Temos<br />
um grave problema <strong>de</strong> oferta, que<br />
gerou um grave problema <strong>de</strong> procura:<br />
há um público a reconstruir <strong>no</strong><br />
Porto”, argumenta João Fernan<strong>de</strong>s,<br />
director do Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea<br />
<strong>de</strong> Serralves.<br />
“O Porto tem vários públicos, mas<br />
são voláteis: a Casa das Artes fazia 60<br />
a 70 mil espectadores por a<strong>no</strong>, e lembro-me<br />
<strong>de</strong> haver dias em que o ‘Vale<br />
Abrãao’ esgotava as três sessões.<br />
Quando fechou, esse público dispersou-se<br />
- agora é difícil reconquistá-lo.<br />
Mas quando organizámos um ciclo<br />
<strong>de</strong> cinema italia<strong>no</strong> em Outubro quase<br />
todas as sessões estiveram esgotadas.<br />
O ‘Fome’, do Steve McQueen, fez mil<br />
espectadores em duas semanas, o que<br />
não foi mau numa fase em que já só<br />
se falava dos Óscares. É óbvio que se<br />
pudéssemos estrear certos filmes em<br />
simultâneo em <strong>Lisboa</strong> e Porto podíamos<br />
potenciar o efeito multiplicador.<br />
Quando chegam cá, os jornais já <strong>de</strong>ixaram<br />
<strong>de</strong> falar <strong>de</strong>les há meses - e as<br />
pessoas vêem na carteleira ‘A Rapariga<br />
Cortada em Dois’ mas não se lembram<br />
que é um filme do Chabrol”,<br />
explica António Costa. É um facto: as<br />
quatro salas Me<strong>de</strong>ia do Shopping<br />
Cida<strong>de</strong> do Porto são <strong>no</strong>tícia mais<br />
vezes por estarem em risco <strong>de</strong> fechar<br />
do que pelos filmes que tem em exibição.<br />
No curto prazo - com ou sem Cinemateca<br />
- não vai haver milagres<br />
<strong>de</strong>mográficos, e o Porto vai continuar<br />
a ser esta segunda cida<strong>de</strong> que per<strong>de</strong>u<br />
quase 100 mil habitantes em duas<br />
décadas e que tem uma população<br />
cada vez mais próxima da que tinha<br />
<strong>no</strong> início do século XX (por dia, são<br />
20 pessoas que saem e já não voltam).<br />
Há uma parte <strong>de</strong>sse problema que<br />
não é específica do Porto - as salas<br />
monumentais, como o Águia D’Ouro<br />
e o Batalha, fecharam porque esse<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cinemas se tor<strong>no</strong>u obsoleto<br />
com o VHS e o DVD e com a abertura<br />
<strong>de</strong> complexos multiplex <strong>de</strong>ntro<br />
dos centros comerciais. Mas há outra<br />
parte que faz <strong>de</strong>sta história um caso<br />
particular. “O número <strong>de</strong> cinemas<br />
fechados e abandonados é assustador.<br />
O Porto tem um problema grave<br />
<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo cultural que<br />
tem a ver com uma centralização progressiva<br />
das estruturas culturais em<br />
<strong>Lisboa</strong>, a ressaca da Capital Europeia<br />
da Cultura e o <strong>de</strong>sinteresse da câmara<br />
por estas questões. As gerações mais<br />
<strong>no</strong>vas cresceram <strong>de</strong>sligadas da produção<br />
artística - e do cinema”, aponta<br />
Guilherme Blanc. Está a estudar fora<br />
do Porto, como a maioria dos miúdos<br />
que estiveram por trás do movimento<br />
Circuito - Cinema na Universida<strong>de</strong>,<br />
que fe<strong>de</strong>rou uma série <strong>de</strong> cineclubes<br />
universitários e que acabou como<br />
sabemos, numa petição com mais <strong>de</strong><br />
4000 assinaturas. David Barros também:<br />
não podia estudar cinema <strong>no</strong><br />
Porto. “Em <strong>Lisboa</strong> posso ver em sala,<br />
com condições excepcionais, 95 por<br />
cento dos filmes que <strong>no</strong> Porto teria<br />
<strong>de</strong> ver em DVD. Não fui para <strong>Lisboa</strong><br />
fazer um mestrado por causa da qualida<strong>de</strong><br />
da Universida<strong>de</strong> Nova mas por<br />
causa da qualida<strong>de</strong> da Cinemateca.<br />
É disso que <strong>no</strong>s queixamos: falta-<strong>no</strong>s<br />
todo o cinema anterior à década <strong>de</strong><br />
90, falta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma geração<br />
inteira crescer a ver cinema. Não<br />
foi sempre assim. Ainda há dias estive<br />
a fazer uma pesquisa na Cinemateca<br />
e encontrei artigos sobre as vindas<br />
do Jean Rouch ao Porto”, resume.<br />
Sim, há um problema <strong>de</strong> público<br />
Dos 21 cinemas<br />
activos na cida<strong>de</strong> em<br />
1978, não há nenhum<br />
aberto<br />
PAULO PIMENTA<br />
“Temos um grave<br />
problema <strong>de</strong> oferta,<br />
que gerou um grave<br />
problema <strong>de</strong> procura:<br />
há um público a<br />
reconstruir <strong>no</strong> Porto”,<br />
João Fernan<strong>de</strong>s,<br />
director do Museu <strong>de</strong><br />
Arte Contemporânea<br />
<strong>de</strong> Serralves<br />
Fantasporto, um caso<br />
único a nível nacional<br />
FERNANDO VELUDO/ NFACTOS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 29
NELSON GARRIDO<br />
O pa<strong>no</strong>rama<br />
da exibição <strong>no</strong><br />
Porto: 14 salas<br />
em funcionamento,<br />
12 das<br />
quais em<br />
centros<br />
comerciais e<br />
apenas um na<br />
Baixa a exibir<br />
filmes por<strong>no</strong><br />
<strong>no</strong> Porto e também tem a ver com<br />
isto: “Se formos contar espingardas,<br />
vamos perceber que muitas pessoas<br />
que trabalham em <strong>Lisboa</strong> na área do<br />
cinema vieram do Porto, que não<br />
consegue fixar essa massa criativa”,<br />
lembra Dario Oliveira, um dos quatro<br />
directores do Curtas Vila do Con<strong>de</strong><br />
(já foram cinco, mas Luís Urba<strong>no</strong> foi<br />
para <strong>Lisboa</strong> gerir uma produtora, O<br />
Som e a Fúria).<br />
David Barros não está interessado<br />
em ir para o divã procurar explicações:<br />
“Temos é <strong>de</strong> lidar com a situação<br />
e ultrapassar esta falácia <strong>de</strong> que<br />
não há cinema <strong>no</strong> Porto porque não<br />
há público. Também não há público<br />
se não houver cinema. É preciso<br />
começar a criar <strong>no</strong>vos circuitos <strong>de</strong><br />
cinefilia”.<br />
Carlos Azeredo Mesquita, que continua<br />
ligado ao Cineclube da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Belas-Artes, admite que já<br />
houve mais espectadores, mas continua<br />
a ser “uma experiência curiosa”:<br />
“Há pessoas mais velhas que não<br />
sabemos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm”. O futuro<br />
po<strong>de</strong> passar por projectos a esta<br />
escala, diz: “Fiquei chocado com a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinemas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />
<strong>de</strong> bairro, que vi em Varsóvia. No<br />
Porto faltam pessoas que se mexam.<br />
A Cinemateca seria a instituição perfeita,<br />
mas não resolve os problemas<br />
todos: há coisas mais pequenas,<br />
me<strong>no</strong>s institucionais, que po<strong>de</strong>m<br />
criar práticas mais <strong>de</strong>nsas. Também<br />
achávamos que não havia público<br />
para as artes visuais, e tanto Serralves<br />
como Miguel Bombarda são o que<br />
são”.<br />
Tudo ou nada?<br />
Rodrigo Affreixo, que já tentou - teve<br />
os seus a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> militância <strong>no</strong> Cineclube<br />
do Norte e na revista “A Gran<strong>de</strong><br />
Ilusão”, na década <strong>de</strong> 80, quando o<br />
cineclubismo do Porto teve o seu<br />
gran<strong>de</strong> cisma e se partiu ao meio -,<br />
tem dúvidas: “Nisso o Porto é diferente<br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Estive a programar<br />
a sala do Teatro do Campo Alegre<br />
entre 2000 e 2001 e tentei fazer uma<br />
coisa tipo Cinemateca. A sala estava<br />
sempre vazia - não sei se por falta <strong>de</strong><br />
promoção, ou por estar a <strong>de</strong>correr o<br />
Porto 2001 ao mesmo tempo. De<br />
facto o circuito <strong>de</strong> exibição não po<strong>de</strong><br />
resumir-se a isto que temos agora: era<br />
como se <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> haver restaurantes<br />
e passasse a haver apenas praças<br />
da alimentação. Mas a i<strong>de</strong>ia com que<br />
fiquei é que os circuitos alternativos<br />
não funcionam”.<br />
Mário Dorminsky, director do Fantasporto,<br />
concorda: “As pessoas não<br />
se interessam por ciclos, a não ser<br />
que sejam suportados por filmes inéditos,<br />
porque já viram tudo em DVD.<br />
Acontece com o Fantasporto. Gostávamos<br />
<strong>de</strong> fazer mais coisas ao longo<br />
do a<strong>no</strong>, mas não vale a pena. Nesse<br />
sentido, <strong>no</strong> Porto não falta nada: está<br />
tudo editado em DVD, muitas vezes<br />
em cópias remasterizadas <strong>de</strong> altíssima<br />
qualida<strong>de</strong>”.<br />
É uma questão <strong>de</strong> perspectiva:<br />
Carlos Azeredo Mesquita diz que<br />
falta tudo, “cinema anterior à década<br />
<strong>de</strong> 90, algum cinema da própria<br />
década <strong>de</strong> 90 e muito cinema contemporâneo”,<br />
João Fernan<strong>de</strong>s diz<br />
que “falta, conhecida e reconhecidamente<br />
um confronto com a História<br />
do cinema, com o cinema experimental<br />
e também com muitas possibilida<strong>de</strong>s<br />
do cinema<br />
contemporâneo e com as cinematografias<br />
do mundo, até porque há filmes<br />
que <strong>de</strong>saparecem após uma<br />
semana <strong>de</strong> exibição”.<br />
Olhamos para o que aconteceu em<br />
Serralves, na Casa da Música, <strong>no</strong> S.<br />
João e na rua Galeria <strong>de</strong> Paris e <strong>de</strong>cidimos:<br />
tem <strong>de</strong> haver público para o<br />
cinema. “O Porto 2001 é a prova:<br />
havendo uma programação séria,<br />
uma ligação à universida<strong>de</strong> e ao<br />
meio artístico, há público. O Festival<br />
Odisseia nas Imagens tinha tudo para<br />
ter ficado para a cida<strong>de</strong>, mas a<br />
câmara não teve abertura para uma<br />
única reunião. Havia um trabalho <strong>de</strong><br />
ligação com as universida<strong>de</strong>s, com<br />
a Cinemateca e com os festivais<br />
estrangeiros, <strong>de</strong>u-se formação, encomendaram-se<br />
filmes. Todo esse trabalho<br />
se per<strong>de</strong>u”, sublinha Dario<br />
Oliveira. Falta esse festival e faltam<br />
salas <strong>de</strong> rua, diz: “Micro-multiplexes,<br />
como em toda a Europa. Não<br />
adianta haver uma sala sozinha na<br />
“Há esse mito <strong>de</strong> que<br />
os cidadãos do Porto<br />
são muito activos e<br />
muito resistentes, eu<br />
acho que não são: a<br />
cida<strong>de</strong> não reage às<br />
suas perdas”<br />
Alexandre Alves<br />
Costa, arquitecto<br />
Baixa: fizemos essa experiência com<br />
o Passos Manuel e não foi viável porque<br />
a média <strong>de</strong> espectadores era<br />
muito baixa. É o que se passa agora<br />
com este movimento da rua Galeria<br />
<strong>de</strong> Paris: <strong>de</strong>z bares na mesma rua<br />
criam práticas com que um bar sozinho<br />
não po<strong>de</strong> sequer sonhar”. Tudo<br />
o que existe <strong>no</strong> Porto na área do do<br />
cinema existe pontualmente, subscreve<br />
Abi Feijó, que foi o primeiro<br />
director da Casa da Animação: “O<br />
Fantasporto pontualmente, Serralves<br />
pontualmente, a Casa da Animação<br />
pontualmente. São gotas <strong>no</strong> ocea<strong>no</strong>”.<br />
Uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> salas <strong>de</strong> bairro, na<br />
Baixa, po<strong>de</strong> funcionar como incentivo<br />
para que a cida<strong>de</strong> volte a ocupar<br />
o centro, mas isto já é “wishful<br />
thinking”: “A distribuição e a exibição<br />
comercial são áreas difíceis, mas seria<br />
interessante que aparecessem aventuras<br />
privadas a par do formato mais<br />
institucional <strong>de</strong> um pólo da Cinemateca,<br />
até porque muitas das salas<br />
fechadas estão equipadas”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
João Fernan<strong>de</strong>s. “Não temos razões<br />
para frequentar a Baixa, está tudo em<br />
ruínas a não ser a vida <strong>no</strong>cturna. O<br />
fim do projecto do Rivoli, que <strong>de</strong><br />
facto funcionava como centro cívico,<br />
foi terrível. E tudo isto acontece à<br />
<strong>no</strong>ssa frente, sem que a cida<strong>de</strong> pareça<br />
incomodada. Há esse mito <strong>de</strong> que os<br />
cidadãos do Porto são muito activos<br />
e muito resistentes, eu acho que não<br />
FERNANDO VELUDO/ NFACTOS<br />
são: a cida<strong>de</strong> não reage às suas perdas.<br />
É impensável que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
2001, a cida<strong>de</strong> tenha eleito um presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> câmara não só inculto<br />
como manifestamente anti-cultural”,<br />
frisa o arquitecto Alexandre Alves<br />
Costa, filho do histórico director do<br />
Cineclube do Porto Henrique Alves<br />
Costa. É a favor <strong>de</strong> uma Cinemateca<br />
<strong>no</strong> Porto, mesmo que seja só para 20<br />
pessoas: “Se não começarmos pelas<br />
20 pessoas, nunca passaremos para<br />
as 2000”.<br />
É uma <strong>de</strong>cisão política, diz António<br />
Costa: “Ou se faz ou não se faz. Não<br />
se po<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sistir antes <strong>de</strong> começar”.<br />
Mas também há outras coisas que se<br />
po<strong>de</strong>m fazer antes da Cinemateca:<br />
“A Casa das Artes é o centro i<strong>de</strong>al<br />
para a difusão do cinema <strong>no</strong> Porto.<br />
Ainda existe o espaço, ainda existem<br />
as pessoas, existem as universida<strong>de</strong>s.<br />
Era possível abrir o Porto a outro tipo<br />
<strong>de</strong> cinema com custos baixíssimos,<br />
se houvesse boa vonta<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> não<br />
haver público real, mas há público<br />
potencial, e um sítio para esse público<br />
se encontrar. O cinema <strong>no</strong> Porto é<br />
uma bela adormecida: precisa <strong>de</strong><br />
pouco para <strong>de</strong>spertar”, diz Bernard<br />
Despomadères.<br />
Estamos naquela fase em que já<br />
não interessa o que se vai fazer -<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se faça qualquer coisa para<br />
acabar com este so<strong>no</strong> <strong>de</strong> 20 e tal<br />
a<strong>no</strong>s.<br />
David Barros<br />
(terceiro a<br />
contar da<br />
direita) faz<br />
mestrado em<br />
cinema.<br />
Deixou o Porto<br />
e foi para<br />
<strong>Lisboa</strong> não por<br />
causa da<br />
qualida<strong>de</strong> da<br />
Universida<strong>de</strong><br />
Nova mas por<br />
causa da<br />
qualida<strong>de</strong> da<br />
Cinemateca<br />
30 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />
APRESENTAÇÃO<br />
MÃO MORTA À CONVERSA COM…<br />
28.02. 17H30 FNAC NORTESHOPPING<br />
28.02. 21H30 FNAC COIMBRA<br />
03.03. 19H00 FNAC BRAGA<br />
AO VIVO<br />
BUNNYRANCH<br />
Teach Us Lord How To Wait<br />
27.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />
05.03. 21H30 FNAC VISEU<br />
AO VIVO<br />
DOISMILEOITO<br />
doismileoito<br />
28.02. 17H00 FNAC CHIADO<br />
01.03. 18H30 FNAC COLOMBO<br />
06.03. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
07.03. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />
07.03. 22H00 FNAC BRAGA<br />
13.03. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />
13.03. 22H00 FNAC MAR SHOPPING<br />
15.03. 17H30 FNAC VISEU<br />
AO VIVO<br />
:PAPERCUTZ<br />
Lylac<br />
28.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />
28.02. 22H00 FNAC GAIASHOPPING<br />
07.03. 17H00 FNAC BRAGA<br />
14.03. 17H00 FNAC VISEU<br />
EXPOSIÇÃO<br />
UM PONTO EXACTO PARA VER<br />
Fotografias <strong>de</strong> Hugo Rodrigues Cunha<br />
Novo Talento Fnac Fotografia 2008, Vencedor<br />
05.03. - 20.05.2009 FNAC CHIADO<br />
Apoio:
Cinema<br />
Anjo caído<br />
É um filme sobre glórias<br />
passadas e sobre uma queda.<br />
Randy, como Rourke, foi<br />
“gran<strong>de</strong>” <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, e<br />
agora <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong><br />
encontrar um espelho que<br />
reflicta essa gran<strong>de</strong>za.<br />
Luís Miguel Oliveira<br />
O Wrestler<br />
The Wrestler<br />
De Darren Aro<strong>no</strong>fsky,<br />
com Mickey Rourke, Marisa Tomei,<br />
Evan Rachel Wood. M/16<br />
MMMnn<br />
Sem Rourke, “O Wrestler” não faria sentido<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30 6ª<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; Castello<br />
Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />
16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />
24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h40,<br />
21h40, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7:<br />
5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50, 18h30, 21h35, 23h45<br />
Sábado Domingo 11h30, 13h40, 15h50, 18h30, 21h35,<br />
23h45; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 14h, 16h10, 18h20, 21h40 6ª 14h, 16h10, 18h20,<br />
21h40, 00h05 Sábado 11h45, 14h, 16h10, 18h20,<br />
21h40, 00h05 Domingo 11h45, 14h, 16h10, 18h20,<br />
21h40; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,<br />
00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h15, 21h30, 23h55<br />
Domingo 11h30, 14h15, 16h50, 19h15, 21h30,<br />
23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h30,<br />
00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h10,<br />
21h40, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30, 18h15,<br />
21h10, 23h50; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h30,<br />
21h25, 00h10; UCI Freeport: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
16h, 18h40, 21h30 6ª 16h, 18h40, 21h30, 24h<br />
Sábado 13h40, 16h, 18h40, 21h30, 24h<br />
Domingo 13h40, 16h, 18h40, 21h30; ZON<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45,<br />
18h25, 21h30, 00h05; ZON<br />
Lusomundo Fórum<br />
Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h40, 16h20,<br />
18h45, 21h30,<br />
24h<br />
Porto:<br />
Arrábida<br />
As estrelas do público<br />
20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15,<br />
16h50, 19h25, 22h, 00h45 3ª 4ª 16h50, 19h25, 22h,<br />
00h45; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,<br />
21h50; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h20 6ª<br />
Sábado 13h, 15h30, 18h10, 21h20, 00h20; ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 19h, 22h,<br />
00h40; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h30, 21h10 6ª<br />
Sábado 13h, 15h45, 18h30, 21h10, 24h<br />
Mickey Rourke não é apenas o actor<br />
<strong>de</strong> “O Wrestler”. É o seu tema, o seu<br />
objecto, a sua razão <strong>de</strong> ser. Diz-se<br />
muitas vezes que todos os filmes<br />
acabam por ser uma espécie <strong>de</strong><br />
“documentário” sobre os seus<br />
actores. É verda<strong>de</strong>, e quanto mais o<br />
tempo passa sobre um filme mais<br />
essa verda<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte (como dizia<br />
alguém, o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> da “ficção” é<br />
tornar-se “documento”). Ainda<br />
assim, é raro encontrar um filme<br />
que, como “O Wrestler”, leve essa<br />
i<strong>de</strong>ia tão a peito. O seu acto<br />
essencial é ser testemunha <strong>de</strong> uma<br />
presença, da presença <strong>de</strong> um actor,<br />
da presença <strong>de</strong>ste actor. Sem<br />
Rourke - e sem a história <strong>de</strong> Rourke,<br />
que está, por assim dizer,<br />
“incrustada” em cada milímetro do<br />
seu corpo e do seu rosto - o filme<br />
não faria sentido, ou faria um<br />
sentido completamente diferente.<br />
Claro que a dissociação continua<br />
a ser possível, e não só possível<br />
como <strong>de</strong>sejável. É um actor e uma<br />
personagem, a sobreposição não é<br />
absoluta, e a história <strong>de</strong> Mickey<br />
Rourke não é bem a história do<br />
“wrestler” Randy the Ram. Mas há<br />
ecos <strong>de</strong> um <strong>no</strong> outro, ou não fosse<br />
“O Wrestler” um filme sobre glórias<br />
passadas e, se não sobre a<br />
<strong>de</strong>cadência, sobre uma queda, um<br />
confronto com a vulgarida<strong>de</strong> do<br />
mundo. Randy, como Rourke, foi<br />
“gran<strong>de</strong>” <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, e agora<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> encontrar<br />
um espelho que reflicta essa<br />
gran<strong>de</strong>za - não tão longe assim, e é<br />
uma lembrança que <strong>no</strong>s ocorre a<br />
certa altura, da Gloria Swanson do<br />
“Sunset Boulevard” <strong>de</strong> Billy Wil<strong>de</strong>r,<br />
esse filme sobre “come backs” e<br />
sobre o crepúsculo dos <strong>de</strong>uses... É o<br />
mesmo mundo “encolhido”, e dirse-ia<br />
que é nisso que Darren<br />
Aro<strong>no</strong>fsky pensa quando trata a<br />
relação do e<strong>no</strong>rme corpo <strong>de</strong> Rourke<br />
com certos décors. As cenas <strong>no</strong><br />
supermercado on<strong>de</strong> Randy faz uns<br />
biscates <strong>no</strong> intervalo entre dois<br />
combates, por exemplo: há ali uma<br />
espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sproporção, como se<br />
Randy fosse o protótipo do “leão<br />
enjaulado”...<br />
Um mundo vulgar, mas cheio<br />
<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>. A principal proeza<br />
do olhar <strong>de</strong> Aro<strong>no</strong>fsky está nessa<br />
justeza. Consegue filmar um<br />
mundo, ou submundo, tão<br />
codificado como os dos “wrestlers”<br />
sem tombar <strong>no</strong> grotesco ou na<br />
caricatura. E confrontar-se, por sua<br />
vez, com uma vulgarida<strong>de</strong><br />
corriqueira, com uma urbanida<strong>de</strong><br />
cinzenta e <strong>de</strong>primente, sem nunca<br />
as me<strong>no</strong>rizar nem sequer julgar,<br />
trazendo-lhes uma lumi<strong>no</strong>sida<strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>ntemente tocante. As<br />
cenas com Rourke e a<br />
maravilhosa Marisa Tomei,<br />
sobretudo as cenas diurnas<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
O Casamento <strong>de</strong> Rachel mmnnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />
Dúvida MMmnn mmnnn mmmnn mmnnn<br />
O Leitor mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
Maradona nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn<br />
Milk mmmmm mmmmn mmmmm mmmmn<br />
Quem quer ser Bilionário? mmnnn a mnnnn a<br />
Revolutionary Road nnnnn mmnnn mmmnn mnnnn<br />
Um dia <strong>de</strong> cada vez mmmmn nnnnn mmnnn mnnnn<br />
O Visitante mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
O Wrestler nnnnn mmmnn nnnnn mmmnn<br />
Bárbara<br />
Reis<br />
Coffee-break<br />
A morte dos outros<br />
Há uns a<strong>no</strong>s fui ao New Museum <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque ver Bob Flanagan morrer. O “New<br />
York Times” dizia que era um poeta<br />
sadomasoquista famoso por ler poesia em<br />
público com pesos pendurados <strong>no</strong>s<br />
testículos e por ter uma doença hereditária incurável. E<br />
dizia outra coisa: Flanagan estava a morrer na exposição.<br />
Seria possível?<br />
Uma pessoa não sabe bem o que pensar quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />
ir ver uma coisa assim. O espectáculo da morte não é uma<br />
invenção do <strong>no</strong>sso século, os roma<strong>no</strong>s morriam na arena<br />
entre palmas e lágrimas, mas em 1994, quando fui ver<br />
Flanagan, a morte ainda não voltara a ser espectáculo diário<br />
<strong>de</strong> multidões, como é hoje.<br />
Esta semana, Ja<strong>de</strong> Goody, que está a semanas <strong>de</strong> morrer<br />
com um cancro <strong>no</strong> cólon do útero, cobrou um milhão<br />
<strong>de</strong> euros pelo exclusivo do seu casamento. Quer <strong>de</strong>ixar<br />
dinheiro aos filhos e se a <strong>no</strong>ssa arena da morte é a televisão,<br />
porque não? Filha <strong>de</strong> um casal <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
dos subúrbios <strong>de</strong> Londres, Ja<strong>de</strong> Goody foi uma anónima<br />
assistente <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista até entrar <strong>no</strong> Big Brother britânico<br />
em 2002. Ficou célebre por ser ig<strong>no</strong>rante. Num programa<br />
perguntou se o Rio <strong>de</strong> Janeiro era uma “pessoa”, <strong>no</strong>utro se<br />
em Portugal se falava “portuganês”. Tinha 20 a<strong>no</strong>s. Hoje<br />
tem 27 e soube ao vivo, num Big Brother da Índia on<strong>de</strong><br />
estava como convidada, que tinha um cancro. No dia dos<br />
namorados, o seu <strong>no</strong>ivo <strong>de</strong> 21 a<strong>no</strong>s, preso por ter atacado<br />
um adolescente com um taco <strong>de</strong> basebol, pediu-lhe e mão.<br />
Jack Straw, ministro da Justiça, abriu uma excepção e <strong>de</strong>ixou<br />
que o <strong>no</strong>ivo-con<strong>de</strong>nado dormisse fora uma <strong>no</strong>ite – está em<br />
liberda<strong>de</strong> condicional e obrigado pelo tribunal a regressar<br />
a casa da mãe até às sete da<br />
tar<strong>de</strong>. “Esta <strong>no</strong>ite é <strong>de</strong>les, talvez<br />
Bob Flanagan viveu na<br />
exposição entre<br />
Setembro e Novembro <strong>de</strong><br />
1994. Morreu dois a<strong>no</strong>s<br />
<strong>de</strong>pois. Sinto que não<br />
aprendi nada com<br />
aquilo. E com Ju<strong>de</strong><br />
Goody vai ser igual<br />
seja a única que passam juntos.<br />
Estamos gratos a Straw”,<br />
disse Max Clifford, o agente<br />
<strong>de</strong> Ja<strong>de</strong> Goody que foi agente<br />
dos Beatles. “Vivi em frente<br />
às câmaras e talvez morra em<br />
frente a elas”, é a frase que fica<br />
<strong>de</strong> tudo isto. Especula-se, como<br />
os roma<strong>no</strong>s, se Ja<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>rá<br />
também a sua morte.<br />
Há 15 a<strong>no</strong>s, quando fui<br />
com a Isabel ver Bob Flanagan<br />
morrer, ainda não se tinha<br />
inventado o Big Brother.<br />
Lembro-me <strong>de</strong> sentir medo que<br />
ele morresse à minha frente.<br />
A exposição chamava-se “Visiting Hours” e começava com<br />
um berço e uma linha branca na pare<strong>de</strong> que <strong>no</strong>s conduzia<br />
pelas salas, como um corrimão sem espessura. Com a linha,<br />
seguia também o poema “Porquê” que se lia à medida<br />
que caminhávamos: “Porque é bom/ Porque me dá uma<br />
erecção/ Porque sou tarado.” Avancei pelo espectáculo<br />
da dor e rapidamente acelerei o passo. Vi um ví<strong>de</strong>o com<br />
Flanagan a pôr piercings <strong>no</strong> mamilo, outro com sangue a<br />
esguichar. Quando cheguei ao pénis a ser perfurado por<br />
um prego saí. No caminho li o resto do poema: “Porque há<br />
muitas doenças/ Porque gosto da atenção/ Porque fiquei<br />
muitas vezes sozinho em criança/ Porque eu era diferente/<br />
Porque os miúdos me batiam a caminho da escola/ Porque<br />
fui humilhado pelas freiras/ Por causa da crucificação.”<br />
Fiquei na rua à espera da Isabel. Resistente, pensei. Meia<br />
hora <strong>de</strong>pois fui procurá-la. Calmamente, ela conversava<br />
com Bob Flanagan, que estava <strong>no</strong> fim da exposição, nu,<br />
com soro <strong>no</strong>s braços e tubos <strong>no</strong> nariz, num quarto <strong>de</strong><br />
hospital real transportado para o New Museum. Como<br />
passa os dias? Porque é que tem um Cristo em cima da<br />
cama? Que livros tem na cabeceira? As pessoas conversam<br />
consigo? E o que lhe dizem?<br />
Bob Flanagan viveu na exposição entre Setembro e<br />
Novembro <strong>de</strong> 1994. Morreu dois a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois. Sinto que não<br />
aprendi nada com aquilo. E com Ju<strong>de</strong> Goody vai ser igual.<br />
breis@publico.pt<br />
32 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
“Maradona”: o futebolista, patético<br />
e perdido num filme <strong>de</strong>magógico<br />
Espaço<br />
Público<br />
Tire-se o chapéu a Gus Van<br />
Sant. Apesar <strong>de</strong> aventuras<br />
em formato “mainstream”<br />
como “Good Will Hunting”<br />
ou “Finding Forrester”,<br />
tem <strong>de</strong>dicado a sua<br />
carreira a correr riscos,<br />
oferecendo-<strong>no</strong>s pérolas<br />
escondidas em ostras <strong>de</strong><br />
tamanho indie como “My<br />
Own Private Idaho” ou<br />
“Last Days”. “Milk”é uma<br />
pérola indie em formato<br />
universal. O filme conta a<br />
história <strong>de</strong> Harvey Milk, o<br />
primeiro político<br />
assumidamente gay a ser<br />
eleito para um cargo<br />
público <strong>no</strong>s EUA. É incrível<br />
a forma como Van Sant<br />
transmuta a história<br />
individual numa epopeia<br />
colectiva, começando<br />
numa rua, avançando para<br />
um país para, <strong>de</strong> repente,<br />
tomar conta do mundo<br />
inteiro. Porque não é<br />
apenas dos direitos gay<br />
que Milk se acerca, mas <strong>de</strong><br />
todos os direitos e<br />
liberda<strong>de</strong>s inalienáveis ao<br />
ser huma<strong>no</strong> enquanto<br />
indivíduo e à sua<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha.<br />
No a<strong>no</strong> em que a eleição <strong>de</strong><br />
Obama <strong>de</strong>volveu a<br />
esperança ao planeta,<br />
ofereço a esta odisseia pela<br />
liberda<strong>de</strong> 9 Castros em 10.<br />
Pedro Miguel Silva, 35<br />
a<strong>no</strong>s, Técnico <strong>de</strong><br />
Comunicação<br />
2008 FOCUS FEATURES. ALL RIGHTS RESERVED<br />
dos seus encontros <strong>no</strong> café ou nas<br />
lojas, trabalham numa simplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> ador<strong>no</strong>s que é sempre<br />
uma maneira <strong>de</strong> fazer justiça às<br />
personagens.<br />
Numa <strong>de</strong>ssas cenas Randy faz o<br />
elogio dos a<strong>no</strong>s 80 através do<br />
“rock”, aquele “rock FM” não<br />
muito sofisticado que ele gosta <strong>de</strong><br />
ouvir (“<strong>de</strong>pois”, diz, “apareceu o<br />
Kurt Cobain e estragou tudo”).<br />
Noutra cena joga, com um miúdo<br />
seu vizinho, um velhíssimo jogo<br />
<strong>de</strong> consola, enquanto o miúdo lhe<br />
fala dos jogos <strong>no</strong>vos, <strong>de</strong> que Randy<br />
já ouviu falar mas não tem<br />
interesse em experimentar.<br />
Pequenas reiterações do carácter<br />
“perdido <strong>no</strong> tempo” da<br />
personagem <strong>de</strong> Rourke.<br />
Aro<strong>no</strong>fsky, em vez <strong>de</strong> filmar para a<br />
“recuperar”, oferece-lhe a<br />
possibilida<strong>de</strong> do mergulho total<br />
nessa “perdição”. Mas <strong>no</strong> último<br />
pla<strong>no</strong> do filme (que é, afinal <strong>de</strong><br />
contas, um “mergulho”) a<br />
diferença entre uma maldição e<br />
uma bênção torna-se uma questão<br />
<strong>de</strong> perspectiva: Randy está<br />
<strong>de</strong>stinado a ganhar-se por aquilo<br />
que o per<strong>de</strong>. E isso é muito bonito.<br />
Continuam<br />
Maradona<br />
Maradona by Kusturica<br />
De Emir Kusturica,<br />
com Lucas Fuica, Emir Kusturica,<br />
Diego Armando Maradona. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 18h50, 21h20 6ª Sábado<br />
13h40, 18h50, 21h20, 23h40<br />
Emir Kusturica tem uma obra<br />
respeitável, à qual este “biopic”<br />
supostamente original nada vem<br />
acrescentar. Trata-se do encontro<br />
<strong>de</strong>sinteressante entre dois egos<br />
imensos, com algum respeito pelo<br />
biografado, mas com uma<br />
hagiografia que não faz gran<strong>de</strong><br />
sentido, na medida em que se per<strong>de</strong><br />
em escusadas lau<strong>de</strong>s e em<br />
porme<strong>no</strong>res. Nem a tentativa <strong>de</strong><br />
aproveitar a Guerra das Malvinas,<br />
para con<strong>de</strong>nar o regime “fascista”<br />
<strong>de</strong> Mrs. Thatcher, funciona:<br />
politizar, à boa maneira dos seus<br />
filmes “jugoslavos”, <strong>de</strong>ixa Kusturica<br />
num impasse, uma vez que tudo<br />
esbarra numa confrangedora<br />
facilida<strong>de</strong> representativa. E, <strong>de</strong>pois,<br />
Maradona, figura tragicómica,<br />
sossobra <strong>no</strong> processo: patético e<br />
perdido num filme <strong>de</strong>magógico.<br />
Mário Jorge Torres<br />
O Casamento <strong>de</strong> Rachel<br />
Rachel Getting Married<br />
De Jonathan Demme,<br />
com Anne Hathaway, Rosemarie<br />
DeWitt, Debra Winger. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª 6ª<br />
2ª 3ª 4ª 13h50, 16h Sábado Domingo 11h40, 13h50,<br />
16h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20, 18h50, 21h30,<br />
24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h45, 19h10, 21h35,<br />
24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 21h15, 23h45 4ª 23h45<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 19h15, 21h45, 00h20; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />
“O Casamento <strong>de</strong> Rachel”<br />
Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
19h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h35,<br />
21h20, 23h40; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30 6ª<br />
Sábado 13h05, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20;<br />
Sim, nós já sabemos que as famílias<br />
são uma coisa lixada, e a esse nível<br />
“O Casamento <strong>de</strong> Rachel”, história<br />
do regresso a casa <strong>de</strong> uma drogada<br />
em reabilitação para assistir ao<br />
casamento da irmã, não traz nada <strong>de</strong><br />
<strong>no</strong>vo. O que traz <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo – ou, pelo<br />
me<strong>no</strong>s, <strong>de</strong> invulgar – é o modo<br />
“home movie” como Jonathan<br />
Demme o filma, como se a câmara<br />
fizesse parte da família e estivesse lá<br />
sempre que as coisas ficam feias (e<br />
ficam bastantes vezes). O que traz <strong>de</strong><br />
mais interessante é a interpretação<br />
reveladora <strong>de</strong> Anne Hathaway<br />
(<strong>no</strong>meada para o Oscar) <strong>no</strong> papel da<br />
irmã perdida (bem secundada por<br />
Rosemarie <strong>de</strong> Witt <strong>no</strong> papel da irmã<br />
certinha; e que pena que Debra<br />
Winger quase não apareça). Mas a<br />
sensação que “O Casamento <strong>de</strong><br />
Rachel” <strong>de</strong>ixa é exactamente a <strong>de</strong><br />
um casamento para o qual somos<br />
convidados sem conhecer bem a<br />
família, e do qual saímos sem termos<br />
percebido muito bem porque é que<br />
aceitámos ir; o ponche<br />
emocional está<br />
<strong>de</strong>masiado diluido na<br />
boémia, a evocação <strong>de</strong><br />
Altman esbarra na<br />
incapacida-<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gerir habilmente<br />
os<br />
vários fios<br />
cru-zados.<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
“Um Dia <strong>de</strong> Cada Vez”: o “sistema”<br />
<strong>de</strong> Mike Leigh em flagrante <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong><br />
Um Dia <strong>de</strong> Cada Vez<br />
Happy-Go-Lucky<br />
De Mike Leigh,<br />
com Sally Hawkins, Elliot Cowan,<br />
Alexis Zegerman. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h15<br />
O “sistema Mike Leigh” parece<br />
<strong>de</strong>sabar. O querer fazer uma<br />
comédia “optimista” (querer chegar<br />
a mais público?) parece ser neste<br />
filme, antes <strong>de</strong> tudo, um objectivo<br />
imposto <strong>de</strong> fora, um “a priori”,<br />
coisa pouco orgânica, uma tarefa,<br />
na verda<strong>de</strong>. O resultado é um<br />
flagrante <strong>de</strong> artificialismo e<br />
falsida<strong>de</strong>. O que se vê são os<br />
processos, os tiques, e quando<br />
Agenda<br />
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. B213596200<br />
Sexta, 27<br />
Quando o Rio se Enfurece<br />
Wild River<br />
De Elia Kazan. Com Jo Van<br />
Fleet, Lee Remick,<br />
Montgomery Clift. 110 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Les Dames<br />
du Bois <strong>de</strong> Boulogne<br />
De Robert Bresson. Com<br />
Blanchette Bru<strong>no</strong>y, Lucienne<br />
Bogaert, Paul Bernard. 90<br />
min.<br />
19h - Sala Félix<br />
Ribeiro<br />
Nuvens <strong>de</strong> Verão<br />
Iwashigumo<br />
De Mikio Naruse. Com<br />
Chikage Awashima,<br />
Michiyo Aratama,<br />
Yôko Tsukasa. 128<br />
min.<br />
19h30 - Sala Luís<br />
<strong>de</strong> Pina<br />
Almas em Fúria<br />
The Furies<br />
De Anthony Mann.<br />
Com Barbara<br />
Stanwyck,<br />
Wen<strong>de</strong>ll Corey, walter Huston. 112<br />
min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Velho e o Mar<br />
The Old Man and The Sea<br />
De John Sturges. Com Felipe Pazos,<br />
Harry Bellaver, Spencer Tracy. 86<br />
min. M12.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Sábado, 28<br />
Montgomery Clift em “Wild River”<br />
Amor Selvagem<br />
Canyon Passage<br />
De Jacques Tourneur. Com Dana<br />
Andrews, Brian Donlevy, Susan<br />
Hayward, Patricia Roc. 92 min.<br />
M12.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
A Múmia<br />
Al Mummia<br />
De Chadi Ab<strong>de</strong>l Salam. Com Ahmed<br />
Marei, Ahmad Hegazi, Zouzou<br />
Hamdy El-Hakim. 102 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Autobiography of a Princess<br />
De James Ivory. Com James Mason,<br />
Madhur Jaffrey, Keith Varnier. 60<br />
min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
A Mulher na Lua<br />
Frau im Mond<br />
De Fritz Lang. Com Gerda Maurus,<br />
Kirsten Heilberg, Willy Fritsch.<br />
190 min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Painters Painting<br />
De Emile <strong>de</strong> Antonio. 116 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
ORGANIZAÇÃO<br />
PARCERIA ESTRATÉGICA<br />
WWW.MONSTRAFESTIVAL.COM<br />
MEDIA PARTNER<br />
APOIO<br />
09 –15 Mar<br />
monstra<br />
festival <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> LISBOA animated film festival<br />
Cinema São Jorge<br />
Museu do Oriente<br />
Museu da Marioneta<br />
Museu <strong>de</strong> Et<strong>no</strong>logia<br />
Teatro Meridional<br />
Escola Sec. D. Diniz<br />
Animação Suíça<br />
Competição Longas<br />
e curtas <strong>de</strong> Estudantes<br />
Ante-estreias<br />
<strong>de</strong> filmes portugueses<br />
Exposições<br />
MONSTRINHA<br />
Transversalida<strong>de</strong>s<br />
| Cabaret Voltaire<br />
Formação<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
MUSEU DA MARIONETA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 33
Cinema<br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Sérgio Sant’anna esteve<br />
em Praga, Luiz Ruffato<br />
em <strong>Lisboa</strong>, Joca Reiners<br />
Terron <strong>no</strong> Cairo...<br />
Amores<br />
Expressos<br />
http://<br />
amoresexpressos.<br />
com.br/<br />
GARY HERSHORN/ REUTERS<br />
Óscares<br />
Ciberescritas<br />
Os escritores<br />
e as cida<strong>de</strong>s<br />
Esta crónica “pega um pouco” a da semana<br />
passada. Isto porque acho que há muito mais<br />
para dizer sobre Amores Expressos e sobre os<br />
16 escritores brasileiros que participaram<br />
neste projecto.<br />
“Se há uma marca que <strong>de</strong>fine a literatura do <strong>no</strong>sso tempo,<br />
é a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estéticas e propostas que convivem <strong>no</strong><br />
mesmo tempo e espaço”, lê-se <strong>no</strong> “site” do projecto literário<br />
brasileiro Amores Expressos. Foi por isso que o produtor<br />
Rodrigo Teixeira (que ficou conhecido pela colecção Camisa<br />
13, em que pediu a escritores brasileiros que escrevessem<br />
sobre futebol) teve agora a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> propor a 16 autores<br />
brasileiros, <strong>de</strong> diferentes gerações, que escrevessem histórias<br />
<strong>de</strong> amor com uma cida<strong>de</strong> a servir <strong>de</strong> cenário e inspiração<br />
para as narrativas. Enviou-os, isolados, por um mês, para<br />
várias cida<strong>de</strong>s espalhadas pelo mundo. Acreditava que o<br />
conjunto final dos textos formaria “um rico mosaico literário,<br />
retratando em diferentes instantâneos o estado das relações<br />
e do amor contemporâneo pelo planeta.” Foram escolhidos<br />
(o coor<strong>de</strong>nador editorial do projecto é João Paulo Cuenca,<br />
que entrevistámos para esta edição) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> escritores<br />
consagrados como Sérgio Sant’Anna e Bernardo Carvalho,<br />
até escritores que nunca tinham publicado um romance<br />
e foram <strong>de</strong>scobertos por terem publicado contos e outros<br />
textos em revistas literárias. A editora brasileira Companhia<br />
das Letras associou-se, publicará os livros. E durante toda a<br />
permanência dos escritores nas cida<strong>de</strong>s, cada um manteve<br />
um blogue e <strong>de</strong>pois foi feito um DVD, com documentários <strong>de</strong><br />
todas as experiências.<br />
Já foi publicado <strong>no</strong> Brasil o primeiro livro associado a<br />
Amores Expressos: “Cordilheira” <strong>de</strong> Daniel Galera, Prémio<br />
Machado <strong>de</strong> Assis 2008. Daniel Galera esteve em Bue<strong>no</strong>s<br />
Aires e escreveu <strong>no</strong> seu blogue,<br />
<strong>no</strong> seu diário <strong>de</strong> bordo, “Já <strong>de</strong><br />
volta a São Paulo, ruminando<br />
fotos e memórias. Tenho uma<br />
história rabiscada na mente.<br />
Acho que ela po<strong>de</strong>ria se passar<br />
em qualquer lugar, mas se<br />
passará em Bue<strong>no</strong>s Aires,<br />
uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carnes tenras,<br />
mulheres elegantes e ruas planas que mimam os andarilhos<br />
com cafés e livrarias inesgotáveis.”<br />
Agora vai ser publicado o livro <strong>de</strong> Bernardo Carvalho,<br />
que se passa em São Petersburgo. Cuenca, que já leu, diz<br />
que é excelente, “o melhor livro <strong>de</strong>le.” Basta ir espreitar o<br />
seu diário <strong>de</strong> bordo na Internet para ter a certeza que isso<br />
só po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>: “Começo a me dar conta <strong>de</strong> outra<br />
São Petersburgo. Em parte, graças ao Maxim, que é um<br />
sujeito muito peculiar.(...) Estudou cinema, em Moscou,<br />
com Marlen Huciev, cineasta soviético contemporâneo <strong>de</strong><br />
Tarkovski. Uma <strong>no</strong>ite, <strong>no</strong> hotel, em Moscou, liguei a TV e<br />
<strong>de</strong>i com a cena <strong>de</strong> um filme em preto e branco, dos a<strong>no</strong>s<br />
60, em que um grupo <strong>de</strong> jovens (Tarkovski entre eles) falava<br />
alto, recitava poemas, dançava, e passava do riso ao choro<br />
sem tomar fôlego, como parece ser costume entre os russos,<br />
bipolares intempestivos. Como não falo russo, não entendi<br />
bulhufas do que diziam. Mas tampouco consegui <strong>de</strong>sgrudar<br />
os olhos da TV. A cena era estonteante. Era incrível que<br />
aquele filme tivesse sido feito na União Soviética dos a<strong>no</strong>s<br />
60. A influência da <strong>no</strong>uvelle vague era clara. Mas havia<br />
outra coisa, uma melancolia, um peso, um <strong>de</strong>sencanto, que<br />
os filmes da <strong>no</strong>uvelle vague não têm. Só ontem, o Maxim<br />
me esclareceu que a cena que eu vi é <strong>de</strong> um filme célebre<br />
do Huciev. O Maxim é um cara sabido e estranho.”<br />
Sérgio Sant’anna esteve em Praga, Luiz Ruffato em<br />
<strong>Lisboa</strong>, Joca Reiners Terron <strong>no</strong> Cairo, Amilcar Bettega em<br />
Istambul, Adriana <strong>Lisboa</strong> em Paris, Paulo Scott em Sydney<br />
e como ainda não temos os livros, resta-<strong>no</strong>s ler os seus<br />
apontamentos <strong>de</strong> viagem na Internet.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
A <strong>no</strong>va fórmula da cerimónia<br />
dos Óscares, a <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> substituir os habituais<br />
apresentadores por um<br />
“all-singing, all-dancing”<br />
Hugh Jackman, teve efeito<br />
<strong>no</strong> aumento das audiências<br />
da cerimónia: segundo<br />
a ABC o número <strong>de</strong><br />
espectadores america<strong>no</strong>s<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
que viram a transmissão<br />
televisiva passou dos 32<br />
milhões, do a<strong>no</strong> passado,<br />
para 36 milhões, um<br />
aumento <strong>de</strong> 13 por cento.<br />
Ainda assim é o terceiro<br />
pior resultado da década,<br />
longe dos 55 milhões <strong>de</strong><br />
1998, a<strong>no</strong> <strong>de</strong> “Titanic”.<br />
isso é assim a experiência chega a<br />
ser exasperante (já tinha acontecido<br />
isso perante “All or Nothing”, em<br />
2002). Vasco Câmara<br />
Quem Quer Ser Bilionário?<br />
Slumdog Millionaire<br />
De Danny Boyle, Loveleen Tandan,<br />
com Dev Patel, Anil Kapoor, Freida<br />
Pinto. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30,<br />
21h30, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax:<br />
5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 18h50, 21h35, 23h55<br />
Sábado Domingo 11h45, 14h10, 16h30, 18h50, 21h35,<br />
23h55; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h05, 21h30 6ª 14h10, 16h35,<br />
19h05, 21h30, 23h55 Sábado 11h30, 14h10, 16h35,<br />
19h05, 21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h35,<br />
19h05, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 - Cine<br />
Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30,<br />
17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />
16h35, 19h10, 21h45, 00h10 Domingo 11h30, 14h05,<br />
16h35, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />
16h, 18h55, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 00h20; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20, 21h15,<br />
00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h30, 21h20,<br />
00h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h10,<br />
21h20, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h30,<br />
21h15, 00h05<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h25, 19h05, 21h45, 00h30 3ª<br />
4ª 16h25, 19h05, 21h45, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />
Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h40, 21h40, 00h35; ZON<br />
Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h40,<br />
00h40<br />
“Trainspotting” e “Shallow Grave”<br />
eram objectos <strong>de</strong> culto para<br />
adolescentes que confundiam<br />
cinema com efeitos, abusando da<br />
gran<strong>de</strong> angular e <strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s<br />
distorcidos e grotescos. “A Praia”<br />
fazia o realizador entrar pela porta<br />
da gran<strong>de</strong> produção com resultados<br />
catastróficos, <strong>de</strong>monstrando<br />
semelhante gosto pelo exótico, sem<br />
i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> cinema para além da<br />
<strong>de</strong>magogia mais imediatista. Agora,<br />
o premiado “Quem Quer Ser<br />
Bilionário?” acentua a<br />
<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> do universo <strong>de</strong><br />
Danny Boyle, sempre <strong>no</strong> local<br />
on<strong>de</strong> possa colher louros:<br />
Hollywood encontra Bollywood,<br />
sem respeito por géneros, por<br />
pessoas, por situações. Tudo feito<br />
por medida para aproveitar o<br />
que está à mão: crianças dos<br />
bairros pobres,<br />
instrumentalizadas<br />
para a ilusão <strong>de</strong> que<br />
superar a crise<br />
está ao alcance<br />
<strong>de</strong> todos. Que<br />
dizer? Há uma<br />
repugnância<br />
que ultrapassa<br />
tudo. M.J.T.<br />
“Quem Quer Ser Bilionário?” acentua<br />
a <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> do universo <strong>de</strong> Danny Boyle<br />
DVD<br />
Cinema<br />
O divi<strong>no</strong><br />
marquês<br />
Sadismo, surrealismo,<br />
voyeurismo e formalismo:<br />
bem-vindos ao mundo <strong>de</strong><br />
Dario Argento, estilista do<br />
“giallo” italia<strong>no</strong> finalmente<br />
<strong>de</strong>volvido aos cinéfilos<br />
portugueses. Jorge Mourinha<br />
Caixa Dario Argento Vol. 1<br />
Castello Lopes Multimedia<br />
mmmmn<br />
Sem extras<br />
O Pássaro<br />
com Plumas<br />
<strong>de</strong> Cristal<br />
L’Uccello<br />
dalle Piume<br />
di Cristallo<br />
com Tony<br />
Musante, Suzy<br />
Kendall, Enrico<br />
Maria Saler<strong>no</strong><br />
O Gato<br />
das Sete Vidas<br />
Il Gatto<br />
a Nove Co<strong>de</strong><br />
com James<br />
Franciscus, Karl<br />
Mal<strong>de</strong>n,<br />
Catherine Spaak<br />
O Mistério<br />
da Casa<br />
Assombrada<br />
Profondo Rosso<br />
com David<br />
Hemmings, Daria<br />
Nicolodi, Gabriele<br />
Lavia<br />
34 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Internet<br />
Estamos online. Entre em<br />
www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
con<strong>no</strong>sco.<br />
O fenóme<strong>no</strong> chama-se “reavaliação”<br />
e consiste em reparar que, muitas<br />
vezes, por trás do que parece um<br />
simples exercício <strong>de</strong> género com<br />
intuitos comerciais, se escon<strong>de</strong> um<br />
estilo, uma linguagem, uma marca<br />
<strong>de</strong> autor. Que passa <strong>de</strong>spercebida<br />
em alguns casos porque ninguém<br />
está a olhar para ali, e <strong>no</strong>utros<br />
porque só a<strong>no</strong>s mais tar<strong>de</strong>, quando<br />
existe uma obra, um corpo <strong>de</strong><br />
estudo, é que se repara <strong>no</strong> que se<br />
andou a per<strong>de</strong>r.<br />
Isto tudo a propósito <strong>de</strong> Dario<br />
Argento, realizador italia<strong>no</strong> que,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> carreira como crítico <strong>de</strong><br />
cinema e argumentista (por exemplo<br />
para Sergio Leone, em “Aconteceu<br />
<strong>no</strong> Oeste”), se lançou na realização<br />
<strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> género e, sobretudo, do<br />
género peculiarmente transalpi<strong>no</strong><br />
que ficou conhecido como “giallo”:<br />
policiais surreais, sádicos e<br />
sanguinários, pare<strong>de</strong>s-meias com o<br />
fantástico e com o cinema <strong>de</strong><br />
“exploitation” <strong>de</strong>stinado às salas <strong>de</strong><br />
bairro, cuja fórmula foi cristalizada<br />
na década <strong>de</strong> 1960 por mestre Mario<br />
Bava.<br />
Com o correr do tempo e com a<br />
atenção que começou entretanto a<br />
ser dada ao mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> cinema<br />
fantástico, que <strong>no</strong>s tem dado autores<br />
como David Cronenberg ou John<br />
Carpenter, Argento foi sendo<br />
(re)avaliado como mais do que<br />
Dario Argento: um cinema voyeurista<br />
mas que <strong>de</strong>volve esse voyeurismo ao espectador<br />
através <strong>de</strong> uma teatralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corpo inteiro<br />
simples tarefeiro <strong>de</strong> género e foi<br />
re<strong>de</strong>scoberto como estilista ímpar,<br />
“elo perdido” entre Hitchcock e a<br />
geração <strong>de</strong> Carpenter e Brian <strong>de</strong><br />
Palma. Em Portugal, contudo, tudo<br />
isto foi-<strong>no</strong>s passando ao lado, <strong>de</strong>vido<br />
à inexistência em vi<strong>de</strong>o das suas<br />
obras - que, mesmo<br />
internacionalmente, têm sido<br />
razoavelmente maltratadas e só<br />
agora começam a ressurgir em<br />
cópias dignas do cuidado formal que<br />
Argento colocava <strong>no</strong>s filmes.<br />
Louvemos, então, a Castello Lopes<br />
por ousar trazer ao DVD local o<br />
cinema <strong>de</strong> Argento, <strong>no</strong> que será uma<br />
re<strong>de</strong>scoberta para quem não vê os<br />
filmes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as suas estreias locais,<br />
há mais <strong>de</strong> 30 a<strong>no</strong>s, e uma revelação<br />
para toda uma geração <strong>de</strong> cinéfilos<br />
que se habituou a ouvir falar do<br />
realizador mas não teve hipótese <strong>de</strong><br />
ace<strong>de</strong>r aos filmes em condições<br />
i<strong>de</strong>ais. Nesta primeira <strong>de</strong> duas caixas<br />
(a segunda prevê-se para Março),<br />
acompanhada por um peque<strong>no</strong><br />
ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong> on<strong>de</strong> o jornalista Luís<br />
Salvado contextualiza os filmes e<br />
fornece preciosa informação sobre a<br />
sua criação e recepção, reunem-se<br />
três dos quatro “giallos” fundadores<br />
da reputação <strong>de</strong> Argento, nas<br />
versões originais faladas em italia<strong>no</strong><br />
(em vez das dobragens inglesas<br />
preparadas para os mercados<br />
internacionais, muitas vezes<br />
encurtadas <strong>de</strong> alguns minutos e<br />
“censuradas” das cenas mais<br />
violentas) e em cópias <strong>de</strong> impecável<br />
transcrição <strong>de</strong> imagem.<br />
A narrativa é igual <strong>no</strong>s três filmes:<br />
um transeunte assiste por acaso a<br />
um homicídio (ou a uma tentativa <strong>de</strong><br />
homicídio), e começa a investigar o<br />
caso por sua conta e a ser<br />
perseguido pelo assassi<strong>no</strong>,<br />
geralmente um maníaco sádico e<br />
sanguinário. Em “O Pássaro com<br />
Plumas <strong>de</strong> Cristal” (1969, primeira<br />
realização <strong>de</strong> Argento), trata-se <strong>de</strong><br />
um “serial killer” que apenas ataca<br />
mulheres jovens e solteiras; em “O<br />
Gato das Sete Vidas” (1970), as<br />
vítimas estão relacionadas com um<br />
instituto on<strong>de</strong> se realizam<br />
investigações genéticas; em “O<br />
Mistério da Casa Assombrada” (1975,<br />
consi<strong>de</strong>rado pelo próprio realizador<br />
o seu “giallo” preferido), as vítimas<br />
são investigadores do para<strong>no</strong>rmal e<br />
a solução do mistério resi<strong>de</strong> numa<br />
mansão abandonada que se diz<br />
assombrada. (Entre o segundo e o<br />
terceiro, Argento dirigiu “Quattro<br />
Mosche di Veluto Grigio”, invisível<br />
há a<strong>no</strong>s por questões <strong>de</strong> direitos, e<br />
abando<strong>no</strong>u o “giallo” por algum<br />
tempo para experimentar a televisão<br />
e a comédia.)<br />
Mas o que interessa a Argento<br />
não é tanto construir uma história<br />
on<strong>de</strong> as pontas soltas fiquem todas<br />
atadas e certinhas <strong>no</strong> final; antes<br />
usar as técnicas cinematográficas<br />
para construir um ambiente <strong>de</strong><br />
tensão e suspense e, <strong>de</strong> passagem,<br />
distrair o espectador <strong>de</strong> eventuais<br />
inconsistências. Argento apren<strong>de</strong>u<br />
bem as lições <strong>de</strong> Hitchcock - os<br />
crimes que são as “pièces <strong>de</strong><br />
résistance” <strong>de</strong> cada filme são<br />
cinema puro, magnificado pela<br />
ausência <strong>de</strong> diálogo e pelas bandasso<strong>no</strong>ras<br />
psicadélicas <strong>de</strong> Ennio<br />
Morricone ou Giorgio Gaslini - mas<br />
tradu-las para uma paisagem <strong>de</strong><br />
uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> surreal, muito<br />
marcada pelas explorações<br />
psicanalíticas do subconsciente,<br />
com requintes <strong>de</strong> malva<strong>de</strong>z sádica<br />
<strong>de</strong>safiando o espectador a<br />
continuar a olhar, como se a sua<br />
matriz fosse um qualquer<br />
cruzamento entre “Psico” e “A Casa<br />
Encantada”<br />
Argento, antigo crítico, sabe que<br />
estamos <strong>no</strong> rei<strong>no</strong> do cinema<br />
popular - e <strong>de</strong> um cinema popular<br />
italia<strong>no</strong> <strong>de</strong>rivativo da série B<br />
americana e produzido em série, o<br />
que torna esta caixa também numa<br />
fascinante cápsula do tempo <strong>de</strong> um<br />
cinema que já não se faz mais. E o<br />
melhor <strong>de</strong>stes três filmes vê-o a<br />
cumprir à risca as regras do género -<br />
“O Pássaro com Plumas <strong>de</strong> Cristal”,<br />
económico mistério policial que<br />
consegue um rigoroso equilíbrio<br />
entre soli<strong>de</strong>z do argumento<br />
(adaptando livremente, e sem o<br />
creditar, um romance <strong>de</strong> Fredric<br />
Brown) e surrealismo visual.<br />
Mas isso não o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />
experiências. “O Mistério da Casa<br />
Assombrada” é uma espécie <strong>de</strong><br />
“giallo <strong>de</strong>sconstruído” on<strong>de</strong> vale<br />
tudo, com interlúdios <strong>de</strong> comédia<br />
romântica que parece estarem lá<br />
apenas para justificarem a presença<br />
<strong>de</strong> Daria Nicolodi, personagem<br />
supérflua à narrativa (e futura<br />
esposa do realizador), resultando<br />
num paqui<strong>de</strong>rme inchado que<br />
avança aos tropeções mas que ao<br />
mesmo tempo sublinha a irrisão<br />
subjacente ao lado “grand-guig<strong>no</strong>l”,<br />
sangui<strong>no</strong>lento, barroco, que se<br />
começava a revelar<br />
progressivamente mais <strong>no</strong> seu<br />
cinema.<br />
E Argento não per<strong>de</strong> uma ocasião<br />
para sublinhar a consciência<br />
profunda <strong>de</strong> estar a fazer um cinema<br />
voyeurista mas que <strong>de</strong>volve esse<br />
voyeurismo ao espectador através<br />
da teatralida<strong>de</strong> que assume <strong>de</strong> corpo<br />
inteiro, num jogo <strong>de</strong> espelhos que<br />
explica na perfeição porque é que o<br />
seu cinema tem vindo a seduzir<br />
cinéfilos e a ser justamente<br />
reavaliado. O centro <strong>de</strong> “O Pássaro<br />
com Plumas <strong>de</strong> Cristal” é uma<br />
galeria <strong>de</strong> arte com uma e<strong>no</strong>rme<br />
fachada <strong>de</strong> vidro, “O Mistério da<br />
Casa Assombrada” começa com uma<br />
cortina que se abre num opulento<br />
teatro on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senrola um<br />
congresso para<strong>no</strong>rmal e o<br />
apartamento do herói fica à esquina<br />
<strong>de</strong> um bar <strong>de</strong>calcado <strong>de</strong> um quadro<br />
<strong>de</strong> Edward Hopper numa praça<br />
romana que evoca inevitavelmente a<br />
“Dolce Vita” <strong>de</strong> Fellini, ao mesmo<br />
tempo que todos os três filmes<br />
exploram com progressivo<br />
virtuosismo a “câmara subjectiva”,<br />
do ponto <strong>de</strong> vista do assassi<strong>no</strong>, que<br />
Carpenter e De Palma mais tar<strong>de</strong><br />
fariam sua.<br />
As legendagens, correctas, têm<br />
algumas falhas pontuais. Os únicos<br />
extras são os trailers italia<strong>no</strong>s e<br />
ingleses <strong>de</strong> época, cujo<br />
experimentalismo psicadélico<br />
(nascido certamente das limitações<br />
financeiras) apenas contribui para o<br />
aspecto “cápsula do tempo” <strong>de</strong>sta<br />
edição.<br />
Música<br />
O Muro,<br />
reconstituído<br />
Lou Reed - Berlim<br />
De Julian Schnabel<br />
Edição Zon Lusomundo<br />
mmmnn<br />
Sem extras<br />
Diz-se que todos<br />
os filmes-concerto<br />
se parecem uns<br />
com os outros. E<br />
que não há muitas<br />
maneiras <strong>de</strong><br />
filmar um<br />
concerto, pelo<br />
me<strong>no</strong>s sem que o<br />
resultado <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser um filmeconcerto.<br />
Verda<strong>de</strong>s “axiomáticas”<br />
que “Lou Reed - Berlim” não<br />
<strong>de</strong>smente, bem pelo contrário, antes<br />
encontrando nessa confirmação as<br />
suas virtu<strong>de</strong>s e os seus limites.<br />
Realizado por Julian Schnabel, e<br />
filmado ao longo <strong>de</strong> cinco <strong>no</strong>ites<br />
num auditório <strong>de</strong> Brooklyn, “Lou<br />
Reed - Berlim” é o registo do<br />
concerto em que o ex-Velvet<br />
Un<strong>de</strong>rground trouxe à vida (ou seja,<br />
ao “live”) o seu célebre álbum <strong>de</strong><br />
1973, “Berlin”. Também quase <strong>de</strong><br />
certeza a sua obra-prima, <strong>de</strong> uma<br />
amplitu<strong>de</strong> orquestral resolutamente<br />
pós-velvetiana, ferida por uma<br />
dramaturgia plena <strong>de</strong> negrume e<br />
violência psicológica (os choros das<br />
crianças: disco “pop” algum gravou<br />
sons mais arrepiantes, “hélas!”<br />
impossíveis <strong>de</strong> reproduzir em<br />
palco). Mas “Berlin”, por várias<br />
razões, entre as quais a sua orgânica<br />
“conceptual” (o todo é infinitamente<br />
mais po<strong>de</strong>roso do que qualquer das<br />
suas partes avulsas), foi um disco <strong>de</strong><br />
que Lou Reed se manteve afastado,<br />
em actuações ao vivo, durante trinta<br />
e tal a<strong>no</strong>s. O “acontecimento” <strong>de</strong>ste<br />
concerto, ou <strong>de</strong>sta série <strong>de</strong><br />
concertos (a digressão passou por<br />
Portugal) era este: “Berlin”,<br />
finalmente, “reconstituído” ao vivo<br />
<strong>de</strong> maneira capaz <strong>de</strong> fazer justiça à<br />
riqueza da sua textura original.<br />
E é isto, esta “reconstituição”, que<br />
Schnabel filma. Fá-lo bem, com<br />
<strong>de</strong>voção pela música e pelos músicos,<br />
por Reed e por “Berlin”. Não tem<br />
muitas i<strong>de</strong>ias, mas não tenta disfarçálo<br />
fingindo que tem i<strong>de</strong>ias a mais.<br />
Não tem rasgos, mas não se estraga à<br />
procura <strong>de</strong>les. As imagens<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 35
DVD<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
JOSÉ MANUEL RIBEIRO/ REUTERS<br />
Um filme imperdível para “lou-reedia<strong>no</strong>s”<br />
Alexandra<br />
Lucas<br />
Coelho<br />
Viagens com bolso<br />
A herança<br />
No último dia <strong>de</strong> Janeiro fui visitar Uri Orlev.<br />
Uri começou a escrever aos 13 a<strong>no</strong>s em<br />
Bergen-Belsen. Como não era fácil arranjar<br />
papel, fazia o rascunho em lascas do beliche<br />
e a seguir passava-o para o ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong> que a tia<br />
ainda lhe conseguira comprara. À chegada, vindos do Gueto<br />
<strong>de</strong> Varsóvia, o campo não lhes parecera assim tão mau.<br />
Depois passaram a ser duas pessoas por cama e começou<br />
a fome. A tia pagava um pedaço <strong>de</strong> pão a um homem que<br />
fora professor para dar aulas a Uri. Durante 22 meses em<br />
Bergen-Belsen foi isso que Uri Orlev viu, como os homens<br />
sobrevivem <strong>no</strong> fundo, cada vez mais fundo, um dia <strong>de</strong> cada<br />
vez, a pensar que se houver pão basta.<br />
As pessoas que sobrevivem são em geral mais curiosas<br />
do que têm medo, disse-me Uri um dia, na sua casa <strong>de</strong><br />
Jerusalém. E também por isso ali estávamos, ele a falar<br />
e eu a ouvir, ali estivemos longas manhãs <strong>de</strong> Verão. A<br />
curiosida<strong>de</strong> puxa para a frente.<br />
Agora era Inver<strong>no</strong>, havia aquecedores <strong>no</strong> chão <strong>de</strong> pedra,<br />
mais um neto Orlev <strong>de</strong> fralda e gran<strong>de</strong>s olhos azuis do<br />
que na última vez, mais um filho Orlev prestes a casar na<br />
Primavera, toda a família ainda reunida <strong>de</strong>pois do almoço, à<br />
espera que Uri terminasse a sesta. Já tinham falado <strong>de</strong> Gaza<br />
antes <strong>de</strong> eu chegar, mas eu estava a chegar <strong>de</strong> Gaza, eles<br />
queriam saber, e Uri também, quando acordou. Sentouse<br />
na velha ca<strong>de</strong>ira favorita, com os braços firmemente<br />
apoiados, à espera.<br />
Os seus livros juvenis estão traduzidos em muitos<br />
países. Uma vez convidaram-<strong>no</strong> para ir ao Egipto e foi um<br />
problema. Qual era o problema?, perguntei eu. Tenho<br />
medo dos árabes, respon<strong>de</strong>u ele. As mãos com que escreve<br />
cavaram trincheiras nas guerras <strong>de</strong> Israel contra os árabes.<br />
Os árabes eram o inimigo, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1967, quando os<br />
exércitos do inimigo foram<br />
fulminados em seis dias,<br />
continuaram a ser o outro. Uri<br />
Do pior crime só sairá<br />
crime, os sujeitos ao<br />
incomparável<br />
sujeitarão o seu<br />
semelhante, os filhos<br />
dos que sobreviveram<br />
terão po<strong>de</strong>r sobre<br />
homens não-livres<br />
não quer viver <strong>no</strong> meio <strong>de</strong>les.<br />
Quer viver e <strong>de</strong>ixá-los viver.<br />
Não quer colonizar terras,<br />
<strong>de</strong>testa colo<strong>no</strong>s, enfurecem-<strong>no</strong>.<br />
Não quer ter po<strong>de</strong>r sobre os<br />
palestinia<strong>no</strong>s, governá-los, acha<br />
que esse império corrompe. E<br />
Israel é o país que a sua geração<br />
ia <strong>de</strong>ixar como herança aos<br />
homens.<br />
Em “Se Isto é um Homem”,<br />
Primo Levi <strong>de</strong>screve o<br />
momento em que um dos<br />
revoltosos do campo é<br />
enforcado pelos nazis. O último<br />
grito do con<strong>de</strong>nado trespassa<br />
os que assistem em silêncio: “Camaradas, eu sou o último!”<br />
O corpo contorce-se, pen<strong>de</strong>, a assistência volta em silêncio<br />
para os beliches, e aquele não será o último.<br />
Mas a herança do Holocausto seria essa. Nunca mais viver<br />
para o próximo pedaço <strong>de</strong> pão, nunca mais rapar a marmita<br />
vazia, nunca mais lavar o tronco com água podre e a <strong>no</strong>ssa<br />
única camisa apertada <strong>no</strong>s joelhos para não a roubarem.<br />
Viver como um homem, morrer como um homem livre.<br />
O Holocausto não é comparável a nada que conheçamos.<br />
A sua forma <strong>de</strong> estar continuamente presente é ser uma<br />
herança. E ver <strong>no</strong> que essa herança se transformou é um<br />
veredicto <strong>de</strong>solador para todos os homens - do pior crime<br />
só sairá crime, os sujeitos ao incomparável sujeitarão o seu<br />
semelhante, os filhos dos que sobreviveram terão po<strong>de</strong>r<br />
sobre homens não-livres.<br />
Quando Uri se sentou, à espera <strong>de</strong> saber, as crianças<br />
corriam à sua volta, e caíra a <strong>no</strong>ite. Era melhor ficar para<br />
outro dia, disse eu. Despedi-me, saí, e até agora não houve<br />
outro dia. Mas Uri sabe, não precisa <strong>de</strong> saber mais.<br />
Todos os que acreditaram num país <strong>de</strong> “kibbutzim”<br />
sabem aquilo <strong>de</strong> que esse país se tor<strong>no</strong>u capaz. A revolta,<br />
hoje, será não participar.<br />
viagenscombolso@gmail.com<br />
sobrepostas - “flashes” encenados<br />
da vida <strong>de</strong> Caroline e Jim,<br />
personagens do disco - justificam-se<br />
pela “storyline” subjacente a<br />
“Berlin”, mesmo se a montagem por<br />
vezes as <strong>de</strong>staca <strong>de</strong> modo um pouco<br />
aleatório. Nada que traia o princípio<br />
fundamental do filme, o registo da<br />
“performance” <strong>de</strong> Lou Reed e dos<br />
seus companheiros <strong>de</strong> palco. E<br />
“Berlin” revive, <strong>de</strong> facto, em todo o<br />
seu extraordinário po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
início, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Lou ataca o<br />
microfone para estas lendárias<br />
palavras, “in Berlin, by the wall”. Por<br />
vezes é quase “spoken word”, um<br />
pouco mais do que <strong>no</strong> disco, e na<br />
maneira como Reed se serve da sua<br />
voz (muito mais grave e granulosa do<br />
que há 36 a<strong>no</strong>s) percebe-se que ele<br />
está em perfeito domínio da<br />
dramaturgia da sua música e das suas<br />
palavras. A niti<strong>de</strong>z, visual, mas<br />
sobretudo so<strong>no</strong>ra, é impressionante.<br />
Talvez até um pouco estranha para<br />
quem estiver habituado a ouvir<br />
“Berlin” <strong>no</strong> som concentrado e<br />
abafado <strong>de</strong> um velho vinil, e se<br />
espante com a maneira como a<br />
música se abre e <strong>de</strong>ixa passar tanto<br />
“ar” entre os instrumentos - mas isto<br />
seria outra conversa. Retenhamos o<br />
essencial: um filme imperdível para<br />
“lou-reedia<strong>no</strong>s” e para melóma<strong>no</strong>s<br />
“pop” em geral que tenham preferido<br />
ir ver Leonard Cohen na <strong>no</strong>ite em<br />
que “Berlin” era tocado <strong>no</strong> Campo<br />
Peque<strong>no</strong>, e o tipo <strong>de</strong> objecto que<br />
parece mais próximo <strong>de</strong> fazer ple<strong>no</strong><br />
sentido num DVD do que numa sala<br />
<strong>de</strong> cinema.<br />
A edição não tem extras<br />
significativos. O concerto sim:<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Berlin” Lou Reed volta<br />
para mais três canções <strong>de</strong> outros<br />
discos, em registo mais “freestyle” e<br />
com um convidado (Antony, o dos<br />
Johnsons) para “Candy Says”, dos<br />
Velvet Un<strong>de</strong>rground. L.M.O.<br />
O velho protesto<br />
em tempos <strong>de</strong> Bush<br />
Crosby Stills Nash & Young<br />
CSNY / Déjà Vu<br />
Fortissimo Films; distri. Zon<br />
Lusomundo<br />
mmmnn<br />
Extras<br />
mmnnn<br />
“CSNY / Deja Vu”<br />
tem inscrito <strong>no</strong><br />
título a sua<br />
premissa.<br />
Documentando a<br />
digressão<br />
“Freedom of<br />
Speech” dos<br />
Crosby, Stills,<br />
Nash & Young,<br />
realizada em 2006 após a edição <strong>de</strong><br />
“Living With War”, álbum manifesto<br />
anti-guerra e anti-Bush editado<br />
nesse mesmo a<strong>no</strong> por Neil Young, o<br />
filme preten<strong>de</strong> estabelecer um<br />
paralelo entre a realida<strong>de</strong> americana<br />
quando <strong>de</strong> outra guerra, a do<br />
Vietname, há 40 a<strong>no</strong>s, e o momento<br />
presente (voilá: Déjà Vu).<br />
Um paralelo entre a realida<strong>de</strong> americana<br />
quando <strong>de</strong> outra guerra, a do Vietname, há 40 a<strong>no</strong>s,<br />
e o momento presente (voilá: “Déjà Vu”)<br />
Realizado por Neil Young sob o<br />
pseudónimo habitual, Bernard<br />
Shakey, foi feito com o propósito <strong>de</strong><br />
amplificar o eco dos concertos.<br />
Filme para um momento específico,<br />
com eleições próximas <strong>no</strong> horizonte,<br />
pretendia estimular o <strong>de</strong>bate e<br />
funcionar, <strong>de</strong>ntro das suas<br />
possibilida<strong>de</strong>s, como alavanca <strong>de</strong><br />
mudança. Talvez por isso pareça,<br />
visto hoje, o documento <strong>de</strong> um<br />
tempo passado: quatro músicos<br />
vetera<strong>no</strong>s e activistas em tempos <strong>de</strong><br />
Bush - mas agora já vivemos em<br />
tempos <strong>de</strong> Obama. Como se<br />
percebe, a sua ressonância <strong>no</strong><br />
espectador não é a mesma.<br />
Parte documentário <strong>de</strong> digressão,<br />
parte reportagem jornalística - o<br />
repórter Mike Cerre, soldado <strong>no</strong><br />
Vietname e enviado à guerra do<br />
Iraque, acompanha a banda e<br />
recolhe <strong>de</strong>poimentos do público -,<br />
“CSNY / Deja Vu” acaba por expor,<br />
paradoxalmente, aquilo que separa<br />
as duas eras. Não falamos do facto<br />
<strong>de</strong> Stephen Stills, o homem mais<br />
elegante <strong>de</strong> Los Angeles quando <strong>no</strong>s<br />
Buffalo Springfield, parecer agora<br />
um pensionista da Florida (camisa<br />
florida incluída), ou do lumi<strong>no</strong>so<br />
David Crosby <strong>de</strong> ontem assomar<br />
como anafado habitante <strong>de</strong> uma<br />
al<strong>de</strong>ia gaulesa. Ou seja, não falamos<br />
da forma como a música,<br />
<strong>de</strong>scontando os momentos em que<br />
Neil Young todos arrasta com a sua<br />
urgência e vivacida<strong>de</strong>, soa me<strong>no</strong>s<br />
inspirada que quando da gravação<br />
<strong>de</strong> “Deja Vu”, o álbum dos Crosby<br />
Stills Nash & Young <strong>de</strong> 1971.<br />
Logo a início, sobre imagens <strong>de</strong><br />
arquivo da banda tocando em<br />
Woodstock ou <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> época<br />
<strong>de</strong> manifestações, diz-se que<br />
naquele período a juventu<strong>de</strong> se uniu<br />
à música para dar voz aos seus<br />
anseios. Hoje, entre os velhos<br />
hippies e os <strong>no</strong>vos que querem ser<br />
velhos hippies, vemos parte do<br />
público <strong>de</strong> Atlanta, irado,<br />
abandonando ruidosamente a sala<br />
quando da interpretação <strong>de</strong> “Let’s<br />
impeach the presi<strong>de</strong>nt”: “Paguei<br />
200 dólares e quero ouvir a música,<br />
não as suas opiniões”, gritam.<br />
Querem entretenimento e o prazer<br />
da <strong>no</strong>stalgia - e a <strong>no</strong>stalgia po<strong>de</strong> até<br />
ser a <strong>de</strong> quando, há quatro décadas,<br />
se manifestavam nas ruas contra o<br />
final da guerra, mas isto <strong>no</strong> Iraque é<br />
diferente: porque eles estão mais<br />
velhos e conservadores, porque a<br />
música <strong>de</strong>ixou para eles <strong>de</strong> ser uma<br />
questão i<strong>de</strong>ntitária, algo que os<br />
<strong>de</strong>finia em relação aos outros. Isso é<br />
ainda mais evi<strong>de</strong>nte quando o<br />
impacto daquilo que é uma<br />
digressão <strong>de</strong> protesto numa América<br />
em ebulição se revela<br />
manifestamente reduzido - estão lá<br />
os pacifistas “Vets 4 Vets”, uma mãe,<br />
cujo filho morreu <strong>no</strong> Iraque,<br />
chorando enquanto a banda<br />
interpreta “Find the cost of<br />
freedom”, um soldado <strong>de</strong>sta geração<br />
interpretando canções em palco e<br />
<strong>no</strong> site gerido por Neil Young para<br />
dar voz a quem se opõe à guerra,<br />
mas uma verda<strong>de</strong>ira discussão, o<br />
tocar na ferida que dividia o país,<br />
manifesta-se apenas <strong>no</strong> supracitado<br />
concerto <strong>de</strong> Atlanta.<br />
A acusação <strong>de</strong> que a banda não<br />
passa <strong>de</strong> quatro milionários a<br />
capitalizar com o sentimento anti-<br />
Bush, repetida regularmente, não<br />
convence - já eram milionários em<br />
1970, quando levantavam a voz, bem<br />
alto, contra a intervenção <strong>no</strong><br />
Vietname. A intervenção <strong>de</strong> Neil<br />
Young e da banda é sincera, tal como<br />
é louvável a sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuar<br />
ainda sobre o presente.<br />
“CSNY / Deja Vu” torna evi<strong>de</strong>nte a<br />
ina<strong>de</strong>quação do voluntarismo,<br />
fundado nas i<strong>de</strong>ias e <strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />
acção dos músicos da geração <strong>de</strong><br />
1960, à forma como, para o bem e<br />
para o mal, a sua música é entendida<br />
e fruída na actualida<strong>de</strong> - isso (e a<br />
impagável “vox populi” dos irados<br />
sulistas), são aquilo que torna o<br />
filme um documento interessante.<br />
Como extra, são apresentados<br />
trailers e mais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />
ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong> canções, maioritariamente<br />
<strong>de</strong> “Living With War”. Mário Lopes<br />
36 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Livros<br />
Um romance que vale cada uma das suas<br />
mais <strong>de</strong> 500 páginas: “Nostromo”,<br />
<strong>de</strong> Joseph Conrad<br />
Lista<br />
Ficção<br />
O nascimento<br />
<strong>de</strong> uma nação<br />
Uma ficção sobre ilusões<br />
individuais, i<strong>de</strong>ológicas<br />
e revolucionárias num<br />
mundo sobre<strong>de</strong>terminado<br />
por po<strong>de</strong>res económicos<br />
supranacionais e, por<br />
assim dizer, a-políticos.<br />
Mo<strong>de</strong>rníssimo. Mário Santos<br />
Nostromo<br />
Joseph Conrad<br />
(trad. <strong>de</strong> Ana Maria Chaves e<br />
Fernando Ferreira Alves)<br />
Dom Quixote<br />
mmmmm<br />
Amos Oz, autor <strong>de</strong> “O Meu<br />
Michael” e “Uma História<br />
<strong>de</strong> Amor e Trevas” (Edições<br />
Asa), é o escritor israelita<br />
mais traduzido: a sua obra<br />
já foi traduzida para<br />
36 línguas. Amos<br />
li<strong>de</strong>ra a lista<br />
apresentada<br />
pelo Instituto<br />
para a<br />
Tradução <strong>de</strong><br />
Literatura<br />
Hebraica.<br />
O Capitão Mitchell,<br />
personagem<br />
i<strong>no</strong>fensivamente<br />
pomposa <strong>de</strong>ste<br />
romance, gosta <strong>de</strong><br />
elogiar (quase como<br />
quem gaba<br />
proprieda<strong>de</strong> sua) o<br />
capataz dos seus<br />
estivadores, “esse<br />
homem entre mil”, Nostromo, “um<br />
homem que vale o seu peso em ouro”.<br />
Nós preferimos elogiar “Nostromo”, o<br />
romance, que, sendo o mais extenso<br />
<strong>de</strong> Conrad, vale cada uma das suas<br />
páginas, que são mais <strong>de</strong> 500. É um<br />
romance entre mil. A extensão <strong>de</strong>ste<br />
livro (fortemente sublinhada pela sua<br />
complexida<strong>de</strong> estrutural e pela sua<br />
ambiguida<strong>de</strong> temática) parece ser,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua publicação em 1904, uma<br />
das razões para alguma relativa<br />
impopularida<strong>de</strong> entre os leitores <strong>de</strong><br />
Joseph Conrad (1857-1924) e po<strong>de</strong>,<br />
hoje ainda, causar alguma<br />
“<strong>de</strong>sconfiança” em leitores mais<br />
voláteis. E <strong>no</strong> entanto, digamo-lo<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, “Nostromo” também se<br />
<strong>de</strong>ixa ler da maneira viciante<br />
como é suposto ler um<br />
romance <strong>de</strong> “aventuras”.<br />
Diga-se já, também, que<br />
os elogios do Capitão<br />
Mitchell não<br />
<strong>de</strong>vem levar<strong>no</strong>s<br />
a<br />
confundir<br />
Nostromo com<br />
um qualquer<br />
“herói” clássico<br />
ou mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> (ele<br />
será mais um<br />
anti-herói, e dos<br />
mo<strong>de</strong>rníssimos),<br />
sendo, por<br />
outro<br />
A lista, que não teve<br />
em conta os resultados<br />
<strong>de</strong> vendas dos livros,<br />
consi<strong>de</strong>rou o número <strong>de</strong><br />
línguas para as quais<br />
os textos originalmente<br />
escritos em hebraico<br />
foram traduzidos.<br />
Ephraim Kishon<br />
e Uri Orlev<br />
(“Lídia, Rainha<br />
da Palestina” e<br />
“A Ilha na Rua<br />
dos Pássaros”,<br />
lado, francamente problematizável o<br />
seu estatuto <strong>de</strong> protagonista, num<br />
romance cujo subtítulo não é me<strong>no</strong>s<br />
irónico na sua branca in<strong>de</strong>terminação:<br />
“Uma história da beira-mar”.<br />
Posterior a “O Coração das Trevas”<br />
e “Lord Jim”, “Nostromo” é um<br />
portentoso romance político, uma<br />
ficção sobre a História enquanto<br />
ficção, invenção <strong>de</strong> sentidos, sobre<br />
ilusões individuais, i<strong>de</strong>ológicas e<br />
revolucionárias num mundo<br />
crescentemente sobre<strong>de</strong>terminado<br />
por po<strong>de</strong>res económicos<br />
supranacionais e, por assim dizer, a-<br />
políticos. É um romance sobre o início<br />
da globalização imperialista do<br />
capitalismo liberal. Um romance<br />
mo<strong>de</strong>rníssimo, portanto (embora não<br />
necessariamente paródico ou<br />
caricatural). E até profético, a seu<br />
tempo. A acção <strong>de</strong>corre pelo final do<br />
século XIX num país imaginário da<br />
América Latina. Tão imaginário que<br />
até parece real. Conrad chamou-lhe<br />
Costaguana e <strong>de</strong>screve-o com boa<br />
cópia <strong>de</strong> porme<strong>no</strong>res, seja quanto à<br />
paisagem, seja quanto aos usos e<br />
costumes políticos. Detém-se<br />
particularmente na sua Província<br />
Oci<strong>de</strong>ntal (<strong>de</strong>pois República<br />
Oci<strong>de</strong>ntal, num arroubo secessionista)<br />
e em Sulaco, a capital <strong>de</strong>la, uma<br />
cida<strong>de</strong> pacata e quase esquecida (por<br />
força da geografia que os interesses<br />
britânicos <strong>no</strong>s caminhos-<strong>de</strong>-ferro<br />
tratarão <strong>de</strong> relativizar). A República <strong>de</strong><br />
Costaguana terá, <strong>no</strong> máximo, uma<br />
História <strong>de</strong> “cinquenta a<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m”, <strong>de</strong> acordo com o título do<br />
livro <strong>de</strong> um dos seus mais ilustres<br />
cidadãos, Don José Avella<strong>no</strong>s. De<br />
acordo com a Senhora Gould, da<br />
eco<strong>no</strong>micamente mais po<strong>de</strong>rosa<br />
família da cida<strong>de</strong>, essa História<br />
resume-se a “um jogo pueril e<br />
sangrento <strong>de</strong> crime e rapina jogado<br />
com terrível realismo por crianças<br />
<strong>de</strong>pravadas”. Entre o caos e a tirania,<br />
entre um ditador e outro, entre um<br />
“pronunciamento” militar e uma<br />
revolta, a banda lá vai tocando na<br />
Alameda <strong>de</strong> Sulaco. Quando o Senhor<br />
Gould, <strong>de</strong> ascendência inglesa<br />
chegada a Costaguana há várias<br />
gerações, regressa da Europa, após os<br />
estudos, para reactivar a mina <strong>de</strong><br />
prata <strong>de</strong> que é her<strong>de</strong>iro dispõe-se a<br />
procurar investidores. Encontra um<br />
exemplar na pessoa do Senhor<br />
Holroyd, po<strong>de</strong>roso financeiro <strong>de</strong> São<br />
Francisco, Califórnia, que “olhava<br />
para o seu Deus como uma espécie <strong>de</strong><br />
sócio maioritário que recebia parte<br />
dos lucros através dos donativos que<br />
fazia às igrejas” e que faz a Gould este<br />
belo discurso (e aqui relembramos<br />
que o livro <strong>de</strong> Conrad foi publicado<br />
em 1904): “Aqui neste pais [EUA]<br />
sabemos quando <strong>de</strong>vemos ficar em<br />
casa. Sabemos quando <strong>de</strong>vemos<br />
sentar-<strong>no</strong>s e ficar à espera. Mas,<br />
naturalmente, lá virá o dia em que<br />
<strong>de</strong>cidimos avançar. Não temos outro<br />
remédio. Mas também não temos<br />
pressa. O próprio tempo estará ao<br />
serviço do maior país <strong>de</strong> todo este<br />
mundo <strong>de</strong> Deus. Seremos nós a dar o<br />
mote para tudo: indústria, comércio,<br />
leis, jornalismo, arte, política e<br />
religião, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Cabo Horn até ao<br />
Estreito <strong>de</strong> Smith, e, se for caso disso,<br />
até ao Polo Norte, se lá aparecer<br />
Ambar) ficaram empatados<br />
em segundo lugar com<br />
as suas obras traduzidas<br />
para 34 línguas. A lista<br />
inclui ainda autores como<br />
Etgar Keret (“O Motorista<br />
<strong>de</strong> Autocarro Que Queria<br />
Ser Deus”, Ambar), David<br />
Grossman (“Em Carne<br />
Viva” ou “Ver: Amor”,<br />
Campo das Letras) e<br />
Zeruya Shalev (“Vida<br />
Amorosa <strong>de</strong> uma Mulher”,<br />
Editorial Presença).<br />
alguma coisa que valha a pena agarrar.<br />
E, <strong>de</strong>pois, po<strong>de</strong>mos ocupar-<strong>no</strong>s com<br />
toda a calma das ilhas e continentes<br />
mais distantes. Quer o mundo queira,<br />
quer não, seremos nós os senhores do<br />
mundo dos negócios. O mundo não<br />
po<strong>de</strong> evitá-lo, e nós também não, acho<br />
eu.” O mínimo que se po<strong>de</strong> dizer é<br />
que o século XX não se cansou <strong>de</strong> dar<br />
‘razão’ ao Senhor Holroyd.<br />
Já <strong>de</strong>ixámos entrever que<br />
“Nostromo” é um romance coral. São<br />
várias as personagens memoráveis e<br />
concorrentes. Citemos <strong>de</strong> passagem<br />
Giorgio Viola, um velho ge<strong>no</strong>vês<br />
republica<strong>no</strong> e revolucionário, excompanheiro<br />
<strong>de</strong> Garibaldi, exilado<br />
pela <strong>de</strong>silusão política em Costaguana;<br />
ou o jovem Don Martin Decoud,<br />
“exótico dândi dos ‘boulevards’<br />
parisienses”, regressado a Sulaco para<br />
dirigir o jornal da cida<strong>de</strong>, o<br />
“Porvenir”, e arvorar-se em i<strong>de</strong>ólogo<br />
da secessão da Republica Oci<strong>de</strong>ntal. O<br />
próprio Gould seria um “i<strong>de</strong>alista”,<br />
embora frio, que via na riqueza<br />
económica gerada pela sua mina <strong>de</strong><br />
prata um passo em direcção à<br />
estabilida<strong>de</strong> política do país. Um<br />
daqueles homens aos quais a “acção”,<br />
“amiga das ilusões lisonjeiras”, leva<br />
“consolo”. A narração não é linear,<br />
e<strong>no</strong>vela-se sobre si mesma, avança e<br />
recua, recontando peripécias <strong>de</strong><br />
pontos <strong>de</strong> vista diferentes. Na sua<br />
maior parte é feita por um narrador<br />
omnisciente e ausente, uma das<br />
excepções sendo a carta na qual<br />
Decoud relata à irmã, que está em<br />
França, os últimas <strong>no</strong>vida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Sulaco: “Prepara os <strong>no</strong>ssos amigos <strong>de</strong><br />
Paris para o nascimento <strong>de</strong> mais uma<br />
república sul-americana.”<br />
Não po<strong>de</strong>mos resumir todas as<br />
tribulações políticas por que passará<br />
Costaguana. Contemos apenas que, <strong>no</strong><br />
meio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, o prestável<br />
Nostromo é chamado para uma missão<br />
patriótica: salvar o tesouro da mina,<br />
um belo carregamento <strong>de</strong> prata. Mas o<br />
“incorruptível” Nostromo, <strong>de</strong> quem se<br />
diz que era apreciado por homens,<br />
mulheres e crianças, o ingénuo<br />
homem <strong>de</strong> mão do Capitão Mitchell<br />
(‘Nostromo’ <strong>de</strong>riva do paternalismo<br />
mal-articulado <strong>de</strong> Mitchell: “Nostro<br />
Uomo”, o <strong>no</strong>sso homem) fez<br />
entretanto a sua evolução i<strong>de</strong>ológica,<br />
ganhou consciência política, e acabará<br />
<strong>de</strong>positando o tesouro numa<br />
“offshore” (Conrad não podia ser mais<br />
mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>). Literalmente: Nostromo<br />
escon<strong>de</strong> o tesouro numa ilhota ao<br />
largo <strong>de</strong> Sulaco e diz aos “caballeros”<br />
da cida<strong>de</strong> que a prata se afundou <strong>no</strong><br />
mar. O magnífico capataz dispõe-se<br />
agora a “enriquecer muito <strong>de</strong>vagar”.<br />
Como diria Decoud, “tudo isto é vida,<br />
tem <strong>de</strong> ser vida, já que se aproxima<br />
tanto do sonho”. Nostromo prefere<br />
dizer que “só a honestida<strong>de</strong> não chega<br />
para se sobreviver”.<br />
Romance sobre pequenas tragédias<br />
e <strong>de</strong>silusões individuais na gran<strong>de</strong><br />
farsa da História, “Nostromo” é um<br />
livro pessimista (o que não será<br />
<strong>no</strong>vida<strong>de</strong> em Conrad) ou, pelo me<strong>no</strong>s,<br />
profundamente céptico. Também<br />
po<strong>de</strong> ser lido como uma alegoria mais<br />
geral que toma a “incorruptível” prata<br />
como medida indiferente da<br />
corrupção moral e mortal dos homens<br />
concretos.<br />
Atiq Rahimi,<br />
escritor, fotografo<br />
e cineasta afegão<br />
Sombras<br />
errantes<br />
Dois romances <strong>de</strong> Atiq<br />
Rahimi, um dos quais<br />
vencedor do Goncourt<br />
em 2008: o mundo<br />
elementar <strong>de</strong> peque<strong>no</strong>s<br />
gestos, sentimentos porém<br />
fortíssimos, em brasa.<br />
Maria Conceição Caleiro<br />
Terra e Cinzas<br />
Pedra-<strong>de</strong>-Paciência<br />
Atiq Rahimi<br />
(trad. Carlos Correia Monteiro<br />
<strong>de</strong> Oliveira)<br />
Teorema<br />
mmmmn<br />
Atiq Rahimi,<br />
escritor, fotografo<br />
e cineasta afegão<br />
nasceu em 1962.<br />
Devido à invasão<br />
soviética, à<br />
ditadura e à guerra<br />
civil, emigrou em<br />
1984. Com 25 a<strong>no</strong>s,<br />
com o estatuto <strong>de</strong><br />
refugiado político,<br />
instalou-se em<br />
Paris, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985<br />
(tinha frequentado<br />
o liceu francês em<br />
Cabul). A par das<br />
letras, faz filmes.<br />
“Terra e Cinzas”,<br />
primeiro romance,<br />
seria por si realizado e, em 2004,<br />
integrava a Selecção Oficial <strong>de</strong> Cannes.<br />
Arrebatou o Prémio Goncourt em<br />
2008 com “Pedra-<strong>de</strong>-Paciência”,<br />
primeiro romance directamente<br />
escrito em francês.<br />
A paixão do cinema afecta o<br />
“ethos” da escrita, os campos<br />
indissociam-se e as palavras isolam e<br />
redobram campos visuais. Há algo em<br />
comum entre Rahimi e Duras. Os dois<br />
escrevem e filmam, e filmam aquilo<br />
que escrevem; e escrevem cenas<br />
curtas e intensas como se filmassem.<br />
O ponto <strong>de</strong> vista, o percurso<br />
narrativo, a “mise-en-scène” das<br />
sequências, mesmo as que o so<strong>no</strong>, o<br />
sonho, as visões ou a memória fazem<br />
chegar ao presente da narrativa são os<br />
<strong>de</strong> uma câmara ou uma voz narrativa<br />
em “off”. Uma espécie <strong>de</strong> voz “off”<br />
que não participa da história, mas<br />
que a dá, ar<strong>de</strong>nte e aridamente, a ver<br />
ou a escutar ou a sentir, que ora se<br />
aproxima, ora se retrai, apontando<br />
apenas traços mínimos da paisagem<br />
rarefeita, aludindo o <strong>de</strong>serto que fica<br />
a reverberar em nós. Por vezes, o<br />
texto parece um guião que o leitor vai<br />
realizar (“ouve-se ela sair com as duas<br />
meninas”). Rahimi revela uma<br />
mestria e uma originalida<strong>de</strong> narrativa<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes. É um soco <strong>de</strong>licado e<br />
acutilante <strong>no</strong> estômago que <strong>no</strong>-lo<br />
encosta à pare<strong>de</strong>. Apenas um<br />
exemplo emblemático: quando os<br />
tanques se calam, “talvez <strong>de</strong>vido<br />
BORIS HORVAT<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 37
Livros<br />
Edição<br />
Tessa Dick, mulher <strong>de</strong><br />
Philip K Dick, publicou<br />
“The Owl in Daylight”, que<br />
se baseia <strong>no</strong> livro que o<br />
autor estava a trabalhar<br />
quando morreu em 1982.<br />
Tessa editou o livro<br />
sozinha, através do<br />
site CreateSpace<br />
e já está<br />
disponível na<br />
livraria online,<br />
Amazon, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
Janeiro. Depois<br />
<strong>de</strong> alguns fãs <strong>de</strong><br />
Dick “implorarem” para<br />
ela escrever o livro, Tessa<br />
“ce<strong>de</strong>u” aos pedidos<br />
e tentou “expressar o<br />
espírito” da obra e ao<br />
mesmo tempo fazer um<br />
tributo a Philip K Dick.<br />
Na carta que enviou ao<br />
seu editor e ao agente,<br />
Philip revelara pla<strong>no</strong>s<br />
<strong>de</strong> escrever sobre um<br />
gran<strong>de</strong> cientista que cria<br />
um computador, mas que<br />
fica preso numa realida<strong>de</strong><br />
virtual. A versão <strong>de</strong> Tessa,<br />
que não utiliza o enredo<br />
que Philip revelou, conta<br />
a história <strong>de</strong> Arthur<br />
Grimley, um compositor<br />
que <strong>de</strong>scobre que o<br />
universo é feito <strong>de</strong> música.<br />
“[Arthur] enriqueceu<br />
a sua alma, viajando<br />
através do Infer<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
Dante e a ‘Flauta Mágica’<br />
<strong>de</strong> Mozart”, disse Tessa<br />
<strong>no</strong> seu blogue sobre a<br />
história que também<br />
inclui uma organização<br />
secreta, cita o “Guardian”.<br />
ao fim das munições” (e o clima é<br />
sempre o <strong>de</strong> guerra latente e o do<br />
<strong>de</strong>smoronamento): “o silêncio<br />
espesso e enfumarado volta a instalarse.//<br />
Nessa inércia poirenta, na parte<br />
<strong>de</strong> baixo da pare<strong>de</strong> que segura as<br />
duas janelas, uma aranha vem<br />
circular à volta do cadáver da mosca<br />
abandonada pelas formigas. Examinaa.<br />
Também a abandona, dá a volta ao<br />
quarto, regressa à janela, agarra-se à<br />
cortina, sobe-a e passeia pelas aves<br />
migradoras especadas <strong>no</strong> céu<br />
amarelo e azul. (...)// A mulher<br />
reaparece. Mais uma vez com o<br />
alguidar, com o alguidar <strong>de</strong> plástico,<br />
uma toalha, um lençol. Limpa tudo.<br />
Os estilhaços <strong>de</strong> vidro, a fuligem<br />
espalhada pelo quarto”.<br />
A atmosfera que domina estes dois<br />
livros é, literal e retoricamente, a<br />
secura, a <strong>de</strong>solação, a situação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>samparo dos seres reduzidos entre<br />
ruínas. O mundo elementar <strong>de</strong><br />
peque<strong>no</strong>s gestos, sentimentos, porém<br />
fortíssimos, em brasa, sufocados, que<br />
se evolam. Um texto atravessado por<br />
narrativas tradicionais, saberes<br />
antigos. A poeticida<strong>de</strong> muitas vezes<br />
apontada da escrita <strong>de</strong> Rahimi advémlhe<br />
também do po<strong>de</strong>r da contenção e<br />
paradoxalmente da repetição.<br />
Em “Terra e Cinzas” uma al<strong>de</strong>ia é<br />
bombar<strong>de</strong>ada pelos russos - Abqul,<br />
uma al<strong>de</strong>ia em Baghian, província <strong>no</strong><br />
Nor<strong>de</strong>ste do Afeganistão cuja capital é<br />
Pol-e-khomri, cida<strong>de</strong> por on<strong>de</strong> passa<br />
uma estrada que vai até Cabul. Aqui<br />
Rahhimi ainda localiza e torna<br />
reconhecíveis os espaços e os campos<br />
em confronto. Toda a família <strong>de</strong><br />
Dastaguir, homem que trabalhava a<br />
terra da alvorada ao a<strong>no</strong>itecer, é<br />
morta. Me<strong>no</strong>s Yassin, o neto, que<br />
ensur<strong>de</strong>ceu com o som; e ainda não<br />
sabe: “avô, os russos vieram buscar as<br />
vozes <strong>de</strong> toda a gente? Que fazem<br />
<strong>de</strong>las? Porque <strong>de</strong>ixaste que te<br />
roubassem a voz?”.<br />
Dastaguir parte em busca <strong>de</strong><br />
Mourad, o filho, pai <strong>de</strong> Yassin,<br />
con<strong>de</strong>nado a seis meses <strong>de</strong> prisão por<br />
um crime que diriam <strong>de</strong> “honra”:<br />
com uma pá rachara a cabeça ao filho<br />
<strong>de</strong> um vizinho que fizera umas<br />
propostas à mulher; <strong>de</strong>pois<br />
abando<strong>no</strong>u a al<strong>de</strong>ia e foi trabalhar<br />
Filho <strong>de</strong> um estivador e <strong>de</strong> uma<br />
criada <strong>de</strong> café, Welsh, ex<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> drogas duras,<br />
conhece o “milieu” <strong>de</strong> “Por<strong>no</strong><br />
numa mina. Dastaguir parte para lhe<br />
contar o sucedido. Desconhece se o<br />
filho sabe, ou o que sabe. E porque<br />
não teria voltado? O romance é a<br />
viagem e nela a vida inteira que<br />
<strong>de</strong>sfila, silenciosamente, embora se<br />
trate <strong>de</strong> um silêncio em brasa, ao<br />
sabor <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> “naswar” que vai<br />
mascando e o alucinam. A viagem é<br />
uma <strong>de</strong>scida aos infer<strong>no</strong>s que a<br />
personagem realiza. Enquanto espera<br />
o carro que há-<strong>de</strong> conduzir à mina,<br />
revê tudo e todos aqueles e aquelas<br />
que viu <strong>de</strong> repente perecer à sua<br />
beira. O narrador segue-o, interpelao,<br />
provoca-o, questiona-o e ele<br />
<strong>de</strong>svela os passos da sua consciência<br />
que é a consciência do que o vai<br />
assaltando até chegar à mina. On<strong>de</strong><br />
encontrará, ou não, o filho. É um<br />
romance também sobre o po<strong>de</strong>r, o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uns e o impo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outros, a<br />
arbitrarieda<strong>de</strong> dos primeiros.<br />
Em “Pedra-<strong>de</strong>-Paciência” a<br />
geografia é mais imprecisa, assim<br />
como os actores, o que torne a<br />
narrativa mais universal. “Algures <strong>no</strong><br />
Afeganistão, ou em outro lugar” é a<br />
frase <strong>de</strong> abertura. Imaginamos estar<br />
numa república conforme ao mo<strong>de</strong>lo<br />
irania<strong>no</strong> talvez já à beira do regime<br />
dos talibans. Certo é que os homens<br />
que <strong>de</strong>spontam são <strong>de</strong> longa barba<br />
hirsuta, armados e <strong>de</strong> turbante. Uma<br />
<strong>no</strong>va lei fora proclamada <strong>no</strong> país e até<br />
o mulá mudou, já não ri e tem medo.<br />
A mulher, ao invés, é <strong>de</strong>scrita com<br />
extremo cuidado, sensualida<strong>de</strong> e<br />
elegância. A mulher está perto do seu<br />
homem, <strong>de</strong>itado, inconsciente.<br />
Apenas respira e a sua respiração<br />
tornada sensível pontua a passagem<br />
do tempo, assim como as gotas <strong>de</strong><br />
água açucarada-salgada que caem<br />
uma a uma, lentamente, da bolsa <strong>de</strong><br />
perfusão. Tem duas filhas. O homem<br />
levou um tiro na nuca. O homem, esse<br />
herói, tanto tempo ausente, envolvido<br />
que estava em combates, em várias<br />
frentes, levou uma bala <strong>de</strong> um fula<strong>no</strong>,<br />
aliás do seu campo, numa disputa em<br />
que lhe haviam insultado a mãe. A<br />
mulher sente-se só, não quer que ele<br />
morra. Depois aos poucos sentimo-la<br />
revoltar-se, continua sem querer que<br />
ele morra, precisa fazer daquele corpo<br />
inerte a sua “syngué sabour”, isto é, a<br />
Pedra-<strong>de</strong>-Paciência, aquilo que<br />
recolhe todos os segredos e que um<br />
dia racha e eles ficam à solta. Os<br />
segredos que a mulher vai revelando<br />
são um dos mais belos testemunhos<br />
(sem <strong>de</strong>magogia) da pungente<br />
condição feminina <strong>no</strong> mundo<br />
islamista, da sua horrenda opressão. E<br />
o que acontece aqui e o fim é terrível.<br />
O bando <strong>de</strong> Leith<br />
Por<strong>no</strong><br />
Irvine Welsh<br />
(trad. Colin Ginks)<br />
Quetzal<br />
mmmnn<br />
Enquanto não chega “The Bedroom<br />
Secrets of the Master Chefs” (2006),<br />
sátira corrosiva à ASAE escocesa,<br />
vários livros <strong>de</strong> Irvine Welsh (n. 1958)<br />
estão neste momento a ser reeditados<br />
em Portugal. Por exemplo, “Ecstasy”<br />
(1996) e “Por<strong>no</strong>”<br />
(2002)<br />
regressaram às<br />
livrarias em<br />
simultâneo. Vamos<br />
falar do segundo.<br />
Dividido em três<br />
núcleos principais,<br />
“Por<strong>no</strong>” prolonga<br />
“Trainspotting”<br />
(1993), a saga dos “junkies” dos cais <strong>de</strong><br />
Leith que marcou a estreia <strong>de</strong> Welsh, a<br />
partir da qual Danny Boyle fez o filme<br />
que celebrizou ambos. Sem surpresa,<br />
tudo se passa <strong>no</strong> meio <strong>de</strong> droga e<br />
sexo, embora <strong>no</strong> lugar do primitivo<br />
bar haja agora um estúdio <strong>de</strong> filmes<br />
por<strong>no</strong>gráficos. O intervalo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s<br />
ajudou a refinar o humor negro,<br />
mantendo-se fiel ao imaginário <strong>de</strong><br />
Iggy Pop. Os narradores são Sick Boy,<br />
Renton, Nicki, Spud e Begbie, cada<br />
um com o seu jargão próprio. Dos<br />
cinco, a universitária Nicki Fuller-<br />
Smith é a única que não vem <strong>de</strong><br />
“Trainspotting”. Spud e Begbie falam<br />
à moda “lá <strong>de</strong> cima”, que o mesmo é<br />
dizer à moda <strong>de</strong> Edimburgo. Para<br />
resolver a discrepância entre o inglês<br />
comum e as peculiarida<strong>de</strong>s da<br />
ortoépia escocesa, o tradutor Colin<br />
Ginks optou pela <strong>de</strong>clinação à moda<br />
do Porto: “Tenho <strong>de</strong> dar um jeito à<br />
minha bida [...] Gostaba <strong>de</strong> apenas<br />
po<strong>de</strong>r ir-bos bisitar primeiro, e<br />
combidar-te para saíres comigo, ‘tás a<br />
ber”? Não sei se correspon<strong>de</strong>rá às<br />
inflexões fonéticas dos naturais da<br />
Escócia, mas sempre é melhor do que<br />
seguir o figuri<strong>no</strong> oxbridge. O calão<br />
não foi esquecido, parecendo-me<br />
a<strong>de</strong>quadas as correspondências.<br />
Filho <strong>de</strong> um estivador e <strong>de</strong> uma<br />
criada <strong>de</strong> café, Welsh, antigo<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> drogas duras, conhece<br />
bem o “milieu” que escolheu para<br />
centrar a obra. Tendo começado por<br />
trabalhar como electricista <strong>no</strong><br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> habitação social da<br />
Câmara <strong>de</strong> Edimburgo, voltou a<br />
estudar <strong>de</strong>pois da morte do pai,<br />
obtendo um MBA na Heriot-Watt<br />
University com uma tese sobre a<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s entre<br />
homens e mulheres. Perguntado pelo<br />
“Daily Mail” sobre as origens sociais,<br />
afirmou consi<strong>de</strong>rar-se “<strong>no</strong>t so much<br />
middle-class as upper-class. I’m very<br />
much a gentleman of leisure. I write.”<br />
Transgressão por transgressão, a<br />
crítica canónica sente-se mais segura<br />
com Nick Hornby. Mesmo se Welsh<br />
cita Voltaire. Tem a sua lógica.<br />
“Por<strong>no</strong>” volta ao local do crime,<br />
isto é, a Leith, a zona portuária on<strong>de</strong><br />
Welsh viveu os primeiros a<strong>no</strong>s. Foi lá<br />
que situou “Trainspotting”, voltou lá<br />
por causa <strong>de</strong> “Por<strong>no</strong>”. Propósitos <strong>de</strong><br />
assepsia <strong>de</strong> um auto-<strong>de</strong><strong>no</strong>minado<br />
Fórum das Empresas <strong>de</strong> Leith Contra<br />
a Droga, apostado numa versão<br />
“yuppie” da zona, não inibem Sick<br />
Boy, aliás Simon Davis Williamson, <strong>de</strong><br />
fazer um filme por<strong>no</strong>gráfico, “Sete<br />
Malhadas para Sete Irmãos”,<br />
inspirado num clássico do musical<br />
america<strong>no</strong>, “Sete Noivas para Sete<br />
Irmãos” (Stanley Donen, 1954). Ao<br />
longo da história, a tensão é <strong>de</strong> cortar<br />
à faca, porque o grupo alimenta<br />
<strong>de</strong>sconfianças mútuas, a coca<br />
complica, e o ressentimento <strong>de</strong><br />
Begbie pelos a<strong>no</strong>s passados na prisão<br />
não <strong>de</strong>ixam ninguém tranquilo. Os<br />
diálogos seguem a <strong>no</strong>rma: “Vai-te<br />
fo<strong>de</strong>r, Terry - diz o Rab com um<br />
sorriso amaneirado -. É satisfatório<br />
quanto baste, embora meia dúzia <strong>de</strong><br />
caralhos enfiados na tua boca não<br />
seriam suficientes para que ficasses<br />
calado.” Nas partes em que entra a<br />
pronúncia do Norte (ou seja, nas falas<br />
<strong>de</strong> Spud e Begbie), a coisa fica<br />
“altamente”.<br />
Mas nem só <strong>de</strong> “trash” vive o<br />
romance. Como Bret Easton Ellis não<br />
<strong>de</strong>tém o exclusivo da citação <strong>de</strong><br />
marcas, Welsh não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha os seus<br />
Gucci e Prada, ou mesmo o ocasional<br />
Chardonay Clos du Bois a acompanhar<br />
um “sublime homard bleu, suc lie <strong>de</strong><br />
truffe <strong>no</strong>ire et basilic pilé...”. Se a i<strong>de</strong>ia<br />
é promover o filme com vista aos<br />
prémios <strong>de</strong> Cinema para Adultos, há<br />
que agir em conformida<strong>de</strong>. Reflexões<br />
em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> uma tese universitária e<br />
uma aguda consciência <strong>de</strong> classe<br />
ajudam a matizar a figura <strong>de</strong> Sick<br />
Boy, provável alter-ego do autor,<br />
alguém empenhado <strong>no</strong> retrato social<br />
da geração ‘<strong>de</strong>scamisada’ da era<br />
Thatcher.<br />
Sem me<strong>no</strong>sprezo do fôlego<br />
narrativo, a que não é alheio o<br />
domínio perfeito da arquitectura<br />
romanesca, parecem-me excessivas as<br />
quase seiscentas páginas da história.<br />
Eduardo Pitta<br />
Comparsas do tédio<br />
O Dia Mastroianni<br />
João Paulo Cuenca<br />
Caminho, €15<br />
mmmnn<br />
Depois <strong>de</strong> ter<br />
publicado um<br />
primeiro romance,<br />
“Corpo Presente”,<br />
retrato <strong>de</strong><br />
Copacabana, João<br />
Paulo Cuenca quis<br />
mudar <strong>de</strong> registo e<br />
escrever um livro<br />
que o divertisse. “O<br />
Dia Mastroianni” é<br />
esse livro. É um projecto arrojado,<br />
diferente da sua primeira obra, e<br />
com capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong>siludidos todos os que ficaram<br />
impressionados com o romance <strong>de</strong><br />
estreia do autor brasileiro. No<br />
entanto, encontram-se aqui as<br />
suas marcas: humor e sarcasmo<br />
misturados com <strong>no</strong>stalgia, o<br />
“bas fond” da cida<strong>de</strong>, amores<br />
<strong>de</strong>smedidos, sexo.<br />
Em “O Dia Mastroianni” há<br />
uma cida<strong>de</strong> que já não é<br />
Copacabana, mas também é.<br />
Uma cida<strong>de</strong> que o leitor vai<br />
percebendo como cada vez mais<br />
irreal, fruto dos vapores do álcool<br />
e das drogas que, durante as 24<br />
horas em que se passa a acção,<br />
são ingeridas pelas personagens<br />
principais, Pedro Cassavas e<br />
Tomás Anselmo.<br />
Dois jovens - “comparsas do<br />
tédio”, “volúveis e voláteis” - da<br />
geração dos “escritores sem livro,<br />
músicos sem disco, cineastas sem<br />
filme” que vagueiam pelas ruas como<br />
se fossem Marcello Mastroianni a<br />
vaguear por Roma num filme <strong>de</strong><br />
Fellini. Um romance <strong>de</strong> geração, mas<br />
“um romance <strong>de</strong> geração ao<br />
contrário”, como escreveu André<br />
Nigri, na revista “Bravo!”.<br />
“O verda<strong>de</strong>iro herói é o que se<br />
diverte sozinho”, citação <strong>de</strong> Charles<br />
Bau<strong>de</strong>laire, é a primeira epígrafe do<br />
livro. O “eu fui o maior onanista do<br />
meu tempo” <strong>de</strong> Oswaldo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
a segunda. E assim está dado o tom ao<br />
livro que por vezes tem um texto<br />
“carregado com adjectivações<br />
excessivas” (é o próprio Cuenca quem<br />
o diz) mas que serviram ao autor para<br />
construir o estado <strong>de</strong> espírito do<br />
narrador, Pedro Cassavas, pretenso<br />
artista, cheio <strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s mas que não<br />
realiza nada. Cuenca meteu <strong>no</strong> livro<br />
todos os clichés <strong>de</strong> uma geração que,<br />
como alguém já disse, por tanto temer<br />
os lugares comuns acaba por se<br />
confundir com eles.<br />
Romance salpicado <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras<br />
e <strong>de</strong> referências literárias, está aqui a<br />
influência <strong>de</strong> João do Rio, dandy que<br />
<strong>de</strong>screvia afrancesadamente a<br />
socieda<strong>de</strong> carioca do início do século<br />
XX. Bau<strong>de</strong>laire, Rimbaud, Wil<strong>de</strong>. O<br />
Oswaldo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Serafim<br />
Ponte Gran<strong>de</strong>” é outra referência<br />
e<strong>no</strong>rme e também não se po<strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r “O Dia Mastroianni”<br />
sem pensar em “Pilatos” <strong>de</strong> Carlos<br />
Heitor Cony em que a personagem<br />
principal diz: “a literatura só se<br />
salvará se voltar às suas origens. O<br />
folhetim, a aventura, a escatologia”<br />
(Cuenca gosta <strong>de</strong> acreditar que<br />
conversou um pouco com este livro<br />
que Cony escreveu em 1973).<br />
E há aqueles diálogos que abrem<br />
alguns capítulos, em que o narrador é<br />
interrogado (por Deus? por um crítico<br />
literário? pelo leitor?) e on<strong>de</strong> Cuenca,<br />
jovem autor, não escapa à sua<br />
própria crítica.<br />
É um romance que tanto se po<strong>de</strong><br />
odiar como amar. E nessa dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> estabelecer pactos que<br />
está a graça. Mas<br />
quando se entra <strong>no</strong><br />
espírito, é um<br />
romance que <strong>no</strong>s<br />
diverte. Como<br />
poucos. Isabel<br />
Coutinho<br />
Cuenca meteu <strong>no</strong> livro todos<br />
os clichés <strong>de</strong> uma geração que,<br />
como alguém já disse, por tanto<br />
temer os lugares comuns acaba<br />
por se confundir com eles<br />
ADRIANO MIRANDA<br />
38 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
NELSON GARRIDO<br />
Oliveira <strong>no</strong> automóvel recuperado<br />
que utilizou há 75 a<strong>no</strong>s quando<br />
era piloto <strong>de</strong> corridas<br />
Ensaio<br />
Alcatifa<br />
estilo<br />
Weimar<br />
“Best of” <strong>de</strong> um blogue que<br />
se tor<strong>no</strong>u um fenóme<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
culto. Pedro Mexia<br />
Pastoral Portuguesa<br />
Rogério Casa<strong>no</strong>va<br />
Quetzal, €14,40<br />
mmmmm<br />
O autor avisa logo<br />
<strong>de</strong> início que<br />
“Pastoral<br />
Portuguesa” é uma<br />
colectânea <strong>de</strong><br />
textos sobre “os<br />
temas<br />
fundamentais do<br />
<strong>no</strong>sso tempo”.<br />
Embora não <strong>de</strong>dique uma palavra ao<br />
aquecimento global e ao casamento<br />
entre pessoas do mesmo sexo,<br />
Casa<strong>no</strong>va faz referências à CMVM, a<br />
Vera Roquete, a V. S. Pritchett, aos<br />
“sans-cullotes” e à “alcatifa estilo<br />
Weimar”. É pois um “best of” do<br />
blogue que se tor<strong>no</strong>u um fenóme<strong>no</strong><br />
<strong>de</strong> culto e que levou Casa<strong>no</strong>va, muito<br />
justamente, à imprensa escrita.<br />
Casa<strong>no</strong>va é um anglófilo<br />
impenitente, mas um anglófilo que<br />
diz “exemplar” e não “cópia”,<br />
<strong>de</strong>monstrando que também conhece<br />
a língua <strong>de</strong> chegada. A primeira parte<br />
do livro é constituída por peque<strong>no</strong>s<br />
ensaios e <strong>no</strong>tas acerca <strong>de</strong> escritores<br />
anglo-america<strong>no</strong>s. Com evi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong>staque para Thomas Pynchon:<br />
“Pynchon sempre <strong>de</strong>dicou uma<br />
atenção especial aos espaços em<br />
branco <strong>no</strong> espectro oficial da<br />
Verda<strong>de</strong>, aos vácuos nas cro<strong>no</strong>logias,<br />
às convulsões invisíveis que saco<strong>de</strong>m<br />
as mudanças <strong>de</strong> paradigma, e on<strong>de</strong><br />
costumam florescer os mitos urba<strong>no</strong>s<br />
e as teorias da conspiração; não há<br />
muita obsessão subterrânea que não<br />
lhe tenha merecido algum tempo <strong>de</strong><br />
antena, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colónia <strong>de</strong> crocodilos<br />
<strong>no</strong>s esgotos <strong>de</strong> Nova Iorque, à<br />
supressão <strong>de</strong> uma lâmpada perpétua<br />
pela Philips, passando por ge<strong>no</strong>cídios<br />
secretos e serviços postais<br />
alternativos” (pág. 22). Se Pynchon é<br />
o escritor favorito, o crítico <strong>de</strong> eleição<br />
é James Wood (“The New Yorker”),<br />
que tem <strong>no</strong> entanto o grave “<strong>de</strong>feito”<br />
<strong>de</strong> não ser um entusiasta<br />
pynchonia<strong>no</strong>. Casa<strong>no</strong>va lida com esse<br />
embaraço explicando a Wood, como<br />
se ele lesse, que Pynchon não faz<br />
“realismo psicológico” mas que<br />
nunca abdicou <strong>de</strong> testar os limites do<br />
termo “realismo”. E que nesse<br />
sentido é ainda um realista, ainda<br />
que talvez um pouco histérico.<br />
O convívio directo com os textos<br />
sobre os quais Casa<strong>no</strong>va escreve é<br />
incomum, e isso justifica as subtilezas<br />
e as graças. Subtilezas como quando<br />
diz que as personagens <strong>de</strong> Henry<br />
James atribuem um valor exagerado à<br />
suspeitas das intenções<br />
alheias. Graças como<br />
quando refere a importância da<br />
contracção do esfíncter na ficção <strong>de</strong><br />
John Updike, burguês obcecado com<br />
o <strong>de</strong>talhe javardo. Casa<strong>no</strong>va também<br />
consegue resumir em poucas linhas<br />
porque é que Philip Roth tem “uma<br />
voz” e não “um estilo” ou, mais difícil<br />
ainda, porque é que Don DeLillo se<br />
assemelha me<strong>no</strong>s a Baudrillard do<br />
que a Herman José.<br />
Casa<strong>no</strong>va viveu em Inglaterra, e é<br />
bem visível a leitura compulsiva da<br />
imprensa e da edição angloamericanas.<br />
Dos estudos culturais aos<br />
sketches parlamentares, das biografias<br />
aos comediantes, tudo é<br />
estrangeirado, mas não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso.<br />
O estilo, nada altivo, ajuda. Não há<br />
muitos críticos que escrevam numa<br />
página a palavra “berlaitada” e numa<br />
outra se refiram à “magnificação<br />
apofénica”. Por mais elaborado que<br />
seja o tema, o discurso é quase<br />
sempre humorístico, misturando<br />
registos e analisando as minúcias da<br />
linguagem. É o caso <strong>de</strong> um texto sobre<br />
o can<strong>de</strong>nte tema do ponto e vírgula (a<br />
“semicolo<strong>no</strong>scopia”), que segundo<br />
Casa<strong>no</strong>va é me<strong>no</strong>s um tema<br />
linguístico do que diplomático (ele<br />
explica). E da magnífica “flash<br />
interview” a James Joyce, que cruza<br />
futebol e ousadias mo<strong>de</strong>rnistas: “A<br />
gramática e a semântica estão em<br />
gran<strong>de</strong> forma e causaram-<strong>no</strong>s alguns<br />
problemas, mas <strong>no</strong> final acabou por<br />
ganhar o mais forte”. (pág. 97).<br />
Alar<strong>de</strong>ando o seu muito tempo<br />
disponível, Casa<strong>no</strong>va passa mais<br />
tempo em frente da televisão do que<br />
qualquer outro português que leia<br />
livros. A televisão é o único modo <strong>de</strong><br />
conjugar curiosida<strong>de</strong> sociológica e<br />
preguiça doméstica, e <strong>no</strong> meio dos<br />
seus amados Maltesers, o crítico<br />
Casa<strong>no</strong>va engole programas <strong>de</strong> Artur<br />
Albarran, entrevistas, varieda<strong>de</strong>s,<br />
<strong>de</strong>bates políticos, séries históricas,<br />
épicos bíblicos que se parecem com<br />
vi<strong>de</strong>oclips dos Soft Cell, filmes sobre<br />
filhos <strong>de</strong> Satanás, <strong>no</strong>ites dos Óscares,<br />
reveillons, documentários <strong>de</strong> Richard<br />
Dawkins e “a festa dos touros”<br />
(<strong>de</strong>scrita por uma espécie <strong>de</strong><br />
marcia<strong>no</strong>). É a televisão como “guilty<br />
pleasure” e sintoma cultural. Baseado<br />
apenas na <strong>de</strong>scrição fria ou<br />
estrambólica, ou <strong>no</strong>s adjectivos e<br />
repetições, Casa<strong>no</strong>va arrasa, quase<br />
com carinho, o telelixo que é hoje<br />
quase toda a televisão. Ele nunca se<br />
indigna, nunca se choca, nunca tem o<br />
discurso cansativo da inveja e do<br />
ressentimento. A televisão é a<br />
comédia humana com entrega ao<br />
domicílio, e Casa<strong>no</strong>va diverte-se com<br />
isso, utilizando em estilo o seu truque<br />
favorito: o cruzamento entre a cultura<br />
erudita e a popular. Pouca gente<br />
chamaria a um apresentador “um<br />
jovem saído <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> Bernard<br />
Malamud”, e Casa<strong>no</strong>va não se importa<br />
nem um bocadinho com o<br />
restritíssimo auditório que apanha a<br />
piada. No seu mundo mental, tudo se<br />
cruza, ele é o intelectual integrado por<br />
excelência, um homem para quem o<br />
caos da cultura mo<strong>de</strong>rna é um<br />
divertimento e não um apocalipse. Há<br />
mesmo uma espécie <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />
entre todas as manifestações culturais,<br />
uma espécie <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><br />
antropológica das <strong>no</strong>ssas emoções e<br />
manias. É por isso que a tourada não<br />
difere muito <strong>de</strong> um Rivette, que uma<br />
citação apócrifa <strong>de</strong> George Steiner o<br />
põe a falar como uma adolescente <strong>de</strong><br />
Birmingham e que se diz, como bons<br />
motivos, que Mário Viegas entrou em<br />
“The Big Lebowski”.<br />
Rogério Casa<strong>no</strong>va é sportinguista, e<br />
os sportinguistas são conhecidos pelo<br />
seu existencialismo torturado. Daí que<br />
várias páginas sejam <strong>de</strong>dicadas a uma<br />
análise leonina que é quase um<br />
diagnóstico cultural. Vamos do<br />
espantosamente intitulado “O 18 do<br />
Brumário <strong>de</strong> Rodrigo Tiuí” às razões<br />
pelas quais Miguel Veloso é um<br />
utilitarista benthamia<strong>no</strong>: “Miguel<br />
Veloso levantou a cabeça, viu Abel e<br />
Izmailov teoricamente ‘<strong>de</strong>smarcados’<br />
e, leitor atento <strong>de</strong> Bentham que é,<br />
tomou a opção utilitarista (as<br />
consequências <strong>de</strong> acto sendo mais<br />
importante do que a sua natureza<br />
intrínseca, etc.): endossou-a ao<br />
adversário que consi<strong>de</strong>rou me<strong>no</strong>s<br />
capaz <strong>de</strong> iniciar um contra-ataque<br />
perigoso (...). Ao minuto sessenta da<br />
final da Taça da Liga, em ple<strong>no</strong> lance<br />
<strong>de</strong> ataque do Sporting, a melhor<br />
hipótese <strong>de</strong> maximizar a felicida<strong>de</strong><br />
geral da sua equipa era ce<strong>de</strong>r a bola<br />
ao adversário me<strong>no</strong>s talentoso (pág.<br />
239)”. Ao melhor estilo David Foster<br />
Wallace, Casa<strong>no</strong>va também comenta<br />
com brio estratégico e dromológico<br />
um torneio <strong>de</strong> ténis ou uma corrida<br />
<strong>de</strong> cavalos, até porque em geral<br />
aposta <strong>no</strong>s resultados. Um patusco<br />
hábito inglês que faz todo o sentido<br />
nesta espécie <strong>de</strong> inglês que vê tudo<br />
como um jogo. E que, diabos o<br />
levem, ganha sempre.<br />
História<br />
Andar<br />
<strong>de</strong>pressa,<br />
viver<br />
<strong>de</strong>pressa<br />
Foi <strong>no</strong>s automóveis<br />
que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />
concretizou um dos lemas<br />
da sua vida: andar <strong>de</strong>pressa,<br />
viver <strong>de</strong>pressa. Sérgio<br />
C. Andra<strong>de</strong><br />
Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira - Piloto <strong>de</strong><br />
Automóveis<br />
José Barros Rodrigues<br />
Edição Caleidoscópio, €33,60<br />
mmmmn<br />
Quase se po<strong>de</strong>rá<br />
dizer que este é o<br />
livro que faltava<br />
para ficarmos a<br />
conhecer melhor<br />
a vida <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el<br />
<strong>de</strong> Oliveira (n.<br />
Porto, 1908), na<br />
sua dimensão pública.<br />
Esquadrinhada que foi, em<br />
Dezembro e a<br />
pretexto do<br />
centenário, a<br />
biografia do cineasta, este livro-álbum<br />
<strong>de</strong> José Barros Rodrigues vem<br />
recordar, <strong>de</strong> forma exaustiva, a<br />
carreira <strong>de</strong> Oliveira piloto <strong>de</strong><br />
automóveis, que a sua longevida<strong>de</strong> faz<br />
parecer já tão longínqua. Decorreu<br />
entre os a<strong>no</strong>s 1930 e 50, distribuída<br />
por dois períodos (1935-38 e 1947-53),<br />
e inscreveu o seu <strong>no</strong>me na história do<br />
automobilismo nacional, em mol<strong>de</strong>s<br />
que levam o autor do livro a garantir<br />
que Oliveira foi “um dos maiores<br />
pilotos portugueses <strong>de</strong> sempre”.<br />
É claro que ainda ficará por revelar,<br />
também em mais porme<strong>no</strong>r do que o<br />
que se conhece, a carreira <strong>de</strong> Oliveira<br />
atleta e <strong>de</strong>sportista - o nadador, o<br />
trapezista, o ginasta e o atleta que,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo as cores do Sport Club do<br />
Porto, se tor<strong>no</strong>u, por três vezes, vicecampeão<br />
<strong>de</strong> salto à vara!<br />
Mas foi, <strong>de</strong> facto, <strong>no</strong>s automóveis<br />
que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira concretizou<br />
um dos lemas da sua vida: andar<br />
<strong>de</strong>pressa, viver <strong>de</strong>pressa. “Poucos<br />
saberão que, por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> uma<br />
câmara que com escrúpulo mas com<br />
objectivos claros teima em mover-se<br />
<strong>de</strong>vagar, está um homem que foi<br />
rápido, muito rápido, sobretudo<br />
com o volante nas mãos”, escreve na<br />
introdução José Barros Rodrigues,<br />
especialista da história do<br />
automobilismo e também<br />
empresário do sector. Oliveira<br />
<strong>de</strong>dicou-se ao automobilismo com a<br />
serieda<strong>de</strong> e a paixão com que<br />
abraçou igualmente o cinema, refere<br />
o prefaciador do livro, Marcelo<br />
Rebelo <strong>de</strong> Sousa: “Também <strong>no</strong>s<br />
automóveis, nele existe paixão, culto<br />
da aprendizagem, aventura, gosto<br />
do risco, insatisfação, <strong>de</strong>terminação,<br />
criativida<strong>de</strong>, serenida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s<br />
momentos essenciais.”<br />
Se a carreira <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />
piloto <strong>de</strong> competição se <strong>de</strong>senvolveu<br />
<strong>no</strong>s dois períodos atrás referidos, foi,<br />
contudo, <strong>no</strong>s primeiros três a<strong>no</strong>s<br />
(1935-38) que ela alcançou maior<br />
velocida<strong>de</strong> e <strong>no</strong>torieda<strong>de</strong>.<br />
Curiosamente, ela atingiu o apogeu<br />
não <strong>no</strong>s seis primeiros lugares (ou <strong>no</strong>s<br />
doze pódios, entre ralis, rampas e<br />
circuitos) que o piloto então<br />
acumulou, mas na terceira posição<br />
que bravamente conquistou, <strong>no</strong> dia 12<br />
<strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1938, <strong>no</strong> famoso Circuito<br />
Internacional da Gávea, <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro (equivalente a uma prova da<br />
Fórmula 1 actual), cuja dificulda<strong>de</strong> da<br />
pista lhe justificava a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong><br />
“Trampolim do Diabo”.<br />
Profusamente documentado e<br />
ilustrado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />
páginas, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira prova<br />
corrida (e ganha) por Oliveira, <strong>no</strong><br />
seu primeiro carro, um Fiat Balilla<br />
(uma gincana <strong>no</strong> rali do Porto, <strong>no</strong>s<br />
jardins do Palácio e Cristal, em Abril<br />
<strong>de</strong> 1935), o livro ganha também o seu<br />
brilho maior nas 72 páginas (<strong>de</strong> um<br />
total <strong>de</strong> 178) do capítulo <strong>de</strong>dicado a<br />
esta experiência internacional do<br />
piloto. Foi uma corrida também<br />
vivida intensamente <strong>no</strong> Brasil (pela<br />
comunida<strong>de</strong> portuguesa local e não<br />
só), cuja imprensa especializada<br />
<strong>de</strong>dicou páginas e páginas ilustradas<br />
a vermelho e branco, representando<br />
as cores do Ford<br />
Especial <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong><br />
Oliveira e também do Bugatti do seu<br />
irmão Casimiro (5º classificado), que<br />
asseguraram a representação lusa<br />
nesse a<strong>no</strong>, <strong>no</strong> circuito da Gávea, com<br />
um brilhantismo inesperado.<br />
O livro compulsa e enquadra as<br />
<strong>no</strong>tícias da época, com todo o <strong>de</strong>talhe,<br />
e dá também a conhecer a história da<br />
cuidada preparação do Ford Especial<br />
V8 pela equipa composta por Manuel<br />
Menères (o concessionário da marca<br />
<strong>no</strong> Porto) e Eduardo Ferreirinha, o<br />
piloto-engenheiro que Oliveira dizia<br />
ser “o gran<strong>de</strong> mestre da mecânica dos<br />
automóveis”. Foi ele quem fez a<br />
adaptação do carro <strong>de</strong> turismo<br />
importado da América num<br />
competitivo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> corrida - um<br />
trabalho que, curiosamente, o próprio<br />
Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira então registou <strong>no</strong><br />
seu documentário “Já se Fabricam<br />
Automóveis em Portugal” (1938).<br />
Outra curiosida<strong>de</strong> é o facto <strong>de</strong> uma<br />
das provas com que Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong><br />
Oliveira preparou a sua ida ao Brasil -<br />
a Rampa do Gradil, realizada em<br />
Março, e que venceu - ser a única <strong>de</strong><br />
toda a sua carreira <strong>de</strong> piloto que está<br />
documentada em filme.<br />
O livro <strong>de</strong> José Barros Rodrigues<br />
contém outras revelações/recordações<br />
<strong>de</strong>sta vertente da vida <strong>de</strong> Oliveira.<br />
Entre elas, a <strong>no</strong>tícia <strong>de</strong> que a sua<br />
brilhante “performance” <strong>no</strong> circuito<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro - em que o seu Ford<br />
Especial só foi suplantado pelos bem<br />
mais competitivos Alfa Romeos do<br />
italia<strong>no</strong> Pintacuda (o vencedor) e do<br />
argenti<strong>no</strong> Arzani -, fez com que fosse<br />
convidado a participar, logo <strong>no</strong> a<strong>no</strong><br />
seguinte, <strong>no</strong> Gran<strong>de</strong> Prémio <strong>de</strong><br />
Bue<strong>no</strong>s Aires, na Argentina, outro<br />
importante circuito do calendário<br />
mundial. E mais, a revista “Sporting”<br />
anunciava que o piloto po<strong>de</strong>ria vir<br />
mesmo a “fixar residência <strong>no</strong> Brasil”,<br />
eventualmente para, a partir daí,<br />
preparar com mais eficácia<br />
competitiva as suas prestações<br />
automobilísticas internacionais.<br />
Quem conhece a biografia do<br />
realizador sabe que não foi isso que<br />
aconteceu. Em vez <strong>de</strong> voltar à<br />
América do Sul, Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira<br />
viria a casar em 1940, <strong>de</strong>cisão que o<br />
levou a abandonar<br />
(temporariamente) os automóveis.<br />
“Realmente, já não me interessava<br />
andar a correr <strong>de</strong> automóvel. A<br />
minha esposa ficaria em cuidado, e<br />
não havia necessida<strong>de</strong> disso”,<br />
justificou Oliveira em entrevista à<br />
PÚBLICA (edição <strong>de</strong> 07/12/2008). E o<br />
apelo do cinema também falou mais<br />
alto, já que, dois a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, o<br />
realizador estreava a sua primeira<br />
longa-metragem, “Aniki-Bóbó”.<br />
O cinema e a família triunfaram<br />
sobre os automóveis. E o regresso às<br />
pistas, em 1947, já só aconteceu em<br />
ralis, que entendia não “comportar<br />
gran<strong>de</strong> perigo”. Mas o <strong>no</strong>me Oliveira<br />
continuou, apesar <strong>de</strong> tudo, a acelerar<br />
nas pistas dos circuitos através do<br />
irmão Casimiro que, na década <strong>de</strong> 50,<br />
se tornaria num dos gran<strong>de</strong>s pilotos<br />
portugueses (sempre com o apoio do<br />
irmão Ma<strong>no</strong>el nas boxes).<br />
Está tudo (bem) contado em<br />
“Ma<strong>no</strong>el <strong>de</strong> Oliveira - Piloto <strong>de</strong><br />
Automóveis”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 39
Teatro/Dança<br />
“Os Maias <strong>no</strong> Trinda<strong>de</strong>”<br />
Bem-vindos<br />
ao Norte<br />
A partir <strong>de</strong> hoje, po<strong>de</strong>mos<br />
entrar <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo espectáculo<br />
das Comédias do Minho.<br />
Inês Nadais<br />
Contra-Bando<br />
Pelas Comédias do Minho.<br />
Dramaturgia, encenação e<br />
coreografia <strong>de</strong> Madalena Victori<strong>no</strong>.<br />
Com Ainhoa Vidal, Miguel Fragata,<br />
Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva,<br />
Mónica Tavares, Rui Mendonça e<br />
Tânia Almeida.<br />
Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura. Lugar da Seara (Bico). Hoje, às<br />
17h30; amanhã e dom., às 11h30, 15h e 17h30.<br />
Melgaço. Lugar do Paço (Parada do Monte). Dia 6 <strong>de</strong><br />
Março, às 21h; dias 7 e 8 <strong>de</strong> Março às 11h30, 16h, 21h.<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Cerveira. Lugar das Furnas (Campos).<br />
Dia 13 <strong>de</strong> Março, às 21h; dias 14 e 15 <strong>de</strong> Março às<br />
11h30, 16h e 21h. Monção. Mercearia dos Vilar<br />
(Lara). Dia 20 <strong>de</strong> Março às 17h30; dias 21 e 22 <strong>de</strong><br />
Março às 11h30, 15h e 17h30. Valença. Estufas <strong>de</strong><br />
flores (Verdoejo). Dia 27 <strong>de</strong> Março, às 21h; dias 28 e<br />
29 <strong>de</strong> Março, às 11h30, 16h e 21h. Entrada gratuita.<br />
Madalena Victori<strong>no</strong> foi a última a<br />
chegar a Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura mas já há<br />
sítios on<strong>de</strong> conseguia ir ter <strong>de</strong> olhos<br />
fechados: a mercearia dos Vilar,<br />
numa freguesia <strong>de</strong> Monção, uma<br />
ermida abandonada em Melgaço, as<br />
estufas <strong>de</strong> flores <strong>de</strong> Verdoejo, as<br />
cabanas dos pescadores <strong>de</strong> lampreia<br />
em Cerveira, a cozinha <strong>de</strong> uma<br />
senhora <strong>de</strong> 80 a<strong>no</strong>s que “nunca foi à<br />
escola, nunca foi ao médico” e vive<br />
com os seus animais em Bico.<br />
Em Novembro, quando a<br />
convidaram para criar um<br />
espectáculo que resultasse <strong>de</strong> uma<br />
imersão profunda na comunida<strong>de</strong> -<br />
acabaram por ser cinco<br />
espectáculos, ou um espectáculo em<br />
cinco partes -, as Comédias do<br />
Minho <strong>de</strong>ram-lhe “carta branca”<br />
para ela fazer o que enten<strong>de</strong>sse, e<br />
ela enten<strong>de</strong>u que <strong>de</strong>via meter-se<br />
num carro com os actores e ir ver<br />
como é o interior do interior (e o<br />
Norte do Norte) do país.<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
Esta Noite Improvisa-se<br />
De Luigi Piran<strong>de</strong>llo. Encenação:<br />
Jorge Silva Melo. Com António<br />
Simão, Cândido Ferreira, Cecília<br />
Henriques, João Meireles, Lia<br />
Gama, Sílvia Filipe,entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro<br />
IV. De 05/03 a 05/04. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30.<br />
Dom. às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€.<br />
JORGE GONÇALVES<br />
“A Tempesta<strong>de</strong>”<br />
Foi uma viagem <strong>de</strong><br />
reconhecimento - e um ritual <strong>de</strong><br />
iniciação a um território que<br />
Madalena Victori<strong>no</strong> <strong>de</strong>sconhecia<br />
absolutamente. “Fomos falar com os<br />
presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> junta e com os padres,<br />
que são as figuras <strong>de</strong> referência<br />
nestas al<strong>de</strong>ias, e eles conduziram-<strong>no</strong>s<br />
às pessoas. Em Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura<br />
encontrámos duas mulheres que me<br />
atraíram imenso pela sua ida<strong>de</strong> e<br />
pelo seu saber a cultivar os seus<br />
pedaços <strong>de</strong> terra com uma alegria e<br />
Variações Enigmáticas<br />
De Eric-Emmanuel Schmitt.<br />
Encenação: João Mota. Com Carlos<br />
Paulo, Álvaro Correia.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha.<br />
De 04/03 a 31/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h. Tel.: 217221770. 10€ e 7,5€ (quartas e quintas:<br />
5€).<br />
Continuam<br />
A Tempesta<strong>de</strong><br />
De William Shakespeare.<br />
Encenação: John Mowat. Com Jorge<br />
Cruz, Marta Cerqueira, Tiago<br />
Viegas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até 01/03.<br />
5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 218855550. 10€ e<br />
7,5€.<br />
Minetti ou Retrato<br />
do Artista Quando Jovem<br />
De Thomas Bernhard. Encenação:<br />
Mónia Calle. Com David Pereira<br />
Bastos.<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Já há sítios on<strong>de</strong> Madalena Victori<strong>no</strong> conseguia<br />
ir <strong>de</strong> olhos fechados, como a cozinha <strong>de</strong> uma senhora<br />
<strong>de</strong> 80 a<strong>no</strong>s que “nunca foi à escola, nunca foi ao médico”<br />
e vive com os seus animais em Bico<br />
Internet<br />
uma força que muitas raparigas <strong>de</strong> 20<br />
a<strong>no</strong>s não têm. Em Verdoejo<br />
<strong>de</strong>scobrimos as estufas <strong>de</strong> uma<br />
família que cultiva, apanha e ven<strong>de</strong><br />
flores <strong>no</strong>s mercados. Em Cerveira<br />
apren<strong>de</strong>mos muito sobre o rio, sobre<br />
o contrabando com Espanha, sobre a<br />
emigração a salto. Infiltrámo-<strong>no</strong>s na<br />
vida das pessoas, vimo-las a<br />
trabalhar, conversámos com elas - e<br />
trouxemos esses materiais para o<br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Coura”, explica.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Casa Conveniente.<br />
Rua Nova do Carvalho, 11 (ao Cais do Sodré). Até<br />
28/02. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 964407007.<br />
Os Produtores<br />
De Mel Brooks. Encenação:<br />
Cláudio Hochman. Com Rita<br />
Pereira, Miguel Dias, Manuel<br />
Marques, Rodrigo Saraiva,<br />
Custódia Galego. Direcção<br />
Musical: Nu<strong>no</strong> Feist.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />
182. Até 28/02. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. e Dom.<br />
às 17h00 e 21h30. Feriados às 17h00. Tel.: 213572025.<br />
27,5€ a 45€.<br />
Os Maias <strong>no</strong> Trinda<strong>de</strong><br />
De Eça <strong>de</strong> Queiroz,<br />
António Torrado. Encenação:<br />
Rui Men<strong>de</strong>s. Com João Di<strong>de</strong>let,<br />
José Airosa, Mário Jacques, entre<br />
outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Largo da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />
Até 26/04. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00.<br />
Tel.: 213420000. 10€ a 15€<br />
Estamos online. Entre em<br />
www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
con<strong>no</strong>sco.<br />
Não ficaram lá muito tempo: a<br />
partir <strong>de</strong> hoje, começam a <strong>de</strong>volver<br />
à comunida<strong>de</strong> o que criaram “a<br />
partir <strong>de</strong>sses itens <strong>de</strong> conversa”, das<br />
coisas que mais os fascinaram (“a<br />
forma como estas pessoas<br />
trabalham, como usam os músculos,<br />
como se relacionam com os animais,<br />
como sonham”) e <strong>de</strong> textos <strong>de</strong><br />
Gabriel García Márquez, Luísa Costa<br />
Gomes, António Lobo Antunes e<br />
Miguel Torga que a companhia<br />
“infiltrou <strong>no</strong>s fumeiros, nas a<strong>de</strong>gas,<br />
nas cortes, <strong>no</strong>s espigueiros, <strong>no</strong>s<br />
quartos <strong>de</strong> dormir”.<br />
Os cinco capítulos <strong>de</strong> “Contra-<br />
Bando” - “O salto da água / Cozinha”,<br />
“Coração <strong>de</strong> porco”, “Labaredas”,<br />
“Uma pequena i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> amor” e<br />
“Saias <strong>de</strong> sabão” - vão ser apresentados<br />
<strong>no</strong>s sítios on<strong>de</strong> fazem realmente<br />
sentido: <strong>de</strong>ntro das casas, dos locais<br />
<strong>de</strong> trabalho e dos espaços públicos<br />
on<strong>de</strong> as pessoas para os quais foram<br />
criados viveram toda a vida. É a lógica<br />
das Comédias do Minho - uma<br />
estrutura radicalmente itinerante,<br />
cujos espectáculos circulam pelos<br />
cinco concelhos da região -, mas Madalena<br />
Victori<strong>no</strong> está a levá-la a on<strong>de</strong><br />
ela nunca tinha ido (ao tal interior do<br />
interior que ficou para trás quando<br />
<strong>no</strong>s atirámos todos ao mesmo tempo<br />
para as cida<strong>de</strong>s do litoral).<br />
Mais do que um espectáculo,<br />
“Contra-Bando” é sobretudo uma<br />
comunida<strong>de</strong>: “Há um bando que se<br />
passeia em viagem pelo Minho,<br />
contra as convenções teatrais mais<br />
estabelecidas, e que se mistura com<br />
outro bando que é este povo do<br />
Minho. São espectáculos em que as<br />
pessoas se reconhecem e revisitam o<br />
que é seu, surpreen<strong>de</strong>ndo-se com o<br />
que vêem. Ainda ontem em Parada<br />
do Monte [Melgaço] as pessoas <strong>no</strong>s<br />
diziam: ‘A <strong>no</strong>ssa casa nunca esteve<br />
tão bonita’. A <strong>no</strong>ssa ce<strong>no</strong>grafia é a<br />
vida real <strong>de</strong>stas pessoas - e elas<br />
sentem-se realmente parte <strong>de</strong> uma<br />
história.” Começa a ser contada hoje,<br />
numa al<strong>de</strong>ia da freguesia <strong>de</strong> Bico, em<br />
Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura. Parece muito<br />
longe, mas também tem página na<br />
Wikipédia - com as coor<strong>de</strong>nadas GPS,<br />
para não haver <strong>de</strong>sculpa.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Tritone<br />
Companhia Real Pelágio.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av.<br />
Professor Egas Moniz. Dia 27/02. 6ª às 21h30. Tel.:<br />
212739360. 10€ (c/ <strong>de</strong>scontos).<br />
Paraíso<br />
De Olga Roriz. Com Catarina<br />
Câmara, Sara Carinhas, Pedro<br />
Santiago Cal, entre outros<br />
Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />
António <strong>de</strong> Aguiar. Dia 27/02. 6ª às 21h30. Tel.:<br />
266703112.<br />
Cats<br />
Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Dança do Vale do<br />
Sousa.<br />
Santa Maria da Feira. Europarque - Centro <strong>de</strong><br />
Congressos. Espargo <strong>de</strong> Baixo. Dia 27/02. 6ª às 22h<br />
(sessões para escolas: 10h00, 11h30, 14h00 e<br />
15h30). Tel.: 256370222. 15€; Escolas: 4,50€ (por<br />
cada 20 alu<strong>no</strong>s é oferecido um convite).<br />
40 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Exposições<br />
Susanne S. D. Themlitz<br />
A fotografia<br />
como<br />
mundo<br />
A primeira exposição <strong>de</strong><br />
Jean Marc-Bustamante em<br />
Portugal. José Marmeleira<br />
Pedigree<br />
De Jean-Marc Bustamante.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 07/03. 3ª a<br />
Sáb. das 10h às 20h.<br />
mmmnn<br />
“Pedigree”, na Galeria Filomena<br />
Soares, é a primeira exposição em<br />
Portugal <strong>de</strong> Jean Marc-Bustamante<br />
(Toulouse, 1952), um dos artistas<br />
franceses <strong>de</strong> maior projecção<br />
internacional. Antes <strong>de</strong> iniciar a sua<br />
carreira, entre os finais dos a<strong>no</strong>s 70<br />
e o princípio dos a<strong>no</strong>s 80, chegou a<br />
ser assistente do fotógrafo <strong>no</strong>rteamerica<strong>no</strong><br />
William Klein e, <strong>no</strong><br />
seguimento <strong>de</strong> exposições na<br />
Documenta X (1997) e na Tate<br />
Britain (1999), foi escolhido em 2003<br />
para representar França na 50ª<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
At Eye Level<br />
De Susanne S. D. Themlitz.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida 24<br />
<strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até 04/04. 3ª a<br />
6ª das 11h às 19h. Dom. das 15h às 20h. Inaugura<br />
27/2 às 22h.<br />
Desenho.<br />
Já Viram Alguém Levar<br />
um Tiro e Não Deitar Sangue?<br />
De Francisco Queirós.<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> 20 - Arte Contemporânea. Rua<br />
Tenente Ferreira Durão, 18B. Tel.: 213830834. Até<br />
11/04. 3ª a 6ª das 14h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.<br />
Inaugura 27/2 às 22h.<br />
Desenho.<br />
Selotemachinas<br />
De Catarina Patrício.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte<br />
Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/<br />
c. Tel.: 217261831. Até 07/04. 2ª a 6ª das 10h30 às<br />
19h30. Sáb. das 12h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura<br />
28/2 às 16h.<br />
Pintura.<br />
Escrita Inventada<br />
De Alexandra Mesquita.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império -<br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.: 213617100.<br />
Até 16/04. 2ª a Dom. das 10h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte.<br />
Inaugura 28/2 das 15h às 20h.<br />
Desenho, Outros.<br />
The Land Beyond The Sun<br />
De Ângelo Encarnação.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Diferença. Rua São Filipe Neri, 42 -<br />
Cave. Tel.: 213832193. Até 11/04. 3ª a Sáb. das 15h<br />
às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 às 15h.<br />
Pintura.<br />
A Natureza Ubíqua do Ser<br />
De Margarida Cepêda.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galveias - Galeria <strong>de</strong> Arte. Rua da<br />
Misericórdia, 83. Tel.: 213422232. Até 11/04. 2ª a<br />
Sáb. das 10h30 às 19h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2<br />
das 16h às 20h.<br />
Pintura.<br />
Bienal <strong>de</strong> Veneza.<br />
O seu trabalho tem sido marcado<br />
por uma relação intensa e re<strong>no</strong>vada<br />
com a fotografia, não como simples<br />
suporte, mas enquanto matriz <strong>de</strong> uma<br />
investigação que se propõe a pensar a<br />
própria fotografia enquanto mundo<br />
ou objecto. Tome-se, como exemplo,<br />
a série “Lumières” (1991), on<strong>de</strong><br />
imagens fotográficas, apropriadas <strong>de</strong><br />
livros, são serigrafadas sobre<br />
plexiglas, numa constante<br />
interpelação ao espectador, à luz e ao<br />
espaço, ou os “Pa<strong>no</strong>ramas”, painéis<br />
que mostram <strong>de</strong>senhos fotografados e<br />
<strong>de</strong>pois gravados sobre o plexiglas.<br />
Po<strong>de</strong>mos dizer que a arte <strong>de</strong> Jean<br />
Marc Bustamante “refaz-se” numa<br />
pesquisa que, partindo da fotografia,<br />
se dirige ao quadro, à pare<strong>de</strong>, à<br />
transparência, à cor.<br />
“Pedigree” não preten<strong>de</strong>,<br />
assinale-se, ser representativa <strong>de</strong><br />
uma obra <strong>de</strong>senvolvida ao longo <strong>de</strong><br />
Momento<br />
De Vasco Costa.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Jorge Shirley. Largo Hintze Ribeiro,<br />
2E/F. Tel.: 213868496 . Até 09/04. 3ª a Sáb. das 15h<br />
às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 15h às 20h.<br />
Escultura.<br />
Accrochage 01/09<br />
De vários autores.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Luís Serpa - Projectos. Rua Tenente<br />
Raúl Cascais, 1B. Tel.: 213977794. Até 11/04. 3ª a Sáb.<br />
das 15h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 15h<br />
às 20h.<br />
Pintura.<br />
Fotografias 1990-1997<br />
De António Júlio Duarte.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Módulo - Centro Difusor <strong>de</strong> Arte. Calçada dos<br />
Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 11/04. 3ª a Sáb.<br />
das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2 das 18h às<br />
20h.<br />
Fotografia.<br />
Aparelhos Breves<br />
De Rodrigo Tavarela Peixoto.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Sopro - Projecto <strong>de</strong> Arte Contemporânea.<br />
Rua das Fontaínhas, 40. Tel.: 213618756. Até 04/04.<br />
3ª a Sáb. das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 28/2<br />
das 15h às 20h.<br />
Fotografia.<br />
João Rodrigues, Obra Plástica<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Fundação Cuperti<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
Miranda. Praça Dona Maria II - Apartado 701. Tel.:<br />
252301650. Até 08/05. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.<br />
das 14h às 18h. Inaugura 28/2 às 17h.<br />
Desenho.<br />
Silêncio a Silêncio<br />
De Moirika Reker, Gilberto Reis.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação Carmona e Costa. Ed <strong>de</strong> Espanha -<br />
R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D. Tel.:<br />
217803003. Até 18/04. 4ª a 6ª das 14h às 20h. Sáb.<br />
das 14h às 19h. Inaugura 3/3 às 18h30.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Desenho.<br />
The Quiet Messenger<br />
De Pedro Henriques.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Espaço Round The Corner - Porta 9F/9G. R.<br />
Nova da Trinda<strong>de</strong> - Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Tel.:<br />
213420000. Até 10/03. 2ª a Dom. das 17h às 20h.<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
mais <strong>de</strong> duas décadas e da qual<br />
fazem parte séries distintas ainda<br />
que retomadas pelo artista. Mostra<br />
trabalhos recentes e serve sobretudo<br />
como introdução a uma<br />
<strong>de</strong>terminada produção.<br />
Nas fotografias <strong>de</strong> “Something Is<br />
Missing” (2008) - uma série<br />
inaugurada em 1995 - encontramos<br />
fachadas e traseiras <strong>de</strong> habitações,<br />
árvores, um muro junto a um fio <strong>de</strong><br />
água, ruas, um canteiro. São lugares<br />
banais, quase <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong><br />
referentes, como instantes captados<br />
por um “flaneur”, mas na sua<br />
neutralida<strong>de</strong> fixam e abrem um<br />
olhar que afinal também é o do<br />
espectador. O mesmo repto é<br />
lançado na escultura<br />
(“Contrapposto”, 2002) on<strong>de</strong> o<br />
corpo acaba por ser convocado, pois<br />
é o seu movimento que <strong>de</strong>termina as<br />
ligações que na peça se estabelecem<br />
entre a cor e o espaço, a<br />
Inaugura 4/3 às 17h.<br />
Ví<strong>de</strong>o.<br />
(Lugar da Água)<br />
De Rui Vasconcelos.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474 . Até 31/05. 3ª a Dom. das 10h às 18h<br />
(última admissão às 17h45). Inaugura 5/3 às 18h30.<br />
Desenho.<br />
O Infinito Segredo<br />
De Cruzeiro Seixas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria São Mame<strong>de</strong>. Rua da Escola<br />
Politécnica, 167. Tel.: 213973255. Até 05/04. 2ª a 6ª<br />
das 10h30 às 20h. Sáb. das 11h às 19h. Inaugura 5/3<br />
das 19h às 22h.<br />
Pintura, Desenho.<br />
Continuam<br />
Heimo Zobernig<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />
- José <strong>de</strong> Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau<br />
Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 24/05.<br />
3ª a Dom. das 10h às 18h. Bilhetes: 4€<br />
(c/<strong>de</strong>scontos).<br />
Pintura, Ví<strong>de</strong>o, Instalação,<br />
Escultura, Outros.<br />
Raúl Perez - Desenho e Pintura<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo.<br />
Praça do Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.:<br />
213612878. Até 12/04. 6ª das 10h às 22h00. 2ª a 5ª,<br />
Sáb. e Dom. das 10h às 19h.<br />
Desenho, Pintura.<br />
Na escultura “Contrapposto”,<br />
<strong>de</strong> 2002, o corpo acaba<br />
por ser convocado<br />
verticalida<strong>de</strong> e a horizontalida<strong>de</strong> e<br />
os materiais do objecto (ferro, tinta,<br />
plexiglas).<br />
Seguem-se, finalmente, obras da<br />
série “Pa<strong>no</strong>ramas” e outras<br />
realizadas com a mesma técnica.<br />
Vemos motivos figurativos e<br />
abstractos numa experiência<br />
<strong>de</strong>terminada pela transparência, a<br />
luz e a sombra (e a esse propósito é<br />
interessante <strong>no</strong>tar semelhanças<br />
formais com alguns dos motivos das<br />
fotografias <strong>de</strong> “Something Is<br />
Missing”). O artista, ao ampliar e<br />
gravar os <strong>de</strong>senhos nas placas <strong>de</strong><br />
plexiglas, transforma-os em<br />
pinturas, mas ao pendurá-los a uma<br />
certa distância da pare<strong>de</strong> oferecelhes<br />
um carácter escultórico.<br />
Descobre-lhes uma profundida<strong>de</strong><br />
inesperada, torna-os ao mesmo<br />
tempo fotografia, escultura e<br />
pintura.<br />
Algo ironicamente são estes<br />
trabalhos, pela sua presença<br />
excessiva (por vezes até <strong>de</strong>corativa),<br />
que <strong>de</strong>sequilibram a curadoria <strong>de</strong><br />
“Pedigree”, do <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong><br />
David Rosenberg. Teria sido mais<br />
estimulante se a exposição tivesse<br />
aprofundado o seu cariz<br />
introdutório com outras obras <strong>de</strong><br />
Jean-Marc Bustamante. Por<br />
exemplo, com as pertencentes à<br />
série “Trophées”, “Sites” ou<br />
“Lumières”.<br />
Desenhos A - Z, Colecção<br />
Ma<strong>de</strong>ira Corporate Services<br />
De Mark Dion, Trisha Donnelly,<br />
Olafur Eliasson, Pedro Cabrita<br />
Reis, Rui Chafes, Ingar Dragset,<br />
Leonilson, Thomas Sheibitz,<br />
Marjetica Potrc, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Campo<br />
Gran<strong>de</strong>, 245. Tel.: 217513200. Até 29/03. 3ª a Dom.<br />
das 10h às 18h (Encerra Feriados). Pavilhão Preto.<br />
Desenho, Outros.<br />
Lá Fora<br />
De Manuela Marques, Francisco da<br />
Mata, Gerald Petit, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Avenida Brasília -<br />
Edifício Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 15/03.<br />
3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Pintura, Desenho, Fotografia,<br />
Instalação, Escultura, Ví<strong>de</strong>o.<br />
A Analogia do Olho<br />
De JCJ Van<strong>de</strong>rhey<strong>de</strong>n.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 10/05. 2ª a 6ª das 11h às<br />
19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30). Bilhetes: 2€.<br />
Pintura, Fotografia.<br />
Jochen<br />
Lempert<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua<br />
Arco do Cego - Edifício<br />
da CGD. Tel.:<br />
217905155. Até 10/05.<br />
2ª a 6ª das 11h às 19h<br />
(última admissão às<br />
18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h às 20h<br />
(última admissão às<br />
19h30). Bilhetes: 2€.<br />
Fotografia.<br />
A Evolução <strong>de</strong> Darwin<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 24/05.<br />
3ª a Dom. das 10h às 18h. Bilhetes: 4€; 2€ (Cartão<br />
Jovem, -25, +65); Grátis (-12, Domingo). Inaugura<br />
12/2 às 19h.<br />
Ciência, Outros.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 41
Concertos<br />
Espaço<br />
Público<br />
É francês, <strong>de</strong>dica-se à<br />
divulgação da música<br />
sem artifícios e é, para<br />
mim, um dos melhores<br />
blogs/sites musicais <strong>de</strong><br />
todo o planeta. Entre<br />
artigos <strong>de</strong> opinião, visitas<br />
improvisadas a “backstages”,<br />
entrevistas<br />
Pop<br />
Eles querem<br />
espalhar<br />
magia<br />
Estamos a aproximar-<strong>no</strong>s<br />
da Primavera e não há razão<br />
para que a magia não resulte.<br />
Mário Lopes<br />
I’m From Barcelona + Rui Vargas<br />
& Zé Salvador + Tiago + DJ Al<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />
Armazém A. Sáb., 28, às 22h30. Tel.: 218820890.<br />
22€.<br />
Todos se lembram da canção: uns<br />
coros bem metidos, uma melodia<br />
escandalosamente cantarolável e a<br />
bizarria <strong>de</strong> ter vinte e tal suecos a<br />
cantar que éramos todos <strong>de</strong><br />
Barcelona. Foi um romance <strong>de</strong> Verão<br />
adolescente, bem vivido e<br />
rapidamente esquecido ali <strong>no</strong> A<strong>no</strong><br />
da Graça <strong>de</strong> 2007.<br />
E o que eram eles: pop comunal e<br />
pop <strong>de</strong>senho animado, <strong>de</strong>vidamente<br />
colorida e graciosamente exposta<br />
em telediscos que piscavam o olho<br />
ao “Playtime” <strong>de</strong> Tati ou que se<br />
prestavam a um karaoke <strong>de</strong> festa<br />
caseira. Acontece que o romance <strong>de</strong><br />
Verão não se apagou para sempre da<br />
memória. Os I’m From Barcelona<br />
estiveram <strong>de</strong>pois <strong>no</strong> Sudoeste,<br />
trouxeram pelo me<strong>no</strong>s dois terços<br />
da banda - ou seja, uns vinte músicos<br />
e dançari<strong>no</strong>s e o que quer que seja -,<br />
e fizeram a festa. E, agora, sabemos<br />
que não acabaram por ali. “Who<br />
Killed Harry Houdini?”, segundo<br />
álbum que cita um dos fascínios do<br />
lí<strong>de</strong>r da banda, mágico amador,<br />
chegou em Outubro para mostrar<br />
que, na cabeça do fundador<br />
Emanuel Lundgren, nada mudou:<br />
“In my heart, I’m still a kid”, canta<br />
ele algures e não podia ser <strong>de</strong> outra<br />
maneira. “Why do we care / Britney<br />
wants to shave its head?”, cantava<br />
ele <strong>no</strong>utro algures, entre coros <strong>de</strong><br />
mil vozes e guitarrinhas indie a<br />
forrar o conjunto, e comprovava-se<br />
que os I’m From Barcelona são<br />
comunida<strong>de</strong> que brinca com<br />
símbolos pop para falar daquilo que<br />
I’m From Barcelona são comunida<strong>de</strong> que brinca com símbolos<br />
pop para falar daquilo que a pop sempre falou: o coração magoado<br />
inteligentes e toneladas<br />
<strong>de</strong> discos, muitas são as<br />
razões para fazerem <strong>de</strong><br />
La Blogotheque um local<br />
<strong>de</strong> peregrinação diária.<br />
É também aqui que vão<br />
encontrar os entusiasmantes<br />
“Concerts a emporter”,<br />
na sua maior parte<br />
a pop sempre falou: o coração<br />
magoado, a inadaptação ao mundo<br />
em volta, a beleza que é a vida e a<br />
tristeza que é a vida (a mesma).<br />
Ao vivo, como se sabe, a tristeza sai<br />
<strong>de</strong> cena e só há lugar para festa e<br />
fanfarra. Os I’m From Barcelona vêm<br />
ao Lux apresentar o segundo álbum,<br />
<strong>de</strong> circulação bem mais discreta que<br />
o primeiro, e lá teremos <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
pessoas em palco a cantar as suas<br />
melodias tão simples quanto épicas<br />
<strong>de</strong> vozes em unísso<strong>no</strong>. Os suecos só<br />
querem espalhar magia: essa que<br />
suscita tão parvos quanto inexplicáveis<br />
sorrisos em quem dança porque<br />
tudo aquilo é feliz e bonito e não há<br />
como não gostar <strong>de</strong>les. Estamos a<br />
aproximar-<strong>no</strong>s da Primavera e, em<br />
princípio, não há razão para que a<br />
magia não resulte. M.L.<br />
Clássica<br />
A França e o<br />
Oriente pelo<br />
Ensemble<br />
Intercontemporain<br />
Um dos agrupamentos<br />
míticos na interpretação<br />
da <strong>no</strong>va música.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Ensemble Intercontemporain<br />
Maestro: François-Xavier Roth.<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. 6ª, 27, às 21h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Na Sala Suggia.<br />
Ensemble Intercontemporain<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Sáb., 28, dom., 1, às 19h00.<br />
Tel.: 217823700. 15€.<br />
O Ensemble Intercontemporain é<br />
uma das referências máximas na<br />
interpretação da música<br />
contemporânea, tendo igualmente<br />
papel activo na criação graças à sua<br />
relação privilegiada com o Institut<br />
<strong>de</strong> Recherche et Coordination<br />
Acoustique Musique (IRCAM),<br />
sediado em Paris. Criado em 1976<br />
por Pierre Boulez, o seu repertório<br />
inclui quase dois mil títulos,<br />
incluindo a estreia <strong>de</strong> numerosas<br />
obras compostas em função do<br />
grupo, bem como clássicos das<br />
primeira meta<strong>de</strong> do século XX. Os<br />
seus 31 instrumentistas são solistas<br />
consumados que optaram por dar<br />
primazia à música <strong>de</strong> conjunto, mas<br />
que <strong>de</strong>senvolvem também carreiras<br />
paralelas como virtuoses do seu<br />
respectivo instrumento.<br />
De regresso a Portugal, o<br />
Ensemble Intercontemporain<br />
apresenta-se hoje, às 21h, na Casa da<br />
Música, e <strong>no</strong> sábado e <strong>no</strong> domingo<br />
na Gulbenkian, sob a direcção <strong>de</strong><br />
François-Xavier Roth, um dos mais<br />
carismáticos maestros da <strong>no</strong>va<br />
filmados pelo inevitável<br />
Vincent Moon, que mostram<br />
as bandas/artistas<br />
num estado <strong>de</strong> pura graça,<br />
<strong>de</strong>spojados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
artimanhas tec<strong>no</strong>lógicas<br />
ou manipulações <strong>de</strong><br />
estúdio. Para <strong>de</strong>scobrir<br />
em www.blogotheque.<br />
geração. Com créditos firmados <strong>no</strong><br />
âmbito da música contemporânea,<br />
Roth <strong>de</strong>dica-se também a outros<br />
repertórios, que se esten<strong>de</strong>m do<br />
barroco à actualida<strong>de</strong>. Um exemplo<br />
<strong>de</strong>ssa versatilida<strong>de</strong> é a orquestra Les<br />
Siècles, que criou em 2003<br />
<strong>de</strong>stinada a interpretar obras dos<br />
diversos períodos da história da<br />
música. Foi com esta formação que<br />
se apresentou em <strong>Lisboa</strong> na Festa da<br />
Música (em 2006) num empolgante<br />
programa <strong>de</strong>dicado a Rameau.<br />
A actuação do Ensemble<br />
Intercontemporain <strong>no</strong> Porto inserese<br />
na retrospectiva alargada da<br />
produção <strong>de</strong> Jonathan Harvey<br />
promovida pela Casa da Música. O<br />
programa integra uma das obras<br />
mais importantes do britânico<br />
(“Bahkti”), estreada precisamente<br />
por este agrupamento em 1982, em<br />
Paris. Trata-se <strong>de</strong> uma peça<br />
po<strong>de</strong>rosa que faz referência directa<br />
à espiritualida<strong>de</strong> hindu (em<br />
sânscrito “Bahkti” significa <strong>de</strong>voção<br />
a um <strong>de</strong>us em busca <strong>de</strong> caminho<br />
para a salvação). Será também<br />
possível ouvir “Streets”, do francês<br />
Bru<strong>no</strong> Mantovani (on<strong>de</strong> se faz alusão<br />
às agitadas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque) e<br />
“Fantasie Mécanique”, da<br />
compositora sul-coreana Unsuk<br />
Chin.<br />
Estas partituras serão também<br />
interpretadas em <strong>Lisboa</strong> <strong>no</strong> âmbito<br />
<strong>de</strong> dois concertos com linhas<br />
temáticas <strong>de</strong>finidas. O primeiro<br />
intitula-se “Nova Música Francesa” e<br />
além da obra <strong>de</strong> Mantovani dará a<br />
ouvir “Fragments pour un portrait”,<br />
<strong>de</strong> Philippe Ma<strong>no</strong>ury, e “Eclipse”, <strong>de</strong><br />
Yan Maresz. O segundo (<strong>no</strong> dia 1)<br />
<strong>de</strong>signa-se “Em busca do Oriente” e<br />
inclui as já citadas obras <strong>de</strong> Unsuk<br />
Chin e Jonathan Harvey, em<br />
conjunto com “L’Éthique <strong>de</strong> la<br />
Lumière”, do jorda<strong>no</strong> Saed Haddah.<br />
Ambos serão precedidos por<br />
comentários introdutórios (às 18h,<br />
<strong>no</strong> Auditório 3), da responsabilida<strong>de</strong><br />
dos compositores Sérgio Azevedo e<br />
Pedro Amaral, respectivamente.<br />
Sons <strong>de</strong> câmara<br />
<strong>de</strong> Jerusalém<br />
Jerusalem Chamber Music<br />
Festival<br />
Com Elena Bashkirova (pia<strong>no</strong>), Guy<br />
Braunstein (violi<strong>no</strong>), Amichal Grosz<br />
(viola), Kyril Zlotnikov (violoncelo),<br />
Karheinz Steffens (clarinete).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª e 3ª às 19h00. Tel.:<br />
217823700. 10€ a 20€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />
Schumann, Hin<strong>de</strong>mith e Kurtág (dia<br />
2) e Stravinsky, Mozart, Berg e<br />
Beethoven (dia 3).<br />
Elena Bashkirova, a criadora<br />
do Festival <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Jerusalém<br />
Criado em 1998 pela pianista russa<br />
Elena Bashkirova, o Festival <strong>de</strong><br />
Música <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Jerusalém junta<br />
anualmente jovens instrumentistas<br />
<strong>de</strong> todo o mundo para interpretar<br />
repertório pouco ouvido nas<br />
temporadas tradicionais. A<br />
programação obe<strong>de</strong>ce a temáticas<br />
específicas - por exemplo<br />
“Despedidas <strong>de</strong> Século” (ciclos<br />
baseados em obras dos finais dos<br />
séculos XVIII, XIX e XX),<br />
“Transcrições e Transformações” ou<br />
“Compositores da Europa Oriental” -<br />
e dá primazia a formações<br />
instrumentais diversificadas, que<br />
nem sempre encaixam <strong>no</strong>s mo<strong>de</strong>los<br />
convencionais. Após o encerramento<br />
<strong>de</strong> cada edição, os participantes<br />
efectuam digressões internacionais<br />
on<strong>de</strong> interpretam alguns dos<br />
programas criados para o festival. É<br />
neste contexto que se apresentam na<br />
Gulbenkian <strong>no</strong>s dias 2 e 3 com um<br />
efectivo constituído por pia<strong>no</strong>,<br />
violi<strong>no</strong>, viola, violoncelo e clarinete.<br />
Combinados <strong>de</strong> diferentes maneiras,<br />
estes instrumentos permitem<br />
percorrer um programa eclético que<br />
se esten<strong>de</strong> do classicismo vienense ao<br />
século XX. No primeiro concerto<br />
serão tocadas as Seis Peças em<br />
Câ<strong>no</strong>ne op. 56 e o Quarteto com<br />
pia<strong>no</strong> op. 47, <strong>de</strong> Schumann; o<br />
Quarteto para pia<strong>no</strong>, clarinete,<br />
violi<strong>no</strong> e violoncelo, <strong>de</strong> Hin<strong>de</strong>mith; e<br />
“Hommage a Robert Schumann”,<br />
para clarinete, viola e pia<strong>no</strong>, <strong>de</strong><br />
Kurtág. No segundo concerto po<strong>de</strong>rá<br />
ouvir-se a pequena suite para violi<strong>no</strong>,<br />
clarinete e pia<strong>no</strong> da “História do<br />
Soldado” <strong>de</strong> Stravinsky; o Quarteto<br />
para pia<strong>no</strong> e cordas K. 493 <strong>de</strong> Mozart;<br />
o “Adagio” para violi<strong>no</strong>, clarinete e<br />
pia<strong>no</strong>, <strong>de</strong> Berg; e o Trio para pia<strong>no</strong>,<br />
clarinete e violoncelo em Mi bemol<br />
maior, <strong>de</strong> Beethoven. C.F.<br />
Jazz<br />
Trombone apontado<br />
às estrelas<br />
Gianluca Petrella Indigo Quartet<br />
Com Gianluca Petrella (trombone),<br />
Francesco Bearzatti (saxofone),<br />
Paoli<strong>no</strong> dalla Porta (contrabaixo),<br />
Fabio Accardi (bateria).<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Praça<br />
da Republica, 39. Sáb., 28, às 21h30. Tel.:<br />
245307498. 10€. Passe Festival: 30€. Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD, dom., 1, às 21h30. Tel.: 217905155. 15€. -30<br />
a<strong>no</strong>s: 5€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />
No domingo terá lugar o concerto <strong>de</strong><br />
apresentação <strong>de</strong> “Kaleido”, o <strong>no</strong>vo<br />
registo <strong>de</strong> Gianluca Petrella Indigo 4,<br />
agrupamento li<strong>de</strong>rado pela mais<br />
jovem estrela do jazz europeu, o<br />
trombonista Gianluca Petrella.<br />
Aclamado pelo público e pela crítica<br />
internacionais como um dos mais<br />
imaginativos e talentosos músicos da<br />
<strong>no</strong>va geração, Gianluca Petrella, 33<br />
a<strong>no</strong>s, que vem apresentar o <strong>no</strong>vo<br />
registo, “Kaleido”, colaborou já com<br />
músicos da estatura <strong>de</strong> Enrico Rava,<br />
Steve Swallow, Greg Osby, Carla Bley,<br />
42 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Bunnyranch <strong>no</strong> Porto e em Aveiro Rodrigo Leão e Cinema Ensemble em digressão John Zorn hoje em Portalegre<br />
DANIEL ROCHA<br />
Steve Coleman, Lester Bowie, Pat<br />
Metheney, John Abercrombie, ou<br />
Gianluca Trovesi, entre muitos<br />
outros, tendo ainda recebido<br />
distinções <strong>de</strong> relevo pelas<br />
prestigiadas revistas “Jazzman” e<br />
“Downbeat”. Apesar <strong>de</strong> não ser<br />
propriamente um i<strong>no</strong>vador, concilia<br />
<strong>de</strong> forma interessante o lado mais<br />
tradicional do jazz com elementos<br />
retirados do rock, música<br />
electrónica ou mesmo da música<br />
tradicional italiana. Acima <strong>de</strong> tudo,<br />
trata-se <strong>de</strong> um instrumentista e<br />
improvisador <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto,<br />
com uma linguagem forte e incisiva<br />
que transforma cada um dos seus<br />
espectáculos numa celebração da<br />
vitalida<strong>de</strong> do <strong>no</strong>vo jazz europeu.<br />
Rodrigo Amado<br />
Gianluca Petrella, a mais<br />
jovem estrela do jazz europeu<br />
Un<strong>de</strong>r-Un<strong>de</strong>rground<br />
Alan Silva / Burton Greene<br />
Com Alan Silva (contrabaixo,<br />
sintetizadores) e Burton Greene<br />
(pia<strong>no</strong>, sintetizadores)<br />
3 <strong>de</strong> Março, Auditório Fundação Cuperti<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
Miranda, Famalicão - 21h30 - 5 Euros<br />
4 <strong>de</strong> Março, Club Setubalense, Setúbal - 22h00<br />
- 4 Euros<br />
5 <strong>de</strong> Março, ZDB, <strong>Lisboa</strong> - 23h00 - 8 Euros<br />
Alan Silva e Burton Greene possuem<br />
um historial <strong>de</strong> realizações musicais<br />
- associado a uma inconstante<br />
presença <strong>no</strong>s palcos internacionais -<br />
que <strong>no</strong>s permite classificar esta<br />
visita ao <strong>no</strong>sso país como um<br />
acontecimento. Em três concertos<br />
que se realizarão nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Alan Silva<br />
Setúbal, Famalicão e <strong>Lisboa</strong>, os dois<br />
irão libertar em palco algum do<br />
génio, loucura e magia que fizeram<br />
<strong>de</strong>les duas das mais importantes<br />
figuras do “un<strong>de</strong>rground” jazz <strong>no</strong>vaiorqui<strong>no</strong><br />
dos a<strong>no</strong>s 60.<br />
Particularmente interessante é o<br />
facto <strong>de</strong> que ambos formaram, em<br />
1963, o Free Form Improvisation<br />
Ensemble, colectivo visionário<br />
<strong>de</strong>dicado à exploração dos <strong>no</strong>vos<br />
caminhos da improvisação livre e da<br />
composição em tempo real, tendo<br />
<strong>de</strong>senvolvido carreiras que se<br />
esten<strong>de</strong>m por cinco décadas <strong>de</strong><br />
i<strong>no</strong>vação musical. Alan Silva tocou<br />
com Cecil Taylor, Sun Ra, Albert<br />
Ayler, Archie Shepp, Bill Dixon ou<br />
Andrew Hill, entre muitos outros, e<br />
Burton Greene com Sam Rivers,<br />
Gato Barbieri e Marion Brown, tendo<br />
recentemente gravado para a editora<br />
Tzadik <strong>de</strong> John Zorn. Ligações que<br />
irão convergir em três espectáculos<br />
que se adivinham memoráveis.<br />
Rodrigo Amado<br />
Agenda<br />
Sexta 27<br />
Maria Bethânia<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />
96. 6ª e Sáb. às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.:<br />
213240580. 30€ a 65€. Camarotes: 150€ a 270€.<br />
Tara Perdida<br />
Porto. Cinema Batalha. Praça da Batalha, 47, às<br />
22h00. Tel.: 222011913. 15€.<br />
Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />
Tomar. Cine-Teatro Paraíso. Rua da Infantaria, 15 -<br />
Edifício Teatro, às 21h30. Tel.: 249329190. 12€ a 15€.<br />
John Zorn + Cyro Baptista<br />
+ Ttukunak<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />
Portalegre. Praça da Republica, 39, às 21h30. Tel.:<br />
245307498. 10€. Passe Festival: 30€. No Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />
Rodrigo Amado Motion Trio<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />
Portalegre. Praça da Republica, 39, às 23h30. Tel.:<br />
245307498. 3€. Passe Festival: 30€. Café-concerto.<br />
Portalegre JazzFest - 7.º Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong><br />
Portalegre. M/4.<br />
The Profilers<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes. Pq. <strong>de</strong><br />
Sinçães. 6ª às 22h00. Tel.: 252371297. 5€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Swing”. M/3.<br />
Celina Pereira + Dany Silva<br />
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />
Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.: 219107110.<br />
10€ a 15€. Descontos para -18 e +65 a<strong>no</strong>s.<br />
No Auditório Jorge Sampaio.<br />
Mornas. M/6.<br />
Honeyboy Hickling<br />
Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda. Rua<br />
Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.<br />
No Peque<strong>no</strong> Auditório. InBlues -<br />
Festival <strong>de</strong> Blues da Guarda 2009.<br />
M/4.<br />
Rose Blanket<br />
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque, às<br />
21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Our Early<br />
Balloons”.<br />
Dimitri From Paris<br />
Estoril. Casi<strong>no</strong> Estoril. Pç. José Teodoro dos Santos,<br />
às 00h00. Tel.: 214667700. 10€ (oferta <strong>de</strong> 2 bebidas).<br />
No Salão Preto e Prata.<br />
Bossa Nossa<br />
Coimbra. Fnac (Fórum Coimbra). Quinta <strong>de</strong> São<br />
Gemil, às 22h00. Tel.: 707313435. Entrada livre.<br />
Joana Costa<br />
Maia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira da<br />
Silva, 779, às 23h00. Tel.: 229829425. 5€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Recado”.<br />
Sete Lágrimas<br />
Almada. Fnac (Almada Fórum). Caminho <strong>Municipal</strong><br />
1101 - Vale <strong>de</strong> Mourelos. 6ª às 21h30. Tel.: 707313435.<br />
Entrada livre.<br />
Bunnyranch<br />
Porto. Porto-Rio. Rua do Ouro - Barco Gandufe, às<br />
00h00. Tel.: 917871912.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “...How To Wait”.<br />
Sábado 28<br />
Joana Costa na Maia<br />
The Datsuns<br />
<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />
Santiago, 19, às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.:<br />
218884503. 18€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Head Stunts”.<br />
Deus.Pátria.Revolução<br />
De Luísa Costa Gomes, Luís<br />
Bragança Gil. Ce<strong>no</strong>grafia: João<br />
Men<strong>de</strong>s Ribeiro, Luísa<br />
Bebia<strong>no</strong> Correia.<br />
Direcção Musical:<br />
Luís Bragança Gil.<br />
Com Alexandra<br />
Moura (sopra<strong>no</strong>),<br />
Inês Ma<strong>de</strong>ira (mezzosopra<strong>no</strong>),<br />
Fernando Guimarães<br />
(te<strong>no</strong>r), Rui Baeta (baríto<strong>no</strong>). Com<br />
Sérgio Fontão (assistente musical),<br />
Nicholas McNair (assistente<br />
musical), Didier Chazeau (assistente<br />
cénico e coreográfico), Coro Voces<br />
Caelestes. Com Orquestra<br />
Aldrabófona. Encenação: João<br />
Men<strong>de</strong>s Ribeiro, Luísa Bebia<strong>no</strong><br />
Correia.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do Império.<br />
2ª e Sáb. às 21h00.Dom. às 17h00. Tel.: 213612400.<br />
12,5€ a 15€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />
No Peque<strong>no</strong> Auditório. Teatro<br />
musical. M/12.<br />
Ver texto págs. 20 e 21<br />
Hakan Har<strong>de</strong>nberger e Orquestra<br />
Nacional do Porto<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 18h00. Tel.: 220120220. 16€. Jantarconcerto:<br />
30€.<br />
Na Sala Suggia. Obras <strong>de</strong> Brahms,<br />
Martinsson e Chostakovitch.<br />
Sherman Robertson<br />
Seia. Casa <strong>Municipal</strong> da Cultura <strong>de</strong> Seia. Avenida<br />
Luís Vaz <strong>de</strong> Camões, às 21h45. Tel.: 238310251. 3€.<br />
Passe Festival: 10€. Desconto com Cartão M.<br />
Juventu<strong>de</strong> e Idoso.<br />
Space Ensemble<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo <strong>de</strong><br />
Portalegre. Praça da Republica, 39, às 23h30.<br />
Tel.: 245307498. 3€. Passe Festival: 30€.<br />
Café-concerto. Spy<br />
Quintet. Portalegre<br />
JazzFest - 7.º<br />
Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Jazz<br />
<strong>de</strong> Portalegre. M/4.<br />
Rodrigo Leão<br />
& Cinema Ensemble<br />
Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes.<br />
Jardim dos Centenários, às 22h30. Tel.: 258520520.<br />
13€. No auditório.<br />
António Pinho Vargas<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes <strong>de</strong> Vila Nova<br />
<strong>de</strong> Famalicão. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 22h00. Tel.:<br />
252371297. 8€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/3.<br />
Rita Redshoes<br />
Pare<strong>de</strong>s. Casa da Cultura <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>s. Av. República,<br />
176, às 21h30. Tel.: 255780440. 1€.<br />
Baile dos Vampiros 2009<br />
Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira,<br />
108, às 23h59. Tel.: 222003595.15€.<br />
Com Clã, DJ Kitten, DJ Nacho e DJ Luís<br />
Machado. Fantasporto 2009 - Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Cinema do Porto.<br />
Camané<br />
Seixal. Fórum Cultural do Seixal. Qta. dos Franceses,<br />
às 21h30. Tel.: 212226411.10€.<br />
No Auditório <strong>Municipal</strong>. Apresentação<br />
<strong>de</strong> “Sempre <strong>de</strong> Mim”. M/6.<br />
Segunda 2<br />
Simone & Zélia Duncan<br />
Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos. R.<br />
Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.: 233407200. 35€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Apresentação<br />
<strong>de</strong> “Amigo é Casa”. M/6.<br />
Ver texto pág. 16<br />
Terça 3<br />
Simone & Zélia Duncan<br />
Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às<br />
21h30. Tel.: 223394947. 18€ a 52€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Amigo é Casa”. M/6.<br />
Rodrigo Leão<br />
& Cinema Ensemble<br />
O<strong>de</strong>mira. Cine-Teatro Camacho Costa. Praçeta<br />
Sousa Prado, 4, às 21h30. Tel.: 283320880.<br />
Quarta 4<br />
Bunnyranch<br />
Aveiro. Teatro Aveirense. Pç. República, às 22h00.<br />
Tel.: 234400922. 4€.<br />
Na Sala Estúdio. Apresentação <strong>de</strong><br />
“...How To Wait”.<br />
Rodrigo Leão & Cinema<br />
Ensemble<br />
Évora. Teatro Garcia <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Pç. Joaquim<br />
António <strong>de</strong> Aguiar, às 21h30. Tel.: 266703112. 15€ a<br />
25€.<br />
Quinta 5<br />
Dual I<strong>de</strong>ntity<br />
Com Steve Lehman (saxofone),<br />
Rudresh Mahnathappa (saxofone),<br />
Liberty Ellman (guitarra), Matt<br />
Brewer (contrabaixo), Damion<br />
Reid (bateria).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />
No Peque<strong>no</strong> Auditório. Ciclo Isto É<br />
Jazz? M/12.<br />
Alisa Weilerstein<br />
e Orquestra Gulbenkian<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 21h00. 6ª às 19h00.<br />
Tel.: 217823700. 10€ a 20€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />
Wagner e Walton.<br />
André Fernan<strong>de</strong>s Quarteto<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às<br />
22h00. Tel.: 253203800. 10€ (dia). Passe Festival:<br />
40€.<br />
Na Sala Principal. BragaJazz 2009.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Imaginário”.<br />
Rodrigo Leão<br />
& Cinema Ensemble<br />
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />
5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 10€ a 20€<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 43
Discos<br />
Pop<br />
Os U2 pelos U2, um par <strong>de</strong> belos singles<br />
Os U2 explicados<br />
pelos<br />
próprios<br />
Compêndio <strong>de</strong> carreira<br />
<strong>de</strong>vidamente vitaminado por<br />
uma louvável dose <strong>de</strong> autoconfiança.<br />
Mário Lopes<br />
U2<br />
No Line On The Horizon<br />
Island; distri. Universal Music<br />
mmmnn<br />
Os U2 po<strong>de</strong>m viajar<br />
até Fez, anunciar<br />
uma mudança<br />
so<strong>no</strong>ra que<br />
implicará transe<br />
africa<strong>no</strong>, prometer<br />
mil surpresas e reconversões que,<br />
chegados a este ponto (três décadas<br />
<strong>de</strong> carreira e estatuto <strong>de</strong> maior<br />
banda do mundo), a certeza é uma e<br />
apenas uma: po<strong>de</strong>mos tirar os U2 do<br />
seu habitat, mas os U2 nunca<br />
abandonam os U2.<br />
Quer isto dizer que “No Line On<br />
The Horizon”, 12º álbum e aquele que<br />
põe fim ao maior hiato entre edições<br />
da banda irlan<strong>de</strong>sa, não é a surpresa<br />
que os autores <strong>de</strong> “Boy” anunciavam.<br />
Isso será problemático quando<br />
confrontado com a “bouta<strong>de</strong>” recente<br />
<strong>de</strong> Bo<strong>no</strong>: “Se este não for o <strong>no</strong>sso<br />
melhor álbum, então somos<br />
irrelevantes.” Se o amigo põe as coisas<br />
nesses termos, vemo-<strong>no</strong>s obrigados a<br />
assinar o seu atestado <strong>de</strong> irrelevância,<br />
o que é injusto, tendo em conta o seu<br />
peso <strong>no</strong> pa<strong>no</strong>rama musical da<br />
actualida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>veras aborrecido,<br />
consi<strong>de</strong>rando o mediatismo que<br />
envolve toda e qualquer activida<strong>de</strong><br />
relacionada com a sua banda.<br />
Porém, ig<strong>no</strong>rando as altas<br />
ANTON CORBIJN<br />
expectativas <strong>de</strong>positadas pelos<br />
próprios em “No Line On The<br />
Horizon”, a inexistência <strong>de</strong> uma<br />
metamorfose ao nível <strong>de</strong> “Achtung<br />
Baby” não é propriamente uma<br />
<strong>de</strong>silusão. O <strong>no</strong>vo álbum dos U2 é um<br />
compêndio <strong>de</strong> carreira <strong>de</strong>vidamente<br />
vitaminado por uma louvável dose <strong>de</strong><br />
auto-confiança.<br />
Temos, portanto, a produção <strong>de</strong><br />
Brian E<strong>no</strong> e Daniel La<strong>no</strong>is a empregar<br />
um tom etéreo, orgânico-digital, ao<br />
entorpecente tema-título - os<br />
sintetizadores, um groove<br />
serpenteante e Bo<strong>no</strong> a ce<strong>de</strong>r, como<br />
habitualmente, aos “oh oh oh” que<br />
põem estádios em ebulição. Temos a<br />
abordagem soul <strong>de</strong> “Moment of<br />
surren<strong>de</strong>r”, canção <strong>no</strong>cturna, canção<br />
<strong>de</strong> solidão na metrópole, com sons<br />
borbulhantes como pa<strong>no</strong> <strong>de</strong> fundo e<br />
um solo guitarra Floydia<strong>no</strong> a acentuar<br />
a serenida<strong>de</strong> épica dos sete minutos<br />
<strong>de</strong> música. Temos um riff pedido<br />
emprestado aos Led Zeppelin a<br />
originar a auto-sátira <strong>de</strong> “Stand up<br />
comedy” e o muito dançante<br />
hedonismo do primeiro single “Get on<br />
your boots” - ligação directa a<br />
“Achtung baby” e espaço para os U2<br />
flirtarem com a luxúria: “I don’t want<br />
to talk about wars between nation /<br />
Not right <strong>no</strong>w / Hey sexy boots.”<br />
Entre os U2 em piloto automático<br />
(conferir a festa para yuppie <strong>de</strong>lirar<br />
<strong>de</strong> “I’ll go crazy if I don’t go crazy<br />
tonight”), os U2 da guitarra<br />
reverberante <strong>de</strong> Edge (“Unk<strong>no</strong>w<br />
caller” tem força congregadora e é<br />
bem vinda canção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
vintage) e os U2 enquanto pais <strong>de</strong><br />
Killers e afins (tudo explicado pelo<br />
músculo rock, perfeição asséptica,<br />
<strong>de</strong> “Breathe”), “No Line On The<br />
Horizon” tem um pouco <strong>de</strong> tudo o<br />
que fez a história da banda. Tem o<br />
jogo entre o conservadorismo rock e<br />
o experimentalismo da produção; o<br />
tom confessional, eternamente<br />
optimista, e o abrir as goelas ao<br />
mundo para todo o mundo ouvir (e<br />
replicar); o tom ambiental <strong>de</strong><br />
“Unforgettable Fire”, a Americana<br />
polida <strong>de</strong> “Joshua Tree” e a tentação<br />
épica que se tor<strong>no</strong>u componente<br />
essencial do código genético da<br />
banda.<br />
Resumindo: “No Line On The<br />
Horizon” são os U2 pelos U2. Tem um<br />
par <strong>de</strong> bons singles, como eles sempre<br />
tiveram, e os tiques que já se tornaram<br />
cliché. Os fãs entusiasmam-se e<br />
acrescentam um volume à discografia,<br />
os restantes assobiam para o lado e<br />
seguem com a sua vidinha.<br />
Chango Spasiuk<br />
Pynandí<br />
World Village, distri. Harmonia<br />
Mundi<br />
mmmmn<br />
Chango<br />
Spasiuk, um dos<br />
<strong>no</strong>mes maiores<br />
da música<br />
lati<strong>no</strong>-americana<br />
O chamamé é o som<br />
do <strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste remoto<br />
da Argentina, na<br />
fronteira com o<br />
Brasil. Uma música<br />
centrada na polka e<br />
<strong>no</strong> acor<strong>de</strong>ão, o “pia<strong>no</strong> dos pobres”<br />
trazido pelos emigrantes europeus<br />
que assentaram na região ao longo do<br />
século XIX. Mas é também uma<br />
Simone e Zélia Duncan, tributo à música e à amiza<strong>de</strong><br />
música mestiça, que foi ganhando<br />
<strong>no</strong>vas colorações <strong>no</strong> convívio com as<br />
percussões dos escravos africa<strong>no</strong>s e as<br />
tradições musicais dos indígenas<br />
Guaraní. Nunca <strong>de</strong>ixou, porém, <strong>de</strong> ser<br />
uma música <strong>de</strong> camponeses, ig<strong>no</strong>rada<br />
ou <strong>de</strong>squalificada pelas elites culturais<br />
<strong>de</strong> Bue<strong>no</strong>s Aires.<br />
Chango Spasiuk assume esse legado<br />
musical e as causas das comunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> que proce<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo<br />
indica o título do <strong>no</strong>vo álbum: chamase<br />
“Pynandí”, o que em Guarani<br />
significa pés <strong>de</strong>scalços e por extensão<br />
<strong>de</strong>signa os camponeses que vivem <strong>no</strong><br />
limiar da pobreza. Mas se a música<br />
que produz se enraíza nessa música<br />
rural, a sua aproximação <strong>de</strong><strong>no</strong>ta uma<br />
complexida<strong>de</strong> e requinte totalmente à<br />
margem das suas tradições.<br />
Salvaguardadas as <strong>de</strong>vidas<br />
distâncias, Chango Spasiuk está para o<br />
chamamé como Astor Piazzola para o<br />
tango. Ou seja, é o artista que marca o<br />
ponto <strong>de</strong> viragem, que revoluciona<br />
um som popular e marginal,<br />
elevando-o à dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> música <strong>de</strong><br />
concerto. É essa via <strong>de</strong><br />
experimentação que o acor<strong>de</strong>onista<br />
escolheu e que agora, aos 40 a<strong>no</strong>s,<br />
atinge a plena maturida<strong>de</strong>, num disco<br />
na maior parte instrumental, que<br />
ensaia subtilmente a aproximação à<br />
música <strong>de</strong> câmara. Instrumentos da<br />
tradição clássica oci<strong>de</strong>ntal, como o<br />
violi<strong>no</strong> e o violoncelo, inclusive um<br />
violi<strong>no</strong> barroco, cruzam-se com tamtams<br />
africa<strong>no</strong>s, docemente<br />
tamborilados em caixas <strong>de</strong> percussão,<br />
sustentando um acor<strong>de</strong>ão que se<br />
<strong>de</strong>sdobra entre melodias populares e<br />
improvisos virtuosos.<br />
É uma música ao mesmo tempo<br />
aérea e telúrica, feita <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong><br />
humores e <strong>de</strong> paisagens, ora<br />
<strong>no</strong>stálgicas e românticas, ora efusivas<br />
e radiosas, mas sempre elegante e<br />
sofisticada. Tem essa aura <strong>de</strong> magia<br />
que se reconhece, por exemplo, <strong>no</strong>s<br />
melhores Daniel La<strong>no</strong>is e Penguin<br />
Cafe Orchestra, certificando Chango<br />
Spasiuk como um dos <strong>no</strong>mes maiores<br />
da música lati<strong>no</strong>-americana da<br />
actualida<strong>de</strong>. Luís Maio<br />
Simone & Zélia Duncan<br />
Amigo é Casa - Ao Vivo<br />
CD ou DVD Biscoito Fi<strong>no</strong>, distri. IPlay<br />
mmmmn<br />
Há duplas que não<br />
resultam ou nada<br />
acrescentam à<br />
simples soma das<br />
partes. Mas a que<br />
juntou as cantoras<br />
brasileiras Simone e Zélia Duncan,<br />
num espectáculo em 2008, é das<br />
mais felizes dos últimos a<strong>no</strong>s. Me<strong>no</strong>s<br />
visceral mas também me<strong>no</strong>s<br />
superficial do que a <strong>de</strong> Seu Jorge com<br />
Ana Carolina (um êxito), esta assenta<br />
na exploração hábil <strong>de</strong> laços e dotes<br />
comuns, do timbre vocal (diferente,<br />
mas incrivelmente harmónico <strong>no</strong>s<br />
unísso<strong>no</strong>s) à partilha do reportório,<br />
muito bem escolhido e igualmente<br />
bem interpretado. Do lírico “Alguém<br />
cantando” (Caeta<strong>no</strong> Veloso) ao<br />
ragtime “Agito e uso” (Ângela Ro Ro),<br />
passando pelo rock “Petúnia resedá”<br />
(Gonzaga Jr.) ou pelo quase rap<br />
The (International) Noise Conspiracy:<br />
fingirem que tudo continua como<br />
dantes, neste contexto, é uma <strong>de</strong>silusão<br />
“Kitnet” (Alzira E/Arruda), Simone e<br />
Zélia empenham-se a fundo num<br />
espectáculo que, <strong>no</strong> CD, chega quase<br />
aos 65 minutos (18 temas) e <strong>no</strong> DVD<br />
ultrapassa hora e meia (26 temas, 98<br />
minutos). Sendo a mesma gravação,<br />
captada ao vivo, a do DVD permite<br />
mergulhar mais profundamente na<br />
essência do espectáculo e perceber<br />
com porme<strong>no</strong>r as subtilezas dos<br />
muitos duetos (até por tirar bom<br />
partido do movimento das câmaras,<br />
o que nem sempre suce<strong>de</strong>). Além<br />
disso, <strong>no</strong> único extra, gravado em<br />
casa <strong>de</strong> Simone, ouve-se a canção<br />
que dá título ao trabalho: “Amigo é<br />
Casa”. Um tributo à música e à<br />
amiza<strong>de</strong>. Nu<strong>no</strong> Pacheco<br />
The (International) Noise<br />
Conspiracy<br />
The Cross Of My Calling<br />
American Recordings; distri. E<strong>de</strong>l<br />
mmmnn<br />
Os The<br />
(International) Noise<br />
Conspiracy foram<br />
das melhores coisas<br />
que este início <strong>de</strong><br />
século XXI <strong>no</strong>s<br />
ofereceu <strong>no</strong> binómio rock’n’roll /<br />
salvação do mundo. Música que servia<br />
o corpo, violentamente sensual, e que<br />
se erguia sobre tradições activistas (<strong>de</strong><br />
esquerda, provi<strong>de</strong>ncialmente).<br />
Basicamente, sexo e revolução:<br />
canções obrigando ao mui cool<br />
menear <strong>de</strong> ancas, enquanto o<br />
vocalista Dennis Lyxzén disparava<br />
panfletos revolucionários portáteis.<br />
Pois agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um confuso<br />
“Armed Love” (álbum negligenciável<br />
<strong>de</strong> 2004), tinham tudo a seu favor: o<br />
capitalismo mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> em cacos,<br />
Fukuyama, corado <strong>de</strong> vergonha, a<br />
fingir que aquela tirada do “fim da<br />
História” foi apenas reflexo <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>slumbramento infantil e o mundo à<br />
procura <strong>de</strong> acertar passo com uma<br />
<strong>no</strong>va era. E que fazem eles? O mesmo<br />
<strong>de</strong> sempre, com duas nuances: abrem<br />
espaço para a revolução individual<br />
(“The assassination of myself”) e<br />
investem na negritu<strong>de</strong> (“The Cross Of<br />
My Calling” é todo o funk possível em<br />
garage-rockers e tem Funka<strong>de</strong>lic e Sly<br />
Stone por todo o lado). Isso até resulta<br />
em coisas magníficas como o refrão<br />
contagiante <strong>de</strong> “Hiroshima mon<br />
amour” ou a bamboleante “I am<br />
dynamite”, que tem congas e órgão<br />
Hammond a trabalhar o “boogie”<br />
como se <strong>de</strong>seja. Com as erupções<br />
44 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Internet<br />
Estamos online. Entre em<br />
www.ipsilon.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
con<strong>no</strong>sco.<br />
Nelson Cascais volta a <strong>de</strong>ixar<br />
uma forte marca <strong>no</strong> jazz nacional<br />
RENATO NUNES<br />
ão<br />
eléctricas à The Who, com o “Spanish<br />
bombs” dos Clash inspirando<br />
“Washington bullets”, com sangue<br />
“funk” latejando à superfície, este é<br />
um óptimo álbum <strong>de</strong> rock’n’roll. Sexo<br />
e revolução muito <strong>de</strong> acordo com a<br />
cartilha The (International) Noise<br />
Conspiracy. Acontece que a banda<br />
sueca sempre quis actuar sobre o<br />
presente e estes tempos seriam<br />
perfeitos para o fazerem. Fingirem<br />
que tudo continua como dantes, neste<br />
contexto, é uma <strong>de</strong>silusão. M.L.<br />
Clássica<br />
Erik Satie,<br />
um excêntrico<br />
genial<br />
Alexandre Tharaud revela<br />
os meandros inesgotáveis<br />
da imaginação <strong>de</strong> Erik Satie<br />
num irresistível álbum<br />
duplo. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Erik Satie<br />
Avant-<strong>de</strong>rnières Pensées<br />
Alexandre Tharaud e Éric le Sage<br />
(pia<strong>no</strong>)<br />
Juliette e Jean Delescluse (canto)<br />
Isabelle Faust (violi<strong>no</strong>), David<br />
Guerrier (trompete)<br />
Harmonia Mundi HMC 902017.18 (2 CD)<br />
mmmmm<br />
O recente projecto do pianista<br />
Alexandre Tharaud em tor<strong>no</strong> da<br />
música <strong>de</strong> Erik Satie constitui mais<br />
uma prova das suas infinitas<br />
qualida<strong>de</strong>s musicais<br />
e da sua inteligência<br />
interpretativa e<br />
conceptual. Num<br />
álbum duplo<br />
irresistível oferece<strong>no</strong>s<br />
uma antologia criteriosa da obra<br />
do excêntrico compositor francês que<br />
<strong>no</strong>s permite aferir as múltiplas facetas<br />
<strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong> fora do comum<br />
e cuja imagem musical corrente junto<br />
do gran<strong>de</strong> público se resume às séries<br />
<strong>de</strong> “Gym<strong>no</strong>pédies”, às “G<strong>no</strong>ssienes” e<br />
a alguns (poucos) trechos vocais.<br />
O primeiro CD, <strong>de</strong>dicado ao pia<strong>no</strong><br />
solo, inclui apenas a “Gym<strong>no</strong>pédie”<br />
nº 1 e intercala as seis “G<strong>no</strong>ssiennes”<br />
com outras peças <strong>de</strong> carácter<br />
contrastante - da ligeireza brilhante da<br />
música <strong>de</strong> café concerto expressa em<br />
“Picadilly” e na valsa “Poudre d’Or” às<br />
miniaturas humorísticas como os<br />
“Véritables Prélu<strong>de</strong>s flasques (pour un<br />
chien)” ou os “Embryons <strong>de</strong>sséchés”,<br />
passando pelas “Piéces Froi<strong>de</strong>s” ou<br />
pelos “Avant-<strong>de</strong>rnières Pensées” que<br />
dão <strong>no</strong>me ao disco.<br />
Em cada um <strong>de</strong>stes microcosmos,<br />
cada <strong>no</strong>ta e cada acor<strong>de</strong> são<br />
trabalhados com gran<strong>de</strong> preciosismo<br />
ao nível do peso dinâmico e da cor<br />
so<strong>no</strong>ra sem <strong>de</strong>ixar<br />
per<strong>de</strong>r a flui<strong>de</strong>z do<br />
discurso. Nas mãos<br />
<strong>de</strong> outro<br />
pianista as<br />
Alexandre Tharaud oferece-<strong>no</strong>s<br />
uma antologia criteriosa da obra do<br />
excêntrico compositor francês<br />
“Descriptions Automatiques”<br />
correriam o risco <strong>de</strong> se tornarem<br />
fragmentos sem sentido, mas com<br />
Tharaud a sua dimensão mecânica,<br />
quase seca, ganha uma <strong>no</strong>va luz, que<br />
contrasta com a poesia enigmática das<br />
“G<strong>no</strong>ssienes”. Uma curiosida<strong>de</strong><br />
inédita são as sete peças escritas para<br />
a comédia lírica “Le Piège <strong>de</strong><br />
Méduse”, aqui tocadas pela primeira<br />
vez em pia<strong>no</strong> preparado (através da<br />
colocação <strong>de</strong> peque<strong>no</strong>s pedaços <strong>de</strong><br />
papel nas cordas), <strong>de</strong> acordo com um<br />
relato da época. Frequente-mente<br />
negligenciada pelo ensi<strong>no</strong> académico<br />
do pia<strong>no</strong> pelo facto <strong>de</strong> não exigir um<br />
gran<strong>de</strong> virtuosismo técnico, a música<br />
<strong>de</strong> Satie apenas atinge a sua plenitu<strong>de</strong><br />
através <strong>de</strong> uma combinação <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>s à primeira vista<br />
contraditórias (<strong>de</strong>spojamento, ironia,<br />
irreverência, mistério, introspecção)<br />
que Tharaud encarna com aguda<br />
perspicácia.<br />
O segundo CD (“Duos”) é também<br />
um puro <strong>de</strong>leite, incluindo uma<br />
empolgante parceria com Éric Le Sage<br />
nas peças para pia<strong>no</strong> a quatro mãos<br />
(“La Belle Excentrique”, “Trois<br />
Morceaux en forme <strong>de</strong> poire” e<br />
“Cinéma”, um arranjo <strong>de</strong> Darius<br />
Milhaud da música concebida para<br />
acompanhar o filme <strong>de</strong> René Clair<br />
que serviu <strong>de</strong> interlúdio <strong>no</strong> bailado<br />
“Relâche”). Para as canções <strong>de</strong><br />
cabaret (como a famosa “Diva <strong>de</strong><br />
l’Empire”) foi a<strong>de</strong>quadamente<br />
escolhida uma cantora próxima<br />
<strong>de</strong>sse universo (Juliette) em vez <strong>de</strong><br />
uma intérprete <strong>de</strong> formação<br />
lírica, enquanto o te<strong>no</strong>r<br />
Jean Delescluse <strong>no</strong>s<br />
oferece elegantes e<br />
<strong>de</strong>puradas versões<br />
<strong>de</strong> outras páginas<br />
vocais,<br />
incluindo um<br />
contagiante<br />
“Allons-y<br />
Chochotte!”.<br />
Destacamse<br />
ainda as<br />
participações da<br />
violinista Isabelle Faust<br />
(“Chooses vues a droite et<br />
à gauche - sans lunettes”) e<br />
do trompetista David<br />
Guerrier em mais uma<br />
rarida<strong>de</strong>: “La Statue Retrouvée”.<br />
Jazz<br />
Um quinteto<br />
em estado <strong>de</strong><br />
glória<br />
Nelson Cascais regressa em<br />
força com aquele que é já<br />
um dos gran<strong>de</strong>s discos <strong>de</strong><br />
jazz do a<strong>no</strong>. Paulo Barbosa<br />
Nelson Cascais<br />
Guruka<br />
Toneofapithc; Dist. Dargil<br />
mmmmm<br />
“Guruka” pren<strong>de</strong> a<br />
atenção logo em<br />
“1984”, uma<br />
composição que,<br />
como tantas outras<br />
<strong>de</strong> Nelson Cascais,<br />
apresenta uma força melódica <strong>de</strong><br />
características hínicas, enfatizada<br />
pelo unísso<strong>no</strong> da guitarra <strong>de</strong> André<br />
Fernan<strong>de</strong>s e do sax te<strong>no</strong>r <strong>de</strong> Pedro<br />
Moreira e acrescida do po<strong>de</strong>r<br />
rítmico do rock.<br />
Rejuvenescido e, aparentemente,<br />
em contínua evolução, o saxofonista<br />
Pedro Moreira é responsável por um<br />
solo que quebra por completo com o<br />
que <strong>de</strong> mais previsível possa haver<br />
<strong>no</strong> fraseio típico do jazz,<br />
aproximando-se do omnitonalismo,<br />
quando não mesmo <strong>de</strong> um<br />
pantonalismo ainda mais “ao lado”<br />
do centro tonal do tema, sem que<br />
com isso - e aqui resi<strong>de</strong> o mais difícil<br />
- comprometa a natureza acessível e<br />
quase dançável da composição <strong>de</strong><br />
Cascais. E porque <strong>de</strong>pois da<br />
tempesta<strong>de</strong> se espera a bonança, o<br />
pia<strong>no</strong> eléctrico <strong>de</strong> João Paulo Esteves<br />
da Silva volta a colocar a melodia em<br />
primeiro pla<strong>no</strong>, até uma breve<br />
retoma do tema por todo o grupo,<br />
do qual se ergue a guitarra <strong>de</strong> André<br />
Fernan<strong>de</strong>s para o terceiro <strong>de</strong> uma<br />
série <strong>de</strong> inspirados solos. Após um<br />
segundo regresso ao tema, é a vez <strong>de</strong><br />
brilhar Iago Fernan<strong>de</strong>z, um baterista<br />
a quem o futuro irá seguramente<br />
piscar o olho.<br />
A faixa-título, um unísso<strong>no</strong><br />
repetitivo <strong>de</strong> flauta e guitarra, <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>s quase infantis e<br />
representando o minuto me<strong>no</strong>s<br />
inspirado do disco, é o contexto que<br />
faz arrancar o majestoso contrabaixo<br />
em solo absoluto que introduz <strong>de</strong>pois<br />
“O Centro do Mundo”, faixa que<br />
disputa com “Zulu Baby” o lugar <strong>de</strong><br />
tema central do álbum. O certo é que<br />
ambos ostentam a óbvia assinatura <strong>de</strong><br />
Nelson Cascais e uma impressionante<br />
sequência <strong>de</strong> improvisações.<br />
“Saboteur” é o original <strong>de</strong> Cascais que<br />
mais facilmente po<strong>de</strong>ria provir da<br />
sessão da qual resultou o anterior<br />
“Nine Stories”, sendo <strong>de</strong> especial <strong>no</strong>ta<br />
o portento do contrabaixo do lí<strong>de</strong>r,<br />
em solo ou a acompanhar.<br />
“PC” é uma sentida <strong>de</strong>dicatória <strong>de</strong><br />
Pedro Moreira ao pianista<br />
ma<strong>de</strong>irense Paulo Correia, um<br />
“rubato” on<strong>de</strong> a espiritualida<strong>de</strong><br />
“coltraneana” se mistura com a do<br />
bom Garbarek <strong>de</strong> há 30 a<strong>no</strong>s e com o<br />
sufoco do “Love Theme” <strong>de</strong> “Bla<strong>de</strong><br />
Runner”. Ainda mais comovente será<br />
“Yuliya”, uma autêntica “canção” do<br />
baterista Mathieu Chazarenc, tomada<br />
em trio, com especial enfoque <strong>no</strong><br />
contrabaixo do lí<strong>de</strong>r, mas com<br />
excelentes prestações também do<br />
pianista e do baterista.<br />
Surpreen<strong>de</strong>ntes intervalos melódicos<br />
permitem <strong>de</strong> imediato reconhecer<br />
“Radio Days” como um tema <strong>de</strong><br />
André Fernan<strong>de</strong>s e é exactamente<br />
nessa sua criação que o guitarrista<br />
<strong>no</strong>s oferece um dos seus solos mais<br />
arrebatadores <strong>de</strong> todo o álbum.<br />
O <strong>de</strong>sfecho não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />
melhor forma: com uma comovente<br />
versão <strong>de</strong> “Silence”, <strong>de</strong> Charlie Ha<strong>de</strong>n,<br />
uma balada engenhosamente<br />
sobreposta a uma agitada trama<br />
rítmica, na qual o baterista<br />
quadruplica o tempo, e dominada<br />
pelo contrabaixo <strong>de</strong> um músico que<br />
aqui volta a <strong>de</strong>ixar uma forte marca<br />
<strong>no</strong> jazz nacional.<br />
musica.clix.pt<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 45
DAVID BURNETT/ CONTACT PRESS IMAGES<br />
Quando M<br />
era apenas um tipo,<br />
David Burnett foi fotografar o “reggae” a Kingston mas não sabia quem era B<br />
um livro <strong>de</strong> fotos e a filha e os amigos ainda penduram posters <strong>de</strong> Bob <strong>no</strong><br />
Em 1976, o fotojornalista David Burnett<br />
foi enviado pela revista “Time”<br />
à Jamaica como correspon<strong>de</strong>nte. A<br />
sua missão era escrever um artigo<br />
sobre a música reggae da ilha. A<br />
estrela era Bob Marley, claro. No<br />
entanto, havia um peque<strong>no</strong> problema.<br />
“Tenho <strong>de</strong> confessar que<br />
nunca tinha ouvido falar do Bob até<br />
à semana anterior à viagem”, conta<br />
Burnett. “Um dos investigadores com<br />
quem eu trabalhava disse: ‘Vais fazer<br />
uma peça sobre reggae, por isso precisamos<br />
<strong>de</strong> algo com o Bob Marley.’<br />
Eu respondi: ‘Quem é o Bob Marley?’”<br />
“One love, one heart”... e sem a<br />
mínima i<strong>de</strong>ia!<br />
Burnett ri-se. É especialmente<br />
engraçado agora, tendo em conta que<br />
o fotógrafo e co-fundador da agência<br />
fotográfica Contact Press Images<br />
acaba <strong>de</strong> publicar um livro, “Soul<br />
Rebel: An Intimate Portrait of Bob<br />
Marley”, com correspon<strong>de</strong>nte exposição<br />
que acaba <strong>de</strong> ser inaugurada na<br />
Govinda Gallery <strong>de</strong> Washington.<br />
“Em 1976, a maioria das pessoas<br />
neste país não sabia o que o reggae<br />
era”, diz Burnett. “Sabíamos o que o<br />
calypso [estilo <strong>de</strong> musica afro-caraibea<strong>no</strong>]<br />
era; tínhamos, <strong>de</strong> certa forma,<br />
crescido com ‘The Banana Boat Song/<br />
Day-O’, <strong>de</strong> Harry Belafonte, mesmo<br />
que não soubéssemos o que significava.<br />
Mas era preciso procurar entre<br />
pessoas que enten<strong>de</strong>ssem mesmo <strong>de</strong><br />
música para encontrar alguém que<br />
soubesse realmente o que era o reggae.<br />
Eu não saiba... Mas isto foi antes<br />
<strong>de</strong> <strong>no</strong>s po<strong>de</strong>rmos sentar em frente<br />
do computador e ir ao Google investigar<br />
qualquer assunto.”<br />
Burnett fotografou Marley <strong>de</strong>ntro<br />
e à volta do seu recinto na Hope Road,<br />
em Kingston, Jamaica, e a “Time”<br />
acabou por publicar uma única imagem<br />
do ícone mundial emergente,<br />
uma minúscula fotografia a preto-ebranco.<br />
Mas o jovem fotógrafo <strong>de</strong><br />
Utah tinha centenas <strong>de</strong> outras fotos<br />
<strong>de</strong> Marley, em conjunto com alguns<br />
dos pioneiros do reagge, como Peter<br />
Tosh, Burning Spear e Lee “Scratch”<br />
Perry. Burnett aumentou a sua colecção<br />
um a<strong>no</strong> mais tar<strong>de</strong>, quando a<br />
“Rolling Stone” o enviou para a<br />
Europa durante a tournée <strong>de</strong> Marley,<br />
“Exodus”, para fotografar tudo,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os “sound checks” e jogos <strong>de</strong><br />
futebol aos momentos mais sossegados<br />
e contemplativos <strong>no</strong> autocarro.<br />
“Era interessante” conta, “porque a<br />
carreira <strong>de</strong> Bob começava naquele<br />
momento a levantar voo, mas ele<br />
tinha os pés bem assentes <strong>no</strong> chão.<br />
Tinha um bom autocarro, mas eu<br />
tinha estado em autocarros melhores<br />
<strong>no</strong> Iowa com políticos que apenas<br />
conseguiam 12 votos.”<br />
Legado<br />
O portfólio <strong>de</strong> Burnett está cheio <strong>de</strong><br />
lí<strong>de</strong>res mundiais e outras figuras<br />
famosas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes e papas<br />
até ao Ayatollah Khomeini. (A capa<br />
da “Time” da edição controversa que<br />
elegia o homem do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1979 era<br />
um retrato <strong>de</strong> Khomeini tirado por<br />
Burnett.) Mas havia algo particularmente<br />
inesquecível em Bob Marley,<br />
e não era só por ele ser tão simpático<br />
e fácil <strong>de</strong> chegar.<br />
“Era mesmo um trabalho <strong>de</strong> sonho,<br />
porque o Bob estava feliz por estar<br />
con<strong>no</strong>sco, ele dava muito <strong>de</strong> si<br />
quando o fotografávamos. Ele podia<br />
olhar em todas as direcções que eu<br />
não conseguia errar... O Bob tinha<br />
uma expressão facial maravilhosa -<br />
uma óptima cara e uma óptima presença.<br />
Não era só ter bom aspecto - e<br />
tinha. Nós é que sentíamos algo mais<br />
do que o que víamos pelo visor da<br />
câmara.”<br />
Tanta sabedoria. Tanto carisma -<br />
como se estivéssemos na presença<br />
<strong>de</strong> João Paulo II, diz Burnett, que fotografou<br />
o Papa. “Há poucas pessoas<br />
que têm este ar tão carismático. O<br />
Bob era só um tipo, mas era ‘o’<br />
tipo.”<br />
Marley morreu em 1981, <strong>de</strong> cancro,<br />
aos 36 a<strong>no</strong>s. Tinha um estatuto<br />
icónico, senão messiânico, por todo<br />
o mundo. E o tempo quase não afectou<br />
o seu legado. “Legend”, uma<br />
compilação da mú-sica <strong>de</strong> Marley<br />
póstuma editada em 2002, tor<strong>no</strong>u-se<br />
um dos álbuns <strong>de</strong> reggae mais vendidos<br />
<strong>de</strong> sempre, e o poeta-profeta continua<br />
a ser uma das figuras mais adoradas<br />
da música pop.<br />
As suas canções, sobre justiça,<br />
liberda<strong>de</strong> e amor continuam a ser<br />
celebradas por todo o mundo. (Sim,<br />
foi o hi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Marley, “One Love”, que<br />
Will.I.Am, Herbie Hancock e Sheryl<br />
Crow tocaram na Barackapalooza, a<br />
festa que antece<strong>de</strong>u a tomada <strong>de</strong><br />
posse do Presi<strong>de</strong>nte Obama <strong>no</strong> Lincoln<br />
Memorial, em Washington DC.<br />
E não, não há nada melhor que o original.)<br />
“Soul Rebel” chega na altura em<br />
que se comemorou o aniversário <strong>de</strong><br />
Marley. Faria 64 a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> dia 6 <strong>de</strong><br />
Fevereiro. Burnett não tinha pensado<br />
fazer uma exposição, muito me<strong>no</strong>s<br />
um livro, até há quatro a<strong>no</strong>s, quando<br />
viu um poster <strong>de</strong> Marley na porta do<br />
quarto <strong>de</strong> um amigo da filha numa<br />
residência <strong>de</strong> estudantes.<br />
“Era uma das minhas fotos!”,<br />
exclama. “Não sei se ven<strong>de</strong>mos os<br />
direitos para ela, ou se alguém a viu<br />
numa revista e <strong>de</strong>cidiu fazer um poster.<br />
Mas eles acharam que era fixe. E<br />
aqui estavam estes miúdos, todos eles<br />
nascidos <strong>de</strong>pois do falecimento <strong>de</strong><br />
Bob Marley, a olharem para ele e para<br />
a sua música com carinho e atracção<br />
magnética. Era maravilhoso.”<br />
E isto motivou Burnett a limpar o<br />
pó ao portfólio com décadas <strong>de</strong> Marley,<br />
cheio <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> fotografias<br />
não publicadas. Menciona a colecção<br />
ao seu amigo, Chris Murray, o proprietário<br />
da Govinda Gallery, que<br />
acabou por escrever a introdução do<br />
livro. Numa entrevista, Murray <strong>de</strong>screve<br />
as fotos como “extraordinárias”.<br />
“As imagens são tão fantásticas<br />
que quase tive uma reacção física a<br />
elas. O Bob transmite muita intimida<strong>de</strong><br />
nestas fotos.”<br />
Uma fotografia que não vão ver:<br />
Bob Marley com o próprio Burnett.<br />
“A minha filha perguntou: ‘On<strong>de</strong> está<br />
a tua foto com o Bob?’. Eu gostava <strong>de</strong><br />
ter uma. Mas não estava a pensar<br />
nisso em 1976-1977; essa fotografia<br />
não existe.”<br />
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post<br />
“O Bob tinha uma<br />
expressão facial<br />
maravilhosa - uma<br />
óptima cara e uma<br />
óptima presença.<br />
Não era só ter bom<br />
aspecto - e tinha.<br />
Nós é que sentíamos<br />
algo mais do que o<br />
que víamos pelo visor<br />
da câmara” David<br />
Burnett<br />
46 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009
Marley<br />
, mas já era “o” tipo<br />
a Bob Marley. Trabalhava para a “Time”, foi em 1976. Trinta a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, edita<br />
o quarto. E “One Love” serve <strong>de</strong> hi<strong>no</strong> às festas por Obama. J. Freedom du Lac<br />
“Soul Rebel: An Intimate<br />
Portrait of Bob Marley”,<br />
do fotógrafo David Burnett,<br />
acaba <strong>de</strong> ser publicado<br />
Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009 • 47