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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Benedicto Ferri <strong>de</strong> Barros<br />

XVII, antecipa com os massacres <strong>de</strong> Wexford, Drogheda e outros o horror genocida<br />

do fanatismo i<strong>de</strong>ológico dos totalitarismos do nosso século, jamais foram<br />

eliminadas da memória e do sangue irlandês. Em 1916 explo<strong>de</strong> a revolução<br />

separatista; em 1921 consumou-se a divisão entre a Irlanda católica do sul e o<br />

Ulster protestante do norte; a Irlanda do Norte permaneceu ligada à Inglaterra, a<br />

Irlanda do Sul adquiriu o status <strong>de</strong> Estado Livre sob o regime <strong>de</strong> dominium britânico,<br />

do qual só se livrou com a <strong>de</strong>claração da República e sua retirada da Commonwealth<br />

em 1948. O Ulster minoritário e protestante e a maioria da República<br />

Irlan<strong>de</strong>sa convivem nessa mesma pequena e <strong>de</strong>spojada ilha.<br />

Despojada, sim. Em meados do século passado, ela era habitada por seis milhões,<br />

que viviam quase exclusivamente <strong>de</strong> batatas. Uma praga, que dura quase<br />

cinco anos, reduz drasticamente as colheitas. Um milhão <strong>de</strong> irlan<strong>de</strong>ses perecem;<br />

cerca <strong>de</strong> dois milhões emigram nos cinco ou seis anos seguintes. A Irlanda<br />

jamais recuperou seus seis milhões <strong>de</strong> habitantes, nem esqueceu o <strong>de</strong>samparo<br />

em que a Inglaterra a <strong>de</strong>ixou.<br />

No coração da Irlanda se <strong>de</strong>gladiam as forças autóctones <strong>de</strong> sua cultura celtogaélica-católica<br />

e a sedução da vitoriosa cultura protestante anglo-britânica.<br />

No último milênio não houve tréguas entre elas. A história da divisão, do conflito<br />

<strong>de</strong> fés e lealda<strong>de</strong>s é o dia-a-dia do irlandês. Ao mesmo tempo, essa perpétua<br />

agitação parece con<strong>de</strong>nada à monotonia <strong>de</strong> um imobilismo sem saída.<br />

Como disse Moore (1852-1933): “Nada viceja (na Irlanda), a não ser os solteirões,<br />

as freiras, os padres e os bois.” Talvez <strong>de</strong>vesse completar o quadro<br />

acrescentando: “e as paixões”.<br />

Tal habitat cultural é insuportável para individualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inteligência e<br />

sensibilida<strong>de</strong> mais finas. Forçadas a conviver com o drama e a <strong>de</strong>sesperança,<br />

elas se realizam no reino da literatura, espécie <strong>de</strong> exílio anímico auto-imposto<br />

on<strong>de</strong> seus intelectuais se refugiam. Vão alguns para a odiosa Inglaterra – e a<br />

forma pela qual aí vivem e produzem traduz claramente o que pensam e sentem.<br />

Wil<strong>de</strong> e Shaw, com seu sarcasmo e cinismo, são exemplos notórios.<br />

Os gran<strong>de</strong>s literatos irlan<strong>de</strong>ses, por diversos que sejam sua cosmovisão e estilo,<br />

são todos retirantes <strong>de</strong> um mundo que os sufoca. Um mundo que o<strong>de</strong>iam<br />

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