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A vanguarda do sector<br />
São quatro das mais conceituadas<br />
denominações de origem<br />
portuguesas. São as quatro mais<br />
individualizadas, mais fáceis de<br />
caracterizar, que melhor se<br />
distinguem e que mais se<br />
singularizam no imenso caudal de<br />
vinhos indiferenciados que circulam<br />
no Mundo. Mas as diferenças entre<br />
elas são abissais. Se o Alentejo<br />
representa, por si só, quase metade<br />
do volume de vinho consumido em<br />
Portugal, a Bairrada não preenche<br />
mais que um por cento desse mesmo<br />
mercado. Se o Alentejo é a marca<br />
mais reconhecida e valorizada no<br />
mercado interno, fora de fronteiras<br />
é um absoluto desconhecido, um<br />
nome indecifrável e obscuro para<br />
consumidores e crítica<br />
especializada. Se o Douro tem uma<br />
imagem externa justificadamente<br />
esplendorosa, se oferece vinhos<br />
notáveis no segmento superior, a<br />
qualidade média é francamente<br />
desmotivante, quase confrangedora.<br />
Se o Dão é potencialmente a melhor<br />
denominação portuguesa, a mais<br />
equilibrada e melodiosa, tarda em<br />
comprová-lo na prática com os<br />
vinhos que coloca no mercado. Se<br />
no Dão e Douro a mecanização é<br />
quase impossível, na Bairrada, e<br />
sobretudo, no Alentejo, a<br />
mecanização é desejável, e, por<br />
vezes, palpável. O que diferencia e<br />
caracteriza cada denominação?<br />
O Alentejo é, seguramente, a<br />
região nacional mais próxima dos<br />
ideais e práticas do Novo Mundo. Os<br />
investimentos abundam e o nome<br />
Alentejo ainda está na moda, o<br />
investimento estrangeiro é rotineiro,<br />
o clima é favorável, a extensão e<br />
orografia propícias a economias de<br />
escala e mecanização. As vinhas são<br />
maioritariamente jovens, a<br />
mentalidade idem, a vontade de<br />
experimentar ibidem. Os<br />
rendimentos são elevados, pelo<br />
menos para a realidade portuguesa,<br />
a tecnologia é modelar e o<br />
movimento associativo funciona<br />
como em nenhuma outra parte do<br />
país. O estilo de vinhos, apesar de<br />
diversificado, aponta para o<br />
paradigma de vinhos redondos,<br />
álcool vincado, taninos suaves, leve<br />
doçura residual e fruta madura.<br />
Concepções filosóficas que implicam<br />
vinhos fáceis, de consumo rápido,<br />
vinhos adaptados aos gostos e<br />
anseios do “consumidor moderno”.<br />
Mas o Alentejo não está isento de<br />
dificuldades e contrariedades. Como<br />
e onde se vai vender tanto vinho,<br />
milhões de litros das dezenas de<br />
novos projectos que começam agora<br />
a dar frutos, é um mistério de<br />
resposta imprevisível. Que a<br />
enologia seja demasiado<br />
interventiva, demasiado tecnológica,<br />
é um perigo e um inconveniente.<br />
Que a imagem externa seja<br />
inexistente é assustador.<br />
A Bairrada é provavelmente a<br />
região mais conservadora e fechada<br />
aos estímulos externos. Como<br />
denominação pode ser estimulante,<br />
com capacidade para produzir<br />
vinhos extraordinários, como<br />
poucas outras regiões portuguesas.<br />
Mas é indigesta e irritante porque<br />
raramente o faz! São sempre os<br />
mesmos a fazer os grandes vinhos...<br />
e alguns dos melhores até fogem do<br />
Alentejo, Bairrada, Dão e Douro, reconhece Rui Falcão,<br />
simbolizam as quatro denominações de origem mais<br />
enraizadas no subconsciente colectivo português. O que as<br />
une e separa, em que direcção correm e quais são os vinhos<br />
mais emblemáticos de cada uma?<br />
O quarteto fantástico<br />
PAULO RICCA<br />
nome Bairrada! O sangue não se<br />
renova e o umbigo é demasiado<br />
valorizado. A obsessão quase<br />
doentia com a casta Baga é outra das<br />
grandes dificuldades da Bairrada.<br />
Quem já teve a grata oportunidade<br />
de provar bons Bairrada clássicos, os<br />
realmente interessantes, sabe que<br />
esta região pode oferecer vinhos<br />
incomparáveis. Vinhos difíceis sim,<br />
mas sempre vinhos de carácter!<br />
Poucas regiões portuguesas têm um<br />
potencial tão elevado para fazer<br />
vinhos brancos de excepção. Mas, e<br />
a realidade é sempre incómoda:<br />
quantos brancos bairradinos de<br />
referência me conseguem apontar?<br />
O Dão é uma referência nacional e<br />
internacional. Tem potencial e<br />
aptidão para poder oferecer muito,<br />
muitíssimo mais, do que<br />
actualmente oferece. Por definição e<br />
tradição proporciona vinhos de<br />
elevado potencial de guarda, vinhos<br />
de elegância extrema, vinhos sisudos<br />
e austeros, vinhos com os quais<br />
facilmente me identifico. Vinhos de<br />
acidez elevada e corpo intenso que<br />
prometem alegrias presentes e um<br />
futuro radioso. No Dão nascem<br />
alguns dos melhores vinhos<br />
nacionais. Mas, tal como na<br />
Bairrada, são sempre os mesmos a<br />
apresentar os bons vinhos. A<br />
renovação tarda, o sangue não se<br />
renova e o intervalo qualitativo entre<br />
os melhores vinhos e a média é cada<br />
vez mais dilatado. A viticultura<br />
continua a ser um dos calcanhares<br />
de Aquiles do Dão. A<br />
imprevisibilidade do clima beirão<br />
acentua este estigma, estabelecendo<br />
flutuações qualitativas de difícil<br />
digestão e compreensão para os<br />
consumidores.<br />
O Douro tem a fortuna de poder<br />
apresentar muitos estilos e muitas<br />
identidades. A muleta do Porto<br />
serviu num momento inicial e foi<br />
decisiva para a afirmação<br />
internacional do Douro. Ainda hoje<br />
o vinho do Porto é fundamental para<br />
subsidiar artificialmente a vinha,<br />
com o amparo do benefício. Quantas<br />
explorações do Douro seriam viáveis<br />
sem o expediente do benefício? O<br />
Douro conquistou um lugar próprio<br />
e autónomo, um feito<br />
impressionante se nos recordarmos<br />
que a história do vinho de mesa no<br />
Douro é um acidente relativamente<br />
recente. Em tão pouco tempo,<br />
pouco mais de uma década, o Douro<br />
assumiu a liderança interna e<br />
externa, não na quantidade, mas sim<br />
nos vinhos de qualidade. É, de<br />
longe, a região portuguesa mais<br />
conhecida e reconhecida<br />
internacionalmente, e é de lá que<br />
nos chegam os melhores vinhos<br />
nacionais. Infelizmente, ainda<br />
representam uma ínfima proporção<br />
dos vinhos produzidos. Como região<br />
o seu potencial é tremendo. Milhões<br />
de exposições, diferentes altitudes,<br />
castas excepcionais e um imenso<br />
património de vinhas velhas que o<br />
vinho do Porto preservou. O<br />
crescente reconhecimento<br />
internacional de Portugal, não<br />
tenhamos ilusões, advém do Douro.<br />
Quatro regiões, quatro realidades.<br />
O sol quando nasce, não é<br />
necessariamente igual para todos...<br />
16 • Sábado 25 Outubro 2008 • Fugas