10.07.2015 Views

versão em pdf - Museu de Astronomia e Ciências Afins

versão em pdf - Museu de Astronomia e Ciências Afins

versão em pdf - Museu de Astronomia e Ciências Afins

SHOW MORE
SHOW LESS

Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!

Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.

296p.9788560069453


ICOFOM LAM 201221º. ENCONTRO REGIONALTERMOS E CONCEITOS DA MUSEOLOGIA:MUSEU INCLUSIVO, INTERCULTURALIDADEE PATRIMÔNIO INTEGRAL21º. ENCUENTRO REGIONALTÉRMINOS Y CONCEPTOS DE LA MUSEOLOGÍA:MUSEO INCLUSIVO, INTERCULTURALIDADY PATRIMONIO INTEGRALCOORDENAÇÃO / COORDINACIÓN:TERESA SCHEINER –BRASILMARCUS GRANATO BRASILMARIA AMÉLIA REIS - BRASILICOFOM LAM:GLADYS BARRIOS – GUATEMALANELLY DECAROLIS – ARGENTINAMÓNICA GORGAS – ARGENTINAAPOIO / APOYO:UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO/UNIRIO, MECMUSEU DE ASTRONOMIA E CIENCIAS AFINS /MAST, MCTMUSEU IMPERIAL /MUSIMP, MINCPAGINAÇÃO / PAGINACIÓN:TERESA SCHEINERLILIAN SUESCUN FLÓREZ


ICOFOM LAM 201221o. Encontro Anual do ICOFOM LAMTermos e Conceitos da Museologia:museu inclusivo, interculturalida<strong>de</strong>e patrimônio integral21o. Encuentro Anual <strong>de</strong>l ICOFOM LAMTérminos y Conceptos <strong>de</strong> la Museología:museo inclusivo, interculturalidady patrimonio integralOrganização / Organización:• Prof. Dr. Teresa Scheiner (UNIRIO), Brasil• Prof. Dr. Marcus Granato (MAST), Brasil• Prof. Dr. Maria Amélia Gomes <strong>de</strong> Souza Reis (UNIRIO), Brasil• Prof. Gladys Barrios, Guat<strong>em</strong>alaComitê Científico/Comisión Científica:• Prof. Dr. Alice S<strong>em</strong>edo, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, Universida<strong>de</strong> do Porto, Portugal• Prof. Dr. Armando C. Teixeira da Silva, Universida<strong>de</strong> do Porto, Portugal• Prof. Dr. Diana Farjalla Correia Lima, PPG-PMUS/UNIRIO, Brasil• Prof. Dr. Francisca Hernán<strong>de</strong>z-Hernán<strong>de</strong>z, Espanha• Prof. Dr. Heloisa Helena G. da Costa, UFBA e PPG-PMUS, Brasil• Prof. Dr. Luiz Carlos Borges, PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil• Prof. Dr. Marcio Rangel, PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil• Prof. Dr. Marcus Granato - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brasil• Prof. Dr. Maria do Rosário Pinheiro, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Portugal• Prof. Dr. Maria Amélia Gomes <strong>de</strong> Souza Reis, PPG-PMUS/UNIRIO, Brasil• Prof. Dr. Marilia Xavier Cury, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo - USP, Brasil• Prof. Monica R. <strong>de</strong> Gorgas, Estancia Jesuítica e <strong>Museu</strong> Virrey Liniers, Alta Gracia, Argentina• Prof. Nelly Decarolis, Presi<strong>de</strong>nte Honorária ICOFOM LAM, ArgentinaRevisão / Revisión:Teresa Scheiner, Lílian Mariela Suescun Florez, Gladys Barrios AmbrocyDiagramação / Diseño:Teresa Scheiner, Lílian Mariela Suescun FlorezFinalização / Finalización:Bruno Correia


SUMÁRIOSUMARIO


Sumário / Sumario:Programa <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s / Programa <strong>de</strong> Activida<strong>de</strong>sMasterclass / Conferencia Magistral............................................17Le musée inclusif et la muséologie mondialiséeMAIRESSE, François - Université Paris 3, Sorbonne nouvelle, CERLIS - France.........18O museu inclusivo e a museologia mundializadaMAIRESSE, François - Universida<strong>de</strong> Paris 3, Sorbonne nouvelle, CERLIS- França......35Conferência / Conferencia.......................................................53<strong>Museu</strong> Inclusivo -- Diálogo na Diversida<strong>de</strong>: Integrando a cultura do <strong>de</strong>ficiente visualLIMA, Diana Farjalla Correia - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil..................54Documentos <strong>de</strong> Trabalho/Documentos <strong>de</strong> Trabajo...........................80Resumos Analíticos / Resúmenes AnalíticosInterculturalida<strong>de</strong> e outras reflexões: por uma transformação dos museuse da Museologia na América LatinaCARVALHO, Luciana Menezes <strong>de</strong> - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alfenas, MG, Brasil.......81Sumario AnalíticoRISNICOFF <strong>de</strong> Gorgas, Mónica - Museo <strong>de</strong> la estancia Jesuítica <strong>de</strong> Alta Gracia,Córdoba, Argentina......................................................................85G-01 Museologia e Interculturalida<strong>de</strong>: narrativas pluraisMuseología e Interculturalidad: narrativas plurales.............................88Museologia e Patrimônio: um campo <strong>de</strong> saber <strong>em</strong> expansãoALMEIDA, Margarete Zacarias Tostes <strong>de</strong>, REIS, Maria Amélia <strong>de</strong> Souza -PPG-PMUS, UNIRIO/ MAST, Brasil......................................................89<strong>Museu</strong>, Musealida<strong>de</strong> e Musealização: termos <strong>em</strong> construção e expansãoALVES, Vânia Maria Siqueira, SCHEINER, Tereza - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil.....99


Patrimônio como valor, entre ressonância e a<strong>de</strong>rênciaBORGES, Luiz C., CAMPOS, Marcio D’Olne – PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil........112Suleando museus e Museologia <strong>em</strong> direção à América Latina:o ICOFOM LAM e a interculturalida<strong>de</strong> latino-americanaCARVALHO, Luciana Menezes <strong>de</strong>, SCHEINER, Tereza Cristina –U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e A l f e n a s , M G e P P G - P M U S , U N I R I O / M A S T, R i o d eJaneiro, Brasil.........................................................................124Museología, Patrimonio, Interculturalidad: museos inclusivos, <strong>de</strong>sarrolloy diálogo interculturalDECAROLIS, Nelly - ICOFOM e ICOFOM LAM, Argentina..............................136Questões sobre Museologia e PatrimônioGUARILHA, Hugo, SCHEINER, Tereza, FAULHABER, Priscila – PPG-PMUS,Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, UNIRIO / <strong>Museu</strong><strong>de</strong> <strong>Astronomia</strong> e Ciências <strong>Afins</strong> – MAST, Brasil..............................143Museólogo <strong>em</strong> ateliês <strong>de</strong> artistas cont<strong>em</strong>porâneos – “coleções visitáveis”:a aplicação do Termo e do Conceito Museólogo <strong>em</strong> espaços diferentes d<strong>em</strong>useusLIMA, Diana Farjalla Correia, COSTA, Ludmila Leite Ma<strong>de</strong>ira da - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, Brasil .................................................................158Antropofagia e Museofagia: <strong>de</strong>svelando relações interculturaisMELO, Diogo Jorge <strong>de</strong>, MONÇÃO, Vinicius <strong>de</strong> Moraes, AZULAIA, Luciana Cristina<strong>de</strong> Oliveira, SANTOS, Mônica Gouveia dos – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará /UFPA, Brasil..........................................................................165Museologia. Patrimônio. Participação. Integração. Inclusão. Notas parauma análise <strong>de</strong> termos e conceitos relativos à teoria e à prática no <strong>Museu</strong> -e para o <strong>Museu</strong>SCHEINER, Tereza Cristina - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasil..........174Entre o reflexo e a reflexão: por <strong>de</strong>trás das cortinas da performance musealSOARES, Bruno César Brulon – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ralFluminense / UFF, Brasil.........................................................192G-02 Museologia, políticas públicas e inclusão socialMuseología, políticas públicas e inclusión social........................205Políticas da Cultura e Espaços Decoloniais: el<strong>em</strong>entos para uma teoriasobre o <strong>Museu</strong> InclusivoAlexandro Silva <strong>de</strong> Jesus.....................................................2068


O corpo e o patrimônio cultural: o corpo fala, o corpo inventa,o corpo traduz: a construção discursiva da imag<strong>em</strong> sociocultural<strong>de</strong> si pelo(s) outro(s)REIS, Maria Amélia Souza Reis - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, Brasile Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Portugal.......................................219Museologia e Comunicação: o papel das exposições como estratégia<strong>de</strong> mediação entre museu e socieda<strong>de</strong>RIBEIRO, Priscila Zurita, COSTA, Heloisa Helena G. da - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, Brasil.............................................................231Museología e Inclusión Social: ¿Es posible el <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento<strong>de</strong> los visitantes <strong>de</strong> los museos?RISNICOFF <strong>de</strong> Gorgas, Mónica - Museo <strong>de</strong> la estancia Jesuítica <strong>de</strong> AltaGracia, Córdoba, Argentina..................................................240G-03 Museologia e biodiversida<strong>de</strong>: teoria e práticas do patrimônio integralMuseología y biodiversidad: teoría y prácticas <strong>de</strong>l patrimoniointegral..........................................................................247A relação da Museologia com o meio ambiente e os Parques NacionaisBELIANI, Elisama, SCHEINER, Tereza - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, Brasil............................................................248Tramas da M<strong>em</strong>ória: entrelaçando as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Patrimônioe <strong>Museu</strong> no Corpo da Cida<strong>de</strong>LIMA, Diana Farjalla Correia, CASTILHO, Emerson Ribeiro - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, Brasil............................................................261Museologia e Meio Ambiente: Hom<strong>em</strong> e Natureza como um todoSUESCUN Florez, Lilian M., SCHEINER, Tereza - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, Brasil ...............................................................271G-04 Museologia, patrimônio e a questão da técnica: pensando a ciênciae a tecnologia na relação com o <strong>Museu</strong>Museología, patrimonio y el t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> la técnica: pensando la cienciay la tecnología en la interface con el Museo............................279Las TIC’s y la Museología: hacia la socialización <strong>de</strong> la colección <strong>de</strong> los museosVALBUENA, Gina Ojeda - Universidad Francisco <strong>de</strong> Miranda,Coro, Venezuela................................................................280LISTA DE AUTORES / LISTADO DE AUTORES...........................................2939


PROGRAMA DE ATIVIDADESPROGRAMA DE ACTIVIDADES


Quinta-feira, 08 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21 o Encontro Anual do ICOFOM LAM<strong>Museu</strong> Imperial08:30 – 09:00h Café <strong>de</strong> boas vindas09:00 – 09:30h Abertura dos Trabalhos - Jornada <strong>de</strong> ReflexãoMesa <strong>de</strong> Abertura – composição:Sra. Denise Grinspum - Comitê Nacional do ICOMDra. Lucia Astudillo – Presi<strong>de</strong>nte, ICOM EquadorProf a . Gladys Barrios Ambrocy - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária, ICOFOM LAMe ICOFOM09:30 – 10:30h ConferênciaTermos e Conceitos da Museologia:museu inclusivo, interculturalida<strong>de</strong> e patrimônio integralProf. Dr. François Mairesse, Université Paris 3[a conferencia será <strong>em</strong> francês, com tradução consecutiva]Coor<strong>de</strong>nação da Mesa - Prof a . Nelly Decarolis10:30 – 10:45h Lançamento do ISS no. 41 -Apresentação - Sra. Mônica Gorgas, m<strong>em</strong>brodo ‘board’ do ICOFOM10:45 – 11:00h Apresentação - ICOM 2013Sra. Denise Grinspum - Comitê Nacionaldo ICOM no Brasil11:00 – 13:00h Discussão teórica <strong>em</strong> gruposLocais 1, 2, 3 e 413:00 – 14:00h Almoço - a cargo dos participantes14:30 – 16:30h Discussão teórica <strong>em</strong> gruposLocais 1, 2, 3 e 4


Quinta-feira, 08 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21 o Encontro Anual do ICOFOM LAM16:30 – 17:00h Pausa para café17:00 – 18:30h Discussão teórica <strong>em</strong> gruposLocais 1, 2, 3 e 418:30h Apresentação musical - Um Sarau Imperial20:00h Jantar – a cargo dos participantesSexta-feira, 09 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21 o Encontro Anual do ICOFOM LAM | cont.<strong>Museu</strong> Imperial08:30 – 09:00h Café <strong>de</strong> boas vindas09:30 – 10:30h ConferênciaTermos e Conceitos da Museologia: museu inclusivo,interculturalida<strong>de</strong> e patrimônio integralProf a . Dr a . Diana Farjalla Correia Lima - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, RJCoor<strong>de</strong>nação da Mesa - Prof a . Dr a . Tereza Scheiner10:00 – 13:00h Discussão teórica <strong>em</strong> gruposLocais 1, 2, 3 e 413:00 – 14:00h Almoço - a cargo dos participantes14:30 – 16:30h Discussão teórica <strong>em</strong> gruposLocais 1, 2, 3 e 4


Sexta-feira, 09 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21 o Encontro Anual do ICOFOM LAM | cont.16:30 – 17:00h Pausa para caféReunião dos coor<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> grupose relatores para redação da primeira versãodo documento final17:00 – 17:30h Plenária ICOFOMLAMCoor<strong>de</strong>nação -Prof a . Gladys Barrios Ambrocy - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária, ICOFOM LAMLeitura e aprovação da primeira versão do documento finalIndicação <strong>de</strong> nome para M<strong>em</strong>bro Honorário do ICOMCandidaturas ao ICOFOM LAM 2013 / 2016Anuncio do país que sediará o ICOFOM LAM 201317:30 - 18:30h Encerramento do Evento – Auditório do <strong>Museu</strong> ImperialMesa - ComposiçãoProf. Mauricio Vicente Ferreira Jr. - Diretor, <strong>Museu</strong> ImperialProf. Dr. Marcus Granato - PPG-PMUS / MASTProf a . Dr a . Tereza Scheiner - PPG-PPMUS / UNIRIOProf a . Gladys Barrios - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária,ICOFOM LAM e ICOFOMAgra<strong>de</strong>cimentos e homenagensAnuncio do país e da instituição organizadora do V SIAMPalavras <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida19:30h Jantar <strong>de</strong> confraternização – Solar do Império(a cargo dos participantes)


Jueves, 08 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21o. Encuentro Anual <strong>de</strong>l ICOFOM LAM<strong>Museu</strong> Imperial08:30 – 09:00h Café <strong>de</strong> bienvenida09:00 – 09:30h Inauguración <strong>de</strong> los TrabajosMesa <strong>de</strong> Inauguración –composición:Sra. Denise Grinspum - Comitê Nacional do ICOMDra. Lucia Astudillo – Presi<strong>de</strong>nte, ICOM EquadorProf a . Gladys Barrios Ambrocy - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária, ICOFOM LAMe ICOFOM09:30 – 10:30h ConferenciaTérminos y Conceptos <strong>de</strong> la Museología:museo inclusivo, interculturalidad y patrimonio integralProf. Dr. François Mairesse, Université Paris 3(la conferencia será en francés, con traducciónconsecutiva al portugués)Coordinación <strong>de</strong> la Mesa - Profa. Nelly Decarolis10:30 – 10:45h Lanzamiento <strong>de</strong>l ISS no. 41 - ICOFOMPresentación - Sra. Mónica Gorgas, mi<strong>em</strong>bro<strong>de</strong>l comité directivo <strong>de</strong>l ICOFOM10:45 – 11:00h Presentación - ICOM 2013Sra. Denise Grinspum - Comité Nacional<strong>de</strong>l ICOM en Brasil11:00 – 13:00h Discusión teórica en gruposEspacios 1, 2, 3 y 413:00 – 14:00h Almuerzo - a cargo <strong>de</strong> los participantes14:30 – 16:30h Discusión teórica en gruposEspacios 1, 2, 3 y 4


Jueves, 08 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro21o. Encuentro Anual <strong>de</strong>l ICOFOM LAM16:30 – 17:00h Pausa para café17:00 – 18:30h Discusión teórica en gruposEspacios 1, 2, 3 y 418:30h Presentación musical - Un Sarau Imperial20:00h Cena - a cargo <strong>de</strong> los participantesViernes, 09 <strong>de</strong> novi<strong>em</strong>bre21o. Encuentro Anual <strong>de</strong>l ICOFOM LAM - cont.<strong>Museu</strong> Imperial08:30 – 09:00h Café <strong>de</strong> bienvenida09:30 – 10:30h ConferenciaTérminos y Conceptos <strong>de</strong> la Museología:museo inclusivo, interculturalidad y patrimonio integralProf a . Dr a . Diana Farjalla Correia Lima - PPG-PMUS,UNIRIO/MAST, RJCoordinación <strong>de</strong> la Mesa - Prof a . Dr a . Tereza Scheiner10:00 – 13:00h Discusión teórica en gruposEspacios 1, 2, 3 y 413:00 – 14:00h Almuerzo - a cargo <strong>de</strong> los participantes14:30 – 16:30h Discusión teórica en gruposEspacios 1, 2, 3 y 4


Viernes, 09 <strong>de</strong> novi<strong>em</strong>bre21o. Encuentro Anual <strong>de</strong>l ICOFOM LAM - cont.16:30 – 17:00h Pausa para caféReunión <strong>de</strong> los coordinadores <strong>de</strong> gruposy relatores para redacción <strong>de</strong> la primera versión<strong>de</strong>l documento final17:00 – 17:30h Plenaria ICOFOMLAMCoordinación -Prof a . Gladys Barrios Ambrocy - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária, ICOFOM LAMLectura, discusión y aprobación <strong>de</strong> la primera versión<strong>de</strong>l documento finalIndicación <strong>de</strong> nombre para Mi<strong>em</strong>bro Honorario <strong>de</strong>l ICOMCandidaturas al ICOFOM LAM 2013 / 2016Anuncio <strong>de</strong>l país que acogerá al ICOFOM LAM 201317:30 - 18:30h Clausura <strong>de</strong>l Evento – Auditorio <strong>de</strong>l Museo ImperialMesa - ComposiciónProf. Mauricio Vicente Ferreira Jr. - Diretor, <strong>Museu</strong> ImperialProf. Dr. Marcus Granato - PPG-PMUS / MASTProf a . Dr a . Tereza Scheiner - PPG-PPMUS / UNIRIOProf a . Gladys Barrios - Presi<strong>de</strong>nte, ICOFOM LAMProf a . Nelly Decarolis - Presi<strong>de</strong>nte Honorária,ICOFOM LAM e ICOFOMAgra<strong>de</strong>cimientos y homenajesAnuncio <strong>de</strong>l país y <strong>de</strong> la institución organizadora <strong>de</strong>l V SIAMPalabras <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida19:30h Cena <strong>de</strong> confraternizaciónSolar do Império (a cargo <strong>de</strong> los participantes)


MasterclassConferencia Magistral


LE MUSEE INCLUSIF ET LA MUSEOLOGIE MONDIALISEEFrançois MairesseLa notion du musée inclusif, que l’on retrouve dans le thème choisi pour les vingt-et-unièmesrencontres d’ICOFOM-LAM est révélatrice d’une certaine pensée mondialisé : « Museología,Patrimonio, Interculturalidad: museos inclusivos, <strong>de</strong>sarrollo y diálogo intercultural ». Quelquesmois plus tôt se tenait, à la Barba<strong>de</strong>, la sixième conférence sur le musée inclusif, organiséepar l’International Institute for the Inclusive museum I . Cette notion, plus que les autres,témoigne sans doute d’une logique spécifique en œuvre au sein <strong>de</strong> la muséologie. Il convient<strong>de</strong> r<strong>em</strong>arquer, d’une part, qu’à l’origine, le terme « inclusive museum », relativ<strong>em</strong>ent récent,est d’abord essentiell<strong>em</strong>ent utilisé en langue anglaise. C’est à partir <strong>de</strong> la fin <strong>de</strong>s années 1990qu’on le voit apparaître dans la littérature muséale, notamment pour évoquer les relationsentre le musée et les publics déficients II , mais aussi, <strong>de</strong> manière plus générale, l’ens<strong>em</strong>ble<strong>de</strong>s publics exclus du musée. Le concept <strong>de</strong> « social inclusion », dérivé <strong>de</strong> celui d’exclusionsociale, se développe en effet, en Gran<strong>de</strong>-Bretagne, à cette époque, puis rapid<strong>em</strong>ent à traversl’Europe III , où le musée est présenté comme un facteur d’inclusion par excellence. Il revientà Richard San<strong>de</strong>ll d’avoir ainsi popularisé cette notion en lien avec le musée, à travers <strong>de</strong>nombreux articles et ouvrages IV . Il est intéressant <strong>de</strong> r<strong>em</strong>arquer la diffusion du terme dansd’autres langues. Si en France, on parle encore rar<strong>em</strong>ent d’inclusion sociale, il est r<strong>em</strong>arquable<strong>de</strong> voir ce mot traverser à <strong>de</strong> nombreuses reprises les continents, pour être évoqué aussi bienaux Etats-Unis qu’en Australie V .Il n’est pas étonnant, à mon sens, que le terme d’inclusion sociale soit particulièr<strong>em</strong>ent àl’honneur <strong>de</strong> nos jours : d’abord parce qu’il reflète, sans doute, une préoccupation partagéepar une gran<strong>de</strong> partie du mon<strong>de</strong> muséal, mais surtout parce qu’il a été pensée dans un paysanglo-saxon. Le modèle muséal, sur lequel nous nous appuyons <strong>de</strong> plus en plus, s<strong>em</strong>ble en effetinexorabl<strong>em</strong>ent dicté par une logique initiée à partir <strong>de</strong>s pays <strong>de</strong> culture anglophone. Tel n’a pastoujours été le cas. Je souhaiterais, dans un pr<strong>em</strong>ier t<strong>em</strong>ps, évoquer l’histoire <strong>de</strong> ces logiques<strong>de</strong> diffusion, avant <strong>de</strong> présenter le projet du Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie, surlequel j’ai eu l’honneur <strong>de</strong> travailler au sein <strong>de</strong> l’ICOFOM VI et, après ce relativ<strong>em</strong>ent long détour,abor<strong>de</strong>r la question du musée inclusif.La place <strong>de</strong>s langues dans le discours muséologiqueLa création <strong>de</strong> l’Office international <strong>de</strong>s musées, en 1926, constitue à n’en pas douter unedate importante pour l’histoire <strong>de</strong>s musées. Cet organisme qui fut le parent direct du ConseilIVoir le site <strong>de</strong> l’organisation : http://inclusiv<strong>em</strong>useum.org/conferences/inclusive-museum/ (consultation octobre2012).IIRAYNER A., Access in MInd : towards the Inclusive <strong>Museu</strong>m, Endinburgh, The intellectual Access trust, 1998IIIATKINSON TONY et al., Social indicators. The EU and Social inclusion, Oxford, Oxford University Press, 2002.IVSANDELL, R. (ed.). - <strong>Museu</strong>ms, society, inequality, London, Routledge, 2002; SANDELL, R., « <strong>Museu</strong>ms asagents of social inclusion », <strong>Museu</strong>m Manag<strong>em</strong>ent and curatorship, 17, 4, 1998, p. 401-418; SANDELL, R., « Socialinclusion, the museum and the dynamics of sectoral chane », <strong>Museu</strong>m and society, 1, 1, 2003, p. 42-62.VVoir par ex<strong>em</strong>ple les différents rapports sur l’inclusion sociale, établis dans ces pays : http://www.socialinclusion.gov.au/sites/www.socialinclusion.gov.au/files/publications/<strong>pdf</strong>/HAIF_report_final.<strong>pdf</strong>; http://inclusionist.org/files/socialinclusionusa.<strong>pdf</strong>(consultation octobre 2012).VIDESVALLEES A., MAIRESSE F. (dir.), Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, 2011.18


international <strong>de</strong>s musées mettait ainsi en œuvre pour la pr<strong>em</strong>ière fois, à l’échelle <strong>de</strong> la planète,un programme d’échanges, d’information et <strong>de</strong> réflexion sur les musées et leur mo<strong>de</strong> <strong>de</strong>fonctionn<strong>em</strong>ent VII . L’initiative <strong>de</strong> ce projet revient à l’historien <strong>de</strong> l’art Henri Focillon, ancien directeur<strong>de</strong>s musées <strong>de</strong> Lyon, appuyé par Paul Valery, tous <strong>de</strong>ux ferm<strong>em</strong>ent convaincus <strong>de</strong>s bénéfices àtirer d’un tel mouv<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> coopération. Mis à part la présence d’un All<strong>em</strong>and (Max Friedlaen<strong>de</strong>r)et d’un Espagnol (Fernando A. <strong>de</strong> Sotomayor), tous les autres experts <strong>de</strong>s pr<strong>em</strong>ières réunions <strong>de</strong>l’Office sont francophones (français, suisses ou belges). Il est vrai que, par le jeu <strong>de</strong>s équilibresdiplomatiques (Genève et La Haye accueillant la Société <strong>de</strong>s nations et la Cour permanente <strong>de</strong>justice internationale), le siège <strong>de</strong> l’Institut international <strong>de</strong> coopération internationale, dont émanel’Office international <strong>de</strong>s musées, se situe à Paris. La langue française, malgré l’érosion progressive<strong>de</strong> son influence <strong>de</strong>puis la Révolution française et le coup <strong>de</strong> boutoir qui lui a été infligé à traversla double traduction (anglais/français) du traité <strong>de</strong> Versailles, conserve le statut <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>ière languediplomatique. C’est ainsi fort logiqu<strong>em</strong>ent que tous les articles <strong>de</strong> Mouseion, revue <strong>de</strong> l’Officeinternational <strong>de</strong>s musées qui sera publiée entre 1927 et 1946, sont rédigés en français.La Secon<strong>de</strong> guerre mondiale change quelque peu la donne, au bénéfice <strong>de</strong> l’anglais. Ainsi, ilest révélateur que si l’ICOM, fondé en 1946 à Paris, conserve son siège à Paris, son pr<strong>em</strong>ierprési<strong>de</strong>nt est un Américain (Chaucey Hamlin), tandis que la revue <strong>Museu</strong>m, éditée parl’Unesco, sera d’<strong>em</strong>blée publiée en français et en anglais, avant <strong>de</strong> connaître un plus grandnombre d’éditions. Longt<strong>em</strong>ps pourtant, l’influence francophone va perdurer au niveau <strong>de</strong> lamuséologie internationale. On sait bien sûr l’influence considérable que le pr<strong>em</strong>ier directeur <strong>de</strong>l’ICOM, Georges Henri Rivière (directeur <strong>de</strong> 1948 à 1966), ainsi que son successeur Hugues<strong>de</strong> Varine (1967-1974), vont avoir pour le développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la pensée muséale. Les articlespubliés par ces <strong>de</strong>rniers, dans <strong>Museu</strong>m notamment, <strong>de</strong> même que le cours <strong>de</strong> muséologieprofessé par Rivière à Paris, contribuent à développer l’influence <strong>de</strong> la pensée muséale latine, etnotamment le courant <strong>de</strong> la nouvelle muséologie VIII . A une époque où les références en matière<strong>de</strong> muséologie sont encore peu nombreuses, ces publications constituent un socle fondamentalpour le développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la pensée sur les musées. Une pensée forcément conditionnée par laculture française, il est vrai encore au sommet <strong>de</strong> sa notoriété, avec les écrits d’un Sartre, d’unLévi-Strauss, d’un Foucault ou d’un Bourdieu.Autre source d’influence à la même époque, les pays <strong>de</strong> l’Est, à travers les figures <strong>em</strong>blématiques<strong>de</strong> Jan Jelinek (prési<strong>de</strong>nt <strong>de</strong> l’ICOM puis pr<strong>em</strong>ier prési<strong>de</strong>nt d’ICOFOM), d’Awraam Razgon ou<strong>de</strong> Klaus Schreiner, et bien sûr <strong>de</strong> Zbynēk Stránský, dont on sait l’influence pour la pensé<strong>em</strong>uséologique à partir <strong>de</strong> la fondation <strong>de</strong> l’ICOFOM, en 1977. Les <strong>de</strong>ux numéros <strong>de</strong>s Museologicalworking paper (MuWop/Do TraM), publiés en 1980-81, constituent un document particulièr<strong>em</strong>entintéressant pour dresser l’état <strong>de</strong>s lieux <strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensée en présence. La publication estbilingue (anglais/français), mais déjà, nombre d’auteurs ont privilégié la langue <strong>de</strong> Shakespeare(le phénomène se poursuivra avec la publication <strong>de</strong>s Icofom Study Series,). Pour autant, lamanière <strong>de</strong> concevoir les musées n’en d<strong>em</strong>eure pas moins fondamental<strong>em</strong>ent différente entreles pays. Le constat dressé par George Ellis Burcaw montre clair<strong>em</strong>ent la césure qui s’est déjàopérée entre penseurs anglo-saxons d’une part, muséologues <strong>de</strong> l’Est <strong>de</strong> l’autre :« Il y a trente ans que j’assiste à <strong>de</strong>s conventions nationales, régionales et locales <strong>de</strong>sassociations <strong>de</strong> musées. Je ne me souviens pas d’avoir jamais assisté à une réunion ou unesession ou même d’avoir jamais entendu une allocution importante concernant direct<strong>em</strong>ent lamuséologie. Les intérêts <strong>de</strong>s gens <strong>de</strong>s musées américains s’écartent larg<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la base.VIIL’OIM a été fondé dans le sillage <strong>de</strong> la Société <strong>de</strong>s Nations et <strong>de</strong> la Commission internationale <strong>de</strong> coopérationintellectuelle : « L’œuvre <strong>de</strong> coopération intellectuelle et l’Office international <strong>de</strong>s musées », Mouseion, 1, 1927, p.3-10.VIIIRIVIERE G.H. et alii., La muséologie selon Georges Henri Rivière, Paris, Dunod, 1989 ; VARINE H. <strong>de</strong>.,L’initiative communautaire. Recherche et expérimentation, Mâcon, W. et M.N.E.S., 1991.19


philosophique <strong>de</strong> la collecte (la relation <strong>de</strong> l’homme à la réalité tridimensionnelle), et <strong>de</strong>l’utilisation efficace <strong>de</strong>s collections à <strong>de</strong>s fins didactiques (muséologie appliquée). Ils sepréoccupent <strong>de</strong>s techniques : comment se faire <strong>de</strong>s amis, comment obtenir <strong>de</strong>s fonds, commentservir les handicapés, comment créer <strong>de</strong> beaux environn<strong>em</strong>ents, comment r<strong>em</strong>onter le moral<strong>de</strong>s minorités, comment préserver les collections, comment les administrateurs peuvent éviterles poursuites judiciaires, et ainsi <strong>de</strong> suite IX . »La plupart <strong>de</strong>s muséologues francophones ou latins, en revanche, s’intéresseront <strong>de</strong> près à larigueur <strong>de</strong> ce raisonn<strong>em</strong>ent muséologique particulier. Si, probabl<strong>em</strong>ent, la génération <strong>de</strong> Rivièreaccueille <strong>de</strong> telles idées avec un peu plus <strong>de</strong> réserve, on sait son influence directe sur nombre d<strong>em</strong>uséologues actuels, comme André Desvallées, Bernard Deloche, Mathil<strong>de</strong> Bellaigue ou TerezaScheiner, pour ne prendre que quelques ex<strong>em</strong>ples <strong>em</strong>blématiques.Cette différence d’approche mérite que l’on s’y attar<strong>de</strong>. La pr<strong>em</strong>ière explication général<strong>em</strong>entévoquée porte sur la distinction entre muséologie théorique et appliquée : ainsi, si l’on suit Burcaw,les anglo-saxons seraient plus intéressés par les aspects pratiques, délaissant les questionsthéoriques. La distinction classique entre le « pourquoi » et le « comment », énoncée par ex<strong>em</strong>plepar Maroević, constituerait en quelque sorte une césure importante entre l’un et l’autre mo<strong>de</strong><strong>de</strong> pensée X . Il est indubitable que <strong>de</strong> nombreux manuels actuels, comme <strong>Museu</strong>m Basics ouComment gérer un musée, constituent en quelque sorte l’illustration <strong>de</strong> telles diss<strong>em</strong>blances enregard <strong>de</strong> Muséologie. Introduction aux étu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> Stránský XI . Théorie d’une part, « recettes<strong>de</strong> cuisine » (pour reprendre les mots <strong>de</strong> Stránský) <strong>de</strong> l’autre. Une telle analyse apparaît pourle moins réductrice : on retrouve aussi, forcément, à l’Est ou dans les pays francophones, unbesoin <strong>de</strong> pratique auquel une littérature adéquate tente <strong>de</strong> répondre, mais il convient surtout<strong>de</strong> souligner que l’école anglo-saxonne a bien sûr aussi développé une réflexion théoriqueimportante. C’est principal<strong>em</strong>ent à partir <strong>de</strong>s années 1980 qu’une telle littérature voit le jour,d’abord au niveau historique, à travers <strong>de</strong>s actes <strong>de</strong> colloques XII ou <strong>de</strong>s revues comme TheJournal of the history of collections, mais aussi à partir d’une lecture postmo<strong>de</strong>rne <strong>de</strong>s muséeset <strong>de</strong> leur histoire, par le biais d’auteurs <strong>em</strong>blématiques <strong>de</strong> la French Theory, comme MichelFoucault (abondamment utilisé par Douglas Crimp, Tonny Bennett et Eilean Hooper-Greenhill ouRoland Barthes (à l’instar <strong>de</strong> Susan Pearce) XIII .Un second facteur d’explication XIV est donné par les différences au niveau <strong>de</strong> l’enseign<strong>em</strong>entuniversitaire. Le mouv<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>s cultural studies, initié au cours <strong>de</strong>s années 1960 en Gran<strong>de</strong>-Bretagne, est révélateur du développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la pensée académique à cette époque dans lesnouvelles universités britanniques, s’attachant à <strong>de</strong>s thématiques peu traitées par l’establishmentacadémique d’Oxbridge, notamment les cultures populaires et les approches interdisciplinaires XV .Le champ <strong>de</strong>s museum studies peut ainsi, à partir <strong>de</strong> ce terreau, s’épanouir plein<strong>em</strong>ent à l’intérieurdu système universitaire, au même titre que les celtic studies ou les gen<strong>de</strong>r studies, sans pour autants’<strong>em</strong>barrasser <strong>de</strong> la création <strong>de</strong> nouvelles disciplines leur étant liées. Tel n’est le cas ni <strong>de</strong>s pays <strong>de</strong>l’Est, ni <strong>de</strong> la France et, <strong>de</strong> manière générale, <strong>de</strong> la plupart <strong>de</strong>s pays latins dans lesquels le systèmeacadémique s<strong>em</strong>ble reposer sur une structure nett<strong>em</strong>ent plus rigi<strong>de</strong>, fondée sur <strong>de</strong>s critères <strong>de</strong>scientificité. Ainsi, <strong>de</strong> nouvelles disciplines telles que les sciences <strong>de</strong> l’éducation ou les sciencesIXBURCAW G.E., « Réflexions sur MuWop no 1 », MuWop/Do Tram, 2, 1981, p. 87.XMAROEVIĆ I., Introduction to Museology – the European Approach-, Munich, Verlag Christian Müller-Straten, 1998, p. 100 sq.XIAMBROSE T., PAINE C., <strong>Museu</strong>m Basics, London, Routledge, 1993; BOYLAN P. (coord.), Comment gérer un musée : manuelpratique Paris, ICOM/Unesco, 2006. http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001478/147854f.<strong>pdf</strong> (consultation : octobre 2012); .STRANSKY Z.Z., Muséologie Introduction aux étu<strong>de</strong>s, Brno, Université Masaryk, 1995.XIIIMPEY O., MAC GREGOR A. (Ed.), The Origins of <strong>Museu</strong>ms, Oxford, Clarendon Press, 1985.XIIIPour ne présenter que quelques references: CRIMP D., On the <strong>Museu</strong>m’s ruins, Cambridge, MIT press, 1993; BENNET T.,The Birth of the <strong>Museu</strong>m, London, Routledge, 1995; HOOPER-GREENHIL E., (Ed.), <strong>Museu</strong>m, Media, Message, London, Routledge,1995; PEARCE S., <strong>Museu</strong>ms, Objects and Collections, Washington, Smithsonian Institution Press, 1992.XIVMAIRESSE F., DESVALLEES A., 2011, « Muséologie », in DESVALLEES André, MAIRESSE François, (dir.), Dictionnaireencyclopédique <strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, pp. 343-384.XVMATTELART A., NEVEU E., Introduction aux Cultural Studies, Paris, La Découverte, 2003.20


<strong>de</strong> l’information et <strong>de</strong> la communication parviennent progressiv<strong>em</strong>ent à s’imposer en France, àpartir <strong>de</strong>s années 1970-80, mais celles-ci n’en d<strong>em</strong>eurent pas moins <strong>de</strong>s exceptions. D’<strong>em</strong>blée,l’aspect scientifique – la muséologie comme science – apparaît comme un enjeu fondamental pourle développ<strong>em</strong>ent d’un enseign<strong>em</strong>ent sur les musées au sein <strong>de</strong> l’université du vieux continent(tant dans les pays <strong>de</strong> l’Est que latins), et l’on sait combien les pr<strong>em</strong>ières discussions du comitéd’ICOFOM tournèrent autour <strong>de</strong> cette question, exaspérant au passage nombre <strong>de</strong> muséologuesanglo-saxons ne comprenant null<strong>em</strong>ent les enjeux <strong>de</strong> tels questionn<strong>em</strong>ents.La différence d’approche, entre anglo-saxons et latins ou muséologues <strong>de</strong> l’Est, dépassecependant la question du critère scientifique d’une discipline ou d’un champ <strong>de</strong> recherche. C’estplutôt au niveau <strong>de</strong>s limites ou <strong>de</strong>s excès <strong>de</strong> la théorie et <strong>de</strong>s structures imposées qu’il convient<strong>de</strong> la chercher. Le texte <strong>de</strong> la conférence En quête <strong>de</strong> l’histoire culturelle, présentée par ErnstGombrich, sans doute l’historien <strong>de</strong> l’art (britannique) le plus édité au mon<strong>de</strong>, constitue unebonne illustration <strong>de</strong>s différences d’approche entre Britanniques et Latins ou Germaniques.L’auteur, évoquant le domaine <strong>de</strong> l’histoire culturelle, expose d’<strong>em</strong>blée son scepticisme face ausystème hégélien <strong>de</strong> l’histoire du développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’esprit, tel qu’il a été utilisé dans nombred’ouvrages d’hisoire <strong>de</strong> l’art ou <strong>de</strong> la culture. La philosophie <strong>de</strong> Hegel, faut-il le dire, a larg<strong>em</strong>entconditionné, avec Kant, la pensée européenne continentale. La Geistesgeschichte évoquéedans la Philosophie <strong>de</strong> l’Histoire du maître d’Iéna, contraint l’art et son histoire à s’adapteraux vues du philosophe, plutôt que l’inverse. Si la logique <strong>de</strong> modélisation, en physique ou enmécanique, s<strong>em</strong>ble aller <strong>de</strong> soi, elle s’avère en revanche larg<strong>em</strong>ent discutable en économie,et bien plus encore dès lors qu’il s’agit d’évoquer la culture. Ainsi, pour Gombrich, Burckhardt,mais aussi, Wölfflin ou Panofsky témoignent d’une volonté trop affirmée <strong>de</strong> s’inscrire dans unevision hégélienne du développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’esprit au détriment d’une recherche plus concrèt<strong>em</strong>entnourrie par les sources. C’est une approche direct<strong>em</strong>ent fondées sur l’étu<strong>de</strong> du terrain quepréconise Gombrich, qui s’élève par ailleurs contre la tyrannie <strong>de</strong>s systèmes <strong>de</strong> pensée <strong>de</strong>sdisciplines universitaires : « on ne peut répéter trop souvent que ces prétendues « disciplines »sur lesquelles reposent notre système universitaire ne sont rien <strong>de</strong> plus que <strong>de</strong>s techniques ; cesont <strong>de</strong>s moyens permettant d’atteindre un but, et rien <strong>de</strong> plus XVI » .On retrouve <strong>de</strong> telles réticences chez <strong>de</strong> nombreux muséologues anglo-saxons énonçant, end’autres termes, une critique similaire à celle <strong>de</strong> Gombrich XVII . Les chercheurs <strong>de</strong>s museum studiesne se sont pas privés d’utiliser les outils conceptuels offerts par les disciplines universitaires,ils n’ont pas pour autant tenté <strong>de</strong> constituer leur champ <strong>de</strong> recherche à partir d’une métho<strong>de</strong>spécifique et indépendante constituée par un appareil conceptuel qui leur serait propre, maisdangereus<strong>em</strong>ent détaché <strong>de</strong> leur terrain d’investigation. Un tel projet apparaîtrait non seul<strong>em</strong>entdénué <strong>de</strong> sens ou d’intérêt, mais risquerait surtout d’être nuisible, en détournant l’attention <strong>de</strong> larecherche sur <strong>de</strong>s abstractions peu convaincantes, sinon biaisées.Les transformations du modèle économique et leur influence sur la muséologieL’approche <strong>de</strong> la muséologie s’avère donc distincte <strong>de</strong> part et d’autre <strong>de</strong> l’Atlantique,mais jusque dans les années 1980, ces différences n’en d<strong>em</strong>eurent pas moinsrelativ<strong>em</strong>ent mineures en regard <strong>de</strong>s conceptions du mon<strong>de</strong> radical<strong>em</strong>ent opposées enmatière <strong>de</strong> politique et d’économie. A l’époque <strong>de</strong> la parution <strong>de</strong>s Museological workingXVIL’OIM a été fondé dans le sillage <strong>de</strong> la Société <strong>de</strong>s Nations et <strong>de</strong> la Commission internationale <strong>de</strong> coopérationintellectuelle : « L’œuvre <strong>de</strong> coopération intellectuelle et l’Office international <strong>de</strong>s musées », Mouseion, 1, 1927, p.3-10.XVIIRIVIERE G.H. et alii., La muséologie selon Georges Henri Rivière, Paris, Dunod, 1989 ; VARINE H. <strong>de</strong>.,L’initiative communautaire. Recherche et expérimentation, Mâcon, W. et M.N.E.S., 1991.21


paper, le mon<strong>de</strong> reste encore divisé en plusieurs zones d’influence : un bloc capitaliste, composépar l’Amérique du Nord, allié à l’Europe occi<strong>de</strong>ntale (ou les pays signataires du traité d’AtlantiqueNord) ; un bloc socialiste, composée par l’URSS et les pays signataires du pacte <strong>de</strong> Varsovie ; uncertain nombre <strong>de</strong> pays non-alignés.Les anciens pays européens, alliés <strong>de</strong>s Etats-Unis, d<strong>em</strong>eurent assez divisés en matière <strong>de</strong>politique économique, la plupart favorisant l’idée d’un Etat-provi<strong>de</strong>nce. Le modèle français, à cetégard, s’il s’écarte larg<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’idéal socialiste, n’en a pas moins repris un certain nombre <strong>de</strong>pratiques, et notamment (partiell<strong>em</strong>ent) celle <strong>de</strong> la planification et <strong>de</strong>s nationalisations. L’influence<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ux modèles se fait sentir dans l’ens<strong>em</strong>ble du mon<strong>de</strong>, chacun <strong>de</strong>s blocs tentant d’agrandir soninfluence. En l’espace d’une génération, cependant, ce rapport <strong>de</strong> force appar<strong>em</strong>ment relativ<strong>em</strong>entstable se transforme radical<strong>em</strong>ent. La chute du mur <strong>de</strong> Berlin et l’implosion du bloc soviétique n<strong>em</strong>arquent pas la « fin <strong>de</strong> l’histoire », au sens où Francis Fukijama la prophétisait en 1992 XVIII ,mais la désagrégation du système socialiste entraîne le développ<strong>em</strong>ent accéléré <strong>de</strong>s politiques d<strong>em</strong>arché libérales, telles que mises en place dans les pays anglo-saxons. On observera ainsi, dansl’ens<strong>em</strong>ble du mon<strong>de</strong> occi<strong>de</strong>ntal, une diminution croissante <strong>de</strong>s politiques publiques, tant décriéespar l’Ecole néolibérale <strong>de</strong> Chicago (alors dominante), au bénéfice <strong>de</strong> l’accroiss<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la liberté<strong>de</strong>s marchés, territoire <strong>de</strong> l’homo oeconomicus dont la recherche <strong>de</strong> la maximisation <strong>de</strong> son utilitéapparaît comme le moteur <strong>de</strong> l’ens<strong>em</strong>ble du système.Ces mutations vont produire, à leur tour, <strong>de</strong>s transformations considérables dans le mon<strong>de</strong> <strong>de</strong>smusées. D’une certaine manière, le chang<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> modèle économique va progressiv<strong>em</strong>enttransparaître à travers la logique muséale : le tournant commercial <strong>de</strong>s musées, qui opère à cetteépoque, induit la métamorphose progressive du visiteur en consommateur, et celle du musée enunité économique influençant le <strong>de</strong>venir <strong>de</strong> sa région.En l’espace d’une génération, le mon<strong>de</strong> <strong>de</strong>s musées va donc lui aussi subir un chang<strong>em</strong>entradical… au bénéfice, certain<strong>em</strong>ent, du bloc le plus fort sur le plan économique. Si, au seuil<strong>de</strong>s années 1980, le mon<strong>de</strong> <strong>de</strong> la muséologie présente ainsi encore un ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>s<strong>de</strong> pensée relativ<strong>em</strong>ent hétérogène : anglo-saxonne, <strong>de</strong> l’Est, latine, nouvelle muséologie,cet ens<strong>em</strong>ble évolue rapid<strong>em</strong>ent à partir <strong>de</strong>s années 1990. Importance <strong>de</strong> la langue ?Développ<strong>em</strong>ent économique rapi<strong>de</strong> ? Transformation du système universitaire ? Il est difficile<strong>de</strong> ne retenir qu’un seul facteur explicatif pour évoquer l’importance du chang<strong>em</strong>ent quis’opère notamment en Gran<strong>de</strong>-Bretagne, mais quoiqu’il en soit, il apparaît que les publications<strong>de</strong> museum studies, à travers les éditions Routledge notamment, <strong>de</strong> même que celles <strong>de</strong>l’Université <strong>de</strong> Leicester, connaissent à cette époque une expansion rapi<strong>de</strong> et une notoriétémondiale. En l’espace <strong>de</strong> quelques années, <strong>de</strong>s dizaines <strong>de</strong> publications sortent <strong>de</strong>s presses<strong>de</strong> ces maisons d’édition, <strong>de</strong> nombreux ouvrages s’imposant rapid<strong>em</strong>ent comme <strong>de</strong>sclassiques du genre XIX . L’édition en langue française ou en langue espagnole <strong>de</strong> livres d<strong>em</strong>uséologie connaît parallèl<strong>em</strong>ent un développ<strong>em</strong>ent important – pour la France, par ex<strong>em</strong>ple,à travers les éditions <strong>de</strong> la MNES et <strong>de</strong>s Presses universitaires <strong>de</strong> Lyon, puis l’Harmattan –mais leur diffusion se heurte à la barrière <strong>de</strong> la langue, ce dont témoignent le catalogue <strong>de</strong>s cXVIIIFUKUYAMA F., La Fin <strong>de</strong> l’histoire et le Dernier Homme, Paris, Flammarion, 1992.XIXNotamment à travers l’œuvre <strong>de</strong> Pearce et <strong>de</strong> Hooper Greenhill, citées plus haut, ainsi que <strong>de</strong> la série Leicesterrea<strong>de</strong>r in <strong>Museu</strong>m Studies.22


mondial, que celle <strong>de</strong> l’ICOM ? On est en droit <strong>de</strong> se le d<strong>em</strong>an<strong>de</strong>r, lorsque l’on voit les efforts <strong>de</strong>l’association américaine pour diffuser certaines <strong>de</strong> ses publications en arabe, en chinois ou enespagnol XX .D’un point <strong>de</strong> vue global, la manière anglo-saxonne <strong>de</strong> penser le musée s’impose progressiv<strong>em</strong>entsur le mon<strong>de</strong>. Il ne s’agit ni <strong>de</strong> le déplorer, ni <strong>de</strong> s’en réjouir, mais bien <strong>de</strong> partir d’un tel constatpour mieux comprendre la muséologie telle qu’elle se développe <strong>de</strong> nos jours.Le projet du dictionnaire encyclopédique dans un mon<strong>de</strong> changeantLe projet du dictionnaire s’inscrit dans d’un tel contexte. On connait ses prémisses, liés à lafondation <strong>de</strong> l’ICOFOM et à la volonté <strong>de</strong> rédiger un traité international <strong>de</strong> muséologie qui ne vitjamais le jour. Cependant, en 1993, Martin R. Schärer, alors prési<strong>de</strong>nt <strong>de</strong> l’ICOFOM, relança leprocessus en proposant la rédaction d’un corpus <strong>de</strong> termes muséologiques <strong>de</strong> base, tâche quifut confiée à André Desvallées XXI . Celui-ci fut rejoint huit ans plus tard par Norma Rusconi (qui<strong>de</strong>vait malheureus<strong>em</strong>ent décé<strong>de</strong>r en 2007) et par moi-même. Au fil <strong>de</strong>s années, un consensusse dégagea pour tenter <strong>de</strong> présenter, en une vingtaine <strong>de</strong> termes, un panorama du context<strong>em</strong>uséologique international. Ce travail <strong>de</strong> réflexion a connu une certaine accélération ces<strong>de</strong>rnières années. Plusieurs versions préliminaires <strong>de</strong>s articles furent alors rédigées XXII . Uneversion abrégée <strong>de</strong> ce travail – la partie introductive <strong>de</strong> chacun <strong>de</strong>s vingt termes – fut présentéeet discutée lors du trente-<strong>de</strong>uxième symposium annuel <strong>de</strong> l’ICOFOM, à Liège et Mari<strong>em</strong>ont en2009 XXIII . En 2010, les Concepts clés <strong>de</strong> la muséologie, disponible sur le site <strong>de</strong> l’ICOM, étaientprésentés (en quatre langues) à la conférence <strong>de</strong> Shanghai.La plupart <strong>de</strong>s auteurs sont francophones – mis à part Martin R. Schärer, parfait<strong>em</strong>ent bilingue – ,un choix voulu pour <strong>de</strong>s raisons pratiques, mais qui visait aussi à mettre en valeur une certaineconception francophone du musée, telle qu’elle ne pourrait être présentée <strong>de</strong> la sorte par uncomité international. C’est donc notamment en privilégiant une approche théorique que nousavons envisagé la structure du dictionnaire. Car si le propre d’un dictionnaire vise à présenterles mots en liste alphabétique, leur choix n’en révèle pas moins une structure particulière,qu’il s<strong>em</strong>ble important <strong>de</strong> souligner ici. En somme, la structure d’une langue, mais égal<strong>em</strong>entla culture qui lui est liée, induiraient <strong>de</strong>s approches parfois fort différentes pour une mêmediscipline. Les différences d’approche évoquées par Burcaw ou Gombrich, se retrouvent ainsidans l’enseign<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la muséologie. A titre <strong>de</strong> comparaison, la structure <strong>de</strong> trois manuelsclassiques : La muséologie selon Georges Henri Rivière, <strong>Museu</strong>m basics, écrit par Tim Ambrose etXXVoir la rubrique internationale <strong>de</strong> l’American Alliance for <strong>Museu</strong>ms. http://www.aam-us.org/resources/international(consultation octobre 2012)XXIDESVALLÉES A., « Pour une terminologie muséologique <strong>de</strong> base », La muséologie/museology (Cahiers d’étu<strong>de</strong>/Study series), 8, Paris, ICOM, 2000, p. 8. DESVALLÉES A., « Émergence et ch<strong>em</strong>in<strong>em</strong>ent du mot ‘patrimoine’ », inMusées & collections publiques <strong>de</strong> France, 208, sept<strong>em</strong>bre 1995, p. 6-29. Repris en partie dans « Patrimoine », inPublics & Musées, 7, janv.-juin 1995, p. 135-153 ;XXIIDESVALLÉES A., « Cent quarante termes muséologiques ou petit glossaire <strong>de</strong> l’exposition », in DE BARY M. O.,TOBELEM J. M., Manuel <strong>de</strong> Muséographie, Paris, Séguier – Option culture, 1998, p. 205-251 ; MAIRESSE F., « Lamuséalisation du mon<strong>de</strong> », in Mairesse et al. (Éd.), RTBF 50 ans - L’extraordinaire jardin <strong>de</strong> la mémoire, Morlanwelz,Musée royal <strong>de</strong> Mari<strong>em</strong>ont, 2004, t.2 « Musée » – p. 11-34 ; MAIRESSE F., « La notion <strong>de</strong> public », ICOFOM StudySeries, 35 (preprints), 2005, p. 7-25 ; MAIRESSE F. et DESVALLEES A., « Sur la muséologie », Cultures et Musées, 6,Déc. 2005, p. 131-155 ; MAIRESSE, F. et DESVALLEES A., Brève histoire <strong>de</strong> la muséologie, in Mariaux, Pierre-Alain(Ed.), L’objet <strong>de</strong> la muséologie, Neuchâtel, Institut d’Histoire <strong>de</strong> l’art et <strong>de</strong> Muséologie, 2005, p. 1-50 ; MAIRESSE F.,DESVALLÉES A. (Dir.), Vers une redéfinition du musée ? Paris, l’Harmattan, 2007.XXIII« Museology : Back to Basics. Muséologie : revisiter nos fondamentaux. Museologia : retorno a las bases »,Icofom Study Series, 38, 2009 ; Icofom Study Series, 38 supplément, 2009.23


Crispin Paine, et Muséologie, introduction aux étu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> Zbynēk Stránský, laisse apercevoir <strong>de</strong>sconceptions très différentes <strong>de</strong> ce qui doit être enseigné (tab. 1). La mise en contexte, chez Rivière,occupe une partie importante <strong>de</strong> la présentation, tandis que c’est d’abord la fonction <strong>de</strong> recherchequi est évoquée ; l’approche <strong>de</strong> Stránský est marquée par la structure <strong>de</strong> la muséologie et n’évoqueque très accessoir<strong>em</strong>ent la muséologie appliquée. C’est une démarche exact<strong>em</strong>ent contraire quiest choisie par Ambrose et Paine, lesquels insistent essentiell<strong>em</strong>ent sur les visiteurs <strong>de</strong>s musées,avant le développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>s collections ou l’architecture et la gestion.La muséologie, RivièreG.H. 1989.<strong>Museu</strong>m Basics (Ambroseet Paine) 1993Stransky Muséologieintroduction aux étu<strong>de</strong>s, 1995402p. 319p. 116p.I. Musée et société1. Musée et société, àtravers le t<strong>em</strong>ps et l’espace2. Musée et sociétéaujourd’huiII. Musée et patrimoine1. Recherche2. ConservationIII. Musée, instrumentd’éducation et <strong>de</strong> culture1. Présentation2. Le public <strong>de</strong>s muséesIV. L’institution muséale1. Statuts etorganisation2. Architecture etprogrammation1. Introductory(musées, types, rôle)2. The museum and itsusers (les musées sontpour les gens, marketing,éducation muséale,interprétation, techniques<strong>de</strong> présentation,publications, types <strong>de</strong>collections, politiqued’acquisition, etc.)3. Development and careof museum’s collection(collecte, terrain, système<strong>de</strong> documentation,environn<strong>em</strong>ent, réserves,conservation, etc.)4.The museum and itsbuilding (forme, fonction,sécurité, accessibilité)5. The museum and itsmanag<strong>em</strong>ent(statut, planification,performance indicators,fundrainsing, DRH,volontaires, evaluation,formation, etc.)0. Pourquoi apprendre lamuséologie1. Base d’information2. La métamuséologie3. La muséologie historique4. La muséologie sociale5. La muséologie théorique6. La muséographie (lamuséologie appliquée)7. La muséologie spécialeTab. 1. Structure <strong>de</strong> trois ouvrages classiques <strong>de</strong> muséologieUne telle comparaison, sommaire, reflète l’extrême diversité <strong>de</strong>s approches du musée. Le contexte<strong>de</strong> développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la pensée anglo-saxonne, évoqué plus haut, permet <strong>de</strong> mieux comprendre laprééminence d’un modèle relativ<strong>em</strong>ent pratique, tel qu’il transparaît dans <strong>Museu</strong>m basics et dans <strong>de</strong>nombreux ouvrages XXIV . Si l’approche critique du musée n’en est pas absente, comme on l’a évoquéplus haut, il n’en d<strong>em</strong>eure pas moins qu’elle apparaît différ<strong>em</strong>ment <strong>de</strong> celle que l’on pourrait s’attendreà trouver dans le programme <strong>de</strong> Stránský. En ce sens, si l’on <strong>de</strong>vait tenter <strong>de</strong> présenter les museumsXXIVNotamment BOYLAN P. (coord.), Comment gérer un musée : manuel pratique Paris, ICOM/Unesco, 2006 ouBURCAW G.E., Introduction to <strong>Museu</strong>m Work, Walnut Creek-London, Altamira Press, 1997 (3ème éd.).24


studies comme un champ <strong>de</strong> recherche, on se <strong>de</strong>vrait d’y inclure nett<strong>em</strong>ent plus que lesseules approches pratiques (« comment gérer un musée ») que laisse entrevoir l’ouvrage<strong>Museu</strong>m basics. Selon une approche inspirée du mind mapping ou <strong>de</strong>s schémas heuristiques,ce champ pourrait être présenté (notamment à partir <strong>de</strong> la structure <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>m basics) <strong>de</strong>la manière suivante (fig. 1). La structure <strong>de</strong> ce schéma, si elle révèle une certaine logique,d<strong>em</strong>eure sommaire, en regard, par ex<strong>em</strong>ple, <strong>de</strong> celle du système figuré <strong>de</strong>s connaissanceshumaines, joint par d’Al<strong>em</strong>bert dans son « Discours préliminaire » à l’Encyclopédie XXV .Fig. 1. Mind mapping (ou schéma heuristique) <strong>de</strong>s museum studies (à partir <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>m basics)Quelle pourrait-être, dans ce contexte, la structure du Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie? Son projet, comme celui <strong>de</strong> toute encyclopédie, est ambitieux, puisqu’il vise, à partir d’un point <strong>de</strong>vue francophone, à présenter un état <strong>de</strong> l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong>s approches relatives à la muséologie, aussibien celles <strong>de</strong> l’Est que les traditions latines et anglo-saxonnes. Entreprise périlleuse s’il en est ! Sanspour autant nous imposer <strong>de</strong> schéma préétabli, nous souhaitions bien circonscrire notre propos,en présentant la muséologie comme « l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong>s tentatives <strong>de</strong> théorisation ou <strong>de</strong> réflexioncritique liées au champ muséal ». Le terme <strong>de</strong> champ muséal est facile à comprendre par tous, ilrejoint, en cela, l’analyse <strong>de</strong> Bernard Schiele sur la définition <strong>de</strong> la muséologie, et sa proposition<strong>de</strong> voir dans ce terme un domaine <strong>de</strong> recherche hétérogène, dans un contexte d’application lié aumusée dans un sens large XXVI . Le terme « muséal », (synonyme <strong>de</strong> champ muséal) se réfère à cettenotion élargie <strong>de</strong> musée. Le concept est important, puisqu’il définit la muséologie ; il a été précisépar Bernard Deloche XXVII , comme « champ <strong>de</strong> référence dans lequel se déroulent non seul<strong>em</strong>entla création, le développ<strong>em</strong>ent et le fonctionn<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’institution musée, mais aussi la réfl exionsur ses fond<strong>em</strong>ents et ses enjeux. Ce champ <strong>de</strong> référence se caractérise par la spécifi cité <strong>de</strong>son approche et détermine un point <strong>de</strong> vue sur la réalité ». Les spécifi cités cette approchesont doubles : le muséal se fon<strong>de</strong> sur la présentation sensible et sur la mise en marge <strong>de</strong> la réalité.XXVGROULT M. « Le projet philosophique <strong>de</strong> l’encyclopédie », in ARTFL Encyclopédie Project, university of Chicago,disponible sur Internet : http://encyclopedie.uchicago.edu/no<strong>de</strong>/162 (consultation octobre 2012)XXVISCHIELE B., « La muséologie. un domaine <strong>de</strong> recherches », in MEUNIER A. ET LUCKERHOFF J., La muséologie,champ <strong>de</strong> théories et <strong>de</strong> pratiques, Québec, Presses universitaires <strong>de</strong> Québec, 2012, p. 79-100.XXVIIDELOCHE B., Le musée virtuel, Paris, Presses universitaires <strong>de</strong> France, 2001.25


Si la muséologie se fon<strong>de</strong> sur le muséal, les vingt-et-un termes retenus pour la partieencyclopédique du Dictionnaire diffèrent sensibl<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> ceux évoqués dans <strong>Museu</strong>mbasics et sont présentés en ordre alphabétique XXVIII . (tab. 2). Le choix <strong>de</strong>s différents termesest bien sûr évoqué dans l’introduction – le discours préliminaire – du Dictionnaire, ceux-cis’articulant selon une certaine logique au sein d’un discours sur l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong>s connaissancesen matière <strong>de</strong> muséologie. C’est cette logique sous-jacente que je voudrais évoquer ici.L’approche choisie par Raymond Montpetit pour analyser le dictionnaire refl ète assez bien lamanière dont nous avons procédé. C’est à partir <strong>de</strong> structures simples, acceptées par la plupartd’entre nous, que le muséologue québécois entreprend son analyse. Le musée repose sur troiséléments constitutifs (collection – musée – public), ses fonctions principales étant connues, qu’ellesaient été synthétisées sous la forme du modèle PRC (préservation, recherche, communication) oudans le manifeste <strong>de</strong> Veach Noble (collecte, préservation, étu<strong>de</strong>, interprétation, exposition). C’estConcepts clés <strong>de</strong> la muséologieArchitectureCollectionCommunicationEducationEthiqueExpositionGestionInstitutionMédiationMuséalMuséalisationMuséeMuséographieMuséologieObjetPatrimoinePréservationProfessionPublicRechercheSociétéTab. 2. Les vingt-et-un termes du Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologieNous aurions pu nous fon<strong>de</strong>r, bien sûr, sur la structure <strong>de</strong> l’un ou l’autre traité <strong>de</strong> muséologie afin <strong>de</strong>sélectionner les principaux concepts méritant d’être étudiés. D’<strong>em</strong>blée, il nous a fallu aménager <strong>de</strong> telschoix, car les différences d’approche (Rivière, Ambrose et Stránský, pour reprendre l’ex<strong>em</strong>ple précé<strong>de</strong>nt)sont considérables, rendant une synthèse difficile. Ainsi, par ex<strong>em</strong>ple le modèle muséologiqueévoqué par Peter van Mensch XXIX (fig 2.) constitue un système parfait<strong>em</strong>ent logique, mais qui diffèreconsidérabl<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong>s recherches actuelles liées au champ muséal. Nous aurions pu,à l’inverse, nous fon<strong>de</strong>r sur un relevé <strong>de</strong> ces recherches et tenter <strong>de</strong> les agréger en un certain nombre<strong>de</strong> thématiques, afin <strong>de</strong> présenter une sorte <strong>de</strong> cadastre du champ muséal. Mais certains concepts quinous paraissaient importants – comme « muséal », par ex<strong>em</strong>ple – n’auraient pas bénéficié d’une entrée.Fig.2. Structure <strong>de</strong> la muséologie – Peter van MenschXVIIISi, au départ, vingt termes ont été retenus, un <strong>de</strong>rnier a été ajouté à la suite <strong>de</strong>s discussions lors du XXXIIesymposium <strong>de</strong> l’ICOFOM, à Liège et Mari<strong>em</strong>ont.XXIXVoir MENSCH P. VAN, Towards a Methodology of Museology, University of Zagreb, Faculty of Philosophy,Doctor’s Thesis, 1992; le sch<strong>em</strong>a présenté ici provient <strong>de</strong> MENSCH P. VAN (Ed.), “Museology as a scientifi c basisfor the museum profession”, in Professionalising the Muses. Amsterdam, AHA Books, 1989, p. 85-95.26


à partir <strong>de</strong> ces « lieux communs <strong>de</strong> la muséologie » que Montpetit, se fondant sur sa connaissance<strong>de</strong> la littérature, prend acte <strong>de</strong>s entrées du dictionnaire et en suggère <strong>de</strong> nouvelles XXX (fi g. 3).Fig. 3. Présentation du dictionnaire. Les termes précédés d’une astérisque sont suggéréspar Raymond Montpetit.Une telle approche s’adapte assez bien à la logique <strong>de</strong>s museum studies (tout manuel traitant <strong>de</strong> cechamp se doit d’être structuré). En revanche, il nous fallait l’adapter à l’approche muséologique, tellequ’elle est envisagée <strong>de</strong>puis une quarantaine d’années par l’ICOFOM XXXI et dont les travaux ont mis envaleur un certain nombre <strong>de</strong> notions plus abstraites, comme le terme <strong>de</strong> muséalisation. Parallèl<strong>em</strong>ent,certaines notions – comme celle <strong>de</strong> muséographie – évoquées intensiv<strong>em</strong>ent durant <strong>de</strong>s dizainesd’années et encore utilisées <strong>de</strong> nos jours, nous s<strong>em</strong>blaient <strong>de</strong>voir égal<strong>em</strong>ent être maintenues. Il nousrevenait, en revanche, <strong>de</strong> tenter <strong>de</strong> les articuler, afin <strong>de</strong> donner au Dictionnaire une réelle cohérence.Nous sommes donc partis du plus simple ou <strong>de</strong> ce qui est accepté par tous, à savoir le muséeprésenté comme un ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong> fonctions (le modèle PRC) exécutées par du personnel, sur <strong>de</strong>sobjets, à <strong>de</strong>stination du public. Le musée agit dans cette perspective comme un processus <strong>de</strong>transformation (<strong>de</strong> muséalisation) qui peut être modélisé au moyen <strong>de</strong> 15 concepts clés (fig. 4). Ace sta<strong>de</strong>, le musée est situé sur un pr<strong>em</strong>ier niveau qui décrit le processus <strong>de</strong> muséalisation à partir<strong>de</strong>s trois fonctions du musée (PRC), la communication étant explicitée à partir <strong>de</strong> plusieurs termes(éducation, médiation, exposition). Les intrants, dans ce processus, sont les objets (ou la collection)et le personnel. L’organisation générale du processus peut être définie par la fonction <strong>de</strong> gestion.Les extrants sont produits à <strong>de</strong>stination du public. A un second niveau, le musée apparaît autantcomme le processus (abstrait) <strong>de</strong> muséalisation que comme sa figuration concrète, à travers sonbâtiment (ou l’architecture). Cet ens<strong>em</strong>ble peut être synthétisé à partir du concept <strong>de</strong> muséographie,entendue ici comme l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong>s techniques développées pour r<strong>em</strong>plir les fonctions muséales.30VEACH NOBLE J., <strong>Museu</strong>m Manifesto [1970], <strong>Museu</strong>m News, Feb. 1984, p. 51-56.31Voir la synthèse du colloque <strong>de</strong> l’ICOFOM à Mari<strong>em</strong>ont et Liège, réalisée par Blondine Desbiolles, Icofom StudySeries, 38 suppl<strong>em</strong>ent, 2009, p. 33 sq.27


Fig.4. Le musée comme lieu et comme processus <strong>de</strong> muséalisationLe phénomène muséal doit cependant pouvoir être envisagé à un troisième niveau, qui est le planinstitutionnel (fig. 5). Si le musée se présente comme un établiss<strong>em</strong>ent, il constitue aussi une institutionque la société occi<strong>de</strong>ntale a progressiv<strong>em</strong>ent mise en place. Deux notions direct<strong>em</strong>ent liées à ceprincipe sont celle <strong>de</strong> société elle-même, qui permet d’envisager d’un autre point <strong>de</strong> vue le terme <strong>de</strong>public, et celle <strong>de</strong> patrimoine qui englobe sous ce même angle institutionnel la collection ou l’objet.Fig. 5. Le musée comme institutionLa notion <strong>de</strong> muséal intègre bien ces trois plans : ce terme définit le « champ <strong>de</strong> référencedans lequel se déroulent non seul<strong>em</strong>ent la création, le développ<strong>em</strong>ent et le fonctionn<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>l’institution musée, mais aussi la réflexion sur ses fond<strong>em</strong>ents et ses enjeux », c‘est-à-dire aussibien le processus <strong>de</strong> muséalisation (les fonctions du musée) que le musée comme établiss<strong>em</strong>entou comme architecture, mais aussi comme institution au sein <strong>de</strong> la société (fig. 6). C’est à ce mêmeniveau, que Stránský pourrait présenter comme métamuséologique, que l’éthique du muséal (etdu musée) peut être envisagée. L’éthique, au sens français du terme, diffère <strong>de</strong> la morale ou <strong>de</strong> la28


déontologie, définie (comme pour le co<strong>de</strong> <strong>de</strong> déontologie <strong>de</strong> l’ICOM) à partir d’un ordre du mon<strong>de</strong>qui déci<strong>de</strong> <strong>de</strong> la place <strong>de</strong> chacun. L’éthique, en revanche, se présente comme une disciplinephilosophique qui traite <strong>de</strong> la détermination <strong>de</strong>s valeurs qui vont gui<strong>de</strong>r la conduite humaine.C’est en ce sens, rappelé fort judicieus<strong>em</strong>ent par Bernard Deloche dans son article XXXII , que lanouvelle muséologie apparaît, par ex<strong>em</strong>ple, comme une redéfinition <strong>de</strong>s valeurs fondant le muséedans sa relation avec la collection ou le public. C’est bien dans cette même perspective que lamuséologie peut être définie comme la philosophie du muséal, ou comme l’éthique du muséal.Fig. 6. Le muséal et la muséologie comme éthique du muséalLe Schéma <strong>de</strong> la figure 6 présente donc une manière d’évoquer la muséologie et la structure duDictionnaire. C’est à partir d’un tel espace, qui pourrait sans doute être mieux présenté en troisdimensions (ou sous forme <strong>de</strong> cartes conceptuelles ou <strong>de</strong> modèles relationnels), que les connaissancesont été organisées et que les près <strong>de</strong> 500 termes du dictionnaire peuvent être répertoriés. Il va <strong>de</strong> soi,pour les raisons évoquées plus haut, que <strong>de</strong>s notions comme « muséalisation », « muséal » voire« éthique » et « institution » ne trouveraient probabl<strong>em</strong>ent pas autant d’écho dans un dictionnairestrict<strong>em</strong>ent anglo-saxon. Cette structure – élaborée implicit<strong>em</strong>ent, faut-il le dire, ce n’est qu’a posteriorique je me permets d’analyser le Dictionnaire <strong>de</strong> cette manière – permet égal<strong>em</strong>ent d’éclairer leslacunes actuelles du projet encyclopédique. Parmi celles-ci, la notion <strong>de</strong> préservation, en regard<strong>de</strong> celle <strong>de</strong> communication, d<strong>em</strong>eure relativ<strong>em</strong>ent peu explicitée : <strong>de</strong>s entrées sur les processusd’acquisition (et d’aliénation), <strong>de</strong> gestion <strong>de</strong>s collections et <strong>de</strong> restauration seraient probabl<strong>em</strong>ent lesbienvenues. De même, la notion <strong>de</strong> public pourrait être analysée plus en profon<strong>de</strong>ur, à partir <strong>de</strong> celle<strong>de</strong> community, d’inclusion sociale ou, par ex<strong>em</strong>ple, celle d’étu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> public. La notion <strong>de</strong> gestion,XXXIIDELOCHE B.et SCHÄRER M., « Ethique », in DESVALLEES A., MAIRESSE F. (dir.), Dictionnaire encyclopédique<strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, 2011, p. 121-132.29


certain<strong>em</strong>ent, pourrait égal<strong>em</strong>ent être précisée, qu’il s’agisse <strong>de</strong> gestion fi nancière (fundraising,par ex<strong>em</strong>ple) ou <strong>de</strong> celle <strong>de</strong> personnel.Cette structure, par son approche théorique, rend cependant encore peu compte, sinon d<strong>em</strong>anière subjective, <strong>de</strong> l’état réel <strong>de</strong> la recherche en muséologie. Si l’on voulait procé<strong>de</strong>r <strong>de</strong> lasorte, il s’agirait <strong>de</strong> partir <strong>de</strong>s principaux domaines <strong>de</strong> recherche en matière d’étu<strong>de</strong>s muséales,ce qui laisserait apercevoir un système d’entrée sans doute différent, lequel pourrait être fi guré<strong>de</strong> la manière suivante XXXIII (fi g. 7) .Fig. 7. Les principaux domaines <strong>de</strong> recherche sur le muséeUne telle approche, non-hiérarchique (sinon en fonction <strong>de</strong> l’importance <strong>de</strong>s sujets), présente unevision probabl<strong>em</strong>ent plus proche <strong>de</strong> ce qui se présente à l’esprit lorsque l’on évoque le terme <strong>de</strong> «museum studies » ou <strong>de</strong> « muséologie », que la structure sous-jacente au Dictionnaire. En suivantun tel raisonn<strong>em</strong>ent, on <strong>de</strong>vrait en déduire que c’est une telle liste <strong>de</strong> termes (plus objectiv<strong>em</strong>entdéfinie que la figure présentée ici) qui pourrait réell<strong>em</strong>ent rendre compte du champ muséal, mêmesi les limites <strong>de</strong> ce <strong>de</strong>rnier d<strong>em</strong>eurent floue. Et en effet, dans une telle perspective, les notions <strong>de</strong>« muséal », <strong>de</strong> « muséalisation » ou <strong>de</strong> « muséographie » disparaîtraient au profit <strong>de</strong> thématiquesactuell<strong>em</strong>ent plus régulièr<strong>em</strong>ent utilisées, comme « colonialisme » ou display. Il n’en reste pasmoins que cette approche, si elle traduit aussi la logique actuelle du champ muséal, s’inscrit dansson actualité, larg<strong>em</strong>ent dominée par la littérature anglo-saxonne, mais possè<strong>de</strong> égal<strong>em</strong>ent seslimites, just<strong>em</strong>ent du fait <strong>de</strong> cette actualité.Le musée inclusif au sein <strong>de</strong> l’encyclopédieLe nouveau défi, dans lequel nous entendons nous lancer au cours <strong>de</strong>s prochaines années, visedonc à présenter un dictionnaire qui pourrait être pertinent pour un public autant francophone oulatin qu’anglo-saxon. Une telle approche, on l’aura compris, rési<strong>de</strong>XXXIIIIl convient <strong>de</strong> noter que l’approche visuelle proposée ici ne repose que sur une perception subjective (<strong>de</strong> l’auteur)<strong>de</strong>s sujets <strong>de</strong> recherche principaux.30


sur une proposition nett<strong>em</strong>ent plus complexe que la seule traduction du dictionnaire, puisqu’il s’agit,ni plus ni moins, <strong>de</strong> conserver sa structure, mais aussi <strong>de</strong> l’élargir <strong>de</strong> manière à intégrer certainesnotions qui rencontrent un écho particulier outre-Atlantique. La manière la plus simple <strong>de</strong> procé<strong>de</strong>rvise à augmenter le nombre <strong>de</strong> termes qui seraient présentés au sein <strong>de</strong> l’ouvrage. Mais une telleaugmentation <strong>de</strong>s concepts n’est pas sans effet sur la structure elle-même. Parmi ceux qui sontévoqués, notamment dans la figure 7, on pourrait retenir, par ex<strong>em</strong>ple, le concept d’inclusion, quel’on retrouve actuell<strong>em</strong>ent à <strong>de</strong> nombreuses occasions au sein du champ muséal. C’est ce termeque je voudrais analyser ici, à titre d’ex<strong>em</strong>ple, afin d’évoquer les conséquences d’une telle approche.J’ai souligné plus haut, en introduction, l’importance grandissante du concept d’inclusion dansle mon<strong>de</strong> muséal actuel. Ce mot n’a pas direct<strong>em</strong>ent été traité dans le dictionnaire, et le termed’inclusion sociale, par ex<strong>em</strong>ple, n’a pas été retenu comme concept clé (mais il est défini dansla secon<strong>de</strong> partie) Il est fort probable qu’en cas d’une édition anglophone, le terme pourrait êtreprésenté comme « concept clé ». Mais comment serait-il alors évoqué ? D’abord, il convient <strong>de</strong>r<strong>em</strong>arquer que l’inclusion sociale est déjà abordée dans l’article « Société », lorsque le principecommunautaire à travers le mon<strong>de</strong> est discuté. Comme je l’ai souligné plus haut, le principe du «musée inclusif », relativ<strong>em</strong>ent récent, est essentiell<strong>em</strong>ent utilisé dans <strong>de</strong>s pays anglo-saxons. Enrevanche, il repose sur une histoire nett<strong>em</strong>ent plus ancienne, partagée par les pays francophonesou latins. En France, c’est plutôt la nouvelle muséologie et le rôle <strong>de</strong> l’écomusée qui ont larg<strong>em</strong>entcontribué au développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> notions similaires. Le rôle social du musée est cependant plusancien, il a par ex<strong>em</strong>ple été utilisé en Belgique par Jean Capart dans les années 1930, maissurtout aux Etats-Unis, à la suite <strong>de</strong>s travaux <strong>de</strong> John Cotton Dana, par Theodore Low XXXIV . Lerôle social du musée est ainsi direct<strong>em</strong>ent lié à son inscription, en tant qu’institution, au sein <strong>de</strong> lasociété, et aux différentes acceptions que ce principe recouvre. Louis Réau, dès 1909 , précisaitdéjà les différences <strong>de</strong> conception du musée, <strong>de</strong> part et d’autre <strong>de</strong> l’Atlantique. Foyer <strong>de</strong> viepour la « communauté » dans laquelle il est institué, le musée américain est soutenu par cette<strong>de</strong>rnière pour autant qu’il parvienne à s’insérer réell<strong>em</strong>ent dans le tissu social la constituant.Cette logique est partagée par les pères fondateurs <strong>de</strong> la muséologie américaine (Brown Goo<strong>de</strong>,Dana, voire Gilman) XXXV ; elle s’avère radical<strong>em</strong>ent différente sur le continent européen, oùl’institution d<strong>em</strong>eure larg<strong>em</strong>ent longt<strong>em</strong>ps fondée sur son rôle patrimonial et <strong>de</strong> recherche. LaGran<strong>de</strong>-Bretagne, en revanche, a très tôt envisagé le musée à la lumière <strong>de</strong> son rôle dansl’espace public, ce dont les écrits <strong>de</strong> penseurs britanniques, comme Ruskin ou Cole, témoignent<strong>de</strong> manière étonnante XXXVI . La situation <strong>de</strong> l’Angleterre victorienne, pr<strong>em</strong>ière puissance mondiale,est à l’époque particulièr<strong>em</strong>ent marquée par les clivages sociaux qui ont suivi la révolutionindustrielle. La misère du prolétariat est gran<strong>de</strong> et fait régulièr<strong>em</strong>ent craindre les révoltes. Il s’agitaussi, pour le musée, espace public dont se dote le pays, <strong>de</strong> participer au maintien <strong>de</strong> l’ordre,en permettant à toutes les couches <strong>de</strong> la société <strong>de</strong> se fréquenter sans pour autant s’opposer.Il n’est pas étonnant que ce soit à une époque influencée par une économie <strong>de</strong> marchéparticulièr<strong>em</strong>ent libéralisée, que le principe du musée comme facteur <strong>de</strong> cohésion socialerevienne à l’ordre du jour. En ce sens, le lien entre l’inclusion sociale et le musée passeaussi par l’économique et la gestion. Dans l’économie libérale, le financ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>smusées dépend <strong>de</strong> plus en plus <strong>de</strong> programmes spécifiques qui constituent autant <strong>de</strong>34CAPART J., Le t<strong>em</strong>ple <strong>de</strong>s muses, Bruxelles, Musées royaux d’Art et d’Histoire, 1936 (2e éd.) ; LOW T.L., The<strong>Museu</strong>m as a Social Instrument, New York, American Association of <strong>Museu</strong>ms, 1942.35REAU L., L’organisation <strong>de</strong>s musées - Les musées américains, in Revue <strong>de</strong> synthèse historique, 1909, t. 19, p.150-159.36BENNET T., The Birth of the <strong>Museu</strong>m, London, Routledge, 1995.31


aisons pour lesquelles les pouvoirs publics acceptent <strong>de</strong> soutenir les musées : parce qu’ilscontribuent au développ<strong>em</strong>ent du tourisme, <strong>de</strong> la qualité <strong>de</strong> vie d’un site, ou aux efforts d’inclusionsociale mis en œuvre par le gouvern<strong>em</strong>ent.Le principe d’inclusion sociale pourrait être simpl<strong>em</strong>ent intégré comme une entrée liée au concept<strong>de</strong> société ou à celui <strong>de</strong> médiation, qu’il préciserait en quelque sorte. Mais le chang<strong>em</strong>ent évoquéest peut être plus important qu’il n’y paraît à pr<strong>em</strong>ière vue. Ainsi, si l’on suit le discours politique,l’inclusion sociale <strong>de</strong>vrait être présentée comme une réelle fonction du musée : le musée «acquiert, conserve, communique et expose », mais aussi « inclut, attire le tourisme, participeau développ<strong>em</strong>ent économique ». Ces principes ne sont pas nouveaux, mais s’ils ont toujoursété évoquées comme <strong>de</strong>s effets induits par l’activité du musée, ils s<strong>em</strong>blent <strong>de</strong> plus en plus seprésenter comme <strong>de</strong>s enjeux prioritaires. Le lien « collection-musée-public » s’avère variable,Peter van Mensch évoquait ainsi le chang<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> paradigme opéré par la nouvelle muséologiequi plaçait, au centre <strong>de</strong> ses préoccupations, ses visiteurs/utilisateurs et non plus ses collections,induisant un mouv<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> la périphérie vers le centre, et non plus l’inverse XXXVIII . (fig. 8).Fig. 8. La relation objet/fonction/musée/société – Peter van MenschOn compte toujours, au niveau du modèle muséal classique, trois (ou cinq si l’on prend le modèle<strong>de</strong> Veach Noble) fonctions du musée. N’est-on pas en train d’assister au développ<strong>em</strong>ent d’unschéma différent ? De nombreux indices m’amènent à le penser : la plupart <strong>de</strong>s ouvrages quiévoquent le futur <strong>de</strong>s musées positionnent, au centre <strong>de</strong> l’institution, le public et non plus lescollections, allant notamment jusqu’à évoquer la possibilité, pour le musée, <strong>de</strong> travailler avec d<strong>em</strong>oins en moins d’objets XXXIX .XXXVIIIMENSCH P. VAN, op. cit., p. 88.XXXIXBLACK Graham, Transforming <strong>Museu</strong>ms in the Twenty-fi rst Century, London, Routledge, 2012; MUSEUMSASSOCIATION, <strong>Museu</strong>ms 2020 Discussion Paper, London, <strong>Museu</strong>ms Association, 2012. Disponible sur Internet:http://www.museumsassociation.org/download?id=806530 (consultation octobre 2012); MORISHITA M., The Empty<strong>Museu</strong>m. Western Cultures and the Artistic Field in Mo<strong>de</strong>rn Japan, Farnham, Ashgate, 2010.32


FIg. 9. Les cinq fonctions muséalesPour autant, le principe du musée comme lieu <strong>de</strong> communication à partir <strong>de</strong> vraies chosesn’est pas r<strong>em</strong>is en question ; tout porte à croire que la machinerie muséale se complexifi e,intégrant toujours un certain nombre <strong>de</strong> fonctions direct<strong>em</strong>ent liées aux objets, mais égal<strong>em</strong>entun autre type <strong>de</strong> fonctions liées direct<strong>em</strong>ent aux publics. Ainsi, si l’on peut toujours évoquer <strong>de</strong>sfonctions traditionnell<strong>em</strong>ent liées à l’objet (modèle PRC), on pourrait aussi évoquer un modèleM-M (Marketing-Médiation) lié aux fonctions du public (fi g. 9 et 10). Le rapport au public ou,plus direct<strong>em</strong>ent, le travail avec le public, prend une importance en effet grandissante au seindu mon<strong>de</strong> muséal. Il ne s’agit en effet plus seul<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> communiquer à <strong>de</strong>stination du public,mais d’utiliser ce <strong>de</strong>rnier (le touriste ou le consommateur) pour le fonctionn<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> l’institution.Deux forces contradictoires animent cette dynamique. Le travail <strong>de</strong> médiation est bien sûr lié àla fonction <strong>de</strong> communication (éducation, ateliers pédagogiques, visites guidées…) du musée,mais il le dépasse, faisant œuvre d’intégration <strong>de</strong>s non-publics et, <strong>de</strong> manière générale, visantà contribuer à l’émancipation <strong>de</strong>s citoyens au sein <strong>de</strong> la société XL . Un tel projet, <strong>de</strong> naturepolitique XLI , relaie ceux <strong>de</strong> la nouvelle muséologie, <strong>de</strong> l’éducation comme pratique <strong>de</strong> la liberté, oules principes d’inclusion sociale, afi n d’utiliser le musée comme outil au service <strong>de</strong> la démocratie,afi n <strong>de</strong> permettre à chacun <strong>de</strong> jouer un rôle <strong>de</strong> citoyen au sein <strong>de</strong> la société. Mais peut-être aussila médiation, en transformant le non-public en public, cherche-t-elle d’abord à produire <strong>de</strong> futursconsommateurs. Au concept <strong>de</strong> médiation correspond ce qui constitue peut être son antithèse,c’est-à-dire celui <strong>de</strong> marchandisation ou du marketing, qui vise à intégrer le public pour <strong>de</strong>sraisons partiell<strong>em</strong>ent, sinon total<strong>em</strong>ent liées au développ<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>s ressources du musée. L<strong>em</strong>usée, intégré dans une logique <strong>de</strong> marché, se doit <strong>de</strong> toucher un public <strong>de</strong> consommateurs<strong>de</strong> plus en plus large ; une partie <strong>de</strong> sa survie dépend toujours plus, en effet, <strong>de</strong> ses recettespropres, et l’on sait combien la recherche <strong>de</strong> ces <strong>de</strong>rnières conditionne les activités du musée.XLSAADA S., Et si on partageait la culture ? Essai sur la médiation culturellet et le potentiel du spectateur, Toulouse,Edition <strong>de</strong> l’attribut, 2011.XLILAMIZET B., La Médiation culturelle, Paris, l’Harmattan, 1999.33


Fig. 10. Le modèle PRC MMUne telle <strong>de</strong>scription du modèle muséal diffère sensibl<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>s précé<strong>de</strong>ntes, qui pendantlongt<strong>em</strong>ps ont évacué l’ens<strong>em</strong>ble <strong>de</strong> la logique administrative <strong>de</strong> son fonctionn<strong>em</strong>ent. La visiond’un musée dont les fonctions <strong>de</strong> marketing peuvent se développer au point <strong>de</strong> contraindred’autres fonctions du musée, et notamment celles <strong>de</strong> préservation ou <strong>de</strong> recherche, correspondassez bien à l’évolution actuelle.C’est dans cette perspective qu’une réfl exion sur le modèle du « musée inclusif » peut êtreévoquée. Si ce <strong>de</strong>rnier concept fait actuell<strong>em</strong>ent fl orès, c’est non seul<strong>em</strong>ent parce que la situationéconomique actuelle contraint le musée à se présenter comme un outil <strong>de</strong> lutte contre l’exclusionsociale, parce que la société, dans son ens<strong>em</strong>ble, voit celle-ci augmenter au gré <strong>de</strong>s crises <strong>de</strong>son système économique. Mais si l’inclusion sociale et la médiation se développent, c’est aussiparce que la réfl exion marketing fait <strong>de</strong> même, utilisant les mêmes outils (étu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> public,évaluation d’expositions), mais dans une optique résolument différente, essentiell<strong>em</strong>ent guidéepar la recherche <strong>de</strong> nouvelles ressources.La question du musée inclusif et, partant, celle <strong>de</strong> l’inclusion sociale, constituent une belleillustration <strong>de</strong> la manière dont chaque concept utilisé en muséologie est susceptible <strong>de</strong> transformerla perception <strong>de</strong> l’ens<strong>em</strong>ble du champ muséal. Il ne s’agit bien sûr pas <strong>de</strong> transformation radicale: le champ muséal lui-même, la muséalisation, les fonctions <strong>de</strong> base du musée relatives auxobjets d<strong>em</strong>eurent. Pourtant, insensibl<strong>em</strong>ent, l’outil-musée se transforme – ce que ne renieraientni Stránský, ni van Mensch. Il n’est pas impossible que ses fonctions soient encore amenées àévoluer ; le phénomène muséal, en revanche, d<strong>em</strong>eure, pour notre plus grand intérêt.34


O MUSEU INCLUSIVO E A MUSEOLOGIA MUNDIALIZADAFrançois MairesseA noção <strong>de</strong> museu inclusivo, que integra o t<strong>em</strong>a escolhido para o 21 o . Encontro do ICOFOM LAM,revela um certo modo <strong>de</strong> pensar mundializado: "Museologia, Patrimônio, Interculturalida<strong>de</strong>:museus inclusivos, <strong>de</strong>senvolvimento e diálogo intercultural". Há apenas alguns mesesrealizou-se, <strong>em</strong> Barbados, a 6 a . Conferencia sobre o <strong>Museu</strong> Inclusivo, organizada peloInstituto Internacional para o <strong>Museu</strong> Inclusivo I . Esta noção, mais do que outras, test<strong>em</strong>unhacertamente uma lógica específica que opera no âmbito da Museologia. Convém pontuar, porum lado, que na orig<strong>em</strong>, o termo "museu inclusivo", relativamente recente, foi a principioessencialmente utilizado <strong>em</strong> língua inglesa. Foi a partir da década <strong>de</strong> 1990 que o vimos surgirna literatura museal, principalmente para evocar as relações entre o museu e os visitantes<strong>de</strong>ficientes II , mas também <strong>de</strong> modo mais geral, o conjunto <strong>de</strong> públicos excluídos do museu.O conceito <strong>de</strong> "inclusão social", <strong>de</strong>rivado do [conceito] <strong>de</strong> exclusão social, <strong>de</strong>senvolveu-seefetivamente na Grã-Bretanha, nesta época, e rapidamente esten<strong>de</strong>u-se pela Europa III , on<strong>de</strong>o museu é apresentado como um fator <strong>de</strong> inclusão por excelência. Coube a Richard San<strong>de</strong>lla popularização <strong>de</strong>sta noção na sua relação com o museu, através <strong>de</strong> numerosos artigos eobras IV . É interessante observar a difusão do termo <strong>em</strong> outras línguas. Se na França aindase fala pouco <strong>de</strong> inclusão social, é notável perceber este termo atravessar os continentes <strong>em</strong>diferentes reprises, para ser evocado dos Estados Unidos à Austrália V .Em minha opinião, não é <strong>de</strong> se espantar que o termo inclusão social seja particularmenteenfatizado nos dias atuais: <strong>em</strong> primeiro lugar porque ele reflete, s<strong>em</strong> dúvida, uma preocupaçãocompartilhada por gran<strong>de</strong> parte da comunida<strong>de</strong> museal, mas sobretudo porque foi pensadonum país anglo-saxão. O mo<strong>de</strong>lo museal sobre o qual nos apoiamos cada vez mais pareceser, com efeito, inexoravelmente ditado por uma lógica iniciada a partir dos países <strong>de</strong> culturaanglófona. Mas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre foi assim. Desejaria, num primeiro momento, evocar a história<strong>de</strong>ssas lógicas <strong>de</strong> difusão, antes <strong>de</strong> apresentar o projeto do Dicionário Enciclopédico <strong>de</strong>Museologia, no qual tive a honra <strong>de</strong> trabalhar, no âmbito do ICOFOM VI - para, após esterelativamente longo <strong>de</strong>svio, abordar a questão do museu inclusivo.O lugar das línguas no discurso museológicoA criação do Escritório Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, <strong>em</strong> 1926, constituiu s<strong>em</strong> dúvida umadata importante para a história dos museus. Este órgão, que foi o antece<strong>de</strong>nte direto doConselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, já havia <strong>de</strong>senvolvido pela primeira vez, <strong>em</strong> escalaplanetária, um programa <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong> reflexão sobre os museusIVer a página da organização - http://inclusiv<strong>em</strong>useum.org/conferences/inclusive-museum/ (acessado <strong>em</strong> out. 2012).IIRAYNER A., Access in Mind : towards the Inclusive <strong>Museu</strong>m, Edinburgh, The intellectual Access trust, 1998IIIATKINSON, Tony et al, Social indicators. The EU and Social inclusion, Oxford, Oxford University Press, 2002.IVSANDELL, R. (ed.). - <strong>Museu</strong>ms, society, inequality, London, Routledge, 2002; SANDELL, R., „<strong>Museu</strong>ms as agentsof social inclusion“, <strong>Museu</strong>m Manag<strong>em</strong>ent and curatorship, 17, 4, 1998, p. 401-418; SANDELL, R., „Social inclusion,the museum and the dynamics of sectoral change“, <strong>Museu</strong>m and society, 1, 1, 2003, p. 42-62.VVer, por ex<strong>em</strong>plo, as diferentes relações sobre a inclusão social, estabelecidas nesses paises: http://www.socialinclusion.gov.au/sites/www.socialinclusion.gov.au/files/publications/<strong>pdf</strong>/HAIF_report_final.<strong>pdf</strong>; http://inclusionist.org/files/socialinclusionusa.<strong>pdf</strong> (acessado <strong>em</strong> out. 2012).VIDESVALLEES, A., MAIRESSE, F. (dir.), Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, 2011.35


e seu modo <strong>de</strong> funcionamento VII . A iniciativa <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong>veu-se ao historiador da arte Henri Focillon,antigo diretor <strong>de</strong> museus <strong>de</strong> Lyon, apoiado por Paul Valéry, ambos firm<strong>em</strong>ente convencidos dosbenefícios que adviriam <strong>de</strong> tal movimento <strong>de</strong> cooperação. Com exceção da presença <strong>de</strong> um al<strong>em</strong>ão(Max Friedlan<strong>de</strong>r) e <strong>de</strong> um espanhol (Fernando A. <strong>de</strong> Sotomayor), todos os d<strong>em</strong>ais especialistas dasprimeiras reuniões do Escritório foram francófonos (franceses, suíços ou belgas). É b<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>que, <strong>de</strong>vido ao jogo do equilíbrio diplomático (Genève e Haia acolhendo a Socieda<strong>de</strong> das Naçõese a Corte Permanente <strong>de</strong> Justiça Internacional), a se<strong>de</strong> do Instituto Internacional <strong>de</strong> CooperaçãoInternacional, do qual <strong>de</strong>rivou o Escritório Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, situava-se <strong>em</strong> Paris. A línguafrancesa, a <strong>de</strong>speito da erosão progressiva <strong>de</strong> sua influência <strong>de</strong>pois da Revolução Francesa e dogolpe que lhe foi infringido pela dupla tradução (francês/inglês) do Tratado <strong>de</strong> Versailles, conservavao estatuto <strong>de</strong> primeira língua diplomática. Muito logicamente, todos os artigos <strong>de</strong> Mouseion, a revistado Escritório Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s publicada entre 1927 e 1946, eram redigidos <strong>em</strong> francês.A Segunda Guerra Mundial provoca uma certa mudança <strong>em</strong> benefício da língua inglesa. Assim,é revelador que <strong>em</strong>bora o ICOM, fundado <strong>em</strong> Paris <strong>em</strong> 1946, conserve sua se<strong>de</strong> <strong>em</strong> Paris, seuprimeiro presi<strong>de</strong>nte tenha sido um americano (Chauncey Hamlin), enquanto a revista <strong>Museu</strong>m,editada pela UNESCO, passava a ser publicada <strong>em</strong> francês e inglês, antes <strong>de</strong> conhecer um númeromais amplo <strong>de</strong> edições. Por muito t<strong>em</strong>po, entretanto, a influencia francófona iria perdurar no âmbitoda Museologia internacional. É b<strong>em</strong> conhecida a consi<strong>de</strong>rável influência exercida pelo primeiroDiretor do ICOM, Georges Henri Rivière (diretor <strong>de</strong> 1948 a 1966), assim como por seu sucessorHughes <strong>de</strong> Varine (1967-1974), no <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento museológico. Os artigos poreles publicados, especialmente no <strong>Museu</strong>m, assim como o curso <strong>de</strong> Museologia ministrado porRivière <strong>em</strong> Paris, contribuíram para ampliar a influencia do pensamento museológico latino, eprincipalmente a corrente da Nova Museologia VIII . Numa época <strong>em</strong> que as referencias <strong>em</strong> matéria<strong>de</strong> Museologia são ainda pouco numerosas, estas publicações constitu<strong>em</strong> uma base fundamentalpara o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento sobre os museus. Um pensamento necessariamentecondicionado pela cultura francesa, e que ainda seria reforçado <strong>em</strong> sua notorieda<strong>de</strong> pelos escritos<strong>de</strong> um Sartre, <strong>de</strong> um Lévi-Strauss, <strong>de</strong> um Foucault ou <strong>de</strong> um Bourdieu.Outra fonte <strong>de</strong> influencia, na mesma época, são os países do Leste, através das figuras <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticas<strong>de</strong> Jan Jelinek (presi<strong>de</strong>nte do ICOM e <strong>de</strong>pois primeiro presi<strong>de</strong>nte do ICOFOM), <strong>de</strong> Awraan Razgonou <strong>de</strong> Klaus Schreiner, e certamente <strong>de</strong> Zbynēk Stránský, dos quais conhec<strong>em</strong>os a influencia sobreo pensamento museológico a partir da fundação do ICOFOM, <strong>em</strong> 1977. Os dois números dosMuseological Working Papers (MwWop/DoTram), publicados <strong>em</strong> 1980-81, constitu<strong>em</strong> um documentoparticularmente interessante para estabelecer o estatuto dos lugares e dos modos <strong>de</strong> pensamento<strong>em</strong> processo. A publicação é bilíngüe (inglês/francês), mas já então diversos autores privilegiaram alíngua <strong>de</strong> Shakespeare (o fenômeno se repetirá com a publicação dos Icofom Study Series). Assimsendo, a maneira <strong>de</strong> conceber os museus resulta fundamentalmente diferente entre os paises. Aconstatação apresentada por George Ellis Burcaw mostra claramente a cisão já operada entre ospensadores anglo-saxões, por um lado, e os museólogos do Leste, <strong>de</strong> outro:“Há trinta anos eu assisto a convenções nacionais, regionais e locais<strong>de</strong> associações <strong>de</strong> museus. Eu não me l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> haver jamaisassistido a uma reunião ou uma sessão, ou mesmo <strong>de</strong> haver jamaisescutado uma alocução importante diretamente concernente àVIIO OIM foi fundado no âmbito da Socieda<strong>de</strong> das Nações e da Comissão Internacional <strong>de</strong> Cooperação Intelectual:„L’œuvre <strong>de</strong> coopération intellectuelle et l’Office international <strong>de</strong>s musées“, Mouseion, 1, 1927, p. 3-10.VIIIRIVIERE, G.H. et alii, La muséologie selon Georges Henri Rivière, Paris, Dunod, 1989; VARINE, H. <strong>de</strong>, L’initiativecommunautaire. Recherche et expérimentation, Mâcon, W. et M.N.E.S., 1991.36


museologia. Os interesses dos profissionais <strong>de</strong> museus americanos seafastam largamente da base filosófica da coleta (a relação do hom<strong>em</strong>com a realida<strong>de</strong> tridimensional), e da utilização eficaz das coleçõescom fins didáticos (museologia aplicada). Eles se preocupam comas técnicas: como formar uma associação <strong>de</strong> amigos, como obterfundos, como servir aos <strong>de</strong>ficientes, como criar belos ambientes, comomelhorar a moral das minorias, como preservar as coleções, como osadministradores pod<strong>em</strong> evitar as questões judiciais, e assim por diante IX .A maior parte dos museólogos francófonos ou latinos, <strong>em</strong> compensação, se interessaria <strong>de</strong> pertopelo rigor <strong>de</strong>ste raciocínio museológico específico. Se, provavelmente, a geração <strong>de</strong> Rivièreacolhe tais idéias com uma certa reserva, conhec<strong>em</strong>os sua influencia direta sobre um conjunto<strong>de</strong> museólogos atuais, como André Desvallées, Bernard Deloche, Mathil<strong>de</strong> Bellaigue ou TerezaScheiner, para citar apenas alguns ex<strong>em</strong>plos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos.Esta diferença <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> merece que nos <strong>de</strong>tenhamos sobre ela. A primeira explicaçãogeralmente evocada resi<strong>de</strong> sobre a distinção entre Museologia teórica e aplicada: assim, seseguimos [o pensamento <strong>de</strong>] Burcaw, os anglo-saxões estariam mais interessados nos aspectospráticos, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado as questões teóricas. A distinção clássica entre o "porque" e o "como",enunciada por ex<strong>em</strong>plo por Maroevic, constituiria <strong>de</strong> qualquer modo uma cisão importante entreum modo <strong>de</strong> pensar e o outro X . É indiscutível que muitos manuais atuais, como <strong>Museu</strong>m Basicsou Como criar um <strong>Museu</strong>, constitu<strong>em</strong> <strong>de</strong> qualquer modo a ilustração <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>elhanças<strong>em</strong> face <strong>de</strong> Museologia, Introdução aos Estudos, <strong>de</strong> Stránský XI . Teoria por um lado, "receitas<strong>de</strong> cozinha" (para reproduzir as palavras <strong>de</strong> Stránský) <strong>de</strong> outro. Tal análise se revela um tantoredutora: encontramos forçosamente, no Leste ou nos países francófonos, uma necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> prática à qual uma literatura a<strong>de</strong>quada tenta respon<strong>de</strong>r; mas convém principalmentesublinhar que a escola anglo-saxã certamente <strong>de</strong>senvolveu uma importante reflexão teórica.Foi especialmente a partir dos anos 1980 que tal literatura se <strong>de</strong>senvolveu, a principio a nívelhistórico, através das atas <strong>de</strong> colóquios XII ou <strong>de</strong> revistas como The Journal of the History ofCollections, mas também a partir <strong>de</strong> uma leitura pós-mo<strong>de</strong>rna dos museus e <strong>de</strong> sua história, pormeio <strong>de</strong> autores <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos da French Theory, como Michel Foucault (amplamente utilizadopor Douglas Crimp, Tonny Bennett e Eilean Hooper-Greenhill), ou Roland Barthes (na obra <strong>de</strong>Susan Pearce) XIII .Um segundo fator <strong>de</strong> explicação XIV é dado pelas diferenças <strong>em</strong> nível <strong>de</strong> ensinouniversitário. O movimento dos cultural studies, iniciado ao longo dos anos 1960 naGrã Bretanha, é revelador do <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento acadêmico naquelaépoca, nas universida<strong>de</strong>s britânicas, vinculando-se às t<strong>em</strong>áticas pouco trabalhadaspelo establishment acadêmico <strong>de</strong> Oxbridge, especialmente as culturas populares e asIXBURCAW G.E., « Réflexions sur MuWop no 1 », MuWop/Do Tram, 2, 1981, p. 87.XMAROEVIĆ I., Introduction to Museology – the European Approach-, Munich, Verlag Christian Müller-Straten, 1998, p. 100 sq.XIAMBROSE T., PAINE C., <strong>Museu</strong>m Basics, London, Routledge, 1993; BOYLAN P. (coord.), Comment gérer un musée : manuelpratique Paris, ICOM/Unesco, 2006. http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001478/147854f.<strong>pdf</strong> (consultation : octobre 2012); .STRANSKY Z.Z., Muséologie Introduction aux étu<strong>de</strong>s, Brno, Université Masaryk, 1995.XIIIMPEY O., MAC GREGOR A. (Ed.), The Origins of <strong>Museu</strong>ms, Oxford, Clarendon Press, 1985.XIIIPour ne présenter que quelques references: CRIMP D., On the <strong>Museu</strong>m’s ruins, Cambridge, MIT press, 1993; BENNET T.,The Birth of the <strong>Museu</strong>m, London, Routledge, 1995; HOOPER-GREENHIL E., (Ed.), <strong>Museu</strong>m, Media, Message, London, Routledge,1995; PEARCE S., <strong>Museu</strong>ms, Objects and Collections, Washington, Smithsonian Institution Press, 1992.XIVMAIRESSE F., DESVALLEES A., 2011, « Muséologie », in DESVALLEES André, MAIRESSE François, (dir.), Dictionnaireencyclopédique <strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, pp. 343-384.37


abordagens interdisciplinares XV . O campo dos museum studies po<strong>de</strong> assim, a partir <strong>de</strong>ste lugar,expandir-se plenamente no interior do sist<strong>em</strong>a universitário, da mesma forma que os celticstudies ou os gen<strong>de</strong>r studies, s<strong>em</strong> entretanto complicar-se com a criação <strong>de</strong> novas disciplinasa ele vinculadas. Este não foi o caso n<strong>em</strong> dos paises do Leste, n<strong>em</strong> da França e, <strong>de</strong> modogeral, da maioria dos paises latinos, nos quais o sist<strong>em</strong>a acadêmico parece repousar sobreuma estrutura claramente mais rígida, fundada nos critérios <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong>. Assim, novasdisciplinas tais como a ciência da educação ou as ciências da informação e da comunicaçãoconsegu<strong>em</strong> progressivamente impor-se na França, a partir dos anos 1970-80, mas não s<strong>em</strong>permanecer como exceções. Subitamente, o aspecto científico - a museologia como ciência -aparece como questão fundamental para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um ensino sobre os museusno âmbito da universida<strong>de</strong> do velho continente (tanto nos países do Leste como nos paíseslatinos), e sab<strong>em</strong>os o quanto as primeiras discussões do comitê do ICOFOM se <strong>de</strong>senvolveramao redor <strong>de</strong>sta questão, exasperando neste processo um número expressivo <strong>de</strong> museólogosanglo-saxões, que absolutamente não compreendiam o motivo <strong>de</strong> tais questionamentos.A diferença <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> entre os anglo-saxões e os latinos, ou os museólogos do Leste,ultrapassa entretanto a questão do critério científico <strong>de</strong> uma disciplina ou <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong>pesquisa. Está mais ao nível dos limites ou dos excessos da teoria e das estruturas impostasque se faz<strong>em</strong> necessárias à sua busca. O texto da conferencia Em busca da história cultural,apresentada por Ernst Gombrich, s<strong>em</strong> duvida o historiador da arte (britânico) mais editado domundo, constitui uma boa ilustração das diferenças <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> entre britânicos e latinos ougermânicos. O autor, evocando o domínio da história da cultura, expõe <strong>de</strong> chofre seu ceticismoface ao sist<strong>em</strong>a hegeliano da historia do <strong>de</strong>senvolvimento do espírito, tal como havia sidoutilizada <strong>em</strong> inúmeras obras <strong>de</strong> historia da arte ou da cultura. A filosofia <strong>de</strong> Hegel, <strong>de</strong>ve-sedizer, condicionou <strong>de</strong> modo amplo, juntamente com Kant, o pensamento europeu continental. AGeistesgeschichte evocada na Filosofia da História do mestre <strong>de</strong> Iéna obriga a arte e sua históriaa adaptar-se aos pontos <strong>de</strong> vista da filosofia, mais do que o inverso. Se a lógica da mo<strong>de</strong>lização,<strong>em</strong> física ou <strong>em</strong> mecânica, parece ser evi<strong>de</strong>nte, ela, por outro lado, é amplamente discutível <strong>em</strong>economia, e mais ainda quando se trata <strong>de</strong> evocar a cultura. É assim que Gombrich, Burckhardt,e mais ainda, Wölfflin ou Panofsky, test<strong>em</strong>unham uma vonta<strong>de</strong> muito clara <strong>de</strong> inscrever-senuma visão hegeliana do <strong>de</strong>senvolvimento do espírito, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma pesquisa maisconcretamente alimentada por essas fontes. É uma abordag<strong>em</strong> diretamente fundada sobre oestudo do terreno que preconiza Gombrich, que se eleva por todas as partes contra a tiraniados sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pensamento das disciplinas universitárias: "nunca será d<strong>em</strong>ais repetir que aspretensas 'disciplinas' sobre as quais repousa nosso sist<strong>em</strong>a universitário não são mais do qu<strong>em</strong>eras técnicas; elas são os meios que permit<strong>em</strong> atingir um objetivo, e nada mais" XVI .Reencontramos tais reticências <strong>em</strong> vários museólogos anglo-saxões, que enunciam, <strong>em</strong> outraspalavras, uma crítica similar à <strong>de</strong> Gombrich XVII . Os pesquisadores dos museum studies nãose privam <strong>de</strong> utilizar as ferramentas conceituais oferecidas pelas disciplinas universitárias, eportanto não tentaram constituir seu campo <strong>de</strong> pesquisa a partir <strong>de</strong> um método específico ein<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, fundamentado num aparelho conceitual que lhes seria próprio, mas perigosamente<strong>de</strong>sligado <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> investigação. Tal projeto apareceria não apenas <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> sentidoou <strong>de</strong> interesse, mas se arriscaria sobretudo a ser prejudicial, <strong>de</strong>sviando a atenção da pesquisapara abstrações pouco convincentes, ou mesmo distorcidas.XVMATTELART, A., NEVEU, E., Introduction aux Cultural Studies, Paris, La Découverte, 2003.XVIGOMBRICH, E., En quête <strong>de</strong> l’histoire culturelle, Paris, Gérard Montfort, [1969] 1992, p. 74.XVIIHUDSON, K., Who are the ‘museologists’ and for whose benefit do they exist? In: STRÁNSKÝ, Z.Z. (Ed.),Museology for Tomorrow’s World, München, Müller-Straten, 1997, p. 102-110.38


As transformações do mo<strong>de</strong>lo econômico e sua influencia sobre a MuseologiaA abordag<strong>em</strong> da Museologia se <strong>de</strong>senvolve então <strong>de</strong> forma distinta, <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro doAtlântico; mas precisamente nos anos 1980, estas diferenças não permanec<strong>em</strong> relativament<strong>em</strong>enores, <strong>em</strong> face das concepções <strong>de</strong> mundo radicalmente opostas <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> política e <strong>de</strong>economia. Na época do lançamento dos Museological working papers, o mundo ainda estavadividido <strong>em</strong> diferentes zonas <strong>de</strong> influencia: um bloco capitalista, composto pela América doNorte, aliada à Europa oci<strong>de</strong>ntal (ou pelos países signatários do Tratado do Atlântico Norte);um bloco socialista, composto pela União Soviética e pelos países signatários do Tratado <strong>de</strong>Varsóvia; e uma certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> países não-alinhados.Os antigos países europeus, aliados dos Estados Unidos, permaneceram bastante divididos <strong>em</strong>matéria <strong>de</strong> política econômica, a maioria <strong>de</strong>les favorecendo a idéia <strong>de</strong> um Estado-provi<strong>de</strong>ncia.O mo<strong>de</strong>lo francês, neste contexto, ainda que se afaste amplamente do i<strong>de</strong>al socialista, pelomenos retomou um certo numero <strong>de</strong> práticas, especialmente (<strong>em</strong> parte) a do planejamento edas nacionalizações. A influencia dos dois mo<strong>de</strong>los faz-se sentir <strong>em</strong> todo o mundo, cada um dosblocos tentando aumentar sua influencia. No espaço <strong>de</strong> uma geração, entretanto, esta relação<strong>de</strong> forças aparent<strong>em</strong>ente estável transforma-se radicalmente. A queda do Muro <strong>de</strong> Berlim e aimplosão do bloco soviético não marcam o 'fim da história', no sentido profetizado por FrancisFukuyama <strong>em</strong> 1992 XVIII , mas a <strong>de</strong>sagregação do sist<strong>em</strong>a socialista resulta no <strong>de</strong>senvolvimentoacelerado das políticas liberais <strong>de</strong> mercado, tais como aplicadas nos paises anglo-saxões.Observar<strong>em</strong>os assim, no âmbito do mundo oci<strong>de</strong>ntal, uma diminuição crescente das políticaspublicas, tão <strong>de</strong>sacreditadas pela Escola Neoliberal <strong>de</strong> Chicago (ainda dominante), <strong>em</strong> beneficiodo aumento da liberda<strong>de</strong> dos mercados, território do homo oeconomicus; e que aparec<strong>em</strong>, napesquisa <strong>de</strong> maximização <strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong>, como motores do conjunto do sist<strong>em</strong>a.Tais mutações irão produzir, por sua vez, transformações consi<strong>de</strong>ráveis no mundo dos museus.De certo modo, a mudança <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo econômico vai progressivamente transparecer atravésda lógica museal: a transformação comercial dos museus, que se opera nesta época, introduza metamorfose progressiva do visitante <strong>em</strong> consumidor, e a do museu <strong>em</strong> unida<strong>de</strong> econômica,influenciando o <strong>de</strong>vir <strong>de</strong> sua região.No espaço <strong>de</strong> uma geração, o mundo dos museus vai também passar por uma mudançaradical... <strong>em</strong> benefício, certamente, do bloco mais forte no plano econômico. Se, no limiardos anos 1980, o mundo da Museologia apresenta ainda um conjunto <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> pensarrelativamente heterogêneo: anglo-saxão, do Leste, latino, nova museologia, este conjuntoevolui rapidamente a partir dos anos 1990. Importância da língua? Desenvolvimento rápido daeconomia? Transformação do sist<strong>em</strong>a universitário? É difícil nos <strong>de</strong>termos apenas sobre umfator explicativo, para evocar a importância da mudança que se opera, especialmente na Grã-Bretanha; mas <strong>de</strong> qualquer forma, parece que as publicações dos museum studies, atravésprincipalmente das edições Routledge, e também da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leicester, conhec<strong>em</strong> nestaépoca uma expansão rápida e uma notorieda<strong>de</strong> mundial. No espaço <strong>de</strong> alguns anos, <strong>de</strong>zenas<strong>de</strong> publicações são editadas por essas casas editoras, várias obras impondo-se rapidamentecomo clássicos do gênero XIX . A edição <strong>em</strong> língua francesa ou espanhola <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Museologiaconhece paralelamente um importante <strong>de</strong>senvolvimento - para a França, por ex<strong>em</strong>plo, atravésdas edições da MNES e das Presses universitaires <strong>de</strong> Lyon, e <strong>em</strong> seguida pela l'Harmattan - massua difusão se choca contra a barreira da língua, o que po<strong>de</strong> ser test<strong>em</strong>unhado pelo catálogodas livrarias especializadas <strong>em</strong> Museologia, como a da American Alliance of <strong>Museu</strong>ms e aXVIIIFUKUYAMA F., La Fin <strong>de</strong> l’histoire et le Dernier Homme, Paris, Flammarion, 1992.XIXNotamment à travers l’œuvre <strong>de</strong> Pearce et <strong>de</strong> Hooper Greenhill, citées plus haut, ainsi que <strong>de</strong> la série Leicesterrea<strong>de</strong>r in <strong>Museu</strong>m Studies.39


da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leicester, on<strong>de</strong> não se encontra nenhuma obra <strong>em</strong> francês XX . É b<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>que o inglês, língua do Império Britânico, impôs-se amplamente através do mundo como veículo<strong>de</strong> trocas internacionais, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento do francês, do espanhol ou do russo. Não pod<strong>em</strong>os senãoapreciar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma [<strong>de</strong>ssas línguas] <strong>de</strong> comunicar-se com o resto do mundo.A escolha <strong>de</strong> uma língua comum, nesta perspectiva, configura-se pelo menos como <strong>de</strong>cisiva. Oinglês, língua franca dos t<strong>em</strong>pos cont<strong>em</strong>porâneos, ainda se impõe indubitavelmente como o veiculomais ou menos dominado por alguns, acarretando contudo um certo numero <strong>de</strong> repercussões queé preciso especificar.Aquele que foi criado ou educado na língua <strong>de</strong> Shakespeare possui uma vantag<strong>em</strong> incontestável.Este foi o caso dos latinistas e posteriormente dos francófonos, durante vários séculos, comohoje é o caso dos anglófonos. Esta vantag<strong>em</strong> aparece <strong>de</strong> modo claramente perceptível no âmbitodos <strong>de</strong>bates intelectuais, e o domínio perfeito <strong>de</strong> uma língua induz à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> precisarseus argumentos, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento dos não-nativos, cujo inglês aproximativo leva frequent<strong>em</strong>entea um sentimento <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>. Assim, a partir dos <strong>de</strong>bates iniciados <strong>em</strong> 2003 na internet,sobre a transformação da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu pelo ICOM, foram quase que essencialmente osintervenientes anglófonos que se exprimiram, e um bom numero <strong>de</strong> museólogos latinos - como eumesmo - hesitaram <strong>em</strong> intervir, <strong>de</strong>vido a seu inglês aproximativo.Além disso, a estrutura da língua <strong>em</strong> si mesma condiciona nossa maneira <strong>de</strong> pensar. O mundo seriamuito diferente se todos os habitantes se exprimiss<strong>em</strong> <strong>em</strong> português ou <strong>em</strong> mandarim. Assim, aosolhos <strong>de</strong> um anglófono, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu adotada pelo ICOM <strong>em</strong> 2007 parece quase não havermudado - a não ser por duas palavras que foram acrescentadas. Em compensação, a <strong>de</strong>finição<strong>em</strong> língua francesa foi totalmente transformada. E foi <strong>em</strong> francês que esta <strong>de</strong>finição foi concebida<strong>em</strong> 1974, numa época <strong>em</strong> que a influencia <strong>de</strong> Hughes <strong>de</strong> Varine e <strong>de</strong> Georges Henri Rivière aindaera consi<strong>de</strong>rável - e esta <strong>de</strong>finição por sua estrutura apresentava a pesquisa que se situava nocentro das preocupações sobre o museu: o museu "...realiza pesquisas sobre os test<strong>em</strong>unhosmateriais do hom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> seu ambiente, os adquire, conserva, comunica e especialmente osexpõe". Já naquela época, a tradução do francês para o inglês resultou numa simplificação <strong>de</strong>stasutil hierarquia: "acquires, conserves, researches, communicates and exhibits" (adquire, conserva,pesquisa, comunica e exibe). A mudança, significativa, já traduz um <strong>de</strong>svio da percepção sobreo museu. E foi esta versão inglesa que parece ter sido tomada como referencia, a partir dasdiscussões <strong>de</strong> 2007, já que a <strong>de</strong>finição que naquele momento foi cunhada privilegiou, <strong>em</strong> francês,a lista <strong>de</strong> funções "acquiert, conserve, étudie, expose et transmet" (adquire, conserva, estuda,expõe e transmite). E ainda que se trate <strong>de</strong> uma simplificação da complexida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>finição, nãoé menos reveladora <strong>de</strong> nossa maneira <strong>de</strong> conceber o museu.Po<strong>de</strong>ríamos certamente dizer que o ICOM permite, através <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> internacional, umamescla <strong>de</strong> idéias particularmente vantajosa. Mas ainda que o ICOM permaneça, com seus mais<strong>de</strong> 30.000 m<strong>em</strong>bros, a única associação internacional que reúne profissionais <strong>de</strong> museus <strong>de</strong>todo o mundo, não é mais a única referencia. Convém l<strong>em</strong>brar a importância das associaçõesnacionais anglo-saxãs, a começar pela primeira <strong>de</strong>las, a Associação Britânica <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, criada<strong>em</strong> 1889 e que se apresenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início como internacional (<strong>de</strong>stinada essencialmenteaos cidadãos da Commonwealth). Com mais <strong>de</strong> 5.000 m<strong>em</strong>bros, ela constitui uma força <strong>de</strong>influencia <strong>de</strong> primeira linha, assim como a American Alliance of <strong>Museu</strong>ms*, criada <strong>em</strong> 1906 ereunindo mais <strong>de</strong> 15.000 m<strong>em</strong>bros. Sab<strong>em</strong>os do reduzido numero <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros americanos oubritânicos no ICOM, contra o numero <strong>de</strong> afiliados <strong>de</strong>ssas associações. A influencia da AAMe da MA não seria, portanto, tão gran<strong>de</strong> a nível mundial quanto a do ICOM? Pod<strong>em</strong>os nos* Aliança Americana <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, criada <strong>em</strong> 1906 com o nome <strong>de</strong> American Association of <strong>Museu</strong>ms - AssociaçãoAmericana <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s [N.T.]XXhttp://www.le.ac.uk/bookshop/museumstudies.html; https://www.aam-us.org/resources/bookstore.40


perguntar isso, quando v<strong>em</strong>os os esforços da associação americana para difundir algumas <strong>de</strong>suas publicações <strong>em</strong> árabe, chinês ou espanho XXI .Sob um ponto <strong>de</strong> vista global, o modo anglo-saxão <strong>de</strong> pensar o museu se impõe progressivamenteno mundo. Não é o caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>plorar este fato, n<strong>em</strong> <strong>de</strong> celebrá-lo, mas <strong>de</strong> partir <strong>de</strong>sta constataçãopara melhor compreen<strong>de</strong>r a Museologia tal como se <strong>de</strong>senvolve <strong>em</strong> nossos dias.O projeto do dicionário enciclopédico num mundo <strong>em</strong> transformaçãoO projeto do dicionário se inscreve neste contexto. Conhec<strong>em</strong>os as pr<strong>em</strong>issas, ligadasà fundação do ICOFOM e à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> redigir um tratado internacional <strong>de</strong> Museologia quejamais foi publicado. Não obstante, <strong>em</strong> 1993, Martin R. Schärer, naquele momento presi<strong>de</strong>ntedo ICOFOM, reabriu o processo, propondo a redação <strong>de</strong> um corpus <strong>de</strong> termos museológicos<strong>de</strong> base, tarefa que foi confiada a André Desvallées XXII . A ele reuniu-se oito anos mais tar<strong>de</strong>Norma Rusconi (que infelizmente faleceu <strong>em</strong> 2007); e eu mesmo. Ao longo dos anos, <strong>de</strong>finiuse<strong>em</strong> consenso buscar apresentar, <strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> vinte termos, um panorama do contextomuseológico internacional. Este trabalho <strong>de</strong> reflexão passou por certa aceleração nos últimosanos. Várias versões preliminares dos artigos foram então redigidas XXIII . Uma versão abreviada<strong>de</strong>ste trabalho - a parte introdutória <strong>de</strong> cada um dos vinte termos - foi apresentada e discutidadurante o 32 o . Simpósio Anual do ICOFOM, <strong>em</strong> Liège e Mari<strong>em</strong>ont, <strong>em</strong> 2009 XXIV . Em 2010, osConceitos Chaves da Museologia (Concepts clés <strong>de</strong> la Muséologie) foram apresentados (<strong>em</strong>quatro línguas) durante a conferencia <strong>de</strong> Xangai.Em sua maioria, os autores são francófonos - com exceção <strong>de</strong> Martin R. Schärer, perfeitamentebilíngüe - uma escolha feita por razões práticas, mas que visava também valorizar uma certaconcepção francófona do museu, como não po<strong>de</strong>ria ser apresentada por um comitê internacional.Foi assim que, privilegiando uma abordag<strong>em</strong> teórica, planejamos a estrutura do dicionário. Poisse é próprio <strong>de</strong> um dicionário apresentar os termos <strong>em</strong> ord<strong>em</strong> alfabética, a escolha <strong>de</strong>ssestermos não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> revelar uma estrutura específica, que parece importante sublinhar aqui.Em suma, a estrutura <strong>de</strong> uma língua, mas igualmente a cultura à qual está vinculada, levariama abordagens talvez muito diferentes <strong>de</strong> uma mesma disciplina. As diferenças <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong>evocadas por Burcaw ou Gombrich encontram-se, assim, no ensino da Museologia. A título<strong>de</strong> comparação, a estrutura <strong>de</strong> três manuais clássicos: A Museologia segundo Georges HenriRivière (La muséologie selon Georges Henri Rivière); Museologia Básica (<strong>Museu</strong>m basics),escrito por Tim Ambrose et Crispin Paine; e Museologia - introdução aos estudos (Muséologie,introduction aux étu<strong>de</strong>s), <strong>de</strong> Zbynēk Stránský, <strong>de</strong>ixa entrever as concepções muito diferentes doque <strong>de</strong>ve ser ensinado (tabela1). A contextualização, <strong>em</strong> Rivière, ocupa uma parte importante daXXIVer a rubrica internacional da American Alliance for <strong>Museu</strong>ms. In: http://www.aam-us.org/resources/international(consultado <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2012)XXIIDESVALLÉES A., « Pour une terminologie muséologique <strong>de</strong> base », La muséologie/museology (Cahiers d’étu<strong>de</strong>/Study series), 8, Paris, ICOM, 2000, p. 8. DESVALLÉES A., « Émergence et ch<strong>em</strong>in<strong>em</strong>ent du mot ‘patrimoine’ », inMusées & collections publiques <strong>de</strong> France, 208, sept<strong>em</strong>bre 1995, p. 6-29. Repris en partie dans « Patrimoine », inPublics & Musées, 7, janv.-juin 1995, p. 135-153 ;XXIIIDESVALLÉES A., « Cent quarante termes muséologiques ou petit glossaire <strong>de</strong> l’exposition », in DE BARY M. O.,TOBELEM J. M., Manuel <strong>de</strong> Muséographie, Paris, Séguier – Option culture, 1998, p. 205-251 ; MAIRESSE F., « Lamuséalisation du mon<strong>de</strong> », in Mairesse et al. (Éd.), RTBF 50 ans - L’extraordinaire jardin <strong>de</strong> la mémoire, Morlanwelz,Musée royal <strong>de</strong> Mari<strong>em</strong>ont, 2004, t.2 « Musée » – p. 11-34 ; MAIRESSE F., « La notion <strong>de</strong> public », ICOFOM StudySeries, 35 (preprints), 2005, p. 7-25 ; MAIRESSE F. et DESVALLEES A., « Sur la muséologie », Cultures et Musées, 6,Déc. 2005, p. 131-155 ; MAIRESSE, F. et DESVALLEES A., Brève histoire <strong>de</strong> la muséologie, in Mariaux, Pierre-Alain(Ed.), L’objet <strong>de</strong> la muséologie, Neuchâtel, Institut d’Histoire <strong>de</strong> l’art et <strong>de</strong> Muséologie, 2005, p. 1-50 ; MAIRESSE F.,DESVALLÉES A. (Dir.), Vers une redéfinition du musée ? Paris, l’Harmattan, 2007.XXIV« Museology : Back to Basics. Muséologie : revisiter nos fondamentaux. Museologia : retorno a las bases »,Icofom Study Series, 38, 2009 ; Icofom Study Series, 38 supplément, 2009.41


apresentação, enquanto prioriza e evoca a função <strong>de</strong> pesquisa; a abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Stránský é marcadapela estrutura da Museologia e não evoca senão <strong>de</strong> modo muito acessório a Museologia aplicada. É umatrajetória exatamente contrária à escolhida por Ambrose e Paine, os quais focalizam essencialmente osvisitantes <strong>de</strong> museus, antes do <strong>de</strong>senvolvimento das coleções, a arquitetura ou a gestão.La muséologie, RivièreG.H. 1989.<strong>Museu</strong>m Basics (Ambroseet Paine) 1993Stransky Muséologieintroduction aux étu<strong>de</strong>s, 1995402p. 319p. 116p.I. <strong>Museu</strong> e socieda<strong>de</strong>1. <strong>Museu</strong> e socieda<strong>de</strong>através do t<strong>em</strong>po e doespaço2. <strong>Museu</strong> e socieda<strong>de</strong> nopresenteII. <strong>Museu</strong> e patrimônio1. Pesquisa2. ConservaçãoIII. <strong>Museu</strong>, instrumento <strong>de</strong>educação e <strong>de</strong> cultura1. Apresentação2. O publico dos museusIV. A instituição museal1. Estatuto eorganização2. Arquitetura eprogramação1. Introdução(museus, tipos, missão)2. O museu e seususuários (os museussão para as pessoas,marketing, educaçãomuseológica, interpretação,técnicas <strong>de</strong> apresentação,publicações, tipos <strong>de</strong>coleção, políticas <strong>de</strong>aquisição, etc.)3. Desenvolvimento <strong>em</strong>anutenção das coleções<strong>de</strong> museus (coleta, busca,sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> documentação,meio ambiente,conservação, etc.)4. O museu e seu edifício(forma, função, segurança,acessibilida<strong>de</strong>)5. O museu e sua gestão(estatuto, planejamento,indicadores <strong>de</strong>performance, patrocínios,DRH, voluntários,avaliação, formação,etc.)0. Porquê apren<strong>de</strong>rMuseologia1. Informações Básicas2. A metamuseologia3. A museologia histórica4. A museologia social5. A museologia teórica6. A museografia(museologia aplicada)7. A museologia especialTab. 1. Estrutura <strong>de</strong> três obras clássicas <strong>de</strong> MuseologiaTal comparação, <strong>em</strong> resumo, reflete a extr<strong>em</strong>a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordagens do <strong>Museu</strong>. O contexto<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento anglo-saxão, evocado acima, permite melhor compreen<strong>de</strong>ra pre<strong>em</strong>inência <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo relativamente prático, tal como transparece no [livro] <strong>Museu</strong>mbasics (Bases da Museologia) e <strong>em</strong> numerosas obras XXV . Se a abordag<strong>em</strong> crítica do <strong>Museu</strong>não está ausente, como l<strong>em</strong>bramos acima, não é obrigatório que ela apareça <strong>de</strong> forma diferentedaquela que po<strong>de</strong>ríamos esperar encontrar no programa <strong>de</strong> Stránský. Neste sentido, se <strong>de</strong>v<strong>em</strong>osapresentar os museums studies (estudos sobre museus) como campo <strong>de</strong> pesquisa, <strong>de</strong>veríamosincluir aí nada mais que as abordagens práticas ("como criar um museu" - no original, "commentgérer un musée") já entrevistas na obra <strong>Museu</strong>m basics. De acordo com uma abordag<strong>em</strong> inspiradano mind mapping (mapeamento da mente) ou nos esqu<strong>em</strong>as heurísticos, este campo po<strong>de</strong>ria serapresentado (principalmente a partir da estrutura do <strong>Museu</strong>m basics) da seguinte maneira (fig.1): a estrutura <strong>de</strong>ste esqu<strong>em</strong>a, se b<strong>em</strong> que revela uma certa lógica, permanece sumária, <strong>em</strong>relação, por ex<strong>em</strong>plo, àquela do sist<strong>em</strong>a figurado dos conhecimentos humanos, apresentada pord'Al<strong>em</strong>bert <strong>em</strong> seu "Discurso Preliminar", na Encyclopédie XXVI .XXVEspecialmente BOYLAN, P. (coord.), Comment gérer un musée: manuel pratique Paris, ICOM/Unesco, 2006 ouBURCAW G.E., Introduction to <strong>Museu</strong>m Work, Walnut Creek- London, Altamira Press, 1997 (3a. ed.).XXVIGROULT, M. “Le projet philosophique <strong>de</strong> l’encyclopédie”, in ARTFL Encyclopédie Project, university of Chicago,disponível na internet: http://encyclopedie.uchicago.edu/no<strong>de</strong>/162 (acessado <strong>em</strong> out. 2012)42


Fig. 1. Mapeamento da mente (ou esqu<strong>em</strong>a heurístico) dos estudos sobre museus(a partir <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>m basics)Qual po<strong>de</strong>ria ser, neste contexto, a estrutura do Dicionário Enciclopédico <strong>de</strong> Museologia? Seuprojeto, como o <strong>de</strong> toda enciclopédia, é ambicioso, já que visa, a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vistafrancófono, apresentar um estado do conjunto <strong>de</strong> abordagens relativas à Museologia, incluindoas do Leste e as tradições latinas e anglo-saxãs. Perigoso <strong>em</strong>preendimento, este! S<strong>em</strong> impor-nosqualquer esqu<strong>em</strong>a pré-estabelecido, <strong>de</strong>sejamos circunscrever nossa proposta, apresentando aMuseologia como "o conjunto <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> teorização ou <strong>de</strong> reflexão crítica vinculadas aocampo museal". O termo 'campo museal' é fácil <strong>de</strong> ser compreendido por todos, já que agrega,<strong>em</strong> si mesmo, a análise <strong>de</strong> Bernard Schiele sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Museologia e sua proposição<strong>de</strong> ver, neste termo, um domínio <strong>de</strong> pesquisa heterogêneo, num contexto <strong>de</strong> aplicação ligado ao<strong>Museu</strong> no sentido mais amplo XXVII . O termo 'museal' (sinônimo <strong>de</strong> campo museal), refere-se ànoção ampliada <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>. O conceito é importante, pois <strong>de</strong>fine a Museologia; foi precisado porBernard Deloche XXVIII como "campo <strong>de</strong> referencia no qual se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> não apenas a criação,o <strong>de</strong>senvolvimento e o funcionamento da instituição museu, mas também a reflexão sobre seusfundamentos e questões. Este campo <strong>de</strong> referencia se caracteriza pela especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suaabordag<strong>em</strong> e <strong>de</strong>termina um ponto <strong>de</strong> vista sobre a realida<strong>de</strong>". As especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta abordag<strong>em</strong>são duplas: o museal se funda sobre a apresentação sensível e sobre o processo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.Se a Museologia se fundamenta sobre o museal, os vinte e um termos contidos naparte enciclopédica do Dicionário difer<strong>em</strong> sensivelmente daqueles evocados noXXVIISCHIELE, B., “La muséologie, un domaine <strong>de</strong> recherches”, in MEUNIER, A. ET LUCKERHOFF, J., Lamuséologie, champ <strong>de</strong> théories et <strong>de</strong> pratiques, Québec, Presses universitaires <strong>de</strong> Québec, 2012, p. 79-100.XXVIIIDELOCHE, B., Le musée virtuel, Paris, Presses universitaires <strong>de</strong> France, 2001.43


<strong>Museu</strong>m basics; e são apresentados <strong>em</strong> ord<strong>em</strong> alfabética XXIX (tabela 2). A escolha dos diferentestermos é naturalmente l<strong>em</strong>brada na Introdução - o discurso preliminar - do Dicionário, e searticulam segundo uma certa lógica, no âmbito do discurso sobre o conjunto dos conhecimentossobre Museologia. É esta lógica subjacente que <strong>de</strong>sejaria evocar aqui.Conceitos-chave <strong>de</strong> MuseologiaArquiteturaColeçãoComunicaçãoEducaçãoÉticaExposiçãoInstituiçãoMediaçãoMusealMusealização<strong>Museu</strong>MuseografiaMuseologiaObjetoPatrimônioPreservaçãoProfissãoPublicoPesquisaSocieda<strong>de</strong>Tab. 2. Os vinte e um termos do Dicionário Enciclopédico <strong>de</strong> MuseologiaPo<strong>de</strong>ríamos ter-nos baseado, naturalmente, na estrutura <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro tratado <strong>de</strong> Museologia,a fim <strong>de</strong> selecionar os principais conceitos que merecess<strong>em</strong> ser estudados. Mas, neste processo,não nos foi possível utilizar estas alternativas, já que as diferenças <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> (Rivière, Ambrosee Stránský, para tomar o ex<strong>em</strong>plo prece<strong>de</strong>nte) são consi<strong>de</strong>ráveis, tornando difícil qualquer síntese.Desta forma, por ex<strong>em</strong>plo, o mo<strong>de</strong>lo museológico apresentado por Peter van Mensch XXX (fig.2.) constitui um ex<strong>em</strong>plo perfeitamente lógico, mas que difere consi<strong>de</strong>ravelmente do conjunto<strong>de</strong> pesquisas atuais ligadas ao campo museal. Po<strong>de</strong>ríamos, <strong>de</strong> outra forma, ter fundamentadonosso trabalho sobre um levantamento <strong>de</strong>stas pesquisas e tentar agregá-las num certo número <strong>de</strong>t<strong>em</strong>áticas, a fim <strong>de</strong> apresentar uma espécie <strong>de</strong> cadastro do campo museal. Mas alguns conceitosque nos pareciam importantes - como 'museal', por ex<strong>em</strong>plo, não teriam motivo <strong>de</strong> ser incluídos.Fig. 2. Estrutura da Museologia – Peter van MenschXXIXSe, no início, vinte termos foram incluídos, um último foi acrescentado após as discussões do XXXII simpósiodo ICOFOM, <strong>em</strong> Liège e Mari<strong>em</strong>ont.XXXVer MENSCH P. VAN, Towards a Methodology of Museology, University of Zagreb, Faculty of Philosophy, Doctor’sThesis, 1992; o esqu<strong>em</strong>a aqui apresentado provém <strong>de</strong> MENSCH P. VAN (Ed.), “Museology as a scientific basisfor the museum profession”, in Professionalising the Muses. Amsterdam, AHA Books, 1989, p. 85-95.44


A abordag<strong>em</strong> escolhida por Raymond Montpetit para analisar o dicionário reflete b<strong>em</strong> o modocomo <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>os o trabalho. É a partir das estruturas simples, aceitas pela maioria <strong>de</strong> nós,que o museólogo <strong>de</strong> Québec <strong>em</strong>preen<strong>de</strong> sua análise. O museu repousa sobre três el<strong>em</strong>entosconstitutivos (coleção - museu - publico), suas funções principais sendo conhecidas e sintetizadassob a forma do mo<strong>de</strong>lo PRC (preservação, pesquisa [recherche], comunicação) ou, como nomanifesto <strong>de</strong> Veach Noble XXXI (coleta, preservação, estudo, interpretação, exposição). É a partir<strong>de</strong>stes "lugares comuns da Museologia" que Montpetit, baseando-se <strong>em</strong> seu conhecimento daliteratura, consi<strong>de</strong>ra as entradas do Dicionário e sugere novas [entradas] XXXII (fig. 3).Fig. 3. Apresentação do Dicionário. Os termos precedidos <strong>de</strong> um asteriscosão sugeridos por Raymond Montpetit.Tal abordag<strong>em</strong> adapta-se b<strong>em</strong> à lógica dos museum studies (todo manual tratando <strong>de</strong>ste campo<strong>de</strong>ve ser assim estruturado). Em compensação, teríamos que adaptá-la à abordag<strong>em</strong> museológica,tal como percebida ao longo <strong>de</strong> quarenta anos pelo ICOFOM, cujos trabalhos valorizaram umcerto número <strong>de</strong> conceitos mais abstratos, como o termo 'musealização'. Paralelamente, certosconceitos - como o <strong>de</strong> museografia - intensivamente evocados ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos eainda utilizados <strong>em</strong> nossos dias, nos pareceram <strong>de</strong>ver também ser mantidos. Caberia a nós,entretanto, tentar articulá-los, a fim <strong>de</strong> dar ao Dicionário uma real coerência.Partimos, assim, do mais simples e do que é aceito por todos, ou seja, do museu apresentadocomo um conjunto <strong>de</strong> funções (mo<strong>de</strong>lo PRC) executadas por profissionais, sobre os objetos, e<strong>de</strong>stinadas ao público. O museu atua, nesta perspectiva, como um processo <strong>de</strong> transformação (d<strong>em</strong>usealização), que po<strong>de</strong> ser mo<strong>de</strong>lizado por meio <strong>de</strong> 15 conceitos-chave (fig. 4). Neste contexto,o museu é situado num primeiro nível que <strong>de</strong>screve o processo <strong>de</strong> musealização a partir dastrês funções do museu (PRC), sendo a comunicação explicitada a partir <strong>de</strong> diferentes termos(educação, mediação, exposição). Os intrants, neste processo, são os objetos (ou a coleção) e osprofissionais. A organização geral do processo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida pela função <strong>de</strong> gestão.XXXIVEACH NOBLE J., <strong>Museu</strong>m Manifesto [1970], <strong>Museu</strong>m News, Feb. 1984, p. 51-56.XXXIIVer a síntese do colóquio do ICOFOM <strong>em</strong> Mari<strong>em</strong>ont e Liège, realizada por Blondine Desbiolles, Icofom StudySeries, 38 suppl<strong>em</strong>ent, 2009, p. 33 sq.45


Os extrants são produzidos tendo como <strong>de</strong>stino o publico. Num segundo nível, o museu aparecetanto como processo (abstrato) <strong>de</strong> musealização ou <strong>em</strong> sua fi guração concreta, através do seuedifício (ou arquitetura). Este conjunto po<strong>de</strong> ser sintetizado a partir do conceito <strong>de</strong> museografi a,aqui entendido como o conjunto das técnicas <strong>de</strong>senvolvidas para preencher as funções museais.Fig.4. O museu como lugar e como processo <strong>de</strong> musealizaçãoO fenômeno museal <strong>de</strong>ve entretanto po<strong>de</strong>r ser percebido num terceiro nível, que é o planoinstitucional (fig. 5). Se o museu se apresenta como um estabelecimento, ele constitui também umainstituição que a socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal progressivamente estabeleceu. Duas noções diretamenteligadas a este principio são a <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> si mesma, que permite perceber o termo 'público'<strong>de</strong>s<strong>de</strong> um outro ponto <strong>de</strong> vista; e a <strong>de</strong> patrimônio, que engloba sob este mesmo angulo institucionala coleção ou o objeto.Fig. 5. O museu como instituição46


A noção <strong>de</strong> museal integra b<strong>em</strong> esses três planos: este termo <strong>de</strong>fine o "campo <strong>de</strong> referencia noqual se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> não apenas a criação, o <strong>de</strong>senvolvimento e o funcionamento da instituiçãomuseu, mas também a reflexão sobre os fundamentos e suas questões", isto é, tanto o processo<strong>de</strong> musealização (as funções do museu) quanto o museu como estabelecimento ou comoarquitetura, mas também como instituição no âmbito da socieda<strong>de</strong> (fig. 6). É neste mesmo nível,que Stránský po<strong>de</strong>ria apresentar como metamuseologia, que a ética do museal (e do museu)po<strong>de</strong> ser percebida. A ética, no sentido francês do termo, difere da moral ou da <strong>de</strong>ontologia,<strong>de</strong>finida (como no Código <strong>de</strong> Deontologia do ICOM) a partir <strong>de</strong> uma ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> mundo que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>o lugar <strong>de</strong> cada um. A ética, por sua vez, apresenta-se como uma disciplina filosófica que tratada <strong>de</strong>terminação dos valores que irão guiar a conduta humana. É neste sentido, l<strong>em</strong>brado muitoespecificamente por Bernard Deloche <strong>em</strong> seu artigo XXXIII , que a nova museologia aparece, porex<strong>em</strong>plo, como uma re<strong>de</strong>finição dos valores fundamentais do museu, na sua relação com acoleção ou com o público. É ainda nesta mesma perspectiva que a museologia po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finidacomo a filosofia do museal, ou como a ética do museal.Fig. 6. O museal e a museologia como ética do musealO esqu<strong>em</strong>a da fi gura 6 se apresenta então <strong>de</strong> maneira a evocar a Museologia e aestrutura do Dicionário. É a partir <strong>de</strong> tal espaço, que po<strong>de</strong>ria s<strong>em</strong> duvida ser melhorapresentado <strong>em</strong> três dimensões (ou sob forma <strong>de</strong> mapas conceituais ou <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>losrelacionais), que os conhecimentos foram organizados e que os quase 500 termos dodicionário pod<strong>em</strong> ser repertoriados. É evi<strong>de</strong>nte, pelas razões acima evocadas, queXXXIIIDELOCHE, B.et SCHÄRER, M., “Ethique”, in DESVALLÉES, A., MAIRESSE, F. (dir.), Dictionnaire encyclopédique<strong>de</strong> muséologie, Paris, Armand Colin, 2011, p. 121-132.47


conceitos tais como 'musealização', 'museal' como 'ético' e 'instituição' provavelmente nãoencontrariam tanto eco num dicionário estritamente anglo-saxão. Esta estrutura, elaboradaimplicitamente, <strong>de</strong>ve-se dizer - apenas a posteriori eu me permito analisar o Dicionário <strong>de</strong>staforma - permite igualmente esclarecer as lacunas atuais do projeto enciclopédico. Entre elas,a noção <strong>de</strong> preservação, se comparada com a <strong>de</strong> comunicação, permanece relativamentepouco explicitada: as entradas sobre os processos <strong>de</strong> aquisição (e <strong>de</strong> alienação), <strong>de</strong> gestãodas coleções e <strong>de</strong> restauração seriam provavelmente b<strong>em</strong>-vindas. Da mesma forma, a noção<strong>de</strong> público po<strong>de</strong>ria ser analisada <strong>em</strong> maior profundida<strong>de</strong>, a partir da idéia <strong>de</strong> community, <strong>de</strong>inclusão social ou, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> público. A noção <strong>de</strong> gestão, certamente, po<strong>de</strong>riada mesma forma ser melhor precisada, tanto no que se refere à gestão financeira (fundraising,por ex<strong>em</strong>plo) ou à gestão <strong>de</strong> pessoal.Esta estrutura, por sua abordag<strong>em</strong> teórica, não dá conta inteiramente, a não ser <strong>de</strong> modosubjetivo, do estado real da pesquisa <strong>em</strong> Museologia. Se <strong>de</strong>sejáss<strong>em</strong>os proce<strong>de</strong>r como tal,<strong>de</strong>veríamos partir dos principais campos <strong>de</strong> pesquisa <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> estudos museais, o que<strong>de</strong>ixaria perceber um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> entrada s<strong>em</strong> dúvida diferente, e que po<strong>de</strong>ria ser figurado comosegue (fig. 7) XXXIV :Fig. 7. Os principais campos <strong>de</strong> pesquisa sobre o museuTal abordag<strong>em</strong>, não-hierárquica (a não ser <strong>em</strong> função da importância dos sujeitos) apresentauma visão provavelmente mais próxima do que se apresenta ao espírito quando se evoca o termo'museum studies', ou 'museologia', do que na estrutura subjacente do Dicionário. Seguindo esteraciocínio, <strong>de</strong>veríamos <strong>de</strong>duzir que é uma lista <strong>de</strong> termos como essa (mais objetivamente <strong>de</strong>finidado que a figura aqui apresentada) que po<strong>de</strong>ria realmente dar conta do campo museal, mesmose os limites <strong>de</strong>ste último permanec<strong>em</strong> fluidos. E realmente, <strong>em</strong> tal perspectiva, as noções <strong>de</strong>'museal', <strong>de</strong> 'musealização' ou <strong>de</strong> 'museografia' <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong>, substituídas por t<strong>em</strong>áticas hoj<strong>em</strong>ais regularmente utilizadas, como 'colonialismo' ou display. Il n’en reste pas moins que talXXXIVConvém observar que a abordag<strong>em</strong> visual aqui proposta baseia-se numa percepção subjetiva (do autor) sobreos sujeitos principais <strong>de</strong> pesquisa.48


abordag<strong>em</strong>, se traduz a lógica atual do campo museal, se inscreve na sua atualida<strong>de</strong>, amplamentedominada pela literatura anglo-saxã, mas possui igualmente seus limites, justamente <strong>em</strong> função<strong>de</strong>ssa atualida<strong>de</strong>.O museu inclusivo no âmbito da enciclopédiaO novo <strong>de</strong>safio, no qual estar<strong>em</strong>os nos lançando no <strong>de</strong>correr dos próximos anos, visa entãoapresentar um dicionário que po<strong>de</strong>ria ser pertinente a um público tanto francófono ou latinoquanto anglo-saxão. Tal abordag<strong>em</strong>, já o enten<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os, resi<strong>de</strong> sobre uma proposiçãoclaramente mais complexa que a simples tradução do dicionário, já que se trata, n<strong>em</strong> mais n<strong>em</strong>menos, <strong>de</strong> conservar a sua estrutura, mas também <strong>de</strong> ampliá-lo, <strong>de</strong> maneira a integrar certasnoções que encontram um eco particular do outro lado do Atlântico. O modo mais simples <strong>de</strong>proce<strong>de</strong>r visa aumentar o número <strong>de</strong> termos que serão apresentados no âmbito da obra. Mastal aumento <strong>de</strong> conceitos terá suas conseqüências sobre a estrutura [da obra] <strong>em</strong> si mesma.Entre os conceitos evocados, especialmente na figura 7, po<strong>de</strong>ríamos nos <strong>de</strong>ter, por ex<strong>em</strong>plo,no conceito <strong>de</strong> inclusão, que encontramos <strong>em</strong> diversas ocasiões no âmbito do campo museal. Éeste termo que eu <strong>de</strong>sejaria analisar aqui, a título <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo, a fim <strong>de</strong> evocar as conseqüências<strong>de</strong>sta abordag<strong>em</strong>.Eu pontuei acima, na introdução, a importância crescente do conceito <strong>de</strong> inclusão no mundomuseal atual. Este termo não foi diretamente tratado no Dicionário, e o termo 'inclusão social', porex<strong>em</strong>plo, não foi agregado do conceito-chave (<strong>em</strong>bora esteja <strong>de</strong>finido na segunda parte). É muitoprovável que no caso <strong>de</strong> uma edição anglófona, o termo possa ser apresentado como "conceitochave".Mas como seria então l<strong>em</strong>brado? Antes <strong>de</strong> tudo, convém l<strong>em</strong>brar que a inclusão social jáse encontra abordada no artigo "Socieda<strong>de</strong>", já que o principio comunitário através do mundo édiscutido [neste artigo]. Como já sublinhei acima, o conceito <strong>de</strong> "museu inclusivo", relativamenterecente, é essencialmente utilizado nos países anglo-saxões. Em contrapartida, ele se baseianuma história claramente mais antiga, compartilhada pelos países francófonos ou latinos. NaFrança, foram a nova museologia e a missão do ecomuseu que contribuíram mais amplamentepara o <strong>de</strong>senvolvimentos <strong>de</strong> conceitos similares. O papel social do museu é entretanto maisantigo, foi por ex<strong>em</strong>plo utilizado na Bélgica por Jean Capart, nos anos 1930, mas sobretudonos Estado Unidos, a partir dos trabalhos <strong>de</strong> John Cotton Dana, por Theodore Low XXXV . O papelsocial dos museus é assim diretamente ligado à sua inscrição, como instituição, no âmbito dasocieda<strong>de</strong>, e nas diferentes acepções que este conceito integra. Louis Réau, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1909 XXXVI ,estabelecia já as diferenças <strong>de</strong> concepção do museu, <strong>de</strong> um lado e outro do Atlântico. Espaço<strong>de</strong> vida para a 'comunida<strong>de</strong>' na qual é instituído, o museu americano é por esta sustentado, eportanto ele se insere realmente no tecido social que a constitui. Esta lógica é compartilhadapelos 'pais' fundadores da Museologia americana (Brown Goo<strong>de</strong>, Dana, ver Gilman); ela sedá <strong>de</strong> modo radicalmente diferente no continente europeu, on<strong>de</strong> a instituição permanece pormuito t<strong>em</strong>po fundamentada na missão patrimonial e na pesquisa. A Grã-Bretanha, por sua vez,percebeu muito cedo o museu à luz <strong>de</strong> sua importância no espaço público, o que os escritos <strong>de</strong>pensadores britânicos como Ruskin ou Cole test<strong>em</strong>unham <strong>de</strong> maneira espetacular XXXVII . A situaçãoda Inglaterra vitoriana, primeira potencia mundial, é particularmente marcada nesta época pelasclivagens sociais que se seguiram à revolução industrial. A miséria do proletariado é gran<strong>de</strong>e faz regularmente estourar<strong>em</strong> revoltas. Trata-se também, para o museu, espaço público doXXXVCAPART J., Le t<strong>em</strong>ple <strong>de</strong>s muses, Bruxelles, Musées royaux d’Art et d’Histoire, 1936 (2e éd.) ; LOW T.L., The<strong>Museu</strong>m as a Social Instrument, New York, American Association of <strong>Museu</strong>ms, 1942.XXXVIREAU L., L’organisation <strong>de</strong>s musées - Les musées américains, in Revue <strong>de</strong> synthèse historique, 1909, t. 19, p.150-159.XXXVIIBENNET T., The Birth of the <strong>Museu</strong>m, London, Routledge, 1995.49


qual se dota o país, <strong>de</strong> participar na manutenção da ord<strong>em</strong>, permitindo a todas as camadas dasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> freqüentar-se s<strong>em</strong> se opor.Não é portanto <strong>de</strong> se espantar que esta seja uma época influenciada por uma economia d<strong>em</strong>ercado particularmente liberalizada, e que o principio do museu como fator <strong>de</strong> coesão socialvolte à ord<strong>em</strong> do dia. Neste sentido, o vinculo entre a inclusão social e o museu passa tambémpela economia e pela gestão. Na economia liberal, o financiamento dos museus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> cadavez mais <strong>de</strong> programas específicos que constitu<strong>em</strong> razão suficiente para que os po<strong>de</strong>res públicosaceit<strong>em</strong> sustentar os museus: porque eles contribu<strong>em</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento do turismo, daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida local, ou para os esforços <strong>de</strong> inclusão social <strong>em</strong>preendidos pelo governo.O principio da inclusão social po<strong>de</strong>ria ser simplesmente integrado sob a forma <strong>de</strong> uma entradaligada ao conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> ou ao <strong>de</strong> mediação, que ele <strong>de</strong> certa forma explicaria. Mas amudança evocada é talvez mais importante do que parece à primeira vista. Assim, se seguimoso discurso político, a inclusão social <strong>de</strong>veria ser apresentada como uma função real do <strong>Museu</strong>: omuseu "adquire, conserva, comunica e expõe", mas também "inclui, estimula o turismo, participado <strong>de</strong>senvolvimento econômico". Os princípios não são novos, mas se b<strong>em</strong> que tenham sidos<strong>em</strong>pre apresentados como efeitos induzidos pela ativida<strong>de</strong> dos museus, parec<strong>em</strong> [agora]apresentar-se mais e mais como questões prioritárias. O vinculo "coleção-museu-público"d<strong>em</strong>onstra ser variável, e Peter van Mensch já l<strong>em</strong>brava a mudança <strong>de</strong> paradigma operada pelanova museologia que colocava, no centro das preocupações, os visitantes/usuários do museu enão mais as coleções, induzindo a um movimento da periferia <strong>em</strong> direção ao centro, e não maiso inverso XXXVIII (fig. 8).Fig. 8. A relação objeto/função/museu/ socieda<strong>de</strong> – Peter van MenschXXXVIIIMENSCH P. VAN, op. cit., p. 88.50


Contam-se s<strong>em</strong>pre, no que se refere ao mo<strong>de</strong>lo museal clássico, três (ou cinco, se usamoso mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Veach Noble) funções do museu. Não estaríamos agora a ponto <strong>de</strong> assistir ao<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um esqu<strong>em</strong>a diferente? Inúmeros indicados me levam a pensar: a maiorparte das obras que abordag<strong>em</strong> o futuro dos museus posicionam, no centro da instituição, opublico e não as coleções, indo claramente até a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o museu trabalhar cada vezmenos com objetos XXXIX .Fig. 9. As cinco funções do <strong>Museu</strong>Por conseguinte, o principio do museu como lugar <strong>de</strong> comunicação a partir <strong>de</strong> coisas reais** não secoloca <strong>em</strong> questão; tudo levar a crer que a engrenag<strong>em</strong> museal se complexifica, integrando s<strong>em</strong>pre umcerto número <strong>de</strong> funções diretamente ligadas aos objetos, mas igualmente um outro tipo <strong>de</strong> funções,diretamente ligadas aos públicos. Assim, se pod<strong>em</strong>os ainda evocar as funções tradicionalmenteligadas ao objeto (mo<strong>de</strong>lo PRC), po<strong>de</strong>ríamos também evocar um mo<strong>de</strong>lo M-M (marketing-mediação),ligado às funções do público (fig. 9 e 10). A relação com o público ou, mais diretamente, o trabalhocom o público, adquire uma importância crescente no âmbito do universo museal. Não se trata,efetivamente, <strong>de</strong> apenas comunicar para o público, mas <strong>de</strong> utilizar este último (o turista ou consumidor)para o funcionamento da instituição. Duas forças contraditórias animam esta dinâmica. O trabalho<strong>de</strong> mediação é certamente ligado à função <strong>de</strong> comunicação (educação, ateliês pedagógicos, visitasguiadas...) do museu, mais também o ultrapassa, fazendo o papel <strong>de</strong> integrador dos não-públicose, <strong>de</strong> modo geral, visando a contribuir para a <strong>em</strong>ancipação dos cidadãos no seio da socieda<strong>de</strong> XL .Este projeto, <strong>de</strong> natureza política XLI , substitui o da nova museologia, da educação como prática daliberda<strong>de</strong>, ou os princípios da inclusão social, a fim <strong>de</strong> utilizar o museu como instrumento a serviço dad<strong>em</strong>ocracia, a fim <strong>de</strong> permitir a cada um <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar um papel <strong>de</strong> cidadão no seio da socieda<strong>de</strong>. Mastalvez também a mediação, transformando o não-público <strong>em</strong> público, po<strong>de</strong> buscar prioritariamenteXXXIXBLACK Graham, Transforming <strong>Museu</strong>ms in the Twenty-first Century, London, Routledge, 2012; MUSEUMS AS-SOCIATION, <strong>Museu</strong>ms 2020 Discussion Paper, London, <strong>Museu</strong>ms Association, 2012. Disponível na internet: http://www.museumsassociation.org/download?id=806530 (acessado <strong>em</strong> out. 2012); MORISHITA M., The Empty <strong>Museu</strong>m.Western Cultures and the Artistic Field in Mo<strong>de</strong>rn Japan, Farnham, Ashgate, 2010.** as “vraies choses”, mencionadas por Duncan Cameron [Nota do Tradutor].XLSAADA S., Et si on partageait la culture ? Essai sur la médiation culturellet et le potentiel du spectateur, Toulouse,Edition <strong>de</strong> l’attribut, 2011.XLILAMIZET B., La Médiation culturelle, Paris, l’Harmattan, 1999.51


produzir futuros consumidores. Ao conceito <strong>de</strong> mediação correspon<strong>de</strong> o que constitui talvez asua antítese, que é o <strong>de</strong> mercantilização ou marketing, que visa a integrar o público por razoesparcialmente, ou totalmente ligadas ao <strong>de</strong>senvolvimento dos recursos do museu. O museu,integrado numa lógica <strong>de</strong> mercado, <strong>de</strong>ve alcançar um público <strong>de</strong> consumidores cada vez maisvasto; uma parte <strong>de</strong> sua sobrevivência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> cada vez mais, com efeito, <strong>de</strong> suas própriasreceitas, e sab<strong>em</strong>os como a pesquisa <strong>de</strong>stas últimas condiciona as ativida<strong>de</strong>s do museu.Fig. 10. O mo<strong>de</strong>lo PRC MMEsta <strong>de</strong>scrição do mo<strong>de</strong>lo museal difere sensivelmente das prece<strong>de</strong>ntes, que por longo t<strong>em</strong>poabstraíram o conjunto da lógica administrativa <strong>de</strong> seu funcionamento. A visão <strong>de</strong> um museu cujasfunções <strong>de</strong> marketing pod<strong>em</strong> se <strong>de</strong>senvolver ao ponto <strong>de</strong> limitar outras funções museológicas,especialmente as <strong>de</strong> preservação ou <strong>de</strong> pesquisa, correspon<strong>de</strong> b<strong>em</strong> à evolução atual.É sob esta perspectiva que uma reflexão sobre o mo<strong>de</strong>lo do "museu inclusivo" po<strong>de</strong> ser evocada.Se este último conceito floresce atualmente, isto se <strong>de</strong>ve não apenas ao fato <strong>de</strong> a atual situaçãoeconômica levar o museu a apresentar-se como uma ferramenta <strong>de</strong> luta contra a exclusão social, poisa socieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> seu todo, vê esta exclusão aumentar ao sabor das crises do sist<strong>em</strong>a econômico. Sea inclusão social e a mediação se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>, é também porque o reflexo marketing faz o mesmo[movimento], utilizando as mesmas ferramentas (estudos <strong>de</strong> público, avaliação <strong>de</strong> exposições), masnuma ótica <strong>de</strong>cididamente diferente, essencialmente guiada pela pesquisa dos novos recursos.A questão do museu inclusivo e, consequent<strong>em</strong>ente, a da inclusão social, constitu<strong>em</strong> uma belailustração da maneira como cada conceito utilizado na Museologia é suscetível <strong>de</strong> transformar apercepção sobre o conjunto do campo museal. Não se trata aqui <strong>de</strong> uma transformação radical: ocampo museal <strong>em</strong> si mesmo, a musealização, as funções <strong>de</strong> base do museu, relativas ao objeto,permanec<strong>em</strong>. Entretanto, insensivelmente, a ferramenta-museu se transforma - o que não renegaramn<strong>em</strong> Stránský, n<strong>em</strong> van Mensch. Não é impossível que suas funções estejam ainda <strong>de</strong>stinadas aevoluir; o fenômeno museal entretanto permanece, para nosso maior interesse.52


CONFERÊNCIAConferencia


MUSEU INCLUSIVO -- DIÁLOGO NA DIVERSIDADE: INTEGRANDO ACULTURA DO DEFICIENTE VISUALDiana Farjalla Correia LimaO acesso à informação, no mais amplo sentido, é acesso aoconhecimento, e este é vitalmente importante para nós nãocontinuarmos sendo menosprezados e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das pessoas queenxergam. Nós não precisamos <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> n<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser l<strong>em</strong>bradosque somos vulneráveis. Precisamos ser tratados com igualda<strong>de</strong> – ecomunicação é a forma <strong>de</strong> realizar isto. -- Louis Braille (1809-1852).Palavras IniciaisOs títulos escolhidos pelos eventos “IV SIAM – S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Museologia dosPaíses <strong>de</strong> Língua Portuguesa e Espanhola, Museologia, Patrimônio, Interculturalida<strong>de</strong>: museusinclusivos, <strong>de</strong>senvolvimento e diálogo intercultural”, e “21º ICOFOM LAM, Termos e Conceitosda Museologia: museu inclusivo, interculturalida<strong>de</strong> e patrimônio integral” ilustram a a<strong>de</strong>quadaocasião para tratar o t<strong>em</strong>a e reforçaram a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não ‘palestrar’, mas apenas l<strong>em</strong>brar queé possível fazer simples mudanças nos <strong>Museu</strong>s que, no entanto, resultarão <strong>em</strong> ampla e firmecaminhada <strong>em</strong> direção à inclusão social.O assunto está inserido no contexto da diversida<strong>de</strong> humana dizendo respeito, também, à questãoenvolvendo o que se <strong>de</strong>nomina na atualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> Inclusivo. E ao mencioná-lo não hácomo <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que, então, existe (ou persiste?) sua face oposta, o museu exclusivo, ummo<strong>de</strong>lo cujo significado aponta para: por à marg<strong>em</strong> <strong>de</strong>; privar <strong>de</strong> algo; limitar a e, <strong>de</strong>sse modo,caracterizando teor restritivo e exclu<strong>de</strong>nte.O propósito das nossas palavras, portanto, é um l<strong>em</strong>brete para a urgência da mudança.Desejando que, <strong>em</strong> breve e <strong>de</strong> fato, todos os <strong>Museu</strong>s sejam espaços <strong>de</strong> inclusão social.E ao modo <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ixa teatral que traga à cena o t<strong>em</strong>a, foi estabelecida uma ponte entre essaparte, breve apresentação, e o tópico 1 que inicia o nosso ‘recado’ (agora sob a forma <strong>de</strong> artigo),dando voz a uma pessoa especial, Helen Keller, ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> superação, uma lutadora que tendorecebido educação especial (como se nomeia no momento atual) pelas mãos – literalmente --<strong>de</strong> Anne Sullivan, ainda no final do século XIX, atravessou mais da meta<strong>de</strong> do século XX abrindoo caminho para a inclusão social.Helen Keller, (1880- 1968), norte-americana, nasceu dotada dos cincos sentidos, mas acometida<strong>de</strong> uma doença aos 19 meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> I tornou-se <strong>de</strong>ficiente visual e auditiva, surdocega, e*Agra<strong>de</strong>ço a Professora do Instituto Benjamin Constant, Ana Fátima Berquó Carneiro Ferreira, mestre <strong>em</strong> Museologiae Patrimônio, PPG-PMUS UNIRIO/MAST, por partilhar comigo t<strong>em</strong>a social relevante. O convívio criado durante suaorientação no mestrado, que agora prossegue no doutorado, t<strong>em</strong> sido uma grata oportunida<strong>de</strong> para reforçar meuintento <strong>de</strong> diss<strong>em</strong>inar a questão e vê-la tornar-se prática corrente nos <strong>Museu</strong>s.IAMERICAN FOUNDATION FOR THE BLIND. Helen Keller: an introduction Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 05 <strong>de</strong> out 2012.54


com impedimento para expressar-se oralmente, como faz<strong>em</strong> os ouvintes, dada a dificulda<strong>de</strong> dasur<strong>de</strong>z para reproduzir os sons correspon<strong>de</strong>ntes às palavras.Helen Keller é autora <strong>de</strong> um <strong>de</strong>licado artigo “Três dias para ver”, Three Days to See, publicadona revista The Atlantic Monthly, <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1933, no qual narra o que gostaria <strong>de</strong> conhecerpelo sentido da visão. E com relação ao segundo dia <strong>de</strong>screveu qual seria o seu <strong>de</strong>sejo.Esse dia eu <strong>de</strong>dicaria a uma breve visão do mundo, passado epresente.Como gostaria <strong>de</strong> ver o <strong>de</strong>sfile do progresso do hom<strong>em</strong>, visitariaos museus.Ali meus olhos, veriam a história con<strong>de</strong>nsada da Terra -- os animaise as raças dos homens <strong>em</strong> seu ambiente natural; gigantescascarcaças <strong>de</strong> dinossauros e mastodontes que vagavam pelo planetaantes da chegada do hom<strong>em</strong>, que, com sua baixa estatura e seucérebro po<strong>de</strong>roso, dominaria o reino animal.Minha parada seguinte seria o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> Artes.Conheço b<strong>em</strong>, pelas minhas mãos, os <strong>de</strong>uses e as <strong>de</strong>usasesculpidos da antiga terra do Nilo. Já senti pelo tacto as cópiasdos frisos do Paternon e a beleza rítmica do ataque dos guerreirosatenienses.As feições nodosas e barbadas <strong>de</strong> Homero me são caras, poistambém ele conheceu a cegueira.Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do hom<strong>em</strong>por meio <strong>de</strong> sua arte.Veria então o que conheci pelo tacto.Mais maravilhoso ainda, todo o magnífico mundo da pintura meseria apresentado. Mas eu po<strong>de</strong>ria ter apenas uma impressãosuperficial.Diz<strong>em</strong> os pintores que, para se apreciar a arte, real e profundamente,é preciso educar o olhar.É preciso, pela experiência, avaliar o mérito das linhas, dacomposição, da forma e da cor.Se eu tivesse a visão, ficaria muito feliz por me entregar a umestudo tão fascinante (grifo nosso) II .A relevância do papel do <strong>Museu</strong> na vida das pessoas é confirmada no relato <strong>de</strong> Helen Keller que,<strong>em</strong>bora com impedimento <strong>em</strong> aspectos da percepção sensorial, superou tal situação e ‘viu’ por meio<strong>de</strong> outro modo sensível o que muitos, <strong>em</strong>bora dotados <strong>de</strong> visão, não consegu<strong>em</strong> enxergar.1. Público Especial e <strong>Museu</strong>: a unida<strong>de</strong> especial Acesso - Inclusão SocialO Grupo ‘inclusivo’ que é objeto <strong>de</strong> nosso enfoque reúne participantes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho culturaldiversificado que ocupa vários extratos sociais.E pensando numa socieda<strong>de</strong> plural representada pelo contexto da diversida<strong>de</strong>, não somente a<strong>de</strong>senhada pelo recorte das diferenças que geralmente são especificadas como da natureza dastradições i<strong>de</strong>ntitárias, mas também pelas diferenças <strong>de</strong> outra ord<strong>em</strong>, impõe-se ao <strong>Museu</strong> e a suacomunida<strong>de</strong> profissional refletir acerca da sua missão que se faz mais extensa e complexa.IIKELLER, Helen. Três dias para ver -- Sobre a <strong>de</strong>ficiência visual. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 05 out. 2012.O artigo original <strong>em</strong> inglês foi publicado <strong>em</strong>: The Atlantic Monthly; January 1933; Three days to see; volume 151,no. 1; pages 35-42.Versão eletrônica -- The Atlatic online-digital edition. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 05 out. 2012.55


natureza social expressam comportamentos, representam instituições e d<strong>em</strong>ais formas quereg<strong>em</strong> e são regidas pelos processos culturais.Na categoria cidadania é consi<strong>de</strong>rado no contexto das minorias que lutam pelo reconhecimentodos seus direitos. E ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um século seus integrantes, os <strong>de</strong>ficientes visuais,particularmente no caso dos cegos, são dotados <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> comunicação peculiar,o Sist<strong>em</strong>a Braille, modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação cuja dimensão cultural e social representa umPatrimônio <strong>de</strong> aplicação universal no seio da comunida<strong>de</strong>.No ambiente museológico, espaço no qual se enraíza nosso texto, a Pessoa com Deficiência Visual,PDV, particulariza um grupo social que representa um segmento <strong>em</strong> meio ao Público <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>. Estápresente, ao mesmo t<strong>em</strong>po, atuando nos papéis do Visitante que <strong>de</strong>seja percorrer as exposições epenetrar <strong>em</strong> um mundo convidativo para novas experiências cognitivas, assim como no Usuário dosserviços <strong>de</strong> informação que intenta consultar as coleções museológicas propriamente ditas, as dabiblioteca e as do arquivo, seções existentes no <strong>Museu</strong>, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> respostas e <strong>de</strong>scobertas que oconhecimento estimula e faz brotar. Nas duas posturas ativas usufrui da totalida<strong>de</strong> dos test<strong>em</strong>unhosda m<strong>em</strong>ória coletiva que o mo<strong>de</strong>lo musealizado dispõe e expõe.As possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estabelecer o diálogo entre as PDVs e o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> da i<strong>de</strong>ntificaçãoe do reconhecimento que há um Público Especial na diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segmentos componentesdo perfil reconhecido como público <strong>de</strong> museu III . Esse Grupo cultural Visitante e Consulente/Usuário implica na existência <strong>de</strong> uma oferta a<strong>de</strong>quada, consubstanciada por um elenco <strong>de</strong>indicadores configurando as condições plenas para o exercício da função social do <strong>Museu</strong>, <strong>em</strong>consonância com os direitos que qualquer ser humano <strong>de</strong> qualquer comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tém.Ao mencionarmos direitos, recorr<strong>em</strong>os à Declaração Universal dos Direitos Humanos, “Adotadae proclamada pela resolução 217 A (III) da Ass<strong>em</strong>bléia Geral das Nações Unidas <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1948” IV que, no seu artigo 27 - it<strong>em</strong> 1, assim se expressa:Todo ser humano t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> participar livr<strong>em</strong>ente da vidacultural da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fruir das artes e <strong>de</strong> participar doprogresso científico e <strong>de</strong> seus benefícios (grifo nosso).E ao refletirmos atentando para o pensamento exposto na Declaração, i<strong>de</strong>ntificamos pontosrepresentativos do <strong>Museu</strong> nas especificida<strong>de</strong>s do mo<strong>de</strong>lo cultural <strong>de</strong> que é dotado e apresentadojunto aos grupos sociais. E nós grifamos os trechos da citação para <strong>de</strong>stacar tal relação.Em sendo o evento que nos recebeu uma reunião do ICOFOM LAM, Subcomité Regional <strong>de</strong>Museologia para a América Latina y el Caribe V , representante do ICOFOM, International Committeefor Museology – Comitê Internacional para a Museologia, <strong>de</strong>sse modo, integrando o ConselhoIIIGEERTZ, Cliffford. A interpretação das culturas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Guanabara-Koogan. 1989. p. 31.IVONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948. Disponível <strong>em</strong>:. Acesso <strong>em</strong>: 02 <strong>de</strong> out. 2012.VICOFOM LAM, Subcomité Regional do ICOFOM para a América Latina y el Caribe. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 1 out. 2012.56


Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s – International Council of <strong>Museu</strong>ms, ICOM, é pertinente l<strong>em</strong>brarmos a<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> que se formaliza no Estatuto do Conselho VI .<strong>Museu</strong>s são instituições permanentes, s<strong>em</strong> fins lucrativos, a serviçoda socieda<strong>de</strong> e do seu <strong>de</strong>senvolvimento, abertas ao público, queadquir<strong>em</strong>, conservam, pesquisam, comunicam e expõ<strong>em</strong>, para fins<strong>de</strong> estudo, educação e lazer, os test<strong>em</strong>unhos materiais e imateriaisdos povos e seus ambientes.Reportamo-nos, da mesma maneira, ao Código <strong>de</strong> Ética para <strong>Museu</strong>s, ICOM VII , que esclarecea missão do <strong>Museu</strong>: “1. Os museus preservam, interpretam e promov<strong>em</strong> o patrimônio natural ecultural da humanida<strong>de</strong>”.E no seu it<strong>em</strong> 1.4 Acesso; o Código cont<strong>em</strong>pla o Público Especial mencionando<strong>de</strong> modo <strong>de</strong>clarado a Acessibilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s, perspectiva que compõe nossoassunto: “A autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela <strong>de</strong>ve assegurar que o museu e seu acervo [patrimônio]sejam acessíveis a todos durante horários aceitáveis e períodos regulares. Atençãodiferenciada <strong>de</strong>ve ser dada aos portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais” (grifo nosso) VIII .Prosseguindo na leitura das interpretações mo<strong>de</strong>ladoras do conceito <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> sob os váriosângulos que o facetam e reforçando a assertiva acima, encontramos outra referência relacionadaà t<strong>em</strong>ática acessibilida<strong>de</strong>, no tópico 3 do referido Código:3. Os museus conservam test<strong>em</strong>unhos primários paraconstruir e aprofundar o conhecimento.Princípio: Os museus têm responsabilida<strong>de</strong>s específicas paracom a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à proteção e às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>acesso e <strong>de</strong> interpretação dos test<strong>em</strong>unhos primários reunidose conservados <strong>em</strong> seus acervos (grifo do autor <strong>em</strong> negrito; grifonosso sublinhado).A essa altura já nos é possível dizer que a questão Acessibilida<strong>de</strong> é um quesito integrante dasintenções que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> orientar as políticas do campo museológico.Porém, <strong>em</strong> nossa compreensão e pela experiência que nos t<strong>em</strong> dado perceber, nos espaçosmusealizados ainda nos parece ser tímida a passag<strong>em</strong> do discurso à prática da inclusãosocial. Caso assim não fosse, não haveria motivo para o assunto estar sendo enfaticament<strong>em</strong>encionado e foco <strong>de</strong> eventos profissionais.Pensando nisso e tendo como referência a característica do <strong>Museu</strong> como um espaçosoberano da visualida<strong>de</strong>, as dificulda<strong>de</strong>s encontradas pelo Público Especial Pessoa comDeficiência Visual, PDV, e suas d<strong>em</strong>andas, é que nos dispus<strong>em</strong>os a falar sobre o assunto.Para tanto <strong>de</strong>cidimos fazer um exercício prático como se estivéss<strong>em</strong>os no lugar <strong>de</strong> um(a)museólogo(a) voltado(a) para a<strong>de</strong>quar o <strong>Museu</strong> no qual atua e, esclarec<strong>em</strong>os, s<strong>em</strong> umconhecimento especializado sobre o assunto, mas consciente do <strong>de</strong>ver profissional <strong>de</strong>estar a serviço da socieda<strong>de</strong>, conforme reza o Código. E seguindo o espírito mo<strong>de</strong>rno dapraticida<strong>de</strong> que nos ro<strong>de</strong>ia, fomos ‘navegar’ pela Internet para verificar o que está disponível<strong>de</strong>ntre os recursos materiais necessários ao atendimento especial. Esse foi o motivo <strong>de</strong>VIICOM-BR, Comitê Brasileiro do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s - ICOM. Código <strong>de</strong> ética do ICOM para museus.2009. Não paginado. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 05 out.2012.VII.ICOM-BR. 2009. Op. cit.VIIIICOM-BR. 2009. Op. cit.57


dizermos, no dia da nossa apresentação no <strong>Museu</strong> Imperial, que não era nossa pretensão fazeruma palestra <strong>em</strong> evento acadêmico tão importante, porque nossa intenção ao compreen<strong>de</strong>ra oportunida<strong>de</strong> ímpar que nos estava sendo dada, reforçando nossas palavras iniciais, era (econtinua sendo) dar um recado...2. <strong>Museu</strong>, Comunicação e Público Especial <strong>em</strong> contexto da diversida<strong>de</strong>: termos econceitos para enten<strong>de</strong>r e praticarEm concordância com o t<strong>em</strong>a do ICOFOM LAM, evento que nos convidou, nosso recorteinvestigativo se fundamenta no <strong>Museu</strong> Inclusivo.O cenário que o envolve o toma na posição <strong>de</strong> núcleo, portanto, el<strong>em</strong>ento central.Implica <strong>em</strong> <strong>de</strong>scerrar o manto da <strong>de</strong>signação para i<strong>de</strong>ntificar os el<strong>em</strong>entos que estruturam omo<strong>de</strong>lo, compreendê-los segundo a interpretação a<strong>de</strong>quada que o t<strong>em</strong>a exige e a partir dassuas características harmônicas <strong>de</strong>terminantes, então, po<strong>de</strong>r reconhecê-los <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong>com seu valor <strong>de</strong> atributos que modulam o que se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r por <strong>Museu</strong> Inclusivo na coesãodo termo/conceito nos planos da teoria e da prática.O caminho para enten<strong>de</strong>r o <strong>Museu</strong> Inclusivo, <strong>em</strong> nosso entendimento, passa pelo estudo <strong>de</strong>cinco termos/conceitos basilares: PESSOA COM DEFICIÊNCIA, no caso específico, VISUAL;INCLUSÃO SOCIAL; ACESSIBILIDADE; INFORMAÇÃO ESPECIAL; TECNOLOGIA ASSISTIVA.Também, como ver<strong>em</strong>os, a partir <strong>de</strong> tais conceitos irão surgir <strong>de</strong>sdobramentos conduzindo aoestudo articulado <strong>de</strong> outros termos e conceitos <strong>em</strong> contexto teórico e <strong>de</strong> ação relacionados àsnecessida<strong>de</strong>s das PDVs.É pela via da imag<strong>em</strong>, um gráfico, que representamos a idéia que nos conduziu expondo (<strong>em</strong>sentido horário) os el<strong>em</strong>entos fundamentais estruturados sob a forma dos termos, dos seusconceitos, das suas ações; composição <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s interligadas, uma corrente <strong>de</strong> sentidosque não po<strong>de</strong> ser rompida sob pena <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rmos o elo que dá vida ao contexto <strong>de</strong> existênciado <strong>Museu</strong> Inclusivo.58


- PESSOA com DEFICIÊNCIAPessoa com Defi ciência é o termo consi<strong>de</strong>rado a<strong>de</strong>quado conforme proclama a Organizaçãodas Nações Unidas, ONU, na “Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitose Dignida<strong>de</strong>s das Pessoas com Defi ciência” IX . V<strong>em</strong> sendo usado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 90 e estáformalizado <strong>em</strong> âmbito internacional nos documentos <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que <strong>em</strong>basam o t<strong>em</strong>a,por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> inglês, francês e espanhol: Persons with a disability, People with disabilities;Personnes handicapées; Personas com discapacidad.O texto da Convenção internacional (artigo 1º - Propósito) reconhece:Pessoas com Defi ciência são aquelas que têm impedimentos <strong>de</strong>longo prazo <strong>de</strong> natureza física, mental, intelectual ou sensorial,os quais, <strong>em</strong> interação com diversas barreiras, pod<strong>em</strong> obstruirsua participação plena e efetiva na socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> igualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>condições com as d<strong>em</strong>ais pessoas.No Brasil, o documento <strong>de</strong> foro internacional foi ratifi cado pelo Decreto Legislativo nº 186 <strong>de</strong> 9 julho<strong>de</strong> 2008 X direcionando para o uso e sentido precisos do termo nas políticas públicas. As ações queobjetivam a inclusão social faz<strong>em</strong>-se ligadas ao Programa Nacional <strong>de</strong> Acessibilida<strong>de</strong> XI , no âmbitoda Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, coor<strong>de</strong>nado e supervisionadoIXONU, Organização das Nações Unidas. Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos eDignida<strong>de</strong>s das Pessoas com Defi ciência – 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006. Disponível <strong>em</strong>: .Acesso <strong>em</strong>: 02 <strong>de</strong> out 2012.XBRASIl. Decreto Legislativo nº 186 <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos dasPessoas com Defi ciência e <strong>de</strong> seu Protocolo Facultativo, assinados <strong>em</strong> Nova Iorque, <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007.Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 02 <strong>de</strong> out 2012.XIBRASIL. Secretaria Nacional <strong>de</strong> Promoção dos Direitos da Pessoa com Defi ciência. Sobre a Secretaria. MEC.Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 02 <strong>de</strong> out. 2012.59


pela atual Secretaria Nacional <strong>de</strong> Promoção dos Direitos das Pessoas com Defi ciência criadapela Lei nº 11.958/2009 e Decretos Nº 6.980/2009 e Nº 7.256/2010 XII .O assunto <strong>de</strong>fi ciência e inclusão social são representados <strong>em</strong> contexto global pelo DiaInternacional das Pessoas com Defi ciência, que é com<strong>em</strong>orado <strong>em</strong> 03 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro e cujosímbolo apresentamos a seguir. XIIISímbolo do Dia Internacional das Pessoas com Defi ciência (ONU)- INCLUSÃO SOCIALFoi somente nos anos 50/60 do século passado que a questão da inclusão social sob diversosaspectos passou a ser <strong>de</strong>batida e enfatizada <strong>em</strong> vários países, dando novo vigor ao assuntoque, <strong>em</strong>bora já fosse discutido, não alcançara a necessária divulgação. Converteu-se <strong>em</strong> t<strong>em</strong>acontun<strong>de</strong>nte pela absoluta urgência <strong>de</strong> ser incorporado ao meio social e ser entendido comoalgo natural na nossa vivência.Escolh<strong>em</strong>os para <strong>de</strong>finir Inclusão Social a imag<strong>em</strong> criada por um pesquisador do assunto,Romeu Sassaki XIV , que assim se expressa: “Fundamentada na filosofia que reconhece e aceita adiversida<strong>de</strong> na vida <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> garantir o acesso <strong>de</strong> todos a quaisquer oportunida<strong>de</strong>s,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada indivíduo e /ou grupo social” (grifo nosso).E a Convenção da ONU, já mencionada, agora no seu Artigo 3º, it<strong>em</strong> 1 XV , <strong>de</strong>staca e explica osdireitos da Pessoa com Defi ciência na “Participação na vida cultural e <strong>em</strong> recreação, lazer eesporte”, conforme a citação abaixo.1. Os Estados Partes reconhec<strong>em</strong> o direito das pessoas com<strong>de</strong>fi ciência <strong>de</strong> participar na vida cultural, <strong>em</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s com as d<strong>em</strong>ais pessoas, <strong>de</strong>verão tomar todas asmedidas apropriadas para que as pessoas com <strong>de</strong>fi ciência possam:a. Desfrutar o acesso a materiais culturais <strong>em</strong> formatos acessíveis;[...] ec. Desfrutar o acesso a locais ou serviços <strong>de</strong> eventos culturais, taiscomo teatros, museus, cin<strong>em</strong>as, bibliotecas [MUSEU] e serviçosturísticos [MUSEU], b<strong>em</strong> como, tanto quanto possível, <strong>de</strong>sfrutaro acesso a monumentos [PATRIMÔNIO/MUSEU] e locais <strong>de</strong>importância cultural nacional [PATRIMÔNIO/MUSEU] (grifo nosso).A leitura do trecho permite que se possa traçar, novamente, pontos conectivos com o <strong>Museu</strong> e porisso foram sublinhados. Também ao lado <strong>de</strong> cada ponto agregamos [MUSEU] e [PATRIMÔNIO/XIIA Secretaria representa a antiga Coor<strong>de</strong>nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Defi ciência,CORDE.XIIIONU, Organização das Nações Unidas. A ONU e as pessoas com <strong>de</strong>fi ciência. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>. 20 out.2012.XIVSASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma socieda<strong>de</strong> para todos. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: WVA, 2006.XVONU. Convenção/2006. Op. cit. Artigo 3º.60


MUSEU] para i<strong>de</strong>ntificar tais condições <strong>de</strong> representação, l<strong>em</strong>brando que as bibliotecas sãoseções técnicas que compõ<strong>em</strong> os <strong>Museu</strong>s. E, ainda, no elenco da oferta do turismo estápresente o atrativo turístico <strong>Museu</strong>. Juntamente com monumentos e outros locais ligados acultura constitu<strong>em</strong> formas patrimoniais musealizadas ou potencialmente musealizáveis comoqualquer el<strong>em</strong>ento que venha a ter esse valor. Portanto, o formato museológico está presenteno panorama cultural para a inclusão social.A inclusão da PDV e <strong>de</strong> qualquer outra pessoa com <strong>de</strong>ficiência, no entanto, não se realiza s<strong>em</strong> que lheseja facultado o acesso, ou melhor, s<strong>em</strong> que seja atendida no seu direito social que é um direito legal.- ACESSIBILIDADEReconhece-se como padrão um elenco <strong>de</strong> condições a<strong>de</strong>quadas a permitir acesso a PDV e aoutras Pessoas com Deficiência para sua participação na dimensão social.A legislação brasileira acompanhando os movimentos internacionais t<strong>em</strong> estabelecido “normasgerais e critérios básicos” XVI -- Decreto nº 5.296 <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004 -- para estabelecerum quadro <strong>de</strong> acesso aos que <strong>de</strong>pend<strong>em</strong> <strong>de</strong> um atendimento diferenciado. O documentoregulamenta leis anteriores, é abrangente e minucioso na sua redação para <strong>de</strong>terminar o padrãoda acessibilida<strong>de</strong>.No Artigo 8, it<strong>em</strong> I, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> é explicitada:-- acessibilida<strong>de</strong>: condição para utilização, com segurança eautonomia, total ou assistida, dos espaços [MUSEU], mobiliários eequipamentos urbanos, das edificações [MUSEU], dos serviços <strong>de</strong>transporte e dos dispositivos, sist<strong>em</strong>as e meios <strong>de</strong> comunicação einformação [MUSEU], por pessoa portadora <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência ou commobilida<strong>de</strong> reduzida (grifo nosso);Novamente grifamos a citação e <strong>de</strong>stacamos, interpolando (entre colchetes), os indicadores quei<strong>de</strong>ntificados aos <strong>Museu</strong>s d<strong>em</strong>andam um tratamento voltado à acessibilida<strong>de</strong> do Público Especial PDV.Outra explicitação relevante expressa literalmente o <strong>Museu</strong>.Os autores Peter Colwell e Elisabete Men<strong>de</strong>s XVII tratam do t<strong>em</strong>a no livro <strong>Museu</strong>s e Acessibilida<strong>de</strong>,publicação do Instituto Português <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s.Acessibilida<strong>de</strong> é aqui entendida num sentido lato. Começa nosaspectos físicos e arquitectónicos – acessibilida<strong>de</strong> do espaço– mas vai muito para além <strong>de</strong>les, uma vez que toca outrascomponentes <strong>de</strong>terminantes, que concern<strong>em</strong> aspectos intelectuaise <strong>em</strong>ocionais, acessibilida<strong>de</strong> da informação e do acervo. [...] Umaboa acessibilida<strong>de</strong> do espaço não é suficiente. É indispensávelcriar condições para compreen<strong>de</strong>r e usufruir os objectos expostosnum ambiente favorável. [...] Para, além disso, acessibilida<strong>de</strong> dizrespeito a cada um <strong>de</strong> nós, com todas as riquezas e limitações queXVIBRASIL. Decreto nº 5.296 <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004 – Regulamenta as Leis nos 10.048, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 2000, que dá priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2000,que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilida<strong>de</strong> das pessoas portadoras <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência ou com mobilida<strong>de</strong> reduzida, e dá outras providências. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 02 <strong>de</strong> out 2012.XVIICOLWELL, Peter.; MENDES, Elisabete. <strong>Museu</strong>s e acessibilida<strong>de</strong>. Lisboa: Instituto Português <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s - IPM.2004. p. 17. (Coleção T<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Museologia).61


a diversida<strong>de</strong> humana contém e que nos caracterizam, t<strong>em</strong>poráriaou permanent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> diferentes fases da vida (grifo nosso).E não pod<strong>em</strong>os abordar a questão da acessibilida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scurar dos impedimentos quese apresentam.No citado Decreto nº 5.296/2004 são mencionadas “barreiras” e <strong>de</strong>finidas como: “qualquerentrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento, a circulação comsegurança e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as pessoas se comunicar<strong>em</strong> ou ter<strong>em</strong> acesso à informação” XVIII .A essa altura do nosso percurso conceitual uma pergunta nos <strong>de</strong>safia.O que é necessário para a Pessoa com Deficiência Visual, PDV, usufruir dos espaçosmuseológicos, <strong>em</strong> síntese: dos seus territórios, suas coleções, seus serviços <strong>de</strong> informação?Derrubar barreiras é a resposta. É o papel que nos cabe <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar.Assim <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os levar <strong>em</strong> conta que a cada tipo <strong>de</strong> obstáculo ou barreira correspon<strong>de</strong> uma forma<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ovê-la, configurando uma resposta articulada sob o signo <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>.-- a) “Acessibilida<strong>de</strong> Arquitetônica” e outras modalida<strong>de</strong>s espaciais. É compreendida a partir da“inexistência <strong>de</strong> barreiras físicas e ambientais”.-- b) “Acessibilida<strong>de</strong> Comunicacional” envolvendo formas informacionais e comunicacionaiscomo: b.1) -- o contato “interpessoal”, “face a face” e telefônico; -- b 2) a via escrita com orecurso <strong>de</strong> tipo ampliado (pessoas com visão parcial e visão reduzida) ou pelo uso dos sinaisdo Sist<strong>em</strong>a Braille que aten<strong>de</strong> aos cegos e constitui um patrimônio cultural da comunida<strong>de</strong> PDV,conforme afirmamos no início do nosso texto e, ainda, com aplicação da oferta da TecnologiaAssistiva (TA); -- b 3) <strong>em</strong> ambiente virtual, o mesmo que “acessibilida<strong>de</strong> digital”.-- c) “Acessibilida<strong>de</strong> Atitudinal” que nos afigura com po<strong>de</strong>r contun<strong>de</strong>nte pela carga <strong>de</strong> valoressociais que <strong>de</strong>strói, porque representa a “Inexistência <strong>de</strong> preconceitos, estigmas, estereótipose discriminações” XIX .A frase pronunciada por Helen Keller, <strong>em</strong> 1925, --“The chief handicap of the blind is not blindness,but the attitu<strong>de</strong> of seeing people towards th<strong>em</strong>” XX , “A principal <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong> dos cegos não écegueira, mas a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver as pessoas <strong>em</strong> relação a eles" (tradução e grifo nossos) -- leva-nosa refletir que a barreira atitudinal percebida por ela, praticamente faz um século, ainda persiste.2.1. Público Especial PDV e especificida<strong>de</strong>s para a<strong>de</strong>quado atendimentoA Museologia e sua representação institucional, o <strong>Museu</strong>, no que concerne ao exercício <strong>de</strong> suafunção social que se baseia, <strong>de</strong> acordo com o Estatuto e o Código <strong>de</strong> conduta profissional, ICOM,<strong>em</strong> prestar “serviço” a “socieda<strong>de</strong>” e “atenção diferenciada aos portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sespeciais” (citações apresentadas no tópico 1), com respeito ao atendimento ao Público EspecialPDV precisa i<strong>de</strong>ntificar o perfil <strong>de</strong>sse grupo para ter condições <strong>de</strong> interpretar suas d<strong>em</strong>andas.XVIIIBRASIL. Decreto nº 5.296/2004. Op. cit. Artigo 8, it<strong>em</strong> II.XIXSASSAKI, R. 2006. Op. cit. p. 68.XXKELLER, Helen. Helen Keller quotes. Disponível <strong>em</strong>: .Acesso <strong>em</strong>: 05 <strong>de</strong> out 2012.62


O processo que orienta o quadro para o atendimento a<strong>de</strong>quado compreen<strong>de</strong> quatro itens.São termos/conceitos reveladores das especificida<strong>de</strong>s que caracterizam as condiçõesnecessárias para as diferentes situações que se apresentam no <strong>Museu</strong>, a ex<strong>em</strong>plo da visitaçãoao circuito expositivo, consultas às bases <strong>de</strong> dados ou no usufruto das diferentes coleçõessetorialmente i<strong>de</strong>ntificadas no museu como museológicas, da sua biblioteca e do seu arquivo.T<strong>em</strong>os, portanto, que assegurar os quatro procedimentos que a seguir são explicados.2.1.1 I<strong>de</strong>ntificar a natureza do publico visitante/usuário: Pessoa Deficiente VisualO primeiro procedimento relativo à Pessoa com Deficiência Visual <strong>de</strong>ve ser a ação que nospermitirá esclarecer as características <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>ficiência.Isso conduz a trabalhar basicamente com três tipos segundo a especialista <strong>em</strong> eficiência visualDra. Natalie Barraga que, por longa data, pesquisou o probl<strong>em</strong>a. Os estudos da professoraamericana são citados <strong>em</strong> inúmeros artigos e sites especializados como referência teórica eprática no contexto da Educação Especial.-- “Cegos – têm somente a percepção da luz ou não têm visão nenhuma e precisam apren<strong>de</strong>ratravés do método Braille e <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> comunicação que não estejam relacionados com o usoda visão”;-- Visão Parcial – “têm limitações da visão à distância, mas são capazes <strong>de</strong> ver objetos e materiaisquando estão a poucos centímetros ou no máximo a meio metro <strong>de</strong> distância”;-- Visão Reduzida – “são consi<strong>de</strong>rados com visão indivíduos que pod<strong>em</strong> ter seu probl<strong>em</strong>acorrigido por cirurgias ou pela utilização <strong>de</strong> lentes” XXI .2.1.2 Reconhecer, aplicar os el<strong>em</strong>entos i<strong>de</strong>ntificados como “Ajudas Técnicas” XXII .O segundo procedimento que trata da “Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Deficiência” abrange,<strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com o disposto na legislação brasileira, Decreto nº 3298, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1999, a composição <strong>de</strong> condições e recursos constituídos por “el<strong>em</strong>entos especiais parafacilitar a comunicação, a informação e a sinalização para pessoa portadora <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência”(grifo nosso) XXIII ; compensando o que é <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong>ficiência sensorial, no caso <strong>em</strong> foco <strong>de</strong>ord<strong>em</strong> visual.No mesmo documento (it<strong>em</strong> VII), particularmente com respeito às ações educativas dos<strong>Museu</strong>s, pod<strong>em</strong>os i<strong>de</strong>ntificar ser necessário estar atentos para oferecer “equipamentos <strong>em</strong>aterial pedagógico especial para educação, capacitação e recreação da pessoa portadora <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência”.XXIASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS - Associação S<strong>em</strong> Limites.Deficiência visual. Disponível <strong>em</strong>: .Acesso <strong>em</strong>: 02 out. 2012.O original <strong>de</strong> Natalie Barraga teve sua primeira edição <strong>em</strong> 1976. Há outras recentes.BARRAGA, Natalie. Visual handicaps and learning: a <strong>de</strong>velopmental approach. California: Wadsworth.1976.(Wadsworth Series in Special Education).XXIIBRASIL. Decreto nº 3298 <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1989,dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Deficiência, consolida as normas <strong>de</strong>proteção, e dá outras providências. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 02 out. 2012.XXIIIBRASIL. Decreto nº 3298 /1999. Op. cit. Artigo 19, Parágrafo único, it<strong>em</strong> VI.63


E outro ponto mencionado pelo documento a ser consi<strong>de</strong>rado está relacionado ao espaçomuseológico (físico) e suas condições <strong>de</strong> circulação que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> dispor <strong>de</strong> “adaptaçõesambientais e outras que garantam o acesso, a melhoria funcional e a autonomia pessoal”(it<strong>em</strong> VIII).Ainda tratando do conceito Ajuda Técnica é interesse assinalar, <strong>de</strong> acordo com o dispostono Decreto nº 5.296 <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, Artigo 61, parágrafo 2, que “os cães-guia<strong>de</strong> acompanhamento são consi<strong>de</strong>rados ajudas técnicas” (figura 1).Mas no cotidiano não é difícil constatar o pouco conhecimento sobre a permissão do acessodo cão-guia, conforme <strong>de</strong>termina a Lei nº. 11.126, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005 que assegura “odireito do portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência visual <strong>de</strong> ingressar e permanecer <strong>em</strong> ambientes <strong>de</strong> usocoletivo acompanhado <strong>de</strong> cão-guia” XXIV .Figura 1Cão-guia – ex<strong>em</strong>plo ‘vivo’ <strong>de</strong> “Ajuda Técnica”.Fonte: Corrente do B<strong>em</strong>.http://www.acorrentedob<strong>em</strong>.org/dia-internacionaldo-cao-guia/2.1.3 Destacar as necessida<strong>de</strong>s informacionais da d<strong>em</strong>andaO terceiro procedimento vincula-se a informação que ‘marca’ o <strong>Museu</strong> no imaginário social,pois está centrada e veiculada pela exibição das coleções nas exposições. Conjugada atal imag<strong>em</strong> e relacionada ao acervo t<strong>em</strong>-se a diss<strong>em</strong>inação dos estudos especializadosque a instituição produz e armazenados nas bases <strong>de</strong> dados <strong>de</strong>stinadas a consultas, oque faz l<strong>em</strong>brar a afirmativa do ICOM ao <strong>de</strong>finir a instituição como um lugar para adquirirconhecimento associado ao aspecto do lazer.Assume papel primordial nesse contexto a questão que estabelece informar a<strong>de</strong>quadamente,<strong>de</strong>ste modo, consi<strong>de</strong>rando os três tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência visual <strong>de</strong> acordo com Barraga.Em virtu<strong>de</strong> da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer interação entre a PDV e a informação <strong>em</strong>contexto museológico, rel<strong>em</strong>bramos Belkin e Robertson XXV , teóricos da Ciência daInformação, afirmando que no contexto da comunicação humana o fenômeno informaçãot<strong>em</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar a estrutura cognitiva do informado (seu mapa intelectual) e,por esse motivo, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os nos apoiar na informação elaborada segundo os conteúdos daInformação Especial.XXIVBRASIL. Lei nº 11.126, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005. Dispõe sobre o direito do portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>fi ciência visual <strong>de</strong>ingressar e permanecer <strong>em</strong> ambientes <strong>de</strong> uso coletivo acompanhado <strong>de</strong> cão-guia. Subchefi a para Assuntos Jurídicosda Presidência da República. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 02 out. 2012.XXVBELKIN, Nicholas J., ROBERTSON, Stephen E. Information Science and the phenomena of information. Journalof the American Society for Information Science - JASIS, v. 27, n. 4, p. 197-204, July-August 1976.64


- INFORMAÇÃO ESPECIALÉ a que “prevê adaptações para que o segmento <strong>de</strong> público com <strong>de</strong>ficiência seja incentivadoa participar <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s tal qual às pessoas s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ficiência” XXVI . Como nãopo<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, o espírito que rege a concepção está sedimentado na Inclusão Socialda Pessoa com Deficiência consi<strong>de</strong>rando as diferenças representadas pelas especificida<strong>de</strong>s,caracterizando a informação a<strong>de</strong>quada para a perspectiva da Pessoa Deficiente Visual sob ummo<strong>de</strong>lo que dá ênfase a transferência tátil ou sonora.No âmbito da Informação Especial, na atualida<strong>de</strong>, já é interpretado e incluído como modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> sua representação o Sist<strong>em</strong>a Braille, reconhecido como criação humana universalmenteusada para estabelecer a comunicação entre o mundo visual e a <strong>de</strong>ficiência sensorial da visão.- O SISTEMA BRAILLECriado pelo jov<strong>em</strong> cego Louis Braille, 1825, veio permitir aos <strong>de</strong>ficientes visuais o acesso àeducação e participação integrada no contexto social, porquanto, “por sua eficiência e vastaaplicabilida<strong>de</strong>, se impôs <strong>de</strong>finitivamente como o melhor meio <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> escrita para aspessoas cegas” XXVII . Nos dias <strong>de</strong> hoje segundo o que se enten<strong>de</strong> como um recurso informacionale no âmbito da modalida<strong>de</strong> tátil (toque), s<strong>em</strong> dúvida, o Braille <strong>de</strong>ve ser reconhecido como tal.Sua construção e uso são assim <strong>de</strong>finidos:[...] seis pontos <strong>em</strong> relevo, dispostos <strong>em</strong> duas colunas, possibilita aformação <strong>de</strong> 63 símbolos diferentes que são <strong>em</strong>pregados <strong>em</strong> textosliterários nos diversos idiomas, como também nas simbologiasmat<strong>em</strong>ática e científica, <strong>em</strong> geral, na música e, recent<strong>em</strong>ente, naInformática XXVIII .Enten<strong>de</strong>ndo que a a<strong>de</strong>quação do atendimento a ser prestado pelo <strong>Museu</strong> ao Público Especialconstitui o parâmetro conceitual e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> social que rege o caminho a percorrer paraefetivamente cont<strong>em</strong>plar a diversida<strong>de</strong>, então, torna-se necessário continuarmos recorrendo,<strong>em</strong> nosso texto, ao instrumental teórico e prático para que possamos falar <strong>em</strong> realizar a contentoa <strong>em</strong>preitada inclusiva.E, assim, nosso próximo termo/conceito para aplicação no contexto do acesso/inclusão daPessoa com Deficiência Visual é o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> informação e comunicação que, no momento,t<strong>em</strong> sido alvo <strong>de</strong> diversos estudiosos da questão que estamos focalizando: a Audio<strong>de</strong>scrição.- A AUDIODESCRIÇÃOA comunicação se realiza pela modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradução da linguag<strong>em</strong> imagética (imagens/cenas) para a linguag<strong>em</strong> verbal.A Informação Especial forma a base, ou melhor, o ‘conteúdo’ da ‘tradução visual’ –audio<strong>de</strong>scrição;transmitida oralmente ou por escrito. Depen<strong>de</strong>ndo do acontecimento po<strong>de</strong> ser feita aoXXVIBERQUÓ, Ana Fátima. Dedos <strong>de</strong> ver: informação especial no museu e a inclusão social da pessoa com <strong>de</strong>ficiênciavisual. 2011. 143 f. Dissertação (Mestrado )- Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio UNIRIO/MAST. Rio <strong>de</strong> Janeiro: PPG-PMUS UNIRIO/MAST, 2011. Orientadora: Diana Farjalla Correia Lima. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 02 out 2012.XXVIIIBC - Instituto Benjamin Constant. O Sist<strong>em</strong>a Braille no Brasil. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 02 out. 2012.XXVIIIIBC. Op. cit.65


vivo ou gravada, portanto, processando-se através a leitura <strong>de</strong> um texto audio<strong>de</strong>scritopreviamente elaborado. No <strong>Museu</strong> é conveniente que a narração não seja longa para nãocansar o visitante ao longo do percurso, tendo <strong>em</strong> vista que sendo ao vivo o visitante nãose sentirá à vonta<strong>de</strong> para sair do grupo.A elaboração da mensag<strong>em</strong> é feita <strong>de</strong> acordo com “diretrizes técnicas pré-estabelecidas,<strong>de</strong>ntre as quais a da oferta <strong>de</strong> narração dos el<strong>em</strong>entos visualmente observados” XXIX e, poressa maneira, é possível completar a transformação do que é imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> representaçãopor meio <strong>de</strong> palavras.- OS CARACTERES AMPLIADOSAmpliação <strong>de</strong> sinais gráficos e imagens como solução para possibilitar a leitura pelaspessoas com Visão Parcial e Visão Reduzida. Tendo por propósito efetivar a comunicaçãovisual da informação que o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>seja transmitir é uma aplicação para qualquer tipo<strong>de</strong> suporte, tradicional e eletrônico, como ir<strong>em</strong>os confirmar ao focalizarmos a InformaçãoEspecial Visual (3.1.2 e 3.1.4).Ainda t<strong>em</strong>os a <strong>de</strong>stacar outro el<strong>em</strong>ento conceitual e prático cuja feição <strong>de</strong> base tecnológicase associa à Informação Especial e traz soluções pelas mo<strong>de</strong>rnas condições que oconhecimento do nosso t<strong>em</strong>po está permitindo realizar.- TECNOLOGIA ASSISTIVADe modo a respon<strong>de</strong>r ao direito <strong>de</strong> acesso à comunicação e à informação,portanto, surge uma técnica, e um profissional que a <strong>em</strong>prega: a áudio<strong>de</strong>scriçãoe o áudio-<strong>de</strong>scritor, b<strong>em</strong> como são <strong>de</strong>senvolvidas tecnologiaspara a aplicação <strong>de</strong>ssa técnica. Todavia, a áudio-<strong>de</strong>scrição não é uma<strong>de</strong>scrição qualquer, <strong>de</strong>spretensiosa, s<strong>em</strong> regras, aleatória. Trata-se <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>scrição regrada, a<strong>de</strong>quada a construir entendimento, on<strong>de</strong> antes nãoexistia, ou era impreciso; uma <strong>de</strong>scrição plena <strong>de</strong> sentidos e que mantém osatributos <strong>de</strong> ambos os el<strong>em</strong>entos, do áudio e da <strong>de</strong>scrição, com qualida<strong>de</strong>e in<strong>de</strong>pendência. É assim que a áudio-<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>ve ser: a ponte entrea imag<strong>em</strong> não vista e a imag<strong>em</strong> construída na mente <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> ouvea <strong>de</strong>scrição. Logo, a união dos sentidos se dá por uma ponte <strong>em</strong> cujasextr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong>s estão a imag<strong>em</strong> e a <strong>de</strong>scrição. Essa ponte, o áudio-<strong>de</strong>scritor,v<strong>em</strong> conduzir a imag<strong>em</strong> que s<strong>em</strong> a <strong>de</strong>scrição será inacessível às pessoascom <strong>de</strong>ficiência visual, mas que, com a áudio-<strong>de</strong>scrição, tomará sentido XXX .Também i<strong>de</strong>ntificada pela sigla TA é <strong>de</strong>finida no plano teórico como o “Ramo <strong>de</strong> pesquisacientífica dirigida para o <strong>de</strong>senvolvimento e aplicação <strong>de</strong> instrumentos que aument<strong>em</strong> ourestaur<strong>em</strong> a função humana na sua plenitu<strong>de</strong>” XXXI .O elenco da TA é composto, conforme a mesma fonte, por “produtos, recursos,metodologias, estratégias, práticas e serviços”. E o objetivo está voltado para a promoção“da funcionalida<strong>de</strong>, relacionada à ativida<strong>de</strong> e participação <strong>de</strong> pessoas com <strong>de</strong>ficiência” [...]“visando sua inclusão social”.XXIXLIMA, Francisco J.; VIEIRA Paulo A. M.; RODRIGUES, Ediles R.; PASSOS, Simone S. M. Arte, educação einclusão:orientações para áudio-<strong>de</strong>scrição <strong>em</strong> museus. In: Sobre a <strong>de</strong>ficiência visual – textos didácticos. Acesso <strong>em</strong>: 5 out. 2012.XXXLIMA, Francisco J.; Ver com palavras – audio<strong>de</strong>scrição - <strong>de</strong>finições. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 2 out. 2012.XXXIBRASIL. CORDE – Coor<strong>de</strong>nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Deficiência. Ata da VII Reuniãodo Comitê <strong>de</strong> Ajudas Técnicas, CAT - 13-14 <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos - Ministérioda Ciência e Tecnologia (MCT). 2007. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 1 out. 2012.66


2.1.4 Ter profissional qualificado na equipe para o atendimentoO quarto e último procedimento diz respeito ao profissional capacitado para aten<strong>de</strong>r/auxiliar aPDV no cotidiano do <strong>Museu</strong> nas seguintes e situações:-- a) Pessoalmente -- no contato direto entre o m<strong>em</strong>bro da equipe e o visitante ou usuário quevai visitar a exposição ou consultar os serviços <strong>de</strong> informação do <strong>Museu</strong> (biblioteca, arquivo,centro <strong>de</strong> documentação, centro <strong>de</strong> informação, centro <strong>de</strong> interpretação entre as apresentaçõestécnico-setoriais existentes <strong>em</strong> suas variadas <strong>de</strong>nominações);-- b) Ao telefone – na busca por informações sobre as condições oferecidas para a visitação inloco e os recursos disponíveis para as consultas e outras indagações;-- c) Em meio virtual – na consultas online processadas, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong>: e-mail, blog, facebooke qualquer outro tipo <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> interação que os <strong>Museu</strong>s disponham.A qualificação da equipe passa por treinamento e as instituições envolvidas com o t<strong>em</strong>a dasPessoas com Deficiência são as fontes para orientação como também para cursos com váriospropósitos. Um dos cursos é o que prepara audio<strong>de</strong>scritores <strong>em</strong> razão das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>adaptação para uma linguag<strong>em</strong> auditiva que transcreva o que a imag<strong>em</strong> informa ao sentido davisão. A ação do mediador que atualmente se realiza no <strong>Museu</strong>, <strong>em</strong> se tratando da Pessoa comDeficiência Visual, pelo motivo exposto, passa a requerer outra caracterização no atendimento(não estamos falando <strong>de</strong> audio<strong>de</strong>scrição), por isto, recorrer aos especialistas no assunto écondição primordial para <strong>de</strong>senvolver um programa para atendimento que venha a ter sucesso.Devido a equívocos que pod<strong>em</strong> ocorrer no contato entre um funcionário do <strong>Museu</strong> e o PúblicoEspecial PDV pelo <strong>de</strong>sconhecimento no trato a<strong>de</strong>quado para <strong>de</strong>senvolver uma relaçãoharmônica, acreditamos ser interessante divulgar que há, inclusive, Manuais impressos e onlinedisponíveis para orientação <strong>em</strong> circunstâncias simples do cotidiano.Ilustrando, transcrev<strong>em</strong>os dois curtos recortes capturados na Internet representando ainformação transmitida por uma instituição especializada, o Instituto Benjamim Constant, IBC, epor um ativo cidadão Cezar Liper, C. L.– IBC -- “Orientações no Relacionamento com Pessoas Cegas” XXXII .[...] “10 - Não modifique a linguag<strong>em</strong> para evitar a palavra ver e substituí-la por ouvir. Conversandosobre a cegueira com qu<strong>em</strong> não vê, use a palavra cego s<strong>em</strong> ro<strong>de</strong>ios.”[...] “26 - Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> apertar a mão <strong>de</strong> uma pessoa cega ao encontrá-la ou ao <strong>de</strong>spedir-se<strong>de</strong>la. O aperto <strong>de</strong> mão substitui para ela o sorriso amável”.-- C. L.-- “Como Tratar a Pessoa com Deficiência Visual” XXXIII .[...] “Algumas pessoas, s<strong>em</strong> perceber, falam <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> voz mais alto quando conversam compessoas cegas. A não ser que a pessoa tenha, também, uma <strong>de</strong>ficiência auditiva que justifiqueisso, não faz nenhum sentido gritar. Fale <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> voz normal.”XXXIIIBC - Instituto Benjamin Constant. Orientações no relacionamento com pessoas cegas - Disponível <strong>em</strong>: Disponível<strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 1 out 2012.XXXIIILIPER. C. Como tratar a pessoa com <strong>de</strong>ficiência visual - Informações sobre cidadania. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 1 out 2012.67


3. Informação Especial: recursos para aplicação <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>sAo iniciarmos o tópico nunca é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brar que o <strong>Museu</strong> se espraiou, nos dias <strong>de</strong>hoje, para além <strong>de</strong> um lugar fisicamente <strong>de</strong>terminado no mundo que chamamos real (oufísico) como tradicionalmente estávamos acostumados. A tecnologia que os computadorestrouxeram para a humanida<strong>de</strong>, a forma <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> <strong>em</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcance global fazparte do cotidiano planetário <strong>de</strong> várias pessoas, entre elas a Pessoa com DeficiênciaVisual. E, conseqüent<strong>em</strong>ente, se t<strong>em</strong>os o <strong>Museu</strong> presente no espaço cibernético com seuen<strong>de</strong>reço acessível pela Internet para as pessoas ditas vi<strong>de</strong>ntes, também, <strong>de</strong>ve permitiracesso às PDVs.Seja no <strong>Museu</strong> que se percorre no mundo da materialida<strong>de</strong> física, o visitante e o usuáriopresencial, seja no <strong>Museu</strong> no qual se ‘navega’ conectado, o visitante e o usuário virtual, háno âmbito da Informação Especial instrumental que atua como sinalização, como el<strong>em</strong>entopara leitura ou para audição e dirigido ao atendimento a<strong>de</strong>quado a ser utilizado pelos<strong>Museu</strong>s tendo por fim a inclusão da Pessoa com Deficiência Visual, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> coma própria <strong>de</strong>finição do ICOM e do seu Código, e <strong>em</strong> consonância com a Política Nacionalpara a Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Deficiência XXXIV .Em se tratando da relação Pessoa Deficiente Visual e <strong>Museu</strong> cujo formato dá ênfase àlinguag<strong>em</strong> da visualida<strong>de</strong>, a condição <strong>de</strong> aptidão museológica para receber esse PúblicoEspecial no seu espaço físico/real (material ou da tangibilida<strong>de</strong>) e no virtual (imaterial/intangível) irá se apoiar na Informação Especial nas suas várias modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicação,particularmente nas representações que diz<strong>em</strong> respeito aos sentidos do tato e da audição.Indicamos alguns ex<strong>em</strong>plos simples <strong>de</strong> recursos informacionais que são básicos para osucesso do atendimento <strong>de</strong>stinado a estabelecer a condição <strong>de</strong> autonomia do público <strong>em</strong>questão.3.1. <strong>Museu</strong> físico/mundo real – ambiente presencialVamos iniciar o t<strong>em</strong>a pelo <strong>Museu</strong> existente e localizado no espaço que reconhec<strong>em</strong>oscomo mundo material, no qual sua presença física não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir no mundo tangívelao mero toque <strong>de</strong> uma tecla... E estamos <strong>de</strong>signando os itens necessários para dominaresse território sob o título <strong>de</strong> Recursos na medida <strong>em</strong> que se apresentam como el<strong>em</strong>entospara informar. E na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> museólogos não pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer que, <strong>em</strong>sua maioria, os el<strong>em</strong>entos atuam como recursos auxiliares para as exposições.--- Recurso SÍMBOLO INTERNACIONAL DE CEGUEIRA ---Adotado <strong>em</strong> 1984 pela World Blind Union, WBU, habitualmente é usado sinalizando otrânsito <strong>de</strong> cegos no lugar. Sendo afixado logo na porta <strong>de</strong> entrada do <strong>Museu</strong>, permitiráaos passantes vi<strong>de</strong>ntes i<strong>de</strong>ntificar (e até transmitir aos interessados) que o local estárelacionado ao atendimento do <strong>de</strong>ficiente visual (figura 2).XXXIVBRASIL. Decreto 914 <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1993. Institui a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora<strong>de</strong> Deficiência, e dá outras providências. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 2 out 2012.68


Figura 2Símbolo Internacional <strong>de</strong> Cegueira- WBUFonte: Vez da Voz, dando Voz a qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> Vez.http://www.vezdavoz.com.br/site/simbolos_acessibilida<strong>de</strong>.php3.1.1. Informação Especial TátilO ex<strong>em</strong>plo que merece ser consi<strong>de</strong>rado como o primeiro mo<strong>de</strong>lo informacional <strong>de</strong> uso amplo,s<strong>em</strong> dúvida, é o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> escrita e leitura criado por Louis Braille.--- Recurso SISTEMA BRAILLE --- XXXVNo <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>ve marcar presença particularmente nas sugestões que a seguir apresentamos:-- a) Recurso MAPA TÁTILDestinado à orientação espacial do visitante presencial, permitindo i<strong>de</strong>ntifi car nominalmente(escrita <strong>em</strong> braille e <strong>em</strong> tinta) as áreas <strong>de</strong> circulação do <strong>Museu</strong> (interna e externa), isto é, todotrajeto aberto ao público, <strong>de</strong>ssa maneira, incluíndo não só o espaço e os pontos t<strong>em</strong>áticos quecompõ<strong>em</strong> o circuito expositivo. Informações no mapa do teor “Você está aqui” atuam comoreforço para o domínio espacial. O mapa tátil da Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo é a fotografi aescolhida para ilustrar o recurso <strong>em</strong> pleno uso por um visitante (fi gura 3).Figura 3Mapa Tátil, Informação <strong>em</strong> braille e <strong>em</strong> tinta<strong>em</strong> espaço expositivo -- Galeria Tátil <strong>de</strong> EsculturasFonte: Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo. http://www.arteinclusao.com.br/projetos/pinacoteca/galeria/galeria.htm-- b) Recurso ETIQUETA e/ou PAINEL TÁTEISApresentam textos <strong>de</strong> teor explicativo com ênfase nos objetos musealizados e no contexto daexposição. O Jardim Botânico, Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Jardim Botânico do Rio <strong>de</strong> Janeiro, IPJB-RJ,criou o Jardim Sensorial, espaço privilegiando manusear e aspirar particularida<strong>de</strong>s aromáticas<strong>de</strong> diversas plantas que compõ<strong>em</strong> a exibição. (fi gura 4).XXXVEstamos usando a grafi a Braille e braille (a<strong>de</strong>quando-se a cada caso) seguindo a recomendação da ComissãoBrasileira do Braille (CBB).CERQUEIRA, Jonir B. et al. Grafi a Braille para a língua portuguesa - aprovada pela portaria nº 2.678 <strong>de</strong> 24/09/2002.Brasília: Secretaria <strong>de</strong> Educação Especial do Ministério da Educação. 2006. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 30 set. 2012.69


Figura 4Etiqueta Tátil (<strong>em</strong> braille) <strong>em</strong> área <strong>de</strong> exposição.Jardim Sensorial -- Jardim Botânico do Rio <strong>de</strong>Janeiro - Fonte: IPJB-RJhttp://www.jbrj.gov.br/arboreto/jd_cegos.htm-- c) Recurso FOLHETO(s) e IMPRESSOS similaresQualquer texto acerca do <strong>Museu</strong> e das Coleções.Apenas l<strong>em</strong>brando que um texto transcrito com caracteres <strong>em</strong> braille ocupa espaço maior doque os textos produzidos com caracteres do alfabeto dos vi<strong>de</strong>ntes, os <strong>de</strong>nominados “escrita <strong>em</strong>tinta”, “escrita comum”, “sist<strong>em</strong>a comum” XXXVI (fi gura 5). Esta é a razão pela qual aos textosrelacionados aos acervos dos <strong>Museu</strong>s <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter a redação adaptada para a transcrição especial,inclusive, que seja dotada <strong>de</strong> clareza interpretativa a<strong>de</strong>quada para leitura <strong>de</strong> uma Pessoa comDefi ciência Visual.Figura 5Leitura tátil –Texto / grafi a brailleFonte: Bengala Legal.http://www.bengalalegal.com/sbraille--- Recurso LINHA GUIA ----- a) modalida<strong>de</strong> PISO TÁTIL /// -- b) modalida<strong>de</strong> CORRIMÃO TÁTILAtua com função <strong>de</strong> orientação espacial <strong>em</strong> áreas planas e <strong>em</strong> escadas. Sinaliza rota seguraindicando as mudanças na direção do caminho.Detecta e informa os obstáculos, atuando, nesse caso, como orientação <strong>de</strong> alerta.A sinalização podotátil é agregada ao chão, apresentando relevo com textura diferente dopiso local. E há pisos fabricados <strong>em</strong> diversas cores fortes, como amarelo, vermelho, azul. Sãoestratégias úteis para orientar as pessoas com baixa visão (fi gura 6).XXXVICERQUEIRA, J. B. et al. Op. cit. 2006.70


Figura 6Piso Tátil – ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> textura e coresFonte: PARATODOS Acessibilida<strong>de</strong>. http://www.paratodosacessibilida<strong>de</strong>.com.br/in<strong>de</strong>x.phpA foto que escolh<strong>em</strong>os para ex<strong>em</strong>plifi car Linha Guia aplicada ao circuito <strong>de</strong> exposição <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>é da Galeria Tátil <strong>de</strong> Esculturas Brasileiras do Acervo da Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo(fi gura 7) XXXVII .Figura 7Piso Tátil <strong>em</strong> área <strong>de</strong> exposição.Etiquetas dupla leitura (<strong>em</strong> braile e <strong>em</strong> tinta).Galeria Tátil <strong>de</strong> Esculturas.Fonte: Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulohttp://www.arteinclusao.com.br/projetos/pinacoteca/galeria/galeria.htmE para ilustrar um corrimão pod<strong>em</strong>os usar como ex<strong>em</strong>plo o <strong>Museu</strong> do Louvre na sua Galeria Tátil(fi gura 8). Inclui réplicas <strong>de</strong> obras das coleções para reconhecimento pelo toque (informaçãotátil) e <strong>de</strong>stinadas ao visitante Público Especial.Figura 8Linha Guia Corrimão <strong>em</strong> área <strong>de</strong> exposição cometiquetas <strong>em</strong> braille.Galeria Tátil -- <strong>Museu</strong> do Louvre.Foto: Ana Fátima Berquó, out. 2012XXXVIIO trabalho realizado pela Pinacoteca é uma lição do que po<strong>de</strong> ser feito. Recomendamos, no mínimo, umavisita ao site para conhecer o Programa Educativo para Públicos Especiais – PEPE -- 71


Outro uso para o corrimão é a localização nas escadas com placas <strong>em</strong> braille informando onúmero <strong>de</strong> cada andar, e as orientações para “início” e “fi m”. Anéis sinalizadores <strong>de</strong> texturacolocados próximos a cada extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong> da escada atuam como aviso, servindo também paraindicar mudanças no sentido da direção (fi gura 9) XXXVIII .Figura 9Corrimão <strong>em</strong> escada com placas <strong>em</strong> braillee anel sinalizador.Fonte: Americanas.comhttp://www.americanas.com.br/produto/6979062sinalizacaotatil-<strong>de</strong>-corrimao-para-<strong>de</strong>ficientes-fi sicosAinda como ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Linha Guia, seja podotátil ou corrimão, pod<strong>em</strong>os l<strong>em</strong>brar o uso <strong>em</strong>áreas externas a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> um <strong>Museu</strong> a Céu Aberto. A fotografi a selecionada faz referênciaao Caminho Dom Pedro Augusto, na Floresta da Tijuca, Parque Nacional da Tijuca, na cida<strong>de</strong>do Rio <strong>de</strong> Janeiro.O espaço foi adaptado para a diversida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>fi ciências e para as PDVs combina corrimão,piso táteis e etiquetas <strong>em</strong> braille informando sobre o ambiente local (fi gura 10).Figura 10.Linha Tátil – modo Corrimãoe modo Piso.Floresta da Tijuca – Parque Nacional daTijuca, Rio <strong>de</strong> Janeiro.Fonte: http://andresinhocarioca.blogspot.com.br/2011/08/trilha--acessivel- noparque-nacional-da.html--- Recurso OBJETOS / REPRODUÇÕES TÁTEIS ---Pod<strong>em</strong> ser feitas <strong>em</strong> tamanhos natural, reduzido, ou ampliado; e no formato <strong>de</strong> maquetes. Recursosque permit<strong>em</strong> que as PDVs realiz<strong>em</strong> o processo <strong>de</strong> cognição pelo sentido do tato (toque).XXXVIIIEsclarecimento: <strong>em</strong> nossas buscas (Internet) apenas selecionamos fotografias ilustrando recursos atuais. Nãoexiste <strong>de</strong> nossa parte nenhum intuito <strong>de</strong> preferência por qualquer fabricante ou lojista. Selecionamos as fotografias queapresentaram a melhor condição para esclarecer visualmente os recursos.72


Os museus dotados <strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> obras artísticas bidimensionais (quadros e afi ns) que usamo recurso da reprodução <strong>em</strong> relevo para i<strong>de</strong>ntifi cação pelo toque o faz<strong>em</strong> com excelentesresultados, segundo a literatura especializada que consultamos para elaborar nossa palestra,nosso artigo.Alguns ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> exposições com objetos manipuláveis XXXIX .-- a) REPRODUÇÃO TÁTIL <strong>em</strong> TAMANHO NATURALExposição Tesouros do Louvre: esculturas <strong>de</strong> Houdon, no <strong>Museu</strong> Histórico Nacional <strong>em</strong> 2009.Exposição itinerante. Apresentou no conjunto exibido <strong>de</strong>terminadas obras <strong>de</strong>stinadas paraser<strong>em</strong> tocadas pelo público e que foram situadas <strong>em</strong> um espaço anexo especialmentepreparado. Como ex<strong>em</strong>plo: obra original, escultura representando Voltaire <strong>em</strong> bronze e réplicas<strong>em</strong> materiais diversos. Legendas <strong>em</strong> grafi a braille permitiram às pessoas com <strong>de</strong>fi ciência visualcompl<strong>em</strong>entaram as informações sobre o artista e sua produção (fi gura 11).Figura 11Reprodução Tátil -- “Máscara”, Jean Antoine Houdon(<strong>Museu</strong> do Louvre) -- Mãos <strong>de</strong> Virgínia Menezes.<strong>Museu</strong> Histórico Nacional.Foto: Ana Fátima Berquó, 2009-- b) MAQUETE TÁTILExposição Tarsila Viajante - Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo, 2008. A pintura Antropofagia,1929, <strong>de</strong> Tarsila do Amaral, objeto bidimensional, é reproduzida <strong>em</strong> tamanho reduzido na maquetearticulada (figura 12). Há maquetes construídas com estrutura rígida <strong>em</strong> formato tridimensionalreproduzindo prédios, cida<strong>de</strong>s, parques naturais etc.Figura 12Maquete <strong>de</strong> obra bidimensional.“Antropofagia”, Tarsila do Amaral, 1929.Programa Educativo Públicos Especiais, PEPE.Fonte: Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo.http://www.arteinclusao.com.br/projetos/pinacoteca/exposicoes/exposicoes.htmXXXIXCr<strong>em</strong>os que a inclusão efetivamente se realiza quando o visitante se informa e circula com autonomia pelo<strong>Museu</strong>. O atendimento baseado somente <strong>em</strong> coleções <strong>de</strong> objetos para uso tátil guardadas <strong>em</strong> reservas técnicas epassíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> acessadas somente com agendamento, a nosso ver, ainda refl ete barreira atitudinal, geradoradas d<strong>em</strong>ais barreiras que comentamos. E com relação ao Público Especial, situações <strong>de</strong> tratamento i<strong>de</strong>ntifi cadas nos<strong>Museu</strong>s pelas fontes consultadas como: acesso restrito, aspectos <strong>de</strong> ‘infantilização’ e <strong>de</strong> ‘invisibilida<strong>de</strong>’ entre outrasocorrências, dariam outro artigo.73


3.1.2 Informação Especial Visual--- Recurso TIPO AMPLIADO ---Além das modalida<strong>de</strong>s das ofertas tátil e sonora e com referência a pessoas com Visão Reduzidae Parcial o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>ve fazer uso do Tipo Ampliado, o mesmo que aumento da fonte, sinais esímbolos gráficos nas etiquetas, painéis explicativos como <strong>em</strong> outros suportes para a informaçãono espaço expositivo e <strong>em</strong> outras áreas <strong>de</strong> circulação (figura 13). Esse recurso correspon<strong>de</strong> aousado <strong>em</strong> computadores para ampliar o que está na tela, ou o que existe <strong>em</strong> suportes físicos (porex<strong>em</strong>plo: livros) e são ampliados para visualização por meio <strong>de</strong> lentes (ver itens 3.1, 4.1 e 3.1, 4.2).Figura 13tipo ampliado3.1.3 Informação Especial Sonora - Audio<strong>de</strong>scriçãoRetomamos no t<strong>em</strong>a da inclusão ao formato <strong>de</strong>scrição sonora (<strong>de</strong>fi nida no it<strong>em</strong> 2 do presenteartigo) das imagens expressas no ambiente museológico das exposições presenciais, portanto,estamos abordando o:--- Recurso AUDIODESCRIÇÃO ---Comunicação por meio <strong>de</strong> texto audio<strong>de</strong>scrito. Po<strong>de</strong> ser sob forma <strong>de</strong> gravação veiculada peloaparelho audioguia ou similar, <strong>de</strong>ssa maneira lançando mão <strong>de</strong> instrumentos da TecnologiaAssistiva –TA, ou por meio da leitura <strong>de</strong> texto e feita ao vivo por equipe treinada para acompanharuma visita guiada com público PDV. Porém há que cuidar para não ser uma visita d<strong>em</strong>orada comtextos longos a fi m <strong>de</strong> não cansar o visitante. L<strong>em</strong>brando que ao usar o audioguia o visitantepo<strong>de</strong> <strong>de</strong>sligar o aparelho quando <strong>de</strong>sejar, e ao vivo...Um logotipo i<strong>de</strong>ntifi cando o serviço existente na instituição po<strong>de</strong>rá ser usado como representadonas fi guras 14 e 15.Figura 14 - AD ------- Figura 15 –AUDIODESCRIÇÃOLetras A e D <strong>em</strong> maiúsculas. À direita da letra Dtraços curvos como ondas <strong>de</strong> som.14 - Fonte: Blog da Fundação Dorina Norwil para cegoshttp://blogdorina.wordpress.com15- Fonte: Blog da Audio<strong>de</strong>scriçãohttp://www.blogdaaudio<strong>de</strong>scricao.com.brVisitante na Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo faz uso <strong>de</strong> aparelho <strong>de</strong> audio<strong>de</strong>scrição e, ao mesmot<strong>em</strong>po, toca a escultura <strong>de</strong> Ernesto <strong>de</strong> Fiori, “Hom<strong>em</strong> Andando”, (cerca <strong>de</strong>) 1945, combinando doisprocessos sensoriais da percepção (figura 16).74


Figura 16Audio<strong>de</strong>scrição combinada com toque.Galeria Tátil <strong>de</strong> EsculturasFonte: Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo.http://www.arteinclusao.com.br/projetos/pinacoteca/galeria/galeria.htm3.1.4. Informação Especial Sonora e Informação Especial Visual -- acesso e consultas nase<strong>de</strong> do <strong>Museu</strong> e no site do <strong>Museu</strong> VirtualAs facilida<strong>de</strong>s proporcionadas pelas Tecnologias <strong>de</strong> Informação e Comunicação, TICs, permit<strong>em</strong>que os usuários possam consultar com conforto o elenco <strong>de</strong> informações sobre as coleções <strong>de</strong><strong>Museu</strong>s e assuntos correlatos armazenados na instituição, na se<strong>de</strong> do <strong>Museu</strong>, ou por acessor<strong>em</strong>oto por meio da re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> computadores, Internet.Especificamente para as PDVs o acesso requer a Informação Especial que, nesse caso, po<strong>de</strong>ser Sonora e/ou Visual apoiada pelo instrumental da Tecnologia Assistiva que a seguir sãoapresentados.3.1.4.1 Acessando/Consultando o <strong>Museu</strong> na se<strong>de</strong> da instituição-- a) Recurso SINTETIZADOR DE VOZ (Leitor <strong>de</strong> Tela)Os leitores <strong>de</strong> tela permit<strong>em</strong> amplo acesso e domínio no computador e, segundo Sá (2006, p.188), “são programas com voz sintetizada, reproduzida através” <strong>de</strong> um dispositivo <strong>de</strong> saída <strong>de</strong> vozque informa ao usuário cego os eventos visuais que ocorr<strong>em</strong> na “tela do computador”. A autoraprossegue explicitando:São <strong>de</strong>senvolvidos a partir <strong>de</strong> certos parâmetros e normas <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> que permit<strong>em</strong> autilização dos diversos aplicativos e uma navegação amigável no ambiente Windows [e Linux ](grifo do autor).Convém que l<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os que exist<strong>em</strong> aplicativos <strong>de</strong> uso gratuito.No caso dos <strong>Museu</strong>s, cujo ambiente no mundo real dá ênfase à visualida<strong>de</strong> apoiada nos objetos,quando se apresentam como <strong>Museu</strong>s Virtuais, sites, faz<strong>em</strong> uso prepon<strong>de</strong>rante <strong>de</strong> imagens dascoleções e, nesse caso, a audio<strong>de</strong>scrição torna-se imprescindível.-- b) Recurso MAGNIFICADOR DE TELAAplicativo(s) para ampliação <strong>de</strong> textos e imagens contidas na tela do computador. São <strong>de</strong>stinadosa pessoas com visão parcial e reduzida. E convém l<strong>em</strong>brarmos: há sist<strong>em</strong>as operacionais (porex<strong>em</strong>plo: Windows) que permit<strong>em</strong> ampliar caracteres e alterar cores e contrastes, porém, comlimitações se comparados a outros recursos oferecidos pelos aplicativos especialmente criadospara PDV.-- c) Recurso VIDEOMAGNIFICADOR, VIDEOAMPLIADOR, LUPA75


Instrumentos nomeados nos catálogos consultados como CCTV, lupa eletrônica ou maxilupa tendopor finalida<strong>de</strong> aumentar o tamanho <strong>de</strong> fontes e imagens <strong>de</strong> material produzido sobre suportestradicionais (ex<strong>em</strong>plo: textos, <strong>de</strong>senhos, selos, moedas, etc.). E com aplicação a<strong>de</strong>quada para ascoleções diversificadas dos Centros <strong>de</strong> Documentação dos <strong>Museu</strong>s (figuras 17 e 18).Figura 17 --- Vi<strong>de</strong>omagnificadorCatálogo Nacional <strong>de</strong> Produtos <strong>de</strong>Tecnologia Assistiva (MCTI).Fonte: http://assistiva.mct.gov.br/catalogo/vi<strong>de</strong>o-ampliadorFigura 18 --- Lupa EletrônicaBonavision Auxílios Ópticos.Fonte: http://www.bonavision.com.br/?produtos=lupa-eletronicabonavisionMerece atenção a recomendação: todos os recursos auxiliares aplicados no computador sãoativados via teclado, pois as pessoas cegas não faz<strong>em</strong> uso do mouse.3.1.4.2 Acessando/Consultando o <strong>Museu</strong> Virtual no ambiente InternetEm t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> TICs, com os recursos que t<strong>em</strong>os <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XX, o <strong>Museu</strong> não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar<strong>de</strong> se fazer representar pela nova modalida<strong>de</strong> expressa nos sites da Internet, o <strong>Museu</strong> Virtual,quer seja conceitualmente reconhecido como resultante da reprodução digital <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lopresencial, existente no mundo físico ou da matéria tangível, quer seja como produto original<strong>de</strong>rivado da criação digital que, sob tal mo<strong>de</strong>lo, só existe no ambiente (virtual) do computador XL .A partir <strong>de</strong>ssa nova forma <strong>de</strong> apresentação do <strong>Museu</strong> agregou-se ao modo presencial oatendimento virtual -- os visitantes e os consulentes / usuários virtuais; agora exigindo umamaneira diferente <strong>de</strong> agir na oferta do acesso à informação e no processo comunicacional.No entanto, na nova situação resultante dos avanços das novas tecnologias é preciso os <strong>Museu</strong>sconsi<strong>de</strong>rar<strong>em</strong> que (...)Embora os programas leitores <strong>de</strong> tela sejam indispensáveis eefi cientes para a navegação na WEB, o ciberespaço n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>preapresenta meios alternativos <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> para todos osusuários, pois é poluído e <strong>de</strong>senhado à revelia das pautas <strong>de</strong>acessibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fi nidas pelo World Wi<strong>de</strong> Web Consortium - W3C,que estipula normas e padrões para a construção <strong>de</strong> páginasacessíveis na re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> computadores (SÁ, 2006, p. 186).Sites que tratam do t<strong>em</strong>a da acessibilida<strong>de</strong> e navegabilida<strong>de</strong> na web apontam um total <strong>de</strong> 15 itensque constitu<strong>em</strong> barreiras para acessar conteúdo <strong>de</strong> uma página nesse ambiente XLI . As barreirasXLLIMA, Diana Farjalla Correia. O que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar como <strong>Museu</strong> Virtual segundo os museus que assim seapresentam... In: ENANCIB 2009 - ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (10) - Aresponsabilida<strong>de</strong> social da Ciência da Informação. 2009, João Pessoa. Anais X ENANCIB, GT 9 - <strong>Museu</strong>, Patrimônioe Informação. João Pessoa: ANCIB, PPGCI-UFPB, 2009. p. 2421-2468. 1 CD ROM.XLIA fonte <strong>de</strong> consulta que serve <strong>de</strong> referência aos sites que tratam do t<strong>em</strong>a, disponibiliza os itens e apresenta umrobusto trabalho sobre a acessibilida<strong>de</strong> é o portal do Serviço Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados, SERPRO (https://www.serpro.gov.br/acessibilida<strong>de</strong>).76


estão relacionadas às especificida<strong>de</strong>s das <strong>de</strong>ficiências <strong>de</strong> visão como, por ex<strong>em</strong>plo: cegueira,visão reduzida, daltonismo. A guisa <strong>de</strong> ilustração eis alguns itens:--- Cegueira• Imagens complexas. Ex<strong>em</strong>plo: gráfico ou imag<strong>em</strong> com importante significado que não possu<strong>em</strong><strong>de</strong>scrição a<strong>de</strong>quada.• Ví<strong>de</strong>os que não possu<strong>em</strong> <strong>de</strong>scrição textual ou sonora.--- Visão Reduzida• Páginas com tamanhos <strong>de</strong> fontes absoluta, que não pod<strong>em</strong> ser aumentadas ou reduzidasfacilmente.• Páginas que, <strong>de</strong>vido ao layout <strong>de</strong>scontínuo, são difíceis <strong>de</strong> navegar quando ampliadas por causada perda do conteúdo adjacente.--- Daltonismo• Quando a cor é usada como único recurso para enfatizar o texto.• Contrastes ina<strong>de</strong>quados entre as cores da fonte e fundo.Portanto, o site <strong>de</strong>ve estar com sist<strong>em</strong>a a<strong>de</strong>quado para o uso da PDV XLII . Somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>stacondição alcançada é que o <strong>Museu</strong> po<strong>de</strong>rá ser consi<strong>de</strong>rado apto ao acesso e para sinalizar suacondição <strong>de</strong>ve ostentar XLIII símbolos <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>:-- a) SÍMBOLOS DE ACESSIBILIDADE NACIONALIlustramos com dois símbolos recomendados e usados nos sites brasileiros (figuras 19 e 20).Figura 19 --- Programa Defi ciente Saudável.Fonte: http://www.<strong>de</strong>fi cientesaudavel.com.br/in<strong>de</strong>x.php?menu=118&pag=conheca_o_programaFigura 20 --- Acessibilida<strong>de</strong> BrasilFonte:http://www.acessobrasil.org.br/in<strong>de</strong>x.php?it<strong>em</strong>id=43-- b) SÍMBOLOS DE ACESSIBILIDADE INTERNACIONALOutros dois símbolos são referências <strong>em</strong> plano internacional (figuras 21 e 22)Figura 21 --- Acessibilida<strong>de</strong>. Net.Fonte: http://www.acessibilida<strong>de</strong>.net/imagens/saw<strong>de</strong>sc.htmlFigura 22 --- Level Triple A.Fonte: http://www.w3.org/WAI/WCAG1AAA-ConformanceE ainda, o recurso para ampliação <strong>de</strong> tela (apresentado <strong>em</strong> linhas anteriores) <strong>de</strong>ve estar integradoao site do <strong>Museu</strong> nas suas páginas <strong>de</strong> entradas. Há variações nos símbolos, uns usam -- o sinalmat<strong>em</strong>ático <strong>de</strong> somar (‘mais’ +); outros -- a letra A <strong>em</strong> tamanhos crescentes. Há os signos usadosXLIIOs cegos se utilizam dos sintetizadores <strong>de</strong> voz nos seus computadores particulares. E l<strong>em</strong>bramos que nos casosdas imagens das coleções a audio<strong>de</strong>scrição feita pelo <strong>Museu</strong> é necessária.XLIIIBRASIL. Decreto nº 5.296 / 2004. Op. cit. Do acesso à informação e à comunicação. Capítulo VI, artigo 47,parágrafo 2o.77


<strong>em</strong> separado ou os dois signos usados <strong>em</strong> conjunto. Outros orientam para o uso das teclas ALTassociadas a <strong>de</strong>terminadas letras do teclado. Escolh<strong>em</strong>os um símbolo com o qual nos <strong>de</strong>paramosinúmeras vezes ao longo da busca que realizamos e usado por diversas instituições na re<strong>de</strong>.-- SÍMBOLO AMPLIADOR DE TELA NO SITE – Figura 23.Figura 23Aplicativo / Símbolo ampliador <strong>de</strong> tela parasite (Internet). Presente <strong>em</strong> diversos sites compequenas variações.Encerramos o tópico mencionando que os usuários Pessoas com Defi ciência Visual para fi ns<strong>de</strong> avaliar a acessibilida<strong>de</strong>, usabilida<strong>de</strong>, navegabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer site no ambiente Internetpod<strong>em</strong> aplicar para teste nos seus computadores pessoais os instrumentos conhecidos comoValidadores <strong>de</strong> Acessibilida<strong>de</strong> e Padrões Web, e há os que pod<strong>em</strong> ser obtidos gratuitamente. Éuma forma <strong>de</strong> mensurar a qualida<strong>de</strong> do site no acesso / atendimento.O <strong>Museu</strong> po<strong>de</strong> aplicar no seu site um <strong>de</strong>stes recursos para avaliar como está funcionado operfi l do seu atendimento junto a Pessoa Defi ciente Visual e os resultados são obtidos pelasindicações <strong>de</strong>signadas como “obstáculos” e “erros” e apontadas pelo programa ao longo doteste. Serve como um diagnóstico e caminho para a<strong>de</strong>quação.4. O <strong>Museu</strong> InclusivoAo se tomar conhecimento dos instrumentos que foram apresentados e que permit<strong>em</strong> aAcessibilida<strong>de</strong>, via do caminho para Inclusão Social das Pessoas Defi cientes, torna-se possívelenten<strong>de</strong>r que <strong>em</strong> qualquer ambiente conceitualmente formalizado como <strong>Museu</strong>, mo<strong>de</strong>lopresencial ou virtual, a associação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong>termina a condiçãoa<strong>de</strong>quada e melhor aparelhada para aten<strong>de</strong>r, informando e comunicando, enfi m, interagir como Público Especial que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>fi ciências visuais, cumprindo o que hoje <strong>em</strong> dia tanto se enfatiza:a função social do <strong>Museu</strong>.E no tópico 2 diss<strong>em</strong>os que o caminho para enten<strong>de</strong>r o <strong>Museu</strong> Inclusivo, no que tange àsnecessida<strong>de</strong>s das Pessoas com Defi ciência Visual, passa pelo estudo <strong>de</strong> cinco termos/conceitosfundamentais e dos seus <strong>de</strong>sdobramentos <strong>em</strong> contexto teórico e <strong>de</strong> ação.Os termos/conceitos a que nos referimos são: Pessoa com Defi ciência, no caso específi co,Visual; Inclusão Social; Acessibilida<strong>de</strong>; Informação Especial; Tecnologia Assistiva.Ao longo do nosso texto fomos explicitando um a um para compreen<strong>de</strong>r e <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senhodo <strong>Museu</strong> Inclusivo.Deixamos, exatamente, para trazer ao fi nal do percurso a <strong>de</strong>fi nição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> Inclusivo <strong>de</strong> modoa refl etir o pensamento que está presente no texto.78


E assim, completando o ciclo e confirmando o <strong>Museu</strong> Inclusivo na posição <strong>de</strong> núcleo irradiador,pod<strong>em</strong>os expressar que só merece ser entendido com um espaço s<strong>em</strong> barreiras, na real acepçãodo termo, quando seus “edifícios” e territórios “pod<strong>em</strong> ser utilizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua entrada, no seupercurso interno, <strong>em</strong> todos os espaços”, inclusive o virtual, “e oferec<strong>em</strong> uma saída <strong>de</strong> formaautónoma a todas as pessoas”. Isto, “Significa disponibilizar a informação e os serviços <strong>em</strong>diversos formatos para que todos possam compreen<strong>de</strong>r a ace<strong>de</strong>r aos mesmos. A informaçãodisponibilizada s<strong>em</strong> ter <strong>de</strong> recorrer a terceiros” XLIV .O <strong>Museu</strong>, espaço cultural multifacetado, instrumento gerador e transmissor <strong>de</strong> conhecimento,produtor <strong>de</strong> pesquisas, repositório <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> consulta, diss<strong>em</strong>inador <strong>de</strong> informação especializada-- e também da modalida<strong>de</strong> Informação Especial -- que alia os visitantes da exposição aos usuáriosdos seus serviços <strong>de</strong> informação nos mundos <strong>de</strong> vida real e da computação (virtual), não po<strong>de</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar-se no contexto da Inclusão Social envidando todos os esforços materiais ehumanos, o mais rápido possível, porque as Pessoas com Deficiência Visual precisam ser ‘vistas’no <strong>Museu</strong> e, no nosso entendimento, não há motivos para esperar.XLIVCENTRO DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DE GAIA. Conceito <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 21 set. 2012.79


Documentos <strong>de</strong> TrabalhoDocumentos <strong>de</strong> TrabajoResumos AnalíticosResúmenes Analíticos


INTERCULTURALIDADE E OUTRAS REFLEXÕES: POR UMATRANSFORMAÇÃO DOS MUSEUS E DA MUSEOLOGIANA AMÉRICA LATINALuciana Menezes <strong>de</strong> CarvalhoO ano <strong>de</strong> 2012 é um ano <strong>de</strong> celebração para os <strong>Museu</strong>s e para a Museologia a nível internacionale, <strong>em</strong> especial, para nós da América Latina. E, como todos já sab<strong>em</strong>, nosso motivo <strong>de</strong> celebraçãobaseia-se nos 40 anos da Mesa-Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile, que “suleou” os museus do mundointeiro, até os dias <strong>de</strong> hoje. Também há exatos 20 anos ocorreu um encontro cujo documento finalteve sua importância para o campo: a Declaração <strong>de</strong> Caracas, que justamente objetivou rediscutiras funções do <strong>Museu</strong>, fazendo uma retrospectiva analítica do momento <strong>de</strong> Santiago.E aqui estamos também rediscutindo, <strong>de</strong> diferentes formas, a função – ou funções – do <strong>Museu</strong>,mesmo sendo da forma plural como é entendido e percebido. Mas, por que isto ocorre? Seriaporque os i<strong>de</strong>ais propostos nos eventos acima mencionados ainda não foram postos <strong>em</strong> prática?Tentar<strong>em</strong>os abordar esta questão posteriormente.Todo t<strong>em</strong>a é apresentado baseado <strong>em</strong> alguma d<strong>em</strong>anda, <strong>em</strong> algo que move seus i<strong>de</strong>alizadorese o torna relevante e pertinente. Pensando sobre o <strong>Museu</strong> no espaço latino-americano, ot<strong>em</strong>a proposto pelo e para o ICOFOM LAM <strong>de</strong>ste <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático ano <strong>de</strong> 2012 foi “Museologia,Patrimônio, Interculturalida<strong>de</strong>: museus inclusivos, <strong>de</strong>senvolvimento e diálogointercultural”. Parece-nos, portanto, que pensar a inserção da Museologia na discussão sobreseu papel frente à interculturalida<strong>de</strong> e seu <strong>de</strong>senvolvimento, e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão (<strong>em</strong>suas diferentes facetas) apresentada aos museus, se faz urgente e necessário para discussãoentre os profissionais <strong>de</strong>sta Região. Os textos recebidos para esta edição trabalharam questõesque estão ligadas à t<strong>em</strong>ática e, <strong>em</strong> sua maioria, <strong>de</strong>dicaram gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seus trabalhos areflexões profundas acerca dos termos e significados do campo Museologia, que servirão <strong>de</strong>instrumentos metodológicos para uma boa prática.Po<strong>de</strong>ríamos dividir os trabalhos nos seguintes grupos: 1) os que discutiram a t<strong>em</strong>áticapropriamente dita, especificamente; 2) os que pensaram na principal faceta dos museusapresentada ao público: a exposição e suas inúmeras possibilida<strong>de</strong>s dialógicas com o visitante;3) os que se <strong>de</strong>dicaram a reflexão <strong>de</strong> conceitos pertinentes à Museologia, contribuindo assimpara o fortalecimento da Terminologia do campo; 4) os que refletiram sobre a relação <strong>Museu</strong>,Patrimônio, Museologia, Meio Ambiente (incluindo, neste último, o Humano).No primeiro grupo encontramos o trabalho <strong>de</strong> Decarolis que, consi<strong>de</strong>rando a trajetória daMuseologia, objetiva apontar possíveis estratégias para abertura <strong>de</strong> um amplo diálogo inclusivo eintercultural. Destaca que a aceitação da diversida<strong>de</strong> cultural é um fato irrefutável que impulsionaos museus e seus profissionais, a fim <strong>de</strong> oferecer maiores e melhores opções a todo tipo <strong>de</strong>público. Para Decarolis é função específica da Museologia, <strong>em</strong> seu permanente jogo entre teoriae prática, promover ações que recorram a outras competências, permitindo a convivência plurale uma “autêntica aceitação da diversida<strong>de</strong> cultural”.Em seguida t<strong>em</strong>os o documento <strong>de</strong> Carvalho e Scheiner, que aborda a importância <strong>de</strong> se refletirsobre a América Latina e sua diversida<strong>de</strong> cultural, a partir <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> “suleação” (orientaçãogeográfica que utiliza o H<strong>em</strong>isfério Sul como referência, <strong>de</strong> cunho político-i<strong>de</strong>ológico) na forma <strong>de</strong>pensar museus e Museologia. Tomando como base os documentos finais produzidos nos encontros doICOFOM LAM, ainda trabalham com o conceito <strong>de</strong> interculturalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> García Canclini para enten<strong>de</strong>r81


como a Museologia po<strong>de</strong> propiciar mecanismos teóricos que servirão <strong>de</strong> base para mudanças naação dos museus.No segundo grupo citamos, primeiramente, o trabalho <strong>de</strong> Ojeda Valbuena, que ressalta a importânciado uso das tecnologias para os museus e a relevância <strong>de</strong>sta ferramenta para novos tipos <strong>de</strong>exposições, incluso e principalmente o espaço virtual. O próprio processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento daMuseologia e surgimento da Nova Museologia criou, segundo esta autora, um ambiente propíciopara utilização <strong>de</strong> novas i<strong>de</strong>ias e inovações.Pensando o processo expositivo, as autoras Ribeiro e Costa discorr<strong>em</strong> sobre o conceito <strong>de</strong>exposição e sua importância na dimensão comunicacional do <strong>Museu</strong>, usada para “representar,significar e produzir sentidos”, incluindo os recursos à disposição para sua efetivação. Ainda,<strong>de</strong>fend<strong>em</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que cada exposição é um modo <strong>de</strong> o museu criar realida<strong>de</strong>s. No entanto,segundo as autoras, faz-se necessário consi<strong>de</strong>rar que a “maneira como a instituição comunica irá<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do museu, <strong>de</strong> sua proposta e realida<strong>de</strong>” - s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>ixando claro para o público que oque foi apresentado é apenas mais uma possibilida<strong>de</strong> discursiva. Todo museu, portanto, <strong>de</strong>ve terclareza do público a que se dirige.Risnicoff <strong>de</strong> Gorgas chama atenção para se pensar, efetivamente, o conceito <strong>de</strong> “<strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento”,não só nos museus comunitários e/ou on<strong>de</strong> a comunida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> voz e é ativa, mas principalmente nosmuseus tradicionais que possuímos. Consi<strong>de</strong>rando a análise anterior, encontrada inclusive no ICOFOMe ICOFOM LAM, <strong>de</strong> se pensar o <strong>Museu</strong> enquanto instância <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, como transferir ou repartir estepo<strong>de</strong>r para os visitantes? A autora então discorre sobre a prerrogativa <strong>de</strong> que os visitantes são sujeitos<strong>de</strong> direitos sociais e patrimoniais (sujeitos que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> efetivamente <strong>de</strong>cidir o que é patrimônio ou não)e estes pod<strong>em</strong>, e <strong>de</strong>v<strong>em</strong>, fazer parte da construção dos discursos dos museus.Já o terceiro grupo é constituído pelo maior número <strong>de</strong> trabalhos. Buscando a aplicação doconceito <strong>de</strong> performance (<strong>de</strong> cunho social e/ou antropológico) para o campo dos <strong>Museu</strong>s e,consequent<strong>em</strong>ente, para a Museologia, Soares consi<strong>de</strong>ra os museus como instâncias consagradas“on<strong>de</strong> performance e teatralida<strong>de</strong> pod<strong>em</strong> se manifestar livr<strong>em</strong>ente”. No entanto, não se po<strong>de</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que “a performance museal não é <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> consequências éticas”, poisenvolve “aquilo que as pessoas pensam da verda<strong>de</strong>. Ao apresentar a cultura através do drama auma socieda<strong>de</strong>, os museus interpretam o próprio drama do ‘museu’, seu sentido, sua autorida<strong>de</strong>,seu po<strong>de</strong>r.” <strong>Museu</strong>s, para este autor, “apresentam performances”, numa fronteira imprecisa entrea realida<strong>de</strong> e a fantasia.Apropriando-se do conceito <strong>de</strong> Antropofagia <strong>de</strong>senvolvido pelos mo<strong>de</strong>rnistas brasileiros, Melo ETAL o contextualiza para a Museologia, hibridando-o <strong>em</strong> “Museofagia”. No caso da interculturalida<strong>de</strong>,a Antropofagia geraria “resultados autênticos e inesperados” e o objetivo dos autores é buscar “umdiscurso dialógico entre teoria e prática, para o entendimento <strong>de</strong> processos interculturais, que<strong>de</strong>nominamos simbolicamente <strong>de</strong> antropofagia e museofagia”, a partir <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> caso. No quetange à “Antropofagia”, o <strong>Museu</strong> como uma necessida<strong>de</strong> social <strong>de</strong>voraria o Humano mas, no casoda “Museofagia”, é esse mesmo Humano qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>vora, há séculos, o <strong>Museu</strong>.A partir <strong>de</strong> uma reflexão sobre o papel e lugar da Museologia, Guarilha ET AL trabalham os conceitos<strong>de</strong> Musealização, Musealida<strong>de</strong> e Patrimonialização, on<strong>de</strong> o primeiro trata da “preservação <strong>de</strong>valores i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> coisas entendidas enquanto signos”, revestindo os ‘resultados’ <strong>de</strong> uma qualida<strong>de</strong>especial: a Musealida<strong>de</strong>. Ambos os fenômenos seriam <strong>de</strong> estudo particular da Museologia. Mas aPatrimonialização, segundo eles, seria <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> maior, incluindo os processos e modos dosobjetos e/ou relações, também po<strong>de</strong>ndo ser objeto <strong>de</strong> estudo para outras áreas, consi<strong>de</strong>rando quetodo este processo perpassa pela percepção humana do Real e da Realida<strong>de</strong>.82


Como Guarilha ET AL, os autores apresentam o processo <strong>de</strong> construção da Museologia enquantocampo, consi<strong>de</strong>rando como momento crucial os anos 1970-1980, principalmente para o surgimentoe <strong>de</strong>senvolvimento dos conceitos por elas <strong>de</strong>stacados: <strong>Museu</strong> (conceito polissêmico que busca<strong>de</strong>finir uma específica relação entre o Hom<strong>em</strong> e o Real), Musealida<strong>de</strong> (relação/processo entre oHumano e o Real que transforma objetos e lugares, dando-lhes um caráter diferencial), Museália(resultado do processo anterior) e Musealização (processo ligado às técnicas específicas <strong>de</strong><strong>Museu</strong> e Museologia para também gerar Museália) – todos estes conceitos ainda <strong>em</strong> construção.A Museologia, assim, seria o campo on<strong>de</strong> tais discussões sobre estes conceitos ocorr<strong>em</strong>, <strong>em</strong> ummovimento que a transforma e a constrói a todo momento.Borges e Campos tomam como ponto <strong>de</strong> partida a relação entre Patrimônio e Valor, não a tratandocomo “mera afirmação da relação intrínseca ou imanente entre valor e patrimônio”, mas propõ<strong>em</strong>sea refletir “sobre algumas flutuações s<strong>em</strong>ânticas e algumas consequências <strong>de</strong>ssa relação/<strong>de</strong>finição”, consi<strong>de</strong>rando os sentidos <strong>de</strong> “valor <strong>de</strong> uso” e “valor simbólico”. Nesta análise, doisoutros conceitos são tratados: ressonância (potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um objeto “afetar” sujeitos <strong>de</strong> talforma a provocar “efeitos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória” referentes a este primeiro – mas não afetando os diferentessujeitos, com diferentes referências culturais, da mesma forma) e a<strong>de</strong>rência (que diz respeito aograu <strong>de</strong> relevância do patrimônio para um sujeito, que será maior para um sujeito pertencente àmesma cultura do primeiro). A partir <strong>de</strong> um ex<strong>em</strong>plo, os autores explicam os dois conceitos.Muito mais que uma possível “dimensão museológica” (por meio <strong>de</strong> uma discussão sobre afragilida<strong>de</strong> do campo) Jesus aponta que o termo “museu inclusivo” está mais para uma “dimensãopolítica”. Defen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que museu inclusivo já é algo condizente à própria natureza do <strong>Museu</strong>,tornando-se redundante. Sua análise tomará como ponto <strong>de</strong> partida reflexões e críticas à própriaMuseologia e ao documento da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s ou, como <strong>de</strong>nominou, o “Acordo”,baseado <strong>em</strong> Rousseau. Para o autor, este documento reflete a inferência política do Estado nas<strong>de</strong>cisões da socieda<strong>de</strong>.Ainda analisando a Museologia – ou, o que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> a “teoria por vir” – Jesus infere, <strong>em</strong> seuoutro texto, sobre processos ditos “museo-lógicos”, a partir <strong>de</strong> quatro proposições com um únicoobjetivo: respon<strong>de</strong>r/enten<strong>de</strong>r o que é Museologia. Ao consi<strong>de</strong>rar uma análise do Capitalismo e suaintrínseca relação entre consumo e uso, enten<strong>de</strong>ndo este primeiro como religião, Jesus aponta,por ex<strong>em</strong>plo, a museografia como um “processo religioso singular”, pois “retira as coisas da esferado uso e as reserva indisponíveis”, não lhe permitindo o toque. No entanto todo trabalho estávoltado para pensar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma efetiva Teoria Museológica Cont<strong>em</strong>porânea.A partir do <strong>de</strong>senvolvimento do projeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> Mestrado <strong>de</strong> Costa, Lima e Costa <strong>de</strong>lineiamo perfil do Museólogo e sua possível atuação nos ateliers ou Coleções Visitáveis (segundoconceito do próprio IBRAM), consi<strong>de</strong>rando toda uma análise entre os conceitos que configuram adiscussão. As autoras <strong>de</strong>fend<strong>em</strong> a importância da presença <strong>de</strong> museólogos <strong>em</strong> tais coleções que,mesmo sendo <strong>de</strong> caráter privado, são importantes para a socieda<strong>de</strong>, pois “a ação do Museólogopo<strong>de</strong> ser realizada <strong>em</strong> qualquer local on<strong>de</strong> seja necessário o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações para apreservação <strong>de</strong> coleções”.Ainda no âmbito das reflexões conceituais, Reis traz para o <strong>de</strong>bate a construção discursiva daimag<strong>em</strong> do ‘corpo <strong>de</strong> si’ e do ‘corpo do outro’, <strong>em</strong> especial o do corpo do negro quilombola,apresentando um estudo <strong>de</strong> caso. Aborda ainda, <strong>de</strong>ntre outros, o conceito <strong>de</strong> “corpo educado”,principalmente <strong>em</strong> relação às práticas patrimoniais; este, por sua vez, é permeado pela dicotomia<strong>de</strong> ter sofrido um processo <strong>de</strong> “dominação” mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, recebe mecanismos paralibertação <strong>de</strong> “amarras s<strong>em</strong> críticas”. Para a autora, baseada <strong>em</strong> Freire, será o diálogo interculturala superar as fragmentações existentes por meio da exclusão social, priorizando uma perspectivadinâmica da existência humana <strong>em</strong> plurarida<strong>de</strong>. Para Reis, a questão da diversida<strong>de</strong> cultural passou,83


“nas últimas duas décadas, <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> conhecida, <strong>de</strong>scrita e explicada, para uma realida<strong>de</strong>reconhecida, valorizada, respeitada e até <strong>de</strong>fendida”.O texto <strong>de</strong> Almeida e Reis procura refletir sobre o processo <strong>em</strong> si <strong>de</strong> construção e constituição docampo da Museologia e do Patrimônio, consi<strong>de</strong>rando as últimas quatro décadas e tomando comobase um conjunto <strong>de</strong> autores, conceitos e proposições. Para as autoras, as abordagens “inter,multi e transdisciplinares contribuíram com <strong>de</strong>sdobramentos reflexivos acerca dos construtosda Museologia e do Patrimônio”. As autoras também ressaltam que tais questões não estãoencerradas, mas sim abertas para “para próximas e inevitáveis buscas investigativas”.E, por fim, no quarto grupo, Beliani e Scheiner traz<strong>em</strong> ao <strong>de</strong>bate a relação do Meio Ambientecom a Museologia, passando inicialmente pelas consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> órgãos superiores tais comoONU, Unesco, ICOM e IUCN. Segundo Beliani e Scheiner, o t<strong>em</strong>a Meio Ambiente t<strong>em</strong> sido muito<strong>de</strong>batido no campo museológico nas últimas três décadas, gerando uma produção consistente einúmeras contribuições. Trabalham ainda com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “patrimonialização da Natureza” como“forma <strong>de</strong> institucionalização da concepção e representação <strong>de</strong> natureza, através da mediaçãotécnica <strong>de</strong> conservação, permeada por um sist<strong>em</strong>a simbólico <strong>de</strong> valoração” e com o conceito <strong>de</strong>Metamuseu (territórios musealizados que contêm museus tradicionais).Consi<strong>de</strong>rando o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Museologia, Suescun e Scheiner tambémtrabalham a relação <strong>de</strong>sta área com o meio ambiente. Tomam, portanto, como base os documentosteóricos do ICOFOM, <strong>em</strong> especial o encontro <strong>de</strong> 1990 - Museologia e Meio Ambiente. Destacamque o próprio ICOFOM enfatizou que a Museologia, cuja tarefa é estudar a relação entre oHumano, o <strong>Museu</strong> e a Realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar como t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> seu profundo interesse o MeioAmbiente, pois "é no território que o hom<strong>em</strong> constrói a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve suacultura, apropriando-se do entorno".Foram muitas as questões, probl<strong>em</strong>áticas e conceitos <strong>de</strong>batidos pelos autores acima mencionados.Todos, <strong>de</strong> certa forma, repensando o papel do <strong>Museu</strong> e da Museologia. Sendo assim, passado 40anos <strong>de</strong> Santiago e 20 <strong>de</strong> Caracas, porque ainda estamos refletindo sobre <strong>Museu</strong> e seu lugar e,no caso, sobre o caráter que <strong>de</strong>fine a Museologia, retomando assim a questão inicial?Se n<strong>em</strong> todas as contribuições dos referidos documentos foram postas <strong>em</strong> prática; se entend<strong>em</strong>osque museus diz<strong>em</strong> respeito às d<strong>em</strong>andas do social e que este social é fluido e não estagnado,ouso dizer que a discussão nunca findará. O <strong>Museu</strong>, <strong>em</strong> sua “natureza” mais ampla – como umaespecífica relação entre o Humano e o Real – <strong>de</strong>ve ser repensado s<strong>em</strong>pre que ambas as partesque o conceb<strong>em</strong> exigir<strong>em</strong>. A Museologia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> suas características – se é campo/ciência, prática, hoje ou “por vir”, diz mais respeito ao seu objeto do que a si mesma e, portanto,se atualiza também s<strong>em</strong>pre que for necessário.Ouso também dizer que, mesmo celebrando hoje e no futuro os anos passados após estes eventosm<strong>em</strong>oráveis – sejam quantos for<strong>em</strong> esses anos - nós e os vindouros ainda estar<strong>em</strong>os pensandosobre o papel do <strong>Museu</strong> e o caráter da Museologia, frente às d<strong>em</strong>andas t<strong>em</strong>áticas que nos for<strong>em</strong>apresentadas.84


Museología, Patrimonio, Interculturalidad:museos inclusivos, <strong>de</strong>sarrollo y diálogo interculturalMónica Risnicoff <strong>de</strong> GorgasEn los documentos presentados al 21 Simposio <strong>de</strong>l ICOFOM LAM encontramos un ir y venirconstante entre teoría y práctica. Las bases conceptuales <strong>de</strong> la museología se ven reflejadas enexperiencias que a su vez enriquecen las posturas teóricas. La mayor parte <strong>de</strong> los autores hanrealizado una lectura crítica <strong>de</strong> la abundante bibliografía producida por el ICOFOM a lo largo<strong>de</strong> más <strong>de</strong> 30 años pero su abordaje se realiza <strong>de</strong>s<strong>de</strong> una mirada latinoamericana. A 40 años<strong>de</strong> la mesa redonda <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Chile la posición <strong>de</strong> los museólogos <strong>de</strong> nuestro continentetiene una impronta social irrenunciable, lo que constituye un verda<strong>de</strong>ro aporte <strong>de</strong>l ICOFOMLAM al corpus teórico <strong>de</strong> la museología. En el artículo <strong>de</strong> Carvalho y Scheiner, que recorrelos documentos producidos por el ICOFOM LAM, se pone especial énfasis en la contribuciónrealizada para reconocer la diversidad como valor. Una reflexión basada en los documentosproducidos por el subcomité para pensarnos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nosotros, no solo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo geográfico sino<strong>de</strong>s<strong>de</strong> la diversidad que planteamos lejos <strong>de</strong> la homogenización!Museología e interculturalida<strong>de</strong>s: narrativas pluralesAl apropiarse <strong>de</strong> los fragmentos <strong>de</strong> real, afirman Guarilha, Scheiner, y Faulhaber, los museoselaboran perspectivas sobre la realidad. La percepción humana es limitada, mas el museoestá inmerso en la historicidad: en esta tensión se encuentra el origen <strong>de</strong> su naturaleza crítica.La práctica museológica pue<strong>de</strong> colaborar para la <strong>em</strong>ancipación <strong>de</strong> grupos sociales a partir<strong>de</strong> trabajos fundamentados en la teoría Museológica. La teoría se alimenta <strong>de</strong> prácticas, asícomo la realidad se nutre <strong>de</strong> representaciones. La d<strong>em</strong>ocratización <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r representarse,permite que las comunida<strong>de</strong>s elaboren discursos sobre si mismas y se coloquen en posición <strong>de</strong>interlocutoras con otros segmentos <strong>de</strong> la sociedad.Al plantear a la museología como un campo <strong>de</strong> conocimiento que va más allá <strong>de</strong>l ámbito <strong>de</strong>lmuseo, el rol <strong>de</strong>l museólogo y su competencia como perfil profesional, como lo r<strong>em</strong>arca Lima,se amplía a otros ámbitos <strong>de</strong> la vida social, pues la musealización completa el circuito <strong>de</strong> gestión<strong>de</strong> los bienes patrimonializados.Pues como bien dice Decarolis frente al <strong>de</strong>safío <strong>de</strong>l mundo cont<strong>em</strong>poráneo, es tarea específica<strong>de</strong> la museología, en su permanente juego <strong>de</strong> teoría y praxis, poner en marcha acciones qu<strong>em</strong>ovilicen otras competencias, a fin <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarrollar aproximaciones a una disciplina más dinámicaque sirva <strong>de</strong> base a la reconsi<strong>de</strong>ración <strong>de</strong> las políticas culturales y a la cooperación entre lospueblos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un marco <strong>de</strong>ontológico que garantice los <strong>de</strong>rechos humanos básicos ypermita la convivencia plural en la auténtica aceptación <strong>de</strong> la diversidad cultural.Otro aporte <strong>de</strong> la museología latinoamericana tiene que ver con las narrativas plurales y laposibilidad <strong>de</strong> que las voces <strong>de</strong> la gente estén representadas en los museos, al respecto Soaresnos dice “más que reflejo, la musealización es un proceso <strong>de</strong> reflexión: como un verbo, instaura elmodo subjuntivo <strong>de</strong> la realidad y juega con las cosas <strong>de</strong> lo real. La performance museal, entonces,funciona como si pudiese restaurar el pasado por la acción regenerativa. Los museos representanel pasado, y también nuestra relación – como actores en el ti<strong>em</strong>po presente – con el pasado. Laperformance es una apelación a la creación permanente a una nueva postura en relación a losaspectos ‘viejos’ y familiares <strong>de</strong>l mundo. Los museos, por lo tanto, no sólo presentan este tipo <strong>de</strong>85


epresentación para sus públicos, sino que representan los públicos en la performance, produciendodiálogos reflexivos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los cuales provienen las i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s”Esto tiene una relación estrecha con la consi<strong>de</strong>ración <strong>de</strong> la M<strong>em</strong>oria y el Patrimonio comoterritorios en disputa, porque como r<strong>em</strong>arca Borges en su documento, para que un bien culturalsea consi<strong>de</strong>rado patrimonio, esto es ser cultural, histórica y afectivamente significativo paraalguien o un grupo social, es preciso que el trazo o tradición cultural, candidato a patrimonio, seamensurado con base a una matriz analítica compuesta, en lo horizontal, por la resonancia, y, en lovertical, por la adherencia.Otra forma <strong>de</strong> apropiación patrimonial la plantean Melo y otros, en un trabajo que busca enten<strong>de</strong>ry encuadrar al Museo en una especie <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>na trófica, don<strong>de</strong> el <strong>de</strong>vorador pue<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vorado,formando un ciclo <strong>de</strong> sucesos culturales y apropiaciones simbólicas, patrimoniales e i<strong>de</strong>ntitarias, queacaban por ser equivalentes a las realida<strong>de</strong>s interculturales que vivimos en la cont<strong>em</strong>poraneidad.Pero estos conceptos se abren a nuevas perspectivas cuando entend<strong>em</strong>os a la museologíacomo un corpus teórico en expansión, como lo explican Alves y Scheiner, Museo, musealidad ymusealización son conceptos clave para enten<strong>de</strong>r al patrimonio y a la m<strong>em</strong>oria. La extensión <strong>de</strong>esos conceptos, con la inclusión <strong>de</strong> los paradigmas <strong>em</strong>ergentes <strong>de</strong> finales <strong>de</strong>l siglo XX y principios<strong>de</strong>l siglo XXI, contribuyó en gran medida para que la Museología se convirtiera en un campo<strong>de</strong>l conocimiento <strong>de</strong>dicado al análisis y estudio <strong>de</strong>l Museo y <strong>de</strong> lo Real en su totalidad. A su vezAlmeida y Souza Reis hacen hincapié en las relevantes contribuciones <strong>de</strong> autores cont<strong>em</strong>poráneosque posibilitan vislumbrar nuevos <strong>de</strong>spliegues en el campo <strong>de</strong> la Museología y el Patrimonio porllevar en sus investigaciones perspectivas holísticas, inter y transdisciplinares, en la construcción y<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong>l Museo como fenómeno y a sus diferentes aplicaciones en la realidad, configuradasa partir <strong>de</strong> las visiones <strong>de</strong>l mundo que tienen los diferentes grupos sociales.Museología, políticas públicas e inclusión socialAlexandro Silva <strong>de</strong> Jesús ofrece una perspectiva interesante a partir <strong>de</strong> los estudios <strong>de</strong>sarrollados<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> una línea <strong>de</strong> investigación sobre las políticas <strong>de</strong> patrimonio y <strong>de</strong> museos en espaciospostcoloniales. Se cuestiona acerca <strong>de</strong>l <strong>de</strong>ber <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y el pensamiento crítico; elcapitalismo y el uso; la relación entre ciencia y tradición; y el <strong>de</strong>splazamiento <strong>de</strong> las m<strong>em</strong>oriastradicionales hacia el archivo. Estas propuestas permiten reflexionar sobre la posibilidad <strong>de</strong> unaefectiva Teoría Museológica Cont<strong>em</strong>poránea, anticipando la tensión entre el consumo y el usogratuito <strong>de</strong>l patrimonio genético; y evaluar <strong>de</strong> nuevo la función antropológica – y <strong>de</strong> las CienciasSociales, por extensión – en ese contexto, y así <strong>de</strong>terminar los efectos <strong>de</strong> la intervención política ycientífica en las comunida<strong>de</strong>s tradicionales.Los museos tien<strong>de</strong>n, en general, a privilegiar la visión consi<strong>de</strong>rada “oficial” <strong>de</strong> la historia (el caso<strong>de</strong> museos históricos), don<strong>de</strong> muchas veces se tiene la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> que aquella es una realidadfinalizada; El público <strong>de</strong>be percibir que aquello presentado por el museo es apenas unaposibilidad <strong>de</strong> presentación y abordaje sobre <strong>de</strong>terminado hecho. Zurita y Costa nos recuerdanque las exposiciones son procesos efectivos que los museos <strong>de</strong>sarrollan para comunicarse conla sociedad, a través <strong>de</strong> discursos adoptados y narrativas construidas que reflejen sus valoressociales y simbólicos.Des<strong>de</strong> el punto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Gorgas el <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento real <strong>de</strong> los visitantes implicaría animarse a<strong>de</strong>svirtuar el papel <strong>de</strong> las instituciones culturales en la construcción <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y <strong>de</strong> las narrativas, afavor <strong>de</strong> procesos autónomos e in<strong>de</strong>pendientes, auto organizados, que se rigen por otros criterios. Estotiene que ver con la aparición <strong>de</strong> nuevos escenarios <strong>em</strong>ergentes para las prácticas sociales y artísticas.Implicaría explorar las posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> procesos <strong>de</strong> encuentro, receptividad y <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong>l otro,86


para potenciar su autonomía <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un colectivo, reconociendo en el otro el principio <strong>de</strong>inteligencia colectiva. Formas <strong>de</strong> creación <strong>de</strong> conocimiento colectivo <strong>em</strong>ergente y alejado <strong>de</strong>lpo<strong>de</strong>r heg<strong>em</strong>ónico.Con <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento ciudadano afirma que los museos tienen la posibilidad <strong>de</strong> buscar recursospara <strong>de</strong>safiar a los visitantes a plantearse probl<strong>em</strong>áticas que vayan más allá <strong>de</strong> las instalacionesy <strong>de</strong>l instante <strong>de</strong> visita al museo, extendiéndolo en cuanto a espacio y ti<strong>em</strong>po para vincular susactivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> los museos a las rutinas y a los lugares don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sarrollan las personas.Museología y Biodiversidad Teoría y práctica <strong>de</strong>l patrimonio integralSuescun y Scheiner reflexionan sobre el t<strong>em</strong>a, su texto presenta las relaciones entre el campo<strong>de</strong> la Museologia y el Medio ambiente, teniendo como pr<strong>em</strong>isa el hombre y la naturaleza comoun todo inseparable que entend<strong>em</strong>os como patrimonio integral. Em la misma línea, Belianiy Scheiner proponen el <strong>de</strong>sarrollo una Teoría <strong>de</strong> la Museología atenta al <strong>de</strong>sarrollo social yambiental. La Museología se ocupa <strong>de</strong> la naturaleza como bien patrimonial, a ser protegido en elpresente para las generaciones futuras, a través <strong>de</strong> un proceso <strong>de</strong>nominado patrimonialización,que se refiere a la inscripción, como patrimonio, <strong>de</strong> aquellos aspectos <strong>de</strong> lo real valorados por<strong>de</strong>terminados grupos socialesTanto en los museos llamados tradicionales, como los parques nacionales, zoos, acuarios yecomuseos, la Museología traduce aspectos <strong>de</strong> la relación entre hombre y naturaleza y posibilitaesta integración, así como la Educación AmbientalLa Museología pue<strong>de</strong> trabajar en los Parques Nacionales y ayudar a re<strong>de</strong>finir la relación <strong>de</strong>lhombre con la naturaleza, contribuyendo a la construcción <strong>de</strong> sujetos conscientes <strong>de</strong> susd<strong>em</strong>andas sociales, culturales y ambientales y proporcionando a cada individuo el conocimiento<strong>de</strong> la consciencia <strong>de</strong> sí mismo y <strong>de</strong>l ambiente que lo ro<strong>de</strong>a, a través <strong>de</strong> acciones <strong>de</strong> interpretación<strong>de</strong>l patrimonio.Consi<strong>de</strong>rando el espacio urbano como un paisaje cultural Lima y Ribeiro nos recuerdan que lasciuda<strong>de</strong>s son resultados mentales y físicos <strong>de</strong> las interacciones culturales establecidas entre lohumano y su espacio <strong>de</strong> vida que permiten, por medio <strong>de</strong>l paisaje <strong>de</strong> la ciudad vista como habitat(espacio don<strong>de</strong> habitar - lugar) tanto como polis (espacio <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres políticos),percibir los sentidos <strong>de</strong> acumulación, agregación, coexistencia <strong>de</strong> épocas, culturas distintas y almismo ti<strong>em</strong>po contradictorias. Y entre tantos recortes posibles para percibir la Patrimonializacióny la Musealización aplicada a un mismo Bien, el foco <strong>de</strong> selección en la forma <strong>de</strong> Ciudad quepue<strong>de</strong> ser Patrimonio y museo concomitant<strong>em</strong>ente.Museología, Patrimonio y el t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> la técnica. Pensando la ciencia y la tecnología en suinterface con el museoPara Ojeda existen instrumentos innovadores en el ámbito museológico, que abren caminos a lainteracción social, a otra forma <strong>de</strong> acce<strong>de</strong>r a la cultura, a un nuevo modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite, aprendizajey valoración <strong>de</strong>l patrimonio, que en <strong>de</strong>finitiva se resume en inserción, en dar oportunidad <strong>de</strong>participación a todo público con miras a un cambio social. Esta es una visión <strong>de</strong>l museo sinfronteras, fuera <strong>de</strong> sus pare<strong>de</strong>s. Por otra parte la socialización <strong>de</strong> las colecciones procura darrespuestas que el usuario busca con rapi<strong>de</strong>z e inmediatez y encuentran el campo <strong>de</strong> acción, <strong>de</strong>participación e interactividad que d<strong>em</strong>andan los usuarios actuales, facilitando la obtención <strong>de</strong>información y conocimiento <strong>de</strong>l objeto-pieza que se expone. De esta manera se fomentaría lainclusión social a través <strong>de</strong> la socialización <strong>de</strong> las colecciones.87


Documentos <strong>de</strong> TrabalhoDocumentos <strong>de</strong> TrabajoG-01Museologia e Interculturalida<strong>de</strong>:narrativas pluraisMuseología e Interculturalidad:narrativas plurales


MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO: um campo <strong>de</strong> saber <strong>em</strong> expansãoMargarete Zacarias Tostes <strong>de</strong> Almeida e Maria Amélia <strong>de</strong> Souza ReisRESUMOO presente estudo teve como objetivo apostilar uma leitura sobre a constituição e consolidaçãodo campo da Museologia e do Patrimônio nas últimas quatro décadas, a partir da análise crítica<strong>de</strong> teóricos como Deloche (1986), Desvallées (1987), Hernán<strong>de</strong>z (2006), Scheiner (2009),Stransky (1987), entre outros. Numa abordag<strong>em</strong> metodológica, <strong>de</strong>senvolveu-se uma pesquisa<strong>de</strong> cunho qualitativo, <strong>de</strong> caráter analítico, <strong>em</strong> cujo corpus foram arroladas questões sobre <strong>Museu</strong>,musealida<strong>de</strong>, musealização, patrimônio e patrimonialização, b<strong>em</strong> como o conceito <strong>de</strong> Real,<strong>de</strong>sdobrando-o <strong>em</strong> direção às idéias <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, ética e representação. Verificouseque relevantes contribuições <strong>de</strong> autores cont<strong>em</strong>porâneos, como Scheiner, possibilitamvislumbrar novos <strong>de</strong>sdobramentos no campo da Museologia e do Patrimônio por trazer <strong>em</strong> suaspesquisas, perspectivas holísticas, inter e transdisciplinares, na construção e <strong>de</strong>senvolvimentodo <strong>Museu</strong> como fenômeno e nas suas diferentes aplicações à realida<strong>de</strong>, configuradas a partirdas visões <strong>de</strong> mundo dos diferentes grupos sociais.Palavras-chave: Museologia. Patrimônio. Análise crítica. Aplicações à realida<strong>de</strong>.RESUMENMUSEOLOGÍA Y PATRIMONIO: un campo <strong>de</strong> saber en expansiónMargarete Zacarias Tostes <strong>de</strong> Almeida*, Maria Amélia <strong>de</strong> Souza Reis**El presente estudio tuvo como objetivo realizar una lectura sobre la constitución y la consolidación<strong>de</strong>l campo <strong>de</strong> la Museología y el Patrimonio en las últimas cuatro décadas, a partir <strong>de</strong>l análisiscrítico <strong>de</strong> teóricos como Deloche (1986), Desvallées (1987), Hernán<strong>de</strong>z (2006), Scheiner (2009),Stransky (1987), entre otros. Des<strong>de</strong> un enfoque metodológico se <strong>de</strong>sarrolló una investigación<strong>de</strong> tipo cualitativo y <strong>de</strong> carácter analítico, en cuyo corpus fueron <strong>de</strong>signadas cuestiones sobr<strong>em</strong>useo, musealidad, musealización, patrimonio y patrimonialización, así como el concepto <strong>de</strong> loReal, impl<strong>em</strong>entándolo en dirección a las i<strong>de</strong>as <strong>de</strong> m<strong>em</strong>oria, i<strong>de</strong>ntidad, ética y representación.Se verificó que relevantes contribuciones <strong>de</strong> autores cont<strong>em</strong>poráneos como Scheiner, posibilitanvislumbrar nuevos <strong>de</strong>spliegues en el campo <strong>de</strong> la Museología y el Patrimonio por llevar en susinvestigaciones perspectivas holísticas, inter y transdisciplinares, en la construcción y <strong>de</strong>sarrollo<strong>de</strong>l Museo como fenómeno y a sus diferentes aplicaciones en la realidad, configuradas a partir<strong>de</strong> las visiones <strong>de</strong>l mundo que tienen los diferentes grupos sociales.Palabras clave: Museología. Patrimonio. Análisis crítico. Aplicaciones en la realidad.89


ABSTRACTMUSEOLOGY AND HERITAGE: a field of knowledge in expansionMargarete Zacarias Tostes <strong>de</strong> Almeida e Maria Amélia <strong>de</strong> Souza ReisThe present paper aims to bring on a reflection on the constitution and consolidation of the fieldof Museology and Heritage in the last four <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s, from a critical analysis based on theoreticalpresuppositions, provi<strong>de</strong>d by authors such as Deloche (1986), Desvallées (1987), Hernán<strong>de</strong>z(2006), Scheiner (2009) and Stránský (1987), among others. Concerning the methodology, theresearch was <strong>de</strong>veloped by means of qualitative research of analytical character, in which corpus<strong>em</strong>erged questions about <strong>Museu</strong>m, museality, musealization, heritage, patrimony, patrimonializationas well as the concept of Reality, exten<strong>de</strong>d towards the concepts of m<strong>em</strong>ory, i<strong>de</strong>ntity, ethics andrepresentation. Therefore, it was possible to verify that the relevant contribution of cont<strong>em</strong>poraryauthors, as Scheiner, permits to visualize and conjecture new evolutions in the field of Museologyand Heritage, due to the fact that their researches bring about holistic, inter and transdisciplinaryperspectives in the construction and <strong>de</strong>velopment of the i<strong>de</strong>a of <strong>Museu</strong>m as a phenomenon and itsdifferent applications to reality, from different social groups’ view of the world.Keywords: Museology. Heritage. Critical analysis. Applications to reality.MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO: um campo <strong>de</strong> saber <strong>em</strong> movimento1. INTRODUÇÃORefletir sobre a constituição e consolidação do campo da Museologia e do Patrimônio traz à baila,o reconhecimento da complexida<strong>de</strong> que permeia o referido campo <strong>de</strong> saber. Neste contexto, esteestudo, <strong>de</strong> caráter qualitativo, <strong>de</strong> cunho bibliográfico, t<strong>em</strong> como objetivo contribuir com olharescrítico-reflexivos acerca da t<strong>em</strong>ática, buscando <strong>em</strong> autores como Stransky (1987), Scheiner(2009), Desvallées (1987), Hernán<strong>de</strong>z (2006), Deloche (1986), entre outros, o aporte teórico que<strong>em</strong>bas<strong>em</strong> tais reflexões.Revisitando a literatura que traz como mote o <strong>de</strong>senvolvimento da Museologia como campodisciplinar, iniciativas pioneiras e <strong>de</strong>safiadoras, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong>, as últimas quatro décadas vêmcontribuindo para consolidação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste campo do saber. Segundo Scheiner(2012, p.16) são significativas as contribuições iniciadas por volta dos anos <strong>de</strong> 1940 e 1950e as elaborações teóricas realizadas nos anos 1960 por autores como Rivière,Kinard, Jahn, Gluzinski, Nestupny, Vázquez e Stránský <strong>de</strong>ram ensejo à redação<strong>de</strong> <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos documentos, entre os quais se <strong>de</strong>stacam as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>‘museu’ do International Council of <strong>Museu</strong>ms (ICOM) e, naturalmente, a Carta <strong>de</strong>Santiago (1972). A criação do ICOFOM (1976) influiu <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva nesseprocesso, somando-se a textos importantes, como os <strong>de</strong> Cameron, Jelínek,Sofka, Stránský (todos <strong>de</strong> 1974), e dando ensejo à elaboração <strong>de</strong> documentos90


trabalho que constitu<strong>em</strong>, hoje, o que se consi<strong>de</strong>ra como base constitutiva da teoriamuseológica. Os anos 1980 foram um momento <strong>de</strong>cisivo nesta trajetória: com apublicação dos Museological Working Papers (MuWop) e a criação do ICOFOMStudy Series (ISS), a primeira série documental <strong>de</strong>dicada à teoria da Museologia, o<strong>de</strong>bate sobre a situação da Museologia no âmbito do conhecimento ampliou-se entreos profissionais <strong>de</strong> museus e introduziu-se como questão no universo acadêmico.Ao mesmo t<strong>em</strong>po, ampliava-se o <strong>de</strong>bate <strong>em</strong> torno da função social dos museus,levando ao advento do movimento internacional para uma Nova Museologia –Cerávolo (2012) reporta Scheiner (2000, p. 2) ao dizer que, a priori, dois fatos importantesnortearam as i<strong>de</strong>ias sobre museologia: “museus são importantes para o <strong>de</strong>senvolvimento socialcomo fontes potenciais <strong>de</strong> informação e conhecimentos e introduzir ou reforçar os “estudos d<strong>em</strong>useu” <strong>de</strong>ntro das universida<strong>de</strong>s”. Ainda sob a perspectiva <strong>de</strong> Scheiner, na complexa esteirada legitimação da museologia como disciplina, evi<strong>de</strong>nciou-se as interrelações com outrasdisciplinas constituintes, como a Filosofia do Conhecimento, Antropologia Social e Cultural,Ciências do Ambiente, Ciências Políticas e Ciência da Informação.O elo entre a museologia e patrimônio e os avanços no campo do <strong>de</strong>senvolvimento humano sãoconstruídos pela estreita associação inter, multi e transdisciplinar, que possibilitam comunida<strong>de</strong>shíbridas e terrenos para, num espaço misto <strong>de</strong> interlocução, <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> heterogênea, estratégias<strong>de</strong> negociação, formas e rupturas <strong>de</strong> saberes que permit<strong>em</strong> a interdisciplinarida<strong>de</strong>. ParaScheiner(2012) a Museologia ganha corpo e forma como campo disciplinar, no interstício, nainterseção dos outros campos disciplinares. A abertura para novos paradigmas se dará a partirdo <strong>de</strong>sprendimento dos paradigmas já estabelecidos.Segundo Hernán<strong>de</strong>z(2006) durante muito t<strong>em</strong>po pensou-se no conceito <strong>de</strong> patrimônio, comomanifestações <strong>de</strong> caráter tangível que iam se apresentando como evidências <strong>de</strong> test<strong>em</strong>unhosmateriais surgidos ao longo do t<strong>em</strong>po. Hoje, no entanto, t<strong>em</strong> surgido novas terminologias quefalam <strong>em</strong> um patrimônio plural e diversificado, e às vezes parece existir uma certa confusãoconceitual entre eles.A palavra patrimônio faz parte da história das socieda<strong>de</strong>s por carregar <strong>em</strong> sio sentido valorativo <strong>de</strong> herança, seja <strong>de</strong> caráter material(tangível) ou imaterial(intangível), chamado por Mauss (1974 apud GONÇALVES, 2003, p. 23) <strong>de</strong>[...]“fatos sociais totais” por constituir, <strong>de</strong> certo modo extensões morais <strong>de</strong>seus proprietários e estes por sua vez, são inseparáveis <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>s sociaise cósmicas que transcend<strong>em</strong> sua condição <strong>de</strong> indivíduos. Tais bens sãosimultaneamente, <strong>de</strong> natureza econômica, moral, religiosa, mágica, política,jurídica, estética, psicológica e fisiológica[...]91


Hernán<strong>de</strong>z(2006) salienta que às vezes não é fácil fazer distinção formal entre tangíveis eintangíveis, mas valorizar as coisas intangíveis é condição sine qua non para o reconhecimentodo verda<strong>de</strong>iro significado <strong>de</strong> patrimônio, sobretudo, para preservá-los, <strong>de</strong>ve manifestá-los <strong>em</strong> algovisível. Existe, portanto, uma estreita e indissociável relação entre patrimônio tangível e intangível,tornando difícil um olhar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Mister se faz ressaltar que estudiosos, m<strong>em</strong>bros doInternational Committee for Museology - ICOFOM-, <strong>de</strong> várias partes do mundo, tornaram possívela instituição da museologia como campo disciplinar, analisando a museologia como objeto <strong>de</strong>estudo <strong>de</strong> natureza imaterial.Ao final dos anos 1980, já se confirmava a existência <strong>de</strong> uma teoria da Museologiae <strong>de</strong>finia-se para ela um lugar <strong>de</strong> fala no universo acadêmico. A investigaçãosobre a existência <strong>de</strong> metodologias próprias do campo e a análise dos limitese das interfaces com outros campos disciplinares (como a Filosofia, os EstudosCulturais, a Ciência Política e a Ciência da Informação) fortaleceram aindamais a Museologia – <strong>de</strong>finida, a partir <strong>de</strong> então, como uma disciplina <strong>de</strong> carátertransdisciplinar, <strong>de</strong>dicada ao estudo da relação específica entre o Humano eo Real, tendo como objeto <strong>de</strong> estudo o fenômeno <strong>Museu</strong> (SCHEINER, 2012).Na esteira holística, as abordagens multi e transdisciplinares assum<strong>em</strong> um cunho <strong>de</strong> vitalimportância para a consolidação da Museologia e do Patrimônio como campo <strong>de</strong> saber.Museologia como parte das “Ciências do Impreciso"; ou uma disciplina cujos fundamentos pod<strong>em</strong>ser buscados na Filosofia” (DELOCHE, 1989 apud SCHEINER, 2012). A partir <strong>de</strong> tais pressupostos,cada objeto t<strong>em</strong> a sua historicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com o contexto no qual está inserido, e a tramasimbólica que o permeia, alicerça o processo <strong>de</strong> reconhecimento dos valores <strong>de</strong> cada cultura.Num universo contingencial histórico, talvez o maior <strong>de</strong>safio, no que tange à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> esubjetivida<strong>de</strong> humanas, seja a <strong>de</strong> tornar-se cônscio <strong>de</strong> si mesmo, tendo <strong>em</strong> vista a complexida<strong>de</strong>que adorna a constituição humana <strong>em</strong> suas próprias proposições.O momento <strong>em</strong> que a museologia começa a posicionar-se como campo disciplinar – final doséculo XVIII, XIX e meados do século XX, década <strong>de</strong> 70, começa o <strong>de</strong>bate sobre a museologiapara além do trabalho no museu.Para Scheiner e Soares (2010) [...]“Não há duvidas <strong>de</strong> que o <strong>Museu</strong> está <strong>em</strong> movimento. Oconjunto <strong>de</strong> transformações que o vêm afetando nos últimos anos levou os teóricos da museologiaa repensar<strong>em</strong> a sua própria orig<strong>em</strong>, sua função e suas formas”[...]. Os autores reportam os novosolhares acerca da importância e do significado <strong>de</strong> museu para dar sentido à preservação e à novasperspectivas sobre a m<strong>em</strong>ória, (re)construções, transformações e <strong>de</strong>senvolvimentos humanos:92


[...]Relevantes, ainda, nesta evolução do museu mo<strong>de</strong>rno, os Heimatmuseen,foram, mais <strong>de</strong> dois mil <strong>de</strong>les, abertos na Al<strong>em</strong>anha sob o regimenacional-socialista, com o objetivo <strong>de</strong> exaltar o sangue, a terra e a raça. Esteseram museus regionais, “museus <strong>de</strong> pequena pátria”, museus-microcosmos, quevalorizavam a riqueza <strong>de</strong> uma região, a antigüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma indústria, o gênio<strong>de</strong> um personag<strong>em</strong> local; estavam <strong>de</strong>stinados a marcar e a confirmar a ligação àgran<strong>de</strong> pátria, ao solo nacional[...].Em outras palavras, o caráter social do museuse faz presente como jamais se vira antes: sua função era a <strong>de</strong> estabelecer noindivíduo a idéia <strong>de</strong> nação a partir da sua realida<strong>de</strong> local.[...] Mais uma etapa<strong>de</strong>sta evolução foi <strong>de</strong>finida no momento da criação, na Dinamarca, <strong>em</strong> 1964,do <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> Lejte, fundado sobre sítio arqueológico. Neste caso o museu setorna atelier, e já não se trata apenas – como os museus a céu aberto – “<strong>de</strong>apresentar os objetos a seu meio, mas <strong>de</strong> transformar[...] Nestes novos mo<strong>de</strong>losirá se expressar a mudança <strong>de</strong> sentido pela qual passa o museu – que antesera orientado para o objeto e agora se volta para a socieda<strong>de</strong> e as experiênciasindividuais, caracterizando o que alguns chamaram <strong>de</strong> “museu social” [...]Des<strong>de</strong>o momento <strong>em</strong> que o termo „ecomuseu‟ foi criado, s<strong>em</strong> que este apresentasse,<strong>de</strong> fato, um significado objetivo, passando pelo primeiro i<strong>de</strong>alizador do conceito,Georges-Henri Rivière, chega-se à i<strong>de</strong>ologização <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> práticasque já vinham se <strong>de</strong>senvolvendo ao longo do século XX e a uma ampliaçãoefetiva da prática museológica. Esta tendência, que permeou a imaginação d<strong>em</strong>uitos teóricos nas últimas décadas, <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> ao que foi chamado <strong>de</strong> NovaMuseologia. Não se discute, porém, que um dos marcos do estabelecimentodas novas idéias se <strong>de</strong>u <strong>em</strong> Santiago, no Chile, <strong>em</strong> 1972, na Mesa Redondaque abordou os probl<strong>em</strong>as dos museus na América Latina. O que ficou <strong>de</strong>finido,porém, na tentativa <strong>de</strong> se pensar um „museu i<strong>de</strong>al‟ para a região, foi o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>um museu integral, que se preocupasse <strong>de</strong> forma total com o indivíduo humano[...].Reis e Pinheiro (2009) vão ao encontro das postulações da autora supracitada e corroboram dizendo:os museus <strong>em</strong> nossa cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, face aos gran<strong>de</strong>s avanços datécnica, da ciência e da arte, têm diante <strong>de</strong> si uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>;repensar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sociocultural. Ou seja, (re)inventar-se, estruturandosecomo espaços <strong>de</strong> vida e não lócus <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plação, prazeres singularesparticularizados e, possivelmente individualizados. Sabe-se que não será <strong>de</strong>fora para <strong>de</strong>ntro que se encontrarão suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformaçãoque, a nosso ver, se acham inscritas nesse “novo” criativo <strong>em</strong> processo.Segundo as autoras, esse novo paradigma acerca do museu, patrimônio e m<strong>em</strong>ória r<strong>em</strong>ete aorepensar das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s socioculturais das ciências e instigam um repensar <strong>de</strong> pressupostosi<strong>de</strong>ológicos que promulgam a construção <strong>de</strong> uma cidadania ativa, <strong>em</strong> contraposição às que produz<strong>em</strong>opressão e intolerância, no intento <strong>de</strong> possibilitar a formação <strong>de</strong> pessoas com m<strong>em</strong>órias e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.Durante a Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile, <strong>em</strong> 1972, o caráter social daMuseologia passou a ser priorizado - e esta, já reconhecida como um novo campodo conhecimento, foi oficialmente associada às Ciências Sociais, passando a sersist<strong>em</strong>atizada a partir <strong>de</strong> alguns paradigmas <strong>de</strong>sta área. Este trabalho foi realizadopor um grupo <strong>de</strong> especialistas, com interesse específico <strong>em</strong> discutir a <strong>de</strong>limitação ea estruturação da Museologia como campo - situação esta que foi facilitada atravésda instalação, <strong>em</strong> 1976, do ICOFOM.(CARVALHO; SCHEINER; MIRANDA, 2007)93


Contribuindo fundamentalmente para a <strong>de</strong>finição dos fundamentos da Teoria da Museologia,Stránsky (1987, p.294) diz que o museu não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como um fim <strong>em</strong> si mesmo,senão como um mediador que possibilita a relação entre a pessoa e a realida<strong>de</strong>; compl<strong>em</strong>entadizendo que o museu reflete a m<strong>em</strong>ória parcial das pessoas nas diferentes formas históricas <strong>de</strong>se apresentar. Dentro <strong>de</strong>sta visão global, Gregorova (1980, p. 20) <strong>de</strong>fine a museologia como umaciência que examina a relação específica entre o hom<strong>em</strong> e a realida<strong>de</strong>.A museologia nomeia pela linguag<strong>em</strong>, fala daquilo que não está mais, ou seja, nomeia a ausência.A verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser a presentificação, para ser um relato/história. “Portanto, a museologia éuma ciência social que está intimamente ligada às disciplinas científicas da documentação dam<strong>em</strong>ória, contribuindo para uma melhor compreensão da socieda<strong>de</strong>” (STRÁNSKY, 1987, apudHERNÁNDEZ, 2006, p. 75).Neste sentido, Mairesse (2006) salienta que (...)Pod<strong>em</strong>os assim, <strong>de</strong> maneira muito ampla, qualificar <strong>de</strong> ‚museologia‘ o conjunto dastentativas <strong>de</strong> teorização ou <strong>de</strong> reflexão crítica ligadas ao campo museal (ou, comosugere Bernard Deloche, à filosofia do museal); po<strong>de</strong>ndo este campo ser por suavez i<strong>de</strong>ntificado como toda manifestação <strong>de</strong> uma relação específica entre o humanoe a realida<strong>de</strong>, passando pela documentação do real pela apreensão sensíveldireta, pela tesaurização e pela apresentação <strong>de</strong>sta experiência(MAIRESSE)Corroborando o que postula Mairesse(2006), Rússio(1981) faz referência à museologia comociência nova, que traz <strong>em</strong> seu bojo como objeto <strong>de</strong> estudo específico <strong>de</strong> seu campo, o“fato museal” ou “social”, nomenclatura que <strong>de</strong>fine a relação direta entre o Hom<strong>em</strong> e o Objeto.Diferenciando-se dos d<strong>em</strong>ais fenômenos sociais, a interrelação estabelecida entre o sujeito eo objeto promove a relação do hom<strong>em</strong>, sujeito conhecedor, com o objeto, parte da realida<strong>de</strong>também integrada pelo hom<strong>em</strong> e sobre a qual ele t<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agir (RÚSSIO, 1984, apudCARVALHO, 2011).Durkheim(2007, apud CARVALHO, 2011) <strong>em</strong>basa o entendimento epist<strong>em</strong>ológico sobre o fatomuseal ao <strong>de</strong>linear na primeira parte das Regras do Método Sociológico, o fato social (objeto <strong>de</strong>estudo da Sociologia) como um método para estudo <strong>de</strong> tal objeto. O primeiro passo escolhido porDurkheim, segundo a autora,foi o <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o que consi<strong>de</strong>ra como fato social:Para Scheiner e Soares (2010) [...]“Não há duvidas <strong>de</strong> que o <strong>Museu</strong> está <strong>em</strong> movimento. Oconjunto <strong>de</strong> transformações que o vêm afetando nos últimos anos levou os teóricos da museologiaa repensar<strong>em</strong> a sua própria orig<strong>em</strong>, sua função e suas formas”[...]. Os autores reportam os novosolhares acerca da importância e do significado <strong>de</strong> museu para dar sentido à preservação e à novasperspectivas sobre a m<strong>em</strong>ória, (re)construções, transformações e <strong>de</strong>senvolvimentos humanos:saindo da generalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tudo que se forma na socieda<strong>de</strong> é fato social(consi<strong>de</strong>rando fatos e ações que são oriundas da esfera individual), ressaltaque há fenômenos que distingu<strong>em</strong> entre todos formados neste seio e quenão po<strong>de</strong>riam ser objetos <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> outros campos - “maneiras <strong>de</strong> agir,<strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> sentir” fora das consciências individuais, além <strong>de</strong> ser<strong>em</strong>dotadas <strong>de</strong> “uma força imperativa e coercitiva” <strong>em</strong> todos os indivíduos.94


Mister se faz ressaltar que o campo <strong>de</strong> estudo se constitui como uma imbricada configuração <strong>de</strong>relações, <strong>de</strong>senvolvidas num aparato social ancorado na cultura e assegurado pelo capital simbólico.Os bens culturais possu<strong>em</strong>, também uma economia, cuja lógica específica t<strong>em</strong><strong>de</strong> ser especificada para escapar do economicismo. Neste sentido, <strong>de</strong>ve-setrabalhar, antes <strong>de</strong> tudo, para estabelecer as condições <strong>em</strong> que são produzidosos consumidores <strong>de</strong>sses bens e seu gosto; e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, para <strong>de</strong>screver,por um lado, as diferentes maneiras <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses bensconsi<strong>de</strong>rados, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado momento, obras <strong>de</strong> arte e, por outro lado, ascondições sociais da constituição do modo <strong>de</strong> apropriação, reputado comolegítimo( BOURDIEU, 2008, p. 09).O pensamento, linguag<strong>em</strong> e símbolo interag<strong>em</strong>, no ato <strong>de</strong> representar aos olhos, novas e infinitaspossibilida<strong>de</strong>s para a mágica da criação do mundo, que acontece por vezes incontáveis. Nessecontexto, a musealida<strong>de</strong> (o valor) é produto dos sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores específico a cada cultura.O conceito <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá modificar-se conseqüent<strong>em</strong>ente, <strong>de</strong> acordo com o que cadagrupo social percebe e <strong>de</strong>fine. Neste contexto, é relevante o reconhecimento do “museu na suarelação com o Hom<strong>em</strong> como gerador <strong>de</strong> cultura”(SCHEINER, 2012).Ainda segundo Scheiner (2012) ao final da década <strong>de</strong> 90 as i<strong>de</strong>ias sobre “museu como fenômeno”e da Museologia como campo disciplinar intensificam o estudo do museu, nas suas diferentesinterfaces com o Real (como fundamento; na essência material/imaterial, natural/cultural; not<strong>em</strong>po passado, presente, futuro e t<strong>em</strong>po real; no espaço – local, regional, nacional e global)Antes <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar o estudo <strong>de</strong> museu como fenômeno, urge lançar um olhar sobre a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>Real <strong>de</strong>fendida por Spinoza, apresentada aqui por Shopenhauer (2012)[..]um sentido especial e estreito, pois foi o primeiro a trazer à nossaconsciência o probl<strong>em</strong>a sobre o qual a maior parte do filosofar se voltou<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, a saber, aquele do i<strong>de</strong>al e do real. Essa é a questão relativaàquilo que <strong>em</strong> nosso conhecimento é objetivo e o que é subjetivo, e, portanto,àquilo que será atribuído por nós a coisas diferentes <strong>de</strong> nós e ao que seráatribuído a nós próprios. Assim, <strong>em</strong> nossas cabeças, imagens não surg<strong>em</strong>arbitrariamente, como se viess<strong>em</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, tampouco surg<strong>em</strong> da associação<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias; consequent<strong>em</strong>ente, surg<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma causa exterior. Mas taisimagens são tudo que conhec<strong>em</strong>os imediatamente, que nos é dado.[...] o real— isto é, aquilo que existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> nosso conhecimento[...]A partir da perspectiva spinoziana o real é tudo que há, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do conhecimento humano,portanto, transcen<strong>de</strong> à esfera do saber e da consciência do hom<strong>em</strong> e, por estar <strong>em</strong> movimento,não po<strong>de</strong> ser apreendido <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>. Nessa abordag<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong> através do pensamento,faz uma referência, um recorte no Real para capturar o que po<strong>de</strong> ser capturado, r<strong>em</strong>etendo-o ài<strong>de</strong>ia ilusória <strong>de</strong> controle sobre o que há.Neste contexto, mister se faz ressaltar que o Real po<strong>de</strong> ser pensado, porque o pensar gera oconhecer, que gera a verda<strong>de</strong> pelo conhecimento das coisas <strong>em</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Se o Real étudo aquilo que há e se estamos <strong>de</strong>ntro do Real, o espaço do Real se manifesta pela evidência.95


A musealida<strong>de</strong> é um valor atribuído a certas ‚dobras‘ do Real, a partir dapercepção dos diferentes grupos humanos sobre a relação que estabelec<strong>em</strong>com o espaço, o t<strong>em</strong>po e a m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong> sintonia com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>pensamento e os valores <strong>de</strong> suas próprias culturas. E, portanto, a percepção(e o conceito) <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá mudar, no t<strong>em</strong>po e no espaço, <strong>de</strong>acordo com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pensamento das diferentes socieda<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> seuprocesso evolutivo. Assim, o que cada socieda<strong>de</strong> percebe e <strong>de</strong>fine como‚<strong>Museu</strong>‘ po<strong>de</strong>rá também mudar, no t<strong>em</strong>po e no espaço(SCHEINER, 2012)Stránský(1980, apud SCHEINER, 2012) salienta que: "A missão da Museologia é interpretarcientificamente essa atitu<strong>de</strong> do Hom<strong>em</strong> com relação à realida<strong>de</strong> e fazer-nos enten<strong>de</strong>r a musealida<strong>de</strong><strong>em</strong> seu contexto histórico e social".Scheiner(2005, apud .(CARVALHO; SCHEINER; MIRANDA, 2007), reporta discussões durante aMesa Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile <strong>em</strong> 1972:Este é o ambiente que marca o início dos trabalhos do ICOFOM. A partir <strong>de</strong> 1979,já no âmbito do Comitê Internacional <strong>de</strong> Museologia, <strong>de</strong>senham-se algumascontribuições que viriam a exercer enorme influência sobre os estudos teóricosda Museologia, oferecendo uma via <strong>de</strong> pensamento para o seu <strong>de</strong>senvolvimentocomo campo disciplinar. Este é o momento <strong>em</strong> que alguns autores, abraçandocorajosamente o constructor epistêmico <strong>de</strong> uma cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> que já seanunciava, <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> o <strong>Museu</strong> como fenômeno (Stranski) e a Museologia como ‘aciência que estuda a relação específica entre Hom<strong>em</strong> e Realida<strong>de</strong>’ (Desvallées),tendo como objeto <strong>de</strong> estudo a musealida<strong>de</strong>. No ano seguinte (1980), Stranskialinha <strong>de</strong>finitivamente suas reflexões ao modo <strong>de</strong> ser da cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>,afirmando que a Musealida<strong>de</strong> é um aspecto específico da realida<strong>de</strong>”.Segundo Scheiner(2009, p. 49) a museologia, hoje, portanto, “já po<strong>de</strong> ser entendida como campodisciplinar que trata das relações entre o fenômeno <strong>Museu</strong> e as suas diferentes aplicações àrealida<strong>de</strong>, configuradas a partir das visões <strong>de</strong> mundo dos diferentes grupos sociais”. Stránskýe Gregorová(apud Hernán<strong>de</strong>z, 2006, p. 101) refer<strong>em</strong>-se à musealida<strong>de</strong> como discurso político.Compartilham a mesma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o museu po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>finido como um campo específico darelação do hom<strong>em</strong> com a realida<strong>de</strong>.A relação a que se refer<strong>em</strong> Stránský e Gregorová caracteriza a integração particular, hom<strong>em</strong>,espaço, t<strong>em</strong>po e m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong>basada pelo mundo da percepção e dos sentidos que faz <strong>em</strong>ergirafecções que cri<strong>em</strong> e recri<strong>em</strong> realida<strong>de</strong>s da dinâmica cultural.Este movimento apontará para a importância do universo simbólico da tradiçãocomo fundamento <strong>de</strong> toda dinâmica cultural; e todos os modos e formas pelosquais os el<strong>em</strong>entos constitutivos <strong>de</strong>sse universo se perpetuam no t<strong>em</strong>po, pormeio <strong>de</strong> comportamentos e valores i<strong>de</strong>ntificados e <strong>de</strong>finidos, <strong>em</strong> cada grupocultural, como ´patrimônio intangível`. É um processo que inclui a relação <strong>de</strong>cada indivíduo com seu próprio corpo e com diferentes territórios que habita: osensorial, o mental, o geográfico; e serve <strong>de</strong> base a todas as relações sociais,inclusive as relações <strong>de</strong> produção e consumo <strong>de</strong> bens materiais e simbólico.(SCHEINER, 2009, p. 52)96


CONSIDERAÇÕES FINAISAo longo do estudo, a partir <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> autores, conceitos, proposições, buscou-se refletirsobre aspectos relevantes acerca da constituição e consolidação do campo da Museologia edo Patrimônio, o que possibilitou o reconhecimento da complexida<strong>de</strong> que permeia o referidocampo <strong>de</strong> saber. Abordagens inter, multi e transdisciplinares contribuíram com <strong>de</strong>sdobramentosreflexivos acerca dos construtos da Museologia e do Patrimônio.Importante ressaltar e contribuição histórica <strong>de</strong> estudiosos que se <strong>em</strong>penharam na construção<strong>de</strong> uma área do saber humano, como Rivière, Kinard, Jahn, Gluzinski, Nestupny, Vázquez eStránský redigindo documentos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos, entre os quais se <strong>de</strong>stacam as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>‚museu‘ do International Council of <strong>Museu</strong>ms (ICOM), a Carta <strong>de</strong> Santiago (1972), a criação doICOFOM (1976) influindo <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva nesse processo, b<strong>em</strong> como a criação do ICOFOMStudy Series (ISS), documentos estes <strong>de</strong>dicados ao registros <strong>de</strong> estudos sobre a Teoria daMuseologia.Relevantes contribuições <strong>de</strong> autores cont<strong>em</strong>porâneos como Scheiner, possibilitam vislumbrarnovos <strong>de</strong>sdobramentos no campo da Museologia e do Patrimônio por trazer <strong>em</strong> suas pesquisas,perspectivas holíticas e transdisciplinares, na construção e <strong>de</strong>senvolvimento do museu comofenômeno e as suas diferentes aplicações à realida<strong>de</strong>, configuradas a partir das visões d<strong>em</strong>undos dos diferentes grupos sociais.Este estudo, <strong>de</strong>ixa entreaberta a porta para próximas e inevitáveis buscas investigativas, no queconcerne à Museologia e Patrimônio e a sua relação com m<strong>em</strong>ória / socieda<strong>de</strong> / i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> /ética, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e social que, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos fluidos faz <strong>em</strong>ergir a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recortesno real, que possam trazer à luz do conhecimento compreensões <strong>de</strong> símbolos que exponhame traduzam a linguagens culturais.REFERÊNCIASABREU, Regina. Patrimônio etnográficos e museus: uma visão antropológica. In:DODEBEI, Vera; ABREU,Regina(orgs.). E o patrimônio? Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contra Capa/Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> M<strong>em</strong>óriaSocial da Universida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2008.BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 1. reimpr. São Paulo: Edusp; Porto Alegre,RS: Zouk, 2008.______. A economia das trocas simbólicas. 7.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.CARVALHO, Luciana Menezes <strong>de</strong>. Waldisa Rússio e Tereza Scheiner - dois caminhos, um único objetivo:discutir museu e Museologia. Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio– PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011. Disponível <strong>em</strong> : http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/in<strong>de</strong>x.php/ppgpmus/article/viewFile/185/171. Acesso <strong>em</strong>: 10/07/2012.CARVALHO, Luciana M. <strong>de</strong>; SCHEINER, Tereza Cristina M.; MIRANDA, Marcos Luiz C. <strong>de</strong>. Em direção àMuseologia latino-americana: o papel do ICOFOM LAM no fortalecimento da Museologia como campodisciplinar. VIII ENANCIB – Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Ciência da Informação 28 a 31 <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 2007 · Salvador · Bahia · Brasil. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 11/07/2012.CERÁVOLO, Suely Moraes. Delineamentos para uma teoria da Museologia. Disponível <strong>em</strong>: http://www.scielo.br/<strong>pdf</strong>/anaismp/v12n1/19.<strong>pdf</strong> . Acesso <strong>em</strong>: 12/07/2012.CHAUI, Marilena. Cidadania Cultural: o direito à cultura. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.97


CLARET, Jacques. A i<strong>de</strong>ia e a forma: probl<strong>em</strong>ática e dinâmica da linguag<strong>em</strong>. Trad. Nathanael C. Caixeiro.Rio <strong>de</strong> Janeiro: 1980.DELOCHE, Bernard. Symposium Museology and i<strong>de</strong>ntity. ICOM- International Committee for Museology-Basic papers. Buenos Aires, October, 1986. ISS 10.Disponível <strong>em</strong>: http://network.icom.museum/icofom/publications/our-publications . Acesso <strong>em</strong>: 05/07/2012.______. Le musée et lês ambiguités <strong>de</strong> l’i<strong>de</strong>ntitépatrimoniale. Symposium Museology and I<strong>de</strong>ntity. Estocolmo: ICOFOM Study Series 10, 65-71, 1986.DESVALLÉES, A. La Muséologie et les musées: chants <strong>de</strong> concepts. Estocolmo: ICOFOM StudySeries 12, 85-94, 1987.GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O patrimônio como categoria <strong>de</strong> pensamento. In: ABREU, Regina;CHAGAS, Mário (orgs.) M<strong>em</strong>ória e Patrimônio: ensaios cont<strong>em</strong>porâneos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:DP&A, 2003.GUARNIERI, Waldisa Rússio. MuWoP2: Museological Working Papers = DoTraM: Documents <strong>de</strong> Travailen Muséologie. Interdisciplinarity in Museology, Stockholm, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM, <strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 2, p. 56-57, 1981.GREGOROVÁ, A. Museology - science or just practical museum work? Museological Working Papers 1.Estocolmo, 1980.HEGEL, G. W. F. Lecciones sobre la filosofia <strong>de</strong> la historia universal. Madrid: Alianza Universidad, 1989HERNÁNDEZ, Francisca Hernán<strong>de</strong>z. Planteamientos teóricos <strong>de</strong> la museología. Espana: EdicionesTrea,S.L., 2006.JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como objeto <strong>de</strong> arte. Trad. Tereza Lourenço. São Paulo: Liberda<strong>de</strong>, 2002.MAIRESSE, François. L‘histoire <strong>de</strong> la Muséologie, est‘ elle finie? Icofom Study Series, 35, p. 87-94, 2006.OLIVEIRA, Ana Gita <strong>de</strong>. Salvaguarda do patrimônio cultural: bases para constituição <strong>de</strong> direitos. In:Anais do S<strong>em</strong>inário Patrimônio Cultural e Proprieda<strong>de</strong> Intelectual: proteção do conhecimento e dasexpressões culturais tradicionais. Belém: CESUPA/MPEG, 2005.REIS, Maria Amélia dos Souza.; PINHEIRO, Maria do Rosário. Para uma pedagogia do museu:algumas reflexões. Museologia e Patrimônio - vol.II no 1 - jan/jun <strong>de</strong> 2009. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong> 05 out. 2011.RUSSIO GUAMIERI, Waldisa. Le musée et lês ambiguités <strong>de</strong> l’i<strong>de</strong>ntité patrimoniale. SymposiumMuseology and I<strong>de</strong>ntity. Estocolmo: ICOFOM Study Series 10, 65-71, 1986.SCHEINER, Tereza C. M.; SOARES, Bruno, C. Brulon. A ascensão dos museus comunitários e ospatrimônios ‘comuns’: um ensaio sobre a casa. 2010. Disponível <strong>em</strong>:http://dci2.ccsa.ufpb.br:8080/jspui/bitstream. Acesso <strong>em</strong>: 05 <strong>de</strong> out. 2011.SCHEINER, Tereza Cristina M. Museologia ou Patrimoniologia? Reflexões. In: GRANATO, Marcus; SANTOS,Claudia Penha dos; LOUREIRO, Maria Lucia N. M. (Orgs.). MAST Colloquia - <strong>Museu</strong> e Museologia:interfaces e perspectivas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MAST, 2009. v. 11, p. 43-59.______. Repensando o museuintegral: do conceito às práticas. In: Dossiê Museologia e Patrimônio. BOLETIM Ciências Humanas, v.7,n.1. Janeiro/Abril <strong>de</strong> 2012 Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong> : 06/06/2012.SHOPENHAUER, Arthur. Esboço <strong>de</strong> uma história da doutrina do i<strong>de</strong>al e do real Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong> 10/07/2012.STRÁNSKÝ, Z.Z. Museology and <strong>Museu</strong>ms. “Basic Paper”. Estocolmo: ICOFOM Study Series 12, 293-298, 1987.98


MUSEU, MUSEALIDADE E MUSEALIZAÇÃO: TERMOS EMCONSTRUÇÃO E EXPANSÃOVânia Maria Siqueira Alves e Teresa Cristina ScheinerRESUMOA Museologia v<strong>em</strong> buscando estabelecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus primórdios, um corpus metodológico quea <strong>de</strong>fina enquanto ciência. Organizada como campo disciplinar na segunda meta<strong>de</strong> do séculoXX, constituiu-se na interface entre os d<strong>em</strong>ais saberes e práticas sociais. A teoria da museologiaganhou fôlego a partir <strong>de</strong> meados dos anos 1970, com a criação do Comitê Internacional paraa Museologia (ICOFOM), vinculado ao Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (ICOM). A partir dasdiscussões <strong>de</strong>senvolvidas pelos m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>sse órgão e posterior divulgação, foram-se <strong>de</strong>finindoe alargando os termos e conceitos do campo teórico da museologia. <strong>Museu</strong>, musealida<strong>de</strong> <strong>em</strong>usealização são conceitos chave do campo. O alargamento <strong>de</strong>sses conceitos, com a inclusãodos paradigmas <strong>em</strong>ergentes no final do século XX e início do século XXI, contribuiu sobr<strong>em</strong>aneirapara que a Museologia se tornasse um campo do conhecimento <strong>de</strong>stinado à análise e estudo do<strong>Museu</strong> e do real <strong>em</strong> sua integralida<strong>de</strong>. Esse trabalho fundamenta-se nas discussões feitas porStránský, Desvallées, Sola, Maroevic, Deloche e Edson no âmbito do ICOFOM e <strong>em</strong> reflexões<strong>de</strong> Scheiner, Cury e Cerávolo.Palavras-chave: Museologia, <strong>Museu</strong>, Musealida<strong>de</strong>, MusealizaçãoABSTRACT<strong>Museu</strong>m, museality and musealization: terms in construction and expansionMuseology has sought to <strong>de</strong>fine, since its inception, a methodological corpus that <strong>de</strong>fines it as ascience. Organized as a disciplinary field in the second half of the twentieth century, it was formedin the interface with other fields of knowledge and social practices. The theory of Museology gainedstrength as from the mid-1970s, with the creation of the International Committee for Museology(ICOFOM), linked to the International Council of <strong>Museu</strong>ms (ICOM). The terms and conceptsof the theoretical field of Museology have been <strong>de</strong>fined and enlarged from the discussions<strong>de</strong>veloped by m<strong>em</strong>bers of this body and their subsequent disclosure. <strong>Museu</strong>m, museality andmusealization are key concepts of the field. The extension of these concepts, with the inclusionof <strong>em</strong>erging paradigms in the late twentieth and early twenty-first century, has contributed greatlyto turn Museology into a field of knowledge <strong>de</strong>dicated to the analysis and study of the <strong>Museu</strong>mand of Reality in its entirety. This work is based on discussions ma<strong>de</strong> by Stránský, Desvallées,Sola, Maroevic, Deloche and Edson, within ICOFOM, as well as in reflections by Scheiner, Curyand Cerávolo.Keywords: Museology, <strong>Museu</strong>m, Museality, Musealization99


RESUMENMuseo, musealidad y musealización: términos en construcción y expansiónLa Museología busca establecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su creación, un corpus metodológico que la <strong>de</strong>fina encuanto ciencia. Organizada como campo disciplinario en la segunda mitad <strong>de</strong>l siglo XX, se haconstituido en la interfaz entre los d<strong>em</strong>ás saberes y prácticas sociales. La teoría <strong>de</strong> la museologíacobró impulso a partir <strong>de</strong> mediados <strong>de</strong> 1970, con la creación <strong>de</strong>l Comité Internacional para laMuseología (ICOFOM), vinculado al Consejo Internacional <strong>de</strong> Museos (ICOM). Des<strong>de</strong> lasdiscusiones realizadas por los mi<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> este órgano y su posterior difusión se han <strong>de</strong>finidoy ampliando los términos y conceptos <strong>de</strong>l campo teórico <strong>de</strong> la Museología. Museo, musealidad ymusealización son conceptos clave <strong>de</strong>l campo. La extensión <strong>de</strong> esos conceptos, con la inclusión<strong>de</strong> los paradigmas <strong>em</strong>ergentes <strong>de</strong> finales <strong>de</strong>l siglo XX y principios <strong>de</strong>l siglo XXI, contribuyó en granmedida para que la Museología se convirtiera en un campo <strong>de</strong>l conocimiento <strong>de</strong>dicado al análisisy estudio <strong>de</strong>l Museo y <strong>de</strong> lo Real en su totalidad. Este trabajo se basa en los <strong>de</strong>bates realizadospor Stránský, Desvallées, Sola Maroevic, Deloche y Edson, en el seno <strong>de</strong>l ICOFOM; y en lasreflexiones <strong>de</strong> Scheiner, Cury y Cerávolo.Palabras-clave: Museología, Museo, Musealidad, Musealización1 Teoria da Museologia: um campo <strong>em</strong> construção e expansãoOrganizada como um corpo <strong>de</strong> conhecimentos científicos na segunda meta<strong>de</strong> do século XX,a Museologia v<strong>em</strong> buscando estabelecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus primórdios, um corpus metodológicoque a <strong>de</strong>fina enquanto ciência. Várias tendências para a construção da Teoria Museológicasão alvo <strong>de</strong> discussões entre os estudiosos. Nesse <strong>de</strong>bate, os estudos terminológicos são <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> importância para a constituição <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> museológica: <strong>Museu</strong> e Museologia sãopensados à luz <strong>de</strong> diferentes sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> representação e na interface entre os d<strong>em</strong>ais saberes epráticas sociais (SCHEINER, 2005:87-89).Apesar das iniciativas pioneiras dos anos 1940 a 1950, conduzidas por especialistas, até meadosdos anos 1960, as elaborações teóricas sobre a Museologia eram influenciadas pelo constructornewtoniano-cartesiano, no qual esta era percebida como ciência aplicada, <strong>de</strong>rivando num conjunto<strong>de</strong> metodologias <strong>de</strong> ação. Nos anos 1960 e 1970, a Museologia passou a ser pensada comociência auxiliar, parte integrante da Ciência da Informação, começando a ser percebida como umnovo campo disciplinar, com teoria e metodologia específicas. A Museologia começava a ocuparlugar no sist<strong>em</strong>a do conhecimento, a ser pensada não apenas como trabalho prático, mas tambémcomo ciência. Dentre as elaborações teóricas do período <strong>de</strong>stacam-se autores como Rivière,Kinard, Jähn, Gluzinski, Nestupny e Stránský, b<strong>em</strong> como as <strong>de</strong>finições <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticas <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> doInternational Council of <strong>Museu</strong>ms (ICOM) <strong>em</strong> 1969 e da Mesa-Redonda <strong>de</strong> Santiago, Chile (1972).No primeiro caso, <strong>Museu</strong> fundamentado na idéia <strong>de</strong> objetos culturais, ou seja, o museu comoestabelecimento; e no segundo, a naturalização dos conceitos <strong>de</strong> “museu integral” e a ênfase naação comunitária (SCHEINER, 2012:15-30).100


A criação do Comitê Internacional <strong>de</strong> Museologia (ICOFOM) entre fins <strong>de</strong> 1976 e 1977, resultoudas inquietações conceituais <strong>de</strong> Jän Jelinek, Wolfgang Klausewitz, Andreas Gröte, Irina Antonovae Vinos Söfka e contribuiu sobr<strong>em</strong>aneira para o nascimento da Teoria da Museologia. Esse grupoinicialmente tomou como objeto <strong>de</strong> estudo o <strong>Museu</strong>, a fim <strong>de</strong> torná-lo objeto <strong>de</strong> uma disciplinaacadêmica; no entanto, a questão central foi transferida para o estudo da relação específica dohom<strong>em</strong> com a realida<strong>de</strong> (CERÁVOLO, 2004: 237 – 268).Os anos 1980 são consi<strong>de</strong>rados o divisor <strong>de</strong> águas nessa trajetória. Foram publicados aprimeira série documental <strong>de</strong>dicada à teoria da Museologia, o Museological Working Papers(MuWop) e os ICOFOM Study Series (ISS). Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que a Museologia avançavano universo acadêmico, ampliava-se o <strong>de</strong>bate <strong>em</strong> torno da função social dos museus, levando aoadvento do movimento internacional <strong>de</strong>nominado “Nova Museologia”, que tinha como propostauma ‚museologia da ação‘. Com a incorporação dos novos paradigmas do conhecimento àsdiscussões da teoria da Museologia e a ampliação dos <strong>de</strong>bates sobre a relação entre <strong>Museu</strong> eSocieda<strong>de</strong>, a Museologia passou a ser percebida como uma ciência <strong>de</strong> caráter transdisciplinar,<strong>de</strong>dicada ao estudo da relação específica entre o Humano e o Real, tendo como objeto <strong>de</strong>estudo o fenômeno <strong>Museu</strong> (SCHEINER, 2012) III . Autores como Stránský, Sola, Desvalléesincorporaram objetos <strong>de</strong> natureza imaterial à idéia do <strong>Museu</strong> e consequent<strong>em</strong>ente provocarama expansão dos conceitos <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> e Museologia rumo ao conceito <strong>de</strong> Patrimônio.Nesse cenário, o ICOFOM se <strong>de</strong>senvolveu e passou a trabalhar na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> umametodologia da Museologia. Apesar <strong>de</strong> um grupo pequeno, os teóricos do Comitê, naquel<strong>em</strong>omento dirigidos por Sofka (presi<strong>de</strong>nte do ICOFOM <strong>de</strong> 1977 a 1989), já haviam entendidoque os museus tinham espaço <strong>de</strong> ação, “mas ainda <strong>de</strong>veriam ser convencidos <strong>de</strong> que ainstituição e as coleções po<strong>de</strong>riam ser melhor e mais eficient<strong>em</strong>ente usadas como recursossocioculturais” (CERÁVOLO, 2004:242). Segundo Cerávolo (2004:245), os <strong>de</strong>bates <strong>em</strong> tornodo caráter científico, filosófico, prático, técnico, habilida<strong>de</strong> manual ou outro do campo disciplinarMuseologia conduziram a expansão do campo, levando a uma “Museologia-patrimônio”.Scheiner (2012) comenta que, nos anos 1990, a Museologia já tinha um lugar no conhecimentocont<strong>em</strong>porâneo, já contava com publicações para constituição <strong>de</strong> uma teoria própria e já ocupavaum importante espaço no universo acadêmico, operando na interseção entre saberes (os novos eos constituídos). Destaca-se nesse contexto a criação e <strong>de</strong>senvolvimento do Grupo <strong>de</strong> Trabalho<strong>em</strong> Teoria Museológica para a América Latina e o Caribe – ICOFOM-LAM (1989), sendo que acolaboração dos teóricos latino-americanos foi muito importante no <strong>de</strong>senvolvimento da TeoriaMuseológica.Tendo como “tarefa estudar o museu <strong>em</strong> todas as suas relações com a Teoria do conhecimento,com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> crenças e com as diferentes estruturas e conjunturas socioculturaisno t<strong>em</strong>po e no espaço” (SCHEINER, 2005:96) a Museologia, como disciplina acadêmica,consolidava metodologia específica <strong>de</strong> trabalho, relativas à coleta, preservação, documentaçãoe comunicação do patrimônio total da humanida<strong>de</strong> e se configurava <strong>em</strong> linhas especificas<strong>de</strong> pesquisa, <strong>de</strong>senvolvidas <strong>em</strong> interfaces com outros campos do conhecimento. Po<strong>de</strong>-seapresentar as seguintes linhas <strong>de</strong> pesquisa da Museologia: <strong>Museu</strong> e real, <strong>Museu</strong> e socieda<strong>de</strong>,<strong>Museu</strong> e informação, <strong>Museu</strong> e criação, <strong>Museu</strong> e patrimônio, <strong>Museu</strong> e comunicação (Ibid.).IIISCHEINER, Teresa Cristina. Teoria da Museologia. Disciplina ministrada no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong>Museologia e Patrimônio da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Astronomia</strong> e Ciências<strong>Afins</strong> – MAST/MCT. Rio <strong>de</strong> Janeiro, março <strong>de</strong> 2012. Texto não publicado.101


No inicio do século XXI, po<strong>de</strong>-se dizer que a Museologia já po<strong>de</strong> ser percebida como o campo doconhecimento <strong>de</strong>stinado à análise e estudo do <strong>Museu</strong> e do Real <strong>em</strong> sua integralida<strong>de</strong>. Museologiae patrimônio são hoje conceitos inseparáveis, sendo o <strong>Museu</strong> um aspecto <strong>de</strong>sse binômio, umfenômeno, lugar <strong>de</strong> encontro, instância relacional (IBID, passim).Pela curta trajetória do campo da museologia, muitos termos e conceitos encontram-se <strong>em</strong> faseinicial <strong>de</strong> pesquisa e elaboração teórica. É o caso dos termos musealida<strong>de</strong> e musealização,fundamentais para a Museologia. Outros anteriores à constituição da Teoria Museológica, como<strong>Museu</strong>, também são alvo <strong>de</strong> calorosos e polêmicos <strong>de</strong>bates.2 <strong>Museu</strong>/MuseologiaAs <strong>de</strong>finições são feitas para dizer brev<strong>em</strong>ente, e nos termos mais precisos, o que uma palavrasignifica. “As palavras, l<strong>em</strong>bra Edson (2007:39) são po<strong>de</strong>rosos indicadores sociais e intelectuais”.Dessa forma, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong> conta as numerosas influências do contextopolítico, econômico, social e cultural on<strong>de</strong> foi pensada, b<strong>em</strong> como o papel da comunida<strong>de</strong> mundial<strong>de</strong> pensadores e <strong>de</strong> profissionais do campo.O <strong>Museu</strong> enquanto objeto da Museologia marcou presença na teoria da Museologia no séculoXX, sobretudo a partir da década <strong>de</strong> 1980. Criado <strong>em</strong> 1946, o ICOM apresentou <strong>em</strong> 1948 aseguinte <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu: “O termo museu inclui todas as coleções abertas ao público <strong>de</strong>objetos artísticos, técnicos, científicos, à exclusão <strong>de</strong> bibliotecas, salvo se mantidas permanentes<strong>em</strong> salas <strong>de</strong> exposição” IV .Como se po<strong>de</strong> observar, essa <strong>de</strong>finição não tinha a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver ou aconselhar aação dos museus. Ela faz uma analogia, comparando duas instituições similares e <strong>de</strong>signauma característica particular da instituição-museu naquele contexto. Novas <strong>de</strong>finições forampropostas pelo ICOM ao longo dos séculos XX e XXI, como se po<strong>de</strong> observar a seguir. Veja-sea <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> 1951.1. O termo museu <strong>de</strong>signa aqui todo estabelecimento permanente,administrado no interesse público para conservar, estudar, <strong>de</strong>senvolver por meiosdiversos e essencialmente expor para fruição do público conjunto <strong>de</strong> itens <strong>de</strong> valorcultural: coleções <strong>de</strong> objetos artísticos, históricos, científicos e técnicos, jardinsbotânicos e zoológicos, aquários.2. Serao consi<strong>de</strong>rados s<strong>em</strong>elhantes aos museus as bibliotecas públicas earquivos que mantêm permanent<strong>em</strong>ente salas <strong>de</strong> exposição (EDSON, 2007:43) V .Na 7ª Conferência Geral do ICOM <strong>em</strong> 1965, foi acrescida à <strong>de</strong>finição anterior a frase “a serviçodo hom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento (Ibid. 42).” Em 1969, a palavra museu foi re<strong>de</strong>finida <strong>em</strong> seusentido pelo ICOM. “O ICOM reconhece como museu toda instituição permanente que conservae expõe para fins <strong>de</strong> estudo, educação e fruição, as coleções <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> importância culturalou científica” (Ibid<strong>em</strong>, 43) VI .IVLe mot musée inclui toutes les collections ouvertes au public: d’objets artistiques, techniques, scientifiques, àl’exclusion <strong>de</strong>s bibliothéques, sauf si elles entretiennent en permanence <strong>de</strong>s salles d’exposition ( BAGHLI, BOYLAND,HERREMAN, apud EDSON, 2007, p. 42 Op. Cit. [Trad. nossa]).V1. Le mot musée désigne ici tout établiss<strong>em</strong>ent permanent, administré dans l’intérêt général en vue <strong>de</strong> conserver,étudier, mettre en valeur par <strong>de</strong>s moyens divers et essentiell<strong>em</strong>ent exposer pour la délectation du public un ens<strong>em</strong>bled’éléments <strong>de</strong> valeur culturelle: collections d’objets artistiques, historiques scientifiques et techniques, jardinsbotaniques et zoologiques, aquariums. 2. Seront assimilés à <strong>de</strong>s musées les bibliothèques publiques et les centresd’archives qui entretiennent en permanence <strong>de</strong>s Salles d’exposition. (Op. Cit., 2007, p. 43 [Trad. nossa]).VIL’ICOM reconnaîtra comme musée toute institution permanente qui conserve et expose à <strong>de</strong>s fins d’étu<strong>de</strong>,d’éducation et délectation, <strong>de</strong>s collections d’objets d’importance culturelle ou scientifique [Trad. nossa].102


A <strong>de</strong>finição acima, consi<strong>de</strong>rada <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ática, ex<strong>em</strong>plifica a dificulda<strong>de</strong> das palavras <strong>em</strong>comunicar o sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada instituição ou coisa, b<strong>em</strong> como a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> chegar auma <strong>de</strong>finição precisa <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, frente às as ativida<strong>de</strong>s e funções dos museus, <strong>em</strong> constant<strong>em</strong>udança (EDSON, 2007:37-48). O mo<strong>de</strong>lo clássico <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, respaldado na coleção, no prédioe no público visitante – museu tradicional, <strong>de</strong>senhado como caudatário e resultante, comumente,das <strong>de</strong>cisões tomadas pelas camadas heg<strong>em</strong>ônicas dos grupos sociais, predominante no campomuseológico por longo t<strong>em</strong>po, sofreu duras críticas no final do século e novos formatos d<strong>em</strong>useus, pautados no princípio da participação dos agentes sociais no ambiente museológico,ganharam <strong>de</strong>staque, tais como o museu <strong>de</strong> território e os museus comunitários. Nesses mo<strong>de</strong>los,a criação, a administração e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório <strong>em</strong>anam da comunida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>bora possa havera atuação <strong>de</strong> especialistas da Museologia e d<strong>em</strong>ais campos relacionados (LIMA, 2012:31-50).O momento <strong>de</strong> inovação do campo reflete o momento <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> do mundo, on<strong>de</strong> o <strong>Museu</strong>passou a representar novas possibilida<strong>de</strong>s que não apenas para representação e prestígio,mas para uso <strong>de</strong> vários segmentos sociais. A concepção <strong>de</strong> museu <strong>de</strong> território/Ecomuseu VIIapresentou-se naquele momento como um convite à inovação e aproximação do indivíduo, umavez que o museu sairia <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro dos prédios e vitrines e a história <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado lugarpassaria a ser contada e vista pelo próprio indivíduo integrante daquele espaço (SOLA, 1983).Sola (Ibid.) comenta que, para De Varine, criador do termo ecomuseu e do Ecomuseu doCreusot Montceau-les-Mines, esse novo formato <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> apresenta, por um lado, umarecusa <strong>de</strong> institucionalização; e por outro, o estímulo ao método <strong>de</strong> trabalho que valoriza aação, incentivando a pesquisa e invenção. Cada ecomuseu é [pelo menos <strong>em</strong> teoria] totalmenteinovador, é s<strong>em</strong>pre criado por circunstâncias absolutamente específicas, sendo instrumento<strong>de</strong> inovação sociocultural, corpo vivo e complexo. Para Veillard, apud Sola (Ibid<strong>em</strong>), o termoTerritório está ligado ao ecomuseu, que s<strong>em</strong>pre é <strong>de</strong>finido tendo uma abordag<strong>em</strong> multidisciplinarda relação das pessoas com o território. <strong>Museu</strong>s <strong>de</strong> Bairro têm bastante s<strong>em</strong>elhança com oex<strong>em</strong>plo acima. Hoje é consenso geral que os museus não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> existir apenas para fascinar ovisitante, mas também para servir e interessar àqueles que faz<strong>em</strong> parte do seu entorno.Até hoje várias <strong>de</strong>finições e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> coexist<strong>em</strong>, dificultando uma <strong>de</strong>finição comum.Também o <strong>Museu</strong> assumiu funções e formas diferentes, às vezes simultaneamente, às vezesseparadamente, ao longo do t<strong>em</strong>po. No entanto, algumas funções <strong>de</strong>v<strong>em</strong> respon<strong>de</strong>r s<strong>em</strong>pre à<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, conforme indica Desvallées (2007:50-57):• Preservação, exploração, i<strong>de</strong>ntificação: i<strong>de</strong>ntificar os suportes <strong>de</strong> conhecimento, tendo<strong>em</strong> vista a exploração e a compreensão do mundo;• Pesquisa, estudo e documentação: pesquisa na coleção – classificação, documentação,estudo do contexto e <strong>de</strong> seus componentes;• Preservação: preservar tendo <strong>em</strong> vista a transmissão – especificida<strong>de</strong> da instituiçãomuseal. Importa ao museu gerenciar a conservação através da realização <strong>de</strong> inventários edocumentação das coleções, <strong>de</strong> sua manutenção, assistência técnica e restauração quando fornecessário;• Comunicação – sinalização, interpretação direta por mediadores, exposição e publicação;• Educação – nas instituições museais a educação é facilitada pela proximida<strong>de</strong> com ascoleções. Além disso, os museus são os mais aptos a oferecer os conhecimentos sobre suaspróprias especialida<strong>de</strong>s: conservação preventiva, restauração e museografia;VIIO mo<strong>de</strong>lo que hoje reconhec<strong>em</strong>os como Ecomuseu já existia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XVIII; o conceito foi<strong>de</strong>senvolvido por Rivière; e o termo, criado <strong>em</strong> 1971 e atribuído a um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> experiência museológica,por Hugues <strong>de</strong> Varine.103


• Caráter não lucrativo: característica que foi introduzida na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu do ICOM<strong>em</strong> 1974 e que ainda hoje suscita <strong>de</strong>bates. Impe<strong>de</strong> que os museus se torn<strong>em</strong> lugares <strong>de</strong> lazercom fins comerciais.A proposta <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> serviu para abrir os <strong>de</strong>bates <strong>em</strong> Calgary, durante arealização do encontro anual do ICOFOM, <strong>em</strong> 2005 - e conduziu a elaboração da Declaração <strong>de</strong>Calgary (Ibid.), na qual se po<strong>de</strong> perceber uma ampliação do conceito <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>:1. O museu é uma instituição que contribui para explorar e compreen<strong>de</strong>r omundo para estudo, preservação, difusão e transmissão <strong>de</strong> patrimônio materiale imaterial da humanida<strong>de</strong>.2. Um museu <strong>de</strong>ve ser permanent<strong>em</strong>ente acessível ao interesse públicoadministrado <strong>de</strong> acordo com seus interesses e possivelmente com a suaparticipação. Suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser s<strong>em</strong> fins lucrativos e os bens patrimoniasque conserva <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser inalienáveis.3. Um museu po<strong>de</strong> assumir também a forma <strong>de</strong> local <strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> test<strong>em</strong>unhosnaturais e culturais. O seu campo <strong>de</strong> aplicação po<strong>de</strong> se limitar a <strong>de</strong>terminadoterritório, como são os museus locais e os ecomuseus, cujas coleções não pod<strong>em</strong>ser agrupadas <strong>em</strong> um local centralizado. As coleções pod<strong>em</strong> também assumira forma <strong>de</strong> substituos tangíveis ou imagens digitais. Eles são, <strong>em</strong> seguida, oscentros <strong>de</strong> ciência ou os chamados museus virtuais (DESVALLÉES, 2007:57 -58 [tradução nossa]) VIII .No complexo panorama do mundo cont<strong>em</strong>porâneo, <strong>de</strong> proliferação e ressignificação dosmuseus, o conceito <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> passou pelo que Chagas (2005) <strong>de</strong>nomina “cirurgia conceitual”,<strong>de</strong>finições amplas on<strong>de</strong> cabe tudo. A <strong>de</strong>finição do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s - ICOM,aprovada pela 20ª Ass<strong>em</strong>bléia Geral <strong>em</strong> Barcelona, Espanha, <strong>em</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, esten<strong>de</strong>uo conceito <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, articulando-o ao conceito <strong>de</strong> patrimônio.A cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> trouxe a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pluralização do patrimônio, on<strong>de</strong> este apresenta váriasfaces, cada uma <strong>de</strong>las correspon<strong>de</strong>ndo a um olhar, a um modo diferente <strong>de</strong> apropriação. Dentro<strong>de</strong>sta perspectiva, pod<strong>em</strong> coexistir diferentes mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>: a) os museus tradicionaisexistentes, baseados na apropriação e manutenção <strong>de</strong> referências existentes; b) as comunida<strong>de</strong>smusealizadas, on<strong>de</strong> o patrimônio é operado como um valor-refúgio, por meio do qual certosgrupos sociais reportam ao passado para reforçar a ancorag<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntitária; c) o olhar cibernético,on<strong>de</strong> o campo patrimonial se adapta às novas tecnologias midiáticas (SCHEINER, 2007:39).Para Scheiner (1999, apud Scheiner, 2012:18), o <strong>Museu</strong> hoje é percebido como um (...)fenômeno, i<strong>de</strong>ntificável por meio <strong>de</strong> uma relação muito especial entre ohumano, o espaço, o t<strong>em</strong>po e a m<strong>em</strong>ória, relação esta a que <strong>de</strong>nominar<strong>em</strong>os‘musealida<strong>de</strong>’. A musealida<strong>de</strong> é um valor atribuído a certas ‘dobras’ do Real,a partir da percepção dos diferentes grupos humanos sobre a relação queestabelec<strong>em</strong> com o espaço, o t<strong>em</strong>po e a m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong> sintonia com os sist<strong>em</strong>as<strong>de</strong> pensamento e os valores <strong>de</strong> suas próprias culturas. E, portanto, a percepção(e o conceito) <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá mudar, no t<strong>em</strong>po e no espaço, <strong>de</strong> acordocom os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pensamento das diferentes socieda<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> seu processoevolutivo. Assim, o que cada socieda<strong>de</strong> percebe e <strong>de</strong>fine como ‘<strong>Museu</strong>’ po<strong>de</strong>rátambém mudar, no t<strong>em</strong>po e no espaço.VIII1. Le musée est une institution qui contribue à explorer et à comprendre le mon<strong>de</strong> par l’étu<strong>de</strong>, la préservation,la diffusion et la transmission du patrimoine matériel et immatériel <strong>de</strong> l’humanité. 2. Um musée doit être permanent,accessible au public, gère dans Le Seul intérêt <strong>de</strong> ce <strong>de</strong>rnier et avec éventuell<strong>em</strong>ent sa participation. Ses activitésdoivent être sans but lucratif et lês biens patrimoniaux qu’Il conserve doivent être inaliénables. 3. Um musée peutprendre la forme aussi bien <strong>de</strong> sites que <strong>de</strong> collections <strong>de</strong> témoins naturels ou culturels. Son champ d’application peutse limiter à un territoire détermine, comme Le font les musées locaux et les écomusées, dont les collections peuventne pas être regroupées en un lieu centralisé. Les collections peuvent aussi prendre la forme <strong>de</strong> substituts tangiblesou bien d’images numériques. Elles constituent alors <strong>de</strong>s centres <strong>de</strong> science ou ce qu’on appelle <strong>de</strong>s musées virtuels.104


Para Sansoni (2007), chegar a um acordo sobre uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> é uma tarefa difícile propõe algumas consi<strong>de</strong>rações para o <strong>de</strong>svelamento do fenômeno <strong>Museu</strong>. O <strong>Museu</strong> comofato surgiu e se <strong>de</strong>senvolveu <strong>de</strong> uma prática para, <strong>em</strong> seguida, <strong>de</strong>senvolver a teoria. Por outrolado, a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> características atuais do <strong>Museu</strong> o transformamnuma instituição extr<strong>em</strong>amente ampla e flexível, gerando dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consenso sobre a suaessência. Ao que parece, a evolução histórica é a chave para análise do <strong>de</strong>senvolvimento do<strong>Museu</strong>. Também é preciso reportar a outras instituições, b<strong>em</strong> como aos processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>e aos conceitos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r, m<strong>em</strong>ória, esquecimento, políticos, econômicos, entreoutros (SANSONI, 2007).Nesse universo complexo dos museus – tradicional, <strong>de</strong> território, comunitário, virtual/digital -ainda cab<strong>em</strong> muitos outros mo<strong>de</strong>los, como o <strong>Museu</strong> Interior (SCHEINER, 1997, apud Scheiner,2012), cuja base conceitual é a <strong>em</strong>oção; ou o <strong>Museu</strong> Global, cuja base conceitual é a biosfera.“A base conceitual do museu é a espontaneida<strong>de</strong>: s<strong>em</strong> criação, não há museu” (Ibid.).3 Musealida<strong>de</strong>/MuseologiaO termo musealida<strong>de</strong> surgiu nos anos 1970 – 1980, atribuído por Stránský para <strong>de</strong>signar o valorespecífico do objeto, sua qualida<strong>de</strong> a partir do momento <strong>em</strong> que se transforma <strong>em</strong> museália,ou seja, <strong>em</strong> que é extraído <strong>de</strong> seu contexto <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> para se transformar <strong>em</strong> objeto <strong>de</strong> museu.Stránský ressaltava o “valor documental do objeto ou o objeto percebido como documento,já que representativo <strong>de</strong> certos valores sociais (CERAVOLO, 2004:254)” . Para Stránský, aMuseologia é a ciência que estuda a relação específica entre o hom<strong>em</strong> e o real, tendo comoobjeto <strong>de</strong> estudo a musealida<strong>de</strong> (SCHEINER, 2012).Até meados dos anos 1990, Maroevic, Stránský e Benes abordam a questão tanto do patrimôniocomo a do museu pela ótica do objeto, ou seja, do material, on<strong>de</strong> o objeto é o <strong>de</strong>tentor e o<strong>em</strong>issor da informação museológica como se po<strong>de</strong> verificar a seguir. “Musealida<strong>de</strong> é o valor nãomaterial ou o significado <strong>de</strong> um objeto que nos dá o motivo <strong>de</strong> sua musealização” (MAROEVIC,1993:96-97).Nesse momento <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> patrimônio cultural e museu converg<strong>em</strong> para o mesmoponto, no qual o museu é um dos muitos possíveis aspectos do patrimônio e vice-versa, oconceito musealida<strong>de</strong>, entendido como o processo que permite os objetos viver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umcontexto museológico, não abrange apenas os objetos <strong>de</strong> museu, esten<strong>de</strong>ndo-se também àmaior parte das qualida<strong>de</strong>s não materiais do objeto ou dos conjuntos <strong>de</strong> patrimônio cultural(Ibid.:115).Po<strong>de</strong>-se verificar a incorporação por Maroevic <strong>em</strong> uma nova conceituação pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois.A musealida<strong>de</strong> representa a proprieda<strong>de</strong> que t<strong>em</strong> um objeto material <strong>de</strong>documentar uma realida<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> outra realida<strong>de</strong>: no presente, é documentodo passado, no museu é documento do mundo real, no interior <strong>de</strong> um espaçoé documento <strong>de</strong> outras relações espaciais. A musealida<strong>de</strong> é assim, o valorimaterial ou a significação do objeto, que nos oferece a causa ou razão <strong>de</strong> suamusealização (Ibid.:111).105


Desvallées e Gregorovă concordam com Stránský e apontam a musealida<strong>de</strong> como objeto <strong>de</strong>estudo da Museologia. Essa concepção <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> é compartilhada e expandida porScheiner (2012:18):A musealida<strong>de</strong> é um valor atribuído a certas ‘dobras’ do Real, a partir da percepçãodos diferentes grupos humanos sobre a relação que estabelec<strong>em</strong> com o espaço,o t<strong>em</strong>po e a m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong> sintonia com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pensamento e os valores<strong>de</strong> suas próprias culturas.Benes (1981:11) também discutiu a musealida<strong>de</strong> como objeto da Museologia. Para ele, oscinco possíveis objetos – o museu; o objeto <strong>de</strong> museu; a musealida<strong>de</strong>; a disciplina particular queutiliza certos objetos enquanto fontes primárias do conhecimento científico e que t<strong>em</strong> seu lugarno museu; a relação específica hom<strong>em</strong>-realida<strong>de</strong> - não pod<strong>em</strong> ser sujeito <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>sespecializadas através do qual o sist<strong>em</strong>a <strong>Museu</strong> realiza sua missão social. A musealida<strong>de</strong>, vistapor ele como uma característica que <strong>de</strong>fine o caminho para o trabalho no sist<strong>em</strong>a <strong>Museu</strong>, nãopo<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> museu, pois é apenas um critério para distinguir a coleção <strong>de</strong> documentos<strong>de</strong> outros objetos criados pelo hom<strong>em</strong> ou naturais, que não têm o valor documental necessárioe, portanto, não pod<strong>em</strong> ser incorporados às coleções. A estas cinco possibilida<strong>de</strong>s, acrescentoua sua visão do objeto museológico. Para ele, o conjunto das ativida<strong>de</strong>s especializadas para asquais o sist<strong>em</strong>a museal realiza sua missão social é o objeto da Museologia.Outro ponto <strong>de</strong> secção <strong>de</strong>u-se com Maroevic. Para esse teórico, a Museologia lidaria com ainformação estocada <strong>de</strong>ntro da estrutura material [da] museália, e não com o objeto <strong>em</strong> si. Talconcepção implica concomitant<strong>em</strong>ente na saída da Museologia do objeto para o fenômeno, oque <strong>de</strong>u a enten<strong>de</strong>r uma relação mais ampla, sustentada pela noção <strong>de</strong> patrimônio. Segundovan Mensch (apud Cerávolo, 2004:254), o “<strong>de</strong>slocamento se faz do ‘objeto’ para o ‘valor’ e <strong>de</strong>‘objeto <strong>de</strong> museu’ para ‘patrimônio’” .Para Maroevic (1997, trad. Scheiner, 2006), a <strong>de</strong>scoberta e a outorga da musealida<strong>de</strong> aosobjetos, aos edifícios ou conjuntos preservados in situ é dada pelo hom<strong>em</strong> (curador, colecionista,pesquisador ou amador).A partir disto, o objeto <strong>de</strong> museu (musealia) é uma ‘soma <strong>de</strong> significados’ e aMuseologia t<strong>em</strong> a ver com a pesquisa, o <strong>de</strong>scobrimento e a leitura da musealida<strong>de</strong>(ou significação) escondida <strong>em</strong>, ou <strong>em</strong> conexão com os objetos.O conceito <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> apresenta dois tipos essenciais <strong>de</strong> informação: a científica (seletiva)que po<strong>de</strong> ser lida <strong>de</strong> forma precisa e imediata, a partir da mesma estrutura do objeto; e a cultural(estrutural), variável, que aparece e <strong>de</strong>saparece, <strong>de</strong> acordo com o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores ao qualestá vinculada. O sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> associações entre um contexto dado (físico e da socieda<strong>de</strong>), quefrequent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>termina o grau <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> das conotações e associações, é, com efeito, abase do que é chamado <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória e frequent<strong>em</strong>ente cria um sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação como patrimônio (Ibid.).Quanto à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, é parte da Musealida<strong>de</strong>. Para tratar <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong>, é necessário <strong>de</strong>finiri<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e Museologia, pois são conceitos relacionados. Museologia é uma disciplina científicaque estuda a Musealida<strong>de</strong> por meio da “musealia” (objetos <strong>de</strong> museu) (Ibid<strong>em</strong>). A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>resulta <strong>de</strong> três categorias básicas <strong>de</strong> interação: t<strong>em</strong>po, espaço e socieda<strong>de</strong>, categorias estas que<strong>de</strong>veriam ser incluídas na Teoria Museológica, entre os critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da musealida<strong>de</strong>. Taiscritérios são <strong>de</strong>cisivos para a i<strong>de</strong>ntificação da qualida<strong>de</strong> ‘museal’ <strong>de</strong> certo objeto, das característicasque expressam as mais amplas e mais aceitáveis formas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (MAROEVIC, 1986).106


A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é, no entanto, um conceito que neste particular caso indica aconformida<strong>de</strong> absoluta entre o material e o espiritual <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminadarealida<strong>de</strong> <strong>em</strong> vários níveis sociais, com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a dimensão espiritual<strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>stes níveis, por meio dos componentes materiais dos objetos.Assim, o nível social torna-se <strong>de</strong>cisivo para o alcance <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com todasas interações das três categorias básicas (conjuntos <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos) t<strong>em</strong>po,espaço e socieda<strong>de</strong> (Ibid., 183).Os museus pod<strong>em</strong> expressar mais eficient<strong>em</strong>ente ou confirmar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, natural,nacional ou qualquer outra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida e <strong>de</strong>limitada por um adjetivo <strong>de</strong>scritivo atravésdo conteúdo <strong>de</strong> musealia, isto é, a sua musealida<strong>de</strong>. No entanto, n<strong>em</strong> todos os objetos <strong>em</strong>seu ambiente real têm as características que os qualificam para se tornar musealia (<strong>em</strong> outraspalavras, não possu<strong>em</strong> suficiente musealida<strong>de</strong>), assim como também não herdam todos osel<strong>em</strong>entos museais suficientes para mostrar indicadores claros <strong>de</strong> algumas formas-padrão <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A teoria museológica inclui entre os critérios <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> as características queexpressam as mais amplas e aceitáveis formas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (MAROEVIC, 1986, Op. Cit.).Ao final dos anos 1980, a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ganhava força na Museologia. Numerosos ecalorosos <strong>de</strong>bates ocorreram <strong>em</strong> relaçao ao t<strong>em</strong>a.Para Maroevic (1997:115), a musealida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> importante papel na preservação da m<strong>em</strong>ória. Noentanto, a equação entre significação e m<strong>em</strong>ória varia conforme as mudanças do meio sociale ao critério da forma sob a qual a socieda<strong>de</strong> valoriza o patrimônio cultural tangível, ou seja,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos caminhos percorridos pelo objeto. Há variadas integrida<strong>de</strong>s do patrimônio culturaltangível e um vínculo entre estas, a musealida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>fine sua significação, b<strong>em</strong> como entre ocontexto museológico e a m<strong>em</strong>ória que une passado e presente e cria círculos <strong>de</strong> distintos tipos<strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória coletiva.A percepção e o conceito <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> estão <strong>em</strong> processo, fazendo caminho ao andar. “E,portanto, a percepção (e o conceito) <strong>de</strong> musealida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá mudar, no t<strong>em</strong>po e no espaço, <strong>de</strong>acordo com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pensamento das diferentes socieda<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> seu processo evolutivo”(SCHEINER, 2012:18).4 Musealização/MuseologiaMusealização, um conceito relativamente recente, é um dos conceitos fundamentais para aMuseologia. De acordo com Cury (1999), é um termo com vários sentidos que se relacionamentre si e <strong>de</strong> amplo uso na produção escrita internacional e nacional.Segundo o censo comum, a musealização <strong>de</strong>signa <strong>de</strong> maneira geral a transformação <strong>de</strong> umlugar vivente <strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> museu ou centro <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s humanas ou sítio natural.Essa i<strong>de</strong>ia associa-se ao princípio da preservação <strong>de</strong> um objeto ou espaço, s<strong>em</strong> abordar todo oprocesso museal e seria mais b<strong>em</strong> <strong>de</strong>scrito pelo termo patrimonialização (DESVALLÉS, 2007).O termo musealização é entendido por seleção (<strong>de</strong> objetos), por valorização <strong>de</strong>sses objetos.“Esta valorização po<strong>de</strong>rá ocorrer com a transferência do objeto <strong>de</strong> seu contexto para o contextodos museus ou, ainda, a sua valorização “in situ”, como ocorre nos ecomuseus” (CURY, 1999:52).107


De acordo com Cury (2005:26),enten<strong>de</strong>-se o processo <strong>de</strong> musealização como uma série <strong>de</strong> ações sobre osobjetos, quais sejam: aquisição, pesquisa, conservação, documentação ecomunicação. O processo inicia-se ao selecionar um objeto <strong>de</strong> seu contexto ecompleta-se ao apresentá-lo publicamente por meio <strong>de</strong> exposições, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>seducativas e <strong>de</strong> outras formas. Compreen<strong>de</strong>, ainda, as ativida<strong>de</strong>s administrativascomo pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong>sse processo.A musealização começa quando os objetos e coisas (fragmentos do real) são separados do seucontexto original para representar uma dada realida<strong>de</strong>. No entanto, esse processo é complexoe passa, por várias etapas.Primeiro, quando são selecionados para integrar<strong>em</strong> uma coleção e/ou acervo(ou a preocupação com a seleção). Aqui, musealizar significa a ação consciente<strong>de</strong> preservação. O segundo é a inserção <strong>de</strong> um objeto <strong>em</strong> um contextomuseológico. Musealizar consiste <strong>em</strong> um processo que parte da aquisição echega à comunicação. O terceiro é a seleção <strong>de</strong> objetos para compor<strong>em</strong> umaexposição. Então, musealizar é dar forma a um conceito através <strong>de</strong> objetos.O quarto momento constitui-se no processo <strong>de</strong> comunicação museal. Ness<strong>em</strong>omento, musealizar é <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um processo <strong>de</strong> comunicação que iniciana concepção da exposição, montag<strong>em</strong>, abertura para o público e avaliação.Genericamente falando, o uso mais comum do termo musealização correspon<strong>de</strong>ao processo <strong>de</strong> aquisição, estudo, documentação e comunicação do patrimôniocultural (CURY, 1999:48).Assumindo um novo papel, esses objetos e coisas transformam-se <strong>em</strong> objetos <strong>de</strong> museu,<strong>de</strong>nominados <strong>em</strong> 1970 por Stránský <strong>de</strong> museália.O processo <strong>de</strong> musealização está intimamente ligado à musealia, pois como processo científicoabrange todas as ativida<strong>de</strong>s do museu ou, “<strong>de</strong> outro ponto <strong>de</strong> vista, as ativida<strong>de</strong>s relacionadas àseleção entesouramento, e apresentação do que se tornou musealia” (DESVALLÉS, MAIRESSE,2010:51). O trabalho <strong>de</strong> musealização é produto da musealida<strong>de</strong>, apresentando-se como asubstituição complexa <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> na qual os objetos são selecionados (Ibid.).A musealização, então, é a seleção efetivada pelo “olhar museológico” sobre as coisas materiais,capaz <strong>de</strong> perceber o valor dos objetos ao selecioná-los e ao preservá-los. “Musealização é oprocesso que permite aos objetos viver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto museológico” (Ibid., 2006:111).No Brasil, Russio (1981:58-59) também discutiu o conceito <strong>de</strong> musealização. Para a autora, amusealização <strong>de</strong> objetos tinha valor probatório, <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> dos documentos <strong>em</strong> relação aohom<strong>em</strong> e a natureza. A musealização podia ocorrer com a r<strong>em</strong>oção do objeto <strong>de</strong> seu contexto(museu tradicional) ou realçando „In situ“ ou <strong>em</strong> seu eco-contexto e dinâmica eco-(<strong>Museu</strong>m).A musealização não faz a comunicação museológica enfatizando <strong>de</strong>terminados objetos, pelocontrário repousa sobre a pesquisa prévia, a seleção dos objetos <strong>em</strong> si, na documentação, gestão,administração, conservação e eventualmente no restauro. A musealização <strong>de</strong>ssa forma, se referea ações muito diferentes que <strong>de</strong>pend<strong>em</strong> <strong>de</strong> muitos diferentes campos científicos.108


Russio (1980) <strong>de</strong>fine a musealização como um processo que integra preservação e comunicação,uma vez que estes estão ligados ao ato <strong>de</strong> ensinar algo através da potencialida<strong>de</strong> do objetomuseológico a alguém, <strong>de</strong>vido ao caráter <strong>de</strong> test<strong>em</strong>unho que o objeto adquire ao ser preservado:“preservar para ensinar, preservar para comunicar” (CURY, 2005:25). Bruno (apud Cury,2005:25) recomenda a revisão dos termos museal e museológico antes da utilização do termomusealização, uma vez que museal é fato (relação entre o hom<strong>em</strong> e o objeto <strong>em</strong> um cenário)e museológico é o fenômeno (<strong>Museu</strong>):“O processo <strong>de</strong> musealização é quando este atinge asocieda<strong>de</strong> e há reciprocida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação às ações museológicas”.Nesse sentido, <strong>de</strong> acordo com as autoras brasileiras, musealização está ligada às questõestécnicas da Museologia e dos <strong>Museu</strong>s através <strong>de</strong> ações essenciais para preservação,investigação e comunicação, sendo estes os três principais eixos estruturantes das funções epr<strong>em</strong>issas das instituições museológicas.Como musealida<strong>de</strong> e outros termos, musealização é um conceito <strong>em</strong> construção, sujeito aincorporação dos paradigmas <strong>em</strong>ergentes.5 Consi<strong>de</strong>rações FinaisO campo do conhecimento Museologia, hoje <strong>de</strong>stinado à análise e estudo do <strong>Museu</strong> e doreal <strong>em</strong> sua integralida<strong>de</strong>, praticamente se constituiu a partir dos anos 1980, incorporando osparadigmas <strong>em</strong>ergentes nesse período. Os anos 1970 – 1980 foram atravessados nos quatrocantos do mundo pelas discussões sobre a t<strong>em</strong>ática da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governos, entida<strong>de</strong>se instituições encarregadas <strong>de</strong> promover o <strong>de</strong>senvolvimento humano, <strong>em</strong> todas as dimensõesda sua relação com o real. Ainda que não tenha conseguido alterar significativamente as práticas<strong>de</strong> muitas instituições e governos, nenhuma instituição conseguiu ficar fora <strong>de</strong> tal discussão.Nesse cenário, os espaços <strong>de</strong> educação, na qual se inclu<strong>em</strong> os museus, foram bastanteatingidos. A incorporação dos paradigmas <strong>em</strong>ergentes <strong>de</strong> tais discussões originou novos termose conceitos na Museologia, b<strong>em</strong> como o alargamento dos já existentes. A criação, por Stránský,<strong>de</strong> conceitos como musealia, musealida<strong>de</strong> e musealização, discutidos e ampliados por outrosteóricos, como Maroevic, contribuiu sobr<strong>em</strong>aneira para o alargamento do conceito <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> econsequent<strong>em</strong>ente da teoria museológica.A Museologia, como teoria s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> movimento, chega ao século XXI como um campodisciplinar ainda <strong>em</strong> construção, sustentada pelas noções <strong>de</strong> fenômeno e patrimônio, on<strong>de</strong>teoricamente tudo cabe. Conforme abordado por Stránský nos anos 1980, a Edição <strong>de</strong> umTratado <strong>de</strong> Museologia abrangia o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> conhecimentos sobre a Museologia como umamplo esforço profissional, <strong>de</strong>senvolvido <strong>em</strong> total harmonia com a metodologia do campocientífico. L<strong>em</strong>brando que Teoria Museológica e Museologia são diferentes <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, Stránkýapontou naquele momento a importância da linguag<strong>em</strong> para a Teoria Museológica, <strong>de</strong>stacandoa relação entre os termos e a realida<strong>de</strong>. A Museologia, como fenômeno <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<strong>de</strong>verá <strong>de</strong>bruçar-se então sobre o que foi, o que é, e o que será?109


ReferênciasBENES, Josef. Contribuition à l`éclairciss<strong>em</strong>ent du concept <strong>de</strong> muséologie. Museological Working Papers [do]ICOFOM. Estocolmo: ICOFOM, n. 2, p. 11, 1981._________. Untitled. Sans Titre. In: [ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL COMMITTEE FORMUSEOLOGY / ICOFOM, 8]; October 1986, Buenos Aires [Argentine]. Symposium Museology and I<strong>de</strong>ntity. Basicpapers. Stockholm: International Committee for Museology / ICOFOM; <strong>Museu</strong>m of National Antiquities, Stockholm,Swe<strong>de</strong>n. (ICOFOM STUDY SERIES – ISS 10). 1986.CERÁVOLO. Maria Suely Moraes. Delineamentos para uma teoria da Museologia. Anais do <strong>Museu</strong> Paulista. SãoPaulo. N. Sér. V. 12. P. 237 – 268. Jan/Dez. 2004CHAGAS, Mário. <strong>Museu</strong>s: Antropofagia da m<strong>em</strong>ória e do patrimônio. In Revista do Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional <strong>Museu</strong>s: antropofagia da m<strong>em</strong>ória e do patrimônio. Org. CHAGAS, Mario. nº 31 Brasilia: MinC/IPHAN, 2005CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Disponível <strong>em</strong> http://www.icom.org.br/ Acesso <strong>em</strong> 16/09/2011CURY, Marília Xavier. <strong>Museu</strong>, filho <strong>de</strong> Orfeu, e musealização. ICOFOM LAM 99 VIII Encontro Regional Museologia,Filosofia e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> na América Latina e no Caribe. Coro, Venezuela, 1999_________. Exposição – concepção, montag<strong>em</strong> e avaliação. São Paulo: Annablume, 2005DELOCHE, Bernard. Méfions-nous <strong>de</strong>s débats abstraits! In: [ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONALCOMMITTEE FOR MUSEOLOGY / ICOFOM, 9]; October 1986, Buenos Aires [Argentine]. Symposium Museology andI<strong>de</strong>ntity - Colloque La Museologie et L’I<strong>de</strong>ntite. Comments and views – Commentaires et poits <strong>de</strong> vue. Coord. VinošSofka. Stockholm: International Committee for Museology / ICOFOM; <strong>Museu</strong>m of National Antiquities, Stockholm,Swe<strong>de</strong>n. (ICOFOM STUDY SERIES – ISS 11). 1986.DESVALLÉES, André. A propôs <strong>de</strong> la définition du musée. In MAIRESSE, François; DESVALLÉS, André. (Dir.) Versune redéfinition du musée? Avant-propos <strong>de</strong> Michel Van Praët. Paris : l’Harmattan, 2007.DESVALLÉS, André, MAIRESSE, François (Ed.). Conceptos claves <strong>de</strong> museologia. Paris: Armand Colin, 2010.Traducido <strong>de</strong> la versión francesa por Armida CórdobaEDSON, Gary. Définir Le musée. In MAIRESSE, François; DESVALLÉS, André. (Dir.) Vers une redéfinition du musée?Avant-propos <strong>de</strong> Michel Van Praët. Paris: l’Harmattan, 2007.LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-<strong>Museu</strong> e Patrimônio, Patrimonialização e Musealização: ambiência <strong>de</strong>comunhão Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 7, n. 1, p. 31-50, jan.-abr. 2012MAROEVIC, Ivo. I<strong>de</strong>ntity as a constituent part of Museality. In: [ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONALCOMMITTEE FOR MUSEOLOGY / ICOFOM, 8]; October 1986, Buenos Aires [Argentine]. Symposium Museology andI<strong>de</strong>ntity. Basic papers. Stockholm: International Committee for Museology / ICOFOM; <strong>Museu</strong>m of National Antiquities,Stockholm, Swe<strong>de</strong>n. (ICOFOM STUDY SERIES – ISS 10). 1986.RUSSIO Camargo Guarnieri, Waldisa. L’interdisciplinarité en Muséologie. MuWop/DoTraM, Estocolmo: ICOM, n. 2,p. 58-59, 1981._________. O papel da musealida<strong>de</strong> na preservação da m<strong>em</strong>ória. Texto apresentado no Congresso Anual do ICOFOM– Museologia e M<strong>em</strong>ória. Paris, 1997)Trad. Tereza Scheiner . Profa. Tereza Scheiner – Disciplina Museologia 01 –2006/1115SANSONI, Andrés. Considérations pour une du phénomène musée In MAIRESSE, François;DESVALLÉS, André. (Dir.) Vers une redéfinition du musée? Avant-propos <strong>de</strong> Michel Van Praët. Paris: l’Harmattan,2007.SCHEINER, Teresa Cristina. Políticas e diretrizes da Museologia e do patrimônio na atualida<strong>de</strong>. In BITTENCOURT,José Neves. GRANATO, Marcus. BENCHETRIT. <strong>Museu</strong>s, Ciência e Tecnologia. Livro do S<strong>em</strong>inário Internacional. Rio<strong>de</strong> Janeiro: <strong>Museu</strong> Histórico Nacional, 2007_________. Repensando o <strong>Museu</strong> Integral: do conceito às práticas Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum.,Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan.-abr. 2012110


_________. Teoria da Museologia. Disciplina ministrada no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônioda Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Astronomia</strong> e Ciências <strong>Afins</strong> – MAST/MCT. Rio <strong>de</strong>Janeiro, março <strong>de</strong> 2012. Texto não publicado.ŠOLA, Tomislav. [untitled]. In: [ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL COMMITTEE FOR MUSEOLOGY/ICOFOM, 5]; July/juillet 1983, London [UK]. Joint Colloquium Methodology of Museology and professional training -Méthodologie <strong>de</strong> la Muséologie et la formation professionelle. Symposium <strong>Museu</strong>m, Territory, Society: new ten<strong>de</strong>ncies/new practices - Musée, Territoire, Société: nouvelles tendances/nouvelles pratiques. Coord. Vinoš Sofka. Stockholm:ICOM, International Committee for the Training of Personnel/ICTOP and International Committee for Museology/ICOFOM; <strong>Museu</strong>m of National Antiquities, Stockholm, Swe<strong>de</strong>n. (ICOFOM STUDY SERIES – ISS 4). 1983STRÁNSKÝ, Zbynek Z. Methology of Museology and the training of personnel. In: Annual conference of the internationalCommittee for Museology/ICOFOM, 5 Brno – Czechoslovakia July/juillet 1983111


Patrimônio como valor, entre ressonância e a<strong>de</strong>rênciaLuiz C. Borges e Marcio D’Olne CamposRESUMOComo ponto <strong>de</strong> partida, assumimos que o termo/conceito patrimônio é polissêmico. Seu campos<strong>em</strong>ântico e uso enunciativo contêm el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> significação que inclu<strong>em</strong> referências ao direitoromano – quando se aplicava aos bens familiares passíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> transmitidos ou herdados–; conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e políticas acerca da preservação <strong>de</strong> bens culturais tangíveis; e, finalmente,passando por <strong>de</strong>slocamentos tanto conceituais quanto discursivos, concerne não apenas aos bens,como também aos valores <strong>de</strong> que tais bens encontram-se investidos, com isso abrangendo o que,sinteticamente, po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória social (saberes, fazeres, rituais, organização socialetc.). Assim sendo, falar <strong>em</strong> patrimônio significa simultaneamente referir-se ao processo e a seuresultado. Este trabalho se propõe a, partindo da noção <strong>de</strong> patrimônio como valor, avançar a hipótese<strong>de</strong> que o patrimônio po<strong>de</strong> apresentar-se <strong>de</strong> modo constitutivo, ou inerente à instituição da m<strong>em</strong>ória eda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> maneira mostrada, aquela que comumente se oferece anós, na forma <strong>de</strong> objetos e/ou traços culturais. Deve ficar claro que ambas as formas <strong>de</strong> patrimônioestão sujeitas à avaliação social, na qual atuam, na perspectiva teórica aqui adotada, dois eixos<strong>de</strong>finidores: <strong>de</strong> um lado, a ressonância (referente a afeitos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória entre um b<strong>em</strong> cultural e umsujeito ou um grupo) e, <strong>de</strong> outro, a a<strong>de</strong>rência (relativa ao grau maior ou menor <strong>de</strong> relevância para umsujeito pertencente ao contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado b<strong>em</strong>). Como ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong>ssa propostamatricial, utilizar<strong>em</strong>os o filme “A festa <strong>de</strong> Babete”, a fim <strong>de</strong> verificar, no caso <strong>de</strong>sse filme, como s<strong>em</strong>ostra tanto a relação patrimônio-valor, quanto a relação ressonância-a<strong>de</strong>rência.Palavras-chave: Cultura, Musealização, Patrimônio, Ord<strong>em</strong> simbólica, ValorABSTRACTHeritage as value, between ressonance and adherenceAs a starting point, we take as granted that the term/concept heritage is polys<strong>em</strong>ic. Its s<strong>em</strong>antic fieldand enunciatory usage contain signifying el<strong>em</strong>ents that inclu<strong>de</strong> references to Roman law – when itwas applied to goods that should be inherited or transmitted into the family -; to a set of i<strong>de</strong>as andpolicies towards the preservation of tangible cultural goods; and, finally, after some conceptual anddiscursive displac<strong>em</strong>ent, not only to goods, but also to values those goods are invested of, in a waythat it <strong>em</strong>braces what can, in short, be called social m<strong>em</strong>ory (lore, how-to-do, rituals, social organizationetc.). Therefore, heritage means simultaneously the process and also its outcome. The purpose of thispaper is, based on the assumption that heritage means value, to advance the hypothesis that heritag<strong>em</strong>ay appear as a constitutive el<strong>em</strong>ent both of m<strong>em</strong>ory and social i<strong>de</strong>ntity, and in a displayed manner,that which is usually presented to us as objects or cultural features. It should be clear that both forms ofheritage <strong>de</strong>pend on social evaluation, in which play a role, in the theoretical perspective here adopted,two <strong>de</strong>fining axis: on one hand, resonance (referring to m<strong>em</strong>ory effects between a cultural good and anindividual or a group of individuals) and, on the other, adherence (relative to greater or minor relevancefor an individual who belongs to the same context of any cultural object). As an example of application ofthat matrixial proposition, we will comment the film “Babete’s feast”, in or<strong>de</strong>r to verify, in the case of thisfilm, how the relation heritage-value as well as the relation resonance-adherence appear.Keywords: Culture, Heritage, Musealization, Symbolic or<strong>de</strong>r, Value112


RESUMENComo punto <strong>de</strong> partida, tomamos por supuesto que el término/concepto patrimonio espolisémico. Su campo s<strong>em</strong>ántico y su uso enunciativo contienen el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> significaciónque incluyen referencias al <strong>de</strong>recho romano – cuando se aplicaba a los bienes que podrían serheredados o transmitidos en la familia -; conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>as y políticas sobre la preservación <strong>de</strong>los bienes culturales tangibles; y, finalmente, pasando por <strong>de</strong>splazamientos tanto conceptualescomo discursivos, se refiere no solamente a los bienes, sino también a los valores atribuidosa dichos bienes, <strong>de</strong> manera que con eso abarca lo que pue<strong>de</strong>, en <strong>de</strong>finitiva, ser llamado d<strong>em</strong><strong>em</strong>oria social (saberes, maneras <strong>de</strong> hacer, rituales, organización social, etc.). Por lo tanto,hablar <strong>de</strong> patrimonio significa al mismo ti<strong>em</strong>po referirse al proceso y al resultado. Este trabajose propone a, partiendo <strong>de</strong> la noción <strong>de</strong> patrimonio como valor, a<strong>de</strong>lantar la hipótesis <strong>de</strong> que elpatrimonio pue<strong>de</strong> presentarse <strong>de</strong> modo constitutivo, o inherente a la institución <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oriae <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> cualquier sociedad, y <strong>de</strong> manera mostrada, o sea, aquella que en generalse presenta a nosotros en la forma <strong>de</strong> objetos o rasgos culturales. Debe quedar claro queambas las formas <strong>de</strong> patrimonio son sujetas a evaluación social, en la cual son actuantes en laperspectiva teórica adoptada aquí, dos ejes <strong>de</strong>finidores: por un lado, la resonancia (refiriéndosea los efectos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>oria entre un bien cultural y un individuo o un grupo <strong>de</strong> individuos) y, porotra, la adherencia (en relación con el mayor o menor grado <strong>de</strong> relevancia para un individuoque pertenece al contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado bien cultural). Como ej<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> aplicación <strong>de</strong> esapropuesta matricial será utilizada la película “La Fiesta <strong>de</strong> Babette”, con el fin <strong>de</strong> verificar, en elcaso <strong>de</strong> esa película, como se presenta tanto la relación patrimonio-valor, así como la relaciónresonancia-adherencia.Palabras clave: Cultura, Musealización, Património, Or<strong>de</strong>n simbólico, Valor1. IntroduçãoPropomo-nos a tecer algumas consi<strong>de</strong>rações acerca da relação patrimônio I e valor. Isso aponta,<strong>em</strong> primeiro lugar, para duas dificulda<strong>de</strong>s. A primeira concerne a que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pelo menos osfilósofos da antiguida<strong>de</strong> grega (para ficarmos num recorte t<strong>em</strong>poral e espacial razoavelmenteconfortável ou aceitável), muito já se disse sobre valor e há consi<strong>de</strong>rável volume <strong>de</strong> conceitos,proposições e argumentações a favor, ou contra, este ou aquele significado específico <strong>de</strong> valor.A segunda concerne ao fato <strong>de</strong> que o significante valor funciona, s<strong>em</strong>ântica e enunciativamente,como um port<strong>em</strong>anteau. Desse forma, os argumentos possíveis <strong>de</strong> preencher as reticências dafórmula “valor é...” têm variado no t<strong>em</strong>po, no espaço, assim como <strong>em</strong> consonância com a filiaçãoteórica dos autores. Finalmente, pod<strong>em</strong>os dizer que valor pertence (tal como espaço, t<strong>em</strong>po,matéria, ser, real, entre outras) à categoria do in<strong>de</strong>cidível e do in<strong>de</strong>finível. Por isso mesmo, nãoimporta o quanto já se disse sobre ela, há s<strong>em</strong>pre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer-se algo mais.Nossa meta não é a mera afirmação da relação intrínseca ou imanente entre valor e patrimônio - pelaqual, o primeiro termo é o que <strong>de</strong>fine, ou <strong>de</strong>limita, o segundo, <strong>de</strong> forma que não pod<strong>em</strong>os propriamentefalar <strong>de</strong> patrimônio a não ser como e a partir do valor que lhe advém por ser um fato social-histórico.Afinal, trata-se <strong>de</strong> uma questão já amplamente <strong>de</strong>batida e sobre a qual, a nosso ver, pairampoucas dúvidas. O que pretend<strong>em</strong>os, mais especificamente, é refletir sobre algumas flutuaçõess<strong>em</strong>ânticas e algumas consequências <strong>de</strong>ssa relação/<strong>de</strong>finição; especialmente no que respeita àsIA bibliografia sobre patrimônio é extensa e não cabe no escopo <strong>de</strong>ste trabalho fazer uma revisão bibliográfica.Entretanto, indicamos para uma discussão mais ampla sobre esse t<strong>em</strong>a, além dos citados no texto, Abreu; Chagas;Santos (2007), Abreu; Chagas (2009), Cabral (2010), Choay (2011), Fonseca (2009), Lima (2007), e Lima Filho;Eckert; Beltrão (2007).113


políticas (<strong>de</strong> preservação, <strong>de</strong> educação) patrimoniais, elaboradas e/ou aplicadas <strong>em</strong> diferentesníveis <strong>de</strong> organização sócio-política, e nas quais subsiste, ainda, uma noção <strong>de</strong> patrimônio comoproprieda<strong>de</strong> herdada, ou a própria coisa (tomada como test<strong>em</strong>unha ou representante <strong>de</strong> umacultura ou socieda<strong>de</strong>), isto é, uma noção <strong>em</strong> que patrimônio é primordialmente entendido comoobjeto <strong>de</strong> herança coletiva.Ad<strong>em</strong>ais, a noção <strong>de</strong> patrimônio como valor se reflete/refrata no uso enunciativo do termoconceitopatrimônio, b<strong>em</strong> como nos critérios <strong>de</strong> distinção que permit<strong>em</strong>, <strong>de</strong>ntre um conjunto <strong>de</strong>bens culturais, apontar/nomear algo como patrimônio. Ao tratar da necessária relação entre b<strong>em</strong>cultural e valor para uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> patrimônio, Waldísia Rússio Camargo Guarnieri afiançaque, para ser patrimônio, é imprescindível que um b<strong>em</strong> cultural esteja investido <strong>de</strong> valor, e queesse valor não satisfaça apenas a uma parcela da socieda<strong>de</strong> (GUARNIERI, 2010a). No entanto,os sentidos <strong>de</strong> patrimônio, alargando-se, sofreram um processo <strong>de</strong> globalização, pelo qual, comoafirmam Desvallées e Mairesse (2011, p. 437) “no limiar do século XXI, o patrimônio tornou-se,virtualmente, tudo aquilo que um grupo <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> chamar como tal – tradução nossa”. Por outrolado, a <strong>de</strong>finição formal e restritiva <strong>de</strong> patrimônio se aplica, por ex<strong>em</strong>plo, à noção <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ióforo II(POMIAN, 1984) – que só po<strong>de</strong>, por <strong>de</strong>finição, ser aplicada a um ou alguns <strong>de</strong>ntre um conjunto <strong>de</strong>similares. Isso permite pensar que a categoria s<strong>em</strong>ióforo se aplica a posteriori a um b<strong>em</strong> que sedistingue ou que, tendo-se individualizado, é tomado metonimicamente como um representanteautorizado <strong>de</strong> uma categoria sócio-cultural. Dito <strong>de</strong> outra forma, somente <strong>de</strong>pois que um objeto,artefato ou b<strong>em</strong> cultural se torna distinto – <strong>em</strong> relação a outros <strong>de</strong> mesma categoria -, isto é, que éposto <strong>em</strong> evidência, é que ele se torna um s<strong>em</strong>ióforo. Outra questão, diretamente relacionada a issodiz respeito à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o que, <strong>em</strong> tais contextos, os significantes “patrimônio”,“simbólico”, “significação”, “valor” e “uso” significam.Assim, não nos propomos a elaborar uma cartografia do valor. Tratar<strong>em</strong>os do valor a partir danoção que Marx (1983, 2008) atribui ao termo. Assim, seguindo a noção marxiana <strong>de</strong> valor: valorequivale ao trabalho humano, ou à substância social inerente a cada coisa que existe no mundohumano. Isto significa que cada coisa humanamente produzida incorpora essa substância social(histórica, cultural, na forma <strong>de</strong> uma fração do valor que, como tal, só existe (conceitualmente) nasocieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> seu conjunto). O que é o mesmo que dizer que cada socieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> seu t<strong>em</strong>po ou acada t<strong>em</strong>po, produz para si mesma seu conjunto <strong>de</strong> valores. Afinal, como afirma Guarnieri, cultura“não é mais do que o trabalho do hom<strong>em</strong>. [...]. Por isso diz<strong>em</strong>os que o hom<strong>em</strong>, <strong>em</strong> seu viver,constrói sua cultura e se realiza a si mesmo ao realizar sua história” (GUARNIERI, 2010b, p. 164;2010c). Para fins analíticos, valor se subdivi<strong>de</strong> <strong>em</strong>:1. valor <strong>de</strong> uso, valor <strong>em</strong>-si ou valor propriamente dito2. valor <strong>de</strong> troca, valor para-si ou valor atribuído a partir da relação <strong>de</strong> equivalência entre duascoisas, e cujo fim é a troca.No que tange a patrimônio, partimos da assunção <strong>de</strong> que patrimônio é valor, tal como <strong>em</strong>Guarnieri (2010a), Boylan (2006), Davallon (2006), <strong>de</strong>ntre outros. Logo, patrimônio não é o objeto(tangível ou intangível), e a sua materialida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> histórica, uma vez que se constituirelativamente à sua inserção a um complexo histórico e cultural específico (simbólico e imaginário)<strong>de</strong> cada socieda<strong>de</strong>. Em certo sentido, pod<strong>em</strong>os dizer que patrimônio é valor-coisa e não coisavalor.Entend<strong>em</strong>os a coisa-valor como aquilo que, sendo produzido <strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong>, passa aincorporar e mesmo a acumular <strong>de</strong>terminados valores (cf. DAVALLON, 2006; POMIAN, 1984).Ao longo do itinerário simbólico da coisa-valor, po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r que ela seja acumulada <strong>de</strong> valores,IIDo grego s<strong>em</strong>eion, ‘sinal’, e phóos ‘expor’, ‘carregar’, ‘brotar’ > phorós, ‘que leva’, ‘que sustenta, ‘que carrega’.114


os quais pod<strong>em</strong> ser, alternada ou simultaneamente, evi<strong>de</strong>nciados. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> patrimônio apartir da noção <strong>de</strong> coisa-valor é probl<strong>em</strong>ática, porque pressupõe uma situação cultural e teóricana qual seria possível conceber que coisa e valor possam, existir separados e que valor é algoatribuído, a posteriori, à coisa. Em nosso entendimento essa separação é uma impossibilida<strong>de</strong>,como o d<strong>em</strong>onstra Cornelius Castoriadis (1997), uma vez que o que quer que seja produto dotrabalho humano já t<strong>em</strong> <strong>em</strong> si mesmo valor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que é pensado/<strong>de</strong>sejado, atéo seu uso e <strong>de</strong>suso, uma vez que é gerado e t<strong>em</strong> uso social <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seusist<strong>em</strong>a dinâmico <strong>de</strong> valores. É neste sentido que pod<strong>em</strong>os conceber o patrimônio como valorcoisa,isto é, <strong>em</strong> que valor é intrínseco e inalienável da coisa enquanto produto cultural III .Desse modo, pretend<strong>em</strong>os, <strong>de</strong> um lado, nos contrapor a um preceito largamente <strong>em</strong>pregado erepetido <strong>de</strong> que, ao ser musealizado, um objeto per<strong>de</strong> seu valor <strong>de</strong> uso e passa a ter apenasvalor simbólico. Há duas questões que se impõ<strong>em</strong> nessa asserção: a) o que significa aí valor<strong>de</strong> uso, especialmente quando t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> mente o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um objeto do lá <strong>de</strong> on<strong>de</strong>fora produzido/usado para o aqui do acervo e da exposição?; b) o que significa, nesta acepção,valor simbólico? A nosso ver, nenhum objeto per<strong>de</strong> seu valor <strong>de</strong> uso, sendo este o valor <strong>em</strong>-si, eque a exressão “valor <strong>de</strong> uso”, tal como é geralmente <strong>em</strong>pregada por Pomian (e outros, <strong>em</strong> umare<strong>de</strong> <strong>de</strong> paráfrases) sustenta-se <strong>em</strong> um equívoco s<strong>em</strong>ântico, pragmático e teórico. O mesmoacontece com o sentido que é, aí, atribuído a simbólico.Como afirma Pomian (1984), o valor <strong>de</strong> troca é inseparável do objeto, uma vez que objetosculturais que faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> coleção, ou que são musealizados, sendo s<strong>em</strong>ióforos, tornamse,igualmente, b<strong>em</strong> apreciados ou valorizados (cf. DAVALLON, 2006). Conquanto, no geral,objetos <strong>de</strong> acervo (musealizados ou não) não sejam trocados – e aqui é preciso dizer que o valor<strong>de</strong> troca po<strong>de</strong> ser integral ou parcial, efetivo, latente ou virtual – ainda assim eles possu<strong>em</strong> valor<strong>de</strong> troca. Essa potencialida<strong>de</strong> do valor <strong>de</strong> troca se expressa, por ex<strong>em</strong>plo, quando se diz que ummuseu adquiriu (comprou) um quadro ou qualquer outro objeto (por x, sendo esse x equivalentea valor <strong>de</strong> mercado). Em um enunciado <strong>de</strong>ssa espécie, o que se afirma é que esse objeto – <strong>em</strong>exposição ou integrando um acervo – t<strong>em</strong> um valor <strong>de</strong> mercado que se encontra nele <strong>em</strong>butido,<strong>em</strong>bora se exerça <strong>de</strong> forma latente. O mesmo vale quando se diz que é preciso assegurar umobjeto, uma obra ou a totalida<strong>de</strong> do acervo – por ex<strong>em</strong>plo, o acervo <strong>de</strong> instrumentos científicosdo <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Astronomia</strong> e Ciências <strong>Afins</strong>. Embora, <strong>em</strong> si mesmo, esse acervo não possa serreduzido a um quantum monetário, a ele po<strong>de</strong> ser atribuído um valor <strong>de</strong> seguro, e isso t<strong>em</strong>ver também com o mercado, ainda que <strong>de</strong> forma indireta ou potencial. Em ambos os casos,estamos às voltas com o valor <strong>de</strong> troca, no sentido <strong>de</strong> que o acervo equivale a um x, on<strong>de</strong> x éum montante <strong>em</strong> moeda padrão. De certa forma, Davallon perpassa essa questão ao tratar davalorização, a partir do chama <strong>de</strong> mise en exploitation.De outro, discutir: a) se patrimônio implica valor, o que v<strong>em</strong> a ser patrimônio no contexto <strong>de</strong> umapolítica patrimonial (governamental ou transgovernamental) e b) o processo pelo qual, medianteum ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> (seja <strong>de</strong> especialistas, seja <strong>de</strong> representantes comunitários) x é apontadocomo patrimônio (tangível/intangível, local/mundial/da humanida<strong>de</strong>, cultura/ambiental, artístico/histórico ou qualquer outro tipo. Se patrimônio é valor ou coisa-valor, então não se po<strong>de</strong>riaou <strong>de</strong>veria nomear isto ou aquilo como patrimônio, especialmente levando-se <strong>em</strong> conta que,muitas vezes, esse processo resulta <strong>de</strong> uma escolha arbitrária (na qual funciona uma estratégiadiscursiva do tipo “por <strong>em</strong> evidência x e, <strong>em</strong> consequência, silenciar sobre y”.Por outro, como <strong>de</strong>terminar que um produto ou b<strong>em</strong> cultural qualquer seja consi<strong>de</strong>radopatrimônio? Em primeiro lugar, observando-se a noção <strong>de</strong> valor. Afinal, <strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong>, tudoIIIContudo, se tudo <strong>em</strong> cultura é investido <strong>de</strong> valor, n<strong>em</strong> tudo é patrimônio.115


t<strong>em</strong> valor simbólico-imaginário, <strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> tudo tenha o mesmo valor, e é nessa diferença <strong>de</strong>valor que a <strong>de</strong>terminação do que seja patrimônio po<strong>de</strong>-se dar. Em segundo, <strong>em</strong> vista <strong>de</strong>sse altograu <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, perceb<strong>em</strong>os que não é possível fazer essa <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> valor com baseapenas <strong>em</strong> critérios puramente formais e/ou políticos.Em vista disso, elaboramos uma proposta que consiste <strong>em</strong> estabelecer uma matriz cujo primeirocomponente é o que, Gonçalves (2007), a partir <strong>de</strong> Greenblat, chama <strong>de</strong> ressonância. Todavia,consi<strong>de</strong>ramos que, isoladamente, ressonância não consegue abranger a complexida<strong>de</strong> quea relação hom<strong>em</strong>-b<strong>em</strong> cultural, base para a <strong>de</strong>terminação do patrimônio, comporta. Assim,propomos que o segundo componente da matriz seja o que vimos chamando <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência(Borges, 2011; Borges, Campos, 2012). Acreditamos que, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista antropológico,o resultado da aplicação <strong>de</strong>ssa matriz po<strong>de</strong> auxiliar a <strong>de</strong>terminar se um b<strong>em</strong> cultural qualquer éou não, consi<strong>de</strong>rado patrimônio por uma dada comunida<strong>de</strong>, seja no todo, seja por uma parcela.2. Patrimônio e valorAo partirmos do pressuposto <strong>de</strong> que, intrinsecamente, patrimônio é valor, assumimos, igualmente,quatro pr<strong>em</strong>issas que são consequentes a essa assunção. A primeira pr<strong>em</strong>issa estabelece quepatrimônio, sendo valor (simbólico), não é a coisa, mas aquilo que a coisa representa (valorcoisa),e que isso permite falar <strong>de</strong> patrimonialida<strong>de</strong>. A segunda implica que, enquanto valor, épreciso observar a relação simbólico-afetiva entre uma dada comunida<strong>de</strong> e os bens culturais. Aterceira consiste <strong>em</strong>, com base na teoria do valor e na conceituação <strong>de</strong> patrimônio como categoriado pensamento (GONÇALVES, 2007), propor a existência <strong>de</strong> uma forma-patrimônio, a qual seapresenta <strong>em</strong> duas modalida<strong>de</strong>s: o patrimônio constitutivo, instituinte ou fluido (patrimônio <strong>em</strong>si),concebido como heterogeneida<strong>de</strong>, tratando-se, portanto, <strong>de</strong> um el<strong>em</strong>ento constitutivo <strong>de</strong>qualquer socieda<strong>de</strong>; e o patrimônio mostrado, instituído ou imaginário IV (patrimônio para-si),visto como homogeneida<strong>de</strong>, e que se refere aos objetos/bens culturais possíveis e alienáveis.A quarta consiste <strong>em</strong> que, para que um b<strong>em</strong> cultural seja consi<strong>de</strong>rado patrimônio, isto é, sercultural, histórica e afetivamente significativo para alguém ou grupo social, é preciso que o traçoou tradição cultural, candidato a patrimônio, seja mensurado com base <strong>em</strong> uma matriz analíticacomposta, no eixo horizontal, pela ressonância, e, no eixo vertical, pela a<strong>de</strong>rência.Guarnieri, por sua vez, afirma, <strong>em</strong> relação a patrimônio – e <strong>em</strong> particular ao musealizado -,que: a) n<strong>em</strong> todo produto cultural, <strong>de</strong> qualquer espécie, é patrimônio, <strong>de</strong> forma que nãoexiste o patrimônio <strong>em</strong>-si; b) que algo se torna patrimônio e que isso só acontece quando éinvestido <strong>de</strong> valor (histórico, artístico, científico, tecnológico, gastronômico etc.). Logo, só existepatrimônio para-si. De todo modo, patrimônio se inscreve (duplamente) na ord<strong>em</strong> simbólica e,por conseguinte, aquilo que, <strong>de</strong> fato, significa a “patrimonialida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> um objeto ou b<strong>em</strong> cultural,pertence à esfera da intangibilida<strong>de</strong>. Logo, o patrimônio, por ser valor e categoria <strong>de</strong> pensamento,é, por excelência, intangível ou simbólico-cultural. Em vista disso, estamos convencidos que ateoria do valor po<strong>de</strong> dar ossatura histórica ao conceito gonçalviano.Resumidamente, a teoria do valor, <strong>em</strong> Marx, se <strong>de</strong>senvolve do seguinte modo. Valor <strong>de</strong> uso éaquilo que é específico ou intrínseco da coisa; que é relativo às necessida<strong>de</strong>s humanas, porisso, o valor <strong>de</strong> uso constitui o conteúdo da coisa. O valor <strong>de</strong> uso, para além das proprieda<strong>de</strong>sfísicas da coisa e <strong>de</strong> sua função ou utilida<strong>de</strong>, t<strong>em</strong> como proprieda<strong>de</strong> intrínseca, inalienável, oIVAs noções <strong>de</strong> fluido/imaginário, aplicadas ao patrimônio, foram <strong>de</strong>calcadas <strong>de</strong> Orlandi (1990); as <strong>de</strong> constitutivo/mostrado, <strong>de</strong> Authier-Revuz ( ), e as <strong>de</strong> instituinte/instituído, <strong>de</strong> Castoriadis (2010). Por outro lado, o termo imagináriose refere ao patrimônio que é objeto teórico, <strong>de</strong> taxonomias, <strong>de</strong> registros formais e <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> patrimonializaçãoou <strong>de</strong> musealização. Processos pelos quais, <strong>em</strong> geral, apagam-se as tensões e disputas no/do jogo social e políticoda m<strong>em</strong>ória.116


fato <strong>de</strong> ser produto do trabalho humano, realizado no interior <strong>de</strong> uma conjuntura sócio-cultural,<strong>de</strong>terminada, por sua vez, por uma formação histórico-i<strong>de</strong>ológica. Trata-se <strong>de</strong> um valor no qual seencontra internalizado e “objetivizado ou materializado trabalho humano abstrato” (MARX, 1983,p. 47). Enfim, “valores <strong>de</strong> uso são, <strong>de</strong> modo imediato, meios <strong>de</strong> existência. Inversamente, essesmeios <strong>de</strong> existência são produtos da vida social, resultado da força vital gasta pelo hom<strong>em</strong>, <strong>de</strong>trabalho objetivado” (MARX, 2008, p. 53).Já o valor <strong>de</strong> troca não é específico da coisa e resulta <strong>de</strong> uma relação <strong>em</strong> que valores <strong>de</strong> usosão permutáveis. Ao falarmos <strong>em</strong> valor <strong>de</strong> troca, supomos a relação <strong>de</strong> uma coisa com outras<strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> permutação, condição na qual a coisa permutada se torna mercadoria.Enquanto um meio imediato <strong>de</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s humanas, uma coisa é apenasdotada <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> uso e sobre ela não inci<strong>de</strong> valor <strong>de</strong> troca, uma vez que “um valor <strong>de</strong> trocaimanente, intrínseco à mercadoria [...] [é], portanto, uma contradictio in adjeto” (MARX, 1983, p.46), justamente por que o valor <strong>de</strong> troca aparece “como a relação quantitativa, a proporção naqual valores <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> uma espécie se trocam” (MARX, 1983, p. 46).Pod<strong>em</strong>os ver como isso se aplica, se tratarmos, ainda que brev<strong>em</strong>ente, do caso dosinstrumentos científicos e tecnológicos. Segundo Brenni (2007), a vida dos objetos científicos e/ou tecnológicos po<strong>de</strong> ser dividida <strong>em</strong> 3 gran<strong>de</strong>s fases, pensando-se na funcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssesobjetos: a primeira é a fase ou função científica dos objetos ou instrumentos; a segunda é a faseé a fase pedagógica dos instrumentos; a terceira é a fase ou função expositiva ou museológica.O que observamos é que <strong>em</strong> todas as fases, o instrumento teve modificada sua função utilitária,mas manteve seu valor <strong>de</strong> uso, ao qual outros valores foram sendo agregados. Os objetos/instrumentos musealizados e expostos, por ex<strong>em</strong>plo, passaram a ter uso/valor <strong>de</strong> uso expositivo(cf. BENJAMIN, 1994). Quanto ao valor <strong>de</strong> troca, também é possível verificar sua aplicação <strong>em</strong>muitos casos (aparent<strong>em</strong>ente) não comerciais ou mercadológicos. Por ex<strong>em</strong>plo, na permuta <strong>de</strong>objetos <strong>de</strong> acervo, na compra/venda <strong>de</strong> objetos para integrar uma coleção <strong>de</strong> uma instituiçãoetc. Mesmo nos casos <strong>de</strong> inalienação, cada objeto é avaliado e lhe é atribuído um valor d<strong>em</strong>ercado, especialmente quando se trata <strong>de</strong> assegurar o acervo como um todo ou partes <strong>de</strong>le.Em Pomian, consi<strong>de</strong>rando-se os seus argumentos <strong>em</strong> relação à coleção e aos objetos que acompõ<strong>em</strong>, essa relação <strong>de</strong> valor encontra-se invertida. Segundo ele, os objetos “ao entrar<strong>em</strong>numa colecção ou num museu, perd<strong>em</strong> o seu valor <strong>de</strong> uso [...]. Logo, po<strong>de</strong>-se afirmar que osobjectos que se tornam peças <strong>de</strong> colecção ou <strong>de</strong> museu têm um valor <strong>de</strong> troca s<strong>em</strong> ter<strong>em</strong> valor<strong>de</strong> uso” (POMIAN, 1984, p. 54), passando a ter, apenas, valor simbólico. Em primeiro lugar,não há no mundo humano nada que não seja primariamente dotado <strong>de</strong> valor simbólico. Istoé, o valor simbólico não é algo que seja a posteriori atribuído a uma coisa, uma vez que tudot<strong>em</strong> “para os homens [...] sentido e significação peculiares, assume o caráter <strong>de</strong> b<strong>em</strong>, <strong>de</strong> valor[...]” (GUARNIERI, 2010b, p. 165). É interessante notar <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>ssa afirmativa <strong>de</strong> Pomianduas características. A primeira é que se construiu, a partir <strong>de</strong>la, uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> paráfrases ; asegunda é que essa assertiva é já uma paráfrase V <strong>de</strong> uma afirmativa <strong>de</strong> Buchalski, Konarskye Wolff, <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> Pomian cita a seguinte passag<strong>em</strong>: “[...] tornar acessíveis os documentosque, tendo perdido a sua antiga utilida<strong>de</strong> quotidiana e consi<strong>de</strong>rados por isso supérfluos nasrepartições e nos <strong>de</strong>pósitos, merec<strong>em</strong> todavia ser preservados” (apud POMIAN, 1984, p. 53).Observ<strong>em</strong>os o <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> “utilida<strong>de</strong> cotidiana” para “perd<strong>em</strong> seu valor <strong>de</strong> uso” operado porPomian. Destacamos, ainda, o esforço <strong>de</strong> Pomian para <strong>de</strong>slegitimar qualquer outro significadodo significante “uso” que não seja relacionado à funcionalida<strong>de</strong> ou utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um objeto.VCitamos, aqui, para ilustrar, apenas dois ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> parafrástica: „[...] não mantêm, portanto, o mesmovalor <strong>de</strong> uso comum, no caso o funcional, mas um valor, agora redimensionado, baseado <strong>em</strong> seu significado enas informações que pod<strong>em</strong>os obter a partir <strong>de</strong>les“ (GRANATO; MIRANDA, 2011, p. 280-281); “[...] são objetosportadores <strong>de</strong> significação que per<strong>de</strong>ram sua função original, como também seu valor <strong>de</strong> troca e que adquir<strong>em</strong>, aoser colecionados, novas significações simbólicas” (BERGERON, 2011, p. 55 – tradução nossa). Discursivamente, atrama parafrástica faz operar, sobre a m<strong>em</strong>ória, um efeito estabalizador da significação.117


Diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> Marx para qu<strong>em</strong> “uso” se refere a produto do trabalho humano, e <strong>de</strong> Benjamin(1994) que atribui, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados casos, um valor <strong>de</strong> culto ou <strong>de</strong> exposição a um objeto,Pomian, ao interditar sentidos possíveis a “uso”, po<strong>de</strong> afirmar que um objeto (uma pintura, porex<strong>em</strong>plo) t<strong>em</strong> valor <strong>de</strong> troca s<strong>em</strong> ter valor <strong>de</strong> uso, uma vez que nunca foi usado ou teve utilida<strong>de</strong>.Essa afirmativa tão diss<strong>em</strong>inada no campo do patrimônio resulta, segundo pensamos, <strong>de</strong> umaconfusão entre valor <strong>de</strong> uso, propriamente dito, e a utilida<strong>de</strong> ou funcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um objeto,isto é, a razão primeira que levou à sua produção. Na tradição <strong>de</strong> Samuel Bailey (1791-1870)– para qu<strong>em</strong> o valor <strong>de</strong> troca é imanente e o <strong>de</strong> uso é um atributo humano <strong>de</strong> que a coisa seinveste – Pomian afirma que uma coisa po<strong>de</strong> ter valor <strong>de</strong> troca s<strong>em</strong> ter valor <strong>de</strong> uso. Em primeirolugar, valor é s<strong>em</strong>pre um atributo social-histórico e, portanto, é referido à esfera do simbólico.Em segundo, se alguma coisa apresenta valor <strong>de</strong> troca é porque teve <strong>de</strong> “comprovar-se comovalor <strong>de</strong> uso, antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> realizar-se como valores [<strong>de</strong> troca]” (MARX, 1983, p. 80) VI .Sendo assim, é possível inferir, seguindo Davallon (2006), que patrimonializado e musealizadoum objeto não per<strong>de</strong> seu valor <strong>de</strong> uso, <strong>em</strong>bora, possa sofrer alterações <strong>em</strong> seu valor <strong>de</strong> troca e<strong>em</strong> sua funcionalida<strong>de</strong>.3. Revocar o patrimônioAo tratar do patrimônio como categoria <strong>de</strong> pensamento, Gonçalves utiliza-se do conceito <strong>de</strong>“ressonância”, tal qual proposto por Stephen Greenblatt.Por ressonância eu quero me referir ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um objeto exposto atingir umuniverso mais amplo, para além <strong>de</strong> suas fronteiras formais, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> evocarno espectador as forças culturais complexas e dinâmicas das quais ele <strong>em</strong>ergiue das quais ele é, para o espectador, o representante (GREENBLATT, apudGONÇALVES, 2007, p. 215).Portanto, ao falarmos <strong>de</strong> ressonância reportamo-nos à potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um objeto ou acontecimento(um ritual, por ex<strong>em</strong>plo) afetar um sujeito <strong>de</strong> modo a provocar efeitos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória relativos a esseobjeto ou acontecimento. Esse efeito sobre a m<strong>em</strong>ória e o imaginário é produzido pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>evocar, mediante o qual o objeto traz à presença algo que só pela r<strong>em</strong><strong>em</strong>oração se manifesta.Além <strong>de</strong> ressonância, Greenblatt (1991) utiliza-se também do conceito <strong>de</strong> encantamento (won<strong>de</strong>r),o qual se refere ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma obra, objeto ou evento chamar a atenção <strong>de</strong> alguém, levando-oa interromper seu trajeto para <strong>de</strong>ter-se e admirar, ou o induza à indagação, <strong>de</strong>spertando-lhe o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> saber mais sobre a obra, artefato ou ritual, por ex<strong>em</strong>plo.No entanto, a ressonância se manifesta através da evocação que, além <strong>de</strong> efetuar-se d<strong>em</strong>odo genérico, não afeta do mesmo jeito e n<strong>em</strong> com a mesma intensida<strong>de</strong> sujeitos quepossu<strong>em</strong> diferentes referências culturais. Tom<strong>em</strong>os como ex<strong>em</strong>plo um objeto exposto<strong>em</strong> um museu – suponhamos o mekuton VII – que t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> num contexto sócio-cultural<strong>de</strong>terminado (o mundo kayapó). Imagin<strong>em</strong>os que esse objeto está sendo admirado porVIEm termos aristotélicos (ver CASTORIADIS, 1997), s<strong>em</strong> a qual não é possível haver socieda<strong>de</strong> (conquanto aexistência da socieda<strong>de</strong> seja condição necessária para haver troca, enquanto fato social), a troca possa ser diferenciadaentre uma troca primária (allagé) que é instituinte, e uma troca secundária, <strong>de</strong>rivada ou mostrada, entendida comotransação e que é a materialida<strong>de</strong> da troca instituinte. Contudo, toda troca ocorre a partir da necessida<strong>de</strong>/ativida<strong>de</strong>/uso (chreia) que a antece<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>termina. Assim, troca, valor, uso e patrimônio são formas do logos (argumento,reflexão, <strong>de</strong>finição) e do nomos (a convenção, o instituído, norma sociopolítica, lei).VIITrata-se <strong>de</strong> um capacete-cocar que simboliza muitos aspectos do mundo cosmológico kayapó. É um documentoque, além <strong>de</strong> narrar a história mítica <strong>de</strong>sse grupo étnico, expõe parte do seu conhecimento concernente à relaçãoterra-céu. Os Kayapó, um grupo do Tronco Macro-Jê, distribu<strong>em</strong>-se por uma extensão importante do Brasil central,com al<strong>de</strong>ias no Parque Indígena do Xingu, ao norte do Estado <strong>de</strong> Mato-Grosso e ao sul do estado do Pará.118


dois visitantes. Um <strong>de</strong>les é um Kayapó e, portanto, pertence ao mesmo contexto cultural <strong>de</strong>sseobjeto, ao passo que o outro, não sendo Kayapó, pertence a um contexto cultural no qual tal objetonão t<strong>em</strong> referência. Nesse caso, <strong>em</strong>bora, <strong>em</strong> ambos possa manifestar-se ressonância, a evocaçãoprovocada pelo objeto nesses visitantes não é a mesma, uma vez que o objeto lhes provoca ilaçõesculturais, e históricas diversas. Os operadores conceituais estar aqui/estar lá <strong>de</strong> Geertz (1989) nosajudam a compreen<strong>de</strong>r esse fenômeno. Conquanto os três participantes do efeito <strong>de</strong> ressonânciaestejam <strong>de</strong>slocados no estar aqui da exposição <strong>em</strong> um museu, aquilo que o mekuton provocano visitante Kayapó r<strong>em</strong>ete-o ao estar lá na al<strong>de</strong>ia, uma vez que a relação entre ele e o objeto,sendo <strong>de</strong> pertencimento ou <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong> maior proximida<strong>de</strong>. Pod<strong>em</strong>os, então, dizer quepara esse visitante existe uma relação <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência ao objeto, <strong>em</strong> face da significação que talartefato t<strong>em</strong> para o Kayapó. Ao passo que para um espectador não Kayapó, cujas referênciasculturais são estranhas ao objeto exposto, essa evocação r<strong>em</strong>ete-o ao estar lá <strong>em</strong> seu próprioreferencial cultural e, neste caso, a sua experiência evocativa, frente ao mekuton, fica limitada aosel<strong>em</strong>entos relativos a uma construção imaginária da categoria “índio”. Neste caso, po<strong>de</strong> verificarseressonância s<strong>em</strong>, contudo, haver a<strong>de</strong>rência. Assim, quanto maior for a distância cultural entreobjeto exposto e sujeito observador, menor será igualmente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência.A afirmação <strong>de</strong> que patrimônio não se <strong>de</strong>fine como coisa, n<strong>em</strong> como proprieda<strong>de</strong> ou herança(patrimônio instituído ou formalizado), mas como valor (patrimônio instituinte ou constitutivo), eque valor significa, precipuamente, a relação com uma dada formação histórica e cultural, implicaque não basta um ato legal ou uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um segmento social para que, efetivamente, umb<strong>em</strong> cultural seja amplamente reconhecido como patrimônio. Daí a importância <strong>de</strong> se verificaro quanto um objeto ou traço cultural é significativo para uma dada comunida<strong>de</strong>, e isso implicasaber o quanto e o quê esse objeto evoca, somado ao quanto e o quê ele representa para essacomunida<strong>de</strong>. Assim, um objeto, um artefato, um evento po<strong>de</strong>rá ser consi<strong>de</strong>rado patrimônio (comoexpressão cultural simultaneamente instituinte e instituída) quando estiver investido <strong>de</strong> um altograu <strong>de</strong> ressonância a <strong>de</strong> um grau elevado <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência.Procurar<strong>em</strong>os, a seguir, verificar como se manifestam a ressonância e a a<strong>de</strong>rência, tomando comoex<strong>em</strong>plo o que acontece durante o banquete mostrado no filme “A Festa <strong>de</strong> Babette” VIII .3.1 Ressonância e a<strong>de</strong>rência no banquete <strong>de</strong> BabetteO ponto alto do filme “A Festa <strong>de</strong> Babette” é um banquete cujos aspectos simbólicos eantropológicos foram discutidos por Nei Clara <strong>de</strong> Lima (1996). Recorr<strong>em</strong>os a esse filme, para, apartir <strong>de</strong>sse jantar, mostrar alguns sequências alusivas às noções <strong>de</strong> ressonância e a<strong>de</strong>rência.Na Dinamarca do século XIX, duas irmãs (Martine e Felipa) viv<strong>em</strong> num vilarejo bastante isoladoda costa da Jutlândia, <strong>em</strong> companhia <strong>de</strong> seu pai, pastor protestante <strong>de</strong> uma seita que ele própriocriou. As duas haviam-se <strong>de</strong>cidido a ficar no continuando a servir ao pai e à igreja, prestandoassistência aos necessitados.Certa noite <strong>de</strong> 1871, Babette - uma chefe <strong>de</strong> cozinha fugida da França durante a repressão àComuna <strong>de</strong> Paris - chega ao vilarejo e pe<strong>de</strong> abrigo na casa das irmãs, recomendada por umacarta <strong>de</strong> Achille Papin, artista e cantor lírico que estivera no local e se encantara com a voz <strong>de</strong>Felipa. O pai consentiu que ele oferecesse aulas <strong>de</strong> canto à filha, mas esta, percebendo quePapin <strong>de</strong>sejava que ela fosse com ele para Paris, interrompe as aulas e rejeita a proposta.VIIIA Festa <strong>de</strong> Babette (Babettes Gaestebud), filme dinamarquês <strong>de</strong> 1987 dirigido por Gabriel Axel e com roteirobaseado num conto <strong>de</strong> Isak Dinesen (pseudônimo <strong>de</strong> Karen Blixen).119


Em O ponto alto do filme “A Festa <strong>de</strong> Babette” é um banquete cujos aspectos simbólicos eantropológicos foram discutidos por Nei Clara <strong>de</strong> Lima (1996). Recorr<strong>em</strong>os a esse filme, para, apartir <strong>de</strong>sse jantar, mostrar alguns sequências alusivas às noções <strong>de</strong> ressonância e a<strong>de</strong>rência.Na Dinamarca do século XIX, duas irmãs (Martine e Felipa) viv<strong>em</strong> num vilarejo bastante isoladoda costa da Jutlândia, <strong>em</strong> companhia <strong>de</strong> seu pai, pastor protestante <strong>de</strong> uma seita que ele própriocriou. As duas haviam-se <strong>de</strong>cidido a ficar no continuando a servir ao pai e à igreja, prestandoassistência aos necessitados.Certa noite <strong>de</strong> 1871, Babette - uma chefe <strong>de</strong> cozinha fugida da França durante a repressão àComuna <strong>de</strong> Paris - chega ao vilarejo e pe<strong>de</strong> abrigo na casa das irmãs, recomendada por umacarta <strong>de</strong> Achille Papin, artista e cantor lírico que estivera no local e se encantara com a voz <strong>de</strong>Felipa. O pai consentiu que ele oferecesse aulas <strong>de</strong> canto à filha, mas esta, percebendo quePapin <strong>de</strong>sejava que ela fosse com ele para Paris, interrompe as aulas e rejeita a proposta. Emtroca do abrigo e visando superar as eventuais dificulda<strong>de</strong>s da rigi<strong>de</strong>z luterana, Babette sepropõe a cozinhar e ajudar na faxina da casa. Ela esmera-se, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> preparar a sopa<strong>de</strong> peixe que as irmãs s<strong>em</strong>pre ofereceram aos pobres do vilarejo, com isso acrescentando àsopa um novo e apreciável sabor para o regalo dos beneficiados.Alguns anos <strong>de</strong>pois da morte do pastor, as irmãs, que se encarregaram <strong>de</strong> realizar o culto <strong>em</strong> suacasa, <strong>de</strong>cid<strong>em</strong>, <strong>em</strong> conversa com os fiéis, com<strong>em</strong>orar o centenário <strong>de</strong> nascimento do pai, queentão se avizinhava. Babette, que havia ganho uma fortuna na loteria francesa, pe<strong>de</strong> às irmãsque aceit<strong>em</strong> que ela prepare o jantar <strong>de</strong> com<strong>em</strong>oração. Inicialmente, os fiéis ficam receosos<strong>de</strong> aceitar um banquete francês, com medo <strong>de</strong> que o acontecimento atentasse contra algumalei divina. Depois <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>cid<strong>em</strong> aceitar a proposta, comprometendo-se a comer <strong>em</strong>silêncio, e a não manifestar qualquer sinal <strong>de</strong> prazer pela comida a ser servida. Babette ocupaseda preparação do jantar do qual também participaria um importante convidado, o GeneralLorens Loweinhein, e sua tia, conhecida da família do pastor. Este, quando jov<strong>em</strong> tenente, aopassar uma t<strong>em</strong>porada no vilarejo, se apaixonara por Martine que, no entanto, havia rejeitadoa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um relacionamento. Not<strong>em</strong>os que as irmãs manifestaram, cada uma por suavez, sua rejeição a qualquer mudança <strong>de</strong> vida, optando por <strong>de</strong>dicar-se à igreja e à comunida<strong>de</strong>,o que parece indicar uma forma <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência a esse lugarejo e ao modo vida luterano.Babette viajou para comprar o material necessário para o jantar e, ao ver<strong>em</strong>-na chegar combebidas, gelo, codornas, louças e talheres, tudo muito variado e requintado, as irmãs e os fiéisficam intimidados, achando que o evento possa representar um pecado e um <strong>em</strong>pecilho aoesforço <strong>de</strong> reconquistar fiéis que vinham se afastando da igreja. As irmãs receiam que o pai asesteja observando, como se estivess<strong>em</strong> preparando um sabá e, reunidos, os religiosos reiteramseu compromisso com o máximo <strong>de</strong> comedimento no ato <strong>de</strong> comer, durante o qual <strong>de</strong>veriamanter uma atitu<strong>de</strong> austera. Essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria lhes garantir que tudo aconteceria como seeles nunca tivess<strong>em</strong> se permitido experimentar o prazer fornecido pelo paladar.Esse comportamento dos comensais indica que a a<strong>de</strong>rência dos fiéis aos costumes luteranoslocais impe<strong>de</strong> que o jantar com<strong>em</strong>orativo encontre ressonância entre eles. Por outro lado,Babette, que não pertencia à comunida<strong>de</strong> local <strong>em</strong>bora essa nela encontrasse ressonância,passa a mostrar uma aproximação à cultura local e um afastamento ao seu referencial cultural<strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, o que implica uma diminuição da sua a<strong>de</strong>rência <strong>em</strong> relação a essa, e um aumento <strong>de</strong>a<strong>de</strong>rência <strong>em</strong> relação àquela, mesmo <strong>de</strong>frontando-se com resistência etnocêntrica manifestadapelo grupo local, que conflita com sua proposta <strong>de</strong> celebração.Antes do jantar, as irmãs r<strong>em</strong>ov<strong>em</strong> o retrato do pai da sala <strong>de</strong> jantar para outro lugar da casa.No início da refeição, o comportamento comedido dos fiéis contrastava com as apreciações doGeneral que se mostra um conhecedor da boa comida e manifesta <strong>de</strong>leite pela qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cada prato e bebida servidos.120


A partir daí, os fiéis começam a d<strong>em</strong>onstrar sinais <strong>de</strong> satisfação e a se permitir apurar opaladar. Manifestações por vezes intercaladas por frases <strong>de</strong> um discurso transverso <strong>de</strong>notandorejeição às coisas terrenas. Reafirmam, como dizia o pastor, que o que se po<strong>de</strong> levar da vidaterrestre é o que damos aos outros. Mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, começam a apresentar cada vezmais expressões <strong>de</strong> satisfação, com brilho nos olhares. Passam observar o comportamento doGeneral, a participar <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>leite e a imitar seus gestos.Pod<strong>em</strong>os dizer que houve ressonância na relação do General com o jantar oferecido. Not<strong>em</strong>osque tanto ele quanto Babette manifestam sua a<strong>de</strong>rência aos hábitos gastronômicos e/ouculinários da alta cozinha francesa. Por seu turno, os fiéis parec<strong>em</strong> ultrapassar o estado <strong>de</strong>rejeição, permitindo-se saborear a comida e até mesmo procurando imitar os gestos do Generalque, no ritual do banquete, se torna, além <strong>de</strong> Babette, um importante mediador <strong>de</strong>ssa superaçãoocorrida nos fiéis.O momento <strong>em</strong> que os fiéis passam a mostrar sua integração ao banquete, po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificadocomo um momento <strong>de</strong> ressonância, ao evocar neles “forças culturais e dinâmicas” que o jantarque Babette produziu. Neste sentido, os fiéis foram-se transformando <strong>de</strong> “puros” espectadores<strong>em</strong> participadores do jantar IX . O processo que d<strong>em</strong>arca essa transformação po<strong>de</strong> ser entendidocomo o <strong>de</strong> aumento do nível <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência. No início, esse nível se encontrava um pouco acimada rejeição. Gradualmente, à medida que o jantar transcorre, o nível <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência aumenta e, aomenos na atmosfera <strong>de</strong> maravilhamento por ele produzida, se torna bastante elevado.Cr<strong>em</strong>os ter podido, através da festa <strong>de</strong> Babette, d<strong>em</strong>onstrar que ressonância e a<strong>de</strong>rênciaoperam compl<strong>em</strong>entar e dialeticamente. Reforçam-se e <strong>de</strong> seu entrelaçamento, numa dadasituação cultural, pod<strong>em</strong>os ter um registro daquilo que, para uma comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminado b<strong>em</strong>cultural ou objeto representa, enquanto valor relativo à m<strong>em</strong>ória e à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, uma vez que éjustamente isso que ser patrimônio significa.4. Consi<strong>de</strong>rações finaisO que nos motivou a discutir a noção <strong>de</strong> patrimônio foram alguns el<strong>em</strong>entos que nos chamaram aatenção <strong>em</strong> textos <strong>de</strong> diversos autores concernente ao uso do termo patrimônio, e <strong>de</strong> expressõescomo “perda <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> uso” e “passar a ter valor simbólico”. Em geral, observamos poucareflexão sobre essas expressões que são usadas como afirmativas da verda<strong>de</strong>. Ora, sab<strong>em</strong>ostodos que, no campo da ciência, toda verda<strong>de</strong> é s<strong>em</strong>pre parcial e transitória.Na maioria dos textos que tratam <strong>de</strong> patrimônio, inferimos uma sinonímia entre patrimônioe coisa, ou, ainda, o patrimônio, quando não i<strong>de</strong>ntificado à coisa, aparece como algo autoevi<strong>de</strong>nte,algo dado e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre existente. Teórica e politicamente, questionávamos opredomínio nas políticas <strong>de</strong> patrimonialização, um modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar patrimônio que aten<strong>de</strong>precipuamente à satisfação <strong>de</strong> propósitos políticos. Por ex<strong>em</strong>plo, ao se <strong>de</strong>nominar algocomo patrimônio mundial ou da humanida<strong>de</strong>, o que os significantes “patrimônio”, “mundial” e“humanida<strong>de</strong>” realmente significam?IXEm contraposição a um observador distante e neutro <strong>em</strong> relação ao observado, vale mencionar um conceitooriginário da física, o <strong>de</strong> „participador“. Ele nos permite refletir sobre ‚pesquisa participante‘ <strong>em</strong> ciências sociais damesma forma que na física mo<strong>de</strong>rna do microcosmo que se constituiu a partir do séculoXX. Nela, observador, materiais, métodos e objeto <strong>de</strong> estudo, encontram-se tão inter-relacionados que o resultado<strong>de</strong> uma medida é modificado pela própria presença da observação. Segundo o físico J. A Wheeler, „para <strong>de</strong>screver oque aconteceu t<strong>em</strong>-se que abandonar a palavra ‘observador’ e substituí-la pela nova palavra ‚participador‘. Em certosentido, o universo é um universo participatório“ (WHEELER, 1973, p. 244).121


Particularmente, interessava-nos ter uma clareza sobre dois pontos fundamentais: a) a relaçãopatrimônio/valor e b) os sentidos da expressão “valor <strong>de</strong> uso” e, <strong>em</strong> especial, a que o significanteuso se refere. Neste sentido, as reflexões <strong>de</strong> Guarnieri foram incentivadoras. E a teoria <strong>de</strong> valor,<strong>em</strong> Marx, além <strong>de</strong> esclarecedora, se a<strong>de</strong>qua perfeitamente à questão patrimonial. Com isso e<strong>em</strong> oposição ao que propõe Pomian – <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> gravitam inúmeros autores -, tambémpud<strong>em</strong>os mostrar que qualquer objeto e <strong>em</strong> qualquer situação que se encontre s<strong>em</strong>pre mantémseu valor intrínseco enquanto produto da ativida<strong>de</strong> humana, isto é seu valor <strong>de</strong> uso. E que, <strong>em</strong>seu itinerário histórico e simbólico, ao contrário <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r valor, ocorre, <strong>de</strong> fato, superposição<strong>de</strong> valores. Por outro lado, se existe valor é porque há significação e, por conseguinte, o valorsimbólico é el<strong>em</strong>ento constitutivo <strong>de</strong> qualquer objeto cultural. Em suma, valor (axia) <strong>de</strong>fine-se,s<strong>em</strong>pre, <strong>em</strong> relação a alguma coisa, qual seja, só pod<strong>em</strong>os estabelecer um valor-patrimôniono contexto <strong>de</strong> uma “relação a ...”, ou seja, <strong>de</strong> acordo, ou segundo (kata) as condições socialhistóricasespecíficas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> e que, portanto, só pod<strong>em</strong> ser mediadas e avaliadas<strong>em</strong> cada caso específico e não como categoria abstrata e <strong>de</strong>shistoricizada. Assim, <strong>de</strong>slocandonosda concepção <strong>de</strong> patrimônio como partilhável (exclu<strong>de</strong>nte), propomos que, com base nanoção <strong>de</strong> valor, o patrimônio seja pensado como participável (inclu<strong>de</strong>nte). Logo, patrimônio,sendo valor-coisa e aparição, fenômeno historicamente materializável do valor, imbui-se daposição/função <strong>de</strong> representante <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> tudo aquilo que na e partir da coisa provoca/produzevocação, encantamento, relação <strong>de</strong> pertença e indicativo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.ReferênciasABREU, Regina; CHAGAS, Mário <strong>de</strong> Souza; SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. (Orgs.). <strong>Museu</strong>s, coleçõese patrimônios: narrativas polifônicas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Garamond; MinC/Iphan/D<strong>em</strong>u, 2007.ABREU, Regina: CHAGAS, Mário <strong>de</strong> Souza. (Orgs.). M<strong>em</strong>ória e patrimônio. Ensaios cont<strong>em</strong>porâneos.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lamparina, 2009.AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneida<strong>de</strong>(s) enunciativa(s). Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Estudos Linguísticos, n.19, p. 25-42, 1990.BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas, vol. 1).BERGERON, Yves. Collection: regards & analyse. In: DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. (Dir.).Dictionnaire encyclopedique <strong>de</strong> muséologie. Paris: Armand Colin, 2011. p. 55-69.BORGES, Luiz C. <strong>Museu</strong> como espaço <strong>de</strong> interpretação e <strong>de</strong> disciplinarização <strong>de</strong> sentidos. Museologia ePatrimônio, v. 4, n. 1, 2011, p. 37-62. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 05. jan. 2012.BOYLAN, Patrick J. The intangible heritage: a challenge and an opportunity for museums and museumsprofessional training. International Journal of Intangible Heritage, v. 1, p. 53-65, 2006.BRENNI, Paolo. Trinta anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s: instrumentos científicos <strong>de</strong> interesse histórico. In: RIBEIRO,Ana Maria (Org.). Caminhos para as estrelas: reflexões sobre um museu. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MAST, 2007.CABRAL, Magaly. (Coord.). <strong>Museu</strong>s e patrimônio intangível: o patrimônio intangível como veículo para aação educacional e cultural. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira. (Coord.). O Icom-Brasil e o pensamentomuseológico brasileiro. Documentos selecionados. Vol. 1. São Paulo: Pinacoteca do Estado: Secretaria<strong>de</strong> Estado da Cultura: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, 2010. p.158-171.CAMPOS, Márcio D’Olne; BORGES, Luiz Carlos. Percursos Simbólicos <strong>de</strong> Objetos Culturais: coleta,exposição e a metáfora do balcão. Boletim do <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v.7,n.1, p.113-130, jan-abr, 2012.122


CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto 1. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1997.CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da socieda<strong>de</strong>. São Paulo: Paz e Terra, 2010.CHOAY, Françoise. As questões do patrimônio. Antologia para um combate. Lisboa: Edições 70, 2011.DAVALLON, Jean. Le don du patrimoine. Paris: Lavoisier, 2006.DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. (Dir.). Dictionnaire encyclopedique <strong>de</strong> muséologie. Paris:Armand Colin, 2011.FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio <strong>em</strong> processo: trajetória da política fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> preservaçãono Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.GEERTZ, Clifford. Estar lá, escrever aqui. Diálogo, v. 22, n. 3, p. 58-63, 1989.GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Iphan-MinC, 2007.GRANATO, Marcus; MIRANDA, Luiz Roberto Martins <strong>de</strong>. A restauração na trajetória <strong>de</strong> um teodolito doacervo do Mast. Anais do <strong>Museu</strong> Paulista – História e Cultura Material, v. 19, n. 1, p. 279-312, jan./jun. 2011.GREENBLATT, Stephen. Ressonance and won<strong>de</strong>r. In: KARP, Ivan; LAVINE, Steven L. (Eds.). Exhibitingcultures: the poetics and politics of museums diaplay. Washington: Smithsonian Institution Press, 1991. p.42-56. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso<strong>em</strong> 29 set 2012.GUARNIERI, Waldísia Rússio Camargo. B<strong>em</strong> e patrimônio cultural. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira.(Coord.). Waldísia Rússio Camargo Guarnieri. Textos e contextos <strong>de</strong> uma trajetória profissional. Vol.1. São Paulo: Pinacoteca do Estado: Secretaria do Estado <strong>de</strong> Cultura: Comitê Brasileiro do ConselhoInternacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, 2010a. p. 119-122.GUARNIERI, Waldísia Rússio Camargo. A difusão do patrimônio: novas experiências <strong>em</strong> museus,programas educativos e promoção cultural. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira. (Coord.). Waldísia RússioCamargo Guarnieri. Textos e contextos <strong>de</strong> uma trajetória profissional. Vol. 1. São Paulo: Pinacoteca doEstado: Secretaria do Estado <strong>de</strong> Cultura: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, 2010b.p. 164-175.GUARNIERI, Waldísia Rússio Camargo. Conceito <strong>de</strong> cultura e sua inter-relação com o patrimônio culturale a preservação. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira. (Coord.). Waldísia Rússio Camargo Guarnieri. Textose contextos <strong>de</strong> uma trajetória profissional. Vol. 1. São Paulo: Pinacoteca do Estado: Secretaria do Estado<strong>de</strong> Cultura: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, 2010c. p. 203-210.LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia e patrimônio interdisciplinar do campo: História <strong>de</strong> um Desenho(Inter)Ativo. In: 8 ENANCIB – Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Ciência da Informação, Salvador-Brasil,2007. Anais eletrônicos..... Salvador: Ancib, 2007.LIMA FILHO, Manuel Ferreira; ECKERT, Cornelia; BELTRÃO, Jane Filipe. (Orgs.). Antropologia epatrimônio cultural. Blumenau: ABA: Nova Letra, 2007.LIMA, Nei Clara, A Festa <strong>de</strong> Babette: Consagração do corpo e <strong>em</strong>briaguês da alma. HorizontesAntropológicos, Ano 2, n. 4, p. 71-83, jan./jun. 1996.ORLANDI, Eni Pulcinelli. Terra à vista. Discursos do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortez, 1990.POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi. M<strong>em</strong>ória – História. Vol 1. Lisboa: ImprensaNacional; Casa da Moeda, 1984. p. 51-86.WHEELER, John A. From relativity to mutability. In: MEHRA J.A. (ed.) The physicist's conception of nature. Dordre123


SULEANDO MUSEUS E MUSEOLOGIA EM DIREÇÃO À AMERICALATINA: O ICOFOM LAM E A INTERCULTURALIDADE LATINO-AMERICANALuciana Menezes <strong>de</strong> Carvalho e Tereza Cristina ScheinerResumoO presente artigo visa abordar a importância <strong>de</strong> se refletir sobre a América Latina e suadiversida<strong>de</strong> cultural, a partir <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> “suleação” (orientação geográfica que utilizao H<strong>em</strong>isfério Sul como referência, <strong>de</strong> cunho político-i<strong>de</strong>ológico) na forma <strong>de</strong> pensar museus eMuseologia. Defend<strong>em</strong>os a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é necessário enten<strong>de</strong>r a América Latina consi<strong>de</strong>randoas características diversas que a compõ<strong>em</strong> e os referenciais próprios da Região. Tomar<strong>em</strong>oscomo ponto <strong>de</strong> partida contribuições <strong>de</strong> profissionais latino-americanos, apresentando asi<strong>de</strong>ias <strong>em</strong> quatro momentos: 1) Breve introdução, que <strong>de</strong>lineia o conceito <strong>de</strong> suleação aplicadoà América Latina; 2) Reflexões sobre a realida<strong>de</strong> intercultural latino-americana, baseada <strong>em</strong>“movimentos” <strong>em</strong> prol da “<strong>de</strong>snorteação” e <strong>de</strong> uma possível “suleação” da América Latina, pormeio <strong>de</strong> mudanças no modo <strong>de</strong> pensar as questões pertinentes à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa Região;3) A “observação” do fenômeno <strong>Museu</strong> neste espaço, consi<strong>de</strong>rando a interculturalida<strong>de</strong>, o<strong>de</strong>senvolvimento e o fortalecimento da Museologia latino-americana, a partir do ICOFOM LAM;e 4) Consi<strong>de</strong>rações finais sobre uma efetiva “suleação”.Palavras-chave: <strong>Museu</strong>. Museologia. Interculturalida<strong>de</strong>. Suleação. América Latina.ResumenSureando Museos y Museología hacia Latinoamérica: el ICOFOM LAM y la interculturalidadlatinoamericanaEl presente artículo tiene como objetivo abordar la importancia <strong>de</strong> un reflexionar sobre AméricaLatina y su diversidad cultural, por medio <strong>de</strong> un movimiento <strong>de</strong> “sureación” (orientación geográficaque utiliza el H<strong>em</strong>isferio Sur como referencia, con objetivo político e i<strong>de</strong>ológico) en el modo <strong>de</strong>pensar museos y Museología. Defend<strong>em</strong>os la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> que es necesario enten<strong>de</strong>r a Latinoaméricaconsi<strong>de</strong>rando sus características diversas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un referencial propio <strong>de</strong>l pensamiento <strong>de</strong> laRegión. A partir <strong>de</strong> las contribuciones <strong>de</strong> profesionales latinoamericanos, el contenido serápresentado en cuatro momentos: 1) Breve introducción <strong>de</strong>lineando el concepto <strong>de</strong> “sureación”,aplicado a la Región; 2) Reflexiones sobre la realidad intercultural latinoamericana, con base en“movimientos” a favor <strong>de</strong> la “<strong>de</strong>snorteación” y <strong>de</strong> una posible “sureación” <strong>de</strong> América Latina, pormedio <strong>de</strong> cambios en la manera <strong>de</strong> pensar las cuestiones pertinentes a la realidad <strong>de</strong> nuestraRegión; 3) La “observación” <strong>de</strong>l fenómeno Museo en este espacio, consi<strong>de</strong>rando aspectos comola interculturalidad, el <strong>de</strong>sarrollo y el fortalecimiento <strong>de</strong> la Museología, a partir <strong>de</strong> las i<strong>de</strong>as <strong>de</strong>lICOFOM LAM; y 4) Consi<strong>de</strong>raciones finales sobre una efectiva “sureación”.Palabras clave: Museo. Museología. Interculturalidad. Sureación. América Latina.124


Abstract<strong>Museu</strong>ms and Museology move South, towards Latin America: ICOFOM LAM andintercultural issues in Latin AmericaThe paper presents the importance of addressing Latin America and its cultural diversity as arelevant issue, by perceiving museums and Museology within a process of ‘Southernization’(orientation using the Southern h<strong>em</strong>isphere as reference, in a political and i<strong>de</strong>ological approach).We <strong>de</strong>fend the i<strong>de</strong>a that, to un<strong>de</strong>rstand Latin America, it is necessary to consi<strong>de</strong>r its particularcharacteristics, as well as its own cultural backgrounds. We take as a starting point thecontributions of Latin American professionals that have already discussed our Region. I<strong>de</strong>asare herein presented in four steps: 1) A short introduction about the concept of ‘Southernization’,as applied to Latin America; 2) Reflections about the intercultural Latin American reality, basedon “mov<strong>em</strong>ents” that <strong>de</strong>fend the ‘Southernization’ of thought. This inclu<strong>de</strong>s a shift in the waysthrough which Latin American realities are perceived and studied; 3) Observing the <strong>Museu</strong>mun<strong>de</strong>r such light, we have consi<strong>de</strong>red the intercultural character of the Region and the theoreticalmov<strong>em</strong>ents that led to the consolidation of Museology, influenced by the Regional Subcommitteeof ICOFOM for Latin America and the Caribbean – ICOFOM LAM; and 4) Conclusions about aneffective ‘Southernization’.Keywords: <strong>Museu</strong>m. Museology. Intercultural Issues. Southernization. Latin America.SULEANDO MUSEUS E MUSEOLOGIA EM DIREÇÃO À AMERICALATINA: O ICOFOM LAM E A INTERCULTURALIDADE LATINO-AMERICANA“Por uma transformação dos museus da América Latina, [...]”Mesa-Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile I1. Introdução: O ato <strong>de</strong> sulear a América Latina - a diversida<strong>de</strong> que configura a unida<strong>de</strong>Pensar a América Latina é uma trajetória árdua. Muitos teóricos se <strong>de</strong>bruçaram e ainda se<strong>de</strong>bruçam sobre o t<strong>em</strong>a, tentando <strong>de</strong>finir este conceito geopolítico. Em <strong>de</strong>trimento dos outrosdois países que ocupam o território americano, estamos acostumados a ter uma visão <strong>de</strong>América Latina como integrada por países “<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento”, grupo <strong>de</strong> nações conhecidotambém como “Terceiro Mundo”, por não ter<strong>em</strong> ainda alcançado <strong>de</strong>terminados padrões <strong>de</strong>finidospelo discurso da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como sendo <strong>de</strong> países “<strong>de</strong>senvolvidos”. Esta dicotomia – países<strong>de</strong>senvolvidos/países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento – também aparece no discurso político e acadêmicorepresentada como Norte/Sul. Se pararmos para refletir um pouco, ver<strong>em</strong>os que a questão vaialém: não se trata apenas <strong>de</strong> características que <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> e separam um grupo do outro, mas<strong>de</strong> um modo diferente <strong>de</strong> ver um país “<strong>de</strong>senvolvido” <strong>de</strong> um <strong>em</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento”. Esse olhardurante muito t<strong>em</strong>po interferiu no modo <strong>de</strong> perceber e <strong>de</strong>finir as diferenças culturais <strong>de</strong> ambosos grupos, fazendo com que algumas culturas foss<strong>em</strong> percebidas como “<strong>de</strong>senvolvidas”, <strong>em</strong><strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “culturas <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento”.IUNESCO. Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile. <strong>Museu</strong>m, vol. XXV (3), p. 126-204, 1973.125


Segundo Márcio Campos (2008, p. 41), mesmo gozando <strong>de</strong> experiências <strong>em</strong> diferentes contextose elaborando leituras muito distintas, seja no âmbito individual quanto social, os resultadosacima <strong>de</strong>scritos s<strong>em</strong>pre estarão baseados <strong>em</strong> referenciais a partir dos quais perceb<strong>em</strong>osnosso entorno. O autor toma como ex<strong>em</strong>plo o ensino dos pontos car<strong>de</strong>ais, tendo o norte comoreferente fundamental, e ressalta o caráter i<strong>de</strong>ológico presente <strong>em</strong> afirmações tais como:Norte/Sul, acima/abaixo, subir/<strong>de</strong>scer, superior/inferior, central/periférico, <strong>de</strong>senvolvido/<strong>em</strong><strong>de</strong>senvolvimento (CAMPOS, 2008, p. 42). Como proposta, Campos explica:Se estendêss<strong>em</strong>os a mão esquerda para o lado do oriente po<strong>de</strong>ríamos aten<strong>de</strong>rao requisito <strong>de</strong> respeito ao conceito <strong>de</strong> lateralida<strong>de</strong>, tão exigida <strong>em</strong> alfabetizaçãoda palavra nas escolas, mas <strong>de</strong>sprezada para a alfabetização e leitura domundo [...]. Com isso construiríamos uma representação simbólica, on<strong>de</strong>também com a consciência do corpo nos colocamos aptos a olhar para o Sul,[...]. Encontrado <strong>de</strong>ssa forma o Polo Sul celeste, basta traçar uma perpendicularpara – „suleando-se“ - mirar o sul geográfico. Parte da regra prática po<strong>de</strong>riafuncionar se readaptáss<strong>em</strong>os a idéia da representação corporal importada. Oque acontece segundo a citação a Sperber é que importou-se o que é conceitualno Norte mas a representação conceitual não tornou-se, no Sul, assimilável aoseu objetivo. O conceito e a regra prática <strong>de</strong> lá foram postos entre aspas comorepresentação simbólica inutilizando aqui a utilização do Norte e reforçando ocaráter i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> dominação (2008, p. 54).Ainda, ao pensar <strong>em</strong> diversida<strong>de</strong> na América Latina na nossa dissertação <strong>de</strong> Mestrado, introduzio assunto falando <strong>de</strong> minhas experiências como indivíduo. Multiétnica, pessoa que não seenquadra nas etnias arianas, africanas e indígenas mas se vê como constituída por todas elas,se percebe como um ser vivo e pensante, ar<strong>de</strong>nte por novas experiências i<strong>de</strong>ntitárias, <strong>em</strong> re<strong>de</strong>s<strong>de</strong> relações complexas. Po<strong>de</strong>ríamos dizer, com ousadia, que assim é América Latina: espaçoconfigurado pela existência <strong>de</strong> diversas etnias, pelo sincretismo religioso e pelas diferençassociais configuradas nos diferentes locais.Po<strong>de</strong> parecer contraditório fazer analogia <strong>de</strong> um indivíduo como síntese <strong>de</strong> algo tão complexoe múltiplo como a América Latina, mas é justamente a diversida<strong>de</strong> que configura a unida<strong>de</strong>.Nas palavras <strong>de</strong> Paulo Freire:Ninguém chega a parte alguma só, [...] Carregamos conosco a m<strong>em</strong>ória d<strong>em</strong>uitas tramas, o corpo molhado <strong>de</strong> nossa história, <strong>de</strong> nossa cultura; a m<strong>em</strong>ória,às vezes difusa, às vezes nítida [...] Experimentamos, é certo, na travessiaque faz<strong>em</strong>os, um alvoroço na alma, síntese <strong>de</strong> sentimentos contraditórios [...].(FREIRE, 1997, p. 32-33)2. Desnorteando e Suleando a América Latina por uma abordag<strong>em</strong> interculturalDurante muito t<strong>em</strong>po a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> foi vista como uma “essência acabada”. Por isso, segundoCanen, quando uma abordag<strong>em</strong> multicultural é construída sobre essa suposição, mesmo quevalorize a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, irá visualizá-las como entida<strong>de</strong>s estanques: ‘o negro’, ‘oíndio’, ‘a mulher’, ‘o <strong>de</strong>ficiente’ e assim por diante (CANEN, 2007, p. 94). T<strong>em</strong>os como ex<strong>em</strong>ploas perspectivas multiculturais folclóricas que ainda não incorporaram o caráter <strong>de</strong> construçãodas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, não se voltaram ao papel dos discursos nessa construção e “[...] s<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raro dinamismo, o hibridismo, as sínteses culturais e o movimento constante que resulta <strong>em</strong> novasi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.” (CANEN, 2007, p. 94-95).126


Por isso, “[...] uma tomada <strong>de</strong> posição impõe-se a nossos museus, que estão numa posiçãoprivilegiada para gerar uma vonta<strong>de</strong> coletiva <strong>de</strong> preservação das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s culturais”(RISNICOFF DE GORGAS, 1998, 117-129). Este foi o clamor <strong>de</strong> tantos que pensaram sobre opapel dos museus frente às necessida<strong>de</strong>s dos povos. (Re)pensar o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>ste modo é umpasso muito importante para enten<strong>de</strong>rmos as multiplicida<strong>de</strong>s e uma possível interculturalida<strong>de</strong>latino-americanas.O caminho apresentado até aqui foi escolhido porque não há como falar <strong>de</strong> interculturalida<strong>de</strong>s<strong>em</strong> tratar da diversida<strong>de</strong> que é a base para sua ação. Segundo Vasconcelos, baseada <strong>em</strong>García Canclini, seria o conceito a hibridação que auxilia na compreensão do conceito <strong>de</strong>interculturalida<strong>de</strong>,A hibridação seria o termo a<strong>de</strong>quado para traduzir os processos <strong>de</strong>rivadosda interculturalida<strong>de</strong>, não só as fusões raciais comumente <strong>de</strong>nominadas d<strong>em</strong>estiçag<strong>em</strong> ou o sincretismo religioso, mas também as misturas mo<strong>de</strong>rnas doartesanal com o industrial, do culto com o popular e do escrito com o visual, ouseja, trata-se <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> maior amplitu<strong>de</strong> e atualida<strong>de</strong> que explicariamelhor os complexos processos combinatórios cont<strong>em</strong>porâneos “não só ascombinações <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos étnicos ou religiosos, mas também a <strong>de</strong> produtos<strong>de</strong> tecnologia avançadas e processos sociais mo<strong>de</strong>rnos ou pós-mo<strong>de</strong>rnos”(Canclini, 2003, p. XXIX). IIEstudar tais processos servirá para conhecermos e nos situarmos <strong>em</strong> meio à heterogeneida<strong>de</strong>,além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos trabalhar <strong>de</strong> forma d<strong>em</strong>ocrática com as divergências (Canclini, 1998, p. XXIV-XXVIII). Assim, a Museologia, como campo <strong>de</strong> conhecimento do <strong>Museu</strong>, <strong>de</strong>ve basear-se aoestudar as necessida<strong>de</strong>s da América Latina, para a construção <strong>de</strong> uma interculturalida<strong>de</strong>.Propomos, baseados no que já apresentamos aqui, o ato <strong>de</strong> sulear a América Latina – umarevolução <strong>de</strong>cretada. Afinal <strong>de</strong> contas, como assegura Campos, só reafirmar<strong>em</strong>os nossaexistência tendo consciência dos nossos referenciais, constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> construção esimbolizados na própria vivência <strong>de</strong> nossos contextos (CAMPOS, 2008, p. 53). O próximo passoé enten<strong>de</strong>r que, na busca pela unida<strong>de</strong>, apenas encontrar<strong>em</strong>os a diversida<strong>de</strong>. Como l<strong>em</strong>braGarcía Canclini (1998, p. 72), não pod<strong>em</strong>os “colocar no mesmo saco” países como Colômbia,Brasil e Argentina e n<strong>em</strong> dizer que somos formados por brancos, negros e índios, como se estasfoss<strong>em</strong> etnias homogêneas.Não há uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> latino-americana, mas múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s étnicas,nacionais, <strong>de</strong> gênero etc. contidas <strong>em</strong> tal espaço. [...]. O que a noção <strong>de</strong>espaço cultural latino-americano resolve e o que <strong>de</strong>ixa pen<strong>de</strong>nte? Deixa paratrás, antes <strong>de</strong> tudo, as <strong>de</strong>finições ontológicas que procuravam captar um ser ouuma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> regional. Reconhece a diversida<strong>de</strong> e a existência <strong>de</strong> diferentesmovimentos ou mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> integração, como processos históricos e inacabados.(CANCLINI, 2005, p. 174).IIVASCONCELOS, Luciana Machado <strong>de</strong>. Interculturalida<strong>de</strong>. Disponível <strong>em</strong>: < http://www.cult.ufba.br/mais<strong>de</strong>finicoes/INTERCULTURALIDADE.<strong>pdf</strong> >. Acesso <strong>em</strong>: 21 set. 2012.127


Defend<strong>em</strong>os a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é necessário enten<strong>de</strong>r a América Latina consi<strong>de</strong>rando ascaracterísticas diversas que a compõ<strong>em</strong> e levando <strong>em</strong> conta os nossos próprios referenciais.É baseados nesta prerrogativa que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os <strong>de</strong>linear a interculturalida<strong>de</strong> latino-americana.Enten<strong>de</strong>ndo que tal conceito surge, primeiramente, para aten<strong>de</strong>r d<strong>em</strong>andas culturais e sociais dacoexistência <strong>de</strong> diferentes grupos étnicos nos países do “Norte”, entend<strong>em</strong>os que, no caso latinoamericano,não dá para abordar a interculturalida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> enten<strong>de</strong>r que as configurações étnicase culturais no nosso ambiente ocorr<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma diferenciada. É necessário, portanto, suleartambém este conceito. Para tal, tomar<strong>em</strong>os como ponto <strong>de</strong> partida para reflexão contribuições<strong>de</strong> profissionais latino-americanos que se dispuseram a pensar a nossa Região.3.1. Refletindo sobre a realida<strong>de</strong> latino-americana: o <strong>Museu</strong> e sua importância para umapossível interculturalida<strong>de</strong>Segundo a argentina Mónica Risnicoff <strong>de</strong> Gorgas, ao estudar a Região não pod<strong>em</strong>os esqueceras ocupações e dominações do espaço, as lutas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, os diferentes interesses, os gruposmigratórios e os movimentos <strong>de</strong> busca por uma posição na socieda<strong>de</strong> - fatos estes que constitu<strong>em</strong>um ambiente <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> a ser interpretado (1998, p. 117-129). Durante muito t<strong>em</strong>po odiscurso da história oficial negou sist<strong>em</strong>aticamente esses conflitos, o que nos levou a constituiruma “auto-imag<strong>em</strong> distorcida”, e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “auto-aceitação” diminuiu a nossa “auto-estima”(RISNICOFF DE GORGAS, loc. cit.). Mesmo com a noção da diversida<strong>de</strong> cultural, percebida hámuito t<strong>em</strong>po, “[...] há uma série <strong>de</strong> tensões ainda não resolvidas, que n<strong>em</strong> as instituições <strong>de</strong>ensino n<strong>em</strong> os museus vêm tendo vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecer” (RISNICOFF DE GORGAS, loc. cit.).Tereza Scheiner também chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que a maioria dos museus reflet<strong>em</strong>um tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> que os i<strong>de</strong>alizaram e ainda os i<strong>de</strong>alizam. Assim, mesmo que se promovamações <strong>de</strong> incentivo às diferentes classes sociais para a<strong>de</strong>ntrar<strong>em</strong> suas portas, só comparec<strong>em</strong>,<strong>em</strong> sua maioria, os que “[...] t<strong>em</strong> acesso à escolarida<strong>de</strong> e pod<strong>em</strong>, <strong>de</strong> alguma forma, i<strong>de</strong>ntificarsecom as maravilhas apresentadas. Pois este é o museu do estatuto burguês, e existe paraperpetuar e legitimar, na estética e no discurso, os valores da socieda<strong>de</strong> burguesa.” (1998, p. 121).Tal fato fica claro quando sab<strong>em</strong>os que gran<strong>de</strong> parte da população nunca entrou <strong>em</strong> um museu:Po<strong>de</strong>-se até dizer que o museu, enquanto categoria simbólica, não representa <strong>em</strong>amplitu<strong>de</strong> a alma latino-americana; que não realiza <strong>de</strong> modo amplo seu enormepotencial como agente <strong>de</strong> informação, comunicação, valorização i<strong>de</strong>ntitária eproteção do patrimônio <strong>de</strong> nossos povos. Melhor <strong>de</strong>stino e maior visitação t<strong>em</strong>tido os jardins zoológicos e botânicos - especialmente nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong>são periodicamente visitados por cidadãos <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s e procedências.(SCHEINER, loc.cit.).Para Garcia Canclini, o importante é construir princípios teóricos e procedimentos metodológicosque nos ajud<strong>em</strong> a compreen<strong>de</strong>r nossas diferenças e conviver <strong>em</strong> meio a elas, num movimentoque leva “[...] a aceitar o que cada um ganha e está per<strong>de</strong>ndo ao hibridar-se”. Este então traçaas diferenças entre multiculturalida<strong>de</strong> e interculturalida<strong>de</strong>, apontando que este último vai além:enquanto o primeiro “supõe a aceitação do heterogêneo”, a interculturalida<strong>de</strong> “implica que osdiferentes são o que são, <strong>em</strong> relações <strong>de</strong> negociação, conflito e <strong>em</strong>préstimos recíprocos.”(CANCLINI, 2005, p.17). Defen<strong>de</strong>, assim, que adotar “[...] uma perspectiva interculturalproporciona vantagens epist<strong>em</strong>ológicas e <strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong>scritivo e interpretativo, leva a conceberas políticas da diferença não só como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir.” (CANCLINI, op. cit., p. 25).128


Diferentes, <strong>de</strong>siguais e <strong>de</strong>sconectados? Formular os modos da interculturalida<strong>de</strong><strong>em</strong> chave negativa é adotar o que s<strong>em</strong>pre foi a perspectiva do pensamentocrítico: o lugar da carência. [...] As teorias comunicacionais nos l<strong>em</strong>bram que aconexão e a <strong>de</strong>sconexão com os outros são parte da nossa constituição comosujeitos individuais e coletivos. Portanto o espaço inter é <strong>de</strong>cisivo. (CANCLINI,op. cit., p. 31).Para se <strong>de</strong>finir, no âmbito dos museus, ações que propici<strong>em</strong> interculturalida<strong>de</strong> na América Latina,precisamos ter <strong>em</strong> mente que a “[...] libertação dos indivíduos só ganha profunda significaçãoquando se alcança a transformação da socieda<strong>de</strong>” (FREIRE, 1997, p. 100). Este é o passo quenos levará a outros, traçados pela Museologia latino-americana, principalmente pelo ICOFOMLAM - e que constatar<strong>em</strong>os no <strong>de</strong>correr da trajetória <strong>de</strong>ste texto. Ao visarmos a transformaçãodas nossas socieda<strong>de</strong>s, simultaneamente as libertar<strong>em</strong>os – <strong>de</strong> nós mesmas, <strong>de</strong> nossas visõeslimitadas, ultrapassadas e durante tanto t<strong>em</strong>po “norteadas”.Assim, necessitamos retroce<strong>de</strong>r a um momento histórico para os museus na América Latina, eque completou 40 anos <strong>em</strong> 2012. No dia 30 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1972, o ICOM organizou um s<strong>em</strong>inário cujoobjetivo principal era justamente o <strong>de</strong> discutir o papel dos <strong>Museu</strong>s na América Latina – a Mesa-Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile. Neste encontro, a partir <strong>de</strong> uma análise acerca dos probl<strong>em</strong>asdo meio rural, urbano, do <strong>de</strong>senvolvimento técnico-científico e da educação permanente, e <strong>de</strong>sua importância para o futuro da socieda<strong>de</strong> na América Latina, os participantes <strong>de</strong>clararam, jánum primeiro momento, que os museus têm a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar medidas e soluçõespara tais questões, para que assim se integr<strong>em</strong> à vida da socieda<strong>de</strong>, assumindo um papel<strong>de</strong>cisivo na educação da comunida<strong>de</strong> (UNESCO, 1973, p. 126-204).Visando “[...] uma transformação dos museus da América Latina” (UNESCO, 1973, p. 126-204), os participantes da Mesa-Redonda consi<strong>de</strong>raram que “[...] as transformações sociais,econômicas e culturais que se produz<strong>em</strong> no mundo, e, sobretudo <strong>em</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>regiões <strong>em</strong> via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, são um <strong>de</strong>safio para a Museologia” (UNESCO, 1973, p.126-204). É importante ressaltar esta última afirmativa, que reitera a percepção já existente noICOM, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1950, sobre o papel importante que a Museologia <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penharfrente às mudanças sociais e culturais. Em contrapartida, os participantes consi<strong>de</strong>raram tambémque tais questões não po<strong>de</strong>riam ser resolvidas somente por uma ciência e/ou disciplina, mas sima partir do engajamento <strong>de</strong> todos os setores da socieda<strong>de</strong> (UNESCO, 1973, p. 126-204).Em relação ao <strong>Museu</strong> propriamente dito, os participantes afirmaram que, por estar a serviço dasocieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve contribuir essencialmente para a formação da consciência das socieda<strong>de</strong>s aque serve e para o engajamento <strong>de</strong>stas comunida<strong>de</strong>s na ação,[...] situando suas ativida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> um quadro histórico que permita esclarecer osprobl<strong>em</strong>as atuais, ou seja, ligando o passado ao presente, engajando-se nasmudanças <strong>de</strong> estrutura <strong>em</strong> curso e provocando outras mudanças no interior <strong>de</strong>suas respectivas realida<strong>de</strong>s nacionais [...]. (UNESCO, 1973, p. 126-204).Tal pr<strong>em</strong>issa não implica na supressão dos museus tradicionais, porém apenas sugere queestes se modifiqu<strong>em</strong> <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> a que serv<strong>em</strong>, tornandos<strong>em</strong>ais a<strong>de</strong>quados para atuar <strong>em</strong> nível regional e/ou <strong>em</strong> pequenas comunida<strong>de</strong>s. Nos paíseslatino-americanos, especialmente,129


[...] os museus <strong>de</strong>v<strong>em</strong> respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s das gran<strong>de</strong>s massaspopulares, através do conhecimento <strong>de</strong> seu patrimônio natural e cultural, oque freqüent<strong>em</strong>ente obriga os museus a assumir funções que, <strong>em</strong> países mais<strong>de</strong>senvolvidos, cab<strong>em</strong> a outros organismos [...]. (UNESCO, 1973, p. 126-204).Pod<strong>em</strong>os constatar neste documento a relevância dada à atuação dos museus na AméricaLatina, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> assumir seu papel <strong>de</strong> agentes educativos, voltados prioritariamente paraas comunida<strong>de</strong>s que os cercam, incentivando-as a valorizar e a preservar o patrimônio <strong>em</strong> seuconceito mais amplo (patrimônio integral), s<strong>em</strong>pre respeitando as diferenças culturais.É nesta base que se apoiam a nossa reflexão e os trabalhos que segu<strong>em</strong>, culminando como ICOFOM LAM: acreditar que o <strong>Museu</strong> t<strong>em</strong> o potencial <strong>de</strong> tornar-se um instrumento <strong>de</strong> livre<strong>de</strong>senvolvimento das comunida<strong>de</strong>s da América Latina, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o <strong>Museu</strong>, neste caso, tenhacomo referência o “Sul”. Para abordar o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento teórico na Museologialatino-americana, utilizar<strong>em</strong>os como base os documentos produzidos pelo ICOFOM LAM eseus teóricos.3.2. Pensando Museologia e interculturalida<strong>de</strong> a partir do ICOFOM LAMA função principal do ICOFOM LAM <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio foi: “promover, dinamizar e documentar,na América Latina, o estudo e a pesquisa sobre Teoria Museológica, <strong>em</strong> consonância com asdiretrizes <strong>em</strong>anadas do Executivo do ICOM e com as ativida<strong>de</strong>s do próprio Comitê” (ICOFOM LAM,1991, p. 1). Esta função é efetivada através dos seguintes objetivos: propiciar o <strong>de</strong>senvolvimentoda Museologia como disciplina científica in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte; estudar as ativida<strong>de</strong>s e funções dosmuseus e seu papel na socieda<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como realizar análises críticas das principais tendênciasda Museologia, na atualida<strong>de</strong> (ICOFOM LAM, 2002, p. 8). A a<strong>de</strong>são imediata e progressiva <strong>de</strong>profissionais <strong>de</strong> diferentes países (Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru – e posteriormenteColômbia, Costa Rica, Cuba, Haiti, Guat<strong>em</strong>ala, México, Uruguai, Venezuela IV ) permitiu o<strong>de</strong>senvolvimento dos primeiros trabalhos <strong>em</strong> direção a uma linha <strong>de</strong> pensamento própriados profissionais latino-americanos.É importante ressaltar dois fatos com relação ao ICOFOM LAM. Primeiro, ao constituir umgrupo que se <strong>de</strong>bruça sobre e se <strong>de</strong>dica sist<strong>em</strong>aticamente às questões referentes ao papeldo fenômeno <strong>Museu</strong> - e da Museologia como campo intrinsecamente ligado a tais questões, apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança efetiva na prática é, no mínimo, maior do que reflexões importantes,porém pontuais, como a Declaração <strong>de</strong> Santiago. Os teóricos do ICOFOM LAM, ao trabalhar<strong>em</strong><strong>em</strong> conjunto, assum<strong>em</strong> um compromisso ético maior com a comunida<strong>de</strong> acadêmica, no sentido<strong>de</strong> que o <strong>de</strong>bate teórico e ético <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um compromisso local e passa a ser regional.Pod<strong>em</strong>os constatar esta afirmativa nos documentos finais dos encontros, que são “assinados”por seus participantes.Segundo, presenciamos aqui o ato revolucionário <strong>de</strong> “sulear” a Museologia: o ICOFOM LAMpropicia, <strong>de</strong> forma sist<strong>em</strong>ática, que pensadores latino-americanos possam ler a produção<strong>de</strong> seus conterrâneos, além <strong>de</strong> possibilitar um <strong>de</strong>bate produtivo para o campo. Aqui, abaixo,apresentar<strong>em</strong>os algumas contribuições <strong>de</strong> documentos finais do ICOFOM LAM e <strong>de</strong> autores<strong>de</strong>ste grupo.IVEstes profissionais, <strong>em</strong> sua maioria, estavam vinculados à Acad<strong>em</strong>ia e/ou às instâncias nacionais <strong>de</strong>dicadasà valorização do Patrimônio. T<strong>em</strong>os como ex<strong>em</strong>plo: ICOM Argentina e Direção Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (Argentina);Escolas <strong>de</strong> Museologia, <strong>Museu</strong>s do então Programa Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (Brasil); ICOM Equador, <strong>Museu</strong> do BancoCentral, entre outros (Equador); PUC Peru, ICOM Peru e Direção Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (Peru). Usa-se no texto aseqüência alfabética por País, conforme o ICOM (Nota das autoras).130


No ano <strong>de</strong> 1998 V , com um t<strong>em</strong>a que converge com o aqui discutido: “<strong>Museu</strong>s, Museologiae diversida<strong>de</strong> cultural na América Latina e Caribe”, foi o maior encontro do ICOFOM LAM,<strong>em</strong> número <strong>de</strong> participantes (400 pessoas), mobilizando a categoria profissional a discutir aspolíticas da Região. A Declaração <strong>de</strong> Xochimilco, fruto <strong>de</strong>ste encontro, apresenta o museucomo um espaço essencial para constituir, reconfigurar e sedimentar as representações globaisdo po<strong>de</strong>r, resultando <strong>em</strong> um lugar privilegiado para a reflexão acerca dos imaginários dasminorias (ICOFOM LAM, 1999, p. 24-27). Além disso, ao compreen<strong>de</strong>rmos os processos <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento e respeito pela dinamização da cultura <strong>de</strong> cada povo, possibilitamos que cadapovo siga seu caminho <strong>em</strong> direção ao b<strong>em</strong> estar social.Entre as contribuições dos autores <strong>de</strong>ste encontro, Scheiner reforça o que já apresentamosanteriormente, com García Canclini:Visões maniqueístas imped<strong>em</strong> que nos vejamos na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossapluralida<strong>de</strong>: ser plural não é ser oposto ao diferente, aceitá-lo fora <strong>de</strong> nós - éreconhecer e aceitar, antes <strong>de</strong> tudo, o Outro que habita <strong>em</strong> nós, reconhecerque somos muitos, e contraditórios. Todos nós somos o diferente. Poishá muitas Américas Latinas, cada uma <strong>de</strong>las um maravilhoso microcosmo on<strong>de</strong>o ambiente natural, a pluralida<strong>de</strong> lingüistica (não esqueçamos, o português eo espanhol são apenas idiomas oficiais) e uma fabulosa multiracialida<strong>de</strong> seconfiguram e representam <strong>em</strong> formas culturais específicas, não encontradas <strong>em</strong>nenhuma outra região. (SCHEINER, 1998, p. 122).Durante o encontro <strong>de</strong> 1999 VI , realizado <strong>em</strong> conjunto com o ICOFOM, com o t<strong>em</strong>a “Museologia,Filosofia e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> na América Latina e Caribe”, os participantes <strong>de</strong>sse evento <strong>de</strong>fin<strong>em</strong>a Museologia como a relação específica entre o Hom<strong>em</strong> e o Real, no contexto do <strong>Museu</strong>,baseando-se <strong>em</strong> princípios da Filosofia. Lançamos então a seguinte pergunta: quando o <strong>Museu</strong>assumirá o seu papel na (re)construção <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, socieda<strong>de</strong> e/ou país <strong>de</strong>nossa América Latina? A argentina Norma Rusconi (1998, apud ICOFOM LAM, 2006, p. 50)aponta uma direção, quando <strong>de</strong>fine o <strong>Museu</strong>[...] como um espaço <strong>de</strong> pura possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que está requerendo dosujeito uma nova linguag<strong>em</strong>, uma nova perspectiva ontológica e o compromissoeterno que, como hom<strong>em</strong> falante e pensante, assumiu ante aos outros homens eante ao mundo [...]. Se a museologia e os novos museus aspiram a ser espelhosdas socieda<strong>de</strong>s viventes, a noção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser o fundamento essencial<strong>de</strong>sta nova disciplina.Seguindo esta vertente, no encontro <strong>de</strong> 2001 VII , com o t<strong>em</strong>a “Museologia e Patrimônio Intangívelna América Latina e Caribe”, os participantes ressaltam a importância <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver umaMuseologia eticamente comprometida e solidária para com as socieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> transição,consi<strong>de</strong>rando o conceito <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> como um b<strong>em</strong> que <strong>de</strong>ve ser preservado e fortalecendoas diferenças culturais, frente aos fatores <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorganização ou <strong>de</strong>pendência econômica(ICOFOM LAM, 2006, p. 60).VOcorreu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Xochimilco, no México, entre os dias 13 e 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.VIEntre os dias 28 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro e 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, aconteceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coro, na Venezuela, o VIII EncontroRegional do ICOFOM LAM.VIIEm 2001 o Encontro Anual do ICOFOM LAM ocorreu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Montevidéu, no Uruguai, nos dias 12 a 15 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro.131


Em relação às publicações <strong>de</strong> autores, é relevante ressaltar quando Scheiner <strong>de</strong>clara que, aoinvestigar as relações entre Museologia, <strong>Museu</strong> e Patrimônio, <strong>de</strong>ve-se i<strong>de</strong>ntificar a relação entreseus conceitos e o contexto cultural da Atualida<strong>de</strong>, a partir das representações existentes noimaginário <strong>de</strong> nossas socieda<strong>de</strong>s (SCHEINER, 2001, p. 219). A autora afirma também que ainvestigação <strong>de</strong> novas dimensões nesta relação <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>linear os t<strong>em</strong>as que constituirão abase epist<strong>em</strong>ológica dos mo<strong>de</strong>los teóricos da Museologia – contribuindo para a sua inclusão naTeoria do Conhecimento, como campo disciplinar específico (SCHEINER, loc. cit.).Outra contribuição importante é a da museóloga brasileira Odalice Priosti, quando afirmaque a Museologia cont<strong>em</strong>pla o processo <strong>de</strong> regeneração e/ou revitalização das socieda<strong>de</strong>s,adaptando-se com novos métodos nas ações <strong>de</strong> investigação, preservação e comunicação. As“novas museologias”, girando <strong>em</strong> torno do patrimônio global a serviço das socieda<strong>de</strong>s, se abr<strong>em</strong>para reconhecer e incorporar novos olhares (PRIOSTI, 2001, p. 178).O próximo encontro a seguir esta vertente foi o Encontro <strong>de</strong> 2002 VIII , que teve como t<strong>em</strong>a“Museologia e apresentação na América Latina e Caribe: original/real ou virtual?”. Comouma eficiente alternativa para perceber e consequent<strong>em</strong>ente suprir as nossas necessida<strong>de</strong>s,os participantes do XI Encontro ressaltam que a criativida<strong>de</strong> é uma das características dosprofissionais <strong>de</strong> museus da América Latina, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> utilizar esta capacida<strong>de</strong> para interpretare apresentar, <strong>de</strong> forma d<strong>em</strong>ocrática e respeitosa, o patrimônio tangível e intangível para queos museus da região reflitam <strong>de</strong> modo integral a diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s(ICOFOM LAM, 2006, p. 68).O encontro “Museologia e Patrimônio Regional na América Latina e Caribe”, ocorrido <strong>em</strong> 2003 IX, retomou a questão da representação do <strong>Museu</strong> <strong>em</strong> nosso espaço, como consta no documentofinal <strong>de</strong>ste encontro: as socieda<strong>de</strong>s latino-americanas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre se reconhec<strong>em</strong> nos museus,ou melhor, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre os museus são “espelhos” confiáveis <strong>de</strong>stas socieda<strong>de</strong>s, constituindo- <strong>em</strong> sua maioria – a expressão <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo importado que não satisfaz nossos anseiosculturais (ICOFOM LAM, 2006, p. 73). Defend<strong>em</strong> também que os museus latino-americanos<strong>de</strong>v<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar todas as classes sociais, econômicas e culturais <strong>de</strong> cada socieda<strong>de</strong>, já queas mesmas são e <strong>de</strong>v<strong>em</strong> sentir-se geradoras <strong>de</strong> cultura (ICOFOM LAM, 2006, p. 75).Finalizando esta discussão acerca das contribuições do ICOFOM LAM, no documento conclusivodo encontro <strong>de</strong> 2004 X , tendo como t<strong>em</strong>a “Museologia e Patrimônio Intangível na América Latinae Caribe: uma visão integrada”, perceb<strong>em</strong>os um amadurecimento nas reflexões acerca doPatrimônio, também objeto <strong>de</strong> estudo da Museologia. Retomando a discussão da relação hom<strong>em</strong>/comunida<strong>de</strong> com o <strong>Museu</strong>, recomendou-se – no âmbito do Encontro <strong>de</strong> 2005 XI - que a Museologianão <strong>de</strong>ve ocupar-se somente do que se apreen<strong>de</strong> no domínio cognitivo, mas também no que seapreen<strong>de</strong> através dos sentidos e da <strong>em</strong>oção (domínio <strong>em</strong>ocional) (ICOFOM LAM, 2006, p. 91).Rel<strong>em</strong>bramos aqui Paulo Freire, quando afirmava que a “[...] libertação dos indivíduos só ganhaprofunda significação quando se alcança a transformação da socieda<strong>de</strong>” (FREIRE, 1997, p.100). Este <strong>de</strong>ve ser o anseio incansável da Museologia e do <strong>Museu</strong>: libertar e transformarnossas socieda<strong>de</strong>s, a partir do (auto) conhecimento das três instâncias.VIIIO XI Encontro do ICOFOM LAM aconteceu <strong>em</strong> Cuenca, Equador, <strong>em</strong> conjunto com o Encontro Anual do ICOFOMe com o ICOM Equador. O encontro foi sediado no Museo <strong>de</strong> los Metales, nos dias 23 e 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2002.IXO XII Encontro Anual do ICOFOM LAM realizou-se <strong>em</strong> Salvador, Bahia, no Brasil, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003, realizado<strong>em</strong> conjunto com o IPAC/Bahia.XO XIII Encontro Regional do ICOFOM LAM realizou-se na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antígua, na Guat<strong>em</strong>ala, no mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 2004, juntamente com o ICOM Guat<strong>em</strong>ala e a Associação Guat<strong>em</strong>alteca <strong>de</strong> Amigos <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s.XIO ICOFOM LAM realizou seu XIV Encontro no ano <strong>de</strong> 2005, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lima, Peru, no mês <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro. O t<strong>em</strong>a<strong>de</strong>batido foi “Museologia e Patrimônio – interpretação e comunicação na América Latina”.132


4. Consi<strong>de</strong>rações finais: a importância do ato <strong>de</strong> “sulear” para privilegiar nossainterculturalida<strong>de</strong>Quando <strong>de</strong>claramos que é necessário sulear a Museologia <strong>em</strong> direção à América Latina po<strong>de</strong>parecer, à primeira vista, que o ato <strong>de</strong> sulear <strong>em</strong> direção ao sul é redundante, mas não é.Como já mencionado neste trabalho, durante muito t<strong>em</strong>po, mesmo estando no sul, estiv<strong>em</strong>osvirados para o norte. O convite feito no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho foi que nos voltáss<strong>em</strong>os paranós mesmos, aqui no sul, que nos guiáss<strong>em</strong>os segundo nossos próprios parâmetros – comono caso do ICOFOM LAM, que sist<strong>em</strong>aticamente, por meio <strong>de</strong> seus participantes, t<strong>em</strong> lançadocontribuições que tomam como referência o pensamento e as práticas latino-americanas sobre<strong>Museu</strong>, Museologia e Patrimônio - buscando pensar tais questões <strong>de</strong> um modo tal que viseaten<strong>de</strong>r nossas d<strong>em</strong>andas.Assim, faz-se necessário por <strong>em</strong> prática um modo <strong>de</strong> operar a Museologia que privilegie ainterculturalida<strong>de</strong> na América Latina, para que museus efetivamente correspondam àsexpectativas das comunida<strong>de</strong>s das quais faz<strong>em</strong> parte. Não é mais possível repetir mo<strong>de</strong>los<strong>de</strong> “museus” prontos para os diferentes espaços e grupos – mas é urgente o diálogo com osverda<strong>de</strong>iros interessados <strong>em</strong> sua existência, para que estes <strong>de</strong>les se apropri<strong>em</strong>. Se a AméricaLatina é um espaço plural, nada mais coerente que uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> museus. Mas Scheinernos pontua um importante <strong>de</strong>talhe: tratar as diferenças não implica <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>atizá-las e criarmecanismos <strong>de</strong> segregação entre os “diferentes” - a diferença não está só no “Outro”, mastambém permeia o “Nós”:Pois a diferença não está fora <strong>de</strong> nós, ela é o que há, como afirma Badiou: „todasituação (...) é um múltiplo composto <strong>de</strong> uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos, cada um<strong>de</strong>les sendo ele próprio um múltiplo“. Badiou faz a crítica da ética cont<strong>em</strong>porânea,que focaliza com ênfase as diferenças culturais e on<strong>de</strong> o Outro é percebido comoo que possui hábitos, crenças e comportamentos diversos. Esta ética i<strong>de</strong>aliza ummundo on<strong>de</strong> seja possível a coexistência tranqüila das comunida<strong>de</strong>s culturais,religiosas, nacionais e on<strong>de</strong> inexista a exclusão. É o fascínio pelo culturalismo,que teria sua orig<strong>em</strong> numa “sociologia vulgar, diretamente herdada do espantocolonial diante dos selvagens”, esquecendo que a diferença é precisamenteo que há, e que toda configuração coletiva se caracteriza pela inesgotávelmultiplicida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traços e padrões. (SCHEINER, 1998, p. 123)Mais que reforçar as diferenças, nosso trabalho enquanto profissionais <strong>de</strong> museus é enten<strong>de</strong>re auxiliar nossos conterrâneos latino-americanos a nos enten<strong>de</strong>rmos <strong>em</strong> complexida<strong>de</strong> epluralida<strong>de</strong> – somos muitos que habitam o mesmo corpo, o mesmo espaço. Pois, como diria GarcíaCanclini: “Num t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> globalização, o objeto <strong>de</strong> estudo mais revelador, mais questionadordas pseudocertezas egocêntricas ou disciplinares é a interculturalida<strong>de</strong>. [...] Estudar a culturarequer, então, converter-se <strong>em</strong> especialista das interseções.” (2005, p. 128). Iríamos além <strong>de</strong>nossa própria afirmativa: mais que pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> museus, necessitamos <strong>de</strong> museus que atu<strong>em</strong><strong>de</strong> forma plural, mesmo que elabor<strong>em</strong>os e coloqu<strong>em</strong>os <strong>em</strong> prática as mais diferentes formas <strong>de</strong><strong>Museu</strong> possíveis. Só assim colocaríamos, <strong>em</strong> prática, o ato <strong>de</strong> sulearmos nossas ações, nossosmuseus e, aos poucos e <strong>em</strong> conjunto com outras manifestações, a própria América Latina.133


Referências:CAMPOS, Márcio D’Olne. Sulear vs Nortear: representações e apropriações do espaço entre <strong>em</strong>oção,<strong>em</strong>piria e i<strong>de</strong>ologia. p. 41-68. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 08 fev. 2008.CANEN, Ana. O multiculturalismo e seus dil<strong>em</strong>as: implicações na educação. Comunicação & Política –Pela integração latino-americana, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Centro Brasileiro <strong>de</strong> Estudos Latino-Americanos, v. 25,n. 2, p. 91-107, maio-agosto 2007.CARVALHO, Luciana Menezes <strong>de</strong>. Da Teoria para uma boa Prática: estudos sobre o Comitê Internacional<strong>de</strong> Museologia e sua importância para o <strong>de</strong>senvolvimento da Museologia como campo disciplinar. 2006.112 f. Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso (Graduação <strong>em</strong> Museologia)-Escola <strong>de</strong> Museologia, Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2006. Orientadora: Tereza Scheiner.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança – Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Paz e Terra, 1997. 245 p.GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Trad.Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 1998. 385p._________. Diferentes, <strong>de</strong>siguais e <strong>de</strong>sconectados: Mapas da interculturalida<strong>de</strong>. Trad. Luiz SérgioHenriques. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. UFRJ, 2005. 283p.ICOFOM LAM. BOLETIM ICOFOM LAM, Ano I n. 1, fevereiro, 1991. 2p._________. BOLETIM ICOFOM LAM, Ano I, n. 2, julho 1991._________. Carta <strong>de</strong> Coro. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICA LATINA Y CARIBE/ ICOFOM LAM (8). Coro [Venezuela]. In: El pensamiento museológico latinoamericano – los documentos<strong>de</strong>l ICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 49-54._________. Carta <strong>de</strong> Cuenca. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICA LATINA YCARIBE / ICOFOM LAM (6). Cuenca [Ecuador]. In: El pensamiento museológico latinoamericano – losdocumentos <strong>de</strong>l ICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 38-44._________. Carta <strong>de</strong> la Antigua Guat<strong>em</strong>ala. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICALATINA Y CARIBE / ICOFOM LAM (13). Antigua Guat<strong>em</strong>ala [Guat<strong>em</strong>ala]. In: El pensamiento museológicolatinoamericano – los documentos <strong>de</strong>l ICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 82-88.________. Carta <strong>de</strong> Lima. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICA LATINA Y CARIBE/ ICOFOM LAM (15). Lima [Peru]. In: El pensamiento museológico latinoamericano – los documentos <strong>de</strong>lICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 89-97.________. Carta <strong>de</strong> Montevi<strong>de</strong>o. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICA LATINA YCARIBE / ICOFOM LAM (10). Montevi<strong>de</strong>o [Uruguay]. In: El pensamiento museológico latinoamericano –los documentos <strong>de</strong>l ICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 58-66._________. Declaracíon <strong>de</strong> Bahía. ENCUENTRO DEL COMITÊ REGIONAL PARA A AMÉRICA LATINA YCARIBE / ICOFOM LAM (12). Salvador, Bahía [Brasil]. In: El pensamiento museológico latinoamericano –los documentos <strong>de</strong>l ICOFOM LAM. Córdoba: ICOFOM LAM, 2006. p. 70-81._________. ICOFOM LAM: Uma década <strong>de</strong> Museologia Teórica na América Latina. In: SIMPÓSIOMUSEOLOGIA E APRESENTAÇÃO: ORIGINAL/REAL OU VIRTUAL? ICOFOM LAM, Cuenca andGalápagos Islands, Subcomitê Regional para a América Latina e Caribe/ICOFOM LAM, p. 8, Out. 2002._________. Sintesis <strong>de</strong> la Declaración <strong>de</strong> Xochimilco. In: SIMPÓSIO MUSEOLOGIA, FILOSOFIA EIDENTIDADE NA AMÉRICA LATINA E CARIBE. ICOFOM LAM, Coro, Subcomitê Regional para a AméricaLatina e Caribe/ICOFOM LAM, p.24-27, 1999.PRIOSTI, Odalice. La nueva Museología y el Patrimonio Intangible. In: SIMPÓSIO MUSEOLOGIA EPATRIMÔNIO INTANGÍVEL. ICOFOM LAM, Montevidéu, Subcomitê Regional para a América Latina eCaribe/ICOFOM LAM, p. 178, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2001.RISNICOFF DE GORGAS, Mónica. Os museus e a crise dos povos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> concorrente. In:MUSEOLOGIA E DIVERSIDADE CULTURAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE. ICOFOM LAM,134


Cida<strong>de</strong> do México, México, Subcomitê Regional para a América Latina e Caribe/ICOFOM LAM, p. 117-129, Jun. 1998.SCHEINER, Tereza. Museologia e Patrimônio Intangível: A experiência virtual. In: SIMPÓSIO MUSEOLOGIAE PATRIMÔNIO INTANGÍVEL. ICOFOM LAM, Montevidéu, Subcomitê Regional para a América Latina eCaribe/ICOFOM LAM, p. 214-224, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2001._________. Museologia, Globalismo e diversida<strong>de</strong> cultural. In: MUSEOLOGIA E DIVERSIDADECULTURAL NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE. ICOFOM LAM, Cida<strong>de</strong> do México, México, SubcomitêRegional para a América Latina e Caribe/ICOFOM LAM, p. 143-174, Jun. 1998.UNESCO. Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile. <strong>Museu</strong>m, vol. XXV (3), p. 126-204, 1973.VASCONCELOS, Luciana Machado <strong>de</strong>. Interculturalida<strong>de</strong>. Disponível <strong>em</strong>: < http://www.cult.ufba.br/mais<strong>de</strong>finicoes/INTERCULTURALIDADE.<strong>pdf</strong> >. Acesso <strong>em</strong>: 21 set. 2012.135


MUSEOLOGÍA, PATRIMONIO, INTERCULTURALIDAD: MUSEOSINCLUSIVOS, DESARROLLO Y DIÁLOGO INTERCULTURALNelly DecarolisRESUMOMuseologia e interculturalida<strong>de</strong>: narrativas pluraisA partir da década <strong>de</strong> 60, o século XX assistiu ao nascimento <strong>de</strong> uma Museologia renovada, quecomeçava a ser incluída no domínio da investigação científica. Cinquenta anos <strong>de</strong>pois, e apesardas gran<strong>de</strong>s inovações assinaladas por este meio século, os museus ainda estão apren<strong>de</strong>ndoa viver novas experiências <strong>em</strong> um mundo on<strong>de</strong> a globalização das i<strong>de</strong>ias e o <strong>de</strong>safio da Internete das novas tecnologias se converteram <strong>em</strong> parte constitutiva <strong>de</strong> toda ativida<strong>de</strong>. O objetivo<strong>de</strong>ste documento é, portanto, colocar possíveis estratégias que permitam a abertura <strong>de</strong> umamplo diálogo intercultural e inclusivo, sustentado no conhecimento, estudo e difusão das basesteóricas da Museologia. Neste sentido, consi<strong>de</strong>ro pertinentes o conhecimento dos fundamentosda Museologia e a homologação <strong>de</strong> termos específicos da linguag<strong>em</strong> museal, a partir dos quaisse cri<strong>em</strong> vínculos <strong>de</strong>stinados a produzir e renovar os significados culturais – e que contribu<strong>em</strong>para o enriquecimento das bases teóricas <strong>de</strong> uma disciplina que afirma, no mundo, o papeldos museus e daqueles que com eles trabalham. Este enfoque constitui uma abertura radicalcujos eixos <strong>de</strong> reflexão, sumamente polêmicos, são objeto <strong>de</strong> permanente investigação eestudo. Confrontam-se assim novos el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> pensamento, que não apenas conduz<strong>em</strong>a uma análise crítica significativa do próprio campo da Museologia, como também das áreascorrespon<strong>de</strong>ntes às disciplinas afins. Além do mais, tudo isso outorga à práxis museológica umsustento teórico <strong>de</strong> inusitada magnitu<strong>de</strong>, indispensável, hoje, na luta permanente para lograrum mundo melhor, on<strong>de</strong> existam escalas <strong>de</strong> valor capazes <strong>de</strong> incluir, entre outras coisas, aaceitação da diversida<strong>de</strong> das culturas e o conhecimento e respeito pela alterida<strong>de</strong>.Palavras chave: diálogo intercultural, diversida<strong>de</strong> cultural, alterida<strong>de</strong>, linguag<strong>em</strong> museológica,ética global.RESUMENA partir <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l 60, el siglo XX asistió al nacimiento <strong>de</strong> una museología renovada quecomenzaba a ser incluida en el dominio <strong>de</strong> la investigación científica. Cincuenta años <strong>de</strong>spuésy a pesar <strong>de</strong> las gran<strong>de</strong>s innovaciones que han signado este medio siglo, los museos aún estánaprendiendo a vivir nuevas experiencias en un mundo don<strong>de</strong> la globalización <strong>de</strong> las i<strong>de</strong>as yel <strong>de</strong>safío <strong>de</strong> Internet y <strong>de</strong> las nuevas tecnologías se han convertido en parte constitutiva <strong>de</strong>toda actividad. Por lo tanto, el objetivo <strong>de</strong> este documento es plantear posibles estrategias quepermitan la apertura <strong>de</strong> un amplio diálogo intercultural e inclusivo, sustentado en el conocimiento,el estudio y la difusión <strong>de</strong> las bases teóricas <strong>de</strong> la museología. Consi<strong>de</strong>ro pertinente a tal efecto,el conocimiento <strong>de</strong> los fundamentos <strong>de</strong> la museología y la homologación <strong>de</strong> términos específicos<strong>de</strong>l lenguaje museal, a partir <strong>de</strong> los cuales se crean vínculos <strong>de</strong>stinados a producir y renovarlos significados culturales. Asimismo, enriquecen las bases teóricas <strong>de</strong> una disciplina que afirmaen el mundo el rol <strong>de</strong> los museos y <strong>de</strong> quienes en ellos trabajan. Este enfoque constituye unaapertura radical cuyos ejes <strong>de</strong> reflexión, sumamente polémicos, son objeto <strong>de</strong> permanente136


investigación y estudio. Se conforman así nuevos el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> pensamiento que no sóloconducen a un significativo análisis crítico en el campo mismo <strong>de</strong> la museología, sino tambiénen las áreas correspondientes a las disciplinas afines. Ad<strong>em</strong>ás, todo esto otorga a la praxismuseal un sustento teórico <strong>de</strong> inusitada magnitud, indispensable hoy en la lucha permanentepor lograr un mundo mejor, don<strong>de</strong> existan escalas <strong>de</strong> valores capaces <strong>de</strong> incluir, entre otrascosas, la aceptación <strong>de</strong> la diversidad <strong>de</strong> las culturas y el conocimiento y respeto por la alteridad.Palabras clave: diálogo intercultural, diversidad cultural, alteridad, lenguaje museal. ética global.MUSÉOLOGIE, PATRIMOINE ET INTERCULTURALITÉ:MUSÉES INCLUSIFS, DÉVELOPEMENT ET DIÁLOGUE INTERCULTURELNelly Decarolis, Prési<strong>de</strong>nte Honoraire ICOFOM / ICOFOM LAM, ArgentinaRÉSUMÉMuséologie et interculturalité: abordages plurielsLe XXe siècle a assisté, à partir <strong>de</strong>s années 60, à la naissance d’une muséologie rénovée quecommençait à être incluse dans le domaine <strong>de</strong> la recherche scientifique. Cinquante ans après etmalgré les gran<strong>de</strong>s innovations qui ont marqué ce d<strong>em</strong>i-siècle, les musées sont encore en traind’apprendre à vivre <strong>de</strong> nouvelles expériences dans un mon<strong>de</strong> où la globalisation <strong>de</strong>s idées et ledéfi d’Internet et <strong>de</strong>s nouvelles technologies sont <strong>de</strong>venus <strong>de</strong>s éléments indispensables à touteactivité. L’objectif <strong>de</strong> ce document est donc <strong>de</strong> formuler <strong>de</strong> possibles stratégies qui permettentd’ouvrir un dialogue interculturel et inclusif ample, ayant pour base la connaissance, l’étu<strong>de</strong>et la diffusion <strong>de</strong>s principes théoriques <strong>de</strong> la muséologie. À ce <strong>de</strong>ssein j’estime pertinent laconnaissance <strong>de</strong>s fond<strong>em</strong>ents <strong>de</strong> la muséologie et l’homologation <strong>de</strong> termes spécifiques dulangage muséal à partir <strong>de</strong>squels on puisse établir <strong>de</strong>s liens <strong>de</strong>stinés à produire et à rénoverles significations culturelles. Je considère qu’ils enrichissent aussi les bases théoriques d’unediscipline qui raffermit dans le mon<strong>de</strong> le rôle <strong>de</strong>s musées et <strong>de</strong> tous ceux qui travaillent dans cesinstitutions. Ce regard constitue une ouverture radicale dont les axes <strong>de</strong> réflexion, énormémentpolémiques, sont l’objet <strong>de</strong>s recherches et d’étu<strong>de</strong>s permanents. C’est ainsi que <strong>de</strong> nouveauxéléments <strong>de</strong> pensée se conforment qui ne mènent seul<strong>em</strong>ent à une analyse critique notoiredans le champ même <strong>de</strong> la muséologie mais dans le domaine correspondant aux disciplinesaffines aussi. Tout cela donne à la praxis muséale une base théorique inusuelle et <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>importance, aujourd’hui indispensable au moment <strong>de</strong> lutter pour construire un mon<strong>de</strong> meilleur,où <strong>de</strong>s échelles <strong>de</strong> valeurs capables d’inclure, parmi d’autres buts, l’acceptation <strong>de</strong> la diversité<strong>de</strong>s cultures et la connaissance et le respect <strong>de</strong> l’altérité, puissent existerMots clé: altérité, dialogue interculturel, diversité culturelle, éthique globale, langage muséal.MUSEOLOGY, HERITAGE AND INTERCULTURALITY: INCLUSIVE MUSEUMS,DEVELOPMENT AND INTERCULTURAL DIALOGUEABSTRACTMuseology and interculturality: pluralistic narrativesAs from the 1960s, the 20th century witnessed the <strong>em</strong>ergence of a renewed museology that startedto seep into the scientific research domain. Fifty years later, and <strong>de</strong>spite all the innovations of this137


half century, museums are still experiencing new insights, in a world in which the globalizationof i<strong>de</strong>as and the challenge of the Internet and the new technologies have become a part of allactivities. Therefore, the purpose of this document is to propose potential strategies to open upan enhanced intercultural, inclusive dialogue, based on the knowledge, study and diss<strong>em</strong>inationof the theoretical bases of museology. In this regard, I believe it is advisable to be knowledgeableabout museological basics and to endorse specific museal terminology, based on which bonds arebuilt to produce and renovate cultural significations. Furthermore, they will enrich the theoreticalgrounds of a discipline that affirms worldwi<strong>de</strong> the role of museums and those working therein.This approach is a radically different view, based on dil<strong>em</strong>mas that are the object of permanentresearch and study. New lines of thinking are thus set up, leading not only to important criticalanalysis in museology but also in other related disciplines. All the above provi<strong>de</strong>s museum andmuseology praxis with a great, unprece<strong>de</strong>nted theoretical backup, which is nowadays essentialin the permanent struggle for a better world, with value scales capable of accepting, inter alia,cultural diversity and knowledge of and respect for otherness.Key words: intercultural dialogue, cultural diversity, otherness, museal language, global ethics.MUSEOLOGÍA, PATRIMONIO, INTERCULTURALIDAD: MUSEOS INCLUSIVOS,DESARROLLO Y DIÁLOGO INTERCULTURALLa acción humana es una obra abierta cuyo significado está en suspenso…Paul Ricoeur1. IntroducciónA partir <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l 60, el siglo XX asiste al nacimiento <strong>de</strong> una museología renovada quecomienza a ser incluida en el dominio <strong>de</strong> la investigación científica. Cincuenta años <strong>de</strong>spués,los museos aún están aprendiendo a vivir nuevas experiencias en un mundo en aceleradocambio, don<strong>de</strong> el espacio electrónico se ha convertido en un espacio social sin prece<strong>de</strong>ntes ylas nuevas tecnologías <strong>de</strong> la información y la comunicación crean foros don<strong>de</strong> la presencia físicaes innecesaria.Si bien existen fuertes <strong>de</strong>sequilibrios sociales, se observan gran<strong>de</strong>s transformaciones qued<strong>em</strong>andan la utilización <strong>de</strong> estrategias <strong>de</strong>stinadas a promover la participación cultural <strong>de</strong>una sociedad que, basada en el cambio <strong>de</strong> valores, sea capaz <strong>de</strong> respetar con convicción elpluralismo y la diversidad cultural.Aunque los seres humanos cuenten hoy con la posibilidad <strong>de</strong> disponer <strong>de</strong> un amplio campo <strong>de</strong>acción que les permite orientar sus acciones sociales, sus proyectos creativos y sus interesesintelectuales, el hecho <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r participar en la vida cultural les exige un fácil acceso a loscanales <strong>de</strong> expresión y <strong>de</strong> representación. Por lo tanto, el objetivo <strong>de</strong> este documento es plantearposibles estrategias para lograrlo a través <strong>de</strong> la apertura <strong>de</strong> un amplio diálogo intercultural,generado por medio <strong>de</strong>l conocimiento, la participación y la difusión <strong>de</strong> los fundamentos teóricos<strong>de</strong> la museología, base indispensable para la profesionalización <strong>de</strong> las funciones que llevan acabo los museos.Poco a poco se va instalando en el vocabulario museal una terminología <strong>de</strong> carácter inclusivo queestablece pautas comunes <strong>de</strong> comunicación e información, <strong>de</strong>stinadas a analizar la diversidad<strong>de</strong> las culturas a través <strong>de</strong> un diálogo participativo. Diferentes visiones, estructuradas para cada138


concepto o término evaluado, permiten organizar claramente las diversas fuentes consultadas.Esta pluralidad <strong>de</strong> enfoques dirigidos hacia un objetivo común, culmina en la concreción <strong>de</strong>lDiccionario Enciclopédico <strong>de</strong> Museología (DEM), lanzado en 2011 por el ICOFOM en la se<strong>de</strong><strong>de</strong>l ICOM en París, digno corolario <strong>de</strong> un trabajo <strong>de</strong> tal envergadura. Esta monumental tarea <strong>de</strong>investigación, síntesis y homologación <strong>de</strong> la terminología, iniciada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el ICOFOM en 1993y <strong>de</strong>sarrollada a través <strong>de</strong> dieciocho años por el grupo <strong>de</strong> trabajo Thesaurus, bajo la dirección<strong>de</strong> André Desvallées -a quien acompaña más tar<strong>de</strong> François Mairesse- fundamenta una ampliaperspectiva documental acerca <strong>de</strong> las bases teóricas <strong>de</strong> la museología cont<strong>em</strong>poránea, a partir<strong>de</strong> diferentes enfoques que jalonan el estudio <strong>de</strong> los conceptos que integran el lenguaje museal.La apertura radical <strong>de</strong>l ICOFOM se manifiesta ampliamente en los trabajos presentados quereflejan la diversidad <strong>de</strong> concepciones <strong>de</strong>stinadas a aprehen<strong>de</strong>r y dar a conocer las múltiplesfacetas a las que r<strong>em</strong>ite cada término. Se impulsa así una importante red <strong>de</strong> información quehoy recorre el mundo ofreciendo una visión renovada <strong>de</strong>l museo y <strong>de</strong> la museología. La fuerzay la riqueza <strong>de</strong>l pensamiento <strong>de</strong>l último cuarto <strong>de</strong>l siglo XX, subyace en los trabajos científicosrealizados, como así también en los que continúan en la actualidad.El espacio simbólico <strong>de</strong> las representaciones resulta <strong>de</strong>cisivo como fuente <strong>de</strong> apertura y <strong>de</strong>integración. Des<strong>de</strong> esta perspectiva, el lenguaje, patrimonio inmaterial <strong>de</strong> la humanidad porexcelencia y vínculo que produce y renueva los significados culturales, no sólo transmiteracionalidad y libertad <strong>de</strong> pensamiento, sino también sentimientos, enriqueciendo así losconceptos teóricos <strong>de</strong> la museología, disciplina que afirma el rol <strong>de</strong> los museos y <strong>de</strong> quienes enellos se <strong>de</strong>s<strong>em</strong>peñan.2. Lo musealSe viven hoy en todo el mundo momentos generadores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s cambios -muchos aún engestación- basados en el uso <strong>de</strong> estrategias <strong>de</strong>stinadas a promover la participación cultural <strong>de</strong>lmuseo y su disciplina <strong>de</strong> base, la museología, como dimensión <strong>de</strong>finitoria <strong>de</strong> un espacio social.Este enfoque constituye una apertura cuyos ejes <strong>de</strong> reflexión profundizan importantes aspectoséticos y entrecruzan conceptos y postulados sumamente polémicos, objeto <strong>de</strong> permanenterevisión. Bernard Deloche, reconocido filósofo <strong>de</strong> la museología, consi<strong>de</strong>ra al respecto que…enfrentamos una mutación radical <strong>de</strong>l sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores sobre el cual<strong>de</strong>scansa la sociedad en la que vivimos, al punto que las nuevas generaciones nosienten ya que les conciernen los puntos <strong>de</strong> referencia axiológicos tradicionalesni tampoco sus soportes materiales (huellas, monumentos, documentos…) I .La clave para un cambio positivo resi<strong>de</strong> en los valores, condicionados a su vez por la socieda<strong>de</strong>n la que los seres humanos se encuentran insertos en un ti<strong>em</strong>po y un espacio dados.Existe una filosofía, una cultura y un patrimonio material e inmaterial que trascien<strong>de</strong>n y unificanal ser humano en su multiplicidad y en su diversidad. La filosofía afecta profundamente alhombre y es a través <strong>de</strong> los cuestionamientos filosóficos que se pregunta sobre el significado<strong>de</strong> ser. Y aún va mucho más allá, porque no se conforma con ser; también quiere saber quiénes y hacia dón<strong>de</strong> se dirige… Por su parte, “…la cultura es energía, es po<strong>de</strong>r; es conocimientoy reconocimiento; es fuente dinámica <strong>de</strong> cambio, <strong>de</strong> creatividad y libertad” II …. Todo estoIDeloche, Bernard. La nouvelle culture. La mutation <strong>de</strong>s pratiques sociales ordinaires et l’avenir <strong>de</strong>s institutionsculturelles. L’Harmattan, París, 2007.IIMayor Zaragoza, Fe<strong>de</strong>rico, citado por Javier Pérez <strong>de</strong> Cuéllar. Nuestra Diversidad Creativa. Informe <strong>de</strong> la ComisiónMundial <strong>de</strong> Cultura y Desarrollo. Ediciones UNESCO, México, 1996, p. 18.139


otorga a la praxis museal un sustento teórico <strong>de</strong> inusitada magnitud, indispensable hoy en lalucha permanente para lograr un mundo mejor, don<strong>de</strong> existan valores cimentados en procesosindividuales o colectivos que incluyan, entre otras cosas, la aceptación <strong>de</strong> la diversidad culturaly el respeto por la alteridad. Se van conformando así nuevos el<strong>em</strong>entos que no sólo conducena un significativo análisis crítico en el vasto campo <strong>de</strong> la terminología, sino también en lasáreas correspondientes a las disciplinas concurrentes que amplían y difun<strong>de</strong>n conocimientosfuert<strong>em</strong>ente ligados al pensamiento museológico cont<strong>em</strong>poráneo. Asimismo, es indispensablepriorizar la existencia <strong>de</strong> un patrimonio cultural integral, constituido por el conjunto <strong>de</strong> bienesmateriales e inmateriales, producto <strong>de</strong> la creatividad humana. Su significación testimonial comofuente <strong>de</strong> m<strong>em</strong>oria, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntidad y <strong>de</strong> diversidad, amplía nuestro enfoque sobre los criteriosnecesarios para compren<strong>de</strong>r que un objeto patrimonial abarca también los conocimientosy los valores que hicieron posibles los procesos creativos que los generaron: sus prácticas,expresiones, representaciones, conocimientos y saberes que incluyen ad<strong>em</strong>ás los instrumentos,artefactos y espacios culturales asociados.Al mismo ti<strong>em</strong>po, una relación dinámica y una profunda inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, une <strong>de</strong> maneraindisoluble el patrimonio material con el patrimonio inmaterial -lo tangible y lo intangible- en unentrecruzamiento <strong>de</strong> contenido ontológico y antropológico que constituye el invalorable legado<strong>de</strong> expresiones diversas e inter<strong>de</strong>pendientes que rescata el museo para las generacionesveni<strong>de</strong>ras.Sustentado en la m<strong>em</strong>oria individual y colectiva, y transmitido a la posteridad, el patrimonioes recreado permanent<strong>em</strong>ente por las comunida<strong>de</strong>s en función <strong>de</strong> su medio ambiente y <strong>de</strong> suhistoria. Se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que…el patrimonio es el instrumento que posee una comunidad para buscar sui<strong>de</strong>ntidad y que la i<strong>de</strong>ntidad es, por sobre todo, un fenómeno cont<strong>em</strong>poráneo,dinámico, plural, en continuo proceso <strong>de</strong> reajuste […] un concepto multifacéticoque se manifiesta en la auto-imagen, en la toma <strong>de</strong> conciencia <strong>de</strong> similitu<strong>de</strong>scompartidas, en el reconocimiento <strong>de</strong>l pasado, <strong>de</strong>l presente y <strong>de</strong> un futuroprobable; en la percepción <strong>de</strong> las diferencias; en el sentido <strong>de</strong> pertenencia y enun sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> afiliaciones contextualmente <strong>de</strong>terminadas III .Cabe recordar que es a través <strong>de</strong> estas características compartidas don<strong>de</strong> se arraiga la diversidad<strong>de</strong>l género humano y que…la patrimonialización <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas expresiones culturales inmaterialesse ha vuelto un espacio estratégico <strong>de</strong> gestión <strong>de</strong> la alteridad. No obstante, talvínculo no sólo no es lineal ni mecánico, sino que presenta aristas probl<strong>em</strong>áticasque obligan a repensar la cuestión <strong>de</strong> la diversidad cultural como una nuevaconceptualización <strong>de</strong>l patrimonio inmaterial. […] El valor asignado a las diferentesculturas en las socieda<strong>de</strong>s cont<strong>em</strong>poráneas resulta una condición imprescindiblea la hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir el patrimonio cultural inmaterial IV .IIIDesvallées, André y François Mairesse (dir.). Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie. Armand Colin, París,2011, p. 644.IVGarcía Canclini, Néstor, Consumidores y ciudadanos. Conflictos multiculturales <strong>de</strong> la globalización. EditorialGrijalbo, México, 1995.140


En consecuencia, hoy más que nunca, la aceptación <strong>de</strong> la diversidad cultural es un hechoirrefutable que impulsa a los museos y a los profesionales a su cargo a reconsi<strong>de</strong>rar la vigencia<strong>de</strong> las políticas <strong>de</strong> exclusión/inclusión, a fin <strong>de</strong> ofrecer mayores y mejores opciones a los públicosno tradicionales que se acercan a ellos. En efecto, son las barreras actitudinales, más que lasbarreras físicas, las que alejan a posibles visitantes <strong>de</strong> un sector <strong>de</strong> público que encontraría en elmuseo que los acoge un sitio seguro para paliar su soledad intelectual o sensible. La integraciónpluricultural requiere reformas políticas que garanticen <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres. No obstante, y apesar <strong>de</strong> las continuas reclamaciones al respecto, la puesta en valor <strong>de</strong> una diversidad culturallegitimada en su alteridad todavía no se ha logrado plenamente. La alteridad implica ponerseen el lugar <strong>de</strong>l “otro” alternando la perspectiva propia con la ajena y tener una voluntad <strong>de</strong>entendimiento que fomente la auténtica aceptación <strong>de</strong> las diferencias.Cabe recordar que el respeto por la diversidad, a nivel <strong>de</strong> interconexión global, se ha planteadoen muchas oportunida<strong>de</strong>s como un probl<strong>em</strong>a que requiere ‘tolerancia’. Sin <strong>em</strong>bargo,… el concepto <strong>de</strong> tolerancia implica prejuicios <strong>de</strong> valor construidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong>relaciones <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, don<strong>de</strong> no todos los diferentes son equivalentes entre sí;algunos son potencialmente mejores, pasibles <strong>de</strong> respeto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el campo <strong>de</strong> ladiversidad cultural, mientras que otros <strong>de</strong>ben ‘ser tolerados’ porque están ahí yno queda más que aceptarlos, aunque sin duda en inferioridad <strong>de</strong> condiciones V .García Canclini afirma por su parte que…la interculturalidad se configura no sólo por las diferencias, sino por lasmaneras <strong>de</strong>siguales en que los grupos humanos se apropian <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>otras socieda<strong>de</strong>s diversas, los combinan y los transforman; verda<strong>de</strong>ro proceso<strong>de</strong> hibridación don<strong>de</strong> diversos sist<strong>em</strong>as culturales se intersectan e interpenetran[…] porque hoy la i<strong>de</strong>ntidad es políglota, multiétnica, migrante, hecha conel<strong>em</strong>entos cruzados <strong>de</strong> varias culturas VI .3. ConclusiónFrente al <strong>de</strong>safío <strong>de</strong>l mundo cont<strong>em</strong>poráneo, es tarea específica <strong>de</strong> la museología, en su permanentejuego <strong>de</strong> teoría y praxis, poner en marcha acciones que movilicen otras competencias, a fin <strong>de</strong><strong>de</strong>sarrollar aproximaciones a una disciplina más dinámica que sirva <strong>de</strong> base a la reconsi<strong>de</strong>ración <strong>de</strong>las políticas culturales y a la cooperación entre los pueblos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un marco <strong>de</strong>ontológico quegarantice los <strong>de</strong>rechos humanos básicos y permita la convivencia plural en la auténtica aceptación<strong>de</strong> la diversidad cultural.Las socieda<strong>de</strong>s cont<strong>em</strong>poráneas, inmersas en la globalización y la mercantilización <strong>de</strong> la cultura, estánsujetas a múltiples mutaciones. En este contexto es necesario consi<strong>de</strong>rar la importancia <strong>de</strong> la instituciónmuseo, construcción permanente en conjunción con la dinámica social <strong>de</strong>l momento actual. Si se <strong>de</strong>seaparticipar en dichas transformaciones, es imprescindible discernir, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la heterogeneidad <strong>de</strong> lascivilizaciones, cuáles son los rasgos que las unifican en esencia y si están aún vigentes, a fin <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminarVLacarrieu, Mónica. “Patrimonio inmaterial y diversidad”. En Cultura, Diversidad y Ciudadanía. III EncuentroInternacional sobre diversidad cultural. Publicación <strong>de</strong>l Ministerio <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong>l Gobierno <strong>de</strong> la Ciudad <strong>de</strong> BuenosAires. 2006, pp. 212-213.VIGarcía Canclini, Néstor. Consumidores y Ciudadanos. Conflictos multiculturales <strong>de</strong> la globalización. EditorialGrijalbo, México, 1995, p. 125.141


sus núcleos y sus periferias, como así también las características que constituyen sus peculiares formas<strong>de</strong> percepción, comunicación e interacción, origen étnico, adscripción social y generacional…Es necesario contar con espacios interactivos que cont<strong>em</strong>plen procesos <strong>de</strong> planificación estratégicabasados en un diálogo intercultural abierto y orientador, don<strong>de</strong> la preservación <strong>de</strong>l patrimonio se conviertaen una <strong>em</strong>presa constante e interdisciplinaria. El museo inclusivo -custodio <strong>de</strong> los auténticos valores queconforman el universo <strong>de</strong>l hombre y su realidad y factor <strong>de</strong> recuperación <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s amenazadas- esel indicado para albergar testimonios y documentos que constituyen las huellas <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y enfrentarlos <strong>de</strong>safíos que plantean la globalización, el <strong>de</strong>sarrollo sostenible, el pluralismo y la auténtica aceptación<strong>de</strong> la diversidad cultural.REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS“Cuanto más se <strong>de</strong>sarrolla la cultura y más se <strong>de</strong>spliega en campos diversos,mayor riqueza y multiformidad va cobrando este mundo <strong>de</strong> significaciones. Elhombre vive en las palabras <strong>de</strong>l lenguaje, en las imágenes <strong>de</strong> la poesía y <strong>de</strong>las artes plásticas, en las formas <strong>de</strong> la música, en los cuadros forjados en laimaginación… Así y sólo así ‘sab<strong>em</strong>os’ los unos <strong>de</strong> los otros” (Ernst Cassirer).Buenos Aires, octubre <strong>de</strong> 2012Brau<strong>de</strong>l, Fernand, La historia y las ciencias sociales. Trad. Josefina Gómez Mendoza. Alianza Editorial, Madrid, 1986.Cardoso, F. H. y Enzo Faletto. Depen<strong>de</strong>ncia y <strong>de</strong>sarrollo en América Latina. Ensayo <strong>de</strong> interpretaciónsociológica. Siglo XXI Editores, Madrid, 1969.Cassirer, Ernst. Las ciencias <strong>de</strong> la cultura. Trad. Wenceslao Roges. Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, México, 1993.Decarolis, Nelly (comp.). El pensamiento museológico latinoamericano. Los documentos <strong>de</strong>l ICOFOMLAM. Editorial Brujas. Córdoba, 2006.Deloche, Bernard. La nouvelle culture. La mutation <strong>de</strong>s pratiques sociales ordinaires et l’avenir <strong>de</strong>sinstitutions culturelles. L’Harmattan, París, 2007.Desvallées, André y François Mairesse (dir.). Dictionnaire encyclopédique <strong>de</strong> muséologie. Armand Colin, París, 2011.Desvallées, André y François Mairesse (dir.). Museología: Retorno a las bases, ICOFOM Study Series -ISS 38. XXXII Simposio Anual <strong>de</strong>l ICOFOM, 2009.Eco, Umberto, Obra abierta, Trad. Roser Berdaguer. Editorial Ariel, Buenos Aires, 1993.García Canclini, Néstor, Consumidores y ciudadanos. Conflictos multiculturales <strong>de</strong> la globalización.Editorial Grijalbo, México, 1995.Lacarrieu, Mónica y otros. “Patrimonio inmaterial y diversidad” en Cultura, Diversidad y Ciudadanía. III EncuentroInternacional sobre Diversidad Cultural. Publicación <strong>de</strong>l Gobierno <strong>de</strong> la Ciudad <strong>de</strong> Buenos Aires, 2006.Martínez Navarro, Emilio, Ética para el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los pueblos. Editorial Trotta, S.A., Madrid, 2000.Pérez <strong>de</strong> Cuéllar, Javier y otros en Nuestra Diversidad Creativa. Informe <strong>de</strong> la Comisión Mundial <strong>de</strong>Cultura y Desarrollo. Ediciones UNESCO. México, 1996.Pilon, Robert y otros. Las industrias culturales en la globalización. II Encuentro Internacional sobreDiversidad Cultural. Publicación <strong>de</strong>l Gobierno <strong>de</strong> la Ciudad <strong>de</strong> Buenos Aires, 2004.Savater, Fernando. Ética <strong>de</strong> Urgencia. Editorial Paidós, Buenos Aires, 2012.Zea; Leopoldo y otros. América Latina en sus i<strong>de</strong>as. Siglo XXI Editores, México, 1986.142


QUESTÕES SOBRE MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIOHugo Guarilha, Tereza Scheiner e Priscila FaulhaberRESUMOProcuramos discutir o conceito <strong>de</strong> musealização como um procedimento contínuo, complexoe crítico <strong>de</strong> captura do real. Fundamentamos nossas hipóteses com a aplicação da teoriafenomenológica pragmática <strong>de</strong> Peirce ao campo museal, e entend<strong>em</strong>os que o campo teóricocircunscrito pela museologia extrapola o museu fisicamente instituído e se aproxima do estudohermenêutico <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s singulares. Neste sentido a museologia se nutre <strong>de</strong> experiênciasespecíficas <strong>de</strong> confronto crítico com a realida<strong>de</strong> para ampliar sua perspectiva sobre a relaçãoentre seres humanos, real e realida<strong>de</strong>. Destacamos neste trabalho a relevância da musealizaçãopara a gestão do patrimônio da humanida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>finimos hipóteses para relacionar estetermo ao processo <strong>de</strong> patrimonialização. Ex<strong>em</strong>plificamos o aspecto teórico com a experiênciamuseológica que está sendo produzida na cida<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong> Ouro Preto, <strong>em</strong> conjunto com acomunida<strong>de</strong> do Alto da Cruz.Palavras Chave: Museologia, Musealização, Patrimônio, RealABSTRACTIssues on Museology and HeritageThe paper analyses the concept of musealization as a continuous, complex and critical procedureof capturing reality. Our hypotheses are based on a relation between Peirce´s pragmatictheory of signs and the museum field, here un<strong>de</strong>rstood as the theoretical field circumscribedby museological knowledge. The museum field transcends the physical institutional museumand approaches the hermeneutical studies of specific realities. To enlarge its perspective aboutthe relationships between human beings and reality, Museology nourishes itself from specificexperiences of critical confrontation with reality. We highlight the relevance of musealization tothe manag<strong>em</strong>ent of the heritage of Humanity, and <strong>de</strong>fine hypotheses to link this term to theprocess of patrimonialization. The theoretical approach that we propose is ex<strong>em</strong>plified with th<strong>em</strong>useological experience which is un<strong>de</strong>r way in the Brazilian city of Ouro Preto, together with thelocal community of Heights of the Cross (Alto da Cruz).Key Words: Museology, Musealization, Heritage, RealRESUMENCuestiones sobre Museología y PatrimonioEn el texto buscamos discutir el concepto <strong>de</strong> musealización como un procedimiento continuado,complejo y crítico <strong>de</strong> captura <strong>de</strong>l real. Fundamentamos nuestras hipótesis con la aplicación <strong>de</strong>la teoría fenomenológica pragmática <strong>de</strong> Peirce al campo museal, y entend<strong>em</strong>os que el campoteórico circunscrito por la Museología sobrepasa al museo físicamente instituido y se acerca143


al estudio hermenéutico <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s singulares. De esta forma, la Museología se nutre <strong>de</strong>experiencias específicas <strong>de</strong> confronto crítico con la realidad para ampliar su perspectiva sobre larelación entre los seres humanos, lo real y la realidad. Se <strong>de</strong>staca en este trabajo la importancia<strong>de</strong> la musealización para la gestión <strong>de</strong>l patrimonio <strong>de</strong> la humanidad, y se proponen hipótesispara relacionar dicho término con el proceso <strong>de</strong> patrimonialización. Ej<strong>em</strong>plificamos el aspectoteórico con la experiencia que se está <strong>de</strong>sarrollando en la ciudad brasilera <strong>de</strong> Ouro Preto, enasociación con la comunidad <strong>de</strong>l Alto <strong>de</strong> la Cruz (Alto da Cruz).Palabras Clave: Museología, Musealización, Patrimonio, Real1- INTRODUÇÃOO Comite Internacional <strong>de</strong> Museologia (International Committee for Museology - ICOFOM) foicriado no âmbito do Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (International Council of <strong>Museu</strong>ms -ICOM) <strong>em</strong> 1977, <strong>em</strong> um momento <strong>de</strong> transformação acelerada da socieda<strong>de</strong> e do campo museal.Não só as práticas museográficas precisavam ser reformuladas para que os museus tradicionaispu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> cumprir sua função social, como também as experiências com os ecomuseus e asquestões trazidas pela Nova Museologia contribuíram para a urgência <strong>de</strong> uma reflexão teóricasobre a área. As aspirações expressas por André Desvallées mostram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliaras perspectivas do campo <strong>em</strong> plano teórico, <strong>de</strong> modo a criar subsídios para a compreensão dasexperiências que já ocorriam na prática:Devant un tel chang<strong>em</strong>ent <strong>de</strong> problématique on est à 1è fois tenté <strong>de</strong> rechercherun modèle, peut-être complexe, mais unique (...) qui s‘inscrirait dans <strong>de</strong>s textes etpourrait résoudre tous les problèmes <strong>de</strong> statuts sur lesquels butent chaque joursles agents en charge du patrimoine et <strong>de</strong> sa mise en valeur. Dans le cadre <strong>de</strong>ce modèle large le musée classique ne serait qu‘une catégorie d‘établiss<strong>em</strong>entsparmi d‘autres, les conservateurs avec leur conception actuelle, une séried‘agents parmi d‘autres, les œuvres un type <strong>de</strong> biens culturels parmi d‘autres:mais l‘ens<strong>em</strong>ble fonctionnerait sans cloisonn<strong>em</strong>ent stérilisant. (DESVALLÉES,1986:83) IObservamos nas palavras <strong>de</strong> Desvallées que o alargamento do campo museal por meio doestabelecimento <strong>de</strong> um quadro teórico mais amplo é uma necessida<strong>de</strong> que surge do próprio<strong>em</strong>bate com a realida<strong>de</strong>. Os teóricos da museologia precisavam <strong>de</strong>finir ferramentas paracompreen<strong>de</strong>r os novos modos como a socieda<strong>de</strong> passava a se apropriar <strong>de</strong> seu patrimônio. Emsegundo lugar, fica evi<strong>de</strong>nte que a Museologia como área <strong>de</strong> conhecimento supera o museucomo instituição tradicional e suas práticas, o que nos conduz a uma discussão sobre as funçõesdo museu para além da instituição. Além disso, Desvallées parece <strong>de</strong>senvolver a proposta<strong>de</strong> Stránský (1981) <strong>de</strong> aplicação da teoria mat<strong>em</strong>ática dos sist<strong>em</strong>as ao <strong>de</strong>senvolvimentoepist<strong>em</strong>ológico do campo, na medida <strong>em</strong> que salienta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enquadrar na perspectivamuseológica uma complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências, sendo o museu tradicional apenas uma <strong>de</strong>las.I“Diante <strong>de</strong> tal mudança <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>ática estamos pela 1a vez tentados a buscar um mo<strong>de</strong>lo, talvez complexo, masúnico (…) que se inscreveria nos textos e po<strong>de</strong>ria resolver os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> estatuto sobre os quais se <strong>de</strong>bruçam acada dia os agentes responsáveis pelo patrimônio e sua valoração. No quadro <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo amplo o museu clássiconão seria mais que uma categoria <strong>de</strong> estabelecimento, entre outras, os conservadores, na atual concepção, umasérie <strong>de</strong> agentes, entre outros e as obras um tipo <strong>de</strong> b<strong>em</strong> cultural entre outros: mas o conjunto funcionaria s<strong>em</strong> umfechamento esterilizante”.144


1.1- Museologia como ciência...O pensamento <strong>de</strong> Stránský foi <strong>de</strong>cisivo para a probl<strong>em</strong>atização do conhecimento produzido pelaMuseologia. Suas dúvidas sobre o estatuto epist<strong>em</strong>ológico do campo movimentaram os <strong>de</strong>batesdo ICOFOM, e as questões colocadas por ele pod<strong>em</strong> ser atualizadas <strong>em</strong> nosso t<strong>em</strong>po. Elepergunta se há espaço na socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea para uma teoria da Museologia, i<strong>de</strong>ntificao momento <strong>de</strong> crise na área e conclui:Hoje os probl<strong>em</strong>as da existência dos museus não pod<strong>em</strong> ser solucionados noâmbito da prática. Para a realização <strong>de</strong>sta tarefa necessitamos uma ferramentaespecial, que nos permita <strong>de</strong>scobrir as facetas objetivas da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finirsuas leis e encontrar soluções ótimas tanto para resolver as questões cotidianasquanto para planejar o futuro. Esta tarefa só po<strong>de</strong> ser realizada com a teoriamuseológica, mais ainda, com a museologia. (STRÁNSKÝ, 1980 apud Scheiner,2008:104)Observamos nas palavras <strong>de</strong> Desvallées que o alargamento do campo museal por meio doestabelecimento <strong>de</strong> um quadro teórico mais amplo é uma necessida<strong>de</strong> que surge do próprio<strong>em</strong>bate com a realida<strong>de</strong>. Os teóricos da museologia precisavam <strong>de</strong>finir ferramentas paracompreen<strong>de</strong>r os novos modos como a socieda<strong>de</strong> passava a se apropriar <strong>de</strong> seu patrimônio. Emsegundo lugar, fica evi<strong>de</strong>nte que a Museologia como área <strong>de</strong> conhecimento supera o museucomo instituição tradicional e suas práticas, o que nos conduz a uma discussão sobre as funçõesdo museu para além da instituição. Além disso, Desvallées parece <strong>de</strong>senvolver a proposta<strong>de</strong> Stránský (1981) <strong>de</strong> aplicação da teoria mat<strong>em</strong>ática dos sist<strong>em</strong>as ao <strong>de</strong>senvolvimentoepist<strong>em</strong>ológico do campo, na medida <strong>em</strong> que salienta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enquadrar na perspectivamuseológica uma complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências, sendo o museu tradicional apenas uma <strong>de</strong>las.A teoria, ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma teoria, se fundamenta <strong>em</strong> um confronto com a realida<strong>de</strong>, naimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver as questões i<strong>de</strong>ntificadas por meio da praxis. Há, portanto, lugarna socieda<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento epist<strong>em</strong>ológico da Museologia. Stránský lança questõespara o <strong>de</strong>bate, buscando fomentar uma construção coletiva da Museologia como campo <strong>de</strong>conhecimento teórico autônomo. Para que a Museologia cumprisse seu propósito comociência, era preciso então que foss<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos seu objeto, seus princípios metodológicos, suaterminologia e seu sist<strong>em</strong>a teórico - este último com a função <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar a realida<strong>de</strong> estudada etornar-se um instrumento para seu estudo e aprofundamento (STRÁNSKÝ, 1980, apud Scheiner,2008). São esses os princípios da investigação que se seguirá nos primeiros anos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bateno qual i<strong>de</strong>ntificamos um processo essencialmente colaborativo e não exclu<strong>de</strong>nte.1.2- ...e como metateoria:O objeto da Museologia não po<strong>de</strong>ria ser concebido apenas <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong> dos museus,mas <strong>de</strong>veria incluir those things that are proper motivation, that stimulate the origin and forming ofthis reality. (STRÁNSKÝ, 1983:127) II . Ele antece<strong>de</strong>, portanto, o museu. O objeto da Museologia<strong>de</strong>veria ser buscado no momento <strong>em</strong> que o museu – ou a musealização – se faz necessário: épossível que seu objeto esteja na dinâmica <strong>de</strong> reconhecimento da musealida<strong>de</strong>, ou, conformeBernard Deloche, no museal:II“…aquelas coisas que são a própria motivação, que estimulam a orig<strong>em</strong> e formação <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>.”145


(2) Deuxième hypothèse: son objet serait, non le musée, mais le muséal. (...)Deux situations se présentent alors, selon la définition que l‘on retient du muséal:ou bien le muséal se confond avec le patrimonial, auquel cas on retombe dans laproblématique du musée institutionnel que vient d‘être évoquée; ou bien, si l‘onassimile le muséal a la documentation sensible on sait que celle-ci a sa proprescience, la science documentaire, impossible à confondre avec la muséologie...(DELOCHE, 1999, p.12) III .Deloche rejeita o caráter científico da Museologia, e a percebe como uma metateoria, umafilosofia do museal, encarregada <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir suas especificida<strong>de</strong>s e seu campo <strong>de</strong> atuação: ...“lechamp muséal désigne dans sa globalité un ens<strong>em</strong>ble lui-même articulé, c‘est-à-dire composé<strong>de</strong> <strong>de</strong>ux plans dont la relation est égal<strong>em</strong>ent problématique puisqu‘il n‘est pas permis d‘éliminerl‘une <strong>de</strong>s <strong>de</strong>ux figures au profit <strong>de</strong> l‘autre“. (DELOCHE, 1999, p.11) IV . O probl<strong>em</strong>a i<strong>de</strong>ntificadopor Desvallées <strong>em</strong> 1986 parece ter sido resolvido <strong>de</strong> forma satisfatória por Deloche. Segundoele a Museologia é constituída por dois campos distintos, um que se relaciona à preservação eguarda do patrimônio (sacralização), outro que cumpre as funções <strong>de</strong> conhecer e mostrar - estaúltima aclarada pelo uso <strong>de</strong> substitutos - objetos s<strong>em</strong> aura, não-originais, mas que cumpr<strong>em</strong> afunção <strong>de</strong> representar.A idéia <strong>de</strong> Museologia como filosofia prática, ou seja, uma ética do museal, se fixa na possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> existência <strong>de</strong> um conjunto universo que englobe os dois campos distintos i<strong>de</strong>ntificados porDeloche. Não há, <strong>de</strong> fato, um mo<strong>de</strong>lo normativo único para o campo, e os museus e experiênciasmuseológicas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> evitar o estabelecimento <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s absolutas, mas admitir que a relaçãoespecífica com a realida<strong>de</strong> d<strong>em</strong>anda uma discussão ética constante. Entretanto, reconhecer arelevância do <strong>de</strong>bate ético no campo não implica necessariamente <strong>em</strong> resumir a Museologia aele. Em que medida a Museologia produz conhecimento, afinal?2- MUSEALIZAÇÃO E MUSEALIDADE:Gran<strong>de</strong> parte dos intelectuais museólogos que discutiram o estatuto científico da Museologiao fizeram através <strong>de</strong> referências às ciências da natureza. Mesmo Deloche buscou um mo<strong>de</strong>locientífico centrado na idéia <strong>de</strong> elucidação dos fenômenos, e não propriamente compreensão:„...toute science est un outil plus ou moins précis d‘explication et <strong>de</strong> prévision <strong>de</strong>s phénomènesfondé sur un déterminisme raisonné“. (DELOCHE, 1999:13) V . Admitindo a musealida<strong>de</strong> (omuseal, para Deloche) como objeto primordial da Museologia, seja como ciência, seja comofilosofia prática, é preciso interrogar se o seu estudo seria passível <strong>de</strong> ser enquadrado comodisciplina científica na gran<strong>de</strong> área das humanida<strong>de</strong>s. E neste caso, seria também necessáriosaber se a abordag<strong>em</strong> hermenêutica po<strong>de</strong>ria ser utilizada como método para a produção <strong>de</strong>conhecimento no campo. Antes, porém, é preciso verificar alguns conceitos.Para Martin Schärer, <strong>em</strong> aula inaugural oferecida no PPG-PMUS <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 2008,musealização é a preservação <strong>de</strong> valores i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> coisas entendidas enquanto signos. É umprocesso, uma dinâmica, que reveste a coisa/signo <strong>de</strong> uma qualida<strong>de</strong> especial, a musealida<strong>de</strong>:III“(2) Segunda hipótese: seu objeto será não o museu, mas o museal. (…) Duas situações surg<strong>em</strong> então, <strong>de</strong>acordo com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museal adotada: ou o museal se confun<strong>de</strong> com o patrimonial, caso <strong>em</strong> que caímos naprobl<strong>em</strong>ática do museu institucional que foi evocada; ou aliamos ao museal à documentação sensível que sab<strong>em</strong>oster sua própria ciência, a ciência documentária, impossível <strong>de</strong> ser confundida com a museologia.”IV„… o campo museal <strong>de</strong>signa <strong>em</strong> sua globalida<strong>de</strong> um conjunto articulado, isto é, composto por dois planos cujarelação é igualmente probl<strong>em</strong>ática, posto que não permite eliminar uma das figuras <strong>em</strong> função da outra.”V“... toda ciência é uma ferramenta mais ou menos precisa <strong>de</strong> explicação e <strong>de</strong> previsão dos fenômenos com base<strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminismo racional.”146


Through the process of musealization, things are re-valued and assume a newquality: museality. They become documents as carriers of individual or collectiv<strong>em</strong><strong>em</strong>ory and tradition, and become witnesses with a <strong>de</strong>signated signal qualitythat is not intrinsic to the thing itself. These documents and witnesses are calledmusealia (SCHÄRER, 2008:88) VI .O processo <strong>de</strong> musealização é evi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> relação ao primeiro nível do museal i<strong>de</strong>ntificado porDeloche, que diz respeito aos museus tradicionais. Neles o processo torna-se visível na matériaatravés das práticas museográficas realizadas <strong>de</strong> modo a ten<strong>de</strong>r para uma certa sacralização doobjeto. Neste caso a musealida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser confundida como uma qualida<strong>de</strong> arbitrada, através<strong>de</strong> uma reflexão que vai na contramão do processo (se constitui acervo, possui musealida<strong>de</strong>)ao invés <strong>de</strong> uma orientação que probl<strong>em</strong>atiza a qualida<strong>de</strong> museal do b<strong>em</strong> e que conduz aoprocesso <strong>de</strong> musealização ou à sua reversão. „Musealization can be applied to all natural andman-ma<strong>de</strong> things, as well as to the preservation in situ“ VII , diz Schärer, cont<strong>em</strong>plando o segundonível do museal <strong>de</strong> Deloche, e expan<strong>de</strong> o processo até a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> musealização <strong>de</strong>seres humanos: „A person can, in extr<strong>em</strong>is, also be musealized, when a past state of existenceis i<strong>de</strong>alized and maintained without change“ (SCHÄRER, 2008, p.88) VIII . O reconhecimento<strong>de</strong>sta possibilida<strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a conduz a uma convergência com o processo <strong>de</strong> patrimonialização.Os conceitos <strong>de</strong> musealização e musealida<strong>de</strong> se relacionam ao museu da mesma forma quea própria Museologia. Ou seja, superam a instituição tradicional na medida <strong>em</strong> que colaborampara a produção <strong>de</strong> conhecimento <strong>em</strong> um campo teórico mais amplo, do qual o museuinstitucionalizado surge como um instrumento para a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas funçõessociais da alçada da Museologia. O conceito <strong>de</strong> museu po<strong>de</strong> ser levado a uma radicalizaçãoinstigante. Scheiner busca as origens do termo para alargar os limites do <strong>de</strong>bate:O que po<strong>de</strong>ria ser o ‚t<strong>em</strong>plo das Musas‘, senão o espaço intelectual possível <strong>de</strong>presentificação das idéias, <strong>de</strong> manifestação da m<strong>em</strong>ória? Não seria o Mouseion(t<strong>em</strong>plo das Musas) uma interpretação equivocada do termo Mousàon ouMousaion (pelas Musas) - das Musas como o veículo <strong>de</strong> expressão da criaçãomítica e da concepção <strong>de</strong> mundo do hom<strong>em</strong> grego? Se o <strong>Museu</strong> não é o espaçofísico das musas, mas antes o espaço <strong>de</strong> presentificação das idéias, <strong>de</strong> recriaçãodo mundo por meio da m<strong>em</strong>ória, ele po<strong>de</strong> existir <strong>em</strong> todos os lugares e <strong>em</strong> todosos t<strong>em</strong>pos: ele existirá on<strong>de</strong> o Hom<strong>em</strong> estiver e na medida <strong>em</strong> que assim fornominado - espaço intelectual <strong>de</strong> manifestação da m<strong>em</strong>ória do Hom<strong>em</strong>, da suacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação. (SCHEINER, 1999:137-8)Nesta possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> museu que se realiza no aqui e agora, mental, afetiva e, talvez,sensorialmente, não é só a relação espacial do museu tradicional que é colocada <strong>em</strong> xeque,mas também a relação com o t<strong>em</strong>po. A presentificação <strong>de</strong> m<strong>em</strong>órias é uma recriação <strong>de</strong> mundo,mas não tal como ele se apresentou ao sujeito cognoscente, e sim a partir da perspectiva doindivíduo no t<strong>em</strong>po presente. Mas qual o lugar da musealização no hic et nunc? Talvez sejapossível tratar por musealização o ato <strong>de</strong> reconhecimento do signo que <strong>de</strong>sperta (<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia)o processo <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória (que está contido na dinâmica da s<strong>em</strong>iose). Não a dinâmica <strong>de</strong> m<strong>em</strong>óriaela mesma, mas a i<strong>de</strong>ntificação do el<strong>em</strong>ento que é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar o processo, comoVI“Através do processo <strong>de</strong> musealização, as coisas são re-valoradas e assum<strong>em</strong> uma nova qualida<strong>de</strong>: musealida<strong>de</strong>.Elas se transformam <strong>em</strong> documento na medida <strong>em</strong> que se tornam portadoras <strong>de</strong> m<strong>em</strong>órias individuais e coletivas,e da tradição, e se tornam test<strong>em</strong>unhas com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sinal indicado que não é intrínseco à coisa. Taisdocumentos e test<strong>em</strong>unhas são chamados musealia.”VII“Musealização po<strong>de</strong> ser aplicada a todas as coisas naturais e feitas pelo hom<strong>em</strong>, e também à preservação in situ”VIII“Uma pessoa po<strong>de</strong>, in extr<strong>em</strong>is, também ser musealizada, quando um estado <strong>de</strong> existência passado é i<strong>de</strong>alizadoe mantido s<strong>em</strong> modificações.”147


uma percepção transversal ao jogo <strong>de</strong> presentificação das idéias, uma percepção distanciada,crítica. Musealida<strong>de</strong>, então, seria o potencial para se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar a m<strong>em</strong>ória, potência queexiste não no objeto, mas <strong>em</strong> sua relação com o sujeito.3- MUSEALIZAÇÃO E PATRIMONIALIZAÇÃO:A princípio os conceitos parec<strong>em</strong> se confundir. O raciocínio que pretend<strong>em</strong>os <strong>de</strong>senvolvernas próximas linhas é um esboço <strong>de</strong> reflexão proposta por um recém ingresso no campo, umneófito que se aproveita da liberda<strong>de</strong> como o <strong>de</strong>bate sobre a museologia v<strong>em</strong> se <strong>de</strong>senvolvendopara arriscar também uma reflexão, na tentativa <strong>de</strong> colaborar para a probl<strong>em</strong>atização <strong>de</strong>ssesconceitos. Partimos do pragmatismo s<strong>em</strong>iótico <strong>de</strong> Peirce para analisar ambos os processossegundo a lógica triádica da significação.Neste sentido, e compreen<strong>de</strong>ndo o termo „museu“ como um espaço <strong>de</strong> reconstrução do mundoa partir <strong>de</strong> m<strong>em</strong>órias, um espaço criação <strong>de</strong> significados, portanto, e não <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong> IX ,entend<strong>em</strong>os ser possível diferenciar os processos <strong>de</strong> musealização e patrimonialização pelai<strong>de</strong>ntificação do representamen e do interpretante no reconhecimento e valoração <strong>de</strong> algo comopatrimônio. Para Peirce,Um signo, ou representâmen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representaalgo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente <strong>de</strong>sta pessoa, umsigno equivalente, ou talvez um signo mais <strong>de</strong>senvolvido. Ao signo assim criado<strong>de</strong>nomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa,seu objeto. Representa esse objeto não <strong>em</strong> todos os seus aspectos, mas comreferência a um tipo <strong>de</strong> idéia que eu, por vezes, <strong>de</strong>nominei fundamento dorepresentâmen. (PEIRCE, 1995, p. 46)A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> signo implica <strong>em</strong> algo capaz <strong>de</strong> precipitar o surgimento <strong>de</strong> um outro signo na mentedo sujeito. Este segundo signo recebe o nome <strong>de</strong> interpretante, e o processo mental através doqual ele é elaborado se <strong>de</strong>nomina s<strong>em</strong>iose. Percebe-se que neste mo<strong>de</strong>lo a existência do signo<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência do sujeito, constituindo uma relação triádica que envolve: representamen,o fenômeno físico ou mental; objeto, aquilo que o representamen substitui e que é exterior tantoao sujeito como à manifestação física; interpretante, o signo que se forma na mente do sujeitoe que é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar novo processo s<strong>em</strong>iótico.Fica evi<strong>de</strong>nte pela explicação <strong>de</strong>ssa abordag<strong>em</strong> cognitiva que para completar a relação <strong>de</strong>significação o sujeito não precisa estar ciente do processo no qual ele se encontra imerso.Mas quando traz<strong>em</strong>os essa abordag<strong>em</strong> para o campo da museologia, a apropriação dorepresentamen e sua vinculação a <strong>de</strong>terminados objetos passíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> representadospela ocorrência física ou mental é necessária e <strong>de</strong>finitivamente um procedimento consciente. Nabusca <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r essa relação específica entre ser humano e realida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong>ssaabordag<strong>em</strong> pragmática, i<strong>de</strong>ntificamos as seguintes pr<strong>em</strong>issas:1 a : A musealização é um processo <strong>de</strong> apropriaçã do signo no nível do representamen;2 a : Esta apropriação se fundamenta no reconhecimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadorepresentamen se referir a <strong>de</strong>terminado objeto consi<strong>de</strong>rado relevante para o grupo social qu<strong>em</strong>usealiza – reconhecimento da musealida<strong>de</strong>, que não é anterior à musealização, mas a constitui;3 a : Musealizar implica <strong>em</strong> evi<strong>de</strong>nciar o potencial simbólico do representamen, ou seja, oIXDa mesma forma que Scheiner mostra que o museu po<strong>de</strong> ocorrer como fenômeno <strong>em</strong> qualquer t<strong>em</strong>po e espaço,po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que mesmo o museu tradicional ortodoxo po<strong>de</strong> não ocorrer como museu, se a relação <strong>de</strong>significação entre sujeito e b<strong>em</strong> musealizado não se completar.148


potencial para que a relação <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iose que ele é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar seja reconhecida porum coletivo - reconhecimento social do b<strong>em</strong> musealizado;4 a : Dentre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> existência do representamen <strong>em</strong> âmbito físico ou mental, amusealização privilegia sua ocorrência material, e sugere a preservação: a) <strong>de</strong> seus significados;b) <strong>de</strong> sua materialida<strong>de</strong>;5 a : A musealização é um processo contínuo, uma vez que os bens musealizados pod<strong>em</strong>estabelecer diferentes interpretantes conforme os contextos <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço no qual seinser<strong>em</strong> - a documentação é prática essencial enquanto o b<strong>em</strong> permanecer musealizado;6 a : A prática da comunicação integra o processo <strong>de</strong> musealização, pois para a relação <strong>de</strong>significação se completar é preciso estabelecer interface entre sujeito e representamen X , e estainterface se produz privilegiadamente na linguag<strong>em</strong> expositiva.A idéia central aqui proposta é que o conjunto <strong>de</strong> práticas museográficas participa do processo<strong>de</strong> musealização enquanto este durar, partindo do pressuposto <strong>de</strong> Schärer (2008) <strong>de</strong> que amusealização é reversível, e <strong>de</strong> nossa leitura da abordag<strong>em</strong> ontológica <strong>de</strong> Scheiner (1999)segundo a qual o museu é fenômeno que ocorre como ato criativo on<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> estiver e namedida <strong>em</strong> que for nomeado como museu. Assim, acreditamos que as práticas museográficasalimentam a teoria da Museologia para além <strong>de</strong> sua possibilida<strong>de</strong> ética, mas d<strong>em</strong>arcandoprobl<strong>em</strong>as específicos do campo museal no processo contínuo <strong>de</strong> musealização.Quanto ao processo <strong>de</strong> patrimonialização, nossa hipótese é <strong>de</strong> que ele se diferencia damusealização por se dirigir ao objeto e ao interpretante, e não ao representamen propriamentedito. Ele fundamenta a interseção da Museologia com outros campos <strong>de</strong> conhecimento - uma vezque a musealização, b<strong>em</strong> como as discussões axiológicas, s<strong>em</strong>ióticas e éticas que ela sugere,encontram-se por inteiro no campo da Museologia. Representamen, objeto e interpretante nãoaparec<strong>em</strong> <strong>de</strong>scolados na relação <strong>de</strong> significação, conforme a leitura <strong>de</strong> Apel: „Os conceitos (...)ficariam vazios s<strong>em</strong> a integração da função <strong>de</strong> ícone e da função <strong>de</strong> índice (...). Ao inverso, afunção <strong>de</strong> ícone e a função <strong>de</strong> índice são „cegas“ s<strong>em</strong> sua integração à função <strong>de</strong> representação“(APEL, 2000:195). Peirce esclarece sobre sua noção <strong>de</strong> objeto:Os Objetos - pois um Signo po<strong>de</strong> ter vários <strong>de</strong>les - pod<strong>em</strong> ser, cada um <strong>de</strong>les,uma coisa singular existente e conhecida ou que se acredita tenha anteriormenteexistido ou que se espera venha a existir, ou um conjunto <strong>de</strong> tais coisas, ou umaqualida<strong>de</strong>, relação ou fato conhecidos cujo Objeto singular po<strong>de</strong> ser um conjuntoou uma totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partes, ou po<strong>de</strong> ter outro modo <strong>de</strong> ser, tal como algum atopermitido cujo ser não impe<strong>de</strong> sua negação <strong>de</strong> ser igualmente permitida, oualgo <strong>de</strong> uma natureza geral <strong>de</strong>sejado, exigido, ou invariavelmente encontrado<strong>em</strong> certas circunstâncias gerais. (PEIRCE, 1995: 48)Patrimonialização, conforme nossa hipótese, se refere então àquilo que é possível se relacionarao representamen: a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetos à qual ele po<strong>de</strong> se referir, e o interpretante, oua representação mental que o sujeito elabora com base na relação representamen/objeto. Acaneta que assinou a lei áurea, ela mesma, é musealizada, mas o conjunto <strong>de</strong> idéias possíveis<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> evocadas a partir <strong>de</strong>la, seus objetos, e as projeções mentais que <strong>de</strong> fato se realizam,seus interpretantes, é que constitu<strong>em</strong> o foco do processo <strong>de</strong> patrimonialização.XNo conjunto <strong>de</strong> sua obra Peirce utiliza por vezes o termo „signo“ para se referir ao conceito <strong>de</strong> „representamen“.149


O patrimônio se realiza <strong>em</strong> meio a um fluxo conceitual, que tanto diz respeito ao reconhecimentodo objeto representado na matéria, como a um ato criativo (SCHEINER, 2004) que elaboramentalmente os significados e proporciona a experiência única do t<strong>em</strong>po presente. I<strong>de</strong>ntificamosno patrimônio um sentimento s<strong>em</strong>elhante ao <strong>de</strong> Walter Benjamin quando diz haver um„encontro secreto, marcado entre as gerações prece<strong>de</strong>ntes e a nossa“ (BENJAMIN, 1994:223).Esse encontro acontece no momento <strong>de</strong> apropriação do legado herdado, no instante <strong>em</strong> queexperimentamos o patrimônio.Um ex<strong>em</strong>plo das hipóteses acima esboçadas po<strong>de</strong> contribuir para a avaliação <strong>de</strong>ssas idéias.Compreend<strong>em</strong>os o Reinado <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz,<strong>em</strong> Ouro Preto, MG, como patrimônio imaterial da comunida<strong>de</strong>. Trata-se <strong>de</strong> uma celebraçãoreligiosa, mas também uma celebração dos antepassados e da m<strong>em</strong>ória social dos gruposafro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII ocupam esse espaço <strong>em</strong> situação social <strong>de</strong>inferiorida<strong>de</strong>. O Reinado ocorre s<strong>em</strong>pre no mês <strong>de</strong> janeiro, mas <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acontecer por muitosanos. Esta m<strong>em</strong>ória nunca se apagou, entretanto, e <strong>em</strong> 2009, a partir <strong>de</strong> um fortalecimentointerno da Guarda <strong>de</strong> Congo do Alto da Cruz, surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se levantar a ban<strong>de</strong>irados padroeiros e presentificar uma experiência coletiva <strong>de</strong> (re)ligação com os ancestrais. Umencontro secreto.Há uma série <strong>de</strong> motivos que levam a comunida<strong>de</strong> local a reconhecer o Reinado comopatrimônio, e uma diversida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista singulares se somam para constituirum conjunto <strong>de</strong> olhares. São as perspectivas dos conga<strong>de</strong>iros como grupo, e <strong>de</strong> cada um<strong>de</strong>les <strong>em</strong> particular; dos grupos que visitam a localida<strong>de</strong>; da comunida<strong>de</strong> local que colaboravoluntariamente para realizar a celebração; dos po<strong>de</strong>res públicos; dos turistas; das irmanda<strong>de</strong>sreligiosas; dos pesquisadores; etc. Como verbalizar o patrimônio? Como pedir para que osenvolvidos traduzam a experiência <strong>em</strong> palavras, s<strong>em</strong> reduzi-la? A intensida<strong>de</strong> do reconhecimentodo patrimônio herdado, a ligação que os indivíduos procuram com o passado e o sentimento <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que envolve a todos no t<strong>em</strong>po presente faz<strong>em</strong> com que a experiência se aproximeda noção <strong>de</strong> sublime, entendido como algo que não cabe na representação.Mas ainda assim representamos. Fotografamos e filmamos, guardamos na m<strong>em</strong>ória,conversamos, trocamos pontos <strong>de</strong> vista no esforço <strong>de</strong> digerir a intensida<strong>de</strong> da experiênciacompartilhada que nos aproxima, que cria laços com os quais nos i<strong>de</strong>ntificamos e que nosdão força para enfrentar coletivamente os <strong>de</strong>safios da realida<strong>de</strong>. Da mesma forma que nãosab<strong>em</strong>os como foi que o Reinado <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ocorrer, só pod<strong>em</strong>os especular sobre o motivo peloqual ele foi retomado. A busca <strong>de</strong> respeito próprio t<strong>em</strong> algo a ver com isso, e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>em</strong>ancipação histórica, <strong>de</strong> assumir o lugar <strong>de</strong> sujeito no processo <strong>de</strong> transformação da realida<strong>de</strong>.Reconhec<strong>em</strong>os o patrimônio, mas não conseguimos capturá-lo. A musealização colabora noprocesso <strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipação na medida <strong>em</strong> que atua no processo <strong>de</strong> gestão dos vestígios, daparte material dos signos. Mas o Reinado <strong>em</strong> si não é musealizável, não porque sua ocorrênciano t<strong>em</strong>po e no espaço seja efêmera - estamos convencidos que esta é uma questão <strong>de</strong> escala -,mas porque seu caráter sublime impe<strong>de</strong> o exercício crítico inerente ao processo <strong>de</strong> musealização.A apropriação dos signos <strong>em</strong> sua materialida<strong>de</strong> é <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente crítica.4- MUSEOLOGIA E HERMENÊUTICA:Pelo que ficou dito acima, a musealização b<strong>em</strong> po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada uma etapa do processo<strong>de</strong> patrimonialização. São dois processos que estabelec<strong>em</strong> relações estreitas entre si, umavez que representamen, objeto e interpretante coexist<strong>em</strong> na dinâmica da significação. Porémo reconhecimento <strong>de</strong> uma manifestação como patrimônio não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da musealização. Estasurge como uma necessida<strong>de</strong> para a gestão do patrimônio, sua documentação, preservação,150


pesquisa e comunicação. Acreditamos que ambos os processos circunscrev<strong>em</strong> o vasto campo<strong>de</strong> estudo da Museologia. E assim finalmente retomamos a questão do método museológico.Stránský, ao menos nos textos lidos, não sugere uma relação necessária da Museologiacom as ciências da natureza, que se preocupam <strong>em</strong> elucidar os fenômenos mais do que <strong>em</strong>compreendê-los. No primeiro momento do <strong>de</strong>bate a preocupação central é diferenciar o campoteórico do campo técnico/prático da gestão <strong>de</strong> acervos e instituições. É Deloche (1999) qu<strong>em</strong>resolve o probl<strong>em</strong>a, negando seu caráter científico com base no estabelecimento <strong>de</strong> um método<strong>de</strong> „mo<strong>de</strong>lização“ baseado <strong>em</strong> princípios <strong>de</strong> analogia para as ciências sociais. Seu argumentoé viável porque <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra o caráter científico da hermenêutica: questiona se a Museologiaproduz conteúdo <strong>de</strong> conhecimento, e a resposta que encontra é negativa.Se consi<strong>de</strong>rarmos, entretanto, o que diz Gadamer sobre o conhecimento científico produzido<strong>em</strong> meio à historicida<strong>de</strong>, a conclusão po<strong>de</strong> ser outra:Po<strong>de</strong>-se muito b<strong>em</strong> admitir que todo conhecimento histórico comporta umaaplicação <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>s <strong>em</strong>píricas gerais aos probl<strong>em</strong>as concretos com queele se <strong>de</strong>fronta; contudo, a verda<strong>de</strong>ira intenção do conhecimento histórico nãoé explicar um fenômeno concreto como caso particular <strong>de</strong> uma regra geral,mesmo que esta última fosse subordinada aos <strong>de</strong>sígnios puramente práticos<strong>de</strong> uma eventual previsão. Seu verda<strong>de</strong>iro objetivo - mesmo utilizando-se <strong>de</strong>conhecimentos gerais - é antes compreen<strong>de</strong>r um fenômeno histórico <strong>em</strong> suasingularida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> sua unicida<strong>de</strong>. O que interessa ao conhecimento histórico nãoé saber como os homens, os povos, os Estados se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> <strong>em</strong> geral mas,ao contrário, como este hom<strong>em</strong>, este povo, este Estado veio a ser o que é; comotodas essas coisas pu<strong>de</strong>ram acontecer e encontrar-se aí. (GADAMER, 1998: 24)Da mesma forma, a construção do conhecimento no campo da Museologia se produz por meio<strong>de</strong> um engajamento no t<strong>em</strong>po e na socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea. Interessa saber como a relaçãoentre ser humano e realida<strong>de</strong> ocorre <strong>em</strong> contextos específicos, porque isso é capaz <strong>de</strong> ampliaro conhecimento sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossa espécie. O pesquisador museólogo não po<strong>de</strong>adotar uma perspectiva externa ao jogo da linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que ele participa, pois se assim for,não há compreensão possível. Isso nos leva ao terceiro argumento <strong>de</strong> Deloche, <strong>em</strong> que duvidada objetivida<strong>de</strong> da Museologia. De fato, não há objetivida<strong>de</strong> como nas ciências da natureza. Oque existe é um forte engajamento na socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que a teoria museológica se nutre paraestudar as formas singulares como os seres humanos se apropriam <strong>de</strong> signos para elaborarsuas realida<strong>de</strong>s, e como esses signos se transformam no t<strong>em</strong>po e no espaço, transformandotambém essas realida<strong>de</strong>s.Apel, <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seu horizonte utópico da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação ilimitada enten<strong>de</strong>,fundamentado <strong>em</strong> Peirce, que a objetivida<strong>de</strong> não é necessariamente negada pela imersão dasciências sociais na historicida<strong>de</strong>. Ela po<strong>de</strong> ser construída por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate e garantida peloconsenso. Evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente não é a mesma objetivida<strong>de</strong> das ciências físicas ou biológicas, masuma forma <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento que se projeta no t<strong>em</strong>po:O consenso postulado <strong>de</strong> maneira senso-crítica é a garantia da objetivida<strong>de</strong> dacognição que surge <strong>em</strong> lugar da „consciência <strong>em</strong> geral“ transcen<strong>de</strong>ntal kantiana;ela funciona como um princípio regulativo que ainda está por ser realizado comoi<strong>de</strong>al comunitário na comunida<strong>de</strong> real e através <strong>de</strong>la; e aí a incerteza quantoao alcance factual do objetivo precisa ser substituído por um princípio ético<strong>de</strong> engajamento e <strong>de</strong> esperança: o princípio peirceano do „socialismo lógico“.(APEL, 2000, p. 218)151


Nos parece, enfim, que a hermenêutica é uma possibilida<strong>de</strong> metodológica para a produção <strong>de</strong>conhecimento científico no campo da museologia. Essa perspectiva aproxima Museologia eFilosofia, mas não o suficiente para abarcar a primeira como um ramo da segunda.5- CAPTURA DO REAL:Para discutir „real“ e „realida<strong>de</strong>“ é preciso estabelecer a que conceitos esses termos se refer<strong>em</strong>no presente trabalho. O primeiro diz respeito a tudo o que existe ou que é possível <strong>de</strong> existir,sendo ou não passível <strong>de</strong> ser conhecido pelos seres humanos, limitados que somos pelos cincosentidos e pelos instrumentos criados para expandi-los, pelo corpo e pelo intelecto. Pensamentose projeções mentais são reais, assim como os signos, na medida <strong>em</strong> que se realizam. Isso nãoquer dizer, entretanto, que uma figura mítica como o pégaso tenha existência física, mas queparticipa do real enquanto signo reconhecível coletivamente. O segundo termo, „realida<strong>de</strong>“,pressupõe o ser no mundo, e numa perspectiva hei<strong>de</strong>ggeriana é probl<strong>em</strong>atizado como a formacomo as coisas do mundo se apresentam ao sujeito (ABBAGNANO, 2007).Outro termo útil é „historicida<strong>de</strong>“, a idéia <strong>de</strong> que o ser humano existe <strong>em</strong> contexto histórico e é apartir <strong>de</strong>le que se relaciona com o ambiente e com a socieda<strong>de</strong>, e elabora sua representação <strong>de</strong>realida<strong>de</strong>. A consciência <strong>de</strong> sua imersão na historicida<strong>de</strong> é o que possibilita ao ser humano umareflexão crítica sobre a realida<strong>de</strong>, e uma tomada <strong>de</strong> posição <strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> transformaçãoda socieda<strong>de</strong>. Como explica Paulo Freire:Uma das características do hom<strong>em</strong> é que somente ele é hom<strong>em</strong>. Somente ele é capaz<strong>de</strong> tomar distância frente ao mundo. Somente o hom<strong>em</strong> po<strong>de</strong> distanciar-se do objetopara admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido filosófico– os homens são capazes <strong>de</strong> agir conscient<strong>em</strong>ente sobre a realida<strong>de</strong> objetivada. Éprecisamente isto, a “práxis humana”, a unida<strong>de</strong> indissolúvel entre minha ação e minhareflexão sobre o mundo.Num primeiro momento a realida<strong>de</strong> não se dá aos homens como objeto cognoscívelpor sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o hom<strong>em</strong>faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas umaposição ingênua. A este nível espontâneo, o hom<strong>em</strong> ao aproximar-se da realida<strong>de</strong> fazsimplesmente a experiência da realida<strong>de</strong> na qual ele está e procura. (FREIRE, 1979:15)Dentro do „real“ estão todas as „realida<strong>de</strong>s“ possíveis. As que sufocam o indivíduo, e as que o libertam.O engajamento na transformação da realida<strong>de</strong> e a formulação <strong>de</strong> um horizonte <strong>de</strong> organização i<strong>de</strong>al<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, que pressupõe o reconhecimento do outro e <strong>de</strong> seu lugar <strong>de</strong> fala para a resolução<strong>de</strong> conflitos, constitu<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong>s éticas urgentes <strong>em</strong> contexto pós-mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> globalização.Em seu texto sobre museologia e história, Mairesse diz:On peut ainsi, <strong>de</strong> manière assez large, qualifier <strong>de</strong> « muséologie » l’ens<strong>em</strong>ble<strong>de</strong>s tentatives <strong>de</strong> théorisation ou <strong>de</strong> réflexion critique liées au champ muséal (ou,comme le suggère Bernard Deloche, la philosophie du muséal); ce champ pouvantlui-même être i<strong>de</strong>ntifié comme toute manifestation d’une relation spécifiqueentre l’homme et la réalité, passant par la documentation du réel au moyen <strong>de</strong>l’appréhension sensible directe, par la thésaurisation et par la présentation <strong>de</strong>cette expérience (MAIRESSE, 2006:87) XI .XI„Pod<strong>em</strong>os assim, <strong>de</strong> maneira muito ampla, qualificar <strong>de</strong> ‚museologia‘ o conjunto das tentativas <strong>de</strong> teorização ou <strong>de</strong> reflexãocrítica ligadas ao campo museal (ou, como sugere Bernard Deloche, à filosofia do museal); po<strong>de</strong>ndo este campo ser porsua vez i<strong>de</strong>ntificado como toda manifestação <strong>de</strong> uma relação específica entre o humano e a realida<strong>de</strong>, passando peladocumentação do real pela apreensão sensível direta, pela tesaurização e pela apresentação <strong>de</strong>sta experiência“.152


A idéia <strong>de</strong> apreensão sensível direta do real, e não da realida<strong>de</strong>, nos parece <strong>de</strong>cisiva para aconstituição do campo teórico e prático da museologia. Através do processo <strong>de</strong> musealizaçãoo b<strong>em</strong> material é retirado <strong>de</strong> seu contexto histórico e passa a estimular uma reflexão críticasobre seus significados potenciais. Trata-se <strong>de</strong> uma operação teórica interessante: para sermusealizado este b<strong>em</strong> <strong>de</strong>ve funcionar como representante <strong>de</strong> objetos socialmente relevantes narealida<strong>de</strong>. Porém, a musealização não cristaliza esses significados (não museifica), impedindoa percepção <strong>de</strong> significados diversos <strong>em</strong> outros contextos espaciais e t<strong>em</strong>porais. A condiçãodo representamen musealizado implica na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extrapolação dos significadosque se efetivam. A relação <strong>de</strong> significado, quando se completa, se insere s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> algumarealida<strong>de</strong> singular e <strong>de</strong> certa forma limitadora frente às possibilida<strong>de</strong>s do real. A musealizaçãoressalta a condição <strong>de</strong> veículo do signo que conduz a uma gama <strong>de</strong> significados potenciais, daía perspectiva <strong>de</strong> captura do real.A tesaurização da relação específica do ser humano com a realida<strong>de</strong> aponta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sist<strong>em</strong>atização da forma como o mundo po<strong>de</strong> ser representado por meio <strong>de</strong> signos musealizados.O caráter aberto da coisa material como suporte <strong>de</strong> significados variados não implica <strong>em</strong> umanegação das realida<strong>de</strong>s específicas, mas ao contrário, faz com que um mapeamento exaustivo<strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> e das relações que a coisa estabelece com outros signos sejafundamental para sua compreensão, b<strong>em</strong> como para a formulação <strong>de</strong> discursos através dasespecificida<strong>de</strong>s da linguag<strong>em</strong> expositiva. Esta, alias, é a forma <strong>de</strong> apresentação da experiênciaque fecha o conceito <strong>de</strong> Mairesse. Não se <strong>de</strong>ve inferir, entretanto, da palavra apresentaçãoqualquer relação <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong> com o sujeito ao qual a experiência é oferecida. A originalida<strong>de</strong>da linguag<strong>em</strong> expositiva está justamente na promoção <strong>de</strong> uma experiência única no aqui eagora do espaço nomeado como museológico. O que se apresenta verda<strong>de</strong>iramente são ossuportes materiais dos signos, mas a relação <strong>de</strong> significado só se completa na medida <strong>em</strong> queos interlocutores da exposição participam ativamente da experiência.A partir da frase <strong>de</strong> Mairesse não fica clara uma probl<strong>em</strong>ática que nos parece relevante para ocampo da Museologia: os procedimentos apontados são, eles mesmos, essencialmente críticos.Documentação, tesaurização, comunicação, e ainda preservação, formação, pesquisa, s<strong>em</strong>preimplicam <strong>em</strong> um jogo crítico com a realida<strong>de</strong>, e sua redução a conjunto <strong>de</strong> técnicas constitui umrisco para a socieda<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que estabelece uma relação autoritária para a gestãodos índices <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória. O enfrentamento cotidiano dos representamens musealizados requer ainterrogação sobre seus significados efetivos e possíveis. A realização <strong>de</strong>sta pergunta prece<strong>de</strong>e orienta a prática museológica, <strong>de</strong> modo que cada experiência com esse tipo <strong>de</strong> signo ten<strong>de</strong>a ser única e irredutível a receitas alienantes <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> prática. É na probl<strong>em</strong>atização <strong>de</strong>sterelacionamento crítico com os signos que a Museologia po<strong>de</strong> expandir seu campo teórico econstruir conhecimento.6- POSIÇÃO ÉTICA E LUGAR NA SOCIEDADE:Dessa pretensão manifesta <strong>de</strong> capturar o real aliada a essa inevitável imersão na historicida<strong>de</strong><strong>de</strong>corr<strong>em</strong> os compromissos éticos do museu: compromisso com a gestão das referênciasdo passado (BELLAIGUE, 2009) <strong>de</strong> modo a transmiti-las às gerações futuras, mas também ocompromisso com a socieda<strong>de</strong> do t<strong>em</strong>po presente. A noção <strong>de</strong> que nossa percepção do realé limitada conduz a uma relativização das verda<strong>de</strong>s que os recortes <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> tend<strong>em</strong> aimpor. Sab<strong>em</strong>os <strong>de</strong> ant<strong>em</strong>ão que realida<strong>de</strong> e socieda<strong>de</strong> estão <strong>em</strong> processo, e que aquilo quefoi, po<strong>de</strong> não ser mais, ou po<strong>de</strong> ser outra coisa b<strong>em</strong> diferente <strong>em</strong> contexto diverso <strong>de</strong> espaçoe/ou t<strong>em</strong>po. Mas os museus interfer<strong>em</strong> na socieda<strong>de</strong> e colaboram para sua transformaçãoatravés da exploração dos significados <strong>de</strong>ssas referências do passado e da formulação <strong>de</strong>discursos. Existe uma tensão, portanto, entre a relativização e a afirmação <strong>de</strong> significados naprática museológica.153


Na tensão entre real e realida<strong>de</strong>, entre o compromisso a longo prazo com a humanida<strong>de</strong> eo compromisso com a socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea e sua transformação, os museus corr<strong>em</strong> orisco <strong>de</strong>: 1) não dizer nada, e simplesmente guardar e preservar o acervo herdado ao se anular<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> afasia frente ao real; 2) constituir instrumento para veiculação <strong>de</strong> idéiasautoritárias, que não levam <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração perspectivas diferentes daquela do grupo socialque dirige a instituição museal. A função social dos museus se estabelece a partir do pressupostoda continuida<strong>de</strong> da existência humana no planeta. A Museologia como ciência social <strong>em</strong>perspectiva hermenêutica <strong>de</strong>ve portanto se engajar, <strong>em</strong> primeiro lugar, com a perpetuação daespécie, e <strong>de</strong>finir um horizonte i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> futuro para orientar seus esforços. A apropriação crítica<strong>de</strong> referências herdadas, <strong>em</strong> processo contínuo <strong>de</strong> construção, indica um reconhecimento dogrupo social que gerou tais referências.A prática museológica, crítica, <strong>de</strong>ve colaborar para o fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos povos,mas ao estabelecer as referências <strong>de</strong>sse reconhecimento e <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira <strong>em</strong>ancipaçãohistórica dos sujeitos, <strong>de</strong>ve contribuir também para o respeito à cultura do outro, a suaspretensões e seu lugar <strong>de</strong> fala <strong>em</strong> uma interlocução global. A força dos museus, diz Bellaigue(1999), resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong>les nos formular<strong>em</strong> perguntas. Os signos recontextualizados têm essepo<strong>de</strong>r. A utopia ética que os museus pod<strong>em</strong> perseguir não é a da socieda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> conflitos, masa <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mundial que consegue resolver seus conflitos <strong>de</strong> forma pacífica.7- O REINADO COMO ZONA DE CONTATO:O conceito <strong>de</strong> zona <strong>de</strong> contato foi criado por Mary Louise Pratt e introduzido por James Clifford(1997) no campo dos museus. Ele diz respeito a espaços <strong>em</strong> que as diferenças se colocam,e que permit<strong>em</strong> uma expressão tão livre quanto possível dos grupos periféricos. Mas nãopo<strong>de</strong>riam também configurar espaços <strong>em</strong> que dois grupos buscam estabelecer trocas culturais<strong>em</strong> condições <strong>de</strong>, se não igualda<strong>de</strong>, ao menos <strong>de</strong> reconhecimento mútuo?O trabalho <strong>de</strong> documentação do Reinado do Alto da Cruz <strong>em</strong> Ouro Preto constitui uma experiênciamuseológica. Embora a idéia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um museu esteja no horizonte, sua realização seráa longo prazo, <strong>em</strong> discussão com as comunida<strong>de</strong>s interessadas.A prudência exigiria que se preparasse o terreno como um jardim, antes <strong>de</strong> plantar,quer dizer, que o museu nascesse s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> pré-figuração feitocom base na exploração do <strong>de</strong>sejo e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar-se ou reconhecer sua m<strong>em</strong>ória, face a este assombro que brota <strong>de</strong>seu confronto com a situação presente (BELLAIGUE, 1999).A prática museológica da documentação ten<strong>de</strong> a valorizar a m<strong>em</strong>ória social da comunida<strong>de</strong>,e <strong>de</strong>ste modo fortalecer os laços <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que liga o grupo. Através da documentaçãopor meio <strong>de</strong> fotografias e ví<strong>de</strong>os este grupo social <strong>de</strong>scobre seu po<strong>de</strong>r político, e amplia suaparticipação nas discussões das coisas públicas e <strong>de</strong> seu lugar na socieda<strong>de</strong>. A formulação <strong>de</strong>discursos com esses documentos (exposições, ví<strong>de</strong>os editados, página na internet) permite aogrupo lançar um olhar sobre si mesmo, <strong>de</strong>fine o modo como se coloca para o mundo, a posiçãoque ocupa ou que <strong>de</strong>seja ocupar nele. A experiência museológica <strong>de</strong> apreensão do real contribuipara um processo <strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipação social, e estabelece no próprio território geográfico queocupamos uma zona <strong>de</strong> contato na qual um grupo social periférico se coloca <strong>em</strong> interlocução.O probl<strong>em</strong>a da <strong>de</strong>scoberta e fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> através do reconhecimento dopatrimônio e da prática <strong>de</strong> gestão museológica parece estar se resolvendo <strong>de</strong> forma eficaz. Há154


uma outra questão: o outro. O processo <strong>de</strong> fortalecimento do grupo subalterno, reconhecimentocrítico <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> - o que já implica <strong>em</strong> sua transformação, uma vez que o sujeito assumesua condição histórica - <strong>de</strong>ve ser acompanhado do reconhecimento do outro como parte legítima<strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> interlocução. O contrário disso é a dominação, ou seja, a não-<strong>em</strong>ancipação,pois estaríamos reproduzindo a lógica que <strong>de</strong>ve ser quebrada para a libertação (FREIRE, 1979).Ocorre que a prática museológica é fundamentalmente libertadora <strong>em</strong> amplo aspecto. Aformação <strong>de</strong> equipes <strong>de</strong> documentação nas próprias comunida<strong>de</strong>s é a estratégia que adotamospara estimular o olhar <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta para o outro, e completar o processo. Mesmo voltando asobjetivas para o próprio grupo <strong>de</strong> que participamos, <strong>de</strong>scobrimos ali o outro. O que se evi<strong>de</strong>nciana passag<strong>em</strong> da m<strong>em</strong>ória do indivíduo para a m<strong>em</strong>ória social é que, longe <strong>de</strong> ser um fenômenonatural ou espontâneo, ela se constrói coletivamente. Aquele que recolhe <strong>de</strong>poimentos e observase coloca na posição <strong>de</strong> interlocutor, e <strong>de</strong>ve necessariamente probl<strong>em</strong>atizar a perspectiva dooutro, seu s<strong>em</strong>elhante. Deve conseguir trabalhar na tensão entre o que é s<strong>em</strong>elhante e o que édiverso <strong>de</strong> si. A <strong>de</strong>scoberta da alterida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do próprio grupo é uma espécie <strong>de</strong> relativizaçãoprovocada pela apreensão do real. Mas a documentação se processa no nível da realida<strong>de</strong>, elevar a comunida<strong>de</strong> a refletir sobre isso nos conduz a i<strong>de</strong>ntificar essa experiência museológicacomo possibilitadora <strong>de</strong> um espaço que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado uma zona <strong>de</strong> contato.8- CONSIDERAÇÕES FINAIS:Hoje já não é mais possível <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o caráter mítico que <strong>de</strong>fine, <strong>em</strong> seuâmago, a gênese das culturas, n<strong>em</strong> a influência do mito na constituição <strong>de</strong>um riquíssimo universo simbólico que impregna, das mais variadas formas, osmovimentos <strong>de</strong> representação. Aos museus já não importa tanto, agora, recriaro mundo a partir <strong>de</strong> um centro ou <strong>de</strong> uma idéia pré-dada, mas sim apresentaras coisas <strong>em</strong> multiplicida<strong>de</strong>, presentificá-las como o que são – singularíssimos,fascinantes fragmentos do real. E que caiba a cada um buscar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si ossentidos que se lhes po<strong>de</strong> <strong>em</strong>prestar. (SCHEINER, 2006: 53-4)A recriação <strong>de</strong> mundo a partir <strong>de</strong> um centro exclui evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente os grupos periféricos. Ou, seos inclui, é através <strong>de</strong> uma perspectiva não negociada, do centro <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r para a periferia. Adocumentação visual da m<strong>em</strong>ória, a constituição <strong>de</strong> acervo e sua comunicação através do próprioolhar da comunida<strong>de</strong> é uma prática <strong>de</strong> expansão dos limites <strong>de</strong> representação no confronto como real polissêmico. No <strong>Museu</strong> da Inconfidência, <strong>em</strong> sua exposição <strong>de</strong> longa duração, os gruposafro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes são representados por grilhões e um instrumento <strong>de</strong> percussão quebrado,s<strong>em</strong> o couro. Nos textos sobre o Reinado como manifestação cultural, é comum a perspectiva <strong>de</strong>Edison Carneiro segundo a qual “a coroação <strong>de</strong> reis do Congo parece ter sido um divertimentotolerado, senão mesmo criado e estimulado, pelos senhores <strong>de</strong> escravos, como el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong>dominação da mão-<strong>de</strong>-obra servil”(CARNEIRO, 2008:40).O que entra <strong>em</strong> jogo no processo <strong>de</strong> representação é a perspectiva sob a qual se elabora arealida<strong>de</strong>. A representação parte <strong>de</strong> uma concepção da realida<strong>de</strong>, mas uma vez que se realizaela retorna a esse campo <strong>de</strong> modo a constituí-lo e transformá-lo. A representação do grupocomo subalterno ten<strong>de</strong> a reiterar esta condição, e não transformá-la. Por outro lado representareste grupo a partir do reconhecimento da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus mitos fundadores, <strong>de</strong> suas crenças,<strong>de</strong> sua contribuição social, enfim, <strong>de</strong> modo a reconhecer os valores simbólicos e culturais <strong>de</strong>sua existência implica na construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> que privilegia o respeito mútuo. Paraconcluir este trabalho gostaríamos <strong>de</strong> salientar a contribuição da tecnologia na viabilização<strong>de</strong>ste cenário.155


A posição inferior dos receptores <strong>em</strong> relação aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa nuncaindicou ausência <strong>de</strong> senso crítico por parte dos primeiros. O domínio, porém, dos veículos <strong>de</strong>comunicação por grupos específicos ligados à perspectiva dominante do mercado econômico,cria a ilusão da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um olhar único, correto, verda<strong>de</strong>iro e coerente sobre a realida<strong>de</strong>.Essa ilusão se torna ainda mais forte pelo fato <strong>de</strong> que, por se tratar <strong>de</strong> signo indicial, a imag<strong>em</strong>captada pela câmera t<strong>em</strong> a força do test<strong>em</strong>unho mecânico, o que induz à crença <strong>em</strong> suafi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> como representação objetiva da realida<strong>de</strong>. Não é este o caso.O baixo custo dos instrumentos <strong>de</strong> documentação <strong>em</strong> audiovisual, e a ampla gama <strong>de</strong>possibilida<strong>de</strong>s que eles oferec<strong>em</strong> para a construção <strong>de</strong> discursos colaboram para <strong>de</strong>smontar esseprocesso na medida <strong>em</strong> que tornam os equipamentos acessíveis às comunida<strong>de</strong>s periféricas.Por meio do conhecimento <strong>de</strong> todas as fases para a criação <strong>de</strong> discurso <strong>em</strong> audiovisual,<strong>de</strong>sconfiamos do olhar que o outro lança sobre nós, e ganhamos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>rcom a construção <strong>de</strong> nosso próprio olhar sobre nós mesmos. O acesso à internet nos permitedisponibilizar essa perspectiva e encontrar interlocutores, formar uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência quenos permita colaborar com os olhares <strong>de</strong> nosso grupo para a transformação da socieda<strong>de</strong>.É disso que se trata, enfim: ao apropriar-se dos fragmentos <strong>de</strong> real, os museus elaboramperspectivas sobre a realida<strong>de</strong>. A percepção humana do real é limitada, mas o museu estáimerso <strong>em</strong> historicida<strong>de</strong>: nesta tensão se encontra a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> sua natureza crítica. A práticamuseológica, para além do museu, po<strong>de</strong> colaborar para a <strong>em</strong>ancipação <strong>de</strong> grupos sociais apartir <strong>de</strong> trabalhos fundamentados na teoria da Museologia. A teoria se alimenta das práticas,assim como a realida<strong>de</strong> se nutre <strong>de</strong> representações. A d<strong>em</strong>ocratização do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> representar,seja através <strong>de</strong> exposições, seja por outros meios, permite que as comunida<strong>de</strong>s cri<strong>em</strong> discursossobre si mesmas e se coloqu<strong>em</strong> <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> interlocutoras com outros segmentos dasocieda<strong>de</strong>. A pretensão <strong>de</strong> ser reconhecida induz ao reconhecimento do outro, e da legitimida<strong>de</strong><strong>de</strong> seu olhar.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABBAGNANO, Nicola. Dicionário <strong>de</strong> Filosofia. São paulo: Martins Fontes, 2007.APEL, Karl-Otto. A transformação da Filosofia. Tomo II. O a priori da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação. SãoPaulo: Edições Loyola, 2000.BELLAIGUE, Mathil<strong>de</strong>. M<strong>em</strong>ória, Espaço, T<strong>em</strong>po, Po<strong>de</strong>r. In: Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio - PPG-PMUS UNIRIO/MAST. Seção: Revisitando. Trad. T.Scheiner. Vol. 2, N.2. Julho/Dez<strong>em</strong>bro, 2009. Disponível <strong>em</strong>: http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/in<strong>de</strong>x.php/ppgpmus.BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito <strong>de</strong> história. In: Magia e técnica, arte e política:ensaios sobre literaturae história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:Brasiliense, 1994.CARNEIRO, Edison. „Congadas“. In:_______ Dinâmica do Folclore. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.40-51.CLIFFORD, James. „<strong>Museu</strong>m as contact zones“. In: ______. Routes. Travels and translation in the lateTwentieth Century. Cambridge: Harvard University Press, 1997. p. 188-219.DESVALLÉES, André. L‘I<strong>de</strong>ntité. In: Icofom Study Series, 10. Buenos Aires: Outubro <strong>de</strong> 1986.FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento <strong>de</strong>Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979. Versão digitalizada pela Biblioteca Digital Paulo Freire,disponível <strong>em</strong> http://www.paulofreire.ce.ufpb.br/paulofreire/. Acesso <strong>em</strong> 25/11/2011.156


GADAMER, Hans-Georg. O Probl<strong>em</strong>a da Consciência Hitórica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação Getúlio VargasEditora, 1998.MAIRESSE, François. L’histoire <strong>de</strong> la muséologie est-elle finie ? In. Icofom Study Series, 35. Córdoba,outubro, 2006.PEIRCE, Charles San<strong>de</strong>rs. S<strong>em</strong>iótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995.SCHEINER, Teresa. As bases ontológicas do <strong>Museu</strong> e da Museologia. In: Symposium Museology andPhilosophy / Muséologie et Philosophie / Museología y Filosofia / Museologia e Filosofia / Museologieund Philosophie. ICOM/ ICOFOM. ICOFOM STUDY SERIES – ISS 31. Munich, Germany: <strong>Museu</strong>ms-Pädagogisches Zentrum, 1999. p. 103-173.SCHEINER, Teresa. Imagens do não-lugar: Comunicação e o patrimonio do futuro. Tese <strong>de</strong> Doutorado.Orientadora: Profa. Dra. Priscila <strong>de</strong> Siqueira Kuperman. Rio <strong>de</strong> Janeiro: ECO/UFRJ, 2004.SCHEINER, Teresa. L’histoire <strong>de</strong> la muséologie est-elle finie? In. Icofom Study Series, 35. Córdoba,outubro, 2006.STRÁNSKÝ, Zbyněk Z. Basic paper. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL COMMITTEEFOR MUSEOLOGY/ICOFOM, 5. July/juillet 1983, London (UK).STRÁNSKÝ, Zbyněk Z. The theory of syst<strong>em</strong>s and museology. In: Museological Working Papers.Estocolmo: ICOM, 1981.STRÁNSKÝ, Zbyněk Z. Sobre o t<strong>em</strong>a „Museologia - ciência ou apenas trabalho prático?“ (1980).In. Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio - PPG-PMUSUNIRIO/MAST. Seção: Revisitando. Trad. T. Scheiner. Vol. I, N.1. Julho/Dez<strong>em</strong>bro, 2008.http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/in<strong>de</strong>x.php/ppgpmus.157


Museológo <strong>em</strong> ateliês <strong>de</strong> artistas cont<strong>em</strong>porâneos– “coleções visitáveis”: a aplicação do Termo e doConceito Museólogo <strong>em</strong> espaços diferentes <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>sDiana Farjalla Correia Lima e Ludmila Leite Ma<strong>de</strong>ira da CostaRESUMOO t<strong>em</strong>a envolve a Linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Especialida<strong>de</strong> da Museologia (Linguag<strong>em</strong> Profissional) querepresenta os planos teórico (pensamento) e prático (ação) <strong>de</strong>ste campo do conhecimento, ea pesquisa (mestrado) investiga o Termo e o Conceito Museólogo. Objetiva i<strong>de</strong>ntificar a partirda expressão terminológica (<strong>de</strong>signação e sentido) as competências do perfil profissional<strong>de</strong>terminadas <strong>em</strong> facetas nacional – Brasil, Lei 7.287/1984, regulamentação da profissão; einternacional – ICOM, diretrizes (ICOFOM, ICTOP); para verificar a aplicação dos indicadores<strong>em</strong> contexto <strong>de</strong> atuação dos Museólogos responsáveis por Coleções Visitáveis (IBRAM) <strong>de</strong> ArtesPlásticas <strong>em</strong> 5 coleções <strong>de</strong> artistas brasileiros <strong>de</strong> renome internacional. Pesquisa exploratóriacom análise comparada <strong>de</strong> fontes documentais <strong>de</strong> diversas categorias, inclusive Códigos <strong>de</strong> ÉticaCOFEM e ICOM; e usando também instrumentos como entrevistas com artistas e museólogos(espaços ateliês). Os resultados preliminares, momento atual, com base na análise comparativaentre o artigo 3º da Lei brasileira e as ativida<strong>de</strong>s na Coleção/Ateliê Carlos Vergara apresentampontos <strong>de</strong> contato com procedimentos museológicos que orientam os trabalhos diários nesteespaço <strong>de</strong> arte. Os estudos futuros (d<strong>em</strong>ais fontes e coleções) apontando similarida<strong>de</strong>s e/oudiferenças permitirão refletir acerca <strong>de</strong> outros espaços <strong>de</strong> ação hábeis para o exercício dascompetências do Museólogo <strong>em</strong> locais não nomeados propriamente <strong>Museu</strong>s e, possivelmente,indicar outras práticas que po<strong>de</strong>rão expandir o conceito e tornar<strong>em</strong>-se da sua esfera profissional.Palavras-chave: Museólogo, “Coleção Visitável” <strong>de</strong> Artes Plásticas, Patrimônio Artístico, Ateliê<strong>de</strong> Artes Plásticas, <strong>Museu</strong>s <strong>de</strong> Arte.RESUMENEl t<strong>em</strong>a implica estudios sobre el Lenguaje <strong>de</strong> Especialidad <strong>de</strong> la Museología (LenguajeProfesional) que representa los aspectos teóricos (pensamiento) y prácticos (acción) <strong>de</strong> estecampo <strong>de</strong>l conocimiento. La investigación es parte <strong>de</strong> los estudios <strong>de</strong> Master (en Museologíay Patrimonio) y se <strong>de</strong>dica al término y al concepto Museólogo. Tiene como objetivo i<strong>de</strong>ntificar,a partir <strong>de</strong> la expresión terminológica (<strong>de</strong>scripción y sentido), las competencias <strong>de</strong> este perfilprofesional en <strong>de</strong>terminadas facetas, en nivel nacional - Brasil, Ley 7.287 /1984, reglamento<strong>de</strong> la profesión; e internacional - ICOM, directivas (ICOFOM, ICTOP), con el reto <strong>de</strong> verificar laaplicación <strong>de</strong> esos indicadores al contexto <strong>de</strong> la acción <strong>de</strong> Museólogos responsables por las“Colecciones Visitables” (IBRAM) <strong>de</strong> Artes Plásticas en 5 colecciones <strong>de</strong> artistas brasileños<strong>de</strong> renombre internacional. El trabajo incluye una investigación exploratoria con análisiscomparativo <strong>de</strong> las fuentes documentales en distintas categorías, abarcando a los códigos <strong>de</strong>ética <strong>de</strong>l COFEM y <strong>de</strong>l ICOM, asimismo como el uso <strong>de</strong> herramientas como entrevistas con losartistas y Museólogos (espacios <strong>de</strong> taller/studio). Los resultados preliminares, obtenidos hastael actual momento, basados en un análisis comparativo entre el artículo 3º <strong>de</strong> la Ley brasileña y158


activida<strong>de</strong>s en el Atelier Carlos Vergara, presentan puntos <strong>de</strong> contacto con los procedimientosmuseológicos que guían el trabajo cotidiano en este espacio <strong>de</strong> arte. Estudios futuros (otrasfuentes y colecciones) señalando similitu<strong>de</strong>s y/o diferencias, permitirán reflejar sobre otrosespacios <strong>de</strong> acción que sean hábiles para el ejercicio <strong>de</strong> las competencias <strong>de</strong>l Museólogo, enlugares no <strong>de</strong>signados como museos; <strong>de</strong>berán asimismo, posibl<strong>em</strong>ente, indicar otras prácticasque podrían ampliar el concepto, pasando a integrar su esfera profesional.Palabras-claves: Museólogo, “Colecciones Visitables” <strong>de</strong>l Artes Plásticas, Patrimonio Artístico,Taller <strong>de</strong>l Artes Plásticas, Museos <strong>de</strong>l Arte.ABSTRACTThe th<strong>em</strong>e involves the Specialty Language of Museology (Professional Language) representingthe theoretical aspects (thinking) and practical (action) of this field of knowledge. The research(master thesis) studies the Term and Concept “Museologist” and aims to i<strong>de</strong>ntify, in the contextof terminology, the expressions (name and meaning) of the professional profile in certain facetsof national use – Brazil, Law 7.287/1984, regulation of the profession; and international – someof ICOM gui<strong>de</strong>lines (ICOFOM, ICTOP) to verify the application of performance indicators in thecontext of “Museologists” which are responsible for collections named “visitable collections” ofFine Arts in 5 collections of Brazilian artists of international rename. It is an exploratory researchwith comparative analysis of documentary sources in various categories, including the ICOMCo<strong>de</strong>s of Ethics and the Co<strong>de</strong> of Ethics of COFEM, also using tools such as interviews withartists and “Museologists” (collection artists). Preliminary results, at the moment, and on thebasis of comparative analysis of the article 3º of Law and of the activities of the collection/CarlosVergara Studio, indicate points of contact with museum procedures that gui<strong>de</strong> the daily workin that art space. Future studies (in studios and other sources) can point out similarities and/or differences and indicate areas of action where the competencies of the “Museologist” maybe used - in places that, while not exactly named <strong>Museu</strong>ms, are spaces where the work of thisspecialized professional may be required.Key words: Museologist, Artistic heritage, “Visitable Collection” of fine arts, Artist studio,<strong>Museu</strong>ms of fine arts.Museólogo <strong>em</strong> ateliês <strong>de</strong> artistas cont<strong>em</strong>porâneos – “coleções visitáveis”: a aplicação doTermo e do Conceito Museólogo <strong>em</strong> espaços diferentes <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>sO artigo representa o resultado parcial da pesquisa Termo/Conceito Museólogo: i<strong>de</strong>ntificandoe <strong>de</strong>finindo sua atuação <strong>em</strong> ateliês e coleções <strong>de</strong> artistas plásticos cont<strong>em</strong>porâneos, que estásendo <strong>de</strong>senvolvida no mestrado do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e PatrimônioUNIRIO/MAST (PPG-PMUS), e cuja qualificação foi realizada <strong>em</strong> 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2012. Tratada i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong>finição do Termo e do Conceito Museólogo, inserindo-se no contexto daPesquisa Termos e Conceitos da Museologia, realizada no mesmo programa <strong>de</strong> pós-graduaçãoe coor<strong>de</strong>nada pela professora Diana Farjalla Correia Lima.O contexto t<strong>em</strong>ático é o da Linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Especialida<strong>de</strong> que, segundo Lima III , “consubstancia[...] subsídio comunicacional ao corpo <strong>de</strong> profissionais especializados [...] os termos, os conceitosIIILIMA, Diana F. C. Atributos simbólicos do patrimônio: Museologia / “Patrimoniologia” e Informação <strong>em</strong> contexto dalinguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> especialida<strong>de</strong>. In: XI Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Ciência da Informação. Inovação e inclusãosocial: questões cont<strong>em</strong>porâneas da informação. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2010. Não paginado. Disponível <strong>em</strong>: http://enancib.ibict.br/in<strong>de</strong>x.php/xi/enancibXI/paper/view/273/311. Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.159


e as ressignificações [...] ilustram teorias / paradigmas, probl<strong>em</strong>as / questões, ativida<strong>de</strong>se quaisquer outras facetas que compõ<strong>em</strong> um campo científico”. Deste modo, a pesquisapara dissertação agrega-se ao cenário do processo comunicacional museológico ao enfocaro “b<strong>em</strong> simbólico” Linguag<strong>em</strong> Profissional que, também, representa um “capital cultural” daMuseologia (rel<strong>em</strong>brando Pierre Bourdieu) IV e, ainda, se qualifica como contribuição ao tratarda configuração ligada ao sentido <strong>em</strong>prestado para a <strong>de</strong>signação do perfil profissional daquelesque atuam <strong>de</strong>ntro dos parâmetros do campo do conhecimento da Museologia.O interesse pelo assunto que é objeto da investigação <strong>de</strong> mestrado se iniciou a partir doexercício prático da mestranda atuando como Museóloga <strong>em</strong> locais não consi<strong>de</strong>rados <strong>Museu</strong>s(representando as questões da pesquisa), exatamente na coleção do artista plástico CarlosVergara. E esta coleção segundo a <strong>de</strong>finição da Lei brasileira nº 11.904, 14/01/ 2009 (Estatutodos <strong>Museu</strong>s), Artigo 6º, Parágrafo único, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada na categoria “coleção visitável”:São consi<strong>de</strong>radas coleções visitáveis os conjuntos <strong>de</strong> bens culturais conservadospor uma pessoa física ou jurídica, que não apresent<strong>em</strong> as características previstasno art. 1º <strong>de</strong>sta Lei, e que sejam abertos à visitação, ainda que esporadicamente V .Portanto, coleção <strong>de</strong> bens culturais abrange aquelas que não salvaguardadas <strong>em</strong> um <strong>Museu</strong> eabertas à visitação. No caso, a coleção <strong>de</strong> Carlos Vergara, guardada <strong>em</strong> seu ateliê <strong>em</strong> SantaTeresa – Ateliê Carlos Vergara – Rio <strong>de</strong> Janeiro, que po<strong>de</strong> ser visitada sob consulta prévia eagendamento, tendo como público alvo estudantes (<strong>de</strong> qualquer nível ou grau) e apreciadores<strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte.As ativida<strong>de</strong>s do Museólogo neste espaço diferenciado <strong>de</strong> um <strong>Museu</strong>, ao longo do t<strong>em</strong>potrabalhado, mostraram-se pertinentes, pois <strong>em</strong>bora seja <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> particular, parte dacoleção é consi<strong>de</strong>rada inegociável (como reserva <strong>de</strong> patrimônio próprio/familiar), mesmo oartista estando vivo e <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>. Esta condição possibilita a aplicação <strong>de</strong> procedimentosmuseológicos que visam à preservação do B<strong>em</strong> Cultural <strong>em</strong> amplo aspecto, por meio <strong>de</strong> ações<strong>de</strong> conservação preventiva e da documentação das obras <strong>de</strong> arte componentes e d<strong>em</strong>aisdocumentos relacionados que são gerados pelas ativida<strong>de</strong>s cotidianas do artista.As coleções particulares <strong>de</strong> artistas cont<strong>em</strong>porâneos <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong> ou falecidos que estejamsob a tutela <strong>de</strong> seus her<strong>de</strong>iros, possu<strong>em</strong> o que o campo da arte <strong>de</strong>nomina valor artísticorepresentando formas tangíveis da expressão cultural estética. Em um primeiro momento, estascoleções pod<strong>em</strong> parecer exclusivamente <strong>de</strong> interesse privado, mas também faz<strong>em</strong> parte doPatrimônio Artístico brasileiro, como é o caso da coleção <strong>de</strong> Vergara, e esta condição a tornapassível <strong>de</strong> musealização.§ 1o Consi<strong>de</strong>ram-se bens culturais passíveis <strong>de</strong> musealização os bens móveise imóveis <strong>de</strong> interesse público, <strong>de</strong> natureza material ou imaterial, tomadosindividualmente ou <strong>em</strong> conjunto, portadores <strong>de</strong> referência ao ambiente natural, ài<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à cultura e à m<strong>em</strong>ória dos diferentes grupos formadores da socieda<strong>de</strong>brasileira Vi .IVId<strong>em</strong> apud BOURDIEU, 1989.VBRASIL. Lei nº 11.904, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009. Institui o Estatuto dos <strong>Museu</strong>s e dá outras providências. DiárioOficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. Artigo 6º. Parágrafo único. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012VIBRASIL. Lei nº 11.904, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009. Institui o Estatuto dos <strong>Museu</strong>s e dá outras providências. DiárioOficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. Artigo 5º. Parágrafo 1º. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.160


Os bens culturais que formam coleções <strong>de</strong> Artes Plásticas tanto pod<strong>em</strong> constituir a coleção <strong>de</strong>um <strong>Museu</strong> como ter caráter particular, conforme aponta Pomian VII :O mundo das coleções particulares e o dos museus parec<strong>em</strong> completamentediferentes. [...] ainda que provisórias, po<strong>de</strong> já entrever a unida<strong>de</strong>, salientar o el<strong>em</strong>entocomum a todos estes objectos, [...] É portanto possível circunscrever a instituição <strong>de</strong>que nos ocupamos: uma coleção, isto é, qualquer conjunto <strong>de</strong> objectos naturaisou artificiais, mantidos t<strong>em</strong>porária ou <strong>de</strong>finitivamente fora do circuito das ativida<strong>de</strong>seconômicas, sujeitos a uma protecção especial num local fechado preparado paraesse fim, e expostos ao olhar do público.Sendo assim, na condição diferenciada <strong>de</strong> coleção particular, os bens culturais pod<strong>em</strong> estarsituados <strong>em</strong> <strong>em</strong>presas particulares, <strong>em</strong> ateliês <strong>de</strong> artistas, <strong>em</strong> residências <strong>de</strong> colecionadores eher<strong>de</strong>iros, entre outros lugares.Coleções particulares, nas palavras do mesmo autor VIII , não são “puro e simples entesouramento”,mas são constituídas por objetos “inalienáveis” e <strong>em</strong> sua maioria irão formar coleções <strong>de</strong><strong>Museu</strong>s e até mesmo possibilitar a criação <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les. Como ex<strong>em</strong>plos da situação a quese refere Pomian pod<strong>em</strong> ser citados os casos brasileiros <strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> artistas plásticos quese tornaram <strong>Museu</strong>s: <strong>Museu</strong> Lasar Segal (São Paulo); Fundação Iberê Camargo (Rio Gran<strong>de</strong>do Sul); Instituto Tomie Ohtake (São Paulo) cuja artista que o nomeia está ativa.E a ação do Museólogo po<strong>de</strong> ser realizada <strong>em</strong> qualquer local on<strong>de</strong> seja necessário o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações para a preservação <strong>de</strong> coleções, no caso que se está enfocando:coleção <strong>de</strong> Artes Plásticas, por conseguinte, envolve a salvaguarda <strong>de</strong> objetos da categoriaBens Culturais, o que se enten<strong>de</strong> como representação do Patrimônio – “conjunto <strong>de</strong> bens ouvalores naturais ou criados pelo hom<strong>em</strong>”, “que se recebe por sucessão” e “existe <strong>em</strong> um território<strong>de</strong>finido”, segundo Desvallées IX .E o Código <strong>de</strong> Ética Profissional do Museólogo do Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Museologia, COFEMno seu Artigo 4º X ao discorrer sobre as competências do profissional Museólogo v<strong>em</strong> ilustrar ecorroborar o que se apontou parágrafos acima:Artigo 4.º - Compete ao museólogoAplicar todo zelo, diligência e conhecimento <strong>em</strong> função do <strong>de</strong>senvolvimentoda museologia, dos museus e <strong>de</strong> outras instituições on<strong>de</strong> a museologia po<strong>de</strong>ser exercida, como também contribuir para o ensino e formação <strong>de</strong> novosprofissionais, procurando colocar as suas ativida<strong>de</strong>s e a própria museologia aserviço do aprimoramento da cultura, da preservação e divulgação do patrimônio(grifo nosso).VIIPOMIAN, Krzysztof. Colecção. In: ENCICLOPEDIA EINAUDI. M<strong>em</strong>ória-História. Porto: Imprensa Nacional; Casada Moeda, 1984. Volume 1. p. 53. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.VIIIPOMIAN, Krzysztof. op. cit. p.4. p. 52.IXDESVALLÉS, André. Terminologia Museologica. Proyecto Permanente <strong>de</strong> Investigación. Paris: ICOFOM-LAM;ICOFOM, 2000. p. 41. 1 CD.XCOFEM, Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Museologia. Código <strong>de</strong> Ética Profissional do Museólogo <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1984,modificado <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1992. Artigo 4º. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28set 2012.161


Este Código é um dos documentos que se insere no elenco das diretrizes <strong>de</strong>finidoras da atuaçãodo profissional Museólogo <strong>em</strong> território nacional, sendo um dos fundamentos para a <strong>de</strong>signaçãodo termo no contexto brasileiro.O Código do COFEM integra a documentação legal que regulamenta a profissão <strong>de</strong> Museólogono Brasil: Lei 7.287 “<strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1984, que dispõe sobre a profissão <strong>de</strong> Museólogo”,assim como o Decreto 91.775 <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1985, que “Regulamenta a Lei nº 7.287,<strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1984, dispõe sobre a profissão <strong>de</strong> Museólogo e autoriza a criação doConselho Fe<strong>de</strong>ral e dos Conselhos Regionais <strong>de</strong> Museologia” XI .Tais documentos <strong>de</strong> teor legislativo e oriundos da área do Direito compõ<strong>em</strong> o conjunto queforma a base da fundamentação conceitual da pesquisa para análise do perfil do profissionalMuseólogo no contexto brasileiro, abordando sua prática nas coleções <strong>de</strong> artistas plásticoscont<strong>em</strong>porâneos. Também sob a perspectiva da história da Museologia no Brasil e no que tangeà i<strong>de</strong>ntificação, análise e interpretação da ação <strong>de</strong> Museólogos constitui um it<strong>em</strong> da pesquisaa documentação primária do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa da UNIRIO, Recuperação e Preservação daM<strong>em</strong>ória da Museologia no Brasil e do Núcleo <strong>de</strong> M<strong>em</strong>ória da Museologia Brasileira, NUMMUS.E no estudo que se está realizando, junto aos autores do campo da Museologia estão sendotratadas as entida<strong>de</strong>s profissionais que, <strong>em</strong> contexto internacional, se <strong>de</strong>dicam à questãodo “trabalho <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s” ou “profissão <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s” XII como o Conselho Internacional <strong>de</strong><strong>Museu</strong>s, International Council of <strong>Museu</strong>ms, ICOM - Co<strong>de</strong> of Ethics for <strong>Museu</strong>ms, Código <strong>de</strong>Ética para <strong>Museu</strong>s - e seus comitês internacionais: International Committee for Museology,Comitê Internacional para a Museologia, ICOFOM, e International Committee for the Training ofPersonnel, Comitê Internacional para Treinamento Profissional, ICTOP.Torna-se interessante apontar que o cenário i<strong>de</strong>ntificado no Brasil, no entanto, difere dointernacional que <strong>em</strong> vários casos não apresenta da mesma maneira um termo consagrado ereconhecido por um documento legal. Em países <strong>de</strong> língua portuguesa, espanhola e francesa,o termo Museólogo também i<strong>de</strong>ntifica uma profissão, ressalvando-se que a diferença se faz porconta do respaldo da Lei, já mencionada, que regulamenta a profissão no Brasil. Em países<strong>de</strong> língua inglesa e/ou <strong>de</strong> matriz anglo/germânica, <strong>em</strong> âmbito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação profissional asdiretrizes para o exercício do trabalho são en<strong>de</strong>reçadas para uma ampla categoria <strong>de</strong>nominada“profissionais <strong>de</strong> museus”, portanto, para aqueles que atuam <strong>em</strong> museus s<strong>em</strong> distinguir umaespecialida<strong>de</strong> teórica e prática ligada a um campo do conhecimento, a Museologia as orientaçõesprovêm <strong>de</strong> uma associação <strong>de</strong> profissionais atuante <strong>em</strong> âmbito internacional, o ICOM, e estãoinscritas no Código <strong>de</strong> Ética para <strong>Museu</strong>s. O documento ilustra um elenco <strong>de</strong> recomendaçõespreconizadas para ser<strong>em</strong> aceitas pela comunida<strong>de</strong> museológica. Porém se ressalvando quenão i<strong>de</strong>ntifica o especialista <strong>de</strong> um campo do conhecimento como ocorre no Brasil, mesmo queno país o seja por força da legislação mencionada.No plano internacional os profissionais atuantes no contexto dos museus, por conseguinte osque atuam no campo da Museologia; são aqueles que se apresentam há longo t<strong>em</strong>po sobas seguintes <strong>de</strong>nominações: conservador (conservateur, França e outros países por influênciado mo<strong>de</strong>lo terminológico francês); curador (museum curator, predominante <strong>em</strong> países sobinfluência do mo<strong>de</strong>lo inglês); ou, como indicado no parágrafo acima, profissionais <strong>de</strong> museus(museum professional, professionnels <strong>de</strong> musées, profisionales <strong>de</strong> museos), <strong>de</strong> acordo comXIBRASIL, Lei nº 7.287, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1984, que dispõe sobre a profissão <strong>de</strong> Museólogo e autoriza a criaçãodo Conselho Fe<strong>de</strong>ral e dos Conselhos Regionais <strong>de</strong> Museologia. Disponível <strong>em</strong>: http://cof<strong>em</strong>.org.br/?page_id=22.Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.XIIMENSH, Peter van. Museology as a profession. Cahiers d’étu<strong>de</strong>/Study Series. ICOM; UNESCO: França, 2000. V.8 p. 20.162


o que a pesquisa para dissertação se <strong>de</strong>parou nas diversas fontes consultadas, como porex<strong>em</strong>plo, o ICOM, no caso da última <strong>de</strong>signação apresentada, e no seu mencionado Código. Foiencontrada, também, a referência do uso do termo ‘muséologue’ equivalente ao Museólogo noidioma francês, principalmente no contexto cana<strong>de</strong>nse, para diferenciar dois perfis: o científico(reflexão teórica) e o técnico (trabalho prático) que seria reconhecido pelo termo, conservador– conservateur XIII .A análise do exercício profissional do Museólogo <strong>em</strong> espaços que difer<strong>em</strong> do formato do quese po<strong>de</strong>ria consi<strong>de</strong>rar como um <strong>Museu</strong>, especificamente ao se tratar <strong>de</strong> uma coleção visitávelencontra respaldo no conceito que é afiançado pela norma legal brasileira; e este formatoreconhecido é o pano <strong>de</strong> fundo para a i<strong>de</strong>ntificação do perfil <strong>de</strong>ste profissional que t<strong>em</strong> comocentro <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s a salvaguarda do B<strong>em</strong> Cultural, esteja <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong>finidos como<strong>Museu</strong>s ou não.A partir da experiência do trabalho profissional realizado pela mestranda no ateliê <strong>de</strong> CarlosVergara, b<strong>em</strong> como pela investigação já realizada pela pesquisa e os resultados até agoraobtidos comparando outras experiências s<strong>em</strong>elhantes <strong>em</strong> coleções/ateliês <strong>de</strong> artistascont<strong>em</strong>porâneos, cujas coleções são também visitáveis, po<strong>de</strong>-se dizer que, ao lado <strong>de</strong> umquadro <strong>de</strong> similarida<strong>de</strong>s e/ou diferenças que se v<strong>em</strong> coletando e analisando entre as coleçõese o trabalho do Museólogo <strong>em</strong> cada um dos espaços selecionados, há uma indicação queaponta para um peso maior entre a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações que são realizadas. Os espaços são: acoleção do Projeto Hélio Oiticica (falecido) sob a tutela <strong>de</strong> seu irmão, César Oiticica e localizadano Jardim Botânico; Instituto Rubens Gerchman, entida<strong>de</strong> responsável pela salvaguarda doacervo <strong>de</strong> Rubens Gerchman (falecido) que pertence aos filhos, sendo responsável a filha ClaraGerchman, funciona no antigo ateliê do artista na Barra da Tijuca; coleção Beatriz Milhazeslocalizada no ateliê da artista no Jardim Botânico; coleção Luiz Zerbini, também localizada noateliê do artista no bairro da Gávea; ainda a coleção <strong>de</strong> Carlos Vergara que está no seu ateliêsituado <strong>em</strong> Santa Teresa. Todas as coleções são <strong>de</strong> artistas plásticos cont<strong>em</strong>porâneos quantoà linguag<strong>em</strong> artística pela qual se expressaram, segundo a historiografia da História da Arte, eestão localizadas na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.Por fim, pela análise comparativa <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento observa-se que, entre as ativida<strong>de</strong>s ecaracterísticas <strong>de</strong> cada trabalho <strong>de</strong>senvolvido nos diferentes espaços, o caminho dos estudosfuturos irá conduzir para <strong>de</strong>senhar as competências do profissional Museólogo <strong>em</strong> locais nãonomeados propriamente museus e, até, po<strong>de</strong>rá indicar outras práticas que levarão a expandir oconceito que <strong>de</strong>fine as ativida<strong>de</strong>s na esfera profissional.REFERÊNCIASDESVALLÉES, André. MAIRESSE, François. Dictionnaire Encyclopédique <strong>de</strong> Muséologique. França:Armand Colin, 2011.DESVALLÉES, André. Terminologia Museologica. Proyecto Permanente <strong>de</strong> Investigación. Paris: ICOFOM-LAM; ICOFOM, 2000. 106 p. 1 CD.COFEM, Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Museologia. Código <strong>de</strong> Ética Profissional do Museólogo <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1984, modificado <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1992. Disponível <strong>em</strong>: .Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.XIIIDESVALLÉES, André. MAIRESSE, François. Dictionnaire Encyclopédique <strong>de</strong> Muséologique. França: ArmandColin, 2011. p. 474.163


ICOFOM, International Committee for Museology. Disponível <strong>em</strong>: http://network.icom.museum/icofom.Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.ICOM, International Council of <strong>Museu</strong>m. ICOM Co<strong>de</strong> of Ethics for <strong>Museu</strong>ms. Paris: UNESCO, 2006.Disponível <strong>em</strong>: . Acesso<strong>em</strong>: 28 set 2012.ICTOP, International Committee for the Training of Personnel. Disponível <strong>em</strong>: http://network.icom.museum/ictop. Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.LIMA, Diana Farjalla Correia. COSTA, Igor. F. R. Ciência da informação e Museologia: estudo teórico <strong>de</strong>termos e conceitos <strong>em</strong> diferentes contextos -- subsídio à linguag<strong>em</strong> documentária. In: CINFORM 2007 -Encontro Nacional <strong>de</strong> Ensino e Pesquisa da Informação (7), 2007. Salvador. Anais VII CINFORM 2007,Salvador: Instituto <strong>de</strong> Ciência da Informação, Escola Politécnica – UFBA 2007. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.LIMA, Diana Farjalla Correia. Atributos simbólicos do patrimônio: museologia/“patrimoniologia” einformação <strong>em</strong> contexto da linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> especialida<strong>de</strong>. In: ENANCIB 2010 - ENCONTRO NACIONALDE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (11), 2010, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais XI ENANCIB 2010, GT9 – <strong>Museu</strong>, Patrimônio e Informação. Rio <strong>de</strong> Janeiro: ANCIB, PPGCI-IBICT/UFRJ, 2010. n. p. 1 CD ROM.Disponível <strong>em</strong>: . Acesso: 28set. 2012.MENSH, Peter van. Museology as a profession. Cahiers d’étu<strong>de</strong>/Study Series. ICOM; UNESCO: França,2000. V. 8 p. 20-21.POMIAN, Krzysztof. Colecção. In: ENCICLOPEDIA EINAUDI. M<strong>em</strong>ória-História. Porto: Imprensa Nacional;Casa da Moeda, 1984. Volume 1. p. 51-86.VERGARA, João dos Santos. Sobre a formação e o acesso a acervos <strong>de</strong> arte cont<strong>em</strong>porânea: O casodo Ateliê Carlos Vergara. Dissertação (Mestrado) 90 f. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> História, Políticae Bens Culturais. Mestrado Profissional <strong>em</strong> Bens Culturais e Projetos Sociais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV/CPDOC, 2008. Orientadora: Mônica Almeida Kornis. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.LegislaçãoBRASIL. Lei nº 11.904, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009. Institui o Estatuto dos <strong>Museu</strong>s e dá outras providências.Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. Disponível <strong>em</strong>: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/429889/dou-secao-1-15-01-2009-pg-1>. Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.BRASIL, Lei nº 7.287, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1984, que dispõe sobre a profissão <strong>de</strong> Museólogo e autorizaa criação do Conselho Fe<strong>de</strong>ral e dos Conselhos Regionais <strong>de</strong> Museologia. Disponível <strong>em</strong>: http://cof<strong>em</strong>.org.br/?page_id=22. Acesso <strong>em</strong>: 28 set 2012.BRASIL, Decreto nº 91.775, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1985. Regulamenta a Lei nº 7.287, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1984, que dispõe sobre a profissão <strong>de</strong> Museólogo e autoriza a criação do Conselho Fe<strong>de</strong>ral e dosConselhos Regionais <strong>de</strong> Museologia. Disponível <strong>em</strong>: http://cof<strong>em</strong>.org.br/?page164


ANTROPOFAGIA E MUSEOFAGIA: DESVELANDO RELAÇÕESINTERCULTURAISDiogo Jorge <strong>de</strong> Melo, Vinicius <strong>de</strong> Moraes Monção, Luciana Cristina <strong>de</strong> Oliveira Azulaiae Mônica Gouveia dos SantosResumoO trabalho faz leituras sobre o conceito <strong>de</strong> antropofagia e <strong>Museu</strong>s, somando-se a outras i<strong>de</strong>ias,como a do <strong>Museu</strong> como espelho <strong>de</strong> Tereza Scheiner e a dos centros <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> Bruno Latour.Embasando o entendimento <strong>de</strong> uma relação trófica entre o conceito <strong>de</strong> antropofagia e o d<strong>em</strong>useofagia, apresentando dois estudos <strong>de</strong> caso: o primeiro oriundo da experiência do <strong>Museu</strong>Magüta; e o segundo, do projeto “Museologia, Ciência e Arte: narrativas e representações dascerâmicas arqueológicas na manufatura <strong>de</strong> Icoaraci - m<strong>em</strong>órias da família Cardoso” - este,d<strong>em</strong>onstrando como o Mestre Raimundo Cardoso e os outros ceramistas do distrito <strong>de</strong> Icoaraci(Belém, Pará) se apropriaram das representações das culturas arqueológicas do <strong>Museu</strong>Paraense Emílio Goeldi e a transformaram <strong>em</strong> um patrimônio/i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong>.Palavras-chave: Antropofagia, <strong>Museu</strong>, Museologia, Cerâmica, <strong>Museu</strong> Paraense Emílio GoeldiAbstractANTHROPOPHAGY E MUSEOPHAGY: UNVEILING INTERCULTURAL RELATIONSThis work discusses the concepts of anthropophagy and museums, relying on other i<strong>de</strong>as suchas the concepts ofmuseum as a mirror, by Scheiner, and of centers of calculation, by Latour.Such i<strong>de</strong>as are based on the un<strong>de</strong>rstanding of a trophic relationship between the conceptsof anthropophagy and museophagy. Two case studies will be presented: the first shows theMagüta <strong>Museu</strong>m experience; and the second is related to the project “Museology, Science andArt: narratives and representations of archaeological ceramics in the manufacture of Icoaraci -m<strong>em</strong>ories of the Cardoso family”, which d<strong>em</strong>onstrates how Mestre Raimundo Cardoso and otherceramists from the Icoaraci district (Belém, Pará) make use of representations of archaeologicalcultures from [the collections at] <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi and transform th<strong>em</strong> into anasset/i<strong>de</strong>ntity for the city.Keywords: Anthropophagy, <strong>Museu</strong>m, Museology, Ceramics, <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi165


ANTROPOFAGIA E MUSEOFAGIA: DESVELANDO RELAÇÕES INTERCULTURAIS“Apenas aquele que está corajosamente pronto para ser <strong>de</strong>vorado está também<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> saborear o banquete”(CHAGAS, 2005: 19).Iniciamos este trabalho partindo da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> antropofagia presente no movimento mo<strong>de</strong>rnistado Brasil, principalmente do “Manifesto Antropófágo” e consequent<strong>em</strong>ente do “Manifesto Pau-Brasil”, ambos <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a concepção <strong>de</strong> uma inovação artística no contextosocial brasileiro se constituiu a partir <strong>de</strong> uma leitura da cultura que vinha <strong>de</strong> fora, no caso aeuropeia, somada a uma resignificação <strong>de</strong> um contexto local, a cultura brasileira; ambas, juntas,acabavam por gerar um resultado inovador e singular. Tal concepção foi manifestada por Oswald<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> através da inspiração das obras <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> Tarsila do Amaral, principalmente oquadro ícone do mo<strong>de</strong>rnismo brasileiro, o “Abaporu”.Resumidamente, entend<strong>em</strong>os esse fenômeno como um processo digestivo, on<strong>de</strong> ainterculturalida<strong>de</strong> é capaz <strong>de</strong> produzir resultados autênticos e inesperados. Leitura que po<strong>de</strong>ser percebida nos trechos <strong>de</strong> ambos manifestos citados abaixo:Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E aselites começaram <strong>de</strong>smanchando. Duas fases: 1a) a <strong>de</strong>formação através doimpressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarrmé,Rodin e Debussy até agora. 2a) o lirismo, a apresentação no t<strong>em</strong>plo, osmateriais, a inocência construtiva. (ANDRADE, 1924).Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.Única lei do mundo. Expressão mascarada <strong>de</strong> todos os individualismos, <strong>de</strong>todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados <strong>de</strong> paz.Tupi or not tupi, that is the question.Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.Só me interessa o que não é meu. Lei do hom<strong>em</strong>. Lei do antropófago.(ANDRADE, 1928).A<strong>de</strong>ntrando mais especificamente as questões <strong>de</strong> antropofagia e <strong>Museu</strong>s, nos reportamosteoricamente a diversos textos do volume 31 <strong>de</strong> 2005 da Revista do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional e outros textos teóricos, que <strong>de</strong>senvolveram o t<strong>em</strong>a abordado <strong>de</strong> maneiradireta ou indireta. Pois nosso objetivo é buscar um discurso dialógico entre teoria e prática, parao entendimento <strong>de</strong> processos interculturais, que <strong>de</strong>nominamos simbolicamente <strong>de</strong> antropofagiae museofagia I , visando <strong>em</strong>basar um estudo <strong>de</strong> caso, que serve <strong>de</strong> estrutura para o projeto“Museologia, Ciência e Arte: narrativas e representações das cerâmicas arqueológicas namanufatura <strong>de</strong> Icoaraci - m<strong>em</strong>órias da família Cardoso”, que esta sendo <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>s<strong>de</strong>2011 na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará (MELO et al., 2011).Chagas (2005), no periódico anteriormente citado, vai buscar o entendimento da antropofagia nomito <strong>de</strong> Prometeus e sua relação com o abutre, estando ambos <strong>em</strong> um processo simbiótico, on<strong>de</strong>o abutre, o algoz do herói grego, esta constant<strong>em</strong>ente se nutrindo <strong>de</strong> sua vítima. Destacamos<strong>de</strong>sta relação a seguinte interpretação do autor:IA palavra museofagia é um neologismo, criado a partir <strong>de</strong> uma analogia com o termo antropofagia.166


O encontro entre o <strong>de</strong>vorador e o <strong>de</strong>vorado po<strong>de</strong> ser apenas repetição ehábito, mas também po<strong>de</strong> ser gesto criativo e libertador, po<strong>de</strong> ser dança <strong>em</strong>udança. Assim é o passado, assim é a m<strong>em</strong>ória do passado no presente. Orisco <strong>de</strong> contaminação é imenso, o risco <strong>de</strong> aprisionamento ao seu penhascoíngr<strong>em</strong>e é gran<strong>de</strong>, o risco <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vorado por ele não é pequeno, mas nãopo<strong>de</strong> impun<strong>em</strong>ente fugir do passado que, a rigor, também está <strong>em</strong> movimento(CHAGAS, 2005: 16-17).O autor avança <strong>em</strong> seu discurso chegando à obra <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> Jaques Lipchitz da década <strong>de</strong>1940, <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> “Prometeu Liberto”, escultura on<strong>de</strong> o herói grego se liberta <strong>de</strong> seu suplícioe acaba domando o seu algoz. A obra está na fachada do prédio do Palácio Gustavo Capan<strong>em</strong>a,no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> acaba por se dispor como um quelói<strong>de</strong>, uma tatuag<strong>em</strong> ou um piercing<strong>de</strong> um outro lugar <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória; e atribui este fato ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vorador do <strong>Museu</strong>, dizendo que:Não há monumento, não há documento, não há patrimônio cultural ou natural,não há cotidiano ou festa que resista ao seu canto, ao seu encanto e à suacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção simbólica e <strong>de</strong> transformação dos sentidos.Síntese provisória: nesse mundo <strong>de</strong> meu <strong>de</strong>us tudo é museável tudo po<strong>de</strong>,pelo menos <strong>em</strong> tese, ser incluído no campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s do museu.Essa capacida<strong>de</strong> inclusiva t<strong>em</strong> relação direta com o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> produzirmetamorfoses <strong>de</strong> significados e funções, com a sua aptidão para a adaptaçãoaos condicionamentos históricos e sociais e a sua vocação para mediaçãocultural (CHAGAS, 2005: 18).Partindo <strong>de</strong>ste ponto, Chagas (2005) resgata a i<strong>de</strong>ia dos museus como pontes entre t<strong>em</strong>po,espaço, indivíduos, grupos sociais e culturas diferentes. Uma ponte que se <strong>de</strong>fine na construção<strong>de</strong> imaginários, representações <strong>de</strong> diversas realida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sentidos. O que nos fazenten<strong>de</strong>r os <strong>Museu</strong>s como uma máquina <strong>de</strong>voradora e insaciável, que precisa constant<strong>em</strong>entese alimentar <strong>de</strong> cultura e culturas para existir.Este fato nos r<strong>em</strong>ete a Scheiner (1998), que nos apresenta a i<strong>de</strong>ia do <strong>Museu</strong> não como ponte,mas como espelho, sendo ele uma construção a partir <strong>de</strong> uma relação especular, um reflexo dasocieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os. Sendo o primeiro nível hierárquico das relações especulares a doHom<strong>em</strong> consigo mesmo:Pois se o <strong>Museu</strong> é a presentificação do gênio criativo do Hom<strong>em</strong>, mas tambémda sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m<strong>em</strong>orizar, está <strong>de</strong> todos os modos associado tanto aoplano da consciência como aos processos do inconsciente. O primeiro museu éentão o corpo do Hom<strong>em</strong>, morada da m<strong>em</strong>ória, corpo esse <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se originamtodos os processos do <strong>Museu</strong>, mediados sincronisticamente através dos jogosda razão e da <strong>em</strong>oção (SCHEINER, 1998).Logo a autora consi<strong>de</strong>ra o entendimento primário da condição <strong>Museu</strong> a partir do cruzamentodo plano consciente com um plano da inconsciência, o que v<strong>em</strong> a <strong>de</strong>finir o entendimento daexistência do <strong>Museu</strong> Interior.Na interpretação do <strong>Museu</strong> como espelho, também não pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> interpretar o <strong>Museu</strong>como o reflexo do outro, consi<strong>de</strong>rando-o como representante da m<strong>em</strong>ória coletiva, <strong>de</strong>finidapor Scheiner (1998) como produto e processo das representações da história da humanida<strong>de</strong>167


<strong>em</strong> sua trajetória no planeta, os seus processos <strong>de</strong> produção simbólica e as suas formas <strong>de</strong>expressão material <strong>em</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e espaço. Assim como um reflexo, o museué uma representação do ‘Real’, logo n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é um reflexo fiel:Na medida <strong>em</strong> que cria um t<strong>em</strong>po e um espaço próprios, ten<strong>de</strong> a construir umarealida<strong>de</strong> simbólica, um tecido <strong>de</strong> representações simbólicas do Real. E, comoqualquer coisa construída, essa malha simbólica já será <strong>em</strong> si mesma metáfora,e não o reflexo ‘absoluto’ do Real. A imag<strong>em</strong> ‘construída’ do Real po<strong>de</strong>rá sermodificada <strong>em</strong> todas as direções, até parecer distorcida (SCHEINER, 1998).Cabe <strong>de</strong>stacar, para finalizar a i<strong>de</strong>ia do <strong>Museu</strong> como espelho, resgatar um segundo texto <strong>de</strong>Scheiner (1991), que a partir do mito <strong>de</strong> Narciso, que se apaixona pelo seu reflexo <strong>em</strong> umlago, acaba, ao tocá-lo, caindo no mesmo e morrendo afogado. O que a autora indica serum <strong>de</strong>sdobramento dos museus na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imersão total, on<strong>de</strong>a ‘representação’ acaba sendo substituída pela ‘apresentação’ plena. Contudo, interpretamosa imersão <strong>de</strong> Narciso pelo lago como um movimento <strong>de</strong>vorador, mais especificamente umafagocitose - processo <strong>de</strong> alimentação celular on<strong>de</strong> o alimento é englobado pela célula, que lançasuas enzimas digestivas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta cápsula, digerindo o material englobado, para absorvêlo,para <strong>em</strong> fim torná-lo parte integrante da célula. O que nos leva ao pensamento <strong>de</strong> Preziosi(1998 apud Chagas, 2005):Evitar ser comido por um museu é reconhecidamente um probl<strong>em</strong>a universal,dado que viv<strong>em</strong>os num mundo <strong>em</strong> que virtualmente qualquer coisa po<strong>de</strong> serencenada ou exposta <strong>em</strong> um museu e <strong>em</strong> que virtualmente qualquer coisapo<strong>de</strong> servir ou ser classificada como museu (PREZIOSI, 1998: 50)Chagas (2005) avança nesta questão ao não concordar plenamente com Preziosi, <strong>em</strong> seuposicionamento <strong>de</strong> evitar a antropofagia do <strong>Museu</strong>, baseando-se na cultura dos Timbiras: paranão ser comido basta se acovardar diante do risco da morte, basta não ter dignida<strong>de</strong> paramorrer (CHAGAS, 2005: 19), idéia que se articula com a citação que inicia este trabalho. Poiso autor acredita que o reconhecimento do po<strong>de</strong>r antropofágico do <strong>Museu</strong>, assim como a suaagressivida<strong>de</strong> e violência, principalmente <strong>em</strong> relação ao passado é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio para asnovas gerações.Buscando uma última referência para o nosso entendimento da antropofagia do <strong>Museu</strong>,buscamos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> centro <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> Latour (2000), <strong>em</strong> que i<strong>de</strong>ntifica os museus por umsist<strong>em</strong>a informacional <strong>de</strong> recepção e <strong>de</strong>volução <strong>de</strong> conhecimentos. O processo é ex<strong>em</strong>plificadopelo trabalho <strong>de</strong> naturalista coletando uma ave e a levando para um <strong>Museu</strong>:...<strong>em</strong> comparação inicial, <strong>em</strong> que cada ave vivia livr<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> seu ecossist<strong>em</strong>a,que perda consi<strong>de</strong>rável, que diminuição! Mas, <strong>em</strong> comparação com a situaçãoinicial, <strong>em</strong> que cada ave voava invisível na confusão <strong>de</strong> uma noite tropical ou<strong>de</strong> um amanhecer polar, que ganho fantástico, que aumento! O ornitólogo po<strong>de</strong>então, tranquilamente, <strong>em</strong> local protegido, comparar os traços característicos<strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> aves tornadas comparáveis pela imobilida<strong>de</strong>, pela pose, pelo<strong>em</strong>palhamento. O que vivia disperso <strong>em</strong> estados singulares do mundo seunifica, se universaliza, sob o olhar preciso do naturalista” (Latour, 2000: 25).168


A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> centro <strong>de</strong> cálculo nos aponta para um mecanismo antropofágico, que além <strong>de</strong> digerire assimilar é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver algo novo ao sist<strong>em</strong>a, mas não apenas uma simples <strong>de</strong>volução,mas algo capaz <strong>de</strong> gerar fora do sist<strong>em</strong>a algo inovador. O que nos permite fazer uma analogiacom a teia ecológica, espaço on<strong>de</strong> a digestão possui uma função específica no ciclo da vida.Pois o produto <strong>de</strong>ste processo, que culturamente costumamos ver negativamente, as fezes,são restos alimentares que não foram absorvidos pelo organismo, que junto com secreçõesdo próprio organismo, são expelidas e acabam por ser<strong>em</strong> reaproveitadas como nutrientes,transformando-se, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> nitritos e nitratos, que ajudarão os produtores a realizar<strong>em</strong>a fotossíntese, uma retroalimentação do sist<strong>em</strong>a.O que quer<strong>em</strong>os falar é que o movimento antropofágico é um processo cultural com característicasorgânicas, na qual o <strong>Museu</strong> po<strong>de</strong> ser visto com uma função específica, <strong>de</strong>volvendo à socieda<strong>de</strong>algo que ela precisa e não apenas um simples reflexo ou um espelho <strong>de</strong>formante ou congelante,mas sim uma necessida<strong>de</strong>, uma essência.Contudo, falamos até agora do <strong>Museu</strong> como <strong>de</strong>vorador, sendo ele capaz <strong>de</strong> se alimentar doHom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> tudo aquilo que ele po<strong>de</strong> oferecer, assimilando parte e <strong>de</strong>volvendo outra, mas nãopensamos <strong>em</strong> um processo <strong>em</strong> que o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o gran<strong>de</strong> predador e passa a serpresa, a museofagia. Aqui, o <strong>Museu</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vorado por esse mesmo Hom<strong>em</strong>, que ele v<strong>em</strong><strong>de</strong>vorando há séculos!Acreditamos que um bom ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong>ssa inversão <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a, da museofagia, é o caso do <strong>Museu</strong>Magüta, criado <strong>em</strong> 1991 pelos índios Ticunas, como um instrumento <strong>de</strong> luta pela d<strong>em</strong>arcação <strong>de</strong>terras, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Benjamim Constant II , na região do alto Solimões, Amazonas, na fronteiracom o Peru e a Colômbia. Montado <strong>em</strong> uma casa <strong>de</strong> arquitetura simples, com cinco salas <strong>de</strong>exposição e uma pequena biblioteca, sua história <strong>de</strong> criação foi precedida por um massacre: <strong>em</strong>1988, no igarapé do Capacete, um grupo <strong>de</strong> pistoleiros atacou os índios, matando 14, ferindo 23e <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong>z <strong>de</strong>saparecidos (ABREU, 2005).A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um museu surgia como uma estratégia <strong>de</strong> organização dam<strong>em</strong>ória e revigoração da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica. Com apoio <strong>de</strong> ONGs, <strong>de</strong>stacadamentedo CGTT, algumas li<strong>de</strong>ranças indígenas converteram-se subtamente <strong>em</strong>profissionais <strong>de</strong> museus, apren<strong>de</strong>ndo algumas técnicas <strong>de</strong> museologia <strong>em</strong>useografia. Para a formação do acervo, essas li<strong>de</strong>ranças mobilizaram 95 al<strong>de</strong>ias,com uma população <strong>de</strong> 28 mil índios... (ABREU, 2005: 114).A gran<strong>de</strong> motivação <strong>de</strong> existência do museu inicia-se assim <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> reação, queacabou por assimilar a questão <strong>de</strong> d<strong>em</strong>arcação <strong>de</strong> terras. Conforme suas li<strong>de</strong>ranças, o museubusca o reconhecimento dos mesmos como índios, muitas vezes reconhecidos como caboclospela população local. Desta maneira o objetivo do museu é fortalecer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos ticunas,muitas vezes negada pelos próprios índios (ABREU, 2005), fato muito presente nas narrativasdos pesquisadores que conviv<strong>em</strong> com as realida<strong>de</strong>s amazônicas.Logo perceb<strong>em</strong>os, no relato, que os índios acabam por se alimentar do <strong>Museu</strong> e da Museologia,para construír<strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> proteção e luta por seus direitos. Claro que não pod<strong>em</strong>osnegar que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua criação, obviamente o <strong>Museu</strong> Magüta começou a <strong>de</strong>vorar a culturados Ticunas. Mas será possível outra forma <strong>de</strong> museofagia, pois se forçarmos um pouco nossoIIA cida<strong>de</strong> possui aproximadamente 12 mil habitantes e se localiza na confluência do rio Javari e Solimões169


viés <strong>de</strong> análise, facilmente enquadrar<strong>em</strong>os esse processo estrutural da museofagia <strong>em</strong> diversos<strong>Museu</strong>s relacionados ao movimento da Museologia Social, on<strong>de</strong> normalmente uma d<strong>em</strong>andapopular/social prece<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> um museu.Desta forma, chegamos ao nosso estudo <strong>de</strong> caso, que está sendo <strong>de</strong>senvolvido pelo projeto<strong>de</strong> extensão anteriormente citado. Nele, a museofagia ocorreu <strong>em</strong> um <strong>Museu</strong> Tradicional d<strong>em</strong>aneira muito interessante: on<strong>de</strong> os ceramistas <strong>de</strong> Icoaraci, <strong>em</strong> Belém, acabaram por <strong>de</strong>voraro <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi.Este museu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus primórdios possui um vínculo com o <strong>de</strong>senvolvimento dos conhecimentosna área da Amazônia, possuindo amplas coleções científicas para este fim, entre as quais a<strong>de</strong> arqueologia. Sendo o <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi um dos gran<strong>de</strong>s responsáveis pelosconhecimentos sobre a pré-história da Amazônia, possui, inclusive, o setor <strong>de</strong> arqueologia maisantigo da região norte do país. Os fatos são perceptíveis na breve história que far<strong>em</strong>os dainstituição, enfocando a formação dos acervos arqueológicos.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criação do <strong>Museu</strong> Paraense começou a tomar corpo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1866, por uma iniciativada Socieda<strong>de</strong> Filomática, sendo o seu gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alizador Domingos Soares Ferreira Pena. O<strong>Museu</strong> foi instalado no ano seguinte <strong>em</strong> uma casa alugada e inaugurando <strong>em</strong> 1871, vinculadoà Biblioteca Pública da Província.Um dos ex<strong>em</strong>plos da importância da arqueologia, nesta época, para a instituição, mesmo aindanão sendo o foco principal, foi a colaboração do <strong>Museu</strong> Paraense na organização da ExposiçãoAntropológica Nacional, fazendo excursões científicas aos sítios arqueológicos da ilha <strong>de</strong> Marajóe al<strong>de</strong>ias indígenas do interior (LOPES, 1997).Neste período Ferreira Pena acabou sendo o gran<strong>de</strong> provedor do conhecimento arqueológicoda região, estudando vários sítios, principalmente os da cultura Marajoara, além <strong>de</strong> sambaquis.Coube a ele ter <strong>de</strong>scoberto as primeiras urnas Maracás e ter relatado a primeira pintura rupestrena região (BARRETO, 1992).Posteriormente, o <strong>Museu</strong> Paraense passou por uma fase <strong>de</strong> abandono e foi <strong>de</strong>cretada a suaextinção <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1888, dia do falecimento <strong>de</strong> Ferreira Pena, situação que foi revertidapelo advento da República e o fortalecimento da Região Norte pelo ciclo da borracha, noqual os primeiros governantes perceberam a importância do <strong>Museu</strong> e resolveram investir nomesmo, que foi reinaugurado no dia 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1891. Quando no governo estadual <strong>de</strong> LauroSodré convidou o zoólogo suíço Emílio Augusto Goeldi para assumir a direção da instituição(BARRETO, 1992).A fase <strong>de</strong> Emílio Goeldi foi marcada por uma nova estruturação, que acabou por se tornaressencialmente uma instituição científica, focada principalmente na Zoologia e na Botânica(LOPES, 1997). Cabe <strong>de</strong>stacar que <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1894 a instituição passou a ser chamada <strong>de</strong><strong>Museu</strong> Paraense <strong>de</strong> História Natural e Etnografia e no ano seguinte foi instalado no complexo<strong>em</strong> que se encontra até os dias atuais. Em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1900, o <strong>Museu</strong> passou a serchamado <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> Goeldi (BARRETO, 1992).A arqueologia nesta fase foi marcada por coletas frequentes, assim como um melhorreconhecimento dos sítios arqueológicos da região. Contudo ainda com uma gran<strong>de</strong> preocupaçãoestética com as peças coletadas. Neste período foram melhores conhecidos os sítios da culturaMarajoara, da cultura Maracá e foi <strong>de</strong>scoberta a cultura arqueológica Cunani (BARRETO, 1992).A <strong>de</strong>cadência da borracha e a d<strong>em</strong>issão <strong>de</strong> Emílio Goeldi <strong>em</strong> 1907 geraram novamente umperíodo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência. Marcado por uma paralisação das pesquisas científicas, incluindo as170


arqueológicas, principalmente pela falta <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra qualificada. Contudo a subida do MajorMagalhães Barata ao po<strong>de</strong>r, com a Revolução <strong>de</strong> 1930, mudou consi<strong>de</strong>ravelmente a situação,por ser um gran<strong>de</strong> admirador da instituição. Em 1931 o nome da instituição foi mudado para onome usado até os dias atuais, <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi (BARRETO, 1992).Marcam <strong>de</strong>ste período as contribuições <strong>de</strong> Helen C. Palmatary e Curt Nimuendaju econsequent<strong>em</strong>ente o conhecimento da cultura arqueológica Tapajônica III , <strong>de</strong>scoberta nos anos<strong>de</strong> 1920 (BARRETO, 1992).Já na década <strong>de</strong> 1940 houve um fortalecimento das pesquisas arqueológicas do <strong>Museu</strong> com avinda do casal Clifford Evans e Betty Meggers <strong>em</strong> 1948. Dando início a profissionalização daspesquisas arqueológicas no Pará, que:Aplicando técnicas relativamente novas e até então inéditas na região, como aescavação estratigráfica, a análise tipológica e quantitativa dos restos cerâmicos,a seriação, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> seqüências culturais no t<strong>em</strong>po e no espaço (fases),o estudo dos padrões <strong>de</strong> assentamento e procurando utilizar se <strong>de</strong> explicaçõesecológicas - baseadas no conceito <strong>de</strong> limitação ambiental - para elucidar o<strong>de</strong>senvolvimento cultural na região, foram capazes <strong>de</strong> reconstituir a pré-história dafoz do rio Amazonas. (BARREITO, 1992: 230).O final da atuação <strong>de</strong> Clifford e Meggers marcou o início da atuação <strong>de</strong> Paul Hilbert, etnólogodo <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi, que participou da última etapa <strong>de</strong> campo do casal <strong>de</strong>arqueólogos, <strong>em</strong> 1949, e acabou dando continuida<strong>de</strong> aos trabalhos sist<strong>em</strong>áticos produzidospor eles. Este período ficou conhecido como o reerguimento da Arqueologia no <strong>Museu</strong> Goeldi,preparando-o para o estabelecendo o futuro Setor <strong>de</strong> Arqueologia na Instituição, fato que seconsolidou a partir da década <strong>de</strong> 1960, com a atuação <strong>de</strong> Mário F. Simões (BARRETO, 1992).Finalizando nossa breve história sobre o <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi, <strong>em</strong> 1954, para salvara Instituição, foi firmado um convênio entre o governo do Estado e o recém criado ConselhoNacional <strong>de</strong> Pesquisas (CNPq), que passou a administrar o <strong>Museu</strong> através do InstitutoNacional <strong>de</strong> Pesquisas da Amazônia (INPA). Passo fundamental para o mesmo se tornar umainstituição fe<strong>de</strong>ral. Contudo o <strong>Museu</strong> só ganhou autonomia <strong>em</strong> 1983, quando <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um<strong>de</strong>partamento do INPA (BARRETO, 1992).Essa breve história do <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi nos permite enten<strong>de</strong>r um pouco domovimento antropofágico do <strong>Museu</strong> <strong>em</strong> relação às culturas humanas, sejam elas do presenteou do passado, no caso das culturas arqueológicas mencionadas. A coleção <strong>de</strong> arqueologia dainstituição acaba por ser uma representação <strong>de</strong> todo esse processo, e consequent<strong>em</strong>ente umprato cheio para ser <strong>de</strong>vorado. É como no centro <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> Latour, que prevê a produção <strong>de</strong>novos conhecimentos produzidos <strong>de</strong>ntro do <strong>Museu</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas coleções e que <strong>de</strong>ve retornarao meio, para ser <strong>de</strong>vorado pela humanida<strong>de</strong>, d<strong>em</strong>onstrando a existência <strong>de</strong> uma museofagia.O processo <strong>de</strong> museofagia que aqui quer<strong>em</strong>os ex<strong>em</strong>plificar se iniciou com a história do já falecidoMestre Raimundo Cardoso, consi<strong>de</strong>rado um dos ceramistas mais importantes do distrito <strong>de</strong>Icoaraci da Região Metropolitana <strong>de</strong> Belém.O mestre <strong>em</strong> 1953 recebeu <strong>de</strong> presente <strong>de</strong> sua irmã, que trabalha <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> família, um livroque encontrou no lixo. Este era um tratado <strong>de</strong> arqueologia, da já citada pesquisadora HelenIIITambém conhecida como cerâmica Santarena, pois a gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong>stes restos cerâmicos sãoencontradas nos arredores da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santarém.171


Palmatary, que abordava as cerâmicas Marajoaras e Tapajônicas. O fato <strong>de</strong>spertou, através dasensibilida<strong>de</strong> do mestre, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reproduzir as peças que observara no livro - e o fez visitaro <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi <strong>em</strong> 1965, tomando contato direto com a cerâmica arqueológica,principalmente as culturas arqueológicas Marajoara, Tapajônia e Maracá e os funcionários dainstituição (DAGLISH, 1996).Mestre Cardoso, ao mostrar seu trabalho aos técnicos do <strong>Museu</strong>, que ficaram encantadoscom os mesmos, ganhou permissão para ter acesso às reservas técnicas (DAGLISH, 1996) ecomeçou a <strong>de</strong>vorá-las, isso é estuda-las e enten<strong>de</strong>-las mais <strong>de</strong>talhadamente, reconhecendo astécnicas usadas no passado e <strong>de</strong>senvolvendo técnicas para a produção no presente, como oenvelhecimento das peças.Seu trabalho <strong>de</strong> reprodução das cerâmicas arqueológicas foi um sucesso e com o t<strong>em</strong>po outrosprodutores <strong>de</strong> cerâmica acabaram por enveredar para a mesma ativida<strong>de</strong>, que se tornou <strong>de</strong>ssa formauma coqueluche na produção ceramista <strong>de</strong> Icoaraci, sendo as peças hoje facilmente encontradas<strong>em</strong> diversas partes da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belém, do comércio as residências mais nobres da cida<strong>de</strong>. Astécnicas <strong>de</strong>senvolvidas por Cardoso ainda se encontram presentes na produção ceramista dafamília Cardoso IV , e perceptivelmente possu<strong>em</strong> uma qualida<strong>de</strong> muito refinada <strong>em</strong> relação à grand<strong>em</strong>aioria das olarias da região <strong>de</strong> Icoaraci.Resumidamente, mestre Cardoso com a sua museofagia, acabou construindo através dos vestígiosarqueológicos da coleção do <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi, uma m<strong>em</strong>ória sobre uma técnica quehá muito t<strong>em</strong>po foi extinta.Os fatos apontados acima nos faz<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntificar esse tipo <strong>de</strong> produção ceramista como um patrimônio,que acaba por constituir uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belém como um todo. Destacandoque muitas <strong>de</strong>las não foram encontradas nas cercanias geográficas da cida<strong>de</strong>, o que acaba porcaracterizar uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> importada <strong>de</strong> outras regiões.Cabe <strong>de</strong>stacar que a museofagia do Mestre Raimundo Cardoso e consequent<strong>em</strong>ente dos ceramistas<strong>de</strong> Icoaraci, acabou por se <strong>de</strong>sdobrar <strong>em</strong> diversos outros processos culturais e <strong>em</strong>basando osurgimento <strong>de</strong> outras instituições, como: o Liceu Escola Mestre Raimundo Cardoso, que busca aunião do ensino formal com o ensino <strong>de</strong> artes, principalmente o ofício <strong>de</strong> ceramista; as cooperativas<strong>de</strong> artesãos; a feira do Paracurí; e até o Ecomuseu da Amazônia.Vale l<strong>em</strong>brar que o po<strong>de</strong>r antropofágico dos <strong>Museu</strong>s é tão forte, que o próprio Mestre RaimundoCardoso, <strong>de</strong> consumidor, também acabou sendo <strong>de</strong>vorado, tendo inúmeras <strong>de</strong> suas produçõesmusealizadas <strong>em</strong> diversos museus do mundo, assim como sua história, inclusive sendo alvo <strong>de</strong>pesquisas, como as que estão sendo <strong>de</strong>senvolvidas pelo nosso projeto.Por fim, este trabalhado buscou enten<strong>de</strong>r e enquadrar o <strong>Museu</strong> <strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia trófica,on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>vorador po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vorado, formando um ciclo <strong>de</strong> sucessões culturais e apropriaçõessimbólicas, patrimoniais e i<strong>de</strong>ntitária, que acabam por se equivaler<strong>em</strong> às realida<strong>de</strong>s interculturaisque viv<strong>em</strong>os na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>. O fato se enquadra perfeitamente no conceito <strong>de</strong> hibridismo<strong>de</strong> Nestór Garcia Canclini, que o enten<strong>de</strong> como processos socioculturais <strong>em</strong> que as estruturas oupráticas, que existiam separadamente, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas(CANCLINI, 2007). Assim surg<strong>em</strong> os novos grupos sociais e novas instituições, a partir das ações<strong>de</strong> apropriação e <strong>de</strong> misturas <strong>de</strong> pensamentos, i<strong>de</strong>ias e ações, que possibilita compreen<strong>de</strong>r, elucidare reformular os pensamentos para além da estrutura social pautada no dualismo e no binarismo.IVApós o falecimento do Mestre Raimundo Cardoso, sua esposa, Dona Inés Cardoso, junto com seu filho, LeviCardoso, tomaram frente nas ativida<strong>de</strong>s ceramistas.172


Partindo do trabalho <strong>de</strong> Mestre Raimundo, pod<strong>em</strong>os compreen<strong>de</strong>r sua produção comoa apropriação <strong>de</strong> uma cultura e a reinvenção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupo. Pelo <strong>de</strong>vorar dasproduções indígenas <strong>de</strong> uma região próxima a Belém, como resultado <strong>de</strong> sua apropriação eprodução a partir <strong>de</strong> seu referencial artístico, regurgita uma nova marca i<strong>de</strong>ntitária. A cerâmicaMarajoara torna-se um símbolo i<strong>de</strong>ntitário da capital paraense, e sua ousadia e movimentomuseufágico assume característica singular, capaz <strong>de</strong> gerar um esboço <strong>de</strong> uma políticacultural – como ocorrido com a criação <strong>de</strong> escolas para o ensino da técnica ceramista, quepo<strong>de</strong> ser compreendida como ação <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong>ssa produção, que entend<strong>em</strong>os como umpatrimônio paraense.Agra<strong>de</strong>cimentosAgra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>os à Pró-reitoria <strong>de</strong> Extensão da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará, por financiar aprodução <strong>de</strong>ste trabalho através <strong>de</strong> duas bolsas <strong>de</strong> extensão. Às professoras <strong>de</strong> linguística,Dra. Rogéria Costa <strong>de</strong> Paula e Dra. Maria Lúcia Mexias Simon, por auxiliar<strong>em</strong> com contribuiçõesindispensáveis para o trabalho; as fundamentais consi<strong>de</strong>rações da Dra. Tereza Scheiner; e aoprofessor MSc. Bruno Ferrari, pelo auxílio na tradução do resumo para língua inglesa.Referências:ABREU, R. <strong>Museu</strong>s etnográficos e práticas <strong>de</strong> colecionismo: antropofagia dos sentidos. Revista doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n.31, 2005, p.101-125.ANDRADE, O. Manifesto <strong>de</strong> Poesia Pau-Brasil. Correios da Manhã, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1924.ANDRADE, O. Manifesto Antropófago. Revista <strong>de</strong> Antropofagia, v.1 (1), maio <strong>de</strong> 1928.BARRETO, M.V. História da pesquisa arqueológica no <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi. Boletim do <strong>Museu</strong>Paraense Emílio Goeldi, ser. Antropologia 8 (2), 1992, p. 203-294.CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: Estrategias para entrar y salir <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnidad. Ed. Paidós, Buenos Aires, 2007.CHAGAS, M. <strong>Museu</strong>s: antropofagia da m<strong>em</strong>ória e do patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, Brasília, n.31, 2005, p.15-25.DAGLISH, L. Mestre Cardoso: a arte da cerâmica amazônica. Belém: SEMEC, 1996.LATOUR, B. Re<strong>de</strong>s que a razão <strong>de</strong>sconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In: O po<strong>de</strong>r dasbibliotetas. BARATIN, M. & JACOB, C. (Ed.), Editora da UFRJ, 2000, p. 19-44.LOPES, M.M. O Brasil <strong>de</strong>scobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX.São Paulo: Ed. Hucitec, 1997, 369p.MELO, D.J.; FRANCISCO, S.S.S.; NEVES, J.B.; SOUSA, B.R.V.; MONÇÃO, V.M. M<strong>em</strong>ória, Ciência eArte: narrativas e representações das cerâmicas arqueológicas na manufatura <strong>de</strong> Icoaraci. In: II S<strong>em</strong>inárioInternacional <strong>de</strong> Ciência e Museologia: universo imaginário. Minas Gerais: UFMG, 2011.PREZIOZI, D. Evitando museucanibalismo. In: HERKENHOFF, P. e PEDROSA, A. XXIV Bienal <strong>de</strong> São Paulo:núcleo histórico: antropofagia e histórias <strong>de</strong> canibalismos, v.1, p.50-56. São Paulo: A Fundação, 1998.SCHEINER, Tereza Cristina. Apolo e Dionísio no T<strong>em</strong>plo das Musas. Tese do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<strong>em</strong> Comunicação Social da Escola <strong>de</strong> Comunicação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998.SCHEINER, T. <strong>Museu</strong>s e Exposições: apontamentos para uma teoria do sentir. S<strong>em</strong>inário do Comitê <strong>de</strong>Museologia do ICOM (ICOFOM), 1991.173


MUSEOLOGIA. PATRIMÔNIO. PARTICIPAÇÃO. INTEGRAÇÃO.INCLUSÃO. Notas para uma análise <strong>de</strong> termos e conceitos relativos àteoria e à prática no <strong>Museu</strong> - e para o <strong>Museu</strong>Tereza Cristina ScheinerRESUMOO trabalho apresenta algumas reflexões sobre o uso <strong>de</strong> termos e conceitos utilizados pelo (e no)campo da Museologia e do Patrimônio, a partir <strong>de</strong> fundamentos teóricos do próprio campo, comênfase nos termos Museologia / Patrimônio / Participação / Integração / Inclusão. Os termosficam evi<strong>de</strong>nciados na produção acadêmica (pesquisadores <strong>em</strong> e da Museologia) e no discursoelaborado pelos profissionais nos próprios museus, especialmente nas práticas discursivasrelativas às exposições. As idéias <strong>de</strong>senvolvidas inclu<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rações sobre o uso dosmencionados termos na produção do ICOFOM e do ICOFOM LAM; e ainda alguns resultadosda pesquisa sobre Termos e Conceitos da Museologia, <strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2008 no âmbitodo Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio - PPG-PMUS, com o objetivo <strong>de</strong>discutir a terminologia aplicada pelo (e no) campo. Cabe esclarecer que a mencionada pesquisaé um <strong>de</strong>sdobramento do projeto internacional Terms and Concepts of Museology, <strong>de</strong>senvolvido<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1993 no âmbito do ICOFOM, visando proporcionar domínio comunicacional conceitual eprático no campo. No PPG-PMUS, <strong>de</strong>senvolve-se através do estudo <strong>de</strong> termos e conceitos <strong>em</strong>língua portuguesa, buscando analisar a relação entre os sentidos <strong>de</strong>sses termos e conceitosno português e nos idiomas do ICOM, especialmente o espanhol. A metodologia inclui a análisecomparativa <strong>de</strong> glossários e vocabulários controlados, <strong>de</strong>stacando-se os thesauri e similares. Opresente trabalho enfatiza a natureza e o valor <strong>de</strong> alguns resultados já obtidos, com a intenção<strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar a importância dos estudos terminológicos para a consolidação do campo teórico daMuseologia e do Patrimônio - especialmente entre os autores <strong>de</strong> língua portuguesa e espanhola.Palavras-chave: Museologia. Patrimônio. Participação. Integração. Inclusão. ICOFOM LAM.MUSEOLOGIA. PATRIMONIO. PARTICIPACIÓN. INTEGRACIÓN. INCLUSIÓN. Notas paraun análisis <strong>de</strong> términos y conceptos relativos a la teoría y a la práctica en el Museo - ypara el MuseoRESUMENSe presentan algunas reflexiones sobre el uso <strong>de</strong> términos y conceptos utilizados por (y en) elcampo <strong>de</strong> la Museología y <strong>de</strong>l Patrimonio, a partir <strong>de</strong> fundamentos teóricos <strong>de</strong>l mismo campo, conénfasis en los términos Museología / Patrimonio / Participación / Integración / Inclusión. Dichostérminos son evi<strong>de</strong>nciados en la producción académica (investigadores en y <strong>de</strong> la Museología),asimismo como en el discurso elaborado por los profesionales en los museos, especialmenteen las prácticas discursivas relacionadas a las exposiciones. Las i<strong>de</strong>as <strong>de</strong>sarrolladas incluyenconsi<strong>de</strong>raciones sobre el uso <strong>de</strong> los mencionados términos en la producción <strong>de</strong>l ICOFOM y <strong>de</strong>lICOFOM LAM; y también algunos resultados <strong>de</strong> la investigación sobre Términos y Conceptos <strong>de</strong>la Museología (Termos e Conceitos da Museologia), <strong>de</strong>sarrollada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2008 en el ámbito <strong>de</strong>lPrograma <strong>de</strong> Posgrado en Museología y Patrimonio - PPG-PMUS, con el objetivo <strong>de</strong> discutir laterminología aplicada por (y en) el campo. Cabe aclarar que dicha investigación es subsidiaria<strong>de</strong>l proyecto internacional Terms and Concepts of Museology, <strong>de</strong>sarrollado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1993 en el174


ámbito <strong>de</strong>l ICOFOM, visando proporcionar dominio comunicacional conceptual y práctico en elcampo. En el PPG-PMUS, se <strong>de</strong>sarrolla a través <strong>de</strong>l estudio <strong>de</strong> términos y conceptos en lenguaportuguesa, buscando analizar la relación entre los sentidos <strong>de</strong> dichos términos y conceptosen portugués y en los idiomas <strong>de</strong>l ICOM, especialmente el español. La metodología incluyeel análisis comparativo <strong>de</strong> glosarios y vocabularios controlados, <strong>de</strong>stacándose los thesauri ysimilares. El presente trabajo enfatiza la naturaleza y el valor <strong>de</strong> algunos resultados ya obtenidos,con la intención <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar la importancia <strong>de</strong> los estudios terminológicos para la consolidación<strong>de</strong>l campo teórico <strong>de</strong> la Museología y <strong>de</strong>l Patrimonio - especialmente entre los autores <strong>de</strong> lenguaportuguesa y española.Palabras-clave: Museología. Patrimonio. Participación. Integración. Inclusión. ICOFOM LAM.MUSEOLOGY. HERITAGE. PARTICIPATON. INTEGRATION. INCLUSION. Notes for ananalysis of terms and concepts related to theory and practice in the <strong>Museu</strong>m - and for the<strong>Museu</strong>mABSTRACTThe paper presents some thoughts about the terms and concepts used in (and by) the field ofMuseology and Heritage, using the theoretical bases of the field itself, with an <strong>em</strong>phasis on theterms Museology / Heritage / Participation / Integration / Inclusion. Such terms are evi<strong>de</strong>ncedin the acad<strong>em</strong>ic production [by researchers on and from Museology] as well as in the discourseelaborated by museum professionals, especially in the discursive practices related to exhibitions.The i<strong>de</strong>as <strong>de</strong>veloped inclu<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rations on the use of the mentioned terms in the productionof ICOFOM and ICOFOM LAM; and also some results of the research on Terms and Conceptsof Museology (Termos e Conceitos da Museologia), carried on since 2008 in the GraduateProgram in Museology and Heritage - PPG-PMUS, with the aim of discussing the terminologyapplied in (and by) the field. It must be explained that the mentioned research is subsidiary tothe international project Terms and Concepts of Museology, <strong>de</strong>veloped since 1993 in ICOFOM,aiming at providing communicational control of the field, at theoretical and practical levels. In thePPG-PMUS, it is <strong>de</strong>veloped through the study of terms and concepts in Portuguese language,with the aim of analyzing the relationship between the meanings of such terms and conceptsin Portuguese and in the ICOM languages, especially Spanish. The methodology inclu<strong>de</strong>s thecomparative analysis of glossaries and controlled vocabularies, with an <strong>em</strong>phasis in thesauri andsimilar sources. The present work <strong>em</strong>phasizes the nature and value of some results obtained,with the intention of unveiling the importance of the study of terminology for the strengtheningof the theoretical field of Museology and Heritage - especially among the authors of Portugueseand Spanish language.Keywords: Museology. Heritage. Participation. Integration. Inclusion. ICOFOM LAM.175


176


177


178


179


180


181


182


183


184


185


186


187


188


189


190


191


ENTRE O REFLEXO E A REFLEXÃO: POR DETRÁS DAS CORTINASDA PERFORMANCE MUSEALBruno Brulon SoaresRESUMOEste artigo propõe uma teoria da performance para os museus. Nos museus, a analogia teatralfoi, por muito t<strong>em</strong>po, usada para explicar a relação com o público. O museu e o teatro sãoanálogos no encontro que promov<strong>em</strong> com o autêntico. Mas os museus não apresentam o realsimplesmente; através da performance, museus acrescentam algo a mais à realida<strong>de</strong>. Comefeito, como no ex<strong>em</strong>plo dos ecomuseus, já não é mais possível usar a metáfora do espelho.Para além do reflexo, a musealização é um processo reflexivo: como <strong>em</strong> um verbo, ela instaurao modo subjuntivo na realida<strong>de</strong>, e ela brinca com as coisas do real. A performance museal,então, funciona como se ela pu<strong>de</strong>sse restaurar o passado através da ação regenerativa.<strong>Museu</strong>s representam o passado, e também a nossa relação – como atores no presente – comeste passado. A performance é um apelo pela criação permanente <strong>de</strong> uma nova postura <strong>em</strong>relação aos ‘velhos’ e familiares aspectos do mundo. <strong>Museu</strong>s, pois, não apenas apresentamuma performance para os seus públicos, mas eles apresentam os públicos na performance,produzindo diálogos reflexivos dos quais provêm as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.Palavras-chave: <strong>Museu</strong>. Museologia. Performance. Público. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.RESUMENEste artículo propone una teoría <strong>de</strong> la performance para los museos. En los museos, la analogíateatral fue, por mucho ti<strong>em</strong>po, utilizada para explicar la relación con el público. El museo y elteatro son análogos en el encuentro que promueven con lo auténtico. Pero los museos norepresentan simpl<strong>em</strong>ente lo real; a través <strong>de</strong> la performance, los museos aña<strong>de</strong>n algo más ala realidad. De hecho como en el ej<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> los ecomuseos, ya no es posible usar la metáfora<strong>de</strong>l espejo. Para allá <strong>de</strong>l reflejo, la musealización es un proceso <strong>de</strong> reflexión: como un verbo,instaura el modo subjuntivo <strong>de</strong> la realidad y juega con las cosas <strong>de</strong> lo real. La performanc<strong>em</strong>useal, entonces, funciona como si pudiese restaurar el pasado por la acción regenerativa.Museos representan el pasado, y también nuestra relación – como actores en el ti<strong>em</strong>po presente– com el pasado. La performance es una apelación a la creación permanente a una nuevapostura <strong>em</strong> relación a los aspectos ‘viejos’ y familiares <strong>de</strong>l mundo. Los museos, por lo tanto,no sólo presentan una performance para sus públicos, sino que representan los públicos en laperformance, produciendo diálogos reflexivos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los cuales provienen las i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.Palabras-clave: Museo. Museología. Performance. Público. I<strong>de</strong>ntidad.192


ABSTRACTThis paper proposes a theory of performance for museums. In museums, the theatrical analogy hasfor long been used to explain the relation to the audience. <strong>Museu</strong>m and theater are analogous in theencounter they promote with the authentic. But museums do not simply present the real; throughperformance, museums add something else to reality. In fact, like in the example of ecomuseums,it is no longer possible to use the metaphor of the mirror. Beyond the reflection, musealization isa reflexive process: like in a verb, it instates the subjunctive mood in reality, and it plays with thethings in the real. The museum performance, then, works as if it could restore the past throughregenerative action. <strong>Museu</strong>ms perform the past, and also our relationships – as actors in thepresent – with it. Performance is a plea for the permanent creation of a new attitu<strong>de</strong> towards the‘old’, familiar aspects of the world. <strong>Museu</strong>ms, thus, not only perform for their audiences, but theyperform the audiences, generating reflexive dialogues from which i<strong>de</strong>ntities arise.Keywords: <strong>Museu</strong>m. Museology. Performance. Audience. I<strong>de</strong>ntity.ENTRE O REFLEXO E A REFLEXÃO: POR DETRÁS DAS CORTINAS DA PERFORMANCEMUSEALBruno Brulon Soares – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense / UFF*“‘Fico contente que tenha finalmente gostado do meu trabalho, Dorian,’ disse o pintor,friamente, ao se recuperar <strong>de</strong> sua surpresa. ‘Eu nunca pensei que iria’.‘Gostar <strong>de</strong>le? Eu estou apaixonado por ele, Basil. Ele é parte <strong>de</strong> mim. Eu sinto isso.’‘B<strong>em</strong>, assim que você estiver seco, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os envernizá-lo, e <strong>em</strong>oldurá-lo, eenviá-lo para casa. E então po<strong>de</strong>rá fazer o que quiser com você.’”(Oscar Wil<strong>de</strong> - “O retrato <strong>de</strong> Dorian Gray”) I1. Abrindo as cortinas para uma museologia reflexivaNas últimas décadas nas ciências sociais, uma gran<strong>de</strong> mudança v<strong>em</strong> ocorrendo <strong>em</strong> direção aoestudo dos processos, das mediações e das performances. Cada vez mais, alguns renomadoscientistas sociais passaram a estudar o ‘hom<strong>em</strong>’ como um animal autoperformativo. Entretanto,uma teoria da performance aplicada aos museus, surpreen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, ainda não foi <strong>de</strong>senvolvidapelos pensadores da museologia. Com efeito, o ponto <strong>de</strong> vista da performance foi, até o momento,pouco explorado, consi<strong>de</strong>rando o seu potencial para revelar como os museus operam e comoestes produz<strong>em</strong> significados culturais.Uma performance, na visão <strong>de</strong> antropólogos como Victor Turner e Richard Schechner II , é umaexperiência social ou individual <strong>em</strong> que el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> um passado (geralmente incorporados <strong>em</strong>imagens, formas e significados pensados como ‘tradicionais’) são reapresentados no presente III . Éseguro apontar que <strong>em</strong> nossas vidas diárias o principal mediador dos diálogos que estabelec<strong>em</strong>osé a performance. Através <strong>de</strong> sua ação, somos qu<strong>em</strong> nós somos para nós mesmos e para os outrosI“‘I’m glad you appreciate my work at last, Dorian,’ said the painter, coldly, when he had recovered from his surprise.‘I never thought you would’. / ‘Appreciate it? I am in love with it, Basil. It is part of myself. I feel that.’ / ‘Well, as soonas you are dry, you shall be varnished, and framed, and sent home. Then you can do what you like with yourself.’”(Tradução nossa, do original: WILDE, Oscar. The picture of Dorian Gray. London: Penguin popular classics, 1994.).IIQue se <strong>de</strong>dicaram, ao longo <strong>de</strong> suas vidas como pesquisadores, à organização e ao estudo das performances.IIITURNER, Victor. Foreword. In: SCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: Universityof Pennsylvania Press, 1985. p.xi.193


– e as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são criadas e exercitadas neste processo. Toda ação que supõe a existência<strong>de</strong> uma plateia, ou <strong>de</strong> um ‘Outro’ elusivo, envolve uma performance. Como evi<strong>de</strong>ncia ErvingGoffman, a vida comum na estrutura social é ela mesma uma performance IV . O <strong>Museu</strong>, comouma parte integrante da realida<strong>de</strong> social mo<strong>de</strong>rna, é uma instância consagrada on<strong>de</strong> performancee teatralida<strong>de</strong> pod<strong>em</strong> se manifestar livr<strong>em</strong>ente.Como uma parte intrínseca dos “dramas sociais” V , a performance cultural estará s<strong>em</strong>preconectada a acontecimentos ‘reais’; mas performances não são simples expressões da cultura oumesmo da cultura <strong>em</strong> transformação. Segundo Victor Turner, elas pod<strong>em</strong> ser agências ativas d<strong>em</strong>udança <strong>em</strong> si mesmas, “representando o olho através do qual a cultura se vê” 110 . Consi<strong>de</strong>randoalgumas formas culturais como não tanto refletivas, mas reflexivas, Turner enfatiza o fato <strong>de</strong> queaqui a analogia não é com o espelho, mas com um verbo reflexivo. Neste sentido, a cultura, comoos verbos, t<strong>em</strong>, na maioria das línguas, ao menos dois “modos”, indicativo e subjuntivo, e estesestão, muito inevitavelmente, entr<strong>em</strong>eados.Como explica Turner, quando a socieda<strong>de</strong> se dobra, voltando-se para si mesma, ela “se curva,se inverte, talvez até minta para si mesma, e coloca tudo, por assim dizer, no modo subjuntivob<strong>em</strong> como na voz reflexiva” VI . Ao fazer isso, a socieda<strong>de</strong> passa a funcionar <strong>em</strong> um estado <strong>de</strong>suposição, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo e <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> afirmar fatos efetivos. Esse arranjo das coisasdissolve aquilo que antes foram os componentes factuais da realida<strong>de</strong>, e instaura um espírito maisjocoso. Neste caso, a própria i<strong>de</strong>ia daquilo que é verda<strong>de</strong>iro ou falso <strong>em</strong> uma cultura correspon<strong>de</strong>aos quadros particulares <strong>de</strong>ntro dos quais estas afirmações são feitas – o que significa dizer que“a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma cultura po<strong>de</strong> ser a fantasia <strong>de</strong> outra” VII .Um ‘reflexo’ pressupõe ‘realismo’. Mas é claro que, mesmo no contexto <strong>de</strong> um museu, ou na artee na literatura, o realismo é apenas uma questão <strong>de</strong> artifício e o que é real está atrelado a uma<strong>de</strong>finição cultural. Para Turner, os gêneros da performance cultural não são simples espelhos,mas são “espelhos mágicos da realida<strong>de</strong> social”, porque são capazes <strong>de</strong> exagerar, inverter, reformatar,maximizar, minimizar e até falsificar os eventos cronológicos <strong>de</strong> que se t<strong>em</strong> notícia VIII .Por esta razão, a performance museal não é <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> consequências éticas. Ela envolvenão apenas a verda<strong>de</strong>, mas aquilo que as pessoas pensam da verda<strong>de</strong>. Ao apresentar a culturaatravés do drama a uma socieda<strong>de</strong>, os museus interpretam o próprio drama do ‘museu’, seusentido, sua autorida<strong>de</strong>, seu po<strong>de</strong>r.A reflexivida<strong>de</strong> da performance é uma condição através da qual um grupo sociocultural, ou osseu m<strong>em</strong>bros mais perceptivos atuando <strong>de</strong> forma representativa, se viram, se dobram ou sãorefletidos sobre si mesmos, sobre as relações, ações, símbolos, significados, códigos, papéis,estatutos, estruturas sociais, regras éticas ou legais, e outros componentes socioculturais queconstitu<strong>em</strong> os seus ‘eus’ públicos IX . A reflexivida<strong>de</strong>, então, não é mero reflexo, uma respostarápida, automática ou habitual a certos estímulos; ao contrário ela é altamente artificial, cultural,teatral ou mesmo museal. Os objetos na exposição <strong>de</strong> um museu são objetos sobre os quaisIVGOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2009, passim.VDramas sociais são, na teoria da performance <strong>de</strong> Turner, processos sociais <strong>em</strong> que socieda<strong>de</strong>s pod<strong>em</strong> enten<strong>de</strong>ra si mesmas tendo a sua estrutura exposta através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> eventos conflitivos ou crises. Para o autor, odrama está enraizado na realida<strong>de</strong> social, e por isso é útil para explicá-la. TURNER, Victor. The Anthropology ofPerformance. New York: PAJ Publications, 1988, passim.VITURNER, Victor. Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance. In:_____. The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications, 1988. p.24.VIIIbid<strong>em</strong>, p.25.VIIIId. Social drama in Brazilian umbanda. The dialects of meaning. In: _____. The Anthropology of Performance. NewYork: PAJ Publications, 1988. p.41.IXIbid<strong>em</strong>, p.42.XTURNER, Victor. Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance. In:TURNER, op. cit., p.24.194


somos levados a pensar. Eles nos são apresentados pela performance: eu não penso sobre umacolher quando estou comendo <strong>em</strong> casa ou <strong>em</strong> um restaurante, mas uma vez que a colher seencontra na vitrine <strong>de</strong> um museu, sou levado a pensar sobre ela, já que, neste encontro, souconfrontado com a performance da colher e sou obrigado a dialogar com ela.A razão pela qual os museus são po<strong>de</strong>rosos é por ser<strong>em</strong> versões subjuntivas da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>nós mesmos (como plateias). Vale l<strong>em</strong>brar que não estamos buscando <strong>de</strong>finições aqui (e, <strong>de</strong> fato,toda <strong>de</strong>finição é <strong>em</strong> si performativa XI ), mas se tivermos que <strong>de</strong>screver como atuam os museus,po<strong>de</strong>ríamos facilmente dizer que os museus apresentam performances.2. <strong>Museu</strong> e teatroEm diferentes ocasiões os museus foram comparados a outras instituições sociais dramáticascomo t<strong>em</strong>plos, igrejas ou mesmo palácios reais. O que todas essas instituições têm <strong>em</strong>comum, pois, é a prática da performance. Inicialmente percebida pelos antropólogos no ritual, aperformance foi <strong>de</strong>finida por ser geralmente or<strong>de</strong>nada por uma estrutura dramática, um enredo,que confere sentido e dá vida aos códigos comunicativos inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> um grupo social.Marc Augé consi<strong>de</strong>ra o ritual o dispositivo que reatribui aos indivíduos os modos <strong>de</strong> relação como outro, suscetíveis <strong>de</strong> lhes permitir viver XII . Através <strong>de</strong> sua estrutura dramática, o ritual buscaprecisamente modificar o contexto, e fazer surgir nele acontecimentos. O resultado é s<strong>em</strong>pre amodificação da ord<strong>em</strong> ou o reestabelecimento da ord<strong>em</strong> perturbada.Para Richard Schechner, o ritual é apenas um lado da performance, sendo o teatro o outro XIII .Segundo ele, o ritual e o teatro <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> diferentes domínios da performance, e a maioria dosgêneros da performance acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong> algum ponto entre os dois. Através da história, os museusflutuaram <strong>de</strong> um domínio a outro, se tornando mais e mais teatrais ainda que nunca abandonandoa posição ritualística que os teria <strong>de</strong>finido <strong>em</strong> um outro momento <strong>de</strong> sua existência institucional.Com o ritual, os museus perpetuaram nas socieda<strong>de</strong>s a crença <strong>em</strong> seu irrefutável po<strong>de</strong>r sagrado,através da performance do drama museológico no qual estes seriam t<strong>em</strong>plos eternos da verda<strong>de</strong>,capazes <strong>de</strong> sacralizar a realida<strong>de</strong>. Com o teatro, ao contrário, eles passaram a reconhecer o seumodo subjuntivo, jocoso, revelando que uma única verda<strong>de</strong> não se sustenta.Progressivamente, nas ciências sociais, a analogia do drama v<strong>em</strong> sendo usada <strong>em</strong> relação à vidasocial – e para o entendimento das instituições sociais – menos no modo <strong>de</strong>preciativo do “meroespetáculo”, e mais <strong>de</strong> maneira construtiva, genuinamente dramatúrgica, “na qual ‘criar’ não é omesmo que ‘fingir’” como no uso corrente XIV . Nos museus, a analogia teatral foi por muito t<strong>em</strong>poutilizada para explicar a relação com o público. <strong>Museu</strong> e teatro são análogos no encontro quepromov<strong>em</strong>. Em ambas as instâncias, a plateia espera ver o real, o autêntico, ainda que não <strong>em</strong>sua forma ‘banal’. O que é apresentado é um novo arranjo das coisas da realida<strong>de</strong>, no qual ascoisas reais re-apresentam o real.XIBIAL, Henry. Introduction. p.1-4. In: _____ (ed.). The performance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge,2008. p.1.XIIAUGÉ, Marc. Os dois ritos e seus mitos: a política como ritual. In: Por uma antropologia dos mundos cont<strong>em</strong>porâneos.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p.99.XIIISCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of Pennsylvania Press, 1985,passim.XIVGEERTZ, Clifford. Blurred genres. The refiguration of social thought. p.66-69. In: BIAL, Henry. (ed.). Theperformance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008. p.66.195


Há uma diferença ontológica entre a realida<strong>de</strong> e aquilo que os museus re-apresentam. Aindaque constituída a partir do real, a performance museal se diferencia da realida<strong>de</strong>. Os museusoferec<strong>em</strong> algo a mais para os seus públicos, algo que está além do mundo das coisas comunsque exist<strong>em</strong> fora da ca<strong>de</strong>ia museológica. Em outras palavras, há mais na performance musealdo que há na vida banal. Os espectadores, <strong>em</strong> geral, têm consciência do momento <strong>em</strong> que aperformance acontece. Uma ‘presença’ se torna manifesta. Algo ‘aconteceu’. Os performerstocaram ou comoveram a plateia, e um tipo <strong>de</strong> colaboração, uma vida teatral coletiva e especial,nasce. Essa intensida<strong>de</strong> da performance foi chamada <strong>de</strong> “fluxo” por Mihaly Csikszentmihalyi XV ,e ela po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida aqui como uma força dialógica que transporta, tanto os atores como aplateia, para um outro nível <strong>de</strong> existência. O museu, no encontro entre objetos e espectadores,transporta-os a uma instância que não é a da vida real, mas que é, ainda assim, real.Martin Schärer chama a atenção para a artificialida<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong> uma exposição XVI , na qual –é possível afirmar – coisas e pessoas estão fora <strong>de</strong> contexto, e uma ‘nova’ realida<strong>de</strong>, reformulada,<strong>de</strong>ve ser composta para que estes agentes possam estabelecer uma relação renovada no cenáriodo museu. Esta artificialida<strong>de</strong> provém do fato <strong>de</strong> que, como nota Marc Maure, no mundo real,os objetos não exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> isolamento: “um objeto isolado é uma construção hipotética” XVII . Emoutras palavras, po<strong>de</strong>-se dizer que <strong>de</strong>pois que um objeto é r<strong>em</strong>ovido <strong>de</strong> um contexto anterior eele a<strong>de</strong>ntra o cenário do museu, uma gran<strong>de</strong> parte do seu passado é <strong>de</strong>ixada para a imaginação.Logo, a musealização é muito mais um processo subjetivo do que objetivo. Para Schärer, umarazão essencial para isto está no fato <strong>de</strong> que, graças à sua durabilida<strong>de</strong> física, as coisas geralmentesobreviv<strong>em</strong> aos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> significados <strong>de</strong> que fizeram parte <strong>em</strong> sua vida primeira XVIII – o que estácomumente ligado a um valor performativo que lhes teria sido atribuído no passado, justificando asua durabilida<strong>de</strong> no presente. O que os museus musealizam, <strong>em</strong> última instância, não é a coisa<strong>em</strong> si, mas todas as relações que ela po<strong>de</strong> encenar, e os valores produzidos nessas performances.Neste processo não há ilusão ou mentira, já que a plateia sabe on<strong>de</strong> está traçada a linha entre arealida<strong>de</strong> e o teatro. As <strong>em</strong>oções do espectador, a partir do momento <strong>em</strong> que a performance t<strong>em</strong>início, são reais no novo estado que passam a experienciar.A essência dos museus, assim como a do teatro, é a apresentação. Esta essência – que po<strong>de</strong>ser traduzida como teatralida<strong>de</strong> <strong>em</strong> um caso, e musealida<strong>de</strong> no outro – constitui uma maneira <strong>de</strong>olhar para as coisas <strong>em</strong> seus contextos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> como se estas lhes foss<strong>em</strong> estranhas, ou, <strong>em</strong>uma situação ligeiramente diferente, uma maneira <strong>de</strong> tornar completamente banais as coisasque são aparent<strong>em</strong>ente exóticas e <strong>de</strong>slocadas. Performances teatrais encenam repetiçõescomo se foss<strong>em</strong> novida<strong>de</strong>s. Uma plateia teatral vê o material da vida real apresentado (oure-apresentado) <strong>de</strong> uma maneira nova e significativa. Mas, é claro, segundo Turner, que nãose trata apenas <strong>de</strong> uma simplificação ou or<strong>de</strong>nação <strong>em</strong>ocional e cognitiva das experiênciasque são caóticas na ‘vida real’. Trata-se mais <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong> se levantar probl<strong>em</strong>as sobreos princípios or<strong>de</strong>nadores consi<strong>de</strong>rados aceitáveis na “vida real” XIX . A teatralização é, enfim,simplesmente uma criação a partir da re-criação do mundo – e neste sentido sua ação nãodifere muito daquela da musealização.XVCSIKSZENTMIHALYI (1975, p.35-36, apud SCHECHNER, 1985, p.10).XVISCHÄRER, Martin R. Museology and History, ICOFOM Study Series - ISS 35, 2006, p. 35-51. p.36.XVIIMAURE, Marc. The exhibition as theatre. On the staging of museum objects. Nordisk Museologi, n.2, 1995. p.159.XVIIISCHÄRER, Martin R. Museology and History, ICOFOM Study Series - ISS 35, 2006, p. 35-51. p.36.XIXTURNER, Victor. Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance. In:_____. The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications, 1988. p.27.196


2.1 Entre o “ser” e o “não ser”: a in<strong>de</strong>terminação na performanceEm uma performance o ‘eu’ é dividido ao meio. Segundo Turner ele se torna algo quealguém ao mesmo t<strong>em</strong>po é e o que alguém vê, ou, mais ainda, algo sobre o que se po<strong>de</strong>atuar como se fosse um outro XX . Entre os múltiplos ‘eus’, o diálogo, então, ocorre <strong>de</strong>ntro dopróprio ator e <strong>de</strong> cada um dos espectadores. A eles é oferecida a chance <strong>de</strong> atuar<strong>em</strong> sobresi mesmos. Para tornar este processo possível, uma performance envolve uma separação,uma transição (ou liminarida<strong>de</strong>), e uma incorporação XXI (ou restauração), sendo cada uma<strong>de</strong>ssas fases cuidadosamente marcadas. Em iniciações as pessoas são transformadaspermanent<strong>em</strong>ente, enquanto que na maioria das performances as transformações sãot<strong>em</strong>porárias (transportações). Como as iniciações, as performances ‘faz<strong>em</strong>’ <strong>de</strong> uma pessoa,uma outra. Mas, como aponta Schechner, diferent<strong>em</strong>ente das iniciações, geralmente <strong>em</strong>performances o performer t<strong>em</strong> <strong>de</strong> volta o seu ‘eu’ anterior. A performance <strong>em</strong> si mesma éliminar, análoga aos ritos <strong>de</strong> transição XXII . A liminarida<strong>de</strong> é, <strong>de</strong> fato, um aspecto importante doteatro, porque ela instaura a lacuna entre a vida social e o gênero da performance.Um “limen”, como foi <strong>de</strong>finido na teoria <strong>de</strong> Arnold van Gennep, diz respeito a um “limiar”, e o autorusa o termo para se referir ao estágio central das três fases dos “ritos <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>” XXIII . Nestesprocessos, os rituais separam m<strong>em</strong>bros específicos <strong>de</strong> um grupo da vida cotidiana, posicionandoos<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> limbo, que constitui um lugar jamais ocupado por eles antes, e, <strong>em</strong> seguida,retornando-os, modificados <strong>de</strong> alguma maneira, para a vida mundana XXIV . Os ritos <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>,sendo ritos <strong>de</strong> separação, implicam a separação da estrutura. É ao se separar da sua própriaestrutura que uma socieda<strong>de</strong> ou um grupo consegue olhar para ela, admirar os seus própriosvalores e, <strong>em</strong> momentos mais raros, até mesmo repensá-los. Como um rito incompleto, o teatrot<strong>em</strong> o seu foco no estágio liminar do ritual. Ele realiza a transportação que po<strong>de</strong> ou não implicarna transformação dos atores envolvidos.Sendo o ritual a mediação entre a forma e a in<strong>de</strong>terminação, e a liminarida<strong>de</strong> o estágio do ritualque a<strong>de</strong>re ao in<strong>de</strong>terminado e que evi<strong>de</strong>ncia as ambiguida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong>, a performancepo<strong>de</strong> ser entendida como um momento <strong>de</strong> reflexão porque ela expõe o caos na estruturasocial. <strong>Museu</strong> e teatro são instâncias nas quais as fronteiras entre realida<strong>de</strong> e fantasia são,com frequência, imprecisas. O estado liminar que é gerado no teatro e nos museus é implícitono espaço entre um ator e sua máscara. Segundo Schechner, a distância entre o personag<strong>em</strong>e o ator permite que se insira um comentário XXV . É precisamente por isso que para que o atortenha sucesso é necessário que ele ou ela nunca perca o contato com o seu ‘eu’ verda<strong>de</strong>iro.A máscara não é uma mentira, ela constitui simplesmente um estado liminar no qual algumacoisa ou alguém po<strong>de</strong> ser si mesmo e ao mesmo t<strong>em</strong>po não ser. Para Goffman, as máscarasque usamos <strong>em</strong> nossas vidas diárias pod<strong>em</strong> representar a concepção que formamos <strong>de</strong> nósmesmos, o papel que nos esforçamos para <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar – a máscara é o nosso ‘eu’ maisverda<strong>de</strong>iro, o ‘eu’ que gostaríamos <strong>de</strong> ser XXVI . Então, na maioria das vezes, a liminarida<strong>de</strong>contém mais informação sobre a realida<strong>de</strong> do que a própria realida<strong>de</strong>.XXTURNER, Victor. Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance. In:_____. The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications, 1988. p.25.XXIVAN GENNEP (1980 [1960] apud TURNER, 1988).XXIISCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of Pennsylvania Press, 1985.p.20.XXIIIA separação, a fase liminar, e, finalmente, a incorporação. A fase liminar é entendida como um estágio d<strong>em</strong>arginalida<strong>de</strong>, ambiguida<strong>de</strong> e paradoxos, o qual o autor focaliza, principalmente. VAN GENNEP, Arnold. The rites ofpassage. [1960] London: Routledge, 2004, passim.XXIVTURNER, op. cit., p.25.XXVSCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of Pennsylvania Press, 1985. p.9.XXVIPARK (1950, p.249 apud GOFFMAN, 2008, p.62).197


A performance é um apelo pela criação permanente <strong>de</strong> uma nova postura <strong>em</strong> relação aos‘velhos’ e familiares aspectos do mundo. Na ocasião <strong>em</strong> que um indivíduo interpreta um papel,“ele implicitamente d<strong>em</strong>anda que os seus observadores lev<strong>em</strong> a sério a impressão que lhes éfornecida”, e, na relação que é, então, estabelecida, os observadores são convidados a acreditar“que o personag<strong>em</strong> que eles ve<strong>em</strong> <strong>de</strong> fato possui os atributos que parece possuir” XXVII . Acrença naquilo que é representado é, com efeito, uma crença na crença do ator <strong>em</strong> sua própriaperformance, e esta é, <strong>de</strong> fato, uma pré-condição para que a plateia seja transportada com operformer. Naquele momento <strong>em</strong> que o performer está “betwixt and between” XXVIII , nas palavras<strong>de</strong> Turner, ele ou ela não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser ele mesmo ou ela mesma ao se tornar um outro, o fato éque “múltiplos eus coexist<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma tensão dialética não resolvida” XXIX . Respon<strong>de</strong>ndo a estatensão, Fabian apresenta a tese segundo a qual “se ‘ser ou não ser’ é a pergunta, então ‘ser e nãoser’” – a concepção mais sucinta da performance na visão do autor – “po<strong>de</strong> ser a resposta” XXX .2.2 Ação regenerativa, ou como opera a performance musealLocalizado <strong>em</strong> uma posição liminar entre mundos <strong>de</strong> significados, o teatro t<strong>em</strong> a sua gêneseespecífica baldada naquilo que Schechner <strong>de</strong>screveu como a “restauração do passado”. Comefeito, para este autor, a principal característica da performance é o comportamento restaurado.O comportamento se encontra, notadamente, separado daqueles que se comportam; ele po<strong>de</strong>ser armazenado, transmitido, manipulado, transformado XXXI . Por esta razão, todo comportamentopo<strong>de</strong> ser repetido, o que justifica a crença recorrente na restauração <strong>de</strong> comportamentos dopassado – e no fato <strong>de</strong> que museus pod<strong>em</strong> restaurar o passado. Performance, então, significa“nunca pela primeira vez”; na visão <strong>de</strong> Schechner, performance é um comportamento ligado aum “comportar-se duas vezes”. Como <strong>de</strong>fine o autor,O comportamento restaurado po<strong>de</strong> ser colocado no lugar <strong>de</strong> uma máscara ouindumentária. A sua forma po<strong>de</strong> ser vista <strong>de</strong> fora, e po<strong>de</strong> ser mudada. [...] Existindocomo uma “segunda natureza”, o comportamento restaurado está s<strong>em</strong>pre sujeito àrevisão. Esta “secundida<strong>de</strong>” combina negativida<strong>de</strong> e subjuntivida<strong>de</strong>. XXXIISchechner classifica o comportamento restaurado como uma projeção do “meu eu particular”ou uma restauração <strong>de</strong> um passado histórico verificável, ou – mais comumente – como umarestauração <strong>de</strong> um passado que nunca ocorreu XXXIII . Neste último caso, no qual o passadoé inventado no presente como se fosse ‘real’ ou ‘correto’, a performance é válida pelos seusefeitos no presente. A tradição ‘fabricada’ é um patrimônio que é adquirido no presente, e nopresente ela po<strong>de</strong> ser efetivamente utilizada. Esta ocorrência frequente, <strong>de</strong> uma performanceque cria o passado ao ‘repeti-lo’, ou imaginá-lo, reencenando-o, po<strong>de</strong> ser pensada como uma‘invenção verda<strong>de</strong>ira’, uma noção familiar ao discurso dos museus.XXVIIGOFFMAN, Erving. Performances. Belief in the part one is playing. p.61-65. In: BIAL, Henry (ed.). The performancestudies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008. p.61.XXVIII“N<strong>em</strong> lá, n<strong>em</strong> aqui” (Tradução nossa). TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. New York: PAJPublications, 1988, passim.XXIXSCHECHNER, op. cit., p.6.XXXFABIAN, Johannes. Theater and anthropology, theatricality and culture. p.208-215. In: BIAL, Henry (ed.). Theperformance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008. p.212.XXXISCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of Pennsylvania Press, 1985.p.35.XXXIIIbid<strong>em</strong>, p.37.XXXIIIIbid<strong>em</strong>, p.38.198


De modo que uma performance ‘funcione’, o comportamento restaurado <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong>convencer a plateia <strong>de</strong> sua legitimida<strong>de</strong>. Como resultado, o significado surgirá na m<strong>em</strong>ória,na cognição do passado, e ele dirá respeito à negociação sobre o “encaixe” entre passadoe presente XXXIV . Os significados nos museus atuam como laços que conectam as pessoas aoutras pessoas, e pessoas ao seu fluxo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s do presente. Ao atuar<strong>em</strong> na restauraçãodo passado, os museus produz<strong>em</strong> tais ‘invenções verda<strong>de</strong>iras’ que permit<strong>em</strong> ao passado se“encaixar” ao presente, e vice-versa. Eles acomodam os restos XXXV , ao criar<strong>em</strong> novas pontesentre passado e presente. A ação do museu t<strong>em</strong>, assim, natureza regenerativa.A ação regenerativa po<strong>de</strong> ser vista <strong>em</strong> muitos ex<strong>em</strong>plos conhecidos <strong>de</strong> museus que foramcriados no momento seguinte e no local exato <strong>em</strong> que algo <strong>de</strong>saparece. Se nos r<strong>em</strong>etermosaos anos 1970, na França, quando o primeiro ecomuseu era concebido, na comunida<strong>de</strong> urbanado Creusot Montceau-les-Mines, on<strong>de</strong> uma instituição cultural estava sendo criada pelo própriogrupo social que se beneficiaria <strong>de</strong>la, ver<strong>em</strong>os como o passado é restaurado no presente, nointerior <strong>de</strong> uma complexa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> negociações significativas. O que aconteceu lá, no final dosanos 1960, foi a ruína <strong>de</strong> um império industrial que levou ao rearranjo <strong>de</strong> seus restos <strong>de</strong> modoque fosse pensado, <strong>em</strong> seguida, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> museu inovador, no local <strong>em</strong> que os antigossímbolos industriais da região se tornaram monumentos nostálgicos dos ‘t<strong>em</strong>pos antigos’ XXXVI .O Creusot, assim, nos anos 1970, após ser um t<strong>em</strong>plo para a indústria, se torna um teatro paraa m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> uma localida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sejava revolucionar a sua história graças ao museu XXXVII .O ecomuseu do Creusot XXXVIII foi <strong>de</strong>finido por alguns dos autores que o estudaram <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quea experiência já havia perdido a sua força inicial, como um caso particular <strong>em</strong> que os restos <strong>de</strong>um passado fort<strong>em</strong>ente esquecível lutavam para ser l<strong>em</strong>brados através da re-apresentação dahistória e das relações sociais do passado. Por outro lado, tentando restaurar o passado a partir<strong>de</strong> suas cicatrizes, o Creusot se tornou uma outra coisa, e os objetos que seriam preservadoscomo valioso patrimônio daquele grupo nunca mais foram vistos com os mesmos olhos que osviam <strong>em</strong> suas vidas banais. Depois que a indústria se foi, e a performance do museu tomou forma,eles se tornaram os produtos raros <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> que já não po<strong>de</strong>ria mais produzi-los XXXIX .Estes passaram a constituir, naquele momento, peças <strong>de</strong> coleções; eles eram test<strong>em</strong>unhos dasrelações sociais <strong>de</strong> que faziam parte.Ao analisar este processo <strong>de</strong> ‘valorização das sobras’ da indústria na região do Creusot,Thierry Bonnot chama a atenção para a transformação pela qual passaram os objetos banaisdas indústrias na França, a partir dos ‘novos’ processos <strong>de</strong> musealização que tiveram iníciocom os ecomuseus. Ele observa a biografia <strong>de</strong> objetos como os artigos <strong>de</strong> cerâmica queforam produzidos na usina <strong>de</strong> Langeron, fechada <strong>em</strong> 1957, e expostos <strong>em</strong> 1974, <strong>em</strong> uma dasprimeiras exposições do jov<strong>em</strong> ecomuseu da comunida<strong>de</strong> do Creusot-Montceau – inaugurada“fora dos muros” do ecomuseu, mas <strong>em</strong> seu território <strong>de</strong> estudo. Estes são elevados ao estatuto<strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos do patrimônio, “no mesmo título que as cartas medievais, utensílios arcaicos eoutras esculturas clássicas” XL . Esses objetos “banais” eram expostos sinuosamente, alinhadosou suspensos, iluminados e protegidos por vidros, com legendas, nesta exposição que marcavaXXXIVTURNER, Victor. From ritual to theatre. The human seriousness of play. New York: PAJ Publications, 1982. p.75.XXXVDEBARY, Octave. La fin du Creusot ou L’art d’accommo<strong>de</strong>r les restes. Paris: CTHS, 2002, passim.XXXVIMAIRESSE, François. Le musée t<strong>em</strong>ple spetaculaire. Paris: Universitaire <strong>de</strong> Lion, 2002. p.108.XXXVIIDEBARY, Octave. La fin du Creusot ou L’art d’accommo<strong>de</strong>r les restes. Paris: CTHS, 2002. p.9.XXXVIIIÉcomusée <strong>de</strong> la Communauté urbaine Le Creusot-Montceau-Les-Mines – musée <strong>de</strong> l’Homme et <strong>de</strong> l’Industrie.XXXIXBONNOT, Thierry. La vie <strong>de</strong>s objets. D’ustensiles banals à objets <strong>de</strong> collection. Paris: Éditions <strong>de</strong> la Maison <strong>de</strong>ssciences <strong>de</strong> l’homme, 2002. p.6.XLBONNOT, Thierry. La vie <strong>de</strong>s objets. D’ustensiles banals à objets <strong>de</strong> collection. Paris: Éditions <strong>de</strong> la Maison <strong>de</strong>ssciences <strong>de</strong> l’homme, 2002. p.3.199


uma mudança relevante. Eles eram produtos <strong>de</strong> um passado recente, e representavam a história<strong>de</strong> uma <strong>em</strong>presa familiar criada <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 1820, e estavam, naquela ocasião, adquirindo ovalor <strong>de</strong> objetos históricos, mas também <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> arte.Por meio <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> reatualização dos valores patrimoniais, o museu <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha umpapel prepon<strong>de</strong>rante na construção e evolução do estatuto social dos objetos suscitando aadmiração. Ele age sobre o valor comercial das coisas assim como sobre o seu valor ditopatrimonial e, portanto, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha um papel na construção social <strong>de</strong> categorias <strong>de</strong> objetosdignos <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> conservados XLI . No âmbito do patrimônio local, logo, os ecomuseus ajudam aestabelecer valores.No momento <strong>em</strong> que este novo tipo <strong>de</strong> instituição é colocada <strong>em</strong> prática na municipalida<strong>de</strong> doCreusot, um processo <strong>de</strong> requalificação do patrimônio t<strong>em</strong> início, e este ocorre através <strong>de</strong> umajustamento entre as pessoas e as coisas XLII , introduzindo novos el<strong>em</strong>entos à ca<strong>de</strong>ia patrimonial.Segundo Jean-Louis Tornatore, na invenção <strong>de</strong> um patrimônio industrial, a conversão cultural<strong>de</strong> uma máquina, por ex<strong>em</strong>plo, está ligada a diversos fatores e acontece por meio <strong>de</strong> rituaisparticulares. Nas exposições formuladas <strong>em</strong> meio a este processo, as mídias como câmeras <strong>de</strong>ví<strong>de</strong>o e fotografias asseguram a “(re)transmissão do acontecimento” XLIII para os próprios atoresdo acontecimento/performance. Colocando-se entre o público e o espetáculo, e mascarando, <strong>de</strong>certo modo, a visão, elas contribu<strong>em</strong> para construir uma distância, criando a ruptura necessáriapara que os atores se coloqu<strong>em</strong> no lugar <strong>de</strong> público, e a performance se complete. Este éum mecanismo que v<strong>em</strong> sendo usado para operar uma fratura no espaço-t<strong>em</strong>po do universoindustrial e que estabelece as pr<strong>em</strong>issas da instituição <strong>de</strong> um outro t<strong>em</strong>po (o do presente) e umoutro espaço (o do museu) respon<strong>de</strong>ndo ao que será o novo ritual da exposição.Assim, o ecomuseu do Creusot é responsável pela regeneração da realida<strong>de</strong> que, talvez,jamais existira, e que, ainda assim, ganhava vida. Com o rótulo <strong>de</strong> ‘ecomuseu’, este museuassume o papel <strong>de</strong> restituir as pessoas daquilo que per<strong>de</strong>ram. Essa restituição se dá através daregeneração dos laços <strong>em</strong>ocionais com o passado, ou com o que as pessoas imaginam <strong>de</strong>le.A performance, então, preenche os espaços <strong>de</strong>ixados pela dilapidação do t<strong>em</strong>po, restaurandoo tecido <strong>em</strong>ocional.<strong>Museu</strong>s não lidam com o passado, mas com aquilo que é possível fazer <strong>de</strong>le. Neste sentido, ahistória não é o que aconteceu, mas o que é codificado e transmitido. A performance não é amera seleção <strong>de</strong> dados arrumados e interpretados; ela é o próprio comportamento “e carreganela mesma conteúdos originais, fazendo <strong>de</strong>les o objeto para interpretações mais profundas, afonte do estudo mais fundo” XLIV . Portanto, re-l<strong>em</strong>brar não é a mera restauração <strong>de</strong> um passadointacto, mas é dispô-lo <strong>em</strong> uma relação viva com o presente. <strong>Museu</strong>s representam o passado,e também a nossa relação – como atores no presente – com este passado.3. Do paradigma do espelho à performance musealAo formular a sua “<strong>de</strong>finição evolutiva” do ecomuseu, entre as décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980,Georges Henri Rivière utiliza a metáfora do espelho estabelecendo, no campo museal, umXLIIbid<strong>em</strong>, p.106.XLIITORNATORE, Jean-Louis. Beau comme un haut fourneau. Sur le trait<strong>em</strong>ent en monument <strong>de</strong>s restes industriels.L’Homme, 170, avril/juin, 2004, pp.79-116. p.87.XLIIIIbid<strong>em</strong>, p.94.XLIVSCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of Pennsylvania Press, 1985. p.51.200


novo paradigma <strong>de</strong> representações i<strong>de</strong>ntitárias refletivas. Contudo, esta metáfora – que não foiexplorada a fundo, e por isso foi validada – apontava para o fato <strong>de</strong> que o ecomuseu é previstocomo um instrumento por meio do qual as populações pod<strong>em</strong> se tornar, elas mesmas, objetos <strong>de</strong>sua investigação, o que faz <strong>de</strong>le um instrumento <strong>de</strong> autoconhecimento, ou seja, <strong>de</strong> autorreflexão.Isto porque, diferent<strong>em</strong>ente do museu tradicional, o ecomuseu não tinha visitantes, ele <strong>de</strong>veriater atores XLV . Ainda que possa parecer ilusória a concepção da automuseologia, <strong>em</strong> que umacoletivida<strong>de</strong> atua como gestora do seu próprio patrimônio e é, ela mesma, o seu público, estaera a essência da proposta do ecomuseu <strong>em</strong> seus primeiros estágios <strong>de</strong> existência.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que ecomuseus não são feitos para visitantes, mas para a própria comunida<strong>de</strong>, elamesma musealizada, assombrou na prática as diversas aplicações <strong>de</strong>ste termo <strong>em</strong> diferentescontextos. Com efeito, a comunida<strong>de</strong> é um conjunto complexo <strong>de</strong> atores que se inventam comogestores, conservadores XLVI e, ocasionalmente, como público do museu. Neste caso a noção <strong>de</strong>‘ator’ merece ser mais atentamente explorada, já que ela guarda uma importância reveladora.Segundo Jean-Jacques Roubine, o ator parece pertencer a um universo mágico, tendo o seulugar do “outro lado do espelho” XLVII . Um pouco diferente do trabalho do pintor ou do escritor,o do ator se configura como uma ação absolutamente coletiva, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> completamenteda resposta <strong>de</strong> um espectador no momento <strong>em</strong> que é realizada. Da mesma forma, é própriodo ator, segundo Roubine, ser ao mesmo t<strong>em</strong>po um e múltiplo, <strong>em</strong> um processo constante d<strong>em</strong>etamorfose <strong>de</strong> si mesmo. No entanto, a sua atuação <strong>de</strong>ve parecer coerente e unificada XLVIII. A partir da teoria da performance <strong>de</strong> Turner XLIX , pod<strong>em</strong>os enten<strong>de</strong>r o ator como aquele queestá duplamente inserido nos processos socioculturais da vida cotidiana, já que faz parte,simultaneamente, da própria vida social e da performance cultural sobre ela.Nos museus comunitários, são atores todos aqueles que, ao mesmo t<strong>em</strong>po, viv<strong>em</strong> e faz<strong>em</strong> davida objeto musealizado, ou patrimônio que é vivido e observado ao mesmo t<strong>em</strong>po, no presente.O museu, como performance, é a própria atuação, ou o jogo <strong>de</strong> atuações por parte dos atoresengajados na performance cultural. E as performances são, <strong>em</strong> si, negociações constantes<strong>de</strong> sentido que estes atores dão vida no palco. Por isso a atuação é também reflexão – e nãoapenas reflexo.4. Em direção a uma museologia relativa: a plateia como experiênciaComo afirmou Oscar Wil<strong>de</strong>, “é o espectador, e não a vida, o que a arte <strong>de</strong> fato reflete” L . Aperformance – como a arte <strong>de</strong> se doar a uma plateia – é, com efeito, distinta daquilo que chamamos<strong>de</strong> vida, ou <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>. <strong>Museu</strong>s não são vitrines da ‘vida’, mas plataformas para performances.Do mesmo modo, os museus não são concebidos como espelhos <strong>de</strong> seus espectadores, o seutrabalho é o <strong>de</strong> apresentar uma versão reflexiva <strong>de</strong> suas plateias. A performance é s<strong>em</strong>pre umaXLVRivière <strong>de</strong>fine o ecomuseu como laboratório, como conservatório e como escola, e coloca <strong>em</strong> primeiro planoa diversida<strong>de</strong> das populações que faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>le o seu espelho. RIVIÈRE, Georges Henri. Définition évolutive <strong>de</strong>l’écomusée. <strong>Museu</strong>m. Imágenes <strong>de</strong>l ecomuseo, Paris, UNESCO, v. XXXVII, n. 148, p.182-183, 1985.XLVIVARINE, Hugues <strong>de</strong>. L’écomusée (1978). In : DESVALLÉES, André ; DE BARRY, Marie Odile & WASSERMAN,Françoise (coord.). Vagues: une antologie <strong>de</strong> la Nouvelle Muséologie (vol. 1). Collection Museologia. Savigny-le-T<strong>em</strong>ple : Éditions W-M.N.E.S., 1992. p.459.XLVIINo ecomuseu do Creusot, por sua vez, não havia, <strong>de</strong> fato, uma participação <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros da comunida<strong>de</strong> como‘conservadores’ no sentido tradicional do termo. Com efeito, sequer havia conservadores, com formação específicanesta área, no momento <strong>em</strong> que o museu foi fundado – o que representou, inicialmente, um dos entraves para a suainstitucionalização como museu. BELLAIGUE, Mathil<strong>de</strong>. Comunicação pessoal. Paris, 2012.XLVIIIROUBINE, Jean-Jacques. A arte do ator. Coleção cultura cont<strong>em</strong>porânea. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p.7.XLIXTURNER, Victor. Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance. In:_____. The anthropology of performance. New York: PAJ Publications, 1988. p.11.L“It is the spectator, and not life, that art really mirrors” (tradução nossa). WILDE, Oscar. The picture of Dorian Gray.London: Penguin popular classics, 1994. p.6.201


performance para alguém: é a plateia que a reconhece e a valida como performance. Como umfenômeno performativo, um museu é feito daquilo que apresenta. Por esta razão, ‘visitantes’ sópod<strong>em</strong> ser concebidos como experiências imprevisíveis, ou expectativas.Como o fértil movimento da nova museologia d<strong>em</strong>onstrou nas últimas décadas, museus nãoapenas apresentam uma performance para os seus públicos, mas eles apresentam os públicosna performance. Logo, o paradigma da performance para os museus instaura a noção <strong>de</strong> queos ‘visitantes’ <strong>de</strong>veriam participar ativamente como atores culturais, e não como consumidorespassivos. A plateia é um agente naqueles que se intitulam os ‘novos’ museus participativos – eesta é, talvez, a razão principal para o seu sucesso. Essas instituições <strong>em</strong> que i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sãoexpostas e exploradas estão muito familiarizadas com as diferenças. Ao invés <strong>de</strong> oferecer<strong>em</strong> omesmo conteúdo para todos, uma instituição participativa coleta e compartilha conteúdos diversos,personalizados e cambiantes, que são coproduzidos com os públicos LI . O que é coletado evalorizado aqui não são objetos ou sujeitos, mas as experiências que nasc<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas interações.O trabalho do museu, no melhor dos cenários, é o <strong>de</strong> dar algo e receber algo <strong>em</strong> troca.Por tudo isso, a questão do papel da teatralida<strong>de</strong> e da performance para se adquirir conhecimentosobre outras culturas e sobre a nossa própria é um probl<strong>em</strong>a que nos forçará a questionar opróprio conceito <strong>de</strong> cultura como <strong>de</strong>finidor das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, porque as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são elasmesmas liminares. De acordo com Fabian, levar a teatralida<strong>de</strong> a sério po<strong>de</strong> nos conduzir aquestionar a equação da existência social com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural LII . A cultura é, então, umresultado <strong>de</strong> diálogos significantes que produz<strong>em</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, isto é, <strong>de</strong> se pertencera uma certa performance.O diálogo entre o museu e o público é um encontro <strong>de</strong> experiências, mas também um encontro<strong>de</strong> expectativas, que são o principal ingrediente da performance. O ‘Outro’ é, <strong>de</strong> fato, uma parteintrínseca da performance. Com efeito, é geralmente esse ‘Outro’, às vezes elusivo, na plateia –que configura uma plateia imaginada que existe no interior do próprio ‘eu’ – que dita a performance.Para Fabian, o maior <strong>de</strong>safio da tolerância intercultural não é o <strong>de</strong> aceitar, por princípio filosóficoou político, os valores e crenças da outra cultura. Ao contrário, o confronto real com a alterida<strong>de</strong><strong>em</strong> todas as suas formas diárias <strong>de</strong> autoapresentação requer corag<strong>em</strong>, imaginação e prática LIII .Performances não são toleradas ou aceitas, elas são experienciadas e vividas.Para se tornar uma plataforma para a expressão <strong>de</strong> diferentes ‘eus’ e diferentes performances,um museu <strong>de</strong>ve se fazer vulnerável <strong>em</strong> primeiro lugar, <strong>de</strong> modo que os seus usuários possamexpressar as suas próprias i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> relação à instituição. A essência <strong>de</strong>sse processodialógico é a noção <strong>de</strong> uma relativização para os museus, através da qual estes irão praticarnovas maneiras <strong>de</strong> existir socialmente, não mais como centros <strong>de</strong> imposições, mas comofenômenos in<strong>de</strong>terminados. Com a relativização do <strong>Museu</strong> e do seu objeto, nós promov<strong>em</strong>os,como consequência, a relativização da plateia. <strong>Museu</strong>s não pod<strong>em</strong> prever o que o público irá verno interior <strong>de</strong> suas pare<strong>de</strong>s, tanto quanto o espectador não po<strong>de</strong> prever como um certo museuirá interpretar um t<strong>em</strong>a particular ou um objeto. E isso não resulta <strong>em</strong> uma relação probl<strong>em</strong>ática,porque o el<strong>em</strong>ento da surpresa é, geralmente, importante para performances e performers.Mais ainda, <strong>em</strong> museus <strong>em</strong> que a plateia é também o performer (museus comunitários ouecomuseus), ou seja, nos quais os criadores se colocam na posição <strong>de</strong> ‘visitantes’, os doisLISIMON, Nina. The Participatory <strong>Museu</strong>m. Santa Cruz, California: <strong>Museu</strong>m 2.0, 2010. p.iii.LIIFABIAN, Johannes. Theater and anthropology, theatricality and culture. p.208-215. In: BIAL, Henry (ed.). Theperformance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008. p.212.LIIIIbid<strong>em</strong>, p.214.202


papeis são encenados <strong>em</strong> diferentes momentos da performance. Isso significa que é uma ilusãoacreditar na fábula segundo a qual o ecomuseu é a realida<strong>de</strong>. Todo museu é uma representação,e a metáfora do espelho já foi quebrada. Como nota Desvallées, o “objeto morto” (ou revivido)representado no museu não é o mesmo que o objeto vivo <strong>em</strong> algum outro lugar LIV , porque,como já vimos, museus acrescentam algo a mais à realida<strong>de</strong>, e esta parte adicional das coisasmusealizadas é a performance.<strong>Museu</strong>s já foram <strong>de</strong>finidos como t<strong>em</strong>plos, na era do seu po<strong>de</strong>r inquestionável, e como fórunsquando passaram a ser caracterizados como instituições mo<strong>de</strong>rnas e meios <strong>de</strong> comunicação. Emsua concepção cont<strong>em</strong>porânea, com o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> representar diferentes Outros <strong>em</strong> suas maiseloquentes interpretações, os museus tiveram que apren<strong>de</strong>r como apresentar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>em</strong>processo e socieda<strong>de</strong>s fluidas – e nós, como plateia e também como pesquisadores, passamosa perceber que uma museologia reflexiva e relativa é possível. Finalmente, o fenômeno <strong>Museu</strong>já d<strong>em</strong>onstrou que não há diálogo on<strong>de</strong> não há diferença! Por esta razão, na perspectiva <strong>de</strong>uma análise sociológica, museus não pod<strong>em</strong> ser concebidos como t<strong>em</strong>plos ou fóruns, paláciosou c<strong>em</strong>itérios, porque é muito mais útil pensá-los como palcos.* Museólogo e Historiador, Mestre <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio,Doutorando <strong>em</strong> Antropologia – PPGA/UFF.ReferênciasBIAL, Henry. Introduction, p.1-4. In: _____. (ed.). The performance studies rea<strong>de</strong>r. London and NewYork: Routledge, 2008.BONNOT, Thierry. La vie <strong>de</strong>s objets. D’ustensiles banals à objets <strong>de</strong> collection. Paris: Éditions <strong>de</strong> laMaison <strong>de</strong>s sciences <strong>de</strong> l’homme, 2002.DEBARY, Octave. La fin du Creusot ou L’art d’accommo<strong>de</strong>r les restes. Paris: CTHS, 2002.DESVALLEES, André. Introduction. p.11-31. In: _____ (dir.). Publics et Musées. L’écomusée: rêve ouréalité, nº.17-18, Presses Universitaires <strong>de</strong> Lyon, 2000.FABIAN, Johannes. Theater and anthropology, theatricality and culture, p.208-215. In: BIAL, Henry (ed.).The performance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008.GEERTZ, Clifford. Blurred genres. The refiguration of social thought. p.66-69. In: BIAL, Henry (ed.). Theperformance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008.GOFFMAN, Erving. Performances. Belief in the part one is playing, p.61-65. In: BIAL, Henry (ed.). Theperformance studies rea<strong>de</strong>r. London and New York: Routledge, 2008.GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2009.MAIRESSE, François. Le musée t<strong>em</strong>ple spetaculaire. Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> Lyon, 2002.MAURE, Marc. The exhibition as theatre. On the staging of museum objects. Nordisk Museologi, n.2, 1995.RIVIÈRE, Georges Henri. Définition évolutive <strong>de</strong> l’écomusée. <strong>Museu</strong>m. Imágenes <strong>de</strong>l ecomuseo, Paris,UNESCO, v. XXXVII, n. 148, p.182-183, 1985.LIVDESVALLEES, André. Introduction. p.11-31. In: _____ (dir.). Publics et Musées. L’écomusée: rêve ou réalité, nº.17-18, Presses Universitaires <strong>de</strong> Lyon, 2000. p.13.203


ROUBINE, Jean-Jacques. A arte do ator. Coleção cultura cont<strong>em</strong>porânea. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1995.SCHÄRER, Martin R. Museology and History. ICOFOM Study Series - ISS 35, 2006, p. 35-51.SCHECHNER, Richard. Between theater and anthropology. Phila<strong>de</strong>lphia: University of PennsylvaniaPress, 1985.SIMON, Nina. The Participatory <strong>Museu</strong>m. Santa Cruz, California: <strong>Museu</strong>m 2.0, 2010.TORNATORE, Jean-Louis. Beau comme un haut fourneau. Sur le trait<strong>em</strong>ent en monument <strong>de</strong>s restesindustriels. L’Homme, 170, avril/juin, 2004, pp.79-116.TURNER, Victor. From ritual to theatre. The human seriousness of play. New York: PAJ Publications, 1982.TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications, 1988.VAN GENNEP, Arnold. The rites of passage. [1960] London: Routledge, 2004.VARINE, Hugues <strong>de</strong>. L’écomusée (1978). p.446-487. In : DESVALLÉES, André ; DE BARRY, MarieOdile & WASSERMAN, Françoise (coord.). Vagues: une antologie <strong>de</strong> la Nouvelle Muséologie (vol. 1).Collection Museologia. Savigny-le-T<strong>em</strong>ple : Éditions W-M.N.E.S., 1992.WILDE, Oscar. The picture of Dorian Gray. London: Penguin popular classics, 1994.204


Documentos <strong>de</strong> TrabalhoDocumentos <strong>de</strong> TrabajoG-02Museologia, políticas públicase inclusão socialMuseología, políticas públicase inclusión social


Políticas da Cultura e Espaços Decoloniais: el<strong>em</strong>entospara uma teoria sobre o <strong>Museu</strong> InclusivoAlexandro Silva <strong>de</strong> JesusResumoO artigo se inscreve entre as tentativas <strong>de</strong> estabelecer com alguma consistência um sentidopara o museu inclusivo, termo com o qual, ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago doChile, o campo museal latino-americano se vê às voltas. Seu primeiro esforço consiste <strong>em</strong>d<strong>em</strong>onstrar – a partir da teoria do campo científico <strong>de</strong> Pierre Bourdieu – como o campo musealbrasileiro apresenta peculiarida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> sua disposição, que imped<strong>em</strong> que o termo <strong>em</strong> questãoseja esclarecido exclusivamente a partir <strong>de</strong> seu meio. Isso exigiu que enfrentáss<strong>em</strong>os o <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> ciência que o campo museal sustenta, e verificáss<strong>em</strong>os a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma alternativaa esse <strong>de</strong>sejo. A partir disto, argumentamos sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos resolvermos a partir<strong>de</strong> uma análise sobre a Governamentalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>slocamento que torna as bases daPolítica Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s locais privilegiados para a concretização teórica. Em seguida,o artigo procura mapear os componentes que, articulados, <strong>de</strong>verão fazer <strong>em</strong>ergir o sentidoinclusivo do museu mo<strong>de</strong>rno. E para fazê-lo, se <strong>de</strong>tém no acordo entre experiência políticae dispositivos culturais (as ciências e as artes <strong>de</strong> um modo geral), <strong>em</strong> sua versão iluminista,a partir <strong>de</strong> uma filosofia da cultura capaz <strong>de</strong> lançar novas luzes sobre a função disciplinar domuseu mo<strong>de</strong>rno. Em seu último movimento, o artigo oferece uma perspectiva sobre o museuinclusivo a partir das d<strong>em</strong>andas dos espaços <strong>de</strong>coloniais, on<strong>de</strong> a costura social é capaz d<strong>em</strong>esclar tanto práticas próprias das regiões coloniais como das socieda<strong>de</strong>s capitalistas. Esseseu objetivo final, ancorado particularmente no pensamento <strong>de</strong> Frantz Fanon, sela a relaçãoentre as políticas culturais e as ações pacificadoras nesses espaços.Palavras Chave: <strong>Museu</strong> Inclusivo, Campo Científico, Esclarecimento Iluminista, Decolonial.ResumenPolíticas <strong>de</strong> la Cultura y Espacios Descolonizados: el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> una teoría sobre elMuseo IncluyenteEl artículo se inscribe entre los intentos <strong>de</strong> establecer, con alguna consistencia, un sentido para eltérmino “museo incluyente” – término <strong>de</strong>l cual se viene ocupando el campo museal, por lo menos<strong>de</strong>s<strong>de</strong> la Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Chile. El primer intento consiste en d<strong>em</strong>ostrar, a partir<strong>de</strong> la teoría <strong>de</strong>l campo científico <strong>de</strong> Pierre Bourdieu, como el campo museal brasileño presenta,en su disposición, peculiarida<strong>de</strong>s que impi<strong>de</strong>n que dicho término sea aclarado exclusivamentea partir <strong>de</strong> su medio. Ello ha exigido que enfrentáramos al <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> ciencia sostenido por elcampo museal, y verificáramos la posibilidad <strong>de</strong> una alternativa a dicho <strong>de</strong>seo. Luego, y conbase en esto, argumentamos sobre la necesidad <strong>de</strong> un análisis que llevara a un otro modo<strong>de</strong> reflexionar sobre la forma mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> gobierno, por creer que ese es un <strong>de</strong>splazamientoque transforma las bases <strong>de</strong> la Política Nacional <strong>de</strong> Museos en espacios privilegiados paraesa concretización teórica. A continuación, el artículo busca mapear los componentes que,articulados, <strong>de</strong>berán hacer <strong>em</strong>erger el sentido incluyente <strong>de</strong>l museo mo<strong>de</strong>rno. Con tal fin, se<strong>de</strong>tiene en el acuerdo entre experiencia política y dispositivos culturales (las ciencias y las artesen general) en su versión iluminista, a partir <strong>de</strong> una filosofía <strong>de</strong> la cultura capaz <strong>de</strong> lanzar nuevas206


luces sobre la función disciplinaria <strong>de</strong>l museo mo<strong>de</strong>rno. Finalmente, ofrece una perspectivasobre el museo incluyente a partir <strong>de</strong> las d<strong>em</strong>andas <strong>de</strong> los espacios <strong>de</strong>scolonizados, en los quela costura social es capaz <strong>de</strong> mesclar, tanto las prácticas propias <strong>de</strong> regiones coloniales como<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s capitalistas. Este reto final, fundamentado en el pensamiento <strong>de</strong> Frantz Fanon,confirma la relación entre las políticas culturales y las acciones pacificadoras en esos espacios.Palabras Clave: Museo incluyente, Campo Científico, Iluminismo, Decolonial.AbstractCultural Policies and Decolonial Spaces: el<strong>em</strong>ents for a theory on the Inclusive <strong>Museu</strong>mThe article is a tentative, among others, to establish, with some consistency, a meaning forinclusive museum, term that has been un<strong>de</strong>r the concern of the museum field since at leastSantiago do Chile’s roundtable. Its first step consists of d<strong>em</strong>onstrating – using Pierre Bourdieu’stheory of the scientific field – how the specificities in the configuration of the Brazilian museumfield prevent it of being <strong>de</strong>fined exclusively from within. This required a challenge in reasoning,to face the <strong>de</strong>sire of science sustained by the museum field, as well as to verify the possibilityof an alternative to such <strong>de</strong>sire. A first step was to face the need of self-resolve, starting withan analysis on mo<strong>de</strong>rn governmentability - a displac<strong>em</strong>ent that turns the bases of the NationalPolicy of <strong>Museu</strong>ms into privileged arenas for theoretical materialization. The second step was toset up the components that, articulated, will make <strong>em</strong>erge the inclusive meaning of the mo<strong>de</strong>rnmuseum. To do so, the paper approaches the agre<strong>em</strong>ent between political experience and cultural<strong>de</strong>vices (science and the arts as a whole), in its Illuminist version, as from a philosophy of culturethat is able to throw a new light on the disciplinary function of the mo<strong>de</strong>rn museum. Finally, thearticle offers an approach to the inclusive museum based on the d<strong>em</strong>ands of <strong>de</strong>colonial spaces,where the social threading may combine practices originated from colonial regions with those ofcapitalist societies. This final aim, specifically based on the thoughts of Frantz Fanon, seals therelationship between cultural policies and pacifying action on such spaces.Key Words: Inclusive <strong>Museu</strong>m, Scientific Field, Illuminist Enlightenment, Decolonial.IntroduçãoNuma socieda<strong>de</strong> complexa como a brasileira, rica <strong>em</strong> manifestações culturaisdiversificadas, o papel dos museus, no âmbito <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> caráter maisamplo, é <strong>de</strong> fundamental importância para a valorização do patrimônio culturalcomo dispositivo estratégico <strong>de</strong> aprimoramento dos processos d<strong>em</strong>ocráticos. Anoção <strong>de</strong> patrimônio cultural, do ponto <strong>de</strong> vista museológico, implica a aberturapara o trato com o tangível e o intangível, a dimensão cultural pressuposta narelação dos diferentes grupos sociais e étnicos com os diversos el<strong>em</strong>entos danatureza, b<strong>em</strong> como no respeito às culturas indígenas e afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.Para cumprir esse papel, os museus <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser processos e estar a serviçoda socieda<strong>de</strong> e do seu <strong>de</strong>senvolvimento. Comprometidos com a gestãod<strong>em</strong>ocrática e participativa, eles <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser também unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investigaçãoe interpretação, <strong>de</strong> mapeamento, documentação e preservação cultural, <strong>de</strong>comunicação e exposição dos test<strong>em</strong>unhos do hom<strong>em</strong> e da natureza, com osobjetivos <strong>de</strong> propiciar a ampliação do campo das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construçãoi<strong>de</strong>ntitária e a percepção crítica acerca da realida<strong>de</strong> cultural brasileira.207


Assim, no momento <strong>em</strong> que se renovam as perspectivas <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> umnovo Projeto <strong>de</strong> Nação mais inclusivo e com maiores estímulos à participaçãocidadã, torna-se pr<strong>em</strong>ente a implantação <strong>de</strong> uma Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s,que além <strong>de</strong> abrangente e integrada à política cultural, seja um estímulo ao<strong>de</strong>senvolvimento, à criativida<strong>de</strong>, à produção <strong>de</strong> saberes e fazeres e ao avançotécnico-científico do campo culturais produzidos, b<strong>em</strong> como a d<strong>em</strong>ocratizaçãodos dispositivos <strong>de</strong> estímulo e incentivo à dinâmica <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> bensculturais representativos <strong>de</strong> diferentes grupos sociais e étnicos, <strong>de</strong> diferentesregiões e localida<strong>de</strong>s existentes no país I .Introdução às Bases da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>sInteressa-nos o <strong>de</strong>stino atual, entre nós, do termo museu inclusivo. Pois, por um conjunto<strong>de</strong> procedimentos heterogêneos entre si, que não soma mais <strong>de</strong> uma década <strong>de</strong> operação erecolhido entre nós como uma Política, parte significativa daquilo que possui vigência no campomuseal — e que cobre apenas uma pequena parte do que as museo-lógicas II alcançam — nãose permite mais dizer-se s<strong>em</strong> ele. Referido a este campo, museu inclusivo (ou a sua i<strong>de</strong>ia) <strong>de</strong>veinstituir-se como regra <strong>de</strong> seu jogo ou fonte <strong>de</strong> suas intensivas e or<strong>de</strong>nadas. E por isso mesmoo campo se vê às voltas com <strong>em</strong>baraços quando se trata <strong>de</strong> pensá-lo. B<strong>em</strong> entendido, estadificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar capturar pela crítica é parte mesma <strong>de</strong>ste seu <strong>de</strong>stino: sua naturezadiagramática III lhe exige presença e voz discretas.Disto, o acesso que o termo museu inclusivo, hoje, oferece à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua transformação<strong>em</strong> conceito com que se possa efetivamente pensar, coloca a mesma exigência que aos<strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> um reino que ainda não é terreno: será s<strong>em</strong>pre mediante um <strong>em</strong>penho <strong>de</strong> forças,por esforços que já são também — e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus começos — violências, que tais vias se <strong>de</strong>ixarãohabitar. E nosso primeiro esforço consiste <strong>em</strong> afirmar a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos resolvermos acontento com a noção <strong>de</strong> museu inclusivo a partir <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> arte sobre o mesmo, aomenos com algum que se possa dizer: museológico. Em razão, <strong>de</strong>terminante, <strong>de</strong> estarmostodos sob o imperativo categórico do que pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>finir como política <strong>de</strong> arquivo (e que ocampo faz passar por <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória). Em razão, também, do próprio estado do estado daarte. Em razão, prece<strong>de</strong>nte, do que pod<strong>em</strong>os enten<strong>de</strong>r por campo museal, no ponto on<strong>de</strong> ele<strong>de</strong>va acusar uma operação científica.Tudo isso é evi<strong>de</strong>nte quando a Museologia se vê submetida a uma exegese a partir da teoriado campo científico (BOURDIEU, 2004), quando lhe pedimos contas <strong>de</strong> sua consistência comocampo, e que é, <strong>de</strong>ntre outros modos, perceptível pela <strong>de</strong>scrição do que existe traçado comoseu horizonte e limite; quando lhe interrogamos sobre seu grau <strong>de</strong> autonomia, verificável apartir da avaliação <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfigurar aquilo que, chegado do seu lado <strong>de</strong> fora,instala-se <strong>em</strong> seu meio; ou quando <strong>de</strong>screv<strong>em</strong>os suas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e força que <strong>de</strong>fin<strong>em</strong>as dinâmicas e as posições dos seus agentes. Que a Museologia ainda possa ser pensadacomo subárea disciplinar (da História, por ex<strong>em</strong>plo), que seus novos agentes, formados <strong>em</strong>IIntrodução das Bases da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s.IILógicas, aliás, que v<strong>em</strong> experimentando, <strong>em</strong> função do imperativo <strong>de</strong> um mais <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória, uma expansão in<strong>de</strong>finida,e que, por isso mesmo, já não lhes é possível <strong>de</strong>limitar qualquer horizonte para si. Esse é, acreditamos, o sentidoforte da noção <strong>de</strong> patrimônio integral.IIDiagrama. 1. “mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r levado a sua forma i<strong>de</strong>al; seu funcionamento, abstraindo-se <strong>de</strong> qualquerobstáculo, resistência ou <strong>de</strong>sgaste, po<strong>de</strong> ser b<strong>em</strong> representado como um puro sist<strong>em</strong>a arquitetural e óptico: é narealida<strong>de</strong> uma figura <strong>de</strong> tecnologia política que se po<strong>de</strong> e se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>stacar <strong>de</strong> qualquer uso específico” (FOUCAULT,1987, p. 170); 2. Definindo-se por meio <strong>de</strong> funções e matérias informes, ele ignora toda a distinção entre conteúdo euma expressão, entre uma formação discursiva e uma formação não discursiva. É uma máquina quase muda e cega<strong>em</strong>bora seja ela que faça ver e falar (DELEUZE, 2005, p. 44).208


outros domínios, não tenham a que converter-se — pois o campo museológico é, igualmente,território <strong>de</strong> historiadores, sociólogos, antropólogos, arquitetos, bibliotecários e, também, d<strong>em</strong>useólogos, s<strong>em</strong> que isso diga alguma coisa sobre qualquer intenção interdisciplinar —, e que,até agora, as palavras <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> no campo, sejam, letra a letra, as palavras <strong>de</strong> uma Política, tudoisso test<strong>em</strong>unha que a Museologia ainda não foi capaz <strong>de</strong> operar uma rarefação na produção<strong>de</strong> discursos sobre seu objeto (?), ou, <strong>de</strong> outro modo, que seu campo ainda não foi capaz <strong>de</strong>efetuar-se <strong>de</strong> maneira convincente.E é também porque se busca esse resultado que seria perigoso, à altura que estamos, ignorarmosque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> um pensamento genealógico como o <strong>de</strong> Friedrich Nietzsche (1998)e o <strong>de</strong> Michel Foucault (1979), parte do conjunto das questões que se dirige ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ciêncialhe interroga ao menos sobre sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificar os saberes que não lhe replique,sobre sua exigência <strong>de</strong> subtração das singularida<strong>de</strong>s dos sujeitos da experiência, ou sobreas garantias que a perspectiva <strong>de</strong> conhecimento concorrente à institucionalização lhe ofereceno momento mesmo <strong>em</strong> que dispersa e silencia suas outras localida<strong>de</strong>s. Um comentário <strong>de</strong>Foucault sobre essa mesma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, e que ele via animar as pretensões do marxismo<strong>de</strong> sua época, nos parece po<strong>de</strong>r elucidar o que se passa, agora, na Museologia. Tanto, que sepo<strong>de</strong>rá tomar, durante a leitura, campo museal e marxismo um pelo outro:Quando eu vejo vocês se esforçar<strong>em</strong> para estabelecer que o marxismo é umaciência, não os vejo, na verda<strong>de</strong>, d<strong>em</strong>onstrando <strong>de</strong> uma vez por todas que omarxismo t<strong>em</strong> uma estrutura racional e que suas proposições <strong>de</strong>pend<strong>em</strong>, porconseguinte, <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong> verificação. Eu os vejo, sobretudo e acima <strong>de</strong>tudo, fazendo outra coisa. Eu os vejo vinculando ao discurso marxista, e eu osvejo atribuindo aos que faz<strong>em</strong> esse discurso, efeitos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o Oci<strong>de</strong>nte,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> Média, atribuiu à ciência e reservou aos que faz<strong>em</strong> um discursocientífico IV .De tudo isso não será mais possível duvidar <strong>de</strong> que não estamos a tratar <strong>de</strong> uma simplesquestão teórica, <strong>de</strong> uma simples questão, justamente por se apresentar como teoria. Pois comoa entend<strong>em</strong>os, teoria é a produção <strong>de</strong> acontecimento sobre um conjunto <strong>de</strong> ações, conjunto járecortado ou que ela mesma recorta; e <strong>em</strong> si mesma é ação acontecendo. Utiliz<strong>em</strong>os o própriocampo museal: indicamos agindo <strong>em</strong> seu meio, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ciência que lhe ilu<strong>de</strong> quanto aseu estatuto e que já o impele a afirmar seu estado atual como científico. Fora <strong>de</strong>ssas páginasa Museologia têm sido avaliada — pens<strong>em</strong>os nas Humanas, nas Sociais, e <strong>de</strong> forma especialno Ministério da Educação (MEC). Que o que se dirá nesses julgamentos <strong>de</strong>penda, numa parteque não nos é possível <strong>de</strong>terminar, da capacida<strong>de</strong> do campo para controlar o quantum <strong>de</strong>visibilida<strong>de</strong> e propagação <strong>de</strong> seus sinais ambivalentes seja uma percepção capaz <strong>de</strong> se imporapós a captura, pela teoria, <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo que faz gozar, já justifica o <strong>em</strong>penho, posto que setrate aí <strong>de</strong> uma precipitação do que se segue ao funcionamento <strong>de</strong> estratégias que o própriocampo põe <strong>em</strong> movimento.Com esse estado <strong>de</strong> coisas, nos é absolutamente necessário dizer que tornar-se ciência consisteapenas <strong>em</strong> uma das possibilida<strong>de</strong>s para a Museologia. Basta l<strong>em</strong>brarmos que poucas décadasatrás, Zbynec Z. Stransky (2008), implicando os quatro cantos no probl<strong>em</strong>a, se interrogavasobre sua possibilida<strong>de</strong> como trabalho prático. Uma das metas <strong>de</strong> nosso programa é d<strong>em</strong>onstrarque a abertura para sermos outra coisa que esta interrogação garante ainda nos é necessária,que esse probl<strong>em</strong>a nunca se ausentou, que ele é mesmo o probl<strong>em</strong>a da hora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queIVFOUCAULT, 1999, p.15209


nos mantenhamos <strong>de</strong>cididos que o trabalho prático exige a mobilização paralela <strong>de</strong> um laborcrítico. Em todo caso, imersos num campo cuja estrutura científica mal se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>senhar,somos levados, por ora, a ignorar a distinção <strong>de</strong>ntro/fora do campo museológico. Ou pod<strong>em</strong>osadmitir sim, certa vigência do campo, mas continuar sustentando sua incapacida<strong>de</strong> atual <strong>de</strong>fechamento. Isso diz que qualquer que seja sua consistência, ela ainda não <strong>em</strong>erge n<strong>em</strong> seresolve nele, mas <strong>em</strong> seu lado <strong>de</strong> fora.O que dir<strong>em</strong>os a partir daqui: qualquer esforço teórico dirigido para o termo museu inclusivoe para seu <strong>de</strong>stino, <strong>de</strong>ve levar a sério a constatação <strong>de</strong> que sua pertença não é exclusiva àMuseologia — <strong>de</strong> resto, se passa o mesmo com patrimônio integral e com vários outros dos“seus” conceitos. Pertence com mais proprieda<strong>de</strong>, à Governamentalida<strong>de</strong>. E uma vez que atéaqui não nos <strong>de</strong>cidimos entre admitir e negar a vigência do campo museal (naquilo, insistimos,que concerne ao cumprimento <strong>de</strong> protocolos científicos), pod<strong>em</strong>os retirar <strong>de</strong>sta última afirmaçãoa consequência <strong>de</strong> que também por enquanto, não precisar<strong>em</strong>os nos apegar a nenhumadistinção entre burocracia e carisma pois ambas pertenc<strong>em</strong> à esfera do governo. De outromodo: a consistência da Museologia não é reconhecível por sua produção científica, poucoestabelecida, e sim <strong>em</strong> sua vocação política.Por isso começamos por reproduzir, na íntegra, a Introdução das Bases para a Política Nacional<strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, ânimo do que hoje já se <strong>de</strong>ixa reconhecer como campo museal brasileiro. Já se<strong>de</strong>ixa reconhecer: mal precisada, essa afirmação s<strong>em</strong>pre comportará o risco <strong>de</strong> nos aproximarda Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s como aquele que, diante <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> sua espera, senteseliberado <strong>de</strong> qualquer compromisso com a crítica. Por isso, enfatizamos que não é <strong>de</strong>staforma, absolutamente, que far<strong>em</strong>os aqui. Pois não pensamos a Política Nacional dos <strong>Museu</strong>scomo <strong>de</strong>sejo, concretizado, do campo museal. Para nós, aquilo mesmo que esta política sevê às voltas é, ao contrário, com um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência. Por isso mesmo, interessa-nos,sobretudo, armar contextos <strong>de</strong> análise a partir dos quais seja possível <strong>de</strong>terminar o quanto talpolítica permitiu a este campo já se <strong>de</strong>ixar reconhecer.Agora, e a partir <strong>de</strong>ste seu caráter produtivo — pois também ela acontece trazendo o campomuseal e o museu inclusivo a vigência — a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s <strong>de</strong>ve também se tornaracontecimento para a teoria, ela mesma por vir. Daí o recuo até as suas Bases, para este localon<strong>de</strong> as coisas — o campo e também a própria Política — começam. A configuração do jogomuseal que se dá entre nós, não será nunca suficient<strong>em</strong>ente manifesta se o que ali se passanão for esclarecidamente intuído. Por enquanto o que sab<strong>em</strong>os: encontra-se nas Bases daPolítica Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, um acordo muito singular, e sua intenção é que tudo o mais nasdinâmicas museais, a isso responda e atenda.O acordoEnquanto o governo e as leis supr<strong>em</strong> a segurança e ao b<strong>em</strong>-estar dos homensreunidos, as ciências, as letras e as artes, menos <strong>de</strong>spóticas e talvez maispo<strong>de</strong>rosas, estend<strong>em</strong> guirlandas <strong>de</strong> flores nas correntes <strong>de</strong> ferro que elescarregam, sufocam-lhe o sentimento <strong>de</strong>ssa liberda<strong>de</strong> original para a qualparec<strong>em</strong> ter nascido, faz<strong>em</strong>-nos amar sua escravidão e formam o que chamamos<strong>de</strong> povos policiados V .VROUSSEAU, 2005, p. 12.210


Trata-se, aí, do acordo entre as ciências, artes, letras (que formam, juntas ou separadas, uma daspartes celebrantes) e o Estado. Deste acordo, é o que esperamos d<strong>em</strong>onstrar, a Política Nacional<strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s constitui uma <strong>de</strong> suas atualida<strong>de</strong>s. Escolh<strong>em</strong>os Rousseau a dizê-lo, a partir <strong>de</strong> seuDiscurso sobre as Ciências e as Artes. E se começar<strong>em</strong>os por seu diagnóstico, é porque nosparece necessário fixar que este acordo, antes <strong>de</strong> animar qualquer política particular, constituios nervos da própria constituição mo<strong>de</strong>rna. Deixar<strong>em</strong>os <strong>de</strong> lado neste discurso, também porfalta <strong>de</strong> espaço: seus sinais ambivalentes sobre o saber e a ignorância; sua con<strong>de</strong>nação, já tãorigorosamente criticada por Jacques Derrida (1973), da escritura <strong>em</strong> geral (eterno flagelo dasletras); sua percepção sobre a progressão da arte <strong>de</strong> escrever à <strong>de</strong> pensar; seus sentimentos,cada vez mais estranhos para nós — ao menos <strong>em</strong> seus termos —, sobre nossa pertença a umaliberda<strong>de</strong> original; ou seja, <strong>de</strong>ixar<strong>em</strong>os <strong>de</strong> lado quase tudo aquilo que faz do seu Discurso umprobl<strong>em</strong>a — mas um quase tudo que será necessário enfrentar, <strong>em</strong> algum outro lugar, já queon<strong>de</strong> se chegará a partir <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>rá s<strong>em</strong>pre comprometer nosso próprio discurso. No entanto,não estamos <strong>de</strong>savisados n<strong>em</strong> caminhar<strong>em</strong>os <strong>de</strong>scobertos. Pois nos limitar<strong>em</strong>os àquilo que,<strong>em</strong> Rousseau, pô<strong>de</strong> ser, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, analiticamente asseverado ou continuado.Antes <strong>de</strong> tudo, nos importa o fato <strong>de</strong> que o Discurso sobre as Ciências e as Artes assuma aforma <strong>de</strong> uma resposta. A pergunta a que aquela resposta se dirigiu (se o restabelecimento dasciências e das artes contribuiu para aperfeiçoar os costumes) não fora formulada por Rousseau,mas por alguns <strong>de</strong> sua época, precisamente, por aqueles associados a Acad<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> Dijon.Em 1750 e à maneira <strong>de</strong> um concurso, ou, melhor, na forma <strong>de</strong> uma disputa <strong>de</strong> sentido nasprimeiras horas do Esclarecimento iluminista. O que se perguntava, pois, era sobre o que sepassava naquele momento, sobre o que lhes acontecia já no começo da nossa atualida<strong>de</strong>.Esta questão que implicava as ciências e as artes com os costumes <strong>de</strong> sua época, afirmava estasua implicação a partir <strong>de</strong> um restabelecimento (rétabliss<strong>em</strong>ent). Rousseau concordava comessa percepção, e juntou, num espaço consi<strong>de</strong>rável da primeira parte do Discurso, ex<strong>em</strong>plosque assumiam o estatuto <strong>de</strong> documento histórico sobre as consequências (que, nele, sãos<strong>em</strong>pre invariáveis <strong>em</strong> seus efeitos <strong>de</strong>generativos para uma cultura) que, a cada momento,tal restabelecimento pô<strong>de</strong> efetuar. E para Rousseau, no entanto, algo se passava na ediçãoiluminista do acordo, e <strong>de</strong> uma forma tal que já lhe era possível afirmá-lo como experiênciasingular <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po. Essa singularida<strong>de</strong>, ele acreditava, permitiria seu t<strong>em</strong>po sobrepujar“todos os t<strong>em</strong>pos e povos” VI .Já sabíamos, antes mesmo <strong>de</strong> firmarmos seu contexto (pois a epígrafe nos diz <strong>de</strong> maneiraexplícita), sobre a nervura do acordo. Sua efetuação acontece na convergência entre as açõesdo Governo que só é capaz <strong>de</strong> operar segurança e b<strong>em</strong>-estar a partir <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> dominação(estado <strong>de</strong> polícia), e os círculos, formalmente heterogêneos entre si, das ciências, letras e artes,que o Discurso afirmava como menos <strong>de</strong>spóticos que os Estados, mas que ainda mantinhaalguma dúvida se se tratava da parte capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a experiência social <strong>de</strong> modo maisefetivo. Tudo se passa, no Discurso, a partir <strong>de</strong> uma divisão <strong>de</strong> trabalho on<strong>de</strong> para a função <strong>de</strong>opressão (do Estado), seguir-se-ia outra, compl<strong>em</strong>entar (mas a partir <strong>de</strong> uma lógica produtivado compl<strong>em</strong>ento e que não nos permitiria tomá-lo por secundário), <strong>de</strong> sublimação. E o resultadodisto não era, somente, a condição efetiva <strong>de</strong> sujeição, mas o apego quase s<strong>em</strong> medida aessa ausência <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> (leur font aimer leur esclavage). O Discurso, que é uma resposta,assumia, também, a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia: do Iluminismo não po<strong>de</strong>rá vir <strong>em</strong>ancipação.Ora, o que Rousseau começa a partir daí a <strong>de</strong>screver e antecipar é o modo próprio door<strong>de</strong>namento das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e que, quase s<strong>em</strong>pre, acreditamos encontrar a justaVIROUSSEAU, op. cit., p. 12.211


proposição sobre suas engrenagens somente a partir das pesquisas <strong>de</strong> Michel Foucault — quenão por acaso fez sua genealogia da socieda<strong>de</strong> disciplinar recuar até meados do século XVIII, ouseja, para época do Discurso. É verda<strong>de</strong> que não pod<strong>em</strong>os ignorar que, na epígrafe, Rousseauafirma uma experiência servil, e que o termo que o Discurso se utiliza (esclavage) não <strong>de</strong>ve serpensado, ali, como metáfora. Mas é preciso que se saiba também que se sua função era indicaruma experiência real, não a <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os confundir, neste momento, com a experiência colonial;o que o Discurso procurava marcar, b<strong>em</strong> à maneira <strong>de</strong> Étienne <strong>de</strong> La Boétie, era mesmo aservidão voluntária dos povos policiados. Disto, quando Rousseau diz restabelecimento dasciências, artes e letras, o diz essencialmente para afirmar outra recondução, aquela capaz <strong>de</strong>fazer tornar aos indivíduos o senso comum (sens commun). E já aí, aquilo que o Discursoconsegue elaborar é o sujeito mo<strong>de</strong>rno como resultante <strong>de</strong> uma seriação.Hoje [...] reina sobre <strong>em</strong> nossos costumes uma vil e enganosa uniformida<strong>de</strong>,e todos os espíritos parec<strong>em</strong> ter sidos lançados numa mesma fôrma [...], enessa coerção perpétua, os homens, que formam esse rebanho a que se chamasocieda<strong>de</strong>, postos nas mesmas circunstâncias, farão todos as mesmas coisas,se motivos maiores não os <strong>de</strong>sviar<strong>em</strong> VII .Nossa experiência, pod<strong>em</strong>os dizê-lo, encontra-se suficient<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>sencoberta por Rousseau.T<strong>em</strong>os convivido há quase quatro séculos com este modo <strong>de</strong> dispor da mesma maneira ascoisas para não reconhecê-lo, ainda que ele se apresente a nós <strong>de</strong> relance. Mas é <strong>de</strong> se notartambém que no Discurso, a análise sobre a disposição da nossa alma acontece com umaautonomia quase completa <strong>em</strong> relação a uma analítica dos nossos constrangimentos corporais.Ação policial (pressuposta no termo povos policiados), <strong>de</strong>ste modo, não estava referido, ali, auma violência que se dirigisse à matéria (tal qual nossa experiência policial militar) ou que se<strong>de</strong>veria contar, necessariamente, do lado das técnicas do Estado (e que t<strong>em</strong> na polícia suaciência). Policia fala, primeira e essencialmente, da função subliminar dos dispositivos culturais,na forma <strong>de</strong> uma ilusão e <strong>de</strong> uma asfixia.O que ocorreu a partir do acordo (<strong>em</strong> sua última edição) foi, portanto, uma virada subjetiva,da qual nosso senso comum, exitoso, se manifesta apenas como parte dos efeitos. Sobre istoRousseau teria, não fosse nossa limitação, muito mais a nos dizer. É necessário registrar, noentanto, o que disto mais lhe parecia ser pedra <strong>de</strong> tropeço para experiência mo<strong>de</strong>rna, matéria <strong>de</strong>seu escândalo: a cisão, extr<strong>em</strong>a <strong>em</strong> seu sujeito, entre “continências do exterior” e “disposiçõesdo coração” VIII . Parece-nos bastante apenas indicar que essa mesma oposição <strong>em</strong>ergirá —às vezes como uma tensão entre forma e conteúdo —, pouco mais <strong>de</strong> um século <strong>de</strong>pois, na(Segunda) Consi<strong>de</strong>ração int<strong>em</strong>pestiva sobre a utilida<strong>de</strong> e os inconvenientes da História para avida, on<strong>de</strong> Nietzsche (2005, p. 107) a irá marcar como a primeira das cinco <strong>de</strong>svantagens <strong>de</strong>uma cultura historicista, e que também ir<strong>em</strong>os reencontrá-la, mais perto <strong>de</strong> nós, na <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>Foucault (2006, pp. 233-4) sobre a mutação, na experiência mo<strong>de</strong>rna, da filosofia como doutrinapara uma mera ativida<strong>de</strong> técnica.Tudo isso, já era possível pressentir, as Bases da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s soletram IX .Elas não somente reeditam o acordo e o torna explícito, como já nos acontecia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séculoVIIROSSEAU, op. cit., pp. 13-4.VIIIROUSSEAU, op. cit., p. 14.IXNosso interesse particular na Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s consiste, como já pontuamos antes, naquilo <strong>em</strong> que amesma possa ser tomada como condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> um novo dispositivo <strong>de</strong> rarefaçãodos discursos sobre as museo-lógicas, a saber, a Museologia.212


<strong>de</strong>zenove, mas o faz, agora, a partir <strong>de</strong> uma diferença <strong>de</strong> sujeitos para inclusão ao sensocomum. E o faz <strong>de</strong> modo otimizado, pois ao tomar o museu como objeto, as Bases acolh<strong>em</strong>,num só gesto, as letras, as ciências e as artes, já que traz a vigência, também, o campo vago —e, no entanto, já tão <strong>de</strong>terminado —, <strong>de</strong>nominado Museologia. Tais dispositivos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> agora,através do campo museal e livres <strong>de</strong> quaisquer disfarces, aprimorar processos d<strong>em</strong>ocráticos,o que não será outra coisa senão ampliar a parcela dos imersos <strong>em</strong> nosso senso comum maisprobl<strong>em</strong>ático — resultado logicamente muito mais previsível do que a aquisição dos direitos <strong>de</strong>cidadania. Eis aí, nessa produção do senso comum (e da heg<strong>em</strong>onia), produção que não po<strong>de</strong>prescindir <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> força e <strong>de</strong> um mascaramento, a inclusão que hoje e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Setecentosqualifica o museu. Disto, qu<strong>em</strong> diz museu inclusivo comete s<strong>em</strong>pre redundância.Em função da natureza e dos componentes do acordo que Rousseau nos esclarece, essaqualida<strong>de</strong> inclusiva do museu não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fora n<strong>em</strong> mesmo os museus <strong>de</strong> arte. Talvez essaafirmação seja mesmo <strong>de</strong>snecessária tamanha sua evidência no Discurso ([...] e começou-sea sentir a principal vantag<strong>em</strong> do trato com as musas, a <strong>de</strong> tornar os homens mais sociáveis,ao inspirar-lhes o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se <strong>de</strong>leitar<strong>em</strong> uns aos outros com obras dignas <strong>de</strong> sua aprovaçãomútua X ), que certamente não pensava nos museus comunitários <strong>de</strong> agora. Mas acontece que,fora <strong>de</strong>le, o corte elitista que tal gênero <strong>de</strong> museu assume na opinião mais geral, quase s<strong>em</strong>prenos cega sobre essa sua natureza e função — <strong>de</strong> resto, a distinção entre uma museologiasimples, oposta àquela dos gran<strong>de</strong>s eventos culturais, não t<strong>em</strong>, aqui, nenhum sentido XI .O mais importante é não nos ser mais possível <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o compromisso secular do <strong>Museu</strong>com a violência (<strong>de</strong> Estado). Já no simples ato <strong>de</strong> se dizer: museu. E <strong>de</strong> uma maneira tal, quetodo esforço do campo museal <strong>em</strong> repatriar objetos espólios não servirá <strong>de</strong> anteparo a esse seu<strong>de</strong>stino. Longe disto, toda essa violência nos faz consi<strong>de</strong>rar que a belíssima paráfrase há umagota <strong>de</strong> sangue <strong>em</strong> cada museu é insuficiente para dar conta com gravida<strong>de</strong> do que aconteceali. Ela não passa, no final das contas, <strong>de</strong> um canto glicosado (ou, como diz Henri-Pierre Jeudy,cor <strong>de</strong> rosa) que ainda faz retornar certo grau <strong>de</strong> ternura ao museu, e é incapaz <strong>de</strong> marcaras amputações na cultura que a lógica e função museal operam. Por isso, insistimos: qu<strong>em</strong>diz museu inclusivo diz também polícia, diz <strong>de</strong>ssa sua pertença a procedimentos redutores <strong>de</strong>potência. Disso, é possível colher evidências <strong>em</strong> toda parte.Uma após outra, progressivamente, as potências espirituais que <strong>de</strong>finiam a vidados homens — a arte, a religião, a filosofia, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> natureza, até mesmoa política — retiraram-se, uma a uma, docilmente, para o <strong>Museu</strong>. <strong>Museu</strong>não <strong>de</strong>signa, nesse caso, um lugar ou um espaço físico <strong>de</strong>terminado, mas adimensão separada para a qual se transfere o que há um t<strong>em</strong>po era percebidocomo verda<strong>de</strong>iro e <strong>de</strong>cisivo, e agora já não é XII .Exibida, colocada no museu, passada pelas mãos dos arqueólogos, etnólogos,e conservadores, [a potência <strong>de</strong>] ambivalência que se manifestou cada vez quese pensou <strong>em</strong> conservar ou <strong>de</strong>struir os ‘instrumentos <strong>de</strong> trabalho’, por ocasião<strong>de</strong> revoltas e insurreições, <strong>de</strong>sapareceu: foi inteiramente esvaziada <strong>de</strong> suaXROUSSEAU, op. cit., p. 12.XIPor isso, foi <strong>em</strong> parte com escamas nos olhos que a Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago do Chile (BRUNO, 2010)consi<strong>de</strong>rava, <strong>em</strong> 1972, não exatamente a supressão do museu tradicional, mais sua transformação <strong>em</strong> dispositivo aserviço do social. Disto, não se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos as distâncias que separam um e outro tipo d<strong>em</strong>useu; só não as tomamos por essenciais ou contraditórias. Dir<strong>em</strong>os com mais proprieda<strong>de</strong> que essas distânciassão até mesmo necessárias para a economia da inclusão, pois, <strong>em</strong> certo nível, permit<strong>em</strong> efetuar momentos <strong>de</strong> ummesmo processo.XIIAGAMBEN, 2007, p. 73.213


intensida<strong>de</strong> vivida, para se tornar o resumo objetivo <strong>de</strong> uma história <strong>de</strong> bravura XIII .La expresión museal tiene en al<strong>em</strong>án un aura hostil. Designa objetos respecto<strong>de</strong> los cuales el espectador no se comporta vitalmente y que están ellos mismoscon<strong>de</strong>nados a muerte. Se conservan más por consi<strong>de</strong>ración histórica que pornecesidad actual. Museo y mausoleo no están sólo unidos por la asociaciónfonética. Museos son como tradicionales sepulturas <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte, y dantestimonio <strong>de</strong> la neutralización <strong>de</strong> la cultura XIV .Em todo caso, concomitante a essa sua intensa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> forças (humanas e dascoisas), essa sua <strong>de</strong>stinação, a um só t<strong>em</strong>po repressiva e produtora do espírito e do corpo XV ,atravessa cada um dos seus tipos (on<strong>de</strong> o museu comunitário constitui, a nosso ver, lugar tópico)e está no centro <strong>de</strong> qualquer ação (prática, diagramática) museal. E é significativo marcar que,apropriado <strong>de</strong>sta forma, o <strong>Museu</strong> não se ressentirá <strong>de</strong> nenhuma das máscaras anteriores à estaque lhe acresc<strong>em</strong>os. É o caso quando avaliamos sua i<strong>de</strong>ação — talvez a mais cara para o campomuseal — como museu-t<strong>em</strong>plo a partir do Discurso: constatar<strong>em</strong>os que, longe <strong>de</strong> lhe contestar,o policiamento museal se nutre mesmo nesta representação, pois no Discurso tudo começa comum cair das fichas sobre a “sociabilida<strong>de</strong>” que o trato com as Musas permite (et l‘on commença àsentir le principal avantage du commerce <strong>de</strong>s Muses, celui <strong>de</strong> rendre les hommes plus sociable[…]). Tudo isso vai muito b<strong>em</strong> com as práticas <strong>de</strong> Estado brasileiro, posto que, através daPolítica Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s ele continua, como qualquer outro seu congênere mo<strong>de</strong>rno, a dispor<strong>de</strong> uma violência que não passa pela guerra: ele <strong>em</strong>prega policiais e carcereiros[isto é, museólogos] <strong>de</strong> preferência a guerreiros, não t<strong>em</strong> armas e <strong>de</strong>las nãonecessita, age por captura mágica imediata, ‚agarra‘ e ‚liga‘, impedindo qualquercombate XVI .Nisto, nos parece importante repetir, as Bases da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s segue tendênciamanifesta aqui no Brasil ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século <strong>de</strong>zenove. Pois já <strong>em</strong> 1834, num relatório apresentadoà Ass<strong>em</strong>bleia Geral Legislativa, o Ministério do Império, no interesse <strong>de</strong> justificar seus recorrentespedidos <strong>de</strong> ampliação dos recursos <strong>de</strong>stinados ao <strong>Museu</strong> Nacional, listava, entre as suas utilida<strong>de</strong>s,[…] fomentar o sentimento <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong>, pelo conhecimento do valor real, esuperiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas producções naturaes; chamar a hum centro, para que se<strong>de</strong>pur<strong>em</strong>, e fortaleção , as poucas luzes , que possuimos sobre estas Sciencias,e que isoladas , ou ainda abafada por outras influencias , virão a extinguir-se XVI .Já sab<strong>em</strong>os que essa tendência não é somente atual mas generalizável às outras épocas, antesmesmo <strong>de</strong> Rousseau a produzir. Ocorreu <strong>em</strong> nosso Oitocentos (como forma <strong>de</strong> inclusão dapopulação para o nacional) e ainda nos ocorre hoje (à maneira <strong>de</strong> uma hiperinclusão d<strong>em</strong>ocrática),porque é tendência <strong>em</strong> toda parte:XIIIADORNO, 1962, p. 187.XIVEmbora o Discurso trate com particular interesse das disposições do espírito – ele se contentará <strong>em</strong> apontara flaci<strong>de</strong>z do corpo mo<strong>de</strong>rno, sab<strong>em</strong>os também das disposições disciplinares que os museus operam no corpo.Ouçamos como ex<strong>em</strong>plo Valéry: Ao primeiro passo que dou na direção das belas coisas, retiram-me a bengala, umaviso me proíbe <strong>de</strong> fumar. […] Meu passo torna-se piedoso. Minha voz muda e se faz um pouco mais alta que naIgreja, mas soa um pouco menos forte que na vida comum (VALERY, 2008, p. 31).XVDELEUZE & GUATTARI, 1997, p.12.XVIChicago University, Brazilian Government Document Digitization Project, Ministerial Reporters, 1834.214


Não mais restringir unicamente às esferas sancionadas da cultura, as artespo<strong>de</strong>riam ser literalmente espalhadas por toda a estrutura cívica, encontrando seulugar numa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços comunitários e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoeconômico – programas para a juventu<strong>de</strong> e prevenção ao crime até o treinamentoprofissional e relações raciais – b<strong>em</strong> longe das funções estéticas tradicionais dasartes. Esse papel adicional também po<strong>de</strong> ser visto nas várias novas parceriasque as organizações artísticas assumiram nos últimos anos, quando distritoseducacionais, parques e <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> recreação, espaços para convençõese visitantes, câmaras do comércio, e um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> b<strong>em</strong>-estarsocial, todas servindo para dar pre<strong>em</strong>inência aos aspectos utilitários das artes nasocieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea XVII .Mas sab<strong>em</strong>os também que qualquer tendência só se efetua por atualização. Assim, o Americancanvas, um dos relatórios do Fundo Nacional das Artes (NEA) — e também a própria PolíticaNacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s — se dispõe como uma dobra <strong>de</strong>ste acordo constituinte. Pois o exige aoinvés <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciá-lo (mesmo assim, nos dois casos o acordo é afirmado); singulariza as partescelebrantes (Estado-Nação, Artes) ao mesmo t<strong>em</strong>po que lhes acrescenta <strong>em</strong> cifra (a Economia);fabrica para as artes uma natureza s<strong>em</strong> mácula ao afirmar seu exercício no acordo como merafunção supl<strong>em</strong>entar (papel adicional das artes). Ou seja: lhe faz concessões.O que importa é constatar que todas essas atualizações acontec<strong>em</strong> ou se dirig<strong>em</strong> para fora daEuropa, localizam-se <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>colonial. Este último termo (<strong>de</strong>colonial) quet<strong>em</strong> sido utilizado para marcar um giro epist<strong>em</strong>ológico na América Latina (Castro-Gómez yGrosfogel, 2007), utilizamos para indicar qualquer realida<strong>de</strong> on<strong>de</strong>, <strong>em</strong> função do modo como sedão as combinações entre as práticas e os discursos que a efetua, os conceitos <strong>de</strong> colonizaçãoe <strong>de</strong>scolonização não pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>scartados <strong>de</strong> qualquer tentativa séria <strong>de</strong> constituí-la comoacontecimento, estando os mesmos muito longe, ainda assim, <strong>de</strong> manifestá-lo consistent<strong>em</strong>ente.Realida<strong>de</strong>, assim, a um só t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> persistência e ultrapassag<strong>em</strong>. E para esta realida<strong>de</strong> a PolíticaNacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s pertence. Usar<strong>em</strong>os um ou dois momentos <strong>em</strong> que Frantz Fanon <strong>de</strong>screvea violência colonial como modo rápido <strong>de</strong> afirmá-la como parte da nossa experiência continental.Nos países capitalistas, entre o explorado e o po<strong>de</strong>r interpõe-se uma multidão<strong>de</strong> professores <strong>de</strong> moral, <strong>de</strong> conselheiros, <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sorientadores”. Nas regiõescoloniais, <strong>em</strong> contrapartida, o policial e o soldado, por sua presença imediata,suas intervenções diretas e frequentes, mantêm o contato com o colonizado e oaconselham, com coronhadas ou napalm, que fique quieto XVIII .Operando um <strong>de</strong>slocamento na distinção entre socieda<strong>de</strong>s capitalistas e regiões coloniais — algoque o próprio Fanon fora capaz <strong>de</strong> fazer poucos momentos antes do trecho que <strong>de</strong>stacamos —,o que nos resta para <strong>de</strong>terminar a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>colonial da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s é conduziras práticas polares que a distinção marca à um mesmo espaço dinâmico. Pois entre nós, aquiloque <strong>de</strong>termina a distância que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre o uso da violência física ou <strong>em</strong> sua forma simbólica,nos r<strong>em</strong>ete a espaços muito próximos, quase g<strong>em</strong>inados.XVIIYÚDICE, 2004, p. 27.XVIIIFANON, 2005, p. 54-5.215


A cida<strong>de</strong> do colono é uma cida<strong>de</strong> sólida, toda <strong>de</strong> pedra e ferro. É uma cida<strong>de</strong>iluminada, asfaltada, on<strong>de</strong> as latas <strong>de</strong> lixo transbordam s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> restos<strong>de</strong>sconhecidos, nunca vistos, n<strong>em</strong> mesmo sonhados. Os pés do colono nuncase mostram [...] protegidos por sapatos fortes, enquanto as ruas são limpas, lisas,s<strong>em</strong> buracos, s<strong>em</strong> pedriscos. A cida<strong>de</strong> do colono é uma cida<strong>de</strong> <strong>em</strong>panturrada,preguiçosa, seu ventre está s<strong>em</strong>pre cheio <strong>de</strong> coisas boas. A cida<strong>de</strong> do colono éuma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brancos, <strong>de</strong> estrangeiros XIX .O espaço do colonizado — e que a <strong>de</strong>scrição nos permitirá confundi-lo com o comunitário, domesmo modo que no trecho anterior nossas elites <strong>de</strong>v<strong>em</strong> <strong>em</strong>ergir <strong>em</strong> meio aos colonos —, <strong>em</strong>contrapartida,[...] é um lugar mal afamado, povoado <strong>de</strong> homens mal afamados. Ali, nasce-se<strong>em</strong> qualquer lugar, <strong>de</strong> qualquer maneira. Morre-se <strong>em</strong> qualquer lugar, <strong>de</strong> qualquercoisa. É um mundo s<strong>em</strong> intervalos, os homens se apertam uns contra os outros,as cabanas umas contra as outras. A cida<strong>de</strong> do colonizado [...] é uma cida<strong>de</strong>agachada, uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> joelhos, uma cida<strong>de</strong> prostrada XX .Fanon aí já nos disse, ele aí já nos <strong>de</strong>screve. Pois quando faz<strong>em</strong>os da projeção <strong>de</strong> um entrecida<strong>de</strong>s um diagrama à análise das localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um mesmo urbano, ela recita muito b<strong>em</strong> o queocorre no Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>em</strong> Salvador, cida<strong>de</strong>s abarrotadas <strong>de</strong> museus, cida<strong>de</strong>s elas mesmasmuseus — e que, <strong>de</strong> resto, abrigam os nossos dois cursos mais antigos <strong>de</strong> Museologia. No casomesmo da soteropolitana <strong>de</strong>ve ser notado que à diferença inicialmente física entre Cida<strong>de</strong> Altae Cida<strong>de</strong> Baixa se segue a diferença entre espaço verticalizado e horizontalizado (diferença que<strong>de</strong>termina, graças a Deus, a quase totalida<strong>de</strong> do seu fluxo turístico para cima), e que <strong>de</strong>verámarcar uma topologia própria para os museus comunitários <strong>em</strong> contraste aos seus congênerestradicionais. É, pois, para esta realida<strong>de</strong> que o museu inclusivo se dispõe.Consi<strong>de</strong>rações finaisTodas essas coisas (a consistência, ou melhor, a vocação política do campo museológico, oacordo, a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>colonial) exigiria, não fosse a limitação a que nos achamos submetidosaqui, maior <strong>de</strong>senvolvimento. Esperamos que, ao menos, o que <strong>de</strong>las tenhamos mostrado sejasuficiente para transformá-las <strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos que uma teoria sobre o museu inclusivo (e apesar daredundância talvez ainda seja necessário, para a teoria, continuar qualificando <strong>de</strong> inclusivo o quejá é, <strong>em</strong> seu cerne, assim) <strong>de</strong>verá levar <strong>em</strong> conta. Voltamos a repetir, então: para que o museu setorne conceito, será preciso contar com o que nos chega do lado <strong>de</strong> fora do campo, ou seja, situaras museo-lógicas a partir <strong>de</strong> seus contratos com a Política, e por isso mesmo fixa-las <strong>em</strong> umarealida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>colonial) concreta. Esse cruzamento, então, nos permite algumas consi<strong>de</strong>rações.Acusamos a vocação política da Museologia como probl<strong>em</strong>ática. Chegamos a isso através dateoria do campo científico. Estamos cientes <strong>de</strong> que <strong>de</strong>la nos utilizamos muito pouco e <strong>de</strong> modobastante sumário. E se com isso passamos a impressão que o estado político <strong>de</strong> uma ciência éXIXId, p. 55.XXIbid, pp. 55-6.216


indissociável <strong>de</strong> seu grau (baixo) <strong>de</strong> consistência, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os esclarecer que isto quase nada t<strong>em</strong> aver com o termos estado às pressas com a teoria, e sim porque que ela exige, exatamente, essaindissociação. Ela também nos <strong>de</strong>ixa pensar, <strong>em</strong> sua sequência, que político foi, <strong>em</strong> algum ponto<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, o estado <strong>de</strong> todas as ciências que conhec<strong>em</strong>os.É certo que com esse acréscimo seria possível dirigir à nossa análise um contra-argumento,afirmar que no fundo, então, a Museologia se vê diante <strong>de</strong> um chamado t<strong>em</strong>porário da política, eaté mesmo dizer, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência, que tratar-se-ia sequer <strong>de</strong> uma vocação. O que pod<strong>em</strong>os dizeré que lida <strong>de</strong>ssa forma, o diagrama do campo científico entraria <strong>em</strong> curto já que é ele mesmoqu<strong>em</strong> exige que a autonomia <strong>de</strong> uma ciência seja avaliada, não pelo apagamento das marcasdo que lhe chega ad hoc, mas por sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operar sobre estas uma <strong>de</strong>formação.Ora, a nosso ver, nenhuma crítica sobre quantum <strong>de</strong> político <strong>de</strong> uma ciência po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr daí.Diretamente: nenhuma ciência está liberada <strong>de</strong> sua vocação política, e o que chamamos <strong>de</strong> suamaior ida<strong>de</strong> se realiza quando ela <strong>de</strong>sencobre os meios <strong>de</strong> cumprir esse seu <strong>de</strong>stino na forma <strong>de</strong>um encobrimento. Eis, portanto, que a Museologia aten<strong>de</strong> a uma dispensação que é geral.Essa vigência a partir do político e que a Museologia evi<strong>de</strong>ncia como sua natureza primeira, agoranos protege <strong>de</strong> <strong>de</strong>scartá-la como campo científico, ação a qual, antes, nos sentíamos inclinados.Com a adição <strong>de</strong> que, com a Museologia — num <strong>de</strong>sdobramento do argumento que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>osno parágrafo que se seguiu —, estamos mais uma vez às voltas com a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> umaciência <strong>de</strong> Estado. Seu objeto <strong>em</strong> dispersão, as museo-lógicas, reúne e efetiva, a um só t<strong>em</strong>po,lógicas <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> forças e aparatos <strong>de</strong> inclusão. Por isso, o probl<strong>em</strong>ático da Museologia éque ela dirige bons afetos a seu objeto, e se <strong>em</strong>penha, como amante, para torná-lo melhor <strong>em</strong> seu<strong>de</strong>stino. E vê tudo isso a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver (<strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória). Pressent<strong>em</strong>-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já as implicaçõespara o pensamento. Pois tal <strong>de</strong>ver se apresenta como auto evi<strong>de</strong>nte, e <strong>de</strong> tal forma, que até aquit<strong>em</strong> sido liberado <strong>de</strong> passar por objeto efetivamente pensável. É justamente o que faz da teoriaalguma coisa ainda por vir.Enquanto a teoria tarda (e mesmo assim seu tracejado já nos permite colocar, talvez pelaprimeira vez no campo, um probl<strong>em</strong>a que relacione a ciência [museológica] <strong>de</strong> Estado com ateoria [museológica] incapaz, até o momento, <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>lineada) o campo continua a viver com umdispositivo que o cega para o fato <strong>de</strong> que sua existência está dada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre, para inclusão.É claro que isto a Museologia — e da mesma forma a Política — ignora ou esquece. Até aqui, tudose passa como se essa sua disposição inclusiva fosse alguma coisa que se gesta agora, como senós estivéss<strong>em</strong>os test<strong>em</strong>unhando as primeiras horas <strong>de</strong> sua ação integradora. Por isso, uma dasprimeiras tarefas da teoria será <strong>de</strong>sencobrir os diversos modos <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o XVIII, queo museu t<strong>em</strong> traduzido. Desnecessário insistir que tal mapeamento <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong>ve abarcaro que hoje nos alcança como políticas <strong>de</strong> reconhecimento.O que <strong>de</strong>sta nossa atualida<strong>de</strong> a Teoria Por Vir (ou Teoria Museo-lógica Ext<strong>em</strong>porânea) já po<strong>de</strong>diagnosticar justifica nosso investimento. Pois numa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>colonial, a Política Nacional <strong>de</strong><strong>Museu</strong>s tomada como um sintoma, parece apontar uma passag<strong>em</strong>, indicar que algo, entre nós,está a se mover. E esse <strong>de</strong>slocamento ocorre na economia estatal da violência (passag<strong>em</strong> <strong>de</strong>uma forma <strong>de</strong> dominação à outra): presenciamos, nós mesmos, o programa que, a partir <strong>de</strong> umespraiamento técnico da cultura (tomamos os museus comunitários e os pontos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória comoevidências <strong>de</strong>ssa microfísica), espera liberar manchas populacionais da violência crua que se efetivanas intervenções armadas para submetê-las a outra, mais sofisticada, <strong>de</strong> uma polícia cultural, s<strong>em</strong><strong>de</strong>smanchar, no entanto, a própria realida<strong>de</strong>, posto que não exista nada, <strong>em</strong> tal passag<strong>em</strong>, queindique <strong>em</strong> si mesma, a superação (ou ao menos seu começo) <strong>de</strong>ssa nossa experiência.Descoberto esse programa <strong>de</strong> (<strong>de</strong>s)organização das resistências — que não significa outra coisasenão estriar e <strong>de</strong>sfibrar, pelo catálogo, as forças que se <strong>de</strong>bat<strong>em</strong>, às vezes com ou s<strong>em</strong> razão,contra o Estado, ou, <strong>de</strong> outro modo, transformar potência <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória (perda <strong>de</strong> corpo) — torna-se217


possível arriscar uma <strong>de</strong>finição para o museu inclusivo: espécie <strong>de</strong> dispositivo mágico <strong>de</strong> gestãopolítica, que vive <strong>de</strong> conduzir forças <strong>de</strong> resistência à quietu<strong>de</strong> (servidão voluntária) a partir <strong>de</strong> umencobrimento replicante da violência.Documentos consultadosMINISTÉRIO DA CULTURA (Minc), Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s.CHICAGO UNIVERSITY. Brazilian Government Document Digitization Project, Ministerial Reporters.Referências BibliográficasADORNO, W. Thedor. Prismas: la critica <strong>de</strong> la Cultura y la Socieda<strong>de</strong>. Barcelona: Ediciones Ariel, 1962.AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boit<strong>em</strong>po, 2007.BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência - por uma sociologia clínica do campo científico. SãoPaulo: Editora UNESP, 2004.BRUNO, M. C. Oliveira (Org.). O ICOM-Brasil e o pensamento museológico brasileiro: documentos selecionados.São Paulo: Pinacoteca do Estado; secretária do Estado da Cultura: Comitê Brasileiro do ConselhoInternacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s, 2010.DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (vol. 5). São Paulo: Ed. 34, 1997.DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Editora da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1973.FANON, Frantz. Os con<strong>de</strong>nados da terra. Juiz <strong>de</strong> fora: Editora da UFJF, 2005.FOUCAULT, Michel. Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições Graal, 1979._________. Probl<strong>em</strong>atização do sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. 2a. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense Universitária, 2006.________. Em <strong>de</strong>fesa da Socieda<strong>de</strong>: curso no Collège <strong>de</strong> France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.________ . Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cida<strong>de</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa da palavra, 2005.LA BOETIE, Ettiene <strong>de</strong>. Discurso sobre a servidão voluntária. 2a. ed. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2009.NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre História. São Paulo: Edições Loyola, 2005.________ . Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a orig<strong>em</strong> da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os homens. 3ª. Ed. SãoPaulo Martins, Fontes, 2005.STRÁNSKY, Zbynek. Sobre o t<strong>em</strong>a “Museologia – ciência ou apenas trabalho prático?” In: Museologiae Patrimônio. Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST, Vol. I, N°. I, 2008.YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.218


O CORPO E O PATRIMÔNIO CULTURAL - O CORPO FALA, O CORPOINVENTA, O CORPO TRADUZ: A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DAIMAGEM SOCIOCULTURAL DE SI PELO(s) OUTRO(s)Professora Doutora Maria Amelia Souza ReisResumoPropor como t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> reflexões e estudos a construção discursiva da imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> si pelo outrotraz por conteúdo basilar a compreensão do corpo humano <strong>em</strong> sua complexida<strong>de</strong> e dinamismohistórico, compreendido como património e expressão <strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> produção natural,social, cultural e pessoal. As relações intergrupos e extragrupos (interculturalida<strong>de</strong>) produz<strong>em</strong>discursos que moldam imagens <strong>de</strong> si pelo outro, fixando fronteiras i<strong>de</strong>ntitárias e ethos prototípicoscapazes <strong>de</strong> construir estereótipos que <strong>de</strong>squalificam, discriminam e se sustentam <strong>em</strong>preconceitos históricos associados às noções <strong>de</strong> primitivo, selvag<strong>em</strong>, preguiçoso, vagabundo e<strong>de</strong>linquente. Toma-se como corpus <strong>de</strong> pesquisa o modus vivendi dos moradores do quilombo <strong>de</strong>Sant´Anna, situado no município <strong>de</strong> Quatis <strong>em</strong> suas experiências com o entorno social e culturale indicativas da complexida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> suas imagens apartir dos discursos do outro (da cida<strong>de</strong>) sobre eles. Assim, a diferenciação discursiva presentev<strong>em</strong> esbater-se no jogo das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e das negociações que se constro<strong>em</strong> a partir dascompreensões <strong>de</strong> si e do(s) outro(s), originárias tanto dos intercâmbios socioculturais quantodas imagens <strong>de</strong> seus corpos ancestrais <strong>em</strong> suas reconstruções e traduções marginalizadasassociadas às suas vivências e convivências nas culturas cont<strong>em</strong>porâneas. Utiliza-se comometodologia <strong>de</strong> campo a pesquisa-ação proposta por Thiolent e para análise do estudo <strong>de</strong> casoa análise do discurso crítico <strong>de</strong>fendida por Michel Feurclaud.Palavras Chave: corpo, patrimônio sociocultural, interculturalida<strong>de</strong>, construção discursivaAbstractTo propose the narrative construction of self-image by the other as a th<strong>em</strong>e for study brings asa main concern the perception of the human body in its complexity and historical dynamism –here un<strong>de</strong>rstood as heritage and expression of natural, social, cultural and individual productioncontexts. Intergroup and extra-group (cross-cultural) relationships may produce discourses thatshape images of the Self by the Other, <strong>de</strong>fining i<strong>de</strong>ntity bor<strong>de</strong>rs and prototypical ethos thatare capable of creating stereotypes that un<strong>de</strong>rrate and discriminate, supported by historicalprejudices associated to notions such as primitive, savage, lazy, tramp and <strong>de</strong>linquent. Th<strong>em</strong>odus vivendi (lifestyle) of the dwellers of the Sant’Anna Quilombo - in the Municipality ofQuatis, State of Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brazil - is used as the corpus (basis) for this research. Thestudied lifestyle is based on the daily experience of the people of Quatis, in their interfacewith the social and cultural context which indicates the complexity and intensity of their imageconstruction processes, starting from the speeches of the others (city dwellers) about th<strong>em</strong>. Thepresent discursive differentiation involves a game of i<strong>de</strong>ntities and negotiations which is builtboth from self-perception and perceptions of the Other, and originate both from socio-culturalexchange and from the construction of images of their ancestral bodies, thus influencing theirown reconstructions and marginalized translations, associated to their life experience and coexistencein cont<strong>em</strong>porary cultures. The work uses as methodology of field research the method219


proposed by Thiolent: action-research; and for the case study, the critical discourse analysis,<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>d by Michel Feurclaud.Keywords: human body, socio-cultural heritage, cross-cultural relationships, discursive constructionResumenProponer como t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> reflexión y estudios la construcción discursiva <strong>de</strong>l imagen <strong>de</strong> unomismo por el otro [es un movimiento] que trae por contenido basilar la comprensión <strong>de</strong>l cuerpohumano en toda su complejidad y dinamismo histórico, entendido como patrimonio y expresión<strong>de</strong> sus contextos natural, social, cultural y personal <strong>de</strong> producción. Las relaciones intergruposy extragrupos (interculturalidad) producen discursos que moldan imágenes <strong>de</strong> uno por el otro,fijando fronteras in<strong>de</strong>ntitárias y ethos prototípicos capaces <strong>de</strong> crear estereotipos que <strong>de</strong>scalifican,discriminan y se apoyan en prejuicios históricos relacionados con las nociones <strong>de</strong> primitivo,salvaje, perezoso y <strong>de</strong>lincuente. Se toma como corpus <strong>de</strong> investigación el modus vivendi <strong>de</strong> loshabitantes <strong>de</strong>l “quilombo <strong>de</strong> Sant´Anna” ubicado en el municipio <strong>de</strong> Quatis, estado <strong>de</strong> Río <strong>de</strong>Janeiro, Brasil, en sus experiencias con el entorno social y cultural, indicativo <strong>de</strong> la complejida<strong>de</strong> intensidad <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong> sus imágenes a partir <strong>de</strong> los discursos <strong>de</strong>l otro (los citadinos)sobre ellos. Así, la diferenciación discursiva presente viene a atenuarse en el juego <strong>de</strong> lai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s y <strong>de</strong> las negociaciones que se construyen a partir <strong>de</strong> la comprensión <strong>de</strong> si y <strong>de</strong>l(<strong>de</strong>los) otro(s), originarias tanto <strong>de</strong> los intercambios socioculturales cuanto <strong>de</strong> los imágenes <strong>de</strong>sus cuerpos antepasados, vivenciadas en las reconstrucciones y traduciones marginalizadasasociadas a sus experiencias y a la convivencia con las culturas cont<strong>em</strong>poráneas. Se utilizacomo metodología <strong>de</strong> campo la investigación- acción propuesta por Thiolent, y para el estudio<strong>de</strong> caso el análises <strong>de</strong>l discurso crítico <strong>de</strong>fendido por Michel Feurclaud.Palabras llave: cuerpo, patrimonio sociocultural, interculturalidad, construcción discursiva.IntroduçãoEm meio à intensificação dos processos <strong>de</strong> globalização toma forma a importância das discussõescientífico-acadêmicas, nas diversas áreas do conhecimento, <strong>em</strong> torno das diferenças culturais, dainterculturalida<strong>de</strong> e do património construído historicamente pelas comunida<strong>de</strong>s tradicionais ao longo<strong>de</strong> suas experiências plurais <strong>de</strong> vida e trabalho por muito t<strong>em</strong>po silenciadas <strong>em</strong> suas diferenças.Compreen<strong>de</strong>r “qu<strong>em</strong> eu sou?”, “qu<strong>em</strong> tu és?”, “qu<strong>em</strong> somos nós?”t<strong>em</strong> sido ao longo da históriahumana preocupação da filosofia e <strong>de</strong> crenças religiosas que se ocupam da verda<strong>de</strong> e datranscendência do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua humanida<strong>de</strong>. Não obstante a alterida<strong>de</strong> se mostre viva comoprobl<strong>em</strong>atização intrínseca nestes questionamentos há que se <strong>de</strong>stacar a estreita relação entre oEu (Nós) e o Lugar, portanto entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, espaço-t<strong>em</strong>po e natureza. Como lugares enten<strong>de</strong>seespaços or<strong>de</strong>nados pelo agenciamento humano caracterizados por vivências, experiênciase sublinhados microfisicamente pelo po<strong>de</strong>r e por saberes disciplinados (FOUCAULT,1979) I <strong>em</strong>sua pluralida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que vicejam a diversida<strong>de</strong> cultural estruturante do tecido social e geradora<strong>de</strong> contatos, transformações ou permanências.IPara Michel Foucault, <strong>em</strong> Microfísica do Saber (1976, 1ª ed) o po<strong>de</strong>r não é um objeto natural, é uma prática socialconstruída historicamente. Para ele, o po<strong>de</strong>r através <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> dominação, intervém materialmente sobre os corposindividuais, situando-se no próprio corpo social como mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se expan<strong>de</strong> sobre toda socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>forma micropulverizada. O que <strong>de</strong>nomina microfísica do po<strong>de</strong>r está intimamente associado aos procedimentos técnicosdo po<strong>de</strong>r que age no controle minucioso e <strong>de</strong>talhado do corpo a partir <strong>de</strong> gestos, atitu<strong>de</strong>s, comportamentos, hábitos ediscursos. Microfísica do Po<strong>de</strong>r, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1979. Org e revisão <strong>de</strong> Roberto Machado.220


O presente texto resulta <strong>de</strong> reflexões e pesquisas participativas junto à comunida<strong>de</strong> quilombola<strong>de</strong> Sant´Ana, situada no município <strong>de</strong> Quatis e buscam compreen<strong>de</strong>r a intensida<strong>de</strong> dosprocessos <strong>de</strong> construção das imagens <strong>de</strong> seus moradores a partir dos discursos do(s) outro(s)do entorno social, político e cultural sobre eles. Ao admitir-se que a diferenciação discursivapresente v<strong>em</strong> esbater-se no jogo das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e das negociações que se constro<strong>em</strong>,envolvendo as percepções <strong>de</strong> si e do(s) outro(s) <strong>em</strong> sua complexida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>-se que estadiferenciação é <strong>de</strong>rivativa tanto dos intercâmbios socioculturais com os não-quilombolas <strong>em</strong>suas representações escravistas quanto das imagens <strong>de</strong> seus corpos ancestrais <strong>em</strong> suas (re)construções e traduções marginalizadas por séculos <strong>de</strong> opressão e associadas às suas vivênciase convivências nas culturas rurais e urbanas cont<strong>em</strong>porâneas. Esta última como produto datecnocultura e das tecnologias da comunicação que ao homogeneizar<strong>em</strong> comportamentos quesilenciam conflitos e contradições reorganizam imagens, novas formas <strong>de</strong> pensar e conhecer arealida<strong>de</strong> implicando um novo modo <strong>de</strong> encontro do eu (nós) com os outros.Trazer a tona o rico patrimônio cultural e a história esquecida <strong>de</strong>sta população r<strong>em</strong>anescenteda diáspora africana <strong>em</strong> terras brasileiras foi o <strong>de</strong>safio inicial para, escapando das ciladas dassuperfícies, penetrar mais fundo no recorte da realida<strong>de</strong> aqui situada, <strong>em</strong> “O CORPO FALA,O CORPO INVENTA, O CORPO TRADUZ” como metáfora <strong>em</strong> que se permite, entre outrosaspectos, refletir sobre a correlação histórica entre o corpo do outro, o património cultural <strong>de</strong>si e do diverso, a colonização, a heg<strong>em</strong>onia e as perspectivas interculturais <strong>de</strong> convivênciarespeitosa e igualitária <strong>de</strong>sejada no mundo atual. Fato que implica <strong>de</strong> saída i<strong>de</strong>ntificar este “euintercultural”mergulhado que está, como na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> sólida, entre “o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> viver e <strong>de</strong>fazer morrer” II , agora <strong>em</strong> sua face cont<strong>em</strong>porânea. Ou seja, a partir da análise das relaçõesvida\morte, po<strong>de</strong>r\saber e submissão\dominação como contingente na trajetória histórica dosquilombolas percebe-se que permanec<strong>em</strong> prisioneiros <strong>de</strong> uma discursivida<strong>de</strong> que enten<strong>de</strong> aguerra como luta interna travada <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong> contra os perigos que nasc<strong>em</strong> <strong>em</strong>seu próprio corpo – como „guerra das raças“ que ce<strong>de</strong> lugar ao racismo (FOUCAULT, 1999).O corpo educado pelo patrimônio cultural <strong>de</strong> sua pertença sociocultural como lugar <strong>de</strong> marcas(sociais, culturais, genéticas e espirituais) é aqui pensado para além do ser biológico que o habita.É um produto cultural como b<strong>em</strong> compreendido <strong>em</strong> Marcel Mauss(1936) <strong>em</strong> seu ensaio sobre astécnicas do corpo, por Bourdieu no trato da noção <strong>de</strong> habitus (2003,2011), por Connerton (1989)ao sublinhar como modus operandi da m<strong>em</strong>ória social e que Michel Foucault (1975,1976) III ocoloca sob o registro da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber e das tecnologias do po<strong>de</strong>r. Este corpo é, portanto,marcado por técnicas (educativas) que dispõ<strong>em</strong> os indivíduos quanto a quantida<strong>de</strong> e tipo <strong>de</strong>campo das investidas do capital, ou seja com sua pertinência ao campo econômico (capitaleconômico) e a cultura acumulada (capital cultural) que geram internalizações <strong>de</strong> disposições(habitus) diferenciando os espaços (lugares do po<strong>de</strong>r) a ser<strong>em</strong> ocupados pelos homens e oshomens entre si.Como se reconhece que os saberes e el<strong>em</strong>entos culturais das populações <strong>em</strong> suas diferençasao se mesclar<strong>em</strong>, perd<strong>em</strong> e ganham <strong>em</strong> seus entrelaçamentos, <strong>em</strong>bora situe-se a importânciaIIMichel Foucault refere-se aos <strong>de</strong>slocamentos do discurso da guerra após a ascensão da burguesia ao po<strong>de</strong>r. Enten<strong>de</strong>que, a partir daí, o discurso histórico sobre a guerra muda <strong>de</strong> sentido surgindo como luta interna travada <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa dasocieda<strong>de</strong>, contra os perigos que nasc<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu próprio corpo. Adverte que todas as batalhas dão lugar a uma única,aquela que nasce <strong>em</strong> seu próprio seio (Estado) <strong>em</strong> nome da socieda<strong>de</strong>, a „guerra das raças“ que fixa o racismo comoponto nuclear daquilo que <strong>de</strong>nomina biopolítica compreendido como política dos corpos <strong>em</strong> submissão. Não mais, pois,o „fazer morrer e <strong>de</strong>ixar viver“como ord<strong>em</strong> do soberano mas o „fazer viver e <strong>de</strong>ixar morrer“ como dispositivo que secoloca com a ascensão da burguesia ao po<strong>de</strong>r.IIIÉ <strong>em</strong> Vigiar e Punir (1975, 1ª ed.) e A História da Sexualida<strong>de</strong> (1976, 1ª ed.) que Foucault analisa <strong>em</strong> os porquêsdos saberes e explica sua existência e suas transformações tomando por gênese as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Ou seja, <strong>de</strong>acordo com argumentações <strong>de</strong> Roberto Machado, Foucault ao introduzir as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r como instrumento <strong>de</strong>análise explica a produção <strong>de</strong> saberes <strong>em</strong> suas investigações.221


conferida às suas tradições espirituais e seus símbolos materiais e imateriais (signos culturais),compreen<strong>de</strong>r a cultura <strong>de</strong> um povo seria expor a sua normalida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> reduzir sua particularida<strong>de</strong>e singularida<strong>de</strong>. Ex<strong>em</strong>plificando situo a percepção <strong>de</strong> que quanto mais se conhece os quilombolase sua comunida<strong>de</strong> exterior, nesta pesquisa, mais lógicos e singulares eles parec<strong>em</strong>. Quantomais próximos estão mais se tornam conhecidas as minudências <strong>de</strong> seus probl<strong>em</strong>as como mais<strong>de</strong>sveladoras se evi<strong>de</strong>nciam as circunstâncias dos encontros <strong>de</strong> nós, permitindo a pesquisadore pesquisado compreen<strong>de</strong>r que a diversida<strong>de</strong> humana como as culturas não se apreend<strong>em</strong>objetivamente, daí, exigente se torna tomar um ethos ao pensamento <strong>de</strong> não-violência ao novoque chega, ao outro <strong>de</strong> si. Um ethos que s<strong>em</strong>pre admita reconstruir sentidos, um lugar <strong>de</strong>negociações, <strong>de</strong> traduções críticas e <strong>de</strong> diálogo <strong>em</strong>bora se saiba pleno <strong>em</strong> conflitos e incertezas.Corpo Educado Imaginado e Interculturalida<strong>de</strong>: conceitos pertinentesO corpo reflete e é refletido <strong>em</strong> imagens sociais e culturais - é um corpo imaginado. É tambémuma materialida<strong>de</strong>, uma concretu<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens construídas <strong>em</strong> múltiplos e variados modos<strong>de</strong> pensar <strong>de</strong> si mesmo ou através dos outros. Como traduz a concepção ampliada <strong>de</strong>educação <strong>em</strong> sua integralida<strong>de</strong> o corpo educado é fruto <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>imagens e representações que tanto pod<strong>em</strong> d<strong>em</strong>andar estratégias <strong>de</strong> submissão quanto <strong>de</strong>conscientizações para a libertação <strong>de</strong> amarras que se impõ<strong>em</strong> s<strong>em</strong> críticas.Paulo Freire consi<strong>de</strong>rava a importância <strong>de</strong> conhecer e consi<strong>de</strong>rar <strong>em</strong> todo processo educativoos saberes populares e cotidianos das pessoas comuns <strong>em</strong> suas vivências e experiênciasparticulares. Reconhecia o quanto <strong>de</strong> saberes e ciência existia <strong>em</strong> narrativas <strong>de</strong> pessoassimples e <strong>de</strong> poucas experiências escolares, traduzia b<strong>em</strong> o quanto um trabalhador simplescomo o lavrador Antonio Cícero <strong>de</strong> Souza evi<strong>de</strong>nciava com o uso <strong>de</strong> sua voz: “O senhor fazpergunta <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> sabe já a resposta. Mas eu explico assim. A educação que chega pro senhor,é a sua, da sua gente, é pros usos do seu mundo. Agora, a minha educação é a sua. Ela t<strong>em</strong> osaber <strong>de</strong> sua gente e ela serve pra que mundo?”Esta narrativa <strong>de</strong>nunciativa e anunciadora <strong>de</strong> uma possível liberda<strong>de</strong> força uma discussãomais amadurecida sobre a visão que nós pod<strong>em</strong>os ter do(s) outro(s) ou vice-versa, <strong>de</strong> seuscorpos interpretados e <strong>de</strong> suas vivências estranhas aos nossos usos, tratando <strong>de</strong> forma diretaos prejuízos sociais que, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados contextos históricos, a permanência <strong>de</strong> certasmarcas pod<strong>em</strong> implicar. Assim, torna-se indispensável compreen<strong>de</strong>r a educação que marca oscorpos humanos como aquela que visa os interesses heg<strong>em</strong>ônicos das socieda<strong>de</strong>s as quais seinscreve e que trata a alterida<strong>de</strong> como uma experiência que se forja <strong>em</strong> meio a autocracia dopo<strong>de</strong>r instituído.Paulo Freire ao trazer por eixo <strong>de</strong> articulação <strong>em</strong> suas teses o modo capitalista da existênciahumana, as classes dominantes <strong>em</strong> seus modos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sumanização e a relação opressoresoprimidossublinha uma outra perspectiva alteritária superadora do projeto <strong>de</strong> construção doconhecimento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ao afirmar:um dos el<strong>em</strong>entos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Todaprescrição é a imposição da opção <strong>de</strong> uma consciência a outra. Daí, seu sentidoalienado (…) Por isso, o comportamento dos oprimidos é um comportamentoprescritivo. Faz-se à base <strong>de</strong> pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores(Paulo Freire, 2011) IV .IVPAULO FREIRE, Pedagogia do Oprimido. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 50ª ed.222


Estas são certezas possíveis, <strong>de</strong>scritas por outros antônios por este Brasil a fora e reforçada porvovó Nair ao afirmar indignada “acabaram com o jongo porque não era coisa <strong>de</strong> cristão, quandoera jov<strong>em</strong> aqui no quilombo eu dançava o jongo”- e exibia, <strong>em</strong> seus oitenta anos já vividos, ospassos da dança <strong>de</strong> sua juventu<strong>de</strong>.O corpo imaginado pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ce<strong>de</strong> lugar ao corpo (in)diferente que reclama pela diferença<strong>de</strong> si e do outro. Entretanto, essa diferença se (re)afirma ainda sob o primado da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>na medida <strong>em</strong> que t<strong>em</strong> por eixo centralizador o universalismo com a consequente perda dosingular. Ou seja, o genérico da cultura, o padrão homogeneizado pelos discursos se sobrepõeao particular do ser cultural e coletivo com a primazia <strong>de</strong> um eu universal. Então, como conciliarperda do singular com a afirmação da diferença que na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> disputa lugar com aapologia do diverso?O caminho que se impõe a percorrer encontra-se na abertura ao outro <strong>em</strong> uma postura revolucionáriasuperadora <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias opressoras. O que representa <strong>em</strong> si mesmo uma contradição pois seimpõe por um lado insatisfação e medo como produto <strong>de</strong> interpelações e <strong>de</strong>safios possíveis<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> feitos pelo outro na relação e, <strong>de</strong> outro lado evi<strong>de</strong>ncia-se o pluralismo a reivindicar ainstabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores e o incr<strong>em</strong>ento do diálogo intercultural.Reconhece-se que a interculturalida<strong>de</strong> reinvidica um projeto educativo-antropológico quedê conta do não-conhecido, do não compreendido. Seu sentido <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> fronteira v<strong>em</strong>indicar, ainda, como l<strong>em</strong>bra Abdallah-Pretceille (1986, 2001) V que para conhecer os sist<strong>em</strong>ase a cultura não basta para dar conta <strong>de</strong> se escapar do circulo egológico que encerra ossujeitos enquanto prisioneiro do eu (nós) que se é. Importa reconhecer a diversida<strong>de</strong> e suamultiplicida<strong>de</strong> o que significa compreen<strong>de</strong>r e conhecer o outro <strong>em</strong> suas diferenças culturais,<strong>em</strong> suas singularida<strong>de</strong>s que colocam o olhar distante da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que diferença é <strong>de</strong>ficiência eanormalida<strong>de</strong> fatalmente contraídas a partir <strong>de</strong> contextos históricos perigosos e ameaçadoresà ord<strong>em</strong> vigente <strong>em</strong> cada época.Reconhecida a dimensão dialógica do hom<strong>em</strong>, como assevera Paulo Freire, o diálogo interculturalmais se mostra <strong>em</strong> importância pela superação da fragmentação que reforça a exclusão social epassa a integrar-se <strong>em</strong> uma perspectiva dinâmica e plural da existência humana carregando <strong>em</strong>si a alterida<strong>de</strong> como experiência da <strong>de</strong>scentração e dos sentidos.A igreja diz: o corpo é uma culpa. A ciência diz: o corpo é uma máquina. Apublicida<strong>de</strong> diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa” (EduardoGaleano - 1998) VIO corpo sexualizado, o corpo <strong>de</strong>sejado, o corpo incluído/excluído, o corpo biológico, o corpo cultural,o corpo como festa e espetáculo constitu<strong>em</strong> investimentos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e saberes que se inscrev<strong>em</strong><strong>em</strong> uma malha discursiva que o nomeia conferindo-lhe sentidos e significados diversos <strong>de</strong> acordo como lugar que ocupa, espacial e t<strong>em</strong>poralmente. Será o eu (nós) que neste corpo habita referenciadopelo(s) outro(s) como seu estruturante. Julian Thomas (1999) fundamentado <strong>em</strong> Hei<strong>de</strong>gger explica: oeu é um projeto s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> construção e o dasein a ser entendido como o sentido <strong>de</strong> um eu situado edatado, compreendido como uma narrativa que se dá entre grupos na construção <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>sVABADALLAH-PRETCEILLE, M., PORCHER, L. Éducation et CommunicationInterculturelle. Paris: PUF (2001) e, domesmo autor Vers une Pédagogie Interculturelle. Paris: Sorbonne (1986).VIJorge Larrosa, <strong>em</strong> Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas, lança um libelo contra uma pedagogiaarrogante e impessoal que se preten<strong>de</strong> universal através <strong>de</strong> um texto indisciplinado e distanciado <strong>de</strong> qualquer pretensãoà objetivida<strong>de</strong>.223


sociais, o seu Eu-social <strong>em</strong> relação aos outros eu-sociais e a grupos diversos. Melhor explicando,rejeita-se a tese cartesiana <strong>de</strong> um eu isolado do conhecimento dos outros da cultura.O corpo como produto cultural se investe como valor simbólico, no todo ou <strong>em</strong> partes. No que se refereaos seus el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> carga simbólica <strong>de</strong>stacam-se, entre outros, o sexo e a sexualida<strong>de</strong>,teorizado por Michel Foucault <strong>em</strong> meio ao conjunto dos dispositivos do po<strong>de</strong>r. Para ele, a sexualida<strong>de</strong>se elabora como noção a partir do século XIX apontando para a proliferação <strong>de</strong> discursos relacionadosao sexo e aos corpos, especialmente aos corpos das mulheres <strong>de</strong>signadas por histéricas e aoshomoafetivos, tidos como anormais e antinaturais.O imaginário do sexo, do gozo, do proibido e do obsceno não escapa à história do corpo da cultura <strong>em</strong>suas diferenças étnico-raciais. Tomando-se os discursos <strong>em</strong> relação ao corpo das mulheres negras e“mulatas”(sugere-se vir <strong>de</strong> mula-animal) observa-se a onipresença da carne, o corpo na abundância <strong>de</strong>suas manifestações. A i<strong>de</strong>ia da mucamba para o “serviço” do hom<strong>em</strong> (senhor, amo, marido, amante)<strong>em</strong> seu prazer sexual é frequent<strong>em</strong>ente presentificado neste corpo imaginado – muitas mulheres doserviço doméstico relatam assédio sexual sofrido por seus patrões ainda no século XXI. Os corpos<strong>de</strong> homens negros são também alvo <strong>de</strong>ste mesmo tipo <strong>de</strong> assédio <strong>em</strong> que vicejam as imagens dosreprodutores dos t<strong>em</strong>pos da escravidão. Nesta mesma direção, calcados por imagens históricas fixadasno passado, os corpos do trabalhador quilombola é tido como indolente, cachaceiro e s<strong>em</strong> projetos <strong>de</strong>vida futuro (narrativas colhidas entre Junho/Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2012), fator que legitima a ocupação <strong>de</strong> suasterras e <strong>de</strong>squalificação <strong>de</strong> sua gente.Enten<strong>de</strong>r o outro por si mesmo é fenômeno prevalente nas relações humanas. A <strong>de</strong>scrição histórica doscorpos e <strong>de</strong> suas vestimentas s<strong>em</strong>pre provocaram a construção <strong>de</strong> imagens sobre eles. Des<strong>de</strong> muitot<strong>em</strong>po os corpos <strong>de</strong> africanos e indígenas passaram por explicações/<strong>de</strong>finições e especulações doseuropeus colonizadores. A cor da pele e seus costumes estranhos suscitaram admiração, <strong>de</strong>sprezo ecobiça, provocada, qu<strong>em</strong> sabe pela associação <strong>de</strong>clarada no Velho Testamento entre escravos negrosafricanos e Can, filho <strong>de</strong> Noé, que ao ver o corpo nu do pai <strong>em</strong>briagado foi amaldiçado e a toda suageração (PAIVA, 2011, p.69) VII .Tais discursos reforçam imagens pejorativas e <strong>de</strong>squalificatórias sobre os africanos, ao longo dahistória. No entanto, Paiva registra <strong>em</strong> suas pesquisas i<strong>de</strong>ias controvertidas, citando narrativa elogiosado geógrafo Abû Abdallâ Muhammad: “as mulheres são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> beleza e educação. No entanto, aproximida<strong>de</strong> entre homens e mulheres e o costume das meninas e as escravas andar<strong>em</strong> nuas e nãousar<strong>em</strong> véus era tido como sinônimo <strong>de</strong> promiscuida<strong>de</strong>, luxúria e ofensa ao Alcorão”. Como se po<strong>de</strong>ver, estes discursos percorreram séculos associados à vida e costumes dos africanos, especialmente,as imagens <strong>de</strong> lascívia, <strong>de</strong>sregramentos sexuais e imorais que perduram <strong>em</strong> nossos dias, tornando-s<strong>em</strong>arcas nos corpos negros.Juan Léon Africano VIII , geógrafo (PAIVA, 2011), refere-se também aos negros(…) “são fiéis, mimam o forasteiro e <strong>de</strong>dicam-se a festas ao prazer <strong>de</strong> viveralegr<strong>em</strong>ente”(…)“os habitantes da Terra dos Negros são bestialíssimos, gentes<strong>em</strong> cabeça, engenho ou arte, n<strong>em</strong> sentido têm, tudo <strong>de</strong>sconhec<strong>em</strong> e viv<strong>em</strong> àguisa <strong>de</strong> animais, s<strong>em</strong> regras e s<strong>em</strong> lei”.VIIPaiva, Eduardo França. Corpos pretos e mestiços no mundo mo<strong>de</strong>rno – <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> gente, trânsito <strong>de</strong> imagens(in) História do Corpo no Brasil. Del Priore, Mary & Amantino Marcia (orgs). São Paulo: Editora UNESP (FEU), 2011. Oartigo focaliza os corpos <strong>de</strong> negros e mestiços escravos que historicamente circulam entre imagens e comportamentosfixados por estas ao longo da história mundial.VIIIJuan Léon Africano (al-Hasan b. Muhammad al-Wazzãn), geógrafo e viajante <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> mulçumana (batizado <strong>em</strong>Roma pelo papa Leão X <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> se tornara escravo). Nascido <strong>em</strong> Granada, viveu entre o islamismo e o catolicismo,entre sultões e o papa, entre a liberda<strong>de</strong> e a escravidão escrevendo sobre os negros, seus vícios, lascívia e poucasvirtu<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> seu livro <strong>de</strong> 1526. I<strong>de</strong>ias que permaneceram instigadoras da teoria da <strong>de</strong>generescência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séculoXIX até início do século XX(in) Paiva, acima citado.224


Tais i<strong>de</strong>ias persist<strong>em</strong> hoje?Pelo visto, a sensualida<strong>de</strong> dos negros africanos e os usos <strong>de</strong> seus corpos formatavam i<strong>de</strong>iasque <strong>de</strong>generavam o conjunto. Como i<strong>de</strong>ologia que percorre o mundo através das narrativas <strong>de</strong>viajantes que analisavam os comportamentos, costumes e conhecimentos com o olhar do outro,do estrangeiro <strong>em</strong> seu estranhamento este i<strong>de</strong>ário passa a constituir-se <strong>em</strong> teses <strong>de</strong> renomadoscientistas fornecendo, inclusive legitimida<strong>de</strong>, nos séculos XIX-XX, aos supostos da teoria da<strong>de</strong>generescência pela mestiçag<strong>em</strong> biológica, sobretudo nas Américas.Importante aos objetivos <strong>de</strong>sta pesquisa, t<strong>em</strong>os ainda <strong>em</strong> Paiva que, muito antes dos ibéricoschegar<strong>em</strong> ao Novo Mundo, a península ibérica e outras regiões europeias recebiam gran<strong>de</strong>contingente <strong>de</strong> escravos africanos para os trabalhos <strong>em</strong> áreas rurais e mesmo urbanas, fatopouco l<strong>em</strong>brado mas que permitiram que foss<strong>em</strong> difundidas visões, imagens e representações <strong>de</strong>homens e mulheres negros originários <strong>de</strong> várias regiões africanas com suas culturas, crenças elínguas diversas. Homens, mulheres e crianças expostos <strong>em</strong> praças públicas sob os olhares <strong>de</strong>socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais que tinham por padrão <strong>de</strong> beleza a vida oci<strong>de</strong>ntal, <strong>em</strong> meio a espetáculos<strong>de</strong> brutal violência, produziam sentimentos e valores <strong>de</strong>preciativos e <strong>de</strong>squalificadores.Os portugueses, como se sabe, foram os pioneiros no contato com os povos africanos negros e nocomércio <strong>de</strong> escravos, sendo Lisboa, centro <strong>de</strong>ste comércio e cida<strong>de</strong> que no século XV possuía omaior número <strong>de</strong> negros e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes mestiços, partindo <strong>de</strong> lá muitas das imagens quepercorreram o imaginário dos colonizadores até o Novo Mundo conquistado.Discursos persistentes sobre os negros e sua nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong>savergonhada, a cor da pele <strong>em</strong> variações<strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong>s, seu tipo <strong>de</strong> cabelos ora lisos ora encarapinhados, ritmos e batuques, crençasreligiosas bizarras, entre outras observações não-relativizadas contribuíram para compor umaimag<strong>em</strong> i<strong>de</strong>alizada e a-histórica dos africanos b<strong>em</strong> como incorporar tais el<strong>em</strong>entos comoindicativos <strong>de</strong> barbárie, ausência <strong>de</strong> fé, <strong>de</strong> moral e <strong>de</strong> lei entre estes povos, instaurando-se a partirda oposição céu e inferno, o negro como versão sublimada do d<strong>em</strong>ônio.Povos selvagens e primitivos habitantes dos confins das florestas <strong>de</strong> um mundo pouco conhecido(África e Américas) tiveram pseudo marcas i<strong>de</strong>ntitárias impostas ao mundo por cronistas a partir<strong>de</strong> seu olhar oblíquo. Caminha <strong>em</strong> 1500, <strong>de</strong>screve os nativos que encontra <strong>em</strong> solo brasileiro entresugestões imagéticas produzidas a partir do conhecimento dos negros africanos(observada nagravura acima) “a feição <strong>de</strong>les é ser<strong>em</strong> pardos, maneira d´avermelhados, <strong>de</strong> bons rostos e bonsnarizes, b<strong>em</strong> feitos…” IX . Mais tar<strong>de</strong>, Gilberto Freyre X registra “ branca pra casar, mulata para f..,negra pra trabalhar” como ditado recorrente na colônia que reforça o forte componente históricosexual e sensual discursivo que por séculos se ocupou dos corpos nus <strong>de</strong> indígenas, negras <strong>em</strong>ulatas fertilizando antigos discursos imagéticos e criando novos como o elogio <strong>de</strong>spudorado doresultado biológico da mestiçag<strong>em</strong> que toma por referência o corpo da mulher.O corpo sob a perspectiva do patrimônio cultural: ethos, habitus e campo simbólicoSe é na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> interrelações que se d<strong>em</strong>arcam dimensões discursivas que, por sua vez,formatam imagens inter-intra grupos, sublinhando fronteiras que distingu<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e ethosprototipificados e imaginados, o esbater <strong>de</strong>ssas fronteiras po<strong>de</strong>rá conduzir tanto à complexificaçãoIXPero Vaz Caminha, Carta a el-rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil, citado por Paiva (2011), p.21.XFreyre Gilberto. Casa Gran<strong>de</strong> & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, Rio <strong>de</strong>Janeiro: Ed. José Olympo,17ª edição, 1975. p.10.225


<strong>de</strong>stas imagens e pontos <strong>de</strong> vista pré-fixados como criar ou <strong>de</strong>smontar estereótipos aqui associadosàs noções <strong>de</strong> ethos, habitus e campo simbólico como articuladores da intersubjetivida<strong>de</strong>, interaçõese dimensões culturais.S<strong>em</strong> dúvida, os agentes constró<strong>em</strong> a realida<strong>de</strong> social; s<strong>em</strong> dúvida, entram <strong>em</strong>lutas e relações visando a impor sua visão, mas eles faz<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre com pontos <strong>de</strong>vista, interesses e referenciais <strong>de</strong>terminados pela posição que ocupam no mesmomundo que pretend<strong>em</strong> transformar ou conservar (Bourdieu,1989).Nesta referência aos sujeitos, Bourdieu ressalta que os atores sociais estão inseridos espacialmente<strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados campos sociais, com a posse <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> certos capitais (cultural, social,econômico, político, artístico, esportivo etc.) e do habitus que condiciona o posiciomento espacial<strong>de</strong> cada um na luta social, i<strong>de</strong>ntificando-o <strong>em</strong> sua classe social. Bourdieu afirma que para o atorsocial tentar ocupar um espaço é necessário que ele conheça as regras do jogo <strong>de</strong>ntro do camposocial e que esteja disposto a lutar (jogar). Esta é uma das tarefas que o projeto <strong>de</strong> extensão <strong>em</strong>meio ao PROETNO se incumbe com prevalência no exercício das ativida<strong>de</strong>s junto à comunida<strong>de</strong>quilombola <strong>de</strong> Sant`Anna.CANCLINI(2011) XI <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa da noção <strong>de</strong> culturas híbridas como locus da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>ao lançar mão <strong>de</strong> uma abordag<strong>em</strong> interdisciplinar exorta a enten<strong>de</strong>r como a conceptualização<strong>de</strong> patrimônio cultural sob a lógica cont<strong>em</strong>porânea <strong>de</strong> pensá-lo, contribui para probl<strong>em</strong>atizar oencontro com o outro da cultura, o encontro com si mesmo e com o estranho. Assim pensando,o corpo imaginado nesta comunicação, sendo um corpo cultural e socialmente construído, sedimensiona a partir da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> patrimônio, alargada por estudiosos da área, inscreve-se <strong>em</strong> meioao intangível <strong>em</strong> todo seu simbolismo como produto <strong>de</strong> expressões culturais on<strong>de</strong> se presentificammitos, lendas, saberes <strong>de</strong>sconhecidos da realida<strong>de</strong> heg<strong>em</strong>ônica e “invenções-traduções”diversasa partir do olhar do outro sobre si. Condição reforçada por Scheiner (2004) quando r<strong>em</strong>ete adiscussão para o campo da multiplicida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>ânticaDesejaríamos aqui <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o patrimônio, como ‘múltiplo d<strong>em</strong>últiplos’, constitui um sist<strong>em</strong>a simbólico específico, reconhecível entre os valoressociais – ainda que sua organização n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre se mantenha constante no t<strong>em</strong>poe no espaço, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo intrinsecamente do olhar que sobre ele se lança. XIITomando <strong>em</strong>prestado a Cliford Geertz (1973) a concepção <strong>de</strong> que cultura se traduz comoteias <strong>de</strong> significados que o próprio hom<strong>em</strong> teceu e que <strong>de</strong>ve ser tratada não como uma ciênciaexperimental <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> leis, mas como uma ciência interpretativa, compreen<strong>de</strong>-se a importância<strong>de</strong> significar e ressignificar atitu<strong>de</strong>s, comportamentos e conceitos que alimentam discriminações epreconceitos que traz<strong>em</strong> violências físicas e simbólicas, especificamente observadas <strong>em</strong> relaçãoàs comunida<strong>de</strong>s tradicionais, antes escravizadas e entendidas a partir <strong>de</strong> formas discursivas queà exaustão <strong>de</strong>claram seus moradores como fracos, indolentes e <strong>de</strong>sprovidos das possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> luta.Paralelamente ao tom <strong>de</strong> voz, dos gestos, dos movimentos, das enunciações <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> narra efala dos comportamentos e do corpo historicamente imaginado e representado do outro, vivenciaseuma crise <strong>de</strong> referências das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s tradicionais que se associam aos papéis pessoais,XICulturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. 5ª reimp. São Paulo: EDUSP, 2011.XIISCHEINER, Imagens do ‘Não-Lugar’: Comunicação e os novos patrimónios. Tese <strong>de</strong> doutorado. Programa <strong>de</strong> PósGraduação <strong>em</strong> Comunicação e Cultura – UFRJ, Janeiro / 2004, pg.128.226


culturais, profissionais, nacional e social e a uma concepção <strong>de</strong> d<strong>em</strong>ocracia baseada na lógicaconcorrencial que tanto isolam os sujeitos como os aglutinam <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> interesses coletivos<strong>de</strong> natureza local, política ou religiosa. Junto a tudo isso uma precarização dos sentidos se fazsentir na construção-<strong>de</strong>sconstrução-reconstrução <strong>de</strong> interditos e transgressões que afetam aspessoas <strong>em</strong> seu cotidiano expondo a natureza complexa e frágil da doxa (o senso comum, obom senso, o não-senso).Entretanto, reconhece-se que a pertença <strong>de</strong> um indivíduo a um <strong>de</strong>terminado grupo étnicopossibilita-lhe partilhar todo um conjunto <strong>de</strong> imagens e representações construídas historicamenteno espaço e t<strong>em</strong>po da vida cotidiana dos falantes apresentando-se como experiências <strong>em</strong>arcas representacionais comuns. Observou-se <strong>em</strong> páginas anteriores, como textos diversos<strong>de</strong> narrativas <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> mostraram o fascínio pelo exotismo africano e pelos nativos do NovoMundo capazes <strong>de</strong> produzir um processo imagológico que serviu para criar representaçõesimagéticas mundiais do Outro e <strong>de</strong> Si pelo Outro que se difundiram pelo mundo invadindoos campos simbólicos locais, formatando habitus e criando/recriando novas performances doscorpos negros e mestiços no Brasil atual.O estado da arte da pesquisaCom o surgimento do pensamento pós-mo<strong>de</strong>rno surge a reivindicação <strong>de</strong> um novo estatutoe novo lugar para o Outro entendido como sujeito <strong>de</strong> uma história pessoal significativa.Este “Outro”da cultura requer que sua história <strong>de</strong> vida e trabalho seja reconhecida como umconjunto <strong>de</strong> vivências e experiências dotadas <strong>de</strong> significado próprio. Em, “Esta é nossa vida.Viver na roça!” XIII , crianças e jovens moradores da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sant`Anna indicaram <strong>de</strong>forma exigente sua particular necessida<strong>de</strong>, já presumida pelo grupo <strong>de</strong> pesquisa, <strong>em</strong> se verreconhecido <strong>em</strong> seu território e fora <strong>de</strong>le.A comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santana fica localizada ao sul do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Quatis,região do médio Paraíba a aproximadamente 145 km da capital. Conta a história que ao final doséculo XIX, as terras pertenciam ao comendador Manoel Marques Ribeiro, herdada por sua filha,Maria Izabel casada com um dos filhos do Barão <strong>de</strong> Cajurú. O território quilombola se insere naserra da Mantiqueira, com uma área <strong>de</strong> 828,28 hectares habitada por 23 famílias <strong>em</strong> apenas 13hectares, on<strong>de</strong> predominam crianças e velhos. Viv<strong>em</strong> da agricultura <strong>de</strong> subsistência, possu<strong>em</strong>baixa escolarida<strong>de</strong> e baixa estima, reforçadas por presumida discriminação étnico-racial da região(questão <strong>em</strong> estudo).A escolha da metodologia concilia métodos qualitativos e quantitativos, <strong>em</strong> função dos objectivos eda materialida<strong>de</strong> exigida ao estudo, sendo <strong>de</strong>senvolvida <strong>em</strong> três momentos, o primeiro (qualitativo),o segundo (quantitativo) e o terceiro (qualitativo). O primeiro momento motiva esta comunicaçãotrazendo os resultados preliminares do Inventário das Imagens Construídas Historicamente (ICH)pela comunida<strong>de</strong> quilombola a partir da visão do outro, ou seja, <strong>de</strong>screve-se aquilo que se falaacerca dos seus habitantes. Foram ouvidas oitenta e sete pessoas (87) entre moradores dostrês distritos que compõ<strong>em</strong> o município (São Joaquim do Ribeirão, Falcão e Centro <strong>de</strong> Quatis),sendo as questões norteadoras: “O que você (o senhor ou senhora) pensa sobre os moradores<strong>de</strong> Sant`Ana?; “O que você (o senhor ou senhora) pensa <strong>de</strong> positivo sobre os moradores <strong>de</strong>XIIITítulo <strong>de</strong> material pedagógico elaborado pelas crianças e jovens do moradores do quilombo sob a coor<strong>de</strong>nação daautora (PROETNO) <strong>em</strong> pesquisa anterior financiada pelo MEC/SESU/PREMEN nos anos <strong>de</strong> 2008/2009227


Sant`Ana?” “O que você (o senhor ou senhora) pensa <strong>de</strong> negativo sobre os moradores <strong>de</strong>Sant`Ana?”.QUADRO Nº 1(Mapa Geral)Resultados preliminaresHalbwachs (2004) ensina que a m<strong>em</strong>ória individual t<strong>em</strong> sua existência <strong>em</strong> uma m<strong>em</strong>ória coletiva,pois todas as l<strong>em</strong>branças se constitu<strong>em</strong> no interior <strong>de</strong> um mesmo grupo sociocultural como fontepural <strong>de</strong> idéias, reflexões, sentimentos, paixões atribuídas ao Eu e ao Nós. Assim, distingu<strong>em</strong>-seno mapa <strong>de</strong> dados (quadro nº1) as seguintes unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> registro percentualizadas: indiferença/silenciamento; positivida<strong>de</strong>; negativida<strong>de</strong>; crítica social. L<strong>em</strong>bra-se que, por cinco anos, através doscontatos frequentes com os moradores externos ao quilombo, ouviu-se discursos frequent<strong>em</strong>entenegativos <strong>em</strong> relação aos quilombolas – vadios, beberrões, <strong>de</strong>scansados, s<strong>em</strong> projetos,preguiçosos.Tratava-se <strong>de</strong> uma discursivida<strong>de</strong> espontanea e, por vezes raivosa, frequent<strong>em</strong>enteproveniente <strong>de</strong> pessoas importantes no municipio e agentes <strong>de</strong> construção da opinião públicalocal (comerciantes, diretores <strong>de</strong> escola, fazen<strong>de</strong>iros e seus <strong>em</strong>pregados, entre outros).Assinala-se a importância do lugar do po<strong>de</strong>r ocupado pelos sujeitos <strong>em</strong> meio à re<strong>de</strong> discursiva,(a) ospesquisadores <strong>em</strong> sua ação (investidos do simbolismo das camisas e transporte com asigla da universida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral), (b) as pessoas da comunida<strong>de</strong> externa habitantes <strong>de</strong> espaçosmelhor dotados <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> via e trabalho e (c) os quilombolas nomeados <strong>em</strong> sua históricaescravidão, vivendo, no entanto, momentos <strong>de</strong> opressão <strong>de</strong> grupo interno mais forte.Assim, tendo como fonte <strong>de</strong> análise tanto as narrativas explicitadas para além das questõesindicadas e a performance corporal dos inqueridos ao respon<strong>de</strong>r, consi<strong>de</strong>rou-se o entrecruzamentodas respostas indiferença/silenciamento (nada a respon<strong>de</strong>r; não conheço) e crítica social(abandonados pelo governo; s<strong>em</strong> assistência…) correspon<strong>de</strong>ntes a 45%, como d<strong>em</strong>onstrativada invisibilida<strong>de</strong> dos habitantes <strong>de</strong> Sant`Anna. Outros 45% indicam positivida<strong>de</strong> (trabalhadores,honestos..) – fato a ser analisado <strong>em</strong> maior profundida<strong>de</strong> na medida <strong>em</strong> que a presençainstitucional do grupo influenciou a resposta (cf afirmações <strong>de</strong> alguns entrevistados). Os 16%restantes expressaram conceitos negativos sobre os moradores do quilombo, o que indica umcorpo escravo historicamente imaginado, inventado e traduzido <strong>em</strong> meio a discursivida<strong>de</strong>s esentidos crescentes.Certamente, os acontecimentos aqui suscitados não são suficientes para explicar a construção <strong>de</strong>um imaginário <strong>de</strong>preciativo sobre os ex-escravos até porque como observado, discursos positivos228


se incorporam aos negativos e a outros que evi<strong>de</strong>nciam formas <strong>de</strong> violência simbólica coletivamaterializadas <strong>em</strong> falas ocultadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo e vergonha por ter<strong>em</strong> esta vizinhança por perto.O outro, o estranho visto como inimigo, muito se fixou imageticamente na população <strong>de</strong>ste entorno,lugar on<strong>de</strong> a escravidão é algo a esquecer com o apagar <strong>de</strong> r<strong>em</strong>iniscências que tragam <strong>de</strong> voltaas origens e os discursos discriminatórios que muitos sofreram historicamente a partir das marcasque <strong>de</strong>preciaram os pretos e os escravos física, moral, intelectual, cultural, religiosa e humana.Consi<strong>de</strong>rações FinaisA questão da diversida<strong>de</strong> cultural passou, nas últimas duas décadas, <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> conhecida,<strong>de</strong>scrita e explicada, para uma realida<strong>de</strong> reconhecida, valorizada, respeitada e até <strong>de</strong>fendida. Estapassag<strong>em</strong>, como refere Reis (2011) correspon<strong>de</strong> a uma mudança <strong>de</strong> perspectiva social e educativa<strong>em</strong> que ao conceito <strong>de</strong> multiculturalismo, movimento que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a valorização e o reconhecimentodas diferentes i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s étnicas, b<strong>em</strong> como a inter-relação entre os indivíduos <strong>de</strong> diversosgrupos culturais <strong>em</strong> sua diferença, v<strong>em</strong> sendo sucedido pelo conceito <strong>de</strong> interculturalida<strong>de</strong>, quese pauta pela ação efetiva <strong>em</strong> direção à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas inter-relações visando articular commais intensida<strong>de</strong> o local e o global a partir do conhecimento mútuo e comunitário.No âmbito <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>em</strong> início, a linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> todas as suas dimensões, o corpo comorepresentante da linguag<strong>em</strong> social e a m<strong>em</strong>ória entranhada na tradição entendidos a partir dopatrimônio cultural (pessoal e coletivo),torna-se indispensável instrumento metodológico quepermite nomear, presentificar e fazer imergir do imaginário cultural das comunida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> estudoas marcas <strong>de</strong> uma história sociocultural capaz <strong>de</strong> provocar o diálogo intercultural inclusivoe comprometido com os direitos humanos se sobrepor aos monólogos culturais unicistas,dominantes e exclu<strong>de</strong>nte.Não se <strong>de</strong>seja tomar o outro da cultura <strong>de</strong>scontextualizado mas mergulhar com eles nosconhecimentos ali construídos, o que seria procurar o comum <strong>em</strong> locais on<strong>de</strong> exist<strong>em</strong> formas: (a)não-usuais, como os modos específicos dos quilombolas viver<strong>em</strong> <strong>em</strong> luta pela terra e, ao mesmot<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> quilombola, livre e mais autónoma <strong>em</strong> relação à vida dacida<strong>de</strong>, (b) múltiplas e diferenciadas, como suas formas singulares <strong>de</strong> experiências culturais <strong>em</strong>sua pluralida<strong>de</strong> e multiplicida<strong>de</strong> étnica e escrava, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar <strong>de</strong>sse comum um significadovariável <strong>de</strong> acordo com o contexto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existente nos diferentes campos socioculturais doentorno da comunida<strong>de</strong> <strong>em</strong> estudo.REFERÊNCIASABDALLAH-PRETCEILLE, M.(2008). L‘éducation interculturelle. Paris: PUF – Presses Universitaires <strong>de</strong>France.BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003._______________. A economia das trocas simbólicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.FAIRCLOUGH, N. (1998). Discurso, Mudança e Heg<strong>em</strong>onia In E. R. Pedro (Ed.), Análise Critica do Discurso.Lisboa: Caminho.______________ (2001). Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília.FOUCAULT, M. Microfísica do po<strong>de</strong>r. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1979.____________. Em <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1999.____________. A história da sexualida<strong>de</strong>. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições Graal, 1990____________.A ord<strong>em</strong> do discurso. São Paulo: Loyola, 2001FREIRE, P. (1987). Educação como prática da liberda<strong>de</strong>. 17. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1979.Pedagogia do oprimido. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra.229


Freyre Gilberto. Casa Gran<strong>de</strong> & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal,Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. José Olympo,17ª edição, 1975. p.10.Halbwachs, Maurice A m<strong>em</strong>óriaColetiva. São Paulo: Centauro (2004)GEERTZ, Clifford, A interpretação das culturas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: LTC, 2008PAIVA, E.França. Corpospretos e mestiços no mundo mo<strong>de</strong>rno: <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> gentes, trânsito <strong>de</strong>imagens (in) História do corpo no Brasil (Priori & Amantino orgs) São Paulo:Editora Unesp, 2011.PEROTTI, A. (1997). Apologia do intercultural. Lisboa: Secretariado Coor<strong>de</strong>nador dos Programas <strong>de</strong>Educação InterculturaPOLLAK.MichaelM<strong>em</strong>ória,esquecimento, silencio, estudos históricos. Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol.2, nº3, 1989.REIS, M. A. & PINHEIRO, M. R. (2009). Para uma Pedagogia do <strong>Museu</strong>: algumas reflexões. Museologiae Patrimônio - Revista Electrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio - PPG-PMUS, Vol. II, Nº 1 Disponível <strong>em</strong> http://revistamuseologiaepatrimonio.MASTSCHEINER, Tereza Imagens do ‘Não-Lugar’: Comunicação e os novos patrimónios. Tese <strong>de</strong> doutorado.Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Comunicação e Cultura – UFRJ, Janeiro / 2004.THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 14. ed. AUM. São Paulo: Cortez, 2005.230


MUSEOLOGIA E COMUNICAÇÃO: O PAPEL DAS EXPOSIÇÕES COMOESTRATÉGIA DE MEDIAÇÃO ENTRE MUSEU E SOCIEDADEPriscila Zurita Ribeiro e Heloisa Helena da CostaResumoO presente artigo se <strong>de</strong>senvolve a partir <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> mestrado sobre exposiçõesmuseológicas, que faz parte do projeto “Patrimônio, Museologia e Socieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> Transformação:a experiência Latino-Americana”, vinculado ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia ePatrimônio. O artigo trabalha a relação existente entre museologia e comunicação, abordando aimportância das exposições museológicas nesse contexto. As exposições são processos eficazesque os museus <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> para se comunicar com a socieda<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> discursos enarrativas construídos, os quais reflet<strong>em</strong> valores sociais e simbólicos vigentes e/ou privilegiados.O trabalho busca analisar como as técnicas museográficas - que englobam o uso <strong>de</strong> cores, luzes,sons, recursos gráficos, plásticos e cenográficos - permit<strong>em</strong> que tais discursos sejam veiculadospara a socieda<strong>de</strong>. Ao informar através <strong>de</strong> exposições os museus <strong>de</strong>v<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre ter conhecimento<strong>de</strong> qual é seu público alvo, b<strong>em</strong> como a clareza <strong>de</strong> que aquele discurso é parte da sua visão d<strong>em</strong>undo e contexto no qual está inserido. Por fim, busca-se analisar as tendências museográficas naatualida<strong>de</strong>, abordando as novas tecnologias utilizadas <strong>em</strong> exposições e seu caráter espetacular.Palavras-chave: <strong>Museu</strong>. Museologia. Comunicação <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s. Exposições.Museology and Communication: the role of exhibitions as a mediation strategy betweenmuseums and societyAbstractThis article is one of the by-products of a Master’s research on museum exhibitions, which is partof the project “Heritage, Museology in Societies in Transformation: the Latin American Experience”,linked to the Graduate Program in Museology and Heritage – PPG-PMUS, UNRIO/MAST. Thearticle analyzes the relation existent between Museology and communication, approaching theimportance of museum exhibitions in this context. The exhibitions are effective processes thatmuseums <strong>de</strong>velop to communicate with society, through discourses adopted e narratives build whichreflect their social and symbolic values. The work aims to analyze how museographic techniques- which inclu<strong>de</strong> the use of colors, lights, sounds, as well as graphic, plastic and scenic resources –allow such discourses to be offered to society. When communicating through exhibitions, museumsmust always have knowledge of which is the target public, as well keep clear that this speech is partof their own world vision and context where they are inserted. Finally, the article seeks to analyz<strong>em</strong>useographic ten<strong>de</strong>ncies in the present, approaching the new technologies used in exhibitionsand its spectacular character.Keywords: <strong>Museu</strong>m. Museology. <strong>Museu</strong>m Communication. Exhibitions.231


Museología y Comunicación: el rol <strong>de</strong> las exposiciones como estrategia <strong>de</strong> mediación entr<strong>em</strong>useos y sociedadResumenEste artículo se <strong>de</strong>sarrolla a partir <strong>de</strong> una investigación a nivel <strong>de</strong> Máster, teniendo como t<strong>em</strong>a lasexposiciones en museos. Dicha investigación forma parte <strong>de</strong>l proyecto „Patrimonio, Museología ysociedad en transformación: la experiencia latino americana“, vinculado al Programa <strong>de</strong> Postgradoen Museología y Patrimonio – PPG-PMUS, UNRIO/MAST. El artículo trabaja la relación existenteentre museología y comunicación, <strong>de</strong>stacando la importancia <strong>de</strong> las exposiciones museológicasen dicho contexto. Las exposiciones son procesos efectivos que los museos <strong>de</strong>sarrollan paracomunicarse con la sociedad, a través <strong>de</strong> discursos adoptados y narrativas construidas que reflejensus valores sociales y simbólicos. El trabajo busca analizar como las técnicas museográficas - queimplican el uso <strong>de</strong> colores, luces, sonidos y medios gráficos, plásticos y escenográficos - permitenque tales discursos se transmitan a la sociedad. Al informar a través <strong>de</strong> las exposiciones, losmuseos si<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>ben si<strong>em</strong>pre estar conscientes <strong>de</strong> cuál es su público <strong>de</strong>seado, asimismocomo tener claro que ese discurso hace parte <strong>de</strong> la visión <strong>de</strong> mundo y <strong>de</strong>l contexto <strong>de</strong>l quehacen parte dichas personas. Por último, se busca analizar las ten<strong>de</strong>ncias museográficas <strong>de</strong> hoy,consi<strong>de</strong>rando a las nuevas tecnologías utilizadas en exposiciones y su carácter espectacular.Palabras clave: Museo. Museología. Comunicación en museos. Exposición.INTRODUÇÃOO presente artigo se <strong>de</strong>senvolve a partir <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> Mestrado sobre exposiçõesmuseológicas, que faz parte do projeto “Patrimônio, Museologia e Socieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> transformação:A experiência Latino-Americana”, vinculado ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia ePatrimônio I . Neste trabalho, preten<strong>de</strong>-se analisar como os museus pod<strong>em</strong> ser uma importanteferramenta na veiculação da informação, tendo <strong>em</strong> vista o papel e influência <strong>de</strong>stas instituiçõesna formação dos discursos museológicos. Ao se pensar <strong>em</strong> informar, pensa-se imediatamente <strong>em</strong>comunicar, função intrinsecamente ligada aos objetivos <strong>de</strong> um museu. No processo <strong>de</strong> comunicação<strong>em</strong> museus, as exposições assum<strong>em</strong> um papel primordial, pois através <strong>de</strong>las a socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>tomar conhecimento do que se <strong>de</strong>senvolve no local, quais os trabalhos realizados e o que aquel<strong>em</strong>useu t<strong>em</strong> a dizer – <strong>de</strong>sta forma, a exposição é um veículo primordial <strong>de</strong> comunicação no museu;é através <strong>de</strong>la que este se comunica e se abre para a socieda<strong>de</strong> (SCHEINER, 2001).Decarolis consi<strong>de</strong>ra que a forma essencial e mais eficaz <strong>de</strong> comunicação do museu é a exposição,precisamente quando esta se volta para o visitante e oferece seu discurso cultural (DECAROLIS,2002:64). Segundo Scheiner, o museu também comunica através <strong>de</strong> sua logomarca, imag<strong>em</strong> física,nome, localização, acervo, discurso, interação com o público e difusão do trabalho. Entretanto, éatravés da exposição que o museu se legitima e se caracteriza como instituição e veículo cultural(SCHEINER, 1991:109). No caso do discurso, a comunicação se faz essencialmente no âmbito daexposição. Elas (exposições) “são uma janela que o museu abre para a socieda<strong>de</strong> – uma janelaque mostra o resultado <strong>de</strong> tudo o que ocorre no seu interior.” (SCHEINER, 1991:15).IA pesquisa <strong>de</strong> Mestrado teve como inspiração o subprojeto FAPERJ <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> 2008 até 2010, intitulado“I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> linguagens comunicacionais utilizadas na exposição, <strong>em</strong> museus do Rio <strong>de</strong> Janeiro” e um dos produtosgerados por essa investigação, o trabalho monográfico “I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> linguagens comunicacionais na exposição”.Ambos os trabalhos foram <strong>de</strong>senvolvidos no âmbito da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO) eorientados pela Profa. Dra. Tereza Scheiner.232


As exposições são utilizadas como instrumentos comunicacionais para representar, significar eproduzir sentidos, sendo os objetos inseridos <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado contexto <strong>em</strong> que se permita explorara faceta correspon<strong>de</strong>nte ao enfoque <strong>de</strong>sejado. Scheiner consi<strong>de</strong>ra que “apenas na relação entreconjunto expositivo (objeto) e visitante (sujeito) é que cada exposição se realiza – e é por meio<strong>de</strong>sse processo que os museus tornam-se po<strong>de</strong>rosas agências comunicacionais” (SCHEINER,2000:2) on<strong>de</strong> o sujeito <strong>de</strong>ve i<strong>de</strong>ntificar-se. Ainda que a exposição seja esteticamente bela, usandorecursos museográficos eficientes e com conteúdo correto, se o público não se i<strong>de</strong>ntificar com elae não for o que esperava, o resultado não será satisfatório. Decarolis analisa que o objeto adquiresignificados e que o museu, por sua vez, <strong>de</strong>ve criar uma linguag<strong>em</strong> na exposição que permitarevelar toda sua complexida<strong>de</strong>. (DECAROLIS, 2002:66)Tendo <strong>em</strong> vista que “toda exposição é a recriação <strong>de</strong> uma parcela <strong>de</strong> mundo” (SCHEINER,2001:4), on<strong>de</strong> os objetos são contextualizados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua complexida<strong>de</strong>, são utilizados algunsrecursos que auxiliam esta recriação, como luz, cor, suportes, textos, recursos gráficos, plásticos,cenográficos e outros, que favorec<strong>em</strong> a imersão do público no espaço expositivo. Scheiner apontaque tal imersão “será tão mais intensa e efetiva quanto mais abertos for<strong>em</strong> os modos <strong>de</strong> controle dasarticulações entre forma, espaço, t<strong>em</strong>po, luz, som, cor, objeto e conteúdos” (SCHEINER, 2001:2).O museu faz parte da re<strong>de</strong> comunicacional <strong>de</strong> sua época e permite ao individuo compreen<strong>de</strong>ra si e sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no mundo, on<strong>de</strong> “através da exposição é possível valorizar o passado e opresente <strong>em</strong> projeção do futuro” (DECAROLIS, 2002:65).Deve-se procurar utilizar os recursos que for<strong>em</strong> mais a<strong>de</strong>quados àquela exposição, variando<strong>de</strong> acordo com a durabilida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>seja, o custo, disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais, condiçõesfavoráveis para o b<strong>em</strong> estar dos objetos, <strong>de</strong>ntre outros fatores, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser pesquisadosno momento da criação do projeto <strong>de</strong> exposição. A forma como as exposições irão passar asinformações <strong>de</strong>sejadas para o publico irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tal projeto, da intenção do museu, eprincipalmente, da realida<strong>de</strong> na qual a instituição se insere – pois “a exposição é um meio <strong>de</strong>comunicação social privilegiado que utiliza uma linguag<strong>em</strong> que se adapta a cada circunstância <strong>em</strong>particular” (DECAROLIS, 2002:65).O DISCURSO DO MUSEUAo visitarmos um museu, mal perceb<strong>em</strong>os a complexida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>relações sociais e simbólicas que tornaram possível sua formação e asseguramo seu funcionamento. (...) Os agentes e as relações que tornam possíveis essesprocessos ficam na penumbra, <strong>em</strong> favor do enquadramento institucional dosobjetos numa <strong>de</strong>terminada exposição. (GONÇALVES, 2005:82)Sabe-se que imparcialida<strong>de</strong> total é algo inexistente - somos resultados <strong>de</strong> toda carga cultural esocial que carregamos. Logo, todos os fatores que compõ<strong>em</strong> tal carga irão influenciar diretamenteo discurso do museu apresentado para a socieda<strong>de</strong>, discurso este adotado <strong>de</strong> acordo com osvalores sociais e simbólicos possuídos no âmbito da instituição. Portanto, <strong>de</strong>ve-se ter <strong>em</strong> menteque a exposição representa aspectos referentes à visão <strong>de</strong> mundo da socieda<strong>de</strong> na qual osmuseus estão inseridos – ela é “um espaço metafórico intencionalmente articulado, e como tal écapaz <strong>de</strong> produzir um discurso especialíssimo, que configura a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e que a transformanum objeto perceptual específico” (SCHEINER, 2001:4).Cada museu ganha significado pela criação <strong>de</strong> sentidos que realiza através <strong>de</strong> seu discurso -sentidos esses que pod<strong>em</strong> ser evocados através <strong>de</strong> diversos recursos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória, tais como autilização <strong>de</strong> soluções museográficas que permit<strong>em</strong> a imersão do visitante no espaço expositivo.233


Sabe-se que imparcialida<strong>de</strong> total é algo inexistente - somos resultados <strong>de</strong> toda carga cultural esocial que carregamos. Logo, todos os fatores que compõ<strong>em</strong> tal carga irão influenciar diretamenteo discurso do museu apresentado para a socieda<strong>de</strong>, discurso este adotado <strong>de</strong> acordo com osvalores sociais e simbólicos possuídos no âmbito da instituição. Portanto, <strong>de</strong>ve-se ter <strong>em</strong> menteque a exposição representa aspectos referentes à visão <strong>de</strong> mundo da socieda<strong>de</strong> na qual osmuseus estão inseridos – ela é “um espaço metafórico intencionalmente articulado, e como tal écapaz <strong>de</strong> produzir um discurso especialíssimo, que configura a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e que a transformanum objeto perceptual específico” (SCHEINER, 2001:4).Cada museu ganha significado pela criação <strong>de</strong> sentidos que realiza através <strong>de</strong> seu discurso -sentidos esses que pod<strong>em</strong> ser evocados através <strong>de</strong> diversos recursos <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória, tais como autilização <strong>de</strong> soluções museográficas que permit<strong>em</strong> a imersão do visitante no espaço expositivo.Ainda que o museu <strong>de</strong>va apresentar suas informações <strong>de</strong> maneira clara, sab<strong>em</strong>os que todo discursoapresentado através <strong>de</strong> uma narrativa – nesse caso a exposição – está sujeito a manipulaçõesou até invenções <strong>em</strong> cima da realida<strong>de</strong> abordada. Elas (exposições) pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolverinterpretações <strong>de</strong> acordo com a intenção <strong>de</strong> seu projeto, entretanto, <strong>de</strong>ve-se procurar i<strong>de</strong>ntificarlimites éticos <strong>de</strong> interpretação e apresentação da realida<strong>de</strong>, diferenciando a apresentação <strong>de</strong>uma narrativa que ofereça distorção dos fatos visando manipulação ou influência sobre o público(SCHEINER, 2001:5).Chagas também consi<strong>de</strong>ra os museus como instituições passíveis <strong>de</strong> leitura e interpretação,on<strong>de</strong> os assuntos têm suas significações produzidas pela instituição, observando ainda que asnarrativas são produzidas através <strong>de</strong> disputas, muitas vezes políticas. Para o autor o que importaé saber “por qu<strong>em</strong>, por que e para qu<strong>em</strong> os seus textos narrativos são construídos; qu<strong>em</strong>, como,o que e por que interpreta; qu<strong>em</strong> participa e o que está <strong>em</strong> causa nas pen<strong>de</strong>ngas museais”(CHAGAS, 2009:68). Sobre os museus, o autor i<strong>de</strong>ntifica três aspectos: “1º - do ponto <strong>de</strong> vistamuseográfico a instituição museal é campo discursivo; 2º - do ponto <strong>de</strong> vista museológico ela éum centro produtor <strong>de</strong> interpretação e 3º - do ponto <strong>de</strong> vista histórico-social ela é arena política”(CHAGAS, 2009:67).Os museus pod<strong>em</strong> ser tornar verda<strong>de</strong>iros campos <strong>de</strong> luta i<strong>de</strong>ológica e política, b<strong>em</strong> diferentesda idéia <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> espaços neutros. Chagas realiza uma comparação com um po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Máriopara que esta aconteça, faz-se necessária uma extensa e complexa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ações sociais e simbólicas. (...) Um longo caminho geográfico e histórico <strong>de</strong>ve serpercorrido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> àquelas ações necessárias à aquisição e elaboração da matériaprima necessária à produção, até às ações <strong>de</strong> produzir, utilizar, adquirir, colecionar,classificar, preservar e expor os objetos materiais que compõ<strong>em</strong> uma exposição.(GONÇALVES, 2008:82-83)Os objetos são importantes ferramentas na escolha do discurso museológico, pois um mesmoobjeto po<strong>de</strong> possuir diversas interpretações e sentidos, variando <strong>de</strong> acordo com a abordag<strong>em</strong>realizada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado contexto. Por ex<strong>em</strong>plo, uma louça do século XIX po<strong>de</strong> sercontextualizada numa ambientação da época, representando os utensílios utilizados à mesa,assim como po<strong>de</strong> também representar a m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada personalida<strong>de</strong> que apossuiu durante a vida, como alguém da Família Real. O objeto na exposição po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sta forma,receber inúmeros significados, pois234


Ao preparar uma exposição, o profissional <strong>de</strong> museus elege o objeto, isolandoodo mundo exterior. O objeto eleito é real, mas foi retirado <strong>de</strong> sua função er<strong>em</strong>etido ao contexto da exposição, on<strong>de</strong> as regras são muito diferentes das davida. Foi selecionado, classificado, organizado e agregado seguindo objetivospré-estabelecidos pelas estratégias da comunicação. Terá se convertido <strong>em</strong> umel<strong>em</strong>ento a mais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> objetos e opera como peça <strong>de</strong> um códigoda linguag<strong>em</strong> expositiva. O espaço on<strong>de</strong> se expõe está situado na convergência<strong>de</strong> três domínios: o mundo real <strong>de</strong> on<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>, o contexto criado pela própriaexposição e a esfera imaginária na qual atua. (DECAROLIS, 2002:65-66)Outra questão, relativa ao discurso nas exposições museológicas, é que cada museu <strong>de</strong>ve sabera qu<strong>em</strong> seu discurso está direcionado, ou seja, para qu<strong>em</strong> ele está se dirigindo. As exposições sãoum modo <strong>de</strong> o museu criar realida<strong>de</strong>s, e para que isso ocorra <strong>de</strong>ve ser levado <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raçãoo público-alvo, tendo <strong>em</strong> vista a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s existentes, inclusive e principalmenteno Brasil, país on<strong>de</strong> as diferenças sociais e culturais são muito amplas (SCHEINER, 2006). Osmuseus muitas vezes não conhec<strong>em</strong> seu público e essa falta <strong>de</strong> conhecimento dificulta muito oprocesso comunicacional nessas instituições, pois não existe um conhecimento amplo <strong>de</strong> comqu<strong>em</strong> estão se comunicando.Os museus tend<strong>em</strong>, <strong>em</strong> geral, a privilegiar a visão consi<strong>de</strong>rada “oficial” da história (no caso d<strong>em</strong>useus históricos), on<strong>de</strong> muitas vezes t<strong>em</strong>-se a idéia <strong>de</strong> que aquela é uma realida<strong>de</strong> pronta,finalizada; conforme Scheiner aponta: “é importante l<strong>em</strong>brar que tanto a História como os museusoperam com releituras do real, através da m<strong>em</strong>ória” (SCHEINER, 2006:3). O público <strong>de</strong>ve perceberque na verda<strong>de</strong> aquilo apresentado pelo museu é apenas uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação eabordag<strong>em</strong> sobre <strong>de</strong>terminado fato.ESPAÇO, LUZ, CORES, RECURSOS GRÁFICOS, PLÁSTICOS, CENOGRÁFICOS ESUPORTES EXPOSITIVOS USADOS EM BENEFÍCIO DA APREENSÃO DOS CONTEÚDOSPara que o discurso do museu chegue até ao público, as exposições faz<strong>em</strong> uso <strong>de</strong> diversastécnicas museográficas, as quais facilitam a veiculação da informação - compl<strong>em</strong>entandomuitas vezes uma narrativa que não seria possível apenas com o uso do acervo sozinho, além<strong>de</strong> tornar<strong>em</strong> o espaço esteticamente agradável, <strong>de</strong>spertando <strong>em</strong> seus visitantes maior conexãocom o conteúdo ou até ampliando seu interesse. Para Ennes, a apreensão dos conteúdos daexposição po<strong>de</strong> ocorrer através <strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plação, compreensão, <strong>de</strong>scoberta einteração (ENNES, 2008:50-52). Para que tal fenômeno ocorra são utilizados diversos recursos,tais como o próprio espaço, a iluminação, as cores, os recursos gráficos, plásticos e cenográficos,ou até os próprios suportes.O espaço muitas vezes é o que <strong>de</strong>fine como a exposição irá se <strong>de</strong>senvolver; as características pod<strong>em</strong>ditar o que será possível executar no projeto e o que será impossibilitado <strong>de</strong>vido às característicasfísicas. As condições ambientais – tais como níveis <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> relativa e t<strong>em</strong>peratura – também<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> acordo com o acervo que se <strong>de</strong>seja expor, tendo <strong>em</strong> vista s<strong>em</strong>pre aconservação dos objetos. O museu po<strong>de</strong> utilizar seu espaço como recurso narrativo, direcionandoo percurso; além disso, po<strong>de</strong> optar por explorar a relação entre a exposição e o local on<strong>de</strong> estáinserida, ou por buscar um afastamento da realida<strong>de</strong> do espaço, imergindo o visitante <strong>em</strong> outrocontexto e ambiente.A iluminação po<strong>de</strong> apresentar diversas utilizações e funções como, por ex<strong>em</strong>plo, a boa visibilida<strong>de</strong>das obras s<strong>em</strong> <strong>de</strong>turpação <strong>de</strong> suas cores, a criação <strong>de</strong> uma atmosfera para o ambiente, ou atéservir como orientação para o público. A luz também po<strong>de</strong> valorizar a arquitetura da instituição e235


dar <strong>de</strong>staque àquilo que é <strong>de</strong>sejado, po<strong>de</strong>ndo criar inúmeras maneiras <strong>de</strong> percepção para ummesmo espaço, suas formas e texturas, propiciando maior imersão do visitante na exposição. Ailuminação possibilita a visualização do museu e sua importância se afirma tendo <strong>em</strong> vista que,“<strong>de</strong> um modo geral, a exposição é uma experiência basicamente visual” (ENNES, 2008:60).A percepção das cores também irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da iluminação utilizada, po<strong>de</strong>ndo esta última seconfigurar como natural, artificial ou mista. O uso <strong>de</strong> cores será <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> acordo com o t<strong>em</strong>a daexposição, contribuindo para a criação <strong>de</strong> sua atmosfera. A escolha das cores <strong>de</strong>ve ser realizada<strong>de</strong> maneira coerente e <strong>em</strong> harmonia - se a paleta cromática não for condizente com o t<strong>em</strong>a serácausada uma confusão estética no ambiente, tendo <strong>em</strong> vista que cada cor está “impregnada <strong>de</strong>informações e significados simbólicos” (ENNES, 2008:61).Os recursos gráficos são aqueles que se expressam através do uso da grafia <strong>em</strong> superfíciesplanas (<strong>de</strong>senhos, letras, ornatos e símbolos); já os recursos plásticos são os el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> trêsdimensões (que pod<strong>em</strong> ser também cenográficos). A cenografia se encarrega <strong>de</strong> contextualizarel<strong>em</strong>entos como as luzes e as cores, entretanto “sua função vai muito além <strong>de</strong> simplesmente reuniros el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> uma composição; mas sim facilitar para o visitante a elaboração <strong>de</strong> sentido”(ENNES, 2008:55). Para ScheinerNa museografia tradicional, usava-se dizer que os recursos plásticos eram osel<strong>em</strong>entos tridimensionais não entendidos como suportes ou objetos da exposição.Com a evolução do conceito <strong>de</strong> objeto e com o uso casa vez mais freqüentedas técnicas <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> base cenográfica, hoje é difícil precisar, numaexposição, as diferenças entre objeto, suporte e recursos compl<strong>em</strong>entares,especialmente nos casos <strong>em</strong> que o núcleo (ou subnúcleo) é constituído por umconjunto polimorfo e transmetodológico, on<strong>de</strong> cada el<strong>em</strong>ento é simultaneamenteparte e acessório (SCHEINER, 1996:61)Os suportes faz<strong>em</strong> parte da base das exposições e constitu<strong>em</strong>, na maioria dos casos, a suaestrutura. Eles oferec<strong>em</strong> apoio e proteção ao acervo, mas “apesar <strong>de</strong> sua importância, só <strong>de</strong>v<strong>em</strong>ser percebidos pelo visitante como compl<strong>em</strong>ento, apoio e moldura, <strong>de</strong>vendo valorizar e protegerobjetos e d<strong>em</strong>ais el<strong>em</strong>entos” (SCHEINER, 1997:6).Estes recursos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser escolhidos <strong>de</strong> maneira harmônica, <strong>de</strong> acordo com a proposta t<strong>em</strong>áticada exposição, finalida<strong>de</strong> e tipo <strong>de</strong> acervo (para que se consi<strong>de</strong>re sua boa conservação). Quandob<strong>em</strong> utilizados, se tornam ferramentas eficazes na comunicação entre os museus e seu públicoproporcionando ao visitante uma experiência esteticamente agradável, uma comunicação b<strong>em</strong>sucedida dos conteúdos e uma imersão <strong>em</strong> outro universo.CONSIDERAÇÕES FINAISEste artigo buscou apontar algumas questões referentes à “fala” do museu, s<strong>em</strong>pre vinculada aodiscurso praticado (ou escolhido) institucionalmente. Buscou-se elucidar o papel <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhadopelas exposições museológicas mediante este processo, funcionando como veiculadora dodiscurso adotado na instituição para a socieda<strong>de</strong>.A partir dos anos 90 até a atualida<strong>de</strong>, percebe-se a influência das novas mídias da comunicação nosmuseus, on<strong>de</strong> a estética do espetáculo está presente <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte das instituições. Observase,portanto, outra maneira dos museus veicular<strong>em</strong> seu discurso, fazendo uso <strong>de</strong> tecnologias,propaganda e inserindo-se nos objetos <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> massas. Em alguns casos, este movimento236


esulta na utilização <strong>de</strong> um vocabulário que, por vezes, não é o vocabulário compatível com aproposta do museu ou com a socieda<strong>de</strong> na qual se encontra (SCHEINER, 2001:6). As exposiçõescada vez mais utilizam a tecnologia para se tornar<strong>em</strong> grandiosas, interativas e espetaculares.As formas <strong>de</strong> manifestação do museu se multiplicam, aparecendo museus comunitários,ecomuseus e museus virtuais, entre outros, se pluralizando <strong>de</strong>sta forma também as narrativaspossíveis e surgindo outros meios <strong>de</strong> comunicação. A maneira como a instituição comunica irá<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do museu, <strong>de</strong> sua proposta e realida<strong>de</strong>. Exist<strong>em</strong> museus que trabalham com a estéticado grandioso, do espetacular, enquanto outros são mais simples, o que não quer dizer que sejammenos comunicativos, pois conforme analisa Costa, nos museus a interativida<strong>de</strong> émuitas vezes confundida com o exagero <strong>de</strong> computadores ao alcance do público,como se o simples ato <strong>de</strong> pressionar botões <strong>de</strong> um teclado pu<strong>de</strong>sse promover ainteração tão propalada pelos profissionais <strong>de</strong> museus (COSTA, 2005).Algumas exposições funcionam como verda<strong>de</strong>iros eventos, proporcionando ao visitante obterexperiências que <strong>de</strong>spertam diversos sentidos através do uso das mais variadas técnicasmuseográficas. O uso das novas tecnologias na iluminação, recursos multimídia, recursos plásticos,gráficos, entre outros, muitas vezes po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar interesse do público ou até curiosida<strong>de</strong>, masn<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre será garantia <strong>de</strong> que a exposição se tornará um veiculo comunicacional mais efetivo.<strong>Museu</strong> das Telecomunicações da Oi II<strong>Museu</strong> Histórico Nacional IIIII<strong>Museu</strong> das Telecomunicações da Oi. Retirada do site do Relatório Anual 2010 da Oi, disponível <strong>em</strong> http://relatorioanual2010.oi.com.br/dimensao-social/responsabilida<strong>de</strong>-social/. Acessado <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2012.II<strong>Museu</strong> Histórico e Nacional. Retirada do site do <strong>Museu</strong> Histórico Nacional, disponível <strong>em</strong> http://museuhistoriconacional.com.br/. Acessado <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2012.237


Smithsonian National <strong>Museu</strong>m ofNatural History IV<strong>Museu</strong> Histórico do Exército Vatravés da atmosfera <strong>de</strong>sejada para aquela exposição e o efeito <strong>de</strong>sejado por seus i<strong>de</strong>alizadores,ou seja, as linguagens da exposição e sua aplicação <strong>de</strong>pend<strong>em</strong> da intenção específica existente<strong>em</strong> cada projeto, logo, influenciam diretamente no tratamento do discurso.Procuramos observar, ao longo do presente trabalho, o importante papel que as exposiçõespossu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um museu. Sua função, <strong>de</strong> atuar como meio <strong>de</strong> comunicação para taisinstituições, é auxiliada por diferentes técnicas museográficas que proporcionam ao visitante osmais diferentes tipos <strong>de</strong> sensações e <strong>em</strong>oções, além <strong>de</strong> colaborar para veiculação das informações<strong>de</strong>sejadas pela instituição <strong>em</strong> que se encontram.REFERÊNCIASCHAGAS, Mario. A imaginação museal: museu, m<strong>em</strong>ória e po<strong>de</strong>r <strong>em</strong> Gustavo Barroso, Gilberto Freyre eDarcy Ribeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ibram/Garamond, 2009.________. Há uma gota <strong>de</strong> sangue <strong>em</strong> cada museu. A ótica museológica <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. EditoraArgos, 2006.COSTA, Heloisa Helena F. G. <strong>Museu</strong>s, pontes entre gerações. In: Revista <strong>Museu</strong>. 2005. Disponível <strong>em</strong>http://www.revistamuseu.com.br/18d<strong>em</strong>aio/artigos.asp?id=5985. Acessado <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2012.GONÇALVES, José Reginaldo. Os museus e a representação do Brasil: os museus como espaços materiais<strong>de</strong> representação social. In: CHAGAS, Mario (org.). <strong>Museu</strong>s: antropofagia da m<strong>em</strong>ória e do patrimônio.Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, no. 31, p.254-273, 2005.DECAROLIS, Nelly (Argentina). Museologia y Presentación: UnEmprendimiento Conjunto <strong>de</strong> ciencia y arte. In:DECAROLIS, Nelly, SCHEINER, Tereza (Coord.) Museología y presentación: ¿original/real o virtual? / Museologiae apresentação: original/real ou virtual? Encuentro <strong>de</strong>l Subcomité Regional Del ICOFOM para América Latina yel Caribe (11) / Encontro do Subcomitê Regional do ICOFOM para a América Latina e o Caribe (11). Cuenca eGalápagos, Equador. 23 / 30 octubre 2002. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tacnet Cultural, 2003. p. 64-70IVSmithsonian National <strong>Museu</strong>m of Natural History. Retirada do site AmazingKids! Magazine, disponível <strong>em</strong> http://mag.amazing-kids.org/wp-content/uploads/2011/02/03-AK-Columns-Adventures-<strong>Museu</strong>m-of-Natural-History-whale-mna.jpg.Acessado <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2012.V<strong>Museu</strong> Histórico do Exército. Retirada do site do <strong>Museu</strong> Histórico do Exército e Forte <strong>de</strong> Copacabana, disponível <strong>em</strong>http://forte<strong>de</strong>copacabana.com. Acessado <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2011.238


SCHEINER, Tereza Cristina. Comunicação – Educação – Exposição: novos saberes, novos sentidos. Rio<strong>de</strong> Janeiro, set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2001. In: Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> textos. Disciplina Comunicação <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s. UNIRIO/ CCH,Escola <strong>de</strong> Museologia, 2008/2.__________.CRIANDO REALIDADES ATRAVÉS DE EXPOSIÇÕES. In: MAST Colloquia Vol. 8.2006.__________. Formação <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s: <strong>de</strong>safios para o próximo milênio. Anais da II S<strong>em</strong>ana<strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo: USP, 1999._________. A EXPOSIÇÃO COMO LINGUAGEM. Rio <strong>de</strong> Janeiro, julho <strong>de</strong> 2001. In: Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> textos.Disciplina Comunicação <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s 01. UNIRIO/CCH, Escola <strong>de</strong> Museologia, 2001/2._________. Museologia e interpretação da realida<strong>de</strong>: o discurso da História. [ANNUAL CONFERENCE OFTHE INTERNATIONAL COMMITTEE FOR MUSEOLOGY/ICOFOM (28)].Alta Gracia / Córdoba [Argentina].October 5-11, 2006. Coord. Hil<strong>de</strong>gard K. Vieregg / [Mónica Gorgas]. Munich: ICOM, International Committeefor Museology/ICOFOM; ICOFOM STUDY SERIES – ISS 35. 2006. Org. and edited by Hil<strong>de</strong>gard K. Vieregg,Monica Risnicoff <strong>de</strong> Gorgas, Regina Schiller, Martha Troncoso. Published on behalf of ICOFOM (ICOM/International Committee for Museology) by MuseoNacional Estancia Jesuítica <strong>de</strong> Alta Gracia y Casa <strong>de</strong>lVirrey Liniers. Alta Gracia, Cordoba, 2006. p. 53-60._____________. MUSEUS E EXPOSIÇÕES (Apontamentos para uma teoria do sentir).The Language ofthe Exhibition. ICOFOM ICOFOM STUDY SERIES, Vevey, 1991._____________. Museografia III – Planejamento <strong>de</strong> Exposições. Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> textos. Disciplina MuseografiaIII. UNIRIO/CCH. Escola <strong>de</strong> Museologia, 1996._____________.Museografia II – Suportes para Exposições. Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> textos. Disciplina Museografia II.UNIRIO/CCH, Escola <strong>de</strong> Museologia, 1997.239


MUSEOLOGÍA E INCLUSIÓN SOCIAL: ¿ES POSIBLE ELEMPODERAMIENTO DE LOS VISITANTES DE LOS MUSEOS?Mónica Risnicoff <strong>de</strong> GorgasResumoMuseologia e Inclusão Social: é possivel o <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento dos visitantes dos museus?Apresentamos um questionamento sobre as possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento dosvisitantes, como já havia colocado Cristina Bruno (...) sobre as distancias entre uma Museologiasonhada e uma Museologia possível. Ou, dito <strong>de</strong> outro modo, sobre os <strong>de</strong>sajustes que acontec<strong>em</strong>entre o discurso e a práxis, especialmente as dificulda<strong>de</strong>s que acontec<strong>em</strong> no <strong>de</strong>senvolvimentoda prática. Perguntamos-nos se a reflexão sobre o po<strong>de</strong>r outorgado vai ser apenas, ou nãomais do que outros pressupostos que vêm sendo relegados ao campo da retórica, como o da“participação da socieda<strong>de</strong>”, como se a socieda<strong>de</strong> fosse uma massa in<strong>de</strong>finida que convémdizer que participa, porque se dá a alguns visitantes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher uma trajetóriaou manipular um el<strong>em</strong>ento tecnológico. Se no campo museal o po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> circunscrever-se auma certa atitu<strong>de</strong> dos visitantes para reconhecer valores e para satisfazer objetivos por eles<strong>de</strong>terminados, ligando-os aos recursos do museu, não pod<strong>em</strong>os esquecer que o verda<strong>de</strong>iropo<strong>de</strong>r t<strong>em</strong> a capacida<strong>de</strong> não apenas <strong>de</strong> impor nosso <strong>de</strong>sejo, mas também <strong>de</strong> fixar os termosdo acordo. Teríamos que começar a reivindicar, ou ao menos recordar, tudo o que já seescreveu no âmbito do ICOFOM com referencia ao que possibilita ao museu ser um espaço <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r, instancia <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> intelectualmente legitimada, que cria e impõe imagináriossociais que tend<strong>em</strong> a ser percebidos como verda<strong>de</strong>s científicas, artísticas ou históricas. Essapercepção que t<strong>em</strong> o museu <strong>de</strong> si mesmo (ou seus profissionais e teóricos) <strong>de</strong> que o <strong>Museu</strong>,assim com maiúscula, t<strong>em</strong> a custódia do “Patrimônio”, da “Arte” e da “M<strong>em</strong>ória”, <strong>de</strong>ixa b<strong>em</strong>claro que é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o museu (ou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus gestores e pesquisadores) que se <strong>de</strong>termina o queé ou não patrimônio, que bens constitu<strong>em</strong> nosso legado artístico e qual é a m<strong>em</strong>ória que não<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os esquecer. Assim sendo, <strong>em</strong> que espaço se fixam os termos do acordo? A construçãodos discursos sobre os quais repousam os sist<strong>em</strong>as expositivos dos museus se realiza e t<strong>em</strong>serealizado historicamente a partir <strong>de</strong> equipes, no melhor dos casos, interdisciplinares, quereflet<strong>em</strong> suas próprias posturas no que diz respeito à historia, à arte ou às ciências; nestecontexto, que espaço <strong>de</strong> negociação têm os visitantes para compartilhar o po<strong>de</strong>r? Entend<strong>em</strong>osque a busca <strong>de</strong> uma resposta po<strong>de</strong>ria encontrar-se também na reivindicação <strong>de</strong> que o verda<strong>de</strong>iropo<strong>de</strong>r resi<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento dos aspectos cognitivos <strong>de</strong> crescimento pessoal e <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>senvolvimento;a hipótese a <strong>de</strong>senvolver neste trabalho é que o verda<strong>de</strong>iro <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramentose fundamenta <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar o visitante um sujeito <strong>de</strong> direitos sociais e patrimoniais ao qual secolocam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o museu, situações probl<strong>em</strong>áticas, que ele mesmo <strong>de</strong>verá resolver num âmbitomais amplo do que o que lhe oferece o espaço físico do museu.Palavras-chave:ResumenSe nos plantea el interrogante sobre las posibilida<strong>de</strong>s reales <strong>de</strong>l <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento <strong>de</strong> los visitantes,o tal como lo planteara Cristina Bruno (…) sobre las distancias ente una Museología soñaday una Museología posible. O dicho <strong>de</strong> otro modo acerca <strong>de</strong> los <strong>de</strong>sajustes que se dan entre eldiscurso y la praxis, sobre todo las dificulta<strong>de</strong>s prácticas que se dan cuando aquélla se lleva acabo.Si la reflexión sobre el po<strong>de</strong>r otorgado va ser sólo y no más que otros supuestos que han240


ido quedando en el campo <strong>de</strong> la retórica, como aquel <strong>de</strong> la “participación <strong>de</strong> la sociedad”, comosi la sociedad fuera una masa in<strong>de</strong>finida que queda bien <strong>de</strong>cir que participa porque se le da laposibilidad a algunos visitantes <strong>de</strong> elegir un recorrido o manipular un el<strong>em</strong>ento tecnológico. Sien el campo <strong>de</strong> lo museal el po<strong>de</strong>r podría circunscribirse a una cierta actitud <strong>de</strong> los visitantespara reconocer valores y para satisfacer objetivos <strong>de</strong>terminados por ellos mismos, ligándoloscon los recursos <strong>de</strong>l museo, no pod<strong>em</strong>os olvidar que el verda<strong>de</strong>ro po<strong>de</strong>r tiene la capacidadno sólo <strong>de</strong> imponer nuestro <strong>de</strong>seo, sino también <strong>de</strong> fijar los términos <strong>de</strong>l acuerdo. Habría que<strong>em</strong>pezar por plantearse o a menos recordar todo lo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el seno <strong>de</strong>l ICOFOM se haescrito en lo referente a lo que posibilita al museo ser un espacio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ámbito <strong>de</strong> unaautoridad intelectualmente legitimada que crea e impone imaginarios sociales que tien<strong>de</strong>n a serpercibidos como verda<strong>de</strong>s artísticas, científicas o históricas. Esa percepción que tiene el museo<strong>de</strong> sí mismo (o sus profesionales y teóricos) que el Museo, así con Mayúscula es el custodio <strong>de</strong>l”Patrimonio” <strong>de</strong>l “Arte” y <strong>de</strong> la “M<strong>em</strong>oria”, <strong>de</strong>ja bien a la claras que es <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el museo (o <strong>de</strong>s<strong>de</strong>sus gestores e investigadores) don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>termina que es o no es patrimonio, que bienesconstituyen nuestro legado artístico y cual es la m<strong>em</strong>oria que no <strong>de</strong>b<strong>em</strong>os olvidar; entonces:¿en que espacio se fijan los términos <strong>de</strong>l acuerdo? La construcción <strong>de</strong> los discursos sobre los que<strong>de</strong>scansan los sist<strong>em</strong>as expositivos <strong>de</strong> los museos se realizan y se han realizado históricamente<strong>de</strong>s<strong>de</strong> equipos, en el mejor <strong>de</strong> los casos interdisciplinarios, que reflejan sus propias posturas enlo que respecta a la historia, el arte o las ciencias, en ese contexto ¿que espacio <strong>de</strong> negociacióntienen los visitantes para compartir el po<strong>de</strong>r? Entend<strong>em</strong>os que la búsqueda <strong>de</strong> una respuestapodría encontrarse también en el planteo <strong>de</strong> que el verda<strong>de</strong>ro po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scansa en el <strong>de</strong>sarrollo<strong>de</strong> los aspectos cognitivos <strong>de</strong> crecimiento personal y auto <strong>de</strong>sarrollo, la hipótesis a <strong>de</strong>sarrollaren esta ponencia es que el verda<strong>de</strong>ro <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento se apoya en consi<strong>de</strong>rar al visitante unsujeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales y patrimoniales al que se le proponen <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el museo situacionesprobl<strong>em</strong>áticas que él mismo <strong>de</strong>berá resolver en un ámbito más amplio que el que le ofrece elespacio físico <strong>de</strong> museo.Palabras clave:AbstractApresentamos um questionamento sobre as possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento dosvisitantes, como já havia colocado Cristina Bruno (...) sobre as distancias entre uma Museologiasonhada e uma Museologia possível. Ou, dito <strong>de</strong> outro modo, sobre os <strong>de</strong>sajustes que acontec<strong>em</strong>entre o discurso e a práxis, especialmente as dificulda<strong>de</strong>s que acontec<strong>em</strong> no <strong>de</strong>senvolvimentoda prática. Perguntamos-nos se a reflexão sobre o po<strong>de</strong>r outorgado vai ser apenas, ou nãomais do que outros pressupostos que vêm sendo relegados ao campo da retórica, como o da“participação da socieda<strong>de</strong>”, como se a socieda<strong>de</strong> fosse uma massa in<strong>de</strong>finida que convémdizer que participa, porque se dá a alguns visitantes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher uma trajetóriaou manipular um el<strong>em</strong>ento tecnológico. Se no campo museal o po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> circunscrever-se auma certa atitu<strong>de</strong> dos visitantes para reconhecer valores e para satisfazer objetivos por eles<strong>de</strong>terminados, ligando-os aos recursos do museu, não pod<strong>em</strong>os esquecer que o verda<strong>de</strong>iropo<strong>de</strong>r t<strong>em</strong> a capacida<strong>de</strong> não apenas <strong>de</strong> impor nosso <strong>de</strong>sejo, mas também <strong>de</strong> fixar os termosdo acordo. Teríamos que começar a reivindicar, ou ao menos recordar, tudo o que já seescreveu no âmbito do ICOFOM com referencia ao que possibilita ao museu ser um espaço <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r, instancia <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> intelectualmente legitimada, que cria e impõe imagináriossociais que tend<strong>em</strong> a ser percebidos como verda<strong>de</strong>s científicas, artísticas ou históricas. Essapercepção que t<strong>em</strong> o museu <strong>de</strong> si mesmo (ou seus profissionais e teóricos) <strong>de</strong> que o <strong>Museu</strong>,assim com maiúscula, t<strong>em</strong> a custódia do “Patrimônio”, da “Arte” e da “M<strong>em</strong>ória”, <strong>de</strong>ixa b<strong>em</strong>claro que é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o museu (ou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus gestores e pesquisadores) que se <strong>de</strong>termina o queé ou não patrimônio, que bens constitu<strong>em</strong> nosso legado artístico e qual é a m<strong>em</strong>ória que não241


<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os esquecer. Assim sendo, <strong>em</strong> que espaço se fixam os termos do acordo? A construçãodos discursos sobre os quais repousam os sist<strong>em</strong>as expositivos dos museus se realiza e t<strong>em</strong>serealizado historicamente a partir <strong>de</strong> equipes, no melhor dos casos, interdisciplinares, quereflet<strong>em</strong> suas próprias posturas no que diz respeito à historia, à arte ou às ciências; nestecontexto, que espaço <strong>de</strong> negociação têm os visitantes para compartilhar o po<strong>de</strong>r? Entend<strong>em</strong>osque a busca <strong>de</strong> uma resposta po<strong>de</strong>ria encontrar-se também na reivindicação <strong>de</strong> que o verda<strong>de</strong>iropo<strong>de</strong>r resi<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento dos aspectos cognitivos <strong>de</strong> crescimento pessoal e <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>senvolvimento;a hipótese a <strong>de</strong>senvolver neste trabalho é que o verda<strong>de</strong>iro <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramentose fundamenta <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar o visitante um sujeito <strong>de</strong> direitos sociais e patrimoniais ao qual secolocam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o museu, situações probl<strong>em</strong>áticas, que ele mesmo <strong>de</strong>verá resolver num âmbitomais amplo do que o que lhe oferece o espaço físico do museu.Keywords:“El po<strong>de</strong>r no es un fenómeno <strong>de</strong> dominación masiva y homogénea <strong>de</strong> un individuosobre los otros, <strong>de</strong> un grupo sobre otros, <strong>de</strong> una clase sobre otras; el po<strong>de</strong>rcont<strong>em</strong>plado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cerca no es algo dividido entre quienes lo poseen y los que nolo tienen y lo soportan. El po<strong>de</strong>r tiene que ser analizado como algo que no funcionasino en ca<strong>de</strong>na”.M. FoucaultLos visitantes <strong>de</strong>l nuevo museo “sientan que entien<strong>de</strong>n el mundo que los ro<strong>de</strong>a,incluso tengan la convicción <strong>de</strong> que podrían enten<strong>de</strong>rlo si quisieran. Entonces,y sólo entonces, serán capaces <strong>de</strong> sentir que pue<strong>de</strong>n hacer una diferenciamediante sus <strong>de</strong>cisiones y acciones. Sin esta convicción las personas viven con elsentimiento <strong>de</strong> ser eternamente <strong>em</strong>pujadas por fuerzas y eventos ajenos a ellas”.Frank OppenheimerLos términos <strong>de</strong>l AcuerdoSe nos plantea el interrogante sobre las posibilida<strong>de</strong>s reales <strong>de</strong>l <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento <strong>de</strong> los visitantes,o tal como lo planteara Cristina Bruno (…) sobre las distancias ente una Museología soñaday una Museología posible. O dicho <strong>de</strong> otro modo acerca <strong>de</strong> los <strong>de</strong>sajustes que se dan entre eldiscurso y la praxis, sobre todo las dificulta<strong>de</strong>s prácticas que se dan cuando aquélla se lleva acabo.Si la reflexión sobre el po<strong>de</strong>r otorgado va ser sólo y no más que otros supuestos que hanido quedando en el campo <strong>de</strong> la retórica, como aquel <strong>de</strong> la “participación <strong>de</strong> la sociedad”, comosi la sociedad fuera una masa in<strong>de</strong>finida que queda bien <strong>de</strong>cir que participa porque se le da laposibilidad a algunos visitantes <strong>de</strong> elegir un recorrido o manipular un el<strong>em</strong>ento tecnológico.Si en el campo <strong>de</strong> lo museal el po<strong>de</strong>r podría circunscribirse a una cierta actitud <strong>de</strong> los visitantespara reconocer valores y para satisfacer objetivos <strong>de</strong>terminados por ellos mismos, ligándoloscon los recursos <strong>de</strong>l museo, no pod<strong>em</strong>os olvidar que el verda<strong>de</strong>ro po<strong>de</strong>r tiene la capacidad nosólo <strong>de</strong> imponer nuestro <strong>de</strong>seo, sino también <strong>de</strong> fijar los términos <strong>de</strong>l acuerdo.Habría que <strong>em</strong>pezar por plantearse o a menos recordar todo lo que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el seno <strong>de</strong>l ICOFOMse ha escrito en lo referente a lo que posibilita al museo ser un espacio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ámbito <strong>de</strong> unaautoridad intelectualmente legitimada que crea e impone imaginarios sociales que tien<strong>de</strong>n a serpercibidos como verda<strong>de</strong>s artísticas, científicas o históricas.242


Esa percepción que tiene el museo <strong>de</strong> sí mismo (o sus profesionales y teóricos) que el Museo,así con Mayúscula es el custodio <strong>de</strong>l ”Patrimonio” <strong>de</strong>l “Arte” y <strong>de</strong> la “M<strong>em</strong>oria”, <strong>de</strong>ja bien a laclaras que es <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el museo (o <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sus gestores e investigadores) don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>termina quees o no es patrimonio, que bienes constituyen nuestro legado artístico y cual es la m<strong>em</strong>oriaque no <strong>de</strong>b<strong>em</strong>os olvidar; entonces: ¿en que espacio se fijan los términos <strong>de</strong>l acuerdo?Otro punto que habría que <strong>de</strong>limitar es que estamos hablando <strong>de</strong> visitantes, es <strong>de</strong>cir personasque hacen un recorrido en el museo en un ti<strong>em</strong>po <strong>de</strong>terminado, no estamos hablando <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong>s que pue<strong>de</strong>n haber gestionado su propio museo o que han reclamado y a vecesconseguido que se tenga en cuenta su propia mirada sobre sí mismos.La construcción <strong>de</strong> los discursos sobre los que <strong>de</strong>scansan los sist<strong>em</strong>as expositivos <strong>de</strong> los museos serealizan y se han realizado históricamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> equipos, en el mejor <strong>de</strong> los casos interdisciplinarios,que reflejan sus propias posturas en lo que respecta a la historia, el arte o las ciencias, en esecontexto ¿que espacio <strong>de</strong> negociación tienen los visitantes para compartir el po<strong>de</strong>r?Entend<strong>em</strong>os que la búsqueda <strong>de</strong> una respuesta podría encontrarse también en el planteo <strong>de</strong>que el verda<strong>de</strong>ro po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scansa en el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los aspectos cognitivos <strong>de</strong> crecimientopersonal y auto <strong>de</strong>sarrollo, la hipótesis a <strong>de</strong>sarrollar en esta ponencia es que el verda<strong>de</strong>ro<strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento se apoya en consi<strong>de</strong>rar al visitante un sujeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales ypatrimoniales al que se le proponen <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el museo situaciones probl<strong>em</strong>áticas que él mismo<strong>de</strong>berá resolver en un ámbito más amplio que el que le ofrece el espacio físico <strong>de</strong> museo.Un poco <strong>de</strong> historiaSi entend<strong>em</strong>os los museos como lugares don<strong>de</strong> ocurren interacciones entre la obra y el espacio,pero también don<strong>de</strong> entra en juego el espectador con su presencia y con ello los distintospúblicos que tiene el museo, sobre todo en la actualidad, sab<strong>em</strong>os que son lugares don<strong>de</strong> todocircula. Espacios <strong>de</strong> tránsito don<strong>de</strong> se ponen en juego también (nuevamente) las relaciones <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r, las tensiones entre clases, los géneros que circulan y en el que se negocia con el otro/a,simpl<strong>em</strong>ente por la presencia en aquel lugar. Espacios que se cargan <strong>de</strong> un aura especial<strong>de</strong>pendiendo <strong>de</strong> lo que se está exponiendo, <strong>de</strong> las aceptaciones o rechazos que se producenpor parte <strong>de</strong>l espectador y <strong>de</strong> lo que queda resonando en “el otro” al salir <strong>de</strong> él. La otredad aquíes personificada si<strong>em</strong>pre por el/la que acce<strong>de</strong>, por el/la otro/a, por ese intruso/a que viene,que interactúa y que carga el lugar con su presencia; los roles son absorbidos por quienes losvisitan. Roles que son configurados y legitimados o no, <strong>de</strong>pendiendo <strong>de</strong> la resonancia; perosiendo en general, propuestas <strong>de</strong> re-construcciones a escala-vida.Importa recordar que ya en el 2005 en Canadá en el simposio <strong>de</strong> ICOFOM sobre Audiencia JoellLe Marec se interroga si la frecuentación al museo es la única relación que el museo tiene consu público, consi<strong>de</strong>rando que hay algunos que si bien no visitan los museos, experimentan d<strong>em</strong>anera bien explícita y perfectamente competente cual es el lugar que tiene el museo en tantoinstitución pública <strong>de</strong> fuerte valor simbólico, aunque no lo usen como lugar <strong>de</strong> práctica cultural.De ese mismo simposio cabe rescatar lo que H. Devine nos propone: estudiar a la audiencia<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el punto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> la Pedagogía Crítica, que tiene su referente en el famoso pedagogobrasileño Paulo Freire que creía que toda forma <strong>de</strong> educación <strong>de</strong>be ayudar al que apren<strong>de</strong>a reflexionar críticamente sobre el mundo y transformar las estructuras sociales que crean ymantienen opresión. Des<strong>de</strong> su perspectiva se consi<strong>de</strong>ra al museo como un ámbito pedagógico<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el que se construyen representaciones <strong>de</strong> la realidad, don<strong>de</strong> <strong>de</strong>ben también tener vozlos grupos minoritarios. Podría agregarse, que podríamos incluir en este planteo no sólo a las243


minorías sino a los excluidos <strong>de</strong>l sist<strong>em</strong>a, que en ciertas geografías son mayoría. Coincidimoscon esa autora al señalar que cuando los museos no son parte <strong>de</strong> la solución, son parte <strong>de</strong>lprobl<strong>em</strong>a. Por eso al hablar <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r que se <strong>de</strong>sea conferir al visitante es bueno recordarcomo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el ICOFOM e ICOFOM LAM se ha venido poniendo en cuestión el t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>l museocomo espacio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>r que se ejerce sobre grupos sociales más amplios que el grupovisitante, pero que por supuesto lo incluyen.El visitante un articulador institucional <strong>de</strong> la culturaSi hablamos <strong>de</strong> <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento no pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar la experiencia sociocultural<strong>de</strong> los visitantes en tanto sujetos activos <strong>de</strong> la experiencia museal. Cabe preguntarse a qu<strong>em</strong>etodologías apela el museo para que el visitante, tal como afirma M. Schärer, sea parte integral<strong>de</strong> la exhibición, para que ésta pueda ser recreada por cada visita individual. Si una exhibiciónnecesita el ti<strong>em</strong>po que dura una visita para generar comunicación y lograr que el procesoesté concluido, si antes <strong>de</strong> eso, la exhibición es sólo potencialidad, como se favorece <strong>de</strong>s<strong>de</strong>el museo que el visitante sea un productor <strong>de</strong> significados si<strong>em</strong>pre renovados?. Cómo sehace posible <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el po<strong>de</strong>r que ostentan los museos, que visitar una exposición sea negociarnuestra relación con lo que está expuesto. Para que el visitante, como último sujeto sea, encierta medida, un articulador institucional <strong>de</strong> la cultura.El <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento <strong>de</strong> los visitantes <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá en gran medida <strong>de</strong> la opción <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los museos,y sobre todo <strong>de</strong> los profesionales que se <strong>de</strong>s<strong>em</strong>peñan en ellos, para transformarse en esferaspúblicas alternativas: es <strong>de</strong>cir, en espacios para la negociación <strong>de</strong> los diversos significados y latransformación <strong>de</strong> la sociedad a través <strong>de</strong> procesos <strong>de</strong> reconocimiento <strong>de</strong> ciudadanía activos.¿Podrán los museos animarse a ser plataforma para la producción cultural crítica? Un espacioque pueda cuestionar y plantear mo<strong>de</strong>los alternativos don<strong>de</strong> formar y presentar diversas culturasen d<strong>em</strong>ocracia. Bajo este marco, la labor <strong>de</strong>l museo <strong>de</strong>bería adoptar un mo<strong>de</strong>lo crítico queinterprete la construcción social <strong>de</strong>l significado y el modo en que las culturas son <strong>de</strong>finidas ypresentadas en el mismo museo.Esta postura conlleva retos e incertidumbres, en gran medida el interrogante sobre laconvergencia entre el conocimiento experto y el conocimiento no experto.¿Implica el <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento <strong>de</strong> los visitantes el fin <strong>de</strong> los referentes académicos convencionales,la aceptación <strong>de</strong> nuevos referentes que selecciono yo, el visitante? En vez <strong>de</strong>l museo, el experto?Des<strong>de</strong> nuestro punto <strong>de</strong> vista el <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento real <strong>de</strong> los visitantes implicaría animarse a<strong>de</strong>svirtuar el papel <strong>de</strong> las instituciones culturales en la construcción <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y <strong>de</strong> lasnarrativas, a favor <strong>de</strong> procesos autónomos e in<strong>de</strong>pendientes, auto organizados, que se rigenpor otros criterios. Esto tiene que ver con la aparición <strong>de</strong> nuevos escenarios <strong>em</strong>ergentes paralas prácticas sociales y artísticas, don<strong>de</strong> “…el conocimiento se basa en un mo<strong>de</strong>lo narrativo,don<strong>de</strong> a educación se compone como una construcción <strong>de</strong> los relatos y visiones <strong>de</strong>l mundoque heredamos, construimos y rele<strong>em</strong>os constant<strong>em</strong>ente para dotar la mundo <strong>de</strong> significado...Por ello el trabajo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> narrativas <strong>de</strong> museos, abre la perta a construir formas diferentes <strong>de</strong>participar en la cultura cont<strong>em</strong>poránea, <strong>de</strong> trabajar con públicos y <strong>de</strong> motivar relaciones <strong>de</strong>ntroe os colectivos, que comparten, cruzan y exponen sus voces y experiencias.” (Rodrigo 2007)Consi<strong>de</strong>raciones finalesEmpo<strong>de</strong>rar a los visitantes implicaría explorar las posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> procesos <strong>de</strong> encuentro,receptividad y <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong>l otro, para potenciar su autonomía <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un colectivo,244


econociendo en el otro el principio <strong>de</strong> inteligencia colectiva. Formas <strong>de</strong> creación <strong>de</strong> conocimientocolectivo <strong>em</strong>ergente y alejado <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r heg<strong>em</strong>ónico.Con <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramiento ciudadano quiero <strong>de</strong>cir que los museos tienen la posibilidad <strong>de</strong> buscar recursospara <strong>de</strong>safiar a los visitantes a plantearse probl<strong>em</strong>áticas que vayan más allá <strong>de</strong> las instalacionesy <strong>de</strong>l instante <strong>de</strong> visita al museo, extendiéndolo en cuanto a espacio y ti<strong>em</strong>po para vincular lasactivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> los museos a las rutinas y a los lugares don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sarrollan las personas.Consi<strong>de</strong>rar otras alternativas: ofertar representatividad frente a calidad, magnificar lo comúnpor su significado, elaborar nuevos códigos <strong>de</strong> lo excepcional a partir <strong>de</strong> lo <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático ysignificante, transgredir con la exaltación sobre lo no convencional. No imponer discursos, noafirmar, sino promover preguntas y estar abiertos a las respuestas, múltiples y divergentes;reconstruir en vez <strong>de</strong> construir. Trabajar sobre el compren<strong>de</strong>r para apren<strong>de</strong>r sobre quienesfueron y quienes somos. Ir tejiendo sen<strong>de</strong>ros <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la crítica y lo marginal, lodiferente, es la urdimbre <strong>de</strong>l tejido que nos acerca a la Museología Crítica.Una iniciativa <strong>de</strong> dinamización social y cultural a través <strong>de</strong> la reflexión crítica y la participaciónciudadana, todo ello no exento <strong>de</strong> tensiones, contradicciones, acuerdos y <strong>de</strong>sacuerdos, propio<strong>de</strong> la complejidad <strong>de</strong> todo colectivo. Este paso supone transferir más po<strong>de</strong>r a los públicos yvisitantes, <strong>de</strong>sarrollando proyectos <strong>de</strong> producción cultural <strong>de</strong>s<strong>de</strong> y con las diversas miradas quese introducen en el museo, a la vez que se replantea el papel social <strong>de</strong>l museo y <strong>de</strong> la cultura.La interacción <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el punto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong> discursos a través <strong>de</strong> procesos <strong>de</strong>negociación, consenso, <strong>de</strong>bate, pero sobre todo <strong>de</strong> confrontación y cuestionamiento.De la expografía como diseño para la cont<strong>em</strong>plación <strong>de</strong>l objeto a la construcción <strong>de</strong> un discursoprovocador. Del bien patrimonial como objeto <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plación y disfrute al bien como objeto<strong>de</strong> conocimiento y <strong>de</strong>bate. No se trata tanto <strong>de</strong> una estrategia <strong>de</strong> comunicación entre un objetoy un público-espectador, sino las significaciones sociales, culturales, históricas, políticas, quese encuentran implícitas en ese proceso <strong>de</strong> comunicación: en lo que se comunica, en cómose comunica, por qué se comunica y cómo se interpreta. Y finalmente sería el visitante el que<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> si ese bien cultural que custodia el museo se valora como patrimonio o no.BibliografíaARRIETA URTIZBEREA, Iñaki (ed.); Participacion ciudadana, patrimonio cultural y museos: entre la teoria yla praxis. Bilbao: Servicio Editorial <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong>l País Vasco, 2008. 190 p. ISBN: 978-84-9860-129-BOURDIEU, P.; Darbel, A. & Schnapper, D., El amor al arte. Los museos europeos y su público, BuenosAires, Paidos, 2004.DÍAZ VALERDI, Ignacio; La m<strong>em</strong>oria fragmentada: el museo y sus paradojas. Gijón Asturias): EdicionesTrea, 2008. 170p. ISBN: 978-84-9704-35-9PADRÓ, Carla, «La museología crítica como una forma <strong>de</strong> reflexionar sobre los museos como zonas <strong>de</strong>conflicto e intercambio», en Lorente, Jesús Pedro y Almazán, Vicente David (comp.) Museología crítica yarte cont<strong>em</strong>poráneo, Zaragoza, Prensas Universitarias <strong>de</strong> Zaragoza, 2004, pp. 51-70.FLÓREZ CRESPO, M. M., «La museología crítica y los estudios <strong>de</strong> público en los museos <strong>de</strong> artecont<strong>em</strong>poráneo: caso <strong>de</strong>l museo <strong>de</strong> arte cont<strong>em</strong>poráneo <strong>de</strong> Castilla y León, MUSAC», De arte: revista <strong>de</strong>historia <strong>de</strong>l arte, 5, 2006, p. 232.FREIRE, Marla, “El po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> los museos <strong>de</strong> arte cont<strong>em</strong>poráneo en la (re)construcción <strong>de</strong> los rolessociales” Cuerpos y combate(s). Revista virtual <strong>de</strong> Arte Cont<strong>em</strong>poráneo y Nuevas Ten<strong>de</strong>ncias, Escáner245


Cultural .Nº 132, novi<strong>em</strong>bre 2010, Chile-España.FOUCAULT, M.: “Microfísica <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r”. Editorial La Piqueta, Madrid, 1993.HEIN, H. S., The <strong>Museu</strong>m in Transition. A philosophical Perspective, Washington, Smithsonian Books, 2000.HENNING, M., <strong>Museu</strong>ms, Media and Cultural Theory. Londres,Open University Press, 2006.HOOPER-GREENHILL, E., <strong>Museu</strong>ms and the Interpretation of Visual Culture, New York, Routledge, 2003.LORENTE, J.P., «Nuevas ten<strong>de</strong>ncias en la teoría museológica: a vueltas con la Museología Crítica »,museos.es, 2, 2006, pp. 231-243.LORENTE, Jesús Pedro y ALMAZÁN, Vicente David (comp.), Museología crítica y arte cont<strong>em</strong>poráneo,Zaragoza, Prensas Universitarias <strong>de</strong> Zaragoza, 2004.MAROEVIC, I., «Museology as a discipline of Information Sciences», Nordisk Museologi, 2, 1997, pp. 77-92.MONTPETIT, R., «<strong>Museu</strong>ms and knowledge: SharingA., <strong>Museu</strong>ms: where knowledge is share, Canadá,Asociación Canadiense <strong>de</strong> Museos, 1995.PEARCE, S. (Ed.), Objects of Knowledge. Londres: Athlone Press, 1990.PEARCE, S., Interpreting Objects and Collections, Londres, Routledge, 1996.VIEREGG, HILDEGARD K., RISNICOFF DE GORGAS M., SCHILLER, R. y TRONCOSO, M. (Eds.),Museología: Un campo <strong>de</strong>l conocimiento. Museología e Historia, Al<strong>em</strong>ania -Argentina, ICOFOM StudySeries, 35, 2006.246


Documentos <strong>de</strong> TrabalhoDocumentos <strong>de</strong> TrabajoG-03Museologia e biodiversida<strong>de</strong>: teoria epráticas do patrimônio integralMuseología y biodiversidad: teoría yprácticas <strong>de</strong>l patrimonio integral


A RELAÇÃO DA MUSEOLOGIA COM O MEIO AMBIENTE E OSPARQUES NACIONAISE. BELIANI e T. SCHEINERResumoO t<strong>em</strong>a Meio Ambiente e suas relações possíveis com o humano vêm gerando, nas últimas trêsdécadas, uma produção consistente no campo disciplinar da Museologia, a partir <strong>de</strong> documentos<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos como a carta final da UNCED72, o Relatório Brundtland (1987) e, na esferabrasileira, a Carta <strong>de</strong> Petrópolis (1979). A Ass<strong>em</strong>bleia Geral do ICOM realizada <strong>em</strong> Munique,<strong>em</strong> 1968 já incluía as reservas naturais na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu; <strong>em</strong> 2007, na Ass<strong>em</strong>bleia Geral<strong>em</strong> Viena, esta <strong>de</strong>finição torna-se ainda mais abrangente, ao enfatizar que todo patrimônio daHumanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seu meio ambiente, adquirido, conservado, pesquisado, comunicado e expostopara fins <strong>de</strong> educação, estudo e <strong>de</strong>leite, será reconhecido como museu. Esta discussão teóricaestá pautada na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> natureza como sist<strong>em</strong>a (paradigma ecológico) e t<strong>em</strong> influencia dasTeorias <strong>de</strong> Gaia, da Ecologia e do Holismo, que analisam a inter<strong>de</strong>pendência das relações entreHumanida<strong>de</strong> e Natureza, contribuindo para a construção da consciência ecológica. No campoteórico da Museologia o interesse pela questão do meio ambiente vincula-se ao conhecimentodos probl<strong>em</strong>as ligados ao <strong>de</strong>senvolvimento social, principalmente no que se refere à naturezae sua conservação - <strong>em</strong> sintonia com as diretrizes da UNESCO sobre o patrimônio. A partir dostrabalhos pioneiros <strong>de</strong> autores como Cameron; Davallon, Grandmont & Schielle; Desvallés, DeBarry & Wasserman; Edson; Évrard; Magnanini; Poulot; e Viel, entre outros, constrói-se umaTeoria da Museologia atenta às transformações sociais e ambientais. A Museologia trata danatureza como b<strong>em</strong> patrimonial, a ser protegido no presente para as gerações futuras atravésdo processo <strong>de</strong>nominado patrimonialização, que se refere à inscrição, como patrimônio, <strong>de</strong>aspectos do Real valorados por <strong>de</strong>terminados grupos sociais. Integram este contexto as áreasnaturais preservadas, entre elas, os parques nacionais, que vêm sendo musealizados - ou seja,submetidos aos procedimentos técnicos que os transformarão, na prática, <strong>em</strong> museus.Palavras chave: <strong>Museu</strong>, Museologia, Patrimônio, Meio ambiente, Parques Nacionais.AbstractTHE RELATIONSHIP OF MUSEOLOGY WITH THE ENVIRONMENT AND THE NATIONAL PARKSThe Environment and its possible relations with humans is an issue that has generated, overthe last three <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s, a consistent production in the disciplinary field of Museology, basedon <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>atic documents as the Charter of UNCED72, the Brüntland Report (1987) and, inthe Brazilian sphere, the Charter of Petropolis (1979). The General Ass<strong>em</strong>bly of ICOM heldin Munich in 1968 already inclu<strong>de</strong>d in the <strong>de</strong>finition of museum the natural reserves; in 2007,during the General Ass<strong>em</strong>bly in Vienna, this <strong>de</strong>finition became even wi<strong>de</strong>r, when it <strong>em</strong>phasizedthat all the heritage of Humanity and its environment - acquired, stored, studied, communicatedand exposed for purposes of education, study and enjoyment, will be recognized as museum.This theoretical discussion is based on the i<strong>de</strong>a of nature as a syst<strong>em</strong> (ecological paradigm)248


and has influenced the Gaia Theory, Ecology and Holism, which analyze the inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nceof the relationship between Humanity and Nature, contributing to the construction of ecologicalawareness. In the theoretical field of Museology the interest in environmental issues is linkedto the knowledge of the probl<strong>em</strong>s of social <strong>de</strong>velopment, especially with regard to Natureand its conservation - in line with the gui<strong>de</strong>lines of UNESCO concerning heritage. From theoriginal work of authors like Cameron; Davallon, Grandmont & Schielle; Desvallées, Barry &Wasserman; Edson; Évrard; Magnanini; Poulot; and Viel, among others, a theory of Museologyattentive to social and environmental change has been built. Museology <strong>de</strong>als with Nature asheritage property, to be protected in the present for future generations, through a process calledpatrimonialization, which refers to the inscription, as heritage, of aspects of Reality valued bycertain social groups. Such context is integrated by natural preserved areas, including thenational parks, which are being musealized – that is, submitted to the technical procedures thatwill, in practice, turn th<strong>em</strong> into museums.Keywords: <strong>Museu</strong>m, Museology, Heritage, Environment, National Parks.ResumenLA RELACIÓN DE LA MUSEOLOGÍA CON EL MEDIO AMBIENTE Y LOS PARQUESNACIONALESEl t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>l Medio Ambiente y sus posibles relaciones con los seres humanos ha generado, enlos últimos tres <strong>de</strong>cenios, una producción constante en el campo disciplinar <strong>de</strong> la Museología,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> documentos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos como la Carta <strong>de</strong> la UNCED72, el Report Brüntland (1987) y,en la esfera brasileña, la Carta <strong>de</strong> Petrópolis (1979). La Asamblea General <strong>de</strong>l ICOM, celebradaen Múnich en 1968, ya incluía en la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> Museo a las reservas naturales; en 2007, enla Asamblea General <strong>de</strong> Viena, dicha <strong>de</strong>finición se volvió aún más amplia, al subrayar que todoel patrimonio <strong>de</strong> la humanidad y <strong>de</strong>l medio ambiente en su entorno, adquirido, conservado,investigado, comunicado y expuesto con fines <strong>de</strong> estudio, educación y disfrute, será reconocidocomo museo. Esta discusión teórica se basa en la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> naturaleza como sist<strong>em</strong>a (paradigmaecológico) y ha influenciado la Teoría <strong>de</strong> Gaia, la Ecología y el Holismo, que analizan la relación<strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia entre la humanidad y la naturaleza, contribuyendo para la construcción <strong>de</strong>una conciencia ecológica. En el campo teórico <strong>de</strong> la Museología el interés por el t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>l medioambiente se vincula al conocimiento <strong>de</strong> los probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo social, especialmente enrelación con la naturaleza y su conservación - <strong>de</strong> acuerdo a las directrices <strong>de</strong> la UNESCO sobreel patrimonio. Des<strong>de</strong> los trabajos pioneros <strong>de</strong> autores como Cameron; Davallon, Grandmonty Schielle; Desvallées, Barry & Wasserman; Edson; Évrard; Magnanini; Poulot; y Viel, entreotros, se construye una Teoría <strong>de</strong> la Museología atenta al <strong>de</strong>sarrollo social y ambiental. LaMuseología se ocupa <strong>de</strong> la naturaleza como bien patrimonial, a ser protegido en el presente paralas generaciones futuras, a través <strong>de</strong> un proceso <strong>de</strong>nominado patrimonialización, que se refierea la inscripción, como patrimonio, <strong>de</strong> aquellos aspectos <strong>de</strong> lo real valorados por <strong>de</strong>terminadosgrupos sociales. Integran dicho contexto los espacios naturales preservados, incluidos losparques nacionales que hayan sido musealizados - es <strong>de</strong>cir, sometidos a los procedimientostécnicos que los transforman, en la práctica, en museos.Palabras-clave: Museo, Museología, Patrimonio, Medio ambiente, Parques Nacionales249


I. INTRODUÇÃONa socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea, permeada por múltiplos <strong>de</strong>safios socioambientais, t<strong>em</strong>-se buscadoa unicida<strong>de</strong> dos processos dinâmicos da relação natureza e cultura; isto v<strong>em</strong> possibilitando aconstrução <strong>de</strong> novas atitu<strong>de</strong>s, a promoção da consciência ambiental e melhoria dos padrões <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> da vida. E não há dúvidas <strong>de</strong> que o imperativo da conservação da natureza se tornout<strong>em</strong>a a ser discutido, por todos os campos dos saberes, e pelos atores sociais envolvidos coma questão ambiental.Nesta discussão, a Museologia, comprometida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1960 com o <strong>de</strong>senvolvimentosocial e ambiental, trata da natureza como b<strong>em</strong> patrimonial, a ser protegido no presente paraas gerações futuras, através do processo <strong>de</strong>nominado patrimonialização - que se refere àinscrição, como patrimônio, <strong>de</strong> aspectos do Real valorados por <strong>de</strong>terminados grupos sociais.Trabalha <strong>de</strong>sta forma a noção <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência das relações entre Humanida<strong>de</strong> e Natureza,contribuindo para a construção da consciência ecológica, pautada na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> natureza comosist<strong>em</strong>a (paradigma ecológico). Integram este contexto as áreas naturais preservadas, entre elas,os parques nacionais, que vêm sendo musealizados - ou seja, submetidos aos procedimentostécnicos que os transformarão, na prática, <strong>em</strong> museus.O presente texto trata <strong>de</strong>ssas relações, resumindo algumas das reflexões <strong>de</strong>senvolvidas nadissertação <strong>de</strong> Mestrado intitulada „As contribuições da museologia para a preservação <strong>em</strong>usealização do Parque Nacional da Tijuca“ (BELIANI, 2012), <strong>de</strong>fendida <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2012junto ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST.II. A PATRIMÔNIALIZAÇÃO DA NATUREZAFatores históricos, culturais e teóricos influenciaram o campo museológico a consi<strong>de</strong>rara natureza um test<strong>em</strong>unho material a ser preservado para as gerações futuras. A partir davalorização do patrimônio comum, que é a vida, observamos que esta t<strong>em</strong> tomado um novosentido para todos nós, inclusive para a Museologia.O interesse pelo t<strong>em</strong>a meio ambiente, neste campo <strong>de</strong> saber, vincula-se ao conhecimento dosprobl<strong>em</strong>as ligados ao <strong>de</strong>senvolvimento social, principalmente no que se refere à natureza e suaconservação I – <strong>em</strong> sintonia com as diretrizes da UNESCO sobre o patrimônio.Consi<strong>de</strong>rando a passag<strong>em</strong> da percepção estética do meio ambiente para a noção <strong>de</strong> que esteé um patrimônio; e tendo <strong>em</strong> vista que a lógica do museu se organiza fundamentalmente <strong>em</strong>torno do patrimônio, a Museologia passa a “patrimonializar” o meio ambiente. O olhar integradopara a valorização da natureza, entendida como patrimônio, se inicia a partir <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong>ITrês gran<strong>de</strong>s agências internacionais são importantes na organização <strong>de</strong> estratégias para a conservação da natureza:United Nations (ONU), United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) e International Unionfor Conservation of Nature (IUCN). A partir da criação da ONU comissões, programas, eventos, discussões e ações paraa proteção da vida no Planeta se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam <strong>em</strong> vários países. Logo <strong>de</strong>pois, com a criação da IUCN, as discussõessobre conservação da natureza começam a ser <strong>de</strong>lineadas <strong>em</strong> plano internacional, tornando-se ícone pro<strong>em</strong>inentepara a política <strong>de</strong> conservação. A criação da UNESCO, no âmbito da ONU, amplia a i<strong>de</strong>ia da natureza como patrimôniocomum da humanida<strong>de</strong>, através dos programas <strong>de</strong>senvolvidos <strong>em</strong> conjunto com outras organizações.250


documentos redigidos pela UNESCO através do ICOMOS II e do ICOM III . De acordo com estesdocumentos, popularmente conhecidos com o nome <strong>de</strong> “Cartas Patrimoniais” IV , o ambientepassa ser incorporado como “questão” no processo da proteção patrimonial.É possível averiguar na literatura especializada do campo museológico que, com a Conferênciaocorrida <strong>em</strong> Estocolmo <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 1972, a Museologia intensifica sua preocupação pelosprobl<strong>em</strong>as ligados ao <strong>de</strong>senvolvimento social, principalmente, no que se refere à natureza esua conservação.O ICOMOS, no uso da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural(1972) V traz à reflexão os t<strong>em</strong>as da conservação, proteção e valorização dos monumentos,conjuntos e sítios <strong>de</strong> todo o mundo, valorizando o território <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>, conservandotest<strong>em</strong>unhos materiais referentes ao hom<strong>em</strong> e seu meio ambiente. Vale <strong>de</strong>stacar que a ComissãoMundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), conhecida por Comissão Bruntland,enfatizou a vinculação do meio ambiente com as ações e necessida<strong>de</strong>s humanas. O relatóriofinal, <strong>de</strong>nominado Nosso Futuro Comum, t<strong>em</strong> como i<strong>de</strong>ia básica aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s dopresente s<strong>em</strong> comprometer a possibilida<strong>de</strong> das gerações futuras.No mesmo ano, no 1º S<strong>em</strong>inário Brasileiro para a Preservação e Revitalização <strong>de</strong> CentrosHistóricos, o documento conhecido como Carta <strong>de</strong> Petrópolis incorpora a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> patrimôniointegral, <strong>de</strong>finindo que o sítio histórico urbano <strong>de</strong>ve ser compreendido como o espaço queconcentra test<strong>em</strong>unhos do fazer cultural <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. Esse espaço é parte integrante <strong>de</strong> umcontexto amplo que inclui não só a paisag<strong>em</strong> construída pelo hom<strong>em</strong>, mas também a paisag<strong>em</strong>‘natural’, incluindo o próprio ser humano. Não é um espaço estático, mas <strong>em</strong> formação, poisengloba também “a vivência <strong>de</strong> seus habitantes num espaço <strong>de</strong> valores produzidos no passadoe no presente” e como tal <strong>de</strong>ve ser estudado. (IPHAN, 1995: 329).Da mesma forma, a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento(CNUMAD), mais conhecida por ECO-92, ocorrida no Brasil, traz à tona as discussões e ativida<strong>de</strong>spara as ações <strong>de</strong> conservação do patrimônio dito natural, mas que teoricamente é integral. Váriosdocumentos foram aprovados, neste evento, <strong>de</strong>ntre eles a Declaração do Rio <strong>de</strong> Janeiro sobre oMeio Ambiente e o Desenvolvimento; a Convenção sobre Mudanças Climáticas; a Declaração <strong>de</strong>Princípios sobre Florestas; a Convenção da Biodiversida<strong>de</strong> (CDB); e a Agenda 21. Des<strong>de</strong> então, taisdocumentos norteiam as ações para a conservação da natureza no mundo inteiro. E no presenteano, 2012, novamente no Brasil, a Conferência das Nações Unidas sobre o DesenvolvimentoSustentável (Rio+20), renova e intensifica a discussão que se abriu nos anos 1970.A prática consciente dos acordos revelados nos documentos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos como a carta finalda UNCED72, o Relatório Brundtland (1987) e - na esfera brasileira - a Carta <strong>de</strong> Petrópolis(1987), a UNCED92 e a Rio+20, revelam uma nova preocupação pelos probl<strong>em</strong>as ligados ao<strong>de</strong>senvolvimento social, principalmente no que se refere à natureza e sua conservação; e oIIInternational Council on Monuments of Sites.IIIInternational Council of <strong>Museu</strong>ms.IVAs Cartas Patrimoniais fornec<strong>em</strong> um panorama das diferentes abordagens para a preservação dos bens culturais,registram como se <strong>de</strong>u o processo da organização <strong>de</strong> conceitos e orientam para as ações <strong>de</strong> proteção. Por ter<strong>em</strong>sido escritas <strong>em</strong> diferentes momentos, décadas e partes do mundo, oferec<strong>em</strong> uma inter-relação <strong>de</strong> pensamentos econhecimentos sobre a questão tratada.VA Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural aconteceu <strong>em</strong> Paris, na França, 4 meses apósa 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas(ONU) <strong>em</strong> Estocolmo, <strong>em</strong> 1972 (UNCED 72), on<strong>de</strong> as informações e construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias circulavam no mesmo contexto.251


compromisso ético pelo território coletivo – <strong>em</strong> sintonia com as diretrizes da UNESCO sobre opatrimônio. Tais ações possibilitam consi<strong>de</strong>rar o meio ambiente um patrimônio a ser preservado.A criação <strong>de</strong> áreas protegidas possibilita tornar a natureza um patrimônio. Scifoni e Ribeiro (2006:114)realçam que “preservar uma área natural e elevá-la à condição <strong>de</strong> patrimônio natural é uma ação quese <strong>de</strong>senvolve no território”. Assim, a proteção e conservação através da valoração como patrimôniotornam-se uma estratégia para alcançar o <strong>de</strong>senvolvimento através da relação humana com anatureza. Porém, conforme diz Paes-Luchiari (2007:27), “a natureza e seus processos têm a suaprópria lógica e dinâmica, mas a patrimonialização da natureza é uma ação política e cultural”. Asleis <strong>de</strong> tombamento e <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> áreas protegidas são <strong>de</strong>terminadas pela esfera culturale sociopolítica <strong>em</strong> cada período histórico, nos quais imprim<strong>em</strong> um olhar patrimonializado à natureza;a partir <strong>de</strong>stes processos as referências naturais são percebidas como culturais. É interessantepensarmos que “é <strong>em</strong> torno do hom<strong>em</strong> que o sist<strong>em</strong>a da natureza conhece uma nova valorizaçãoe, por conseguinte, um novo significado” (Santos, 1997:90).A patrimonialização da natureza está voltada para a sobrevivência do Planeta Terra e também douniverso simbólico da socieda<strong>de</strong> humana, no que diz respeito à m<strong>em</strong>ória e à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. É umaforma <strong>de</strong> institucionalização da concepção e representação <strong>de</strong> natureza, através da mediaçãotécnica <strong>de</strong> conservação, permeada por um sist<strong>em</strong>a simbólico <strong>de</strong> valoração. Conforme enfatizamDavallon, Grandmont e Schielle (1992:56), a “‘patrimonialização’ do meio ambiente opera segundoas modalida<strong>de</strong>s que respond<strong>em</strong> tanto à especificida<strong>de</strong> da instituição museal como à sua evoluçãoatual como mídia”.III. AS AÇÕES DOS MUSEUS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEAA relação da Museologia com as questões dinâmicas da socieda<strong>de</strong>, da natureza e dohumano possibilitou ao ICOM cont<strong>em</strong>plar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1968, as reservas naturais na <strong>de</strong>finição<strong>de</strong> museus VI . A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> 2007, aprovada na Ass<strong>em</strong>bleia Geral <strong>em</strong> Viena,torna-se ainda mais abrangente, ao enfatizar que todo patrimônio da Humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>seu meio ambiente, adquirido, conservado, pesquisado, comunicado e exposto para fins <strong>de</strong>educação, estudo e <strong>de</strong>leite, será reconhecido como museu.Na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> valores cont<strong>em</strong>porâneos, os museus se alinham à preocupação científica,tecnológica e comunicacional. No âmbito da comunicação, os museus abarcam um vasto campo<strong>de</strong> pensamento e ação, assumindo um papel importante para a interpretação da cultura, comofortalecimento da diversida<strong>de</strong> e da conscientização para a qualida<strong>de</strong> e conservação da vida. Aatuação dos museus <strong>em</strong> busca da sensibilização e conscientização ecológica, como um “’espaçopúblico’ que oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se formar opinião sobre o que está <strong>em</strong> vias <strong>de</strong> tornar-seo ‘patrimônio ver<strong>de</strong>’” - conforme <strong>de</strong>stacam Davallon, Grandmont E Schielle (1992:56) - revelaa ação transformadora da Museologia e traz à tona o reconhecimento do ser humano como oprincipal protagonista para <strong>de</strong>terminar e garantir a manutenção do planeta; e ao mesmo t<strong>em</strong>po,a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação ativa na promoção <strong>de</strong> uma nova ética capaz <strong>de</strong> conciliar naturezae socieda<strong>de</strong> VII . Vale <strong>de</strong>stacar que, nas últimas décadas, os museus têm adquirido perante aVINa 8ª Ass<strong>em</strong>bleia Geral realizada <strong>em</strong> Munique, Al<strong>em</strong>anha, encontram-se as reservas naturais cont<strong>em</strong>pladas na<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> museu. In: BOYLAN, P. Defining <strong>Museu</strong>ms and Galleries – ICOM International Committee for the Trainingof Personnel (ICOM-ICTOP). Disponível <strong>em</strong> Acesso <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>2010. (Tradução e grifos nossos).VIICabe l<strong>em</strong>brar que no Brasil, a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (2003-2010) estabelece, entre seus eixos <strong>de</strong> ação, o„incentivo a programas e ações que viabiliz<strong>em</strong> a conservação, preservação e sustentabilida<strong>de</strong> do patrimônio culturalsubmetido a processos <strong>de</strong> musealização“ (MINC, 2010, p.9).252


socieda<strong>de</strong> um novo papel: o <strong>de</strong> refletir sobre o passado, o presente e o futuro – e trabalhar para aformação social, política e ecológica das diferentes coletivida<strong>de</strong>s, colaborando com a mudança <strong>de</strong>consciência dos indivíduos sobre as sua experiência <strong>de</strong> mundo, visando “à preservação e uso daherança cultural e natural” (MENSCH, 1994:3).A Museologia – campo científico com seu espaço próprio <strong>de</strong> pesquisa, análise e sist<strong>em</strong>atização– traz à discussão nos anos 1970, na França e <strong>em</strong> todo mundo, o papel tradicional do museu (DeVarine, 1987), já que havia o <strong>de</strong>sejo da busca <strong>de</strong> novos <strong>de</strong>safios para a re<strong>de</strong>scoberta do papel domuseu perante a socieda<strong>de</strong>. Neste sentido, na segunda meta<strong>de</strong> do século XX, a i<strong>de</strong>ia, advinda daEcologia, <strong>de</strong> que todos nós pertenc<strong>em</strong>os à comunida<strong>de</strong> global da biosfera, implica a construção<strong>de</strong> um novo paradigma: o paradigma ecológico, segundo o qual todos os sist<strong>em</strong>as da naturezainterag<strong>em</strong> através <strong>de</strong> processos complexos. Este novo paradigma, influenciado por movimentosculturais e sociais que marcaram o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970, <strong>de</strong>staca-se nocampo dos museus. É “neste ambiente que se <strong>de</strong>svela o <strong>Museu</strong> do século XX. Um ambiente no qualHom<strong>em</strong>, Natureza e Real são concebidos: a) <strong>em</strong> relativida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong>; b) <strong>em</strong> integralida<strong>de</strong>; c)<strong>em</strong> continuida<strong>de</strong>” (Scheiner, 2005:93). É uma nova maneira <strong>de</strong> pensar o mundo, <strong>de</strong> pensar o Real.A formalização <strong>de</strong>stas novas i<strong>de</strong>ias ocorre na Mesa Redonda sobre o Desenvolvimento e o Papeldos <strong>Museu</strong>s no Mundo Cont<strong>em</strong>porâneo, promovida pelo ICOM/UNESCO, conhecida por MesaRedonda <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Chile, ocorrida <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1972. Foi uma discussão pontual no que serefere ao papel ativo dos museus nas questões sociais, econômicas e culturais, por meio <strong>de</strong> açõeseducativas (momento este <strong>em</strong> que se refletia o papel tradicional do museu, dito por De Varine). Esteevento gerou a Declaração <strong>de</strong> Santiago do Chile, que trata da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os museus tomar<strong>em</strong>consciência <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong> social e recomenda que sejam buscadas soluções para queatu<strong>em</strong> como transformadores sociais, condição essencial para sua integração à vida <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>.No I Encontro Regional do ICOFOM-LAM (1992) VIII , <strong>em</strong> Buenos Aires, Argentina, a partir do t<strong>em</strong>a<strong>Museu</strong>s, Socieda<strong>de</strong> e Meio Ambiente Integral, além <strong>de</strong> uma discussão sobre o fato <strong>de</strong> que os museus<strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar preparados para enfrentar as mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais domeio ambiente integral, recomendou-se que o discurso do <strong>Museu</strong>, assim como o da socieda<strong>de</strong>como um todo, fosse consi<strong>de</strong>rado na sua relação com o meio ambiente.Como um processo dinâmico, complexo e social, o <strong>Museu</strong> se auto-organiza frente às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> constante mudança, <strong>de</strong>senvolvendo um trabalho ligado às questões <strong>em</strong>ergentesda socieda<strong>de</strong>. Sendo a Museologia uma ciência social (MAURE, 1995:129) e interdisciplinar, o<strong>Museu</strong>, consequent<strong>em</strong>ente, passa a ter um papel social que vai além da interação que ocorre navisita pública. A relação da Museologia com a socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea é um projeto integral quese <strong>de</strong>senvolve sobre 4 pilares: pesquisa, documentação, preservação e comunicação (Figura 1).Figura 1. Os quatro pilares daMuseologia Cont<strong>em</strong>porâneaVIIIEste evento da Museologia foi impulsionado pela CNUMAD92.253


A submissão da natureza às ações do <strong>Museu</strong>, pelo que chamamos musealização, possibilita àMuseologia tratar das relações natureza/socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma integral, já que as três instânciasestão intimamente ligadas. Scheiner (1991) enfatiza que a partir da Conferência <strong>de</strong> Santiagoa Museologia reconhece amplamente que “o sujeito da Museologia é a socieda<strong>de</strong> – e que ocampo <strong>de</strong> atuação do museu é o meio ambiente total: socieda<strong>de</strong>, território, patrimônio naturale cultural” direcionando “sua ação para a mais rica herança <strong>de</strong> nosso planeta: a vida”.O <strong>Museu</strong> se faz representar para a socieda<strong>de</strong> sob diversas formas (SCHEINER, 1998): museuinterior, museu tradicional (museu tradicional ortodoxo, museu exploratório, museu com coleçõesvivas), museu <strong>de</strong> território (museu a céu aberto, áreas culturais preservadas, áreas naturaispreservadas, ecomuseu), museu virtual e museu global (Quadro 1).Quadro 1. Representaçõesdo Fenômeno <strong>Museu</strong>É oportuno esclarecer que a representação <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> trabalhada na pesquisa foi o museu<strong>de</strong> território. Este conceito auxiliou bastante a noção <strong>de</strong> uma Museologia preocupada com asmudanças sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais.Segundo Scheiner (1998), o museu <strong>de</strong> território, produto das teorias sociais, é o espaço outerritório on<strong>de</strong> todo o conjunto <strong>de</strong> referências valoradas como ‚patrimônio‘ (ou parte significativado mesmo) encontra-se musealizado, ou seja, subordinado a parâmetros específicos <strong>de</strong> proteção,documentação, estudo e interpretação. Sua base conceitual é o patrimônio. O que importa nest<strong>em</strong>useu é o estudo das relações <strong>de</strong> sincronicida<strong>de</strong> e ruptura entre os diversos componentes doconjunto. Integram o museu <strong>de</strong> território todos os el<strong>em</strong>entos constituintes do espaço musealizado:recursos naturais renováveis e não renováveis, formas <strong>de</strong> ocupação do espaço, relações entreo hom<strong>em</strong> e a paisag<strong>em</strong>, relações intergrupais, o fazer cultural e o produto <strong>de</strong>ste fazer. Nestacategoria, inclu<strong>em</strong>-se as áreas naturais preservadas, como os parques nacionais IX . A diferençaessencial entre o museu tradicional entre o museu <strong>de</strong> território encontra-se nos seus principaisel<strong>em</strong>entos. Maure (1995:130) diferencia muito b<strong>em</strong> esta questão:O museu tradicional é, fisicamente falando, uma construção que guarda umacoleção <strong>de</strong> objetos. O campo <strong>de</strong> ação do novo museu engloba o território <strong>de</strong>sua comunida<strong>de</strong>, território <strong>de</strong>finido no senso <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> geográfica, politica,econômica, natural e cultural. A infraestrutura museográfica se <strong>de</strong>scentraliza, sefragmenta e investiga o território por meio <strong>de</strong> equipamentos diversos.IXVale <strong>de</strong>stacar que as áreas naturais são museus a céu aberto. Mas n<strong>em</strong> todos os museus <strong>de</strong>sta categoria sãoparques nacionais ou áreas naturais preservadas.254


Estes equipamentos pod<strong>em</strong> existir sob a forma <strong>de</strong> Centro <strong>de</strong> Visitantes, ou Centro <strong>de</strong> Interpretação,informações nas placas indicativas, nas trilhas, nos projetos interdisciplinares com a equipe quecompõe a Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação, por ex<strong>em</strong>plo. Magnanini (2011) X enfatiza que no ParqueNacional, <strong>de</strong>ntro da zona <strong>de</strong> uso intensivo, o mais importante é o Centro <strong>de</strong> Visitantes; e <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>ste, o museu, ou seja - aquilo que será exibido para ser interpretado pelo público visitante.Magnanini se refere aqui às ações do processo <strong>de</strong> musealização, por ex<strong>em</strong>plo, as exposiçõese interpretações da excepcionalida<strong>de</strong> da natureza que o visitante não vê, muitas vezes, <strong>de</strong>ntrodo parque, <strong>de</strong>vido à dinâmica dos processos naturais.Para Scheiner (1991) o museu que contém um museu é reconhecido como Metamuseu. Istoocorre quando se inclui no território musealizado museus do tipo tradicional, que expõe einterpretam. O mo<strong>de</strong>lo teórico do Metamuseu é “s<strong>em</strong>elhante ao <strong>de</strong> uma célula, on<strong>de</strong> o museu éo núcleo, o ponto central a partir <strong>de</strong> on<strong>de</strong> irradia, ou para on<strong>de</strong> converge, todo trabalho <strong>de</strong> coleta,investigação, documentação, conservação e interpretação daquele conjunto”. Os ParquesNacionais são também metamuseus, por ter<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua estrutura Centros <strong>de</strong> Visitantes ouCentros <strong>de</strong> Interpretação (Figura 2).Figura 2. Mo<strong>de</strong>lo teórico do Metamuseu e ilustração do mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> Centro <strong>de</strong> Visitação do Parque NacionalDepen<strong>de</strong>ndo da realida<strong>de</strong> do território, o Metamuseu po<strong>de</strong> ter mais <strong>de</strong> um núcleo - o queocorre, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> vários ecomuseus (caso das antenas) e também <strong>em</strong> alguns parquesnacionais, como o <strong>de</strong> Serra dos Órgãos, que t<strong>em</strong> se<strong>de</strong> e subse<strong>de</strong>. O objetivo <strong>de</strong>stes espaçosé receber o visitante que <strong>de</strong>seja informações, orientações sobre os pontos <strong>de</strong> visitação e asativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong>ntro do parque; ou seja, é um espaço <strong>de</strong> apoio aos programasrelacionados ao uso público e <strong>de</strong> conservação da natureza, objetivando a qualida<strong>de</strong> daexperiência <strong>de</strong> visitação. São espaços interativos entre o público visitante e os recursosnaturais disponíveis no Parque Nacional.Assim se organiza um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho museológico, não mais linear, mas integradodinamicamente, <strong>em</strong> um processo circular e aberto, tendo por objeto o patrimônio das socieda<strong>de</strong>spassadas e do presente (Figura 3):XConforme entrevista cedida à pesquisadora <strong>em</strong> 14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2011.255


Figura 3. Representação do trabalho no <strong>Museu</strong> Tradicional e no <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> Território.A ênfase se dá no território como um todo. Há mudança no discurso, na linguag<strong>em</strong> e na ação. Ocampo museológico, <strong>em</strong> sua interdisciplinarida<strong>de</strong>, acompanha as mudanças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as sociais atéas ambientais, com objetivo <strong>de</strong> preservar o patrimônio total para as gerações futuras e trabalhauma posição inovadora e compl<strong>em</strong>entar.IV. A CONTRIBUIÇÃO DO MUSEOLóGO NOS PARQUES NACIONAISOs estudos do ICMBio (2011) revelam que, <strong>em</strong> 4 anos, o número <strong>de</strong> visitantes dobrouconsi<strong>de</strong>ravelmente nos Parques Nacionais. Por outro lado, é importante <strong>de</strong>stacar que, <strong>de</strong> acordocom o portal do ICMBIO XI , dos 67 Parques Nacionais estabelecidos no Brasil, somente trintaestão abertos aos visitantes; <strong>de</strong>sta forma, um pouco menos da meta<strong>de</strong> dos Parques Nacionaisestaria preparada para receber seus visitantes. Um dos dispositivos criados e que formalizam eorganizam a visitação é o controle <strong>de</strong> visitantes, especialmente quando articulado com estudos <strong>de</strong>público. Mas para além <strong>de</strong>sta prática, é possível verificar o fluxo <strong>de</strong> visitação a partir dos Centros<strong>de</strong> Visitantes, instalados <strong>em</strong> locais <strong>de</strong>signados nos respectivos Planos <strong>de</strong> Manejo (Gráfico 1).XIDisponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2011.256


É importante analisar que, dos trinta Parques Nacionais, abertos à visitação, vinte possu<strong>em</strong>Centros <strong>de</strong> Visitantes. Isto po<strong>de</strong>rá signifi car que, nestes vinte parques, exista um possíveltratamento <strong>de</strong> dados para a interpretação do patrimônio para o público visitante. Dentre elesestá o Parque Nacional da Tijuca. Destas unida<strong>de</strong>s, seis Parques Nacionais não estão comseus Centros <strong>de</strong> Visitantes abertos ao público, <strong>de</strong>vido a reformas ou à fase <strong>de</strong> construção.Em alguns parques, os Centros <strong>de</strong> Visitantes existentes não têm exposição, o que caracterizaque, <strong>de</strong> certa forma, não cumpr<strong>em</strong> seu objetivo - a refl exão sobre o meio ambiente, enquantorepresentação patrimonial (l<strong>em</strong>a ofi cial do ICMBio na entrada <strong>de</strong> todos os Parques Nacionais).O Centro <strong>de</strong> visitantes não é um fim <strong>em</strong> si mesmo. É necessário que se tenha um trabalhoefetivo <strong>de</strong> promoção do patrimônio.A presença do museólogo se torna importante <strong>de</strong>ntro dos Parques Nacionais, pois o trabalho<strong>de</strong>ste profi ssional auxilia o visitante a compreen<strong>de</strong>r a excepcionalida<strong>de</strong> da natureza. Nestaperspectiva, Cury (2007:76) diz que “o museu formula e comunica sentidos (...) [e] o público,sujeito criativo, re<strong>de</strong>fi ne o discurso museológico ao interpretar e (re)signifi car. O público, então,faz circular o novo discurso <strong>em</strong> seu cotidiano”.O visitante é, portanto, levado a <strong>de</strong>scobrir <strong>em</strong> seu próprio ritmo e suas próprias interpretaçõessobre a natureza e meio ambiente. Consi<strong>de</strong>rando que a natureza é dinâmica e que os sist<strong>em</strong>asecológicos são inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, a conscientização da conservação <strong>de</strong>stes sist<strong>em</strong>as conduz,por ressonância, à percepção da natureza como patrimônio. O patrimônio natural apresentauma condição reativa <strong>em</strong> que a ressonância permite que se <strong>de</strong>fi na, por um lado, a preservaçãoda biodiversida<strong>de</strong> e da geodiversida<strong>de</strong>; e por outro lado, a permanência do ser humano noplaneta terra, como uma relação orgânica e subjetiva.Observa-se que no Brasil quase a meta<strong>de</strong> das áreas nacionais protegidas, <strong>de</strong>ntro do grupo <strong>de</strong>Proteção Integral, constitui-se <strong>de</strong> Parques Nacionais (Gráfi co 2).Consi<strong>de</strong>rando as categorias Parque Nacional e Monumento Natural, enten<strong>de</strong>-se que o campo daMuseologia po<strong>de</strong> contribuir efetivamente com as políticas públicas <strong>de</strong> proteção da natureza, <strong>em</strong>quase a meta<strong>de</strong> das categorias <strong>de</strong> Proteção Integral, através da musealização das áreas naturais.A ação da Museologia Cont<strong>em</strong>porânea, enquanto estratégia para resolução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as práticoscontribuirá para a proteção dos parques nacionais, inclusive aqueles que são geridos a nível257


estadual e municipal. Outro dado importante é que o profissional <strong>de</strong> museus inserido na equipedos Parques Nacionais proporcionaria maior mobilida<strong>de</strong> ao uso público <strong>de</strong>ste território. Sabendoque no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1970, a Museologia se <strong>de</strong>bruça sobre a categoria Parques Nacionais,elaboramos um quadro percentual somente <strong>de</strong>stas unida<strong>de</strong>s nos três níveis <strong>de</strong> gestão (Gráfico 3).Em se tratando dos duzentos e quarenta e cinco Parques estabelecidos, <strong>em</strong> seus diferentes níveis,observamos que os museólogos po<strong>de</strong>riam atuar duas vezes mais, a nível estadual, comparandosecom a esfera nacional. Desta forma a contribuição da Museologia para a preservação dosParques aumentaria, caso fosse efetivamente impl<strong>em</strong>entado <strong>em</strong> todas essas áreas o processo<strong>de</strong> musealização.O profissional <strong>de</strong> museus trabalhando nos Parques, <strong>em</strong> qualquer esfera governamental, t<strong>em</strong> afunção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, analisar e sintetizar tudo aquilo que se referir ao território <strong>em</strong> questão, <strong>de</strong> modoque se possa propiciar a correta interpretação pelo público visitante dos recursos <strong>de</strong>sses territórios.V. CONSIDERAÇÕES FINAISA Museologia é comprometida com o Meio Ambiente, s<strong>em</strong> sombra <strong>de</strong> dúvidas. Todos os ParquesNacionais são potencialmente museus, mas para que atu<strong>em</strong> como tais e auxili<strong>em</strong> o seu uso públicoé importante incorporar à sua gestão metodologias que permitam que a socieda<strong>de</strong> assim os veja.Antes <strong>de</strong> mais nada, é fundamental que o po<strong>de</strong>r público compreenda que o Parque é museu e queo profissional <strong>de</strong> museus <strong>de</strong>va fazer parte da equipe <strong>de</strong> trabalho, e não ser convidado somentepara participar <strong>de</strong> campanhas e/ou editais.Tanto nos museus chamados tradicionais, quanto nos parques nacionais, zoos, aquários eecomuseus, a Museologia traduz aspectos da relação entre hom<strong>em</strong> e natureza e possibilitaesta integração, assim como a Educação Ambiental. A musealização <strong>de</strong> um Parque po<strong>de</strong> serum caminho contributivo para a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu uso público. Ter um Parque Nacional atuandoefetivamente como museu permite <strong>de</strong>senvolver mecanismos que aument<strong>em</strong> a sensibilida<strong>de</strong>das pessoas para i<strong>de</strong>ntificar o conjunto <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as vivos que o compõ<strong>em</strong>. Interpretar essesconjuntos para o público visitante, priorizando o <strong>de</strong>senvolvimento da consciência ecológica, <strong>de</strong>ve258


ser tarefa do profissional <strong>de</strong> museus uma vez que este é capacitado para trabalhar com a i<strong>de</strong>ia ea representação do patrimônio a ser preservado.Os dispositivos utilizados pela Museologia permit<strong>em</strong> a reconexão do hom<strong>em</strong> com a natureza,e atuam como articuladores da consciência ecológica tão <strong>em</strong> voga na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>. Ainterpretação da natureza, b<strong>em</strong> contextualizada e alicerçada <strong>em</strong> padrões técnicos, fundamentados<strong>em</strong> teorias e metodologias próprias do campo da Museologia, constitui o caminho para que umParque seja consi<strong>de</strong>rado museu, pelos atores sociais com ele envolvidos. Para tanto, é preciso quese encontre ressonância social entre os diversos atores envolvidos com o território e o patrimônioa ser preservado <strong>em</strong> cada parque.Para melhor cumprir seu papel social, cada uma <strong>de</strong>stas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veria conter um museu e/oucentro <strong>de</strong> visitantes, para facilitar o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação e educaçãoambiental. O trabalho <strong>em</strong> equipes transdisciplinares, <strong>em</strong> parques nacionais, contribui para oseu uso público e para o conhecimento <strong>de</strong> toda a diversida<strong>de</strong> cultural, social e humana. Valeressaltar que com a pesquisa conclui-se que a Museologia t<strong>em</strong> contribuído com a conservaçãoda natureza a partir <strong>de</strong> seu trabalho <strong>de</strong> musealização nos Parques Nacionais, e isto <strong>de</strong>ve sercompreendido tanto nos campos disciplinares das Ciências Naturais e Ambientais quanto nasCiências Humanas e Sociais.A Museologia po<strong>de</strong> trabalhar nos Parques Nacionais e ajudar a re<strong>de</strong>finir a relação do hom<strong>em</strong> coma natureza, contribuindo para a construção <strong>de</strong> sujeitos conscientes <strong>de</strong> suas d<strong>em</strong>andas sociais,culturais e ambientais e proporcionando a cada indivíduo o conhecimento e a consciência <strong>de</strong> simesmo e do ambiente que o cerca, através <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> interpretação do patrimônio.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBELIANI, Elisama. As contribuições da Museologia para a preservação e musealização do Parque Nacionalda Tijuca. Dissertação. Mestrado <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio, Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Museologiae Patrimônio-PPG-PMUS, UNIRIO/MAST. RJ, 2012. 197 p. Orientador: Tereza Scheiner.BOYLAN, Patrick. Defining <strong>Museu</strong>ms and Galleries – ICOM International Committee for the Training ofPersonnel (ICOM-ICTOP). Disponível <strong>em</strong> Acesso <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong>Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010.BRASIL. Instituto Chico Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Biodiversida<strong>de</strong> (ICMBio). Disponível <strong>em</strong> Acesso <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2011.CURY, Marilia Xavier. Comunicação museológica <strong>em</strong> museu universitário: pesquisa e aplicação no <strong>Museu</strong><strong>de</strong> Arqueologia e Etnologia-USP. Revista CPC, São Paulo, n.3, p. 69-90, nov. 2006/abr. 2007. Disponível <strong>em</strong> Acesso <strong>em</strong> 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2011.DAVALLON, Jean, GRANDMONT, Gerald & SCHIELLE, Bernard. L’environn<strong>em</strong>ent entre au Musée.Collection Muséologies. Lyon: Presses Universitaires <strong>de</strong> Lyon, 1992.DE VARINE, Hugues. O t<strong>em</strong>po social. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Eça, 1987.IBRAM. Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s. Relatório <strong>de</strong> Gestão 2003-2010. Ministério da Cultura, InstitutoBrasileiro <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s. Brasília. MINC/IBRAM, 2010. p. 23-24.ICOM - International Council of <strong>Museu</strong>ms. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2011.259


ICOMOS – International Council on Monuments and Sites. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 3<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2011.IPHAN. Carta <strong>de</strong> Petrópolis. 1º S<strong>em</strong>inário Brasileiro para Preservação e Revitalização <strong>de</strong> Centros Históricos.Publicado no Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Documentos n.º 3 – “Cartas Patrimoniais” – Ministério da Cultura Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, 1995.IUCN. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011.MAGNANINI, Alceo. O papel do museólogo nos Parques Nacionais. Palestra apresentada no XXV EncontroAnual do ICTOP. Rio <strong>de</strong> Janeiro, UNIRIO, set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1993. Inédito.________________. Entrevista concedida a pesquisa dissertação. Rio <strong>de</strong> Janeiro. 2011MAURE, Marc. A Nova Museologia: o que é? In: [ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONALCOMMITTEE FOR MUSEOLOGY/ICOFOM (17)]. Symposium <strong>Museu</strong>m and Community II. Stavanger,Noruega, jul. 1995. Coord. Martin R. Schärer. ICOFOM STUDY SERIES - ISS 25. Org. and edited by MartinR. Schärer. Vevey: International Committee for Museology / ICOFOM; Alimentarium Food <strong>Museu</strong>m, 1995. p.127-132. Título original: La nouvelle muséologie – qu‘est-ce-que c‘est? Trad. Tereza Scheiner. RJ: UNIRIO,março 2000.MENSCH, Peter van. O objeto <strong>de</strong> estudo da Museologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UNIRIO/UGF, 1994.ONU. Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, na cida<strong>de</strong><strong>de</strong> Paris. 1972. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 05 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>2011.________________. Declaração sobre o ambiente humano, Estocolmo, junho <strong>de</strong> 1972. Declaração firmadapor ocasião da Conferência das Nações Unidas, Estocolmo, Suécia, 5-15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1972. Disponível <strong>em</strong> Acesso <strong>em</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>2010.________________. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011.PAES-LUCHIARI, M.T.D. Turismo e Patrimônio natural no uso do território. In: PAES-LUCHIARI, MariaTereza D.; BRUHNS, Heloísa Turini e SERRANO Célia (orgs). Patrimônio, Natureza e Cultura. Campinas,SP: Papirus, 2007.SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Souza. Um discurso sobre as ciências. 13º Ed. Porto: Afrontamento, 2002.(Coleção História e I<strong>de</strong>ias, 1.)SCHEINER, Tereza. Interação <strong>Museu</strong>-comunida<strong>de</strong> pela Educação Ambiental. RJ, Tacnet Cultural Ltda.,1991.________________. Apolo e Dionísio no t<strong>em</strong>plo das musas. <strong>Museu</strong>: gênese, idéia e representações nacultura oci<strong>de</strong>ntal. 1998. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> comunicação) – Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong>Comunicação e Cultura. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro/ECO, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998.________________. Museologia e pesquisa: perspectivas na atualida<strong>de</strong>. In: GRANATO e SANTOS (Org).<strong>Museu</strong>s Instituição <strong>de</strong> Pesquisa. P. 85-100. Revista MAST Colloquia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MAST. V. 7. 2005.SCIFONI, Simone e RIBEIRO, Wagner Costa. Preservar: por que e para qu<strong>em</strong>? Revista Patrimônio eM<strong>em</strong>ória. UNESP – FCLAs – CEDAP, v.2, n.2, 2006.UNESCO. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011.________________. DECLARAÇÃO <strong>de</strong> Santiago. Princípios <strong>de</strong> base do museu integral. <strong>Museu</strong>m. The roleof museums in today‘s Latin America. Paris, UNESCO, v.XXV, n.3, p.198, 1973.260


TRAMAS DA MEMÓRIA: ENTRELAÇANDO AS IDEIAS DE PATRIMÔNIOE MUSEU NO CORPO DA CIDADEDiana Farjalla Correia Lima e Emerson Ribeiro CastilhoResumo:A dissertação partiu do conceito <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong> abordando suas origens históricas para elaboraro conceito <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong>-<strong>Museu</strong>. Para tanto, analisou o surgimento das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> e <strong>de</strong>Patrimônio, relacionando-as a diversas interpretações acerca do espaço percebido como cida<strong>de</strong>,e concentrou-se sobre os processos <strong>de</strong> patrimonialização e musealização como instrumentos<strong>de</strong> preservação da m<strong>em</strong>ória e das referências culturais inerentes aos espaços ocupados pelascida<strong>de</strong>s. Destacou também o papel da herança cultural como forma i<strong>de</strong>ntitária relacionado-a aesses locais. Utilizando-se das interações culturais concretizadas entre o cidadão e seu espaço <strong>de</strong>vida - e que permit<strong>em</strong> estabelecer uma esfera cultural que funciona como cenário <strong>de</strong> sua m<strong>em</strong>ória- concatenou as noções <strong>de</strong> Patrimônio, Herança Cultural, M<strong>em</strong>ória e <strong>Museu</strong> a fim <strong>de</strong> propor aconversão da cida<strong>de</strong> para Cida<strong>de</strong>-<strong>Museu</strong>. Apresenta-se um panorama histórico mo<strong>de</strong>lando traçara trajetória t<strong>em</strong>ática da Herança Cultural expressa sob as formas <strong>Museu</strong> e Patrimônio que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osurgimento até a atualida<strong>de</strong>, permanec<strong>em</strong> no âmago das discussões da Museologia relacionadastanto à esfera <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> teórica como <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> prática.Palavras-chave: Patrimônio, Herança Cultural, M<strong>em</strong>ória, <strong>Museu</strong>, Cida<strong>de</strong> <strong>Museu</strong>.Resumen:La disertación parte <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> ciudad, acercándose a sus orígenes históricos, para elaborarel concepto <strong>de</strong> ciudad-museo. Se analiza el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> las i<strong>de</strong>as y el Museo <strong>de</strong>l Patrimonio,relacionándolos con las diversas interpretaciones <strong>de</strong>l espacio percibido como una ciudad, y secentra en los procesos y musealización <strong>de</strong>l patrimonio como instrumento <strong>de</strong> preservación <strong>de</strong> lam<strong>em</strong>oria y las referencias culturales inherentes espacios ocupados por las ciuda<strong>de</strong>s. Se <strong>de</strong>stacaasimismo el rol <strong>de</strong>l patrimonio cultural como una forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntidad relacionada a estos lugares.Hace uso <strong>de</strong> las interacciones culturales entre el ciudadano y <strong>de</strong> su espacio <strong>de</strong> vida – las cualesestablecen un ámbito cultural que funciona como el escenario <strong>de</strong> su m<strong>em</strong>oria; articula las nociones<strong>de</strong> Patrimonio, Patrimonio Cultural, M<strong>em</strong>oria y Museo, con el fin <strong>de</strong> proponer la conversión <strong>de</strong> laciudad a ciudad-museo. Se presenta un panorama histórico, tratando <strong>de</strong> trazar una trayectoriat<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> este Patrimonio expresada en bajo las formas Museo y Patrimonio, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suinicio hasta la actualidad, permanecen en el centro <strong>de</strong> los <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> la Museología, relacionadostanto con la esfera <strong>de</strong> acción <strong>de</strong> or<strong>de</strong>n teórico como a la práctica.Palabras clave: Patrimonio, Herencia Cultural, M<strong>em</strong>oria colectiva, Museo, Ciudad-MuseoAbstract:The dissertation uses the concept of City and its historical origins as a starting point to elaborate261


the concept of <strong>Museu</strong>m-City. In or<strong>de</strong>r to accomplish the task, it analyzes the notions of <strong>Museu</strong>mand Heritage, linking th<strong>em</strong> to the various interpretations of the space perceived as a city, andfocuses on the processes of patrimonialisation and musealization, as instruments to preservesocial m<strong>em</strong>ory and cultural references, both inherent to the space occupied by the city. It alsoattributes relevance to the role of Cultural Heritage as a component of person’s i<strong>de</strong>ntity. Using thecultural interactions established between the citizen and his life space -- and which allow for theformation of a cultural environment that works as background for m<strong>em</strong>ory -- the dissertation linksthe notions of Cultural Heritage, M<strong>em</strong>ory and <strong>Museu</strong>m, in or<strong>de</strong>r to propose the conversion of thecity into a <strong>Museu</strong>m-City. The work presents a historical background, seeking to outline trajectory ofthe subject of Cultural Heritage, expressed in the forms of <strong>Museu</strong>m and Heritage which, from theirorigins until the present time, both r<strong>em</strong>ain in the center of discussion in the field of Museology, notonly for theoretical use but also practical.Keywords: Cultural Heritage, Collective M<strong>em</strong>ory, <strong>Museu</strong>m, City <strong>Museu</strong>mTRAMAS DA MEMÓRIA: ENTRELAÇANDO AS IDEIAS DE PATRIMÔNIO E MUSEU NOCORPO DA CIDADEAs cida<strong>de</strong>s são espaços que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong> até os dias atuais guardam forte ligação com asorigens culturais <strong>de</strong> um povo, suas tramas espelham os ritos que marcam os seres humanos nociclo que envolve a sua trajetória entre vida e morte.As cida<strong>de</strong>s na história da humanida<strong>de</strong> são o resultado <strong>de</strong> um esforço complexo para abrigo eproteção <strong>de</strong>senvolvidos pelos humanos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que passaram a ser se<strong>de</strong>ntários. Este aspectoinicial dos conglomerados urbanos está ligado ao cenário do período estabelecido pela Históriacomo Antiguida<strong>de</strong> e como herança <strong>de</strong>(marcam) a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ‘civilização’. Ainda, segundo Argan I , “ahistória é um fato <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente urbano, entre história e cida<strong>de</strong> a relação é estreitíssima, tantoassim que cida<strong>de</strong> e civilização t<strong>em</strong> a mesma raiz”.Entre os diversos cenários <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da civilização humana focalizar<strong>em</strong>os nossaatenção <strong>em</strong> duas regiões banhadas pelo Mar Mediterrâneo local on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveu a culturagreco-romana. Neste período a História adota a nomenclatura <strong>de</strong> Antiguida<strong>de</strong> Clássica e arepresentação do urbano, ou a noção da cida<strong>de</strong> se transforma vinculada à esfera institucional dopo<strong>de</strong>r relacionado a mo<strong>de</strong>los políticos como a polis grega, posteriormente replicada no mundoromano, ambas as culturas que possivelmente nos legaram o sentido primeiro das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><strong>Museu</strong> e Patrimônio.Uma singularida<strong>de</strong> relacionada à história das civilizações é que o modo grego difere das d<strong>em</strong>ais porter florescido junto ao mar na forma <strong>de</strong> um território <strong>de</strong>scentralizado pela geografia do arquipélagoe, assim, elaborou ou adaptou <strong>de</strong> outras culturas fundamentos e pontos <strong>de</strong> referência singulares.Na Grécia, os séculos VIII – VII a.C. test<strong>em</strong>unharam a germinação ou transplante<strong>de</strong> instituições sociais e culturais cujo florescimento ulterior transmutariarevolucionariamente as condições, fundamentos e pontos <strong>de</strong> referência daexistência humana: a polis, o alfabeto e a moeda : IIIARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cida<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes. 1998. p. 238.IIHESÍODO. Teogonia, a orig<strong>em</strong> dos <strong>de</strong>uses. Tradução e estudo <strong>de</strong> Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras. 1991. p. 15.262


Ainda segundo Malaco III a polis (πολις), plural poleis (πολεις), fundamenta o mo<strong>de</strong>lo das cida<strong>de</strong>sgregas antigas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período arcaico até o período clássico. E <strong>de</strong>vido às características <strong>de</strong> ummo<strong>de</strong>lo urbano, o termo t<strong>em</strong> sido usado como sinônimo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Portanto, as poleis indicam ummodo <strong>de</strong> vida citadino, tido com a base da chamada civilização oci<strong>de</strong>ntal e, conforme o mesmoautor, pontuam um el<strong>em</strong>ento fundamental na constituição da cultura grega, o que t<strong>em</strong> permitidoafirmar que o hom<strong>em</strong> é um ‘animal político’. A Polis é a Cida<strong>de</strong>.Entendida como comunida<strong>de</strong> organizada, formada pelos cidadãos -- no grego “politikos”-- isto é,pelos homens nascidos no solo da Cida<strong>de</strong>, cuja terra natal lhes confere direitos e <strong>de</strong>veres; livrese iguais. Desta forma, o conceito cidadania/cidadão veste o ato do nascer <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado locus(lugar) – quando polis, conferindo-lhe i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como um valor simbólico envolvente, atribuídopor associação da comunida<strong>de</strong> organizada que se enten<strong>de</strong> culturalmente como cida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>finecaracterísticas <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres associadas a essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.Em estudo focalizando a socieda<strong>de</strong> grega Austin e Nauquet IV chamam atenção para a visão queos homens tinham sobre sua „cidadania“: uma pessoa nascida <strong>em</strong> Atenas não diria „sou nascido<strong>em</strong> Atenas“, mas afirmaria „sou ateniense“. Isso mostra que a relação pessoal i<strong>de</strong>ntitária ligadaa polis não era apenas com o território, no sentido do termo como espaço físico, mas, sobretudoexpressava o laço com a comunida<strong>de</strong>, o sentido <strong>de</strong> pertencimento veiculado a cultura local.A polis também tinha sua relação com o sagrado, possuía divinda<strong>de</strong>s protetoras da cida<strong>de</strong>, e ossantuários figuravam como ponto <strong>de</strong> honra no arranjo urbanístico como, por ex<strong>em</strong>plo, o T<strong>em</strong>plo doTesouro dos Atenienses, edificado <strong>em</strong> Delfos no século V a.C. Nesse contexto pod<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>raros tesouros dos t<strong>em</strong>plos, constituídos pelo acúmulo <strong>de</strong> oferendas trazidas pelos fiéis como osprimeiros sinais <strong>de</strong> um formato <strong>em</strong>brionário <strong>de</strong> coleção <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>, conforme indicam autores queenfocaram o t<strong>em</strong>a V VI . E o t<strong>em</strong>plo <strong>de</strong>dicado às Musas, edificado sobre a colina <strong>de</strong> Hélicon, <strong>em</strong> Atenas,é tradicionalmente consi<strong>de</strong>rado o ex<strong>em</strong>plo arcaico <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> - o Mouseion (juntamente com o espaçodo mesmo nome <strong>em</strong> Alexandria, no Egito). Neste espaço havia oferendas <strong>de</strong> objetos votivos como, porex<strong>em</strong>plo, escudos, relíquias, inscrições lapidares, vasos, esculturas, joias e coroas que mo<strong>de</strong>rnamentesão associados ao conjunto que se enten<strong>de</strong> como coleções, as coleções <strong>de</strong> museus VII .A transição do mundo grego para o mundo romano, her<strong>de</strong>iro que foi da cultura grega, se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>forma ativa posteriormente ao império grego <strong>de</strong> Alexandre, o Gran<strong>de</strong> VIII , que esten<strong>de</strong>u a culturagrega para novos domínios no período do Helenismo. E a morte pr<strong>em</strong>atura <strong>de</strong> Alexandre, quenão <strong>de</strong>ixou her<strong>de</strong>iros legítimos, fez com que seu império fosse fracionado e dividido entre quatro<strong>de</strong> seus generais. A porção sul que englobava o Egito foi governada por Ptolomeu III que fundou<strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> Alexandre a sua capital Alexandria, on<strong>de</strong> reuniu gran<strong>de</strong> parte da intelectualida<strong>de</strong>da época. Foi <strong>em</strong> Alexandria que, segundo documentos IX , estava situado o Mouseion, Acad<strong>em</strong>iaPtolomáica (cerca do século III a.C). “O <strong>Museu</strong>, concebido nos mol<strong>de</strong>s do Liceu <strong>de</strong> Aristóteles,compreendia um passeio (peripatos), uma galeria (exe<strong>de</strong>ra) e um santuário às Musas (museion),<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se supunha provir inspiração artística, filosófica e mesmo cientifica” X . Tratando <strong>de</strong>sseIIIMALACO, Jonas Ta<strong>de</strong>u Silva. Da forma urbana: o casario <strong>de</strong> Atenas. São Paulo: Alice Foz. 2002. p. 64.IVAUSTIN, Michel; NAQUET, Pierre Vidal - Economia e socieda<strong>de</strong> na Grécia Antiga. Lisboa: Edições. 1986. p. 70.VGYRAUDY, Daniele; e BOUILHET, Henri. O museu e a vida. Belo Horizonte: UFMG. 1990. p. 19.VIPOMIAN, Krzystof. Coleção. In: GIL, Fernando. M<strong>em</strong>ória-História. Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984.VIILIMA, Diana. Farjalla Correia. Herança Cultural (re)interpretada ou a m<strong>em</strong>ória social e a instituição museu: releitura ereflexões. Museologia e Patrimônio, Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio,PPG-PMUS UNIRIO/MAST. v. 1, n. 1, 2008, p. 38.VIIIArtigo baseado <strong>em</strong> original publicado <strong>em</strong> 1997, Simpósio ICOFOM − Museologia e M<strong>em</strong>ória, organizado pelo ComitêInternacional <strong>de</strong> Museologia (ICOFOM)/Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (ICOM), Rio <strong>de</strong> Janeiro. Disponível <strong>em</strong>:. Acesso <strong>em</strong>: 12 jun. 2012.IXBENNETT, Tony. The birth of the museum. London: Routledge. 1995.XFLOWER; Derek Adie. A biblioteca <strong>de</strong> Alexandria: as histórias da maior biblioteca da antiguida<strong>de</strong>. São Paulo: NovaAlexandria. 2002. p. 55.263


assunto sob a perspectiva <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho do campo museológico, pod<strong>em</strong>os dizer que XI :Esse complexo cultural, terminologia que ora se aplica no momento e domínioacadêmicos, apresentava esculturas expostas <strong>de</strong> modo permanente <strong>em</strong> meio aosespaços das áreas naturais; exibia espécimes vivos nos seus jardins botânico ezoológico (ao modo dos atuais museus vivos); <strong>de</strong>senvolvia estudo do cosmosno observatório astronômico; tomava sob sua guarda, no arquivo, os registrosdos relatos e dos atos ocorridos inclusive sob a forma <strong>de</strong> imagens (relevos);possuindo, ainda, uma [...] biblioteca, territórios <strong>de</strong> exibições (galerias com obras<strong>de</strong> artes e alamedas naturais) e, ainda, tipologias museológicas <strong>de</strong> classificaçõesdiversificadas (jardim botânico) incluindo-se espaços abertos (museus ao ar livre).Da Polis grega e da sua referência <strong>de</strong> cidadania para nossa civilização oci<strong>de</strong>ntal pod<strong>em</strong>os apontar,no mesmo território banhado pelo Mediterrâneo, mas <strong>em</strong> outro período, a cida<strong>de</strong> romana com seumo<strong>de</strong>lo cidadão na vigência da República.A ResPublica, coisa pública, <strong>de</strong> acordo com Paul Petit XII , é forma <strong>de</strong> governo fundamentada <strong>em</strong>um chefe <strong>de</strong> Estado eleito a partir da <strong>de</strong>cisão dos cidadãos ou pelos seus representantes, e suachefia t<strong>em</strong> duração limitada. Foi na Roma antiga que se originou este sist<strong>em</strong>a político que legouas instituições representando os cidadãos como o Senado. A organização da socieda<strong>de</strong> romana,que lançou o Direito Romano, estabeleceu leis <strong>de</strong>stinadas a assegurar os direitos sobre os bens<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada e fazer a distinção entre os romanos <strong>de</strong> nascimento e os habitantes nãonascidos <strong>em</strong> Roma ou sob a égi<strong>de</strong> do Império. Neste mesmo contexto, Lima e Rodrigues da Costa XIIIassociam esse momento histórico ao surgimento do conceito inicial <strong>de</strong> Patrimônio, posteriormenteinstituído no âmbito do Direito Romano. E ainda <strong>em</strong> outro artigo a afirmativa é explicitada:Conjunto <strong>de</strong> bens do Pater transmitido por herança ao(s) filho(s) – Proprieda<strong>de</strong>particular transferida após a morte pelo direito à sucessão (Roma, século V a.C.,Lei das XII Tábuas; idéia base para o Direito Romano). Nesta acepção o patrimôniocomo conjunto, prerrogativa do pai, r<strong>em</strong>ete à idéia do uno, portanto indivisível XIV .O Patrimônio foi primeiramente criado e instituído como ‘um direito’ <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada noâmbito das relações familiares, portanto <strong>em</strong> nível individual, isto é, <strong>de</strong> cada cidadão.A noção <strong>de</strong> Patrimônio como b<strong>em</strong> coletivo com a qual estamos familiarizados a tratar naesfera cultural é a <strong>de</strong> um Patrimônio público, idéia criada e instituída a partir do século XVIIIcomo conquista da Revolução Francesa ao nacionalizar os bens da Igreja e da nobreza. Taisprocedimentos são consi<strong>de</strong>rados como uma das primeiras ações do mundo cont<strong>em</strong>porâneono exercício da competência <strong>em</strong> um mo<strong>de</strong>lo institucionalizado, levando a associá-los aosmovimentos que hoje se po<strong>de</strong> nomear <strong>de</strong> Patrimonialização e Musealização, respectivamenterepresentados pelo patrimônio nacional (imóveis) e pela coleção <strong>de</strong> bens nacionais (móveis).XILIMA, Diana. Farjalla Correia. Museologia e patrimônio interdisciplinar do campo: história <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho (inter)ativo. In:ENANCIB 2007- ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (8), 2007, Salvador. Anais VIIIENANCIB 2007, GT- Debates sobre Museologia e Patrimônio. Salvador: ANCIB; PPGCI-UFBA, 2007. 1 CD, p. 3-4 Disponível<strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012.XIIPETIT, Paul. História Antiga. São Paulo. Difusão Européia do Livro. 1971.XIIILIMA, Diana Farjalla Correia.; RODRIGUES DA COSTA, Igor F. Patrimônio, herança, b<strong>em</strong> e monumento: Termos, usos esignificados no campo museológico. In: ICOFOM ANNUAL SYMPOSIUM - Museology and History: a field of knowledge (29).2006. Museo Nacional Estancia Jesuítica <strong>de</strong> Alta Gracia y Casa <strong>de</strong>l Virrey Liniers. Alta Gracia, Argentina. Anais XXIX ICOFOM2006. Córdoba, Alta Gracia: ICOFOM/ICOFOM LAM. 2006. p. 320-326. (ICOFOM Study Series- ISS 35). Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012.XIVLIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia, informação, comunicação e terminologia: pesquisa termos e conceitos daMuseologia (UNIRIO). In: GRANATO, M., SANTOS, C. P., LOUREIRO, M. L. N.M. (Orgs). MAST COLLOQUIA-Documentação<strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MAST. 2008. p. 191 (MAST COLLOQUIA, 10). Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012.264


A França, no aspecto <strong>de</strong> gestão, <strong>de</strong>senhou também o que é reconhecido como o conjunto dasprimeiras Políticas Culturais vinculadas à preservação do Patrimônio. E <strong>de</strong> acordo com Choay XVisto se <strong>de</strong>u “com a chegada <strong>de</strong> uma gestão estatal [laica], que a França ofereceu à Europa [pormeio <strong>de</strong> um] mo<strong>de</strong>lo jurídico, administrativo e técnico”.Um B<strong>em</strong> Cultural relacionado a atribuição <strong>de</strong> valor, sendo esse valor simbólico que passou aser reconhecido, legitimado e assegurado com a criação <strong>de</strong> instituições que assim o tratass<strong>em</strong>,<strong>de</strong>finindo-o e <strong>de</strong>terminando indicações para proteção/ auxílio/ salvaguarda.No século XX foi no contexto entre as duas gran<strong>de</strong>s guerras que a questão da salvaguarda eproteção dos Bens culturais (museológicos ou patrimoniais) ganhou projeção internacional, e nasegunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século surgiram os principais organismos internacionais ligados a promulgardiretrizes como o Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s - ICOM (1946/ <strong>Museu</strong> - Museologia) e maistar<strong>de</strong> o Conselho Internacional <strong>de</strong> Monumentos e Sítios – ICOMOS (1965/ Patrimônio), ambasInstituições ligadas a Organização das Nações Unidas – ONU, através da Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO.Choay XVI acrescenta que houve neste século uma “tripla extensão – tipológica, cronológica egeográfica – quanto ao entendimento dos bens patrimoniais”. E pod<strong>em</strong>os verificar a amplitu<strong>de</strong>que se firmou passando do reconhecimento dos monumentos isolados aos conjuntos construídos,<strong>de</strong>stes aos vilarejos e às cida<strong>de</strong>s, entre as quais as cida<strong>de</strong>s históricas são o mo<strong>de</strong>lo mais extenso;e do urbano ou rural da categoria nomeada cultural à classe do Patrimônio Natural. E o quesustenta todo o complexo é a ligação feita entre monumentos e lugares como representaçõessimbólicas da vida do hom<strong>em</strong> e do planeta.Em se tratando do contexto dos museus a percepção <strong>de</strong> um valor da ord<strong>em</strong> do museológicoagregado aos bens móveis (também um atributo simbólico) que integram as coleções -- Patrimônio,implica na existência <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> competência e po<strong>de</strong> ser apontada como tendo inícioassociada ao processo <strong>de</strong> pluralização dos campos do conhecimento quando, então, os <strong>Museu</strong>spassaram a apresentar-se tratando <strong>de</strong> representar especialida<strong>de</strong>s ligadas a campos ou disciplinasdo conhecimento:Por força da fragmentação do universo do conhecimento <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong>especialização, consolidada no <strong>de</strong>correr do século XIX, quando os saberesforam <strong>de</strong>terminando as ‘fronteiras’ <strong>de</strong> seus domínios, <strong>de</strong>senhando os camposdo conhecimento para exercer suas propostas teóricas e intervenções práticas,estabeleceu-se a especialização t<strong>em</strong>ática aplicada como tipologia para o <strong>Museu</strong>.Composição na qual o perfil das instituições tornou-se moldado <strong>em</strong> consonânciacom o el<strong>em</strong>ento biface que fomenta as pesquisas nos seus espaços museológicos:as coleções e as facetas do assunto ligado ao enfoque/área do conhecimento queas toma sob seu olhar interpretativo XVII .Acerca <strong>de</strong>ssa relação próxima entre Museologia-<strong>Museu</strong> com o Patrimônio, ainda pod<strong>em</strong>osl<strong>em</strong>brar que seu ponto comum existente é a m<strong>em</strong>ória coletiva, sob a feição <strong>de</strong> uma m<strong>em</strong>óriai<strong>de</strong>ntitária, que atua no aspecto do ‘l<strong>em</strong>brar’. Assim os <strong>Museu</strong>s garantiram com suasXVCHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP/Estação Liberda<strong>de</strong>, 2001. p. 117.XVICHOAY. F. Op. cit. p.15.XVIILIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-<strong>Museu</strong> e Patrimônio, Patrimonialização e Musealização: ambiência<strong>de</strong> comunhão. Boletim do <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – Museologia e Patrimônio, Belém,MPEG. v. 7, n. 1, jan/abr. 2012, p. 40. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 17 jun. 2012.265


competências e habilida<strong>de</strong>s o processo <strong>de</strong> sucessão geracional dos conhecimentos e dosvalores. Assegurando a transmissão da herança cultural dos grupos sociais, através dapreservação, comunicação, criação e fruição do Patrimônio Musealizado.Não é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brarmos que o processo <strong>de</strong> mudanças po<strong>de</strong> ser ex<strong>em</strong>plificado retomandoos t<strong>em</strong>pos finais do século XVIII por meio da ação museológica “in situ” <strong>de</strong> bens imóveisque, <strong>em</strong>bora esporádica e pontual no período, atuou apropriando-se pela musealização <strong>de</strong>uma representação material que estava na esfera <strong>de</strong> competência e exclusiva, até então, daPatrimonialização.A força do processo <strong>de</strong> transformação, s<strong>em</strong> dúvida, é percebida sendo moldada ao longo séculoXX e intensificada na sua segunda meta<strong>de</strong>. Ainda no século passado foi firmada a proposição<strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo, que convive com o tipo clássico <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> composto por edifício + coleção+ visitantes, para o entendimento <strong>de</strong> outro mo<strong>de</strong>lo que envolve d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> grupos sociais,composto agora pelo território + patrimônio + população local + visitantes. Sendo a populaçãodo lugar i<strong>de</strong>ntificada com o histórico <strong>de</strong> vida do território que se fez <strong>Museu</strong>. E nessa configuraçãoespaços urbanos ou periféricos que antes não eram ocupados por processos <strong>de</strong> Musealização,integraram-se ao território das cida<strong>de</strong>s.Este movimento <strong>de</strong> transformação <strong>em</strong> duas frentes <strong>de</strong> expansão, a conceitual e a do efeito daocupação territorial se expressa como um “aprofundamento para o significado da Musealização” XVIII ,e esta inovação levou a ampliar a compreensão para <strong>Museu</strong>, para o campo da Museologia e tambémpara o próprio Patrimônio.Abriu frente, do mesmo modo, para novas práticas nas quais os objetos passaram a ser el<strong>em</strong>entosintegrantes <strong>de</strong> formatos <strong>de</strong> apresentação que dão lugar a experiências para o visitante, comopor ex<strong>em</strong>plo, nos museus exploratórios, ou as significativas vivências nos sítios arqueológicos,parques nacionais e d<strong>em</strong>ais espaços musealizados.E nesse quadro <strong>de</strong> interpretações, quer novas ou renovadas, os t<strong>em</strong>as Patrimônio; I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>Cultural; Socieda<strong>de</strong>/Comunida<strong>de</strong>; Ecomuseu/<strong>Museu</strong> Integral se constituíram sob novos olharesna Museologia e as cida<strong>de</strong>s estão integradas a todos os assuntos e miradas.As cida<strong>de</strong>s são os resultados mentais e físicos das interações culturais estabelecidas entre ohumano e seu espaço <strong>de</strong> vida que permit<strong>em</strong>, por meio da paisag<strong>em</strong> da cida<strong>de</strong> vista tanto comohabitat (espaço do habitar - lugar) quanto como polis (espaço <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres políticos),perceber os sentidos <strong>de</strong> acumulação, agregação, coexistência <strong>de</strong> épocas, culturas distintas e atémesmo contraditórias. E, entre tantos recortes possíveis para se perceber a Patrimonializaçãoe a Musealização aplicada a um mesmo B<strong>em</strong>, nosso foco selecionou a forma Cida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ser Patrimônio e <strong>Museu</strong> concomitant<strong>em</strong>ente e ainda conter ambas as formas distintamente.Ao <strong>de</strong>slocar-se por uma cida<strong>de</strong> há a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreensão do espaço para a reflexão,afinal na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> território <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> saberes e <strong>de</strong> fazeres, a cida<strong>de</strong> se revelacapaz <strong>de</strong> ilustrar como o pensamento do hom<strong>em</strong> oci<strong>de</strong>ntal se expressa sob esqu<strong>em</strong>a culturalurbano para projetar os símbolos através dos quais organiza o mundo.A imag<strong>em</strong> nos faz recordar do escritor e crítico <strong>de</strong> arte John Ruskin XIX que visitou Veneza,1835, -- on<strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong> publicou o terceiro e último volume <strong>de</strong> As Pedras <strong>de</strong> Veneza, intituladoXVIIILIMA, D. F. C. 2012. Op. cit. p. 41.XIXRUSKIN, John. The fall. v. III. England. 1853. Apud: MAINARDI, Diogo. A queda. As m<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> um pai <strong>em</strong> 424passos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record. 2012. p. 11.266


A Queda -- e impregnado pela atmosfera local afirmou “a arquitetura <strong>de</strong> um lugar tinha o po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> moldar o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> seus habitantes”.Outro autor, o historiador da arte Giulio Carlo Argan XXexpressando quecompartilha do mesmo pensamentoA cida<strong>de</strong> vai com o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser apenas um lugar <strong>de</strong> abrigo, proteçãoe refúgio para torna-se aparato <strong>de</strong> comunicação; comunicação no sentido <strong>de</strong><strong>de</strong>slocamento e relação, mas também no sentido <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadosconteúdos urbanos, seria o próprio monumento constituinte do corpo da cida<strong>de</strong>capaz <strong>de</strong> comunicar um conteúdo ou um significado <strong>de</strong> valor.Nesta condição nos é permitido pensar quantas épocas e quantas (c)ida<strong>de</strong>s na sua dinâmica<strong>de</strong> vida estão ali <strong>de</strong>positadas. E estas agregações que se originam do plano mental e s<strong>em</strong>aterializam no físico, envolv<strong>em</strong> e levam a interpretar a paisag<strong>em</strong> da cida<strong>de</strong> que existe <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> cada indivíduo que ali mora e convive, o cenário da sua cida<strong>de</strong> que foi construído a partirdas significações sob as quais as coisas e o contexto que as produziu foram interpretados noaspecto do seu ambiente sócio-cultural. Argan enten<strong>de</strong> esse movimento do habitar/viver umacida<strong>de</strong> na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função, e esta função para ele t<strong>em</strong> o mesmo <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho da pelalíngua, isto é, comparando-as toma ambas sob a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas culturais i<strong>de</strong>ntitárias.A função urbana, como a chamamos, po<strong>de</strong> ser facilmente comparada com o discurso,com sua concatenação linear, o que chamamos <strong>de</strong> espaço visual, o senso espacialda cida<strong>de</strong>, é feito <strong>de</strong> relações associativas e constitui aquele “tesouro interior” queé o pensamento da cida<strong>de</strong> e que nos permite chamarmos <strong>de</strong> citadinos, da mesmaforma que o “tesouro interior da língua” e <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada língua nos permitechamar-nos <strong>de</strong> homens e homens <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado país (grifo do autor).Nesta condição nos é permitido pensar quantas épocas e quantas (c)ida<strong>de</strong>s na sua dinâmica<strong>de</strong> vida estão ali <strong>de</strong>positadas. E estas agregações que se originam do plano mental e s<strong>em</strong>aterializam no físico, envolv<strong>em</strong> e levam a interpretar a paisag<strong>em</strong> da cida<strong>de</strong> que existe <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> cada indivíduo que ali mora e convive, o cenário da sua cida<strong>de</strong> que foi construído a partirdas significações sob as quais as coisas e o contexto que as produziu foram interpretados noaspecto do seu ambiente sócio-cultural. Argan XXI enten<strong>de</strong> esse movimento do habitar/viver umacida<strong>de</strong> na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função, e esta função para ele t<strong>em</strong> o mesmo <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho da pelalíngua, isto é, comparando-as toma ambas sob a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas culturais i<strong>de</strong>ntitárias.O espaço simbólico da cida<strong>de</strong> é também nomeado por Jeudy XXII como “capital simbólico<strong>de</strong> lugares m<strong>em</strong>oráveis”, portanto <strong>de</strong> significações, e interpretado como um Patrimônio, ouseja, uma referência cultural que, sendo particular do lugar, é também peculiar para seushabitantes; assim a cida<strong>de</strong> nos confere i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como cidadãos por meio <strong>de</strong> direitos ecultura singulares.A cida<strong>de</strong> guarda, portanto, no aspecto físico e no aspecto do imaginário social um conjunto <strong>de</strong>referenciais, os Bens que foram assim <strong>de</strong>terminados pela dimensão cultural e, <strong>de</strong>ste modo,compreendidos como um Patrimônio capaz <strong>de</strong> representar momentos que se expressamXXARGAN, G. C. 1998. Op. cit. p. 235.XXIARGAN, G. C. Op. cit. p. 239.XXIIJEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cida<strong>de</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa da Palavra. 2005. p. 22.267


como m<strong>em</strong>ória da coletivida<strong>de</strong> Esta forma que está associada à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos habitantesda cida<strong>de</strong>, os cidadãos, vincula-se ao Patrimônio <strong>em</strong> contexto tangível (material) e intangível(imaterial) relacionada aos sentidos e realizações humanas no modo particularizado <strong>de</strong> ser,viver, isto é, no comportamento dos grupos e na produção materializada que exprime suacosmovisão. Ainda, este conjunto <strong>de</strong> valores patrimoniais é transmitido <strong>de</strong> geração a geraçãocomo um legado, <strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> sucessão.Na m<strong>em</strong>ória existente nos espaços dos que viv<strong>em</strong>, dos que viveram, e dos que ainda viverãona cida<strong>de</strong> – que compreen<strong>de</strong> tanto a metrópole (urbano e rural) como a necrópole -- há umelo comum e, l<strong>em</strong>brando Bloch XXIII , é o “test<strong>em</strong>unho ou inscrição”, o mesmo que Patrimônio.Este como símbolo inscrito no corpo da cida<strong>de</strong> representa uma aglutinação <strong>de</strong> olhares dos‘t<strong>em</strong>pos’ para os ‘t<strong>em</strong>pos’ entre as gerações.A inscrição entendida como Patrimônio e transmitida pelo processo cultural con<strong>de</strong>nsa umavisão que une gerações, guardando a relação fixada do t<strong>em</strong>po com o espaço da cida<strong>de</strong>. É<strong>de</strong>ssa relação ancorada na m<strong>em</strong>ória que a cida<strong>de</strong> marca o legado e aponta para a inscriçãoda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, figurada, seja pela terra natal, pátria, ou a terra escolhida por aquele que v<strong>em</strong><strong>de</strong> outro lugar e permanece, <strong>de</strong>terminando o local <strong>de</strong> pertencimento.Representa física e simbolicamente o marco das vidas, da existência. A cida<strong>de</strong> que é ponto<strong>de</strong> partida para o mundo é também um ponto <strong>de</strong> chegada e da criação <strong>de</strong> um ponto dapermanência.A cida<strong>de</strong> circunscreve o cidadão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até a morte; acompanha-o por toda avida, adjetiva-o, dá-lhe ‘sotaques’ e funciona como principal cenário do início das trajetórias;representa as raízes afetivas e constitutivas. A cida<strong>de</strong> e seu conjunto <strong>de</strong> referências culturais,interpretadas sob a chancela do Patrimônio, são uma representação <strong>de</strong> experiências dosgrupos sociais e mostram-se como um indicador <strong>de</strong> significação cultural valorizado como um‘B<strong>em</strong>’ que é, assim, interpretado:A (re)interpretação que se faz do produto cultural ao qualificá-lo na categoria <strong>de</strong>B<strong>em</strong> Cultural é uma atribuição <strong>de</strong> valor, um juízo elaborado pelo campo culturalque o consigna como el<strong>em</strong>ento possuidor <strong>de</strong> caráter diferencial. E ao distinguilo<strong>de</strong>ste modo, torna-o ‘especial’ e <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque perante os d<strong>em</strong>aisobjetos da mesma natureza, <strong>em</strong>prestando-lhe sentido <strong>de</strong> ‘excepcionalida<strong>de</strong>’ XXIV .Os espaços ocupados e vazios da cida<strong>de</strong> e a relação com a vida dos habitantes, as referênciasacima mencionadas, consolidam a imag<strong>em</strong> que atua na m<strong>em</strong>ória e na história para apercepção, a transmissão das inscrições locais e para um diálogo entre os diferentes t<strong>em</strong>pos,pelo que materialmente existe <strong>em</strong> uma cida<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como aquilo que foi mantido no aspectoda manifestação intangível pela história local e ativida<strong>de</strong>s atuais -- o ‘l<strong>em</strong>brar’ da m<strong>em</strong>óriacoletiva -- como el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> representação do que se <strong>de</strong>nomina i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, ou seja,as características inscritas como marcas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados modos que são próprios do viver daregião e são percebidos pelos que não pertenc<strong>em</strong> ao lugar como um mo<strong>de</strong>lo cultural diferente<strong>de</strong> ser/viver. É isto tudo, ou melhor, este conjunto <strong>de</strong>finidor <strong>de</strong> um perfil <strong>de</strong> Patrimônio que levaa consi<strong>de</strong>rar tal B<strong>em</strong> Cultural sob a forma <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho como Cida<strong>de</strong>-<strong>Museu</strong>.XXIIIBLOCH, Marc. Antropologia da história ou oficio do historiador. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar. 2001. p. 97.XXIVLIMA, D. F. C. 2008/1997. Op. cit. p. 40.268


Assim, Cida<strong>de</strong> é um conceito compreendido como o território cultural ligado a ações <strong>de</strong>Patrimonialização e Musealização instituídas in situ <strong>em</strong> razão da excepcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sseslocais e seus formatos: arquitetônicos, históricos, artísticos, arqueológicos, <strong>de</strong> fazendas, <strong>de</strong>bairros, <strong>de</strong> vilas; <strong>de</strong> sítios geológicos/paleontológicos; <strong>de</strong> áreas naturais, habitat <strong>de</strong> animais,entre outros.E a Cida<strong>de</strong> com seus conteúdos materiais e representações intangíveis po<strong>de</strong> ser interpretadatanto como Patrimônio (ainda sob a potência <strong>de</strong> ser um Patrimônio Musealizável) quantocomo <strong>Museu</strong> (o Patrimônio Musealizado).ReferênciasARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cida<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes. 1998.AUSTIN, Michel; NAQUET, Pierre Vidal - Economia e socieda<strong>de</strong> na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 1986.BENNETT, Tony. The birth of the museum. London: Routledge. 1995.BLOCH, Marc. Antropologia da história ou oficio do historiador. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar.BURNS, Edward Mcnall. História da Civilização Oci<strong>de</strong>ntal. Porto Alegre: Globo. 1973. v. 1.CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP/Estação Liberda<strong>de</strong>, 2001.FLOWER; Derek Adie. A biblioteca <strong>de</strong> Alexandria: as histórias da maior biblioteca da antiguida<strong>de</strong>. SãoPaulo: Nova Alexandria. 2002.GYRAUDY, Daniele; e BOUILHET, Henri. O museu e a vida. Belo Horizonte: UFMG. 1990.HESÍODO. Teogonia, a orig<strong>em</strong> dos <strong>de</strong>uses. Tradução <strong>de</strong> Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras. 1991.ICOFOM, International Committee for Museology. Disponível <strong>em</strong>: http://network.icom.museum/icofom.Acesso <strong>em</strong>: 28 jun. 2012.ICOM, International Council of <strong>Museu</strong>m. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 28 jun. 2012.ICOM, International Council of <strong>Museu</strong>m. ICOM Co<strong>de</strong> of Ethics for <strong>Museu</strong>ms. Paris: UNESCO, 2006.Disponível <strong>em</strong>: . Acesso<strong>em</strong>: 28 jun. 2012.ICOMOS, International Council of Monuments and Sites. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 28 jun. 2012.JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cida<strong>de</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa da Palavra. 2005.LIMA, Diana. Farjalla Correia. Museologia e patrimônio interdisciplinar do campo: história <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho(inter)ativo. In: ENANCIB 2007- ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO(8), 2007, Salvador. Anais VIII ENANCIB 2007, GT- Debates sobre Museologia e Patrimônio. Salvador:ANCIB; PPGCI-UFBA, 2007, p. 1-16. 1 CD. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012LIMA, Diana. Farjalla Correia. Herança Cultural (re)interpretada ou a m<strong>em</strong>ória social e a instituição museu:releitura e reflexões. Museologia e Patrimônio, Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong>Museologia e Patrimônio, PPG-PMUS UNIRIO/MAST. v. 1, n. 1, p. 33-43, 2008. Artigo baseado <strong>em</strong> originalpublicado <strong>em</strong> 1997, Simpósio ICOFOM − Museologia e M<strong>em</strong>ória, organizado pelo Comitê Internacional <strong>de</strong>Museologia (ICOFOM)/Conselho Internacional <strong>de</strong> <strong>Museu</strong>s (ICOM), Rio <strong>de</strong> Janeiro. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 12 jun. 2012.269


LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia, informação, comunicação e terminologia: pesquisa termos econceitos da Museologia (UNIRIO). In: GRANATO, M., SANTOS, C. P., LOUREIRO, M. L. N. M. (Orgs).MAST COLLOQUIA-Documentação <strong>em</strong> <strong>Museu</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MAST. 2008. p. 181-200. (MASTCOLLOQUIA, 10). Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012.LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-<strong>Museu</strong> e Patrimônio, Patrimonialização e Musealização:ambiência <strong>de</strong> comunhão. Boletim do <strong>Museu</strong> Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – Museologia ePatrimônio, Belém, MPEG. v. 7, n. 1, p. 31-50, jan/abr. 2012. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 17 jun. 2012.LIMA, Diana Farjalla Correia.; RODRIGUES DA COSTA, Igor F. Patrimônio, herança, b<strong>em</strong> e monumento:Termos, usos e significados no campo museológico. In: ICOFOM ANNUAL SYMPOSIUM - Museology andHistory: a field of knowledge (29). 2006. Museo Nacional Estancia Jesuítica <strong>de</strong> Alta Gracia y Casa <strong>de</strong>l VirreyLiniers. Alta Gracia, Argentina. Anais XXIX ICOFOM 2006. Córdoba, Alta Gracia: ICOFOM/ICOFOM LAM.2006. p. 320-326. (ICOFOM Study Series- ISS 35). Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 25 jun. 2012.MALACO, Jonas Ta<strong>de</strong>u Silva. Da forma urbana: o casario <strong>de</strong> Atenas. São Paulo: Alice Foz. 2002.PETIT, Paul. História Antiga. São Paulo. Difusão Européia do Livro. 1971.POMIAN, Krzystof. Coleção. In: GIL, Fernando. M<strong>em</strong>ória-História. Porto: Imprensa Nacional: Casa daMoeda, 1984.PRIBERAM. Dicionário da Língua Portuguesa. Porto: 2010. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong> 12 jul 2012RUSKIN, John. The fall. v. III. England. 1853. Apud: MAINARDI, Diogo. A queda. As m<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> um pai<strong>em</strong> 424 passos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record. 2012.UNESCO. Cultural Heritage. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 25 jun 2012.270


MUSEOLOGIA E MEIO AMBIENTE: HOMEM E NATUREZACOMO UM TODOLilian M. Suescun Florez e TEREZA SCHEINERResumoO texto apresenta as relações entre o campo da Museologia e o Meio ambiente, tendo comopr<strong>em</strong>issa o hom<strong>em</strong> e a natureza como um todo indivisível compreendido como patrimôniointegral. Seguindo este parâmetro utiliza-se como principal base teórica os textos publicadosnos Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Estudos do ICOFOM – o Comitê Internacional <strong>de</strong> Museologia do ICOM,especificamente o ICOFOM STUDY SERIES (ISS) No. 18 - Museology and the Environment.Muséologie et l´environn<strong>em</strong>ent - especialmente as discussões <strong>de</strong>senvolvidas por AbsolomMulongo, Tereza Scheiner e Vinos Sofka. Através <strong>de</strong>stes autores apresentamos o meioambiente como t<strong>em</strong>a concernente à Museologia, área que se interessa pela preservaçãodo patrimônio e pela preservação da socieda<strong>de</strong>. Finalmente, o texto apresenta algumasquestões que po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>batidas no encontro ICOFOM LAM 2012. Fica assim abertaa discussão: como pod<strong>em</strong> os museus, através das suas funções, contribuir para a reflexãosobre o patrimônio integral?Palavras chave: <strong>Museu</strong>, Museologia, Meio Ambiente, PatrimônioResumenEl texto presenta las relaciones entre el campo <strong>de</strong> la Museologia y el Medio ambiente,teniendo como pr<strong>em</strong>isa el hombre y la naturaleza como un todo inseparable que entend<strong>em</strong>oscomo patrimonio integral. Siguiendo este parámetro, utilizamos como principal base teóricalos textos publicados en los Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Estudios <strong>de</strong>l ICOFOM – el Comité Internacional <strong>de</strong>Museologia <strong>de</strong>l ICOM, específicamente el ICOFOM STUDY SERIES (ISS) No. 18 - Museologyand the Environment. Muséologie et l´environn<strong>em</strong>ent – especialmente las discusiones <strong>de</strong>Absolom Mulongo, Tereza Scheiner y Vinos Sofka, a través <strong>de</strong> estos autores, presentamosel Medio Ambiente como t<strong>em</strong>a concerniente a la Museologia, área que se interesa por lapreservación <strong>de</strong>l patrimonio y por la preservación <strong>de</strong> la sociedad. Finalmente el texto presentaalgunas cuestiones que pue<strong>de</strong>n ser <strong>de</strong>batidas en el encuentro ICOFOM LAM 2012. Dejamos<strong>de</strong> esta manera abierta la discusión: ¿Cómo el museo pue<strong>de</strong> a través <strong>de</strong> sus funcionescontribuir para la reflexión sobre el patrimonio integral?Palabras clave: Museo, Museología, Medio Ambiente, Patrimonio271


AbstractThe text approaches the relations between the fields of Museology and the Environment, basedon the i<strong>de</strong>a that Humankind and Nature are an inseparable whole, un<strong>de</strong>rstood as total heritage.Following this parameter, we have based our thoughts on the papers published by ICOFOM -the International Committee for Museology of ICOM, more specifically ICOFOM Study Series(ISS) No. 18 - Museology and the Environment, with an <strong>em</strong>phasis on the discussions broughtout by Absolom Mulongo, Teresa Scheiner and Vinos Sofka. Through these authors, we presentthe Environment as a th<strong>em</strong>e concerning Museology, area who is interested in the preservationof heritage and of society. Finally the text presents some issues to be discussed in the meetingICOFOM LAM 2012, opening some questions for <strong>de</strong>bate. How can the <strong>Museu</strong>m, through itsfunctions, contribute to the comprehensive study of the total heritage?Keywords: <strong>Museu</strong>m, Museology, Environment, Heritage1. IntroduçãoA teoria da Museologia começa a <strong>de</strong>senvolver-se a partir dos anos 1930 na União Soviética,recebendo influencias do materialismo filosófico. Mas é nos anos 1950 e 1960 que realmenteos especialistas no t<strong>em</strong>a se questionam sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Museu</strong> e <strong>de</strong> Museologia, e énesse preciso momento que se procuram respostas através das bases teóricas advindas doscampos da filosofia e das ciências humanas. Entre os questionamentos que se propunham,<strong>de</strong>stacavam-se os seguintes: “A Museologia é uma ciência aplicada? É uma ciênciain<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte?” Scheiner I comenta queEntre estes especialistas, alguns reivindicaram para a Museologia o estatuto <strong>de</strong>ciência aplicada, o que implicaria, necessariamente, na aceitação <strong>de</strong> que ela<strong>de</strong>riva num conjunto complexo <strong>de</strong> metodologias <strong>de</strong> ação, correspon<strong>de</strong>ntes àsdisciplinas <strong>de</strong> base abrangidas pelos diferentes museus. Em sua quase totalida<strong>de</strong>,essas contribuições se fundamentavam no construtor cartesiano-newtoniano,que admite a separação entre saberes. Não é por acaso que ao largo dos anos60 tenham florescido as tentativas <strong>de</strong> alinhar a Museologia a outros campos doconhecimento, mais especificamente às ciências humanas e sociais – não comosaber especifico, mas como parte integrante <strong>de</strong> uma ou outra <strong>de</strong>ssas ciências:Antropologia, História, Sociologia, Educação (SCHEINER, 2005:2).Por outro lado, um grupo <strong>de</strong> teóricos estuda a Museologia como ciência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Logo<strong>de</strong>pois, nos anos 1970, com a criação do ICOFOM, (International Comitte for Museology),estes questionamentos serão o centro da discussão dos profissionais e teóricos daMuseologia. Stránsky está entre os primeiros teóricos que contribu<strong>em</strong> com seus postuladospara a construção dos fundamentos da Teoria Museológica. O autor propõe que para o<strong>de</strong>senvolvimento da Museologia é necessário trabalhar com os paradigmas <strong>em</strong>ergentesda ciência cont<strong>em</strong>porânea, i<strong>de</strong>ntificando que o objeto <strong>de</strong> estudo já não é o museu comoinstituição, mas sim, o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong>finido como fenômeno (SCHEINER, 2005:4). Como explicaa autora, (Ibid, passim), “é justamente o trabalho com os novos paradigmas que permitiráaos teóricos impl<strong>em</strong>entar a Museologia como campo disciplinar <strong>em</strong>ergente”. Por seu lado,Desvallés, apud Gregorová (1980), afirma que “A Museologia é a ciência que estuda a relaçãoISCHEINER, Tereza. Aula <strong>de</strong> Teoria da Museologia. Mestrado <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio. PPG-PMUS - UNIRIO/MAST, 2009.272


especifica entre o hom<strong>em</strong> e o real”. A partir das anteriores <strong>de</strong>finições, a Museologia começaa analisar, para além da práxis dos museus, uma base teórica capaz <strong>de</strong> explicar o conceito<strong>de</strong> Real aceito pelo campo, b<strong>em</strong> como o conceito <strong>de</strong> Hom<strong>em</strong> e a relação específica entre ohom<strong>em</strong> e o real. As conseqüências são a rápida evolução da disciplina e um crescimento <strong>de</strong>discussões e pesquisas <strong>em</strong> torno dos conceitos <strong>de</strong> Museologia e <strong>Museu</strong>.2. Diversos olhares sobre a Museologia: os inicios <strong>de</strong> uma teoriaApresentamos aqui algumas das posturas e pontos <strong>de</strong> vista dos teóricos e profissionais daárea museológica, discussões que enriqueceram o campo e ainda são úteis como ferramenta<strong>de</strong> pesquisa e análise na procura <strong>de</strong> uma teoria que possa d<strong>em</strong>onstrar a cientificida<strong>de</strong> da área.A Museologia é um campo com enorme potencial <strong>de</strong> exploração, <strong>em</strong> processo <strong>de</strong> consolidação<strong>de</strong>ntro da área das ciências humanas e que merece uma discussão séria, relacionada com osaspecto mencionados. Em 1980 Gregorová comentava:Com o <strong>de</strong>senvolvimento dos museus, e com o aumento do impacto social nesteperíodo da revolução técnico-cientifica, também cresce a importância <strong>de</strong> constituire classificar a posição <strong>de</strong>sta nova disciplina científica <strong>de</strong>ntro das bases <strong>de</strong> outrasciências II .Ao longo das décadas <strong>de</strong> 70 e 80, vários teóricos <strong>de</strong>bateram sobre a importância da constituiçãoda Museologia como campo especifico e qual seria a posição do “saber museológico” no âmbitodas teorias do conhecimento. Desvallées (1980:7) comentava: “a Museologia é uma disciplina,ou simplesmente conhecimentos <strong>em</strong>píricos s<strong>em</strong> uma ord<strong>em</strong>, critério ou metodologia? Em quecategoria das ativida<strong>de</strong>s humanas se encaixaria?” Para Gregorová (Ibid, passim), a Museologiaé a disciplina que reúne muitas profissões, mas que é uma disciplina in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte com umassunto especifico, comprometendo gran<strong>de</strong>s e importantes discussões que precisam serfeitas para enriquecer a produção teórica da Museologia.Para Riviére III , a Museologia é uma disciplina que permite o encontro <strong>de</strong> outras, mas no meioda interdisciplinarida<strong>de</strong> tenta se posicionar como um campo singular, com um único objeto <strong>de</strong>estudo. O autor explica que a Museologia oscila entre a unidisciplinarida<strong>de</strong> e a interdisciplinarida<strong>de</strong>,comentando: “ são como os movimentos do coração, sístole e diástole. Ou seja, a funçãoque cumpr<strong>em</strong> é <strong>de</strong> se compl<strong>em</strong>entar simultânea e constant<strong>em</strong>ente”.Portanto, é uma disciplina que precisa se retroalimentar do conhecimento <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong>diversas áreas. Desvallées questiona:IIWith the <strong>de</strong>velopment of museums, and with their increasing social impact in this period of scientific-technicalrevolution, the importance also increases of constituting and codifying the position of this new scientific disciplinewithin the framework of the other sciences”. GREGOROVÁ, Anna. [untitled]. MuWoP: Museological Working Papers /DoTraM: Documents <strong>de</strong> Travail en Muséologie. Museology – Science or just practical museum work? Stockholm, ICOM,International Committee for Museology/ICOFOM/<strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 1, 1980. p. 21IIIRIVIÉRE, Georges-Henri. The dynamics of the role of interdisiplinarity in the museum institution. MuWoP: MuseologicalWorking Papers = DoTraM: Documents <strong>de</strong> Travail en Muséologie. Museology and Interdisciplinarity. Stockholm, ICOM,International Committee for Museology/ICOFOM/<strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 2, 1981.p. 55273


A Museologia faz parte das ciências humanas? Das ciências experimentais? Ou daarte <strong>de</strong> expressão? Talvez não seja uma ciência e sim uma arte; arte <strong>de</strong> expressãos<strong>em</strong>elhante à arte dramática, ao teatro; a Museologia seria então a arte do museucom suas próprias leis e características? IVÉ um questionamento b<strong>em</strong> interessante, se consi<strong>de</strong>rarmos o <strong>Museu</strong> como ato criativo V epensarmos nas possibilida<strong>de</strong>s que o t<strong>em</strong>a oferece aos profissionais da expografia e daquelesenvolvidos na comunicação museológica. Talvez, se fosse visto <strong>de</strong>ssa maneira, atualmenteseriam outras as discussões e qu<strong>em</strong> sabe, o campo <strong>de</strong> ação estaria consolidado, uma disciplinaconsi<strong>de</strong>rada arte e respeitada como tal. Portanto, não é possível a construção <strong>de</strong> um campodisciplinar próprio da Museologia s<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> conta que, para o fortalecimento da mesma, énecessário envolver outras disciplinas científicas <strong>em</strong> prol não só da boa prática museográfica,mas também na procura <strong>de</strong> alianças teóricas que dê<strong>em</strong> consistência ao discurso museológico.Na Atualida<strong>de</strong> as incertezas surg<strong>em</strong>, <strong>em</strong> contraposição aos conceitos cartesianos daMo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>; e já nada po<strong>de</strong> ser entendido como produto ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites e parâmetros<strong>de</strong>finidos. As disciplinas interag<strong>em</strong> umas com as outras, permitindo-nos enten<strong>de</strong>r que tudopo<strong>de</strong> ser percebido como processo. Scheiner (2005:1) comenta:Tudo agora é percebido <strong>em</strong> processo, obrigando-nos a re-significar todo o edifíciosimbólico reconhecido como “campo da cultura”; no seu âmbito, também se resignificao campo do patrimônio – consi<strong>de</strong>rado, hoje, como instancia privilegiadapara o <strong>de</strong>senvolvimento sustentado das populações.Portanto, o <strong>Museu</strong> e o Patrimônio <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser estudados nessa perspectiva, sendo abordadoscomo instancias dinâmicas, que mudam no t<strong>em</strong>po e no espaço. Consi<strong>de</strong>ra-se que é através<strong>de</strong>ste olhar dinâmico que se torna possível a Museologia questionar-se sobre t<strong>em</strong>as <strong>de</strong>importância para o hom<strong>em</strong> e sua cultura. É assim que o meio ambiente foi t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> discussãodos encontros do ICOFOM e no ano <strong>de</strong> 1990 se publica o ICOFOM STUDY SERIES (ISS)No. 18 - Museology and the Environment. Muséologie et l´environn<strong>em</strong>ent. À continuação,apresentamos alguns dos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate.3. Um compromisso da Museologia: a preservação do patrimônio naturalSegundo Scheiner, a discussão sobre Museologia e Meio Ambiente data da década <strong>de</strong> 1950,se fortalece na década <strong>de</strong> 60 e se naturaliza no âmbito da Museologia a partir da década<strong>de</strong> 70, com a incorporação das discussões sobre meio ambiente e <strong>de</strong>senvolvimento. Des<strong>de</strong>os anos 1970 enfatizou-se o propósito da Museologia <strong>de</strong> contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimentosustentável, d<strong>em</strong>ocratizando o conhecimento e fazendo com que o público participassedas pesquisas e ativida<strong>de</strong>s dos museus. É uma necessida<strong>de</strong> que os museus <strong>de</strong> ciênciase jardins botânicos, como instituições partícipes da educação, sejam atores essenciais no<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>. Os museus na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> buscam ser dinâmicos,inovadores, capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às exigências <strong>de</strong> públicos que entendam o <strong>Museu</strong> segundoa sua visão, segundo a sua realida<strong>de</strong>. Assim, a Museologia, com o passar do t<strong>em</strong>po, t<strong>em</strong>adquirido novas responsabilida<strong>de</strong>s, participando dos movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização daIVDESVALLÉES, André. Op. Cit p, 18VSCHEINER, 2004274


cultura e promovendo a participação social através <strong>de</strong> programas educativos, para criar umaconsciência critica e analítica da realida<strong>de</strong>, como comenta Decarolis (1995:41). Um ex<strong>em</strong>plo<strong>de</strong>sta tendência foi a Mesa Redonda <strong>de</strong> Santiago <strong>em</strong> 1972.Na década <strong>de</strong> 1990 e para compl<strong>em</strong>entar a discussão sobre <strong>Museu</strong>, Socieda<strong>de</strong>, Meio Ambientee Desenvolvimento, os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> ICOFOM se reuniram para analisar os compromissos daMuseologia <strong>em</strong> relação com o Meio Ambiente; e os limites e oportunida<strong>de</strong>s do <strong>Museu</strong> comopossível motor educativo e construtor <strong>de</strong> idéias, na procura <strong>de</strong> soluções para os probl<strong>em</strong>asambientais que afetam o planeta, reiterando as recomendações da UNESCO, do ICOM e <strong>de</strong>outros organismos internacionais. O ICOFOM enfatizou que a Museologia t<strong>em</strong> a tarefa <strong>de</strong>estudar a relação entre o hom<strong>em</strong>, o próprio museu e a realida<strong>de</strong>, reiterando que as questõesdo meio ambiente são t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> profundo interesse da área museológica.Scheiner l<strong>em</strong>bra que a Museologia permite explicar a relação entre hom<strong>em</strong>- museu e natureza.Para a autora, os museus são a ponte que liga o hom<strong>em</strong> com a natureza; esclarece queesta perspectiva antropocêntrica está ligada ao entendimento do museu como um organismocultural, mas que é <strong>de</strong>ssa maneira que o hom<strong>em</strong> pensa a sua própria essência e seu vínculocom a natureza. A autora comenta:Esta correspondência com a natureza é a relação mais forte do hom<strong>em</strong>, doindividuo consigo mesmo, com sua própria essência como ser vivo, intrinsecamenterelacionado à geografia do espaço, à vegetação e às formas diferentes <strong>de</strong> animaiscom os quais interatua VI .Portanto, é no território que o hom<strong>em</strong> constrói a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve sua cultura,apropriando-se do entorno. É na dimensão do espaço que interage, cria seu patrimônio, cultivasua cultura e herda os seus costumes, atravessando a dimensão t<strong>em</strong>poral. Entend<strong>em</strong>os que opatrimônio está intimamente ligado à relação humana com a natureza. Davallon, Grandmonte Schielle (1992:56) comentam que além da dimensão científica, o meio ambiente tambémpossui uma dimensão social e humana, que permite enten<strong>de</strong>r as relações das socieda<strong>de</strong>scom a natureza que as ro<strong>de</strong>ia VII .V<strong>em</strong>os assim que o Meio Ambiente é um t<strong>em</strong>a concernente à Museologia, área que seinteressa pela preservação do patrimônio e pela preservação da socieda<strong>de</strong>, tal como explicaScheiner (1990:78): “Se a existência do patrimônio cultural <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto da correspondênciaentre o hom<strong>em</strong> e o meio ambiente, a proteção <strong>de</strong>ste patrimônio, s<strong>em</strong> dúvida, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá dapreservação da natureza” VIII . Não exist<strong>em</strong> hom<strong>em</strong> e natureza como duas unida<strong>de</strong>s separadas,pelo contrário, as duas instancias pertenc<strong>em</strong> a uma unida<strong>de</strong>, a uma totalida<strong>de</strong> integrada.Esta mudança conceitual implica enten<strong>de</strong>r que o “hom<strong>em</strong> cultural” não é diferente do hom<strong>em</strong>biológico (Ibid:81), o último abarca o primeiro. Este pensamento holístico nos permiteVI„This correspon<strong>de</strong>nce to nature is the strongest relationship of Man - that of the individual with himself, with his ownessence as a living being, intrinsically related to space, to the geography of such space, to the vegetation and to thedifferent animal forms with which he interacts”. SCHEINER, Teresa. <strong>Museu</strong>ms and natural heritage: alternatives andlimits of action. In: SYMPOSIUM MUSEOLOGY AND THE ENVIRONMENT. MUSÉOLOGIE ET L´ENVIRONNEMENT.ISS: ICOFOM STUDY SERIES Livingstone, Zambia, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM n, 18, Oct1990. p. 77VII„À coté <strong>de</strong> sa dimension scientifique, l‘environn<strong>em</strong>ent possè<strong>de</strong> en effet une autre ‚dimension, sociale et humaine, quiconcerne non plus l‘existence et le savoir <strong>de</strong>s choses du mon<strong>de</strong> mais le rapport <strong>de</strong> l‘homme á la nature et á ce qui l‘entoure“.DAVALLON, Jean, GRANDMONT, Gerald & SCHIELLE, Bernard. L’environn<strong>em</strong>ent entre au Musée. Op. Cit., p 56VIII“If the existence of a cultural heritage <strong>de</strong>pends so much of the correspon<strong>de</strong>nce between Man and environment, thenthe protection of such patrimony will undoubtedly <strong>de</strong>pend of the preservation of nature” SCHEINER, Teresa. <strong>Museu</strong>msand natural heritage: alternatives and limits of action. In: SYMPOSIUM MUSEOLOGY AND THE ENVIRONMENT.MUSÉOLOGIE ET L´ENVIRONNEMENT. Op. Cit., p. 78275


enxergar o patrimônio já não mais <strong>de</strong> modo fragmentado, mas <strong>de</strong> modo integral, oferecendo outraspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise mais próximas da essência humana que, <strong>em</strong> <strong>de</strong>finitivo, é a essência natural.Os museus estão assumindo na sua prática a visão <strong>de</strong> patrimônio como um todo que ligahom<strong>em</strong> e natureza, enten<strong>de</strong>ndo que o hom<strong>em</strong> não teria cultura se não existisse um territórioon<strong>de</strong> cultivar e transmitir seus costumes. Para Davallon, Grandmont e Schielle (1992:21), omuseu oferece uma forma original <strong>de</strong> abordar o meio ambiente, diferente da proposta dosmeios <strong>de</strong> comunicação. Para os autores, as questões ambientais <strong>de</strong>ntro dos museus propõ<strong>em</strong>uma forma singular dos visitantes se relacionar<strong>em</strong> com o meio ambiente: “aqui as ‘coisas’ danatureza são patrimônio”.Para Scheiner, os museus têm seus limites, já que a realida<strong>de</strong> é apresentada através <strong>de</strong>fragmentos. Esta fragmentação faz com que os objetos expostos sejam interpretados comofatos <strong>de</strong> um passado, congelados no t<strong>em</strong>po e não contextualizados. A autora comenta:Mesmo os museus que têm a ver especificamente com a vida – tais como jardinsbotânicos, parques zoológicos, aquários, parques naturais e outras zonas <strong>de</strong>reserva – são <strong>de</strong> certo modo fragmentários, o que oferec<strong>em</strong> à socieda<strong>de</strong> não é arealida<strong>de</strong> tal como existe no mundo exterior, mas „recortes selecionados“ do meioambiente, cuidados e controlados por especialistas (1990:83) IX .Como explica a autora, mesmo os museus que lidam com coleções vivas, que estão <strong>em</strong>constante e dinâmica transformação, só pod<strong>em</strong> apresentar pequenos recortes <strong>de</strong> universos,mas nunca a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Para Davallon, Grandmont e Schielle (1992:55), o museu é ummediador entre o meio ambiente e o público: o autor explica que exist<strong>em</strong> duas característicasda mediação: a primeira, que os museus exist<strong>em</strong> para o público, e assim sendo, são eleso centro das atenções; a segunda está relacionada com o paradoxo entre a visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>alguns objetos, “coisas” da natureza, e a invisibilida<strong>de</strong> dos processos cujo entendimento ecompreensão exig<strong>em</strong> conhecimento científico prévio X . Com estas duas características osprofissionais <strong>de</strong> museus se <strong>de</strong>frontam no momento <strong>de</strong> exibir o meio ambiente. Característicasque são realmente os <strong>de</strong>safios para melhor comunicar para o público.Mulongo (1990:3), na reunião do ICOFOM do ano <strong>de</strong> 1990, aponta alguns ex<strong>em</strong>plos sobr<strong>em</strong>useus na Zambia, enfatizando a importância <strong>de</strong> dar-se um enfoque diferente para os objetosna procura <strong>de</strong> uma informação mais próxima à realida<strong>de</strong>. O autor acredita que para apresentaros objetos, contextualizando-os no t<strong>em</strong>po e espaço do qual foram extraídos, po<strong>de</strong>r-se-iaaproveitar o momento <strong>de</strong> conceber as exposições. Frente a esta questão: como po<strong>de</strong> o museutrabalhar com a realida<strong>de</strong>, especificando para os visitantes que esse é um recorte do real?- precisa-se <strong>de</strong> um discurso que possa esclarecer para público que aquilo que se apresentanum museu é um recorte, s<strong>em</strong>pre um fragmento. Mulongo acredita que para construir umdiscurso próximo da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve-se “levar <strong>em</strong> conta que os melhores intérpretes da culturasão as pessoas que faz<strong>em</strong> parte integrante <strong>de</strong>la” (1990:7) XI .IX“Even museums that <strong>de</strong>al specifically with life - such as botanic gar<strong>de</strong>ns, zoological parks, aquaria, natural parksand other preserved areas - are, in a certain way, fragmentary: what they offer to society is not reality as it exists in theoutsi<strong>de</strong> world, but „selected slices“ of environment, carefully controlled by specialists”. SCHEINER, Teresa. <strong>Museu</strong>msand natural heritage: alternatives and limits of action. Op. Cit.X« Le musée participe á la mise en place d‘une médiation entre l‘environn<strong>em</strong>ent et son public. La pr<strong>em</strong>ière caractéristique<strong>de</strong> cette médiation est qu‘elle existe pour le public, <strong>de</strong> telle sorte que ce <strong>de</strong>rnier sera, peu ou prou, au centre du dispositif.Sa secon<strong>de</strong> caractéristique est <strong>de</strong> tirer parti du paradoxe entre la visibilité <strong>de</strong> certains <strong>de</strong>s objets (choses <strong>de</strong> la nature)et l‘invisibilité <strong>de</strong>s processus dont la saisie et la compréhension nécessitent le recours aux scientifiques ». DAVALLON,Jean, GRANDMONT, Gerald & SCHIELLE, Bernard. Op. Cit.XI“It should be borne in mind that the best interpreters of a culture are the people who are part and parcel of it”.MULONGO, Absalom. In Op. Cit., p. 7276


4. Consi<strong>de</strong>rações finaisImporta aqui dizer que os museus <strong>de</strong>v<strong>em</strong> aproveitar o po<strong>de</strong>r evocativo das suas coleções,vê-los como instrumentos para transmitir a visão <strong>de</strong> patrimônio integral. A socieda<strong>de</strong>, porestar <strong>em</strong> constante transformação, precisa <strong>de</strong> uma representação voltada para mostrar asmudanças e o dinamismo com o qual se constrói a cultura. Achamos que os profissionais d<strong>em</strong>useus <strong>de</strong>v<strong>em</strong> mudar sua visão estática e se <strong>de</strong>bruçar sobre uma práxis que possa dar conta<strong>de</strong> outras características inerentes aos objetos, que permitam observar a cultura e naturezacomo um todo. Para Davallon, Grandmont e Schielle, o museucontribui a <strong>de</strong>scobrir esse „ser“ que é o meio ambiente - composto <strong>de</strong> coisas,<strong>de</strong>processos e <strong>de</strong> representações - como um „b<strong>em</strong> público“ que <strong>de</strong>ve ser conservado,como um patrimônio. Esta „patrimonialização“ do meio ambiente ocorre segundoas modalida<strong>de</strong>s que respond<strong>em</strong> tanto à especificida<strong>de</strong> do museu e sua evoluçãoatual como um meio. Em <strong>de</strong>finitivo, face à revolução ver<strong>de</strong>, todo se <strong>de</strong>senha hoje<strong>em</strong> direção a um papel novo do museu: a <strong>de</strong> ser um „espaço público“ que ofereceàs pessoas a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar uma opinião sobre o que vira a constituir o„patrimônio ver<strong>de</strong> (1992:56) XII .Qual o papel dos museus com relação à preservação do meio ambiente? Como po<strong>de</strong> o<strong>Museu</strong>, através das suas funções, contribuir para a reflexão sobre patrimônio integral? ParaScheiner (1992:81), os museus, no seu papel <strong>de</strong> educadores, pod<strong>em</strong> executar planos <strong>de</strong>educação ambiental na procura <strong>de</strong> uma interação do indivíduo com a natureza, projetosvoltados para incentivar a reflexão sobre a preservação e cuidado do entorno. A autorapropõe a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> educação ambiental para os museus, integrando-oscom os planos <strong>de</strong> educação patrimonial; finalmente, estas duas abordagens buscam o mesmoobjetivo: motivar a reflexão e tentar conscientizar a socieda<strong>de</strong> sobre probl<strong>em</strong>as que pa<strong>de</strong>ce:A educação ambiental supõe que o meio ambiente é um sist<strong>em</strong>a total, on<strong>de</strong> osprocessos dinâmicos interag<strong>em</strong>, coloca o individuo <strong>em</strong> contato com uma pequenaparcela daquele sist<strong>em</strong>a, o importante não é o todo, mas a compreensãoda totalida<strong>de</strong> através do estudo das partes... dos el<strong>em</strong>entos que são parte daexperiência cotidiana das pessoas, se constro<strong>em</strong> os conceitos <strong>de</strong> interação not<strong>em</strong>po e no espaço e também a percepção sobre o passado presente - futuro (nestecaso, seus métodos são similares aos métodos <strong>de</strong> trabalho do Ecomuseu) XIII .Sofka (1992:85), por seu lado, acredita que é o momento para a construção <strong>de</strong> uma teoriaintegrada, que reúna as diversas disciplinas <strong>em</strong> prol <strong>de</strong> estratégias e táticas. A idéia é trabalhar<strong>em</strong> parceria pela salvaguarda do nosso patrimônio; assim, órgãos internacionais como o ICOM eICOMOS, entre outros, têm por priorida<strong>de</strong> a integração das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> patrimônio com outrasciências na luta conjunta pela preservação não só da natureza, mas também da socieda<strong>de</strong>.XII« Le musée contribue á faire apparaître désormais cet „être“ qu‘est l‘environn<strong>em</strong>ent — fait <strong>de</strong> choses, <strong>de</strong> processus et<strong>de</strong> représentations — comme un „bien public“ qui doit être conservé ; bref, comme un patrimoine. Cette „patrimonialisation“<strong>de</strong> l‘environn<strong>em</strong>ent s‘opère selon <strong>de</strong>s modalités qui répon<strong>de</strong>nt à la fois á la spécificité <strong>de</strong> l‘institution muséale et à sonévolution actuelle comme media. En définitive, face á la tourmente verte, on voit s‘esquisser aujourd‘hui un nouveau rôledu musée: celui d‘être un „espace public“ offrant au public la possibilité <strong>de</strong> se faire une opinion sur ce qui est en train <strong>de</strong><strong>de</strong>venir le ‘patrimoine vert’ ». DAVALLON, Jean, GRANDMONT, Gerald & SCHIELLE, Bernard. L’environn<strong>em</strong>ent entreau Musée. Op. Cit.XIII“Environmental education presupposes that the environment is a total syst<strong>em</strong>, where dynamic processes interact; itputs earth individual in close contact with a small parcel of such syst<strong>em</strong>. The important thing is not the whole, but thecomprehension of the whole through the study of parts... From the el<strong>em</strong>ents that make part of the day to day experience ofthe individual are built the notions of interaction in time and space, and also the perception about past present – future=´- (here, its methods are similar to the working methods of the ecomuseum)”. SCHEINER, Teresa. In Op. Cit., p. 85277


ReferênciasDAVALLON, Jean, GRANDMONT, Gerald & SCHIELLE, Bernard. L’environn<strong>em</strong>ent entre au Musée.Collection Muséologies. Lyon: Presses Universitaires <strong>de</strong> Lyon, 1992DECAROLIS, Nelly. Heritage, <strong>Museu</strong>m, Territory and Community. In: SYMPOSIUM MUSEUM ANDCOMMUNITY II. ISS: ICOFOM STUDY SERIES. Stavanger, Norway, ICOM, International Committeefor Museology/ICOFOM n, 25 p. 37-41 July, 1995DESVALLÉES, André. [untitled]. MuWoP: Museological Working Papers = DoTraM: Documents<strong>de</strong> Travail en Muséologie. Museology – Science or just practical museum work, Stockholm, ICOM,International Committee for Museology/ICOFOM/<strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 1, 1980.GREGOROVÁ, Anna. [untitled]. MuWoP: Museological Working Papers = DoTraM: Documents<strong>de</strong> Travail en Muséologie. Museology – Science or just practical museum work, Stockholm, ICOM,International Committee for Museology/ICOFOM/<strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 1, 1980.MULONGO, Absalom. <strong>Museu</strong>ms and natural heritage: alternatives and limits of action. In: SYMPOSIUMMUSEOLOGY AND THE ENVIRONMENT. MUSÉOLOGIE ET L´ENVIRONNEMENT. ISS: ICOFOMSTUDY SERIES Livingstone, Zambia, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM n, 18,Oct 1990RIVIÉRE Georges-Henri. The dynamics of the role of interdisiplinarity in the museum institution. MuWoP:Museological Working Papers = DoTraM: Documents <strong>de</strong> Travail en Muséologie. Museology – Scienceor just practical museum work, Stockholm, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM/<strong>Museu</strong>m of National Antiquities, v. 2, 1981.SCHEINER, Tereza. <strong>Museu</strong>ms and natural heritage: alternatives and limits of action. In: SYMPOSIUMMUSEOLOGY AND THE ENVIRONMENT. MUSÉOLOGIE ET L´ENVIRONNEMENT. ISS: ICOFOMSTUDY SERIES Livingstone, Zambia, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM n, 18,Oct 1990. p.77 - 85.------------- .<strong>Museu</strong>m and Museology. Definitions in Process In: Définir le Musée - Defining the <strong>Museu</strong>m.Mari<strong>em</strong>ont, Bélgica: Musée Royal <strong>de</strong> Mari<strong>em</strong>ont, 2005, p. 177-195. [Trad. da autora. Rio <strong>de</strong> Janeiro,nov. 2005, p. 2]SOFKA, Vinos. [untitled]. In: SYMPOSIUM MUSEOLOGY AND THE ENVIRONMENT. MUSÉOLOGIEET L´ENVIRONNEMENT. ISS: ICOFOM STUDY SERIES Livingstone, Zambia, ICOM, InternationalCommittee for Museology/ICOFOM n, 18, Oct 1990278


Documentos <strong>de</strong> TrabalhoDocumentos <strong>de</strong> TrabajoG-04Museologia, patrimônio e a questãoda técnica: pensando a ciência ea tecnologia na relação com o <strong>Museu</strong>Museología, patrimonio y el t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>la técnica: pensando la ciencia yla tecnología en la interface con el Museo


Da m<strong>em</strong>ória ao arquivo: proposições sobreo Patrimônio GenéticoAlexandro Silva <strong>de</strong> JesusResumoDes<strong>de</strong> o século <strong>de</strong>zenove, as museo-lógicas vêm se <strong>de</strong>parando com gestos filosóficos(Friedrich Nietzsche, Theodor Adorno) e literários (Gustave Flaubert) que não hesitaram<strong>em</strong> afirmar a relação estreita e bifurcada da maquinaria museal e patrimonial com a morte:a um só t<strong>em</strong>po, elaboração das perdas <strong>de</strong> um passado cada vez mais próximo do quecostumeiramente entend<strong>em</strong>os como presente e produção <strong>de</strong> um mais <strong>de</strong> arquivo que resultano imobilismo dos el<strong>em</strong>entos vitais <strong>de</strong> uma cultura. Recent<strong>em</strong>ente, no entanto, a noção <strong>de</strong>patrimônio genético — que além <strong>de</strong> inaugurar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova relação entreos domínios do patrimônio, da economia e dos usos, aponta para um novo protagonismodas comunida<strong>de</strong>s tradicionais — é anunciada como uma espécie <strong>de</strong> ultrapassag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ssacondição. Este artigo se propõe como lugar <strong>de</strong> teste da consistência <strong>de</strong>ssa promessa. Suaconsecução ur<strong>de</strong> quatro proposições sobre: o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória e a (im)possibilida<strong>de</strong> dopensamento crítico; o capitalismo e a (im)possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso; a relação entre ciência etradição; o <strong>de</strong>slocamento das m<strong>em</strong>órias tradicionais para o arquivo. Essas proposições nospermit<strong>em</strong> pensar, respectivamente, sobre a possibilida<strong>de</strong> efetiva <strong>de</strong> uma Teoria MuseológicaCont<strong>em</strong>porânea, antecipar a tensão entre consumo e livre uso do patrimônio genético,reavaliar a função antropológica - e das Ciências Sociais por extensão - neste cenário e<strong>de</strong>terminar, assim, os efeitos da intervenção político-científica nas comunida<strong>de</strong>s tradicionais.Com isso, esperamos oferecer uma perspectiva sobre a relação entre as museo-lógicas e abiodiversida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong>ntro da nossa linha <strong>de</strong> pesquisa sobrepolíticas <strong>de</strong> patrimonialização e museus <strong>em</strong> espaços pós-coloniais.Palavras Chave: Museo-lógicas, Biodiversida<strong>de</strong>, Arquivo, Teoria Museológica Cont<strong>em</strong>porânea.ResumenDe la m<strong>em</strong>oria al archivo: proposiciones sobre el Patrimonio GenéticoDes<strong>de</strong> el siglo XIX, las museo-lógicas encuentran gestos filosóficos y literarios que afirmanla relación estrecha y bifurcada presente entre la maquinaria <strong>de</strong>l museo y <strong>de</strong>l patrimonio y lamuerte: al mismo ti<strong>em</strong>po, la elaboración <strong>de</strong> las pérdidas <strong>de</strong> un pasado cada vez más cercano<strong>de</strong> lo que comprend<strong>em</strong>os como presente y la producción <strong>de</strong> exceso <strong>de</strong> archivo que resulta enla inmovilización <strong>de</strong> los el<strong>em</strong>entos vitales <strong>de</strong> una cultura. Sin <strong>em</strong>bargo, actualmente la noción<strong>de</strong> patrimonio genético – que, ad<strong>em</strong>ás <strong>de</strong> abrir la posibilidad <strong>de</strong> una nueva relación entre losámbitos <strong>de</strong>l patrimonio, la economía y los usos, apunta a un nuevo papel <strong>de</strong> las comunida<strong>de</strong>stradicionales - es consi<strong>de</strong>rada como una especie <strong>de</strong> superación <strong>de</strong> esa condición. Este artículoestá pensado para colocar en prueba la consistencia <strong>de</strong> esa promesa. Para su logro, eligecuatro proposiciones: el <strong>de</strong>ber <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y la imposibilidad <strong>de</strong>l pensamiento crítico; elcapitalismo y la imposibilidad <strong>de</strong>l uso; la relación entre ciencia y tradición; y el <strong>de</strong>splazamiento<strong>de</strong> las m<strong>em</strong>orias tradicionales hacia el archivo. Esas propuestas permiten reflejar sobre la280


posibilidad <strong>de</strong> una efectiva Teoría Museológica Cont<strong>em</strong>poránea, anticipando la tensión entre elconsumo y el uso gratuito <strong>de</strong>l patrimonio genético; y evaluar <strong>de</strong> nuevo la función antropológica– y <strong>de</strong> las Ciencias Sociales, por extensión – en ese contexto, y así <strong>de</strong>terminar los efectos<strong>de</strong> la intervención política y científica en las comunida<strong>de</strong>s tradicionales. Con ello, esperamosofrecer una perspectiva sobre la relación entre las museo-lógicas y la biodiversidad a partir<strong>de</strong> los estudios <strong>de</strong>sarrollados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nuestra línea <strong>de</strong> investigación sobre las políticas <strong>de</strong>patrimonio y <strong>de</strong> museos en espacios postcoloniales.Palabras Clave: Museo-lógicas, Biodiversidad, Archivo, Teoría Museológica Cont<strong>em</strong>poránea.AbstractFrom m<strong>em</strong>ory to archive: propositions on Genetic HeritageSince the nineteenth century, museum-logics have come across with philosophical (FriedrichNietzsche, Theodor Adorno) and literary (Gustave Flaubert) gestures that did not hesitate toaffirm the close and bifurcated relationship between the machinery of museums and heritageand [the concept of] <strong>de</strong>ath: the simultaneous elaboration of loss of a past, each day closerto what is normally un<strong>de</strong>rstood as present, and the production of a surplus of archives whichresults in the immobility of vital el<strong>em</strong>ents of a culture. The recent notion of genetic heritage -which, besi<strong>de</strong>s opening the possibility of a new relationship among the different domains ofheritage, of economy and use, indicates a new protagonism of traditional communities - hasbeen announced as a new step towards the overcoming of that condition. This article intendsto be the locus for testing the consistency of such promise. It combines four propositions,about: the duties of m<strong>em</strong>ory and the (im)possibility of critical thought; capitalism and the (im)possibility of usage; the relationship between science and tradition; and the displac<strong>em</strong>ent oftraditional m<strong>em</strong>ories towards the archive. Such propositions allow us to think, respectively, onthe effective possibility of a Cont<strong>em</strong>porary Musicological Theory, and to foresee the tensionbetween consumption and free use of the genetic heritage; it also makes possible to evaluatethe anthropological role - and that of the social sciences, in extension - in this scenery, thus<strong>de</strong>termining the effects of the political-scientific intervention on traditional communities. Withthis work we expect to offer a perspective on the relations between museum-logics andbiodiversity, as from studies <strong>de</strong>veloped within our research line on policies of patrimonializationand museums in post-colonial societies.Key Words: <strong>Museu</strong>m-logics. Biodiversity, Archive, Cont<strong>em</strong>porary <strong>Museu</strong>m Theory.Da m<strong>em</strong>ória ao arquivo: proposições sobre o Patrimônio GenéticoIntrodução, ou - as proposições e o vazioAs quatro proposições <strong>de</strong> que se ocupará essa comunicação são intuitivas. Isso não significaque elas tenham surgido s<strong>em</strong> qualquer apoio <strong>de</strong> objetos <strong>em</strong>píricos, pura especulação, mas queesses objetos disparadores são diversos, dispersos, e para eles ainda procuramos o melhormodo <strong>de</strong> alinhamento. Elas diz<strong>em</strong>, portanto, o que esses objetos nos faz<strong>em</strong> sentir; trata-se,portanto, <strong>de</strong> uma aposta. Nosso objetivo, aqui, é d<strong>em</strong>onstrar o potencial que possu<strong>em</strong> paranos esclarecer sobre as forças e as expectativas que se encontram na e com a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong>uma agenda sobre a Biodiversida<strong>de</strong>, a partir do conceito <strong>de</strong> patrimônio genético. Desta agenda281


as proposições investigam encontros (entre uso e consumo e, através <strong>de</strong>ste, da experiência eciência), funções (mediação, proteção, informação) e promessas (<strong>de</strong> protagonismos e justasrepartições).Escolh<strong>em</strong>os apresentar as proposições do modo como elas apareceram: in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes umasdas outras. Retomar<strong>em</strong>os cada uma <strong>de</strong>las nas consi<strong>de</strong>rações finais <strong>de</strong> modo que elas setorn<strong>em</strong> convergentes. É que cada proposição representa uma procura capaz <strong>de</strong> se justificarpor si só, e <strong>de</strong> ser aplicada a outros objetos <strong>de</strong>ntro e fora da museologia. Em todo caso,elas possu<strong>em</strong> um ânimo comum: todas acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong> função <strong>de</strong> uma resposta que continuaesvaziada: afinal, o que é museologia?Proposição 1: O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória é o que faz da Teoria Museo-lógica Ext<strong>em</strong>porâneaalgo por virSobre isso nos apoiar<strong>em</strong>os na dúvida <strong>de</strong> Zbynek Zbyslav Stránský (2008), aquela incapaz<strong>de</strong> se <strong>de</strong>cidir sobre a museologia ser ciência ou apenas trabalho prático, como sintoma doainda não da Teoria Museo-lógica Ext<strong>em</strong>porânea I . Pois nosso esforço, aqui, consiste <strong>em</strong>d<strong>em</strong>onstrar <strong>em</strong> que condições torna-se (im)possível fazê-la viger. Por isso, interessa-nos,fundamentalmente:1. que essa dúvida tornada pública <strong>em</strong> 1980 no idioma inglês, tenha conhecido sua traduçãona língua portuguesa <strong>em</strong> 2008 (ou seja, na madrugada <strong>de</strong> hoje ou, no máximo, <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>), naforma <strong>de</strong> um visitar <strong>de</strong> novo II . Registre-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora, que não l<strong>em</strong>os este re-visitar comoalgum tipo <strong>de</strong> cortesia ou afeição que se prestasse a uma história. Pensamos, ao contrário,que esse ter <strong>em</strong> vistas novamente possui o sentido <strong>de</strong> uma urgência, ou melhor, que a urgênciada dúvida ainda nos pressiona;2. que essa mesma in<strong>de</strong>cidibilida<strong>de</strong> esteja ligada à constatação, no nível scholar, <strong>de</strong>, namaioria dos casos, uma „base teórica relativamente fraca“ , que ocupa, mesmo nos centrosespecializados, „o segundo plano“ III . Tratar-se-ia, assim, <strong>de</strong> uma teoria positiva, isto é, festiva,s<strong>em</strong> potência, talvez — e aqui estamos nos apropriando <strong>de</strong> seu diagnóstico livr<strong>em</strong>ente —,para constituir seus <strong>de</strong>lineamentos.A dúvida <strong>de</strong> Stránský diria assim, apenas o fato <strong>de</strong> uma teoria inconsistente, jamais saída <strong>de</strong>seu esboço, s<strong>em</strong> nada nos revelar <strong>em</strong> que ponto esta sua condição se cruza com a exigênciasque informa a museologia <strong>em</strong> seu plano técnico; esclarecer essa relação será a única chancepara validarmos nossa proposição. E é neste ponto que se torna necessário reclamar o sentidoforte do trabalho <strong>de</strong> tradução, que não é outro senão escrever <strong>de</strong> novo, nos termos <strong>de</strong> umare-invenção. A dúvida <strong>de</strong> Stransky <strong>de</strong>ve sofrer, portanto, uma re-elaboração, que é o mesmoque dizer que ela precisa ser duvidada.ISeja o que for esta teoria por vir, <strong>de</strong>verá assumir a função int<strong>em</strong>pestiva que Friedrich Nietzsche reclamava para afilologia clássica: “Não sei que sentido [ela] po<strong>de</strong>ria ter hoje, senão aquele <strong>de</strong> exercer uma influência int<strong>em</strong>pestiva, querdizer, agir contra a época, por conseguinte, sobre esta época e, esperamos nós, <strong>em</strong> benefício <strong>de</strong> uma época vindoura“(NIETZSCHE, 2005, p.70).IIO texto Museologia: ciência ou apenas trabalho prático, <strong>de</strong> Zbnek Z. Stránský foi publicado no idioma português pelaMuseologia e Patrimônio, revista eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> M<strong>em</strong>ória e Patrimônio da Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral do Estado do rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO). Cabe <strong>de</strong>stacar que se tratava da primeira edição da Revista e que aseção on<strong>de</strong> o artigo aparece aprece sob a rubrica Revisitando.IIISTRÁNSKÝ, 2008, p.103.282


E a dúvida sobre a dúvida consiste nisto: é realmente necessário <strong>de</strong>cidir sobre a Museologia(e é importante marcar que <strong>em</strong> Stránský o termo diz o mesmo, ao menos uma vez, que teoriamuseológica), engajá-la, com exclusivida<strong>de</strong>, do lado da ciência ou do trabalho prático? Paraque a dúvida seja re-fundada esse “ou” que efetua uma relação <strong>de</strong> oposição entre as suaspossibilida<strong>de</strong>s é realmente essencial? Da nossa parte escolh<strong>em</strong>os caminhar com os doispés, ou seja, com a teoria museológica (rigorosamente, com aquela teoria fraca que Stránskýindica) e com o trabalho prático, para re-fundarmos a dúvida <strong>em</strong> termos que nos permitamindagar <strong>em</strong> que medida o sentido que <strong>de</strong>termina o como do trabalho prático não seria omesmo que faz viger o agora inconsistente da teoria.Ora, o que dá sentido ao como da prática e a vigência da teoria <strong>em</strong> questão é o <strong>de</strong>ver d<strong>em</strong><strong>em</strong>ória. Trata-se, aí <strong>de</strong> um diagrama IV político, ou, o que dá no mesmo, <strong>de</strong> uma espécie d<strong>em</strong>áquina abstrata <strong>de</strong> governo. E a forma mais avançada que esta sua realida<strong>de</strong> abstrata s<strong>em</strong>aterializa entre nós (a maneira <strong>de</strong> políticas públicas), submete a teoria <strong>de</strong> agora a condição<strong>de</strong> arconte, para o b<strong>em</strong> e para o mal, <strong>de</strong> uma agenda <strong>de</strong> Estado. (pressente-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> jáque as coisas se passando <strong>de</strong>ssa forma, haverá implicações sobre a avaliação da funçãomediadora que alguns autores reclamam para os cientistas sociais, <strong>em</strong> relação às distintasd<strong>em</strong>andas <strong>em</strong> torno do patrimônio genético).Tudo (teoria e prática), ou quase, acontece, então, a partir <strong>de</strong> um imperativo <strong>de</strong> governo —a partir, portanto, <strong>de</strong> sua urgência, s<strong>em</strong>pre a mesma, <strong>de</strong> re-fundar a servidão voluntária V .Novamente: arquivar (tudo) é o <strong>de</strong>ver que se <strong>de</strong>ve fazer e aquilo que faz pensar obrigado.Neste ponto, a teoria <strong>de</strong> agora <strong>de</strong>ve ser acordada sobre as condições <strong>de</strong> seu modo crítico,quer dizer, s<strong>em</strong> <strong>em</strong>baraços com o Estado; como teoria <strong>de</strong>verá reconhecer que o compromissocom o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória é a própria falência da teoria. Seria preciso, mais do que nunca,sub-escrever (com todo e apesar do i<strong>de</strong>alismo) uma „razão [...] livre por sua natureza e [que]não acolhe nenhuma ord<strong>em</strong> para aceitar algo como verda<strong>de</strong>iro (nenhum cre<strong>de</strong> mas apenasum credo livre)“ VI . Por isso, a teoria por vir não terá probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong> funcionar a partir <strong>de</strong> umalateralida<strong>de</strong> com a prática, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essa parida<strong>de</strong> não signifique estar, essencialmente, aserviço da técnica, <strong>de</strong> modo que, a partir <strong>de</strong> seu gesto crítico, se possa <strong>de</strong>terminar um lado <strong>de</strong>fora do Estado (assim, por ex<strong>em</strong>plo, a teoria sobre museu e patrimônio integral <strong>de</strong>verá pensartambém o Estado totalitário) VII .Proposição 2: O caráter sacramental da experiência capitalista opõe consumo a todo usoPor mais familiar que seja o seu nome, o uso não está <strong>de</strong> fato presente entre nós, <strong>em</strong> suaatualida<strong>de</strong> viva. Para aqueles, entre nós, que acompanham a probl<strong>em</strong>ática sobre a experiência(probl<strong>em</strong>ática que <strong>de</strong>verá se tornar nevrálgica para a teoria por vir) a partir dos escritos <strong>de</strong>IVDiagrama. 1. “mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r levado a sua forma i<strong>de</strong>al; seu funcionamento, abstraindo-se <strong>de</strong> qualquer obstáculo,resistência ou <strong>de</strong>sgaste, po<strong>de</strong> ser b<strong>em</strong> representado como um puro sist<strong>em</strong>a arquitetural e óptico: é na realida<strong>de</strong> umafigura <strong>de</strong> tecnologia política que se po<strong>de</strong> e se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>stacar <strong>de</strong> qualquer uso específico” (FOUCAULT, 1987, p. 170);2. Definindo-se por meio <strong>de</strong> funções e matérias informes, ele ignora toda a distinção entre conteúdo e uma expressão,entre uma formação discursiva e uma formação não discursiva. É uma máquina quase muda e cega <strong>em</strong>bora seja elaque faça ver e falar (DELEUZE, 2005, p. 44).VÉ por isso, adiantamos que a teoria por vir <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o modo se sujeição nos espaços <strong>de</strong>coloniais,ou <strong>de</strong> outro modo, aos lugares <strong>de</strong> encontro das estruturas (subjetivas, <strong>de</strong> acesso) <strong>de</strong> colonização e das formas <strong>de</strong><strong>de</strong>scolonização.VIKANT, 1993, p. 22.VIIDe resto, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> Estado que prática museal e teoria <strong>de</strong> agora se acham submetidas, exige, necessariamente, quea teoria por vir consi<strong>de</strong>re os gestos conceituais e afectivos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Oitocentos, se <strong>em</strong>penharam <strong>em</strong> <strong>de</strong>sencobrir oEstado (ou seja, o imobilismo) no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória.283


Walter Benjamin (1994), torna-se dispensável avisar que começamos calçados <strong>em</strong> umaparáfrase. Em modo próprio, seu diagnóstico afirma o <strong>de</strong>saparecimento do narrador e da arte<strong>de</strong> narrar (<strong>de</strong>saparecimento este, já pod<strong>em</strong>os pressentir, que coloca todo o pequeno mundo daarte-educação e o outro, um pouco maior, da educação patrimonial, <strong>em</strong> maus lençóis). Se nospareceu necessário introduzirmos o <strong>de</strong>senvolvimento da proposição <strong>de</strong>sta forma, é porqueacreditamos que o narrador e o uso possu<strong>em</strong> uma mesma data <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento. O quequer<strong>em</strong>os d<strong>em</strong>ostrar é que não se trata, nisto, <strong>de</strong> uma coincidência, e sim que o narrador e ouso enquanto inatuais se acham submetidos aos mesmos dispositivos <strong>de</strong> rarefação.É preciso [...] fazer uma distinção entre secularização e profanação. A secularização éuma forma <strong>de</strong> r<strong>em</strong>oção que mantém intactas as forças, que se restringe a <strong>de</strong>slocar <strong>de</strong> umlugar a outro. Assim, a secularização política <strong>de</strong> conceitos teológicos (a transcendência <strong>de</strong>Deus como paradigma do po<strong>de</strong>r soberano) limita-se a transmutar a monarquia celeste <strong>em</strong>monarquia terrena, <strong>de</strong>ixando, porém, intacto seu po<strong>de</strong>r. A profanação implica, por sua vez,uma neutralização daquilo que profana VIII .Genealogicamente, pod<strong>em</strong>os r<strong>em</strong>ontar essa cobertura religiosa do capitalismo (muitodiferente da cobertura religiosa que Max Weber <strong>de</strong>screve analiticamente) a Walter Benjamin,pois, <strong>de</strong> fato, a análise <strong>de</strong> Giorgio Agamben se resolve como <strong>de</strong>sdobramento da leiturabenjaminiana. Desta, o que importa <strong>de</strong>stacar — não ter<strong>em</strong>os condições, aqui, <strong>de</strong> ofereceranálise: uma religião <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção extr<strong>em</strong>a (talvez a mais extr<strong>em</strong>a que já existiu, Benjamindirá), cujo culto acontece <strong>de</strong> maneira permanente (todos os dias da s<strong>em</strong>ana), e que não écapaz, nunca, <strong>de</strong> expiar, mas apenas culpabilizar. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma religião do epara o consumo (e é por isso que hoje, mais do que nunca, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os levar a sério a relaçãoentre consumo e <strong>de</strong>struição).Ora, o capitalismo como religião, e mais ainda, como <strong>de</strong>voção consumista (<strong>de</strong>struidora) seopõe a todo uso. Diss<strong>em</strong>os: e mais ainda. É porque a indisposição das coisas religiosas parao uso, essa indisponibilida<strong>de</strong> que experimentamos <strong>em</strong> todas as nossas ações <strong>de</strong> mercado,ou seja, <strong>em</strong> todas as nossas ações, não foi algo que o capitalismo tenha inventado; antes, fazparte do modo mesmo como a operação religiosa <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>finida (inclusive juridicamente).Ou seja: lhe é essencial.Os juristas romanos sabiam perfeitamente o que significa „profanar“. Sagradas ou religiosasera as coisas que <strong>de</strong> algum modo pertenciam aos <strong>de</strong>uses. Como tais, elas eram subtraídasao livre uso e comércio dos homens, não podiam ser vendidas n<strong>em</strong> dadas como fiança,n<strong>em</strong> cedidas <strong>em</strong> usufruto ou gravadas <strong>de</strong> servidão. Sacrílego era todo ato que violasse outransgredisse essa sua especial indisponibilida<strong>de</strong> [...] IXE mais, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir como religião aquilo que subtrai coisas, lugares, animais, ou pessoas aouso comum e as transfere para uma esfera separada. Não só não há religião s<strong>em</strong> separação,como toda separação contém ou conserva <strong>em</strong> si um núcleo genuinamente religioso X .Toda a nossa atenção <strong>de</strong>ve recair, portanto, para essa indisponibilida<strong>de</strong>, para esse por <strong>em</strong>reserva (que é uma operação, mais propriamente, técnico-religiosa) que impe<strong>de</strong> o uso livree o uso comum <strong>de</strong> homens, lugares e coisas. Em todo caso, sab<strong>em</strong>os que pod<strong>em</strong>os seracusados, aqui, <strong>de</strong> pouco critério <strong>em</strong> nome <strong>de</strong> uma conveniência, que enfatizamos apenasVIIIAGAMBEN, 2007, p. 68.IXId<strong>em</strong>, p.65.XId.284


os el<strong>em</strong>entos que beneficiam o sentido <strong>de</strong> nossa leitura, e que toda a nossa atenção <strong>de</strong>veriarecair também para a indisponibilida<strong>de</strong> dos homens, lugares e coisas para o comércio comocaracterístico do gesto religioso, e que assim, os lugares sagrados (e o próprio lugar dosagrado) continuariam antipáticos às casas dos mercadores. O que pod<strong>em</strong>os dizer: o quese passa com o capitalismo dá mostras que a insdisponibilida<strong>de</strong> comercial que os juristastomavam por essencial para a <strong>de</strong>finição do religioso era apenas um aci<strong>de</strong>nte, e como tal suavigência <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> para a qual as relações <strong>de</strong> consumo não constituíamsua escolha original XI .Pressente-se para on<strong>de</strong> tudo isso <strong>de</strong>verá nos conduzir: certamente para o consumo(mercado), on<strong>de</strong>, Agamben concluiu, „[...] agora tudo o que é feito, produzido e vivido [...]acaba sendo dividido por si mesmo e <strong>de</strong>slocado para uma esfera separada que já não <strong>de</strong>finenenhuma divisão substancial e na qual todo o uso se torna duravelmente impossível XII . Masnão somente. Pois se tudo o que mostramos sobre a religião pu<strong>de</strong>r ser asseverado, significaque o que chamamos, entre nós, <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> musealização (isso o termo <strong>de</strong>ve dar contado que acontece tanto no museu ou no interior do IPHAN quanto das museo-lógicas <strong>de</strong> umamaneira geral), não é outra coisa senão um procedimento religioso singular (e é exatamentepor isso que não pod<strong>em</strong>os tocar nos objetos que a musealização, pela via do rito, consagra)que retira as coisas da esfera do uso e as reserva indisponíveis. É por isso que <strong>de</strong> vez<strong>em</strong> quando apanhamos alguém confundindo museu e mercado — e à essa confusão estãosujeitos todos os tipos <strong>de</strong> museu e não apenas os museus <strong>de</strong> arte.Proposição 3: As condições <strong>de</strong> época imped<strong>em</strong> qualquer acordo entre experiência(tradicional) e ciênciaFalamos a pouco <strong>de</strong> uma herança benjaminiana no pensamento <strong>de</strong> Giorgio Agamben. A rigor,se trata <strong>de</strong> uma re-fundação da probl<strong>em</strong>ática sobre a experiência a partir do diagnóstico <strong>de</strong>Walter Benjamin, mas precisamente, sobre o <strong>de</strong>saparecimento da experiência tradicional,não conceitual, apreendida no silêncio das coisas que, <strong>de</strong> forma dispersa e <strong>em</strong> toda parte,simplesmente estavam aí (sabia-se exatamente, Benjamin dizia, o significado da experiência:ela s<strong>em</strong>pre fora comunicada aos jovens. De forma concisa, [ou] prolixa [...], muitas vezescomo narrativa [...] XIII ). Trata-se, assim, do <strong>de</strong>saparecimento das condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>que sustentavam certas formas <strong>de</strong> existir junto (formas, aliás, que test<strong>em</strong>unham sobre seupróprio <strong>de</strong>saparecimento tanto mais agora que se tornam objeto especial das museo-lógicas).Ora, se essas condições foram <strong>de</strong>sfeitas (e aqui continuamos a argumentar sob a mesmaperspectiva da filosofia da cultura que sustentou a proposição anterior), isto ocorreu <strong>em</strong>benefício da experiência técnico-científica. Tom<strong>em</strong>os um dos gestos essenciais, no século<strong>de</strong>zesseis, <strong>em</strong> que essa <strong>de</strong>scolocação assume a forma <strong>de</strong> uma oposição.A experiência pura e simples [...], quando ocorre por si, é chamada <strong>de</strong> acaso e, se buscada,<strong>de</strong> experiência. Mas essa espécie <strong>de</strong> experiência é como uma vassoura <strong>de</strong>sfiada, comose costuma dizer, mero tateio, à maneira dos que se perd<strong>em</strong> na escuridão, tudo tateando<strong>em</strong> busca do verda<strong>de</strong>iro caminho, quando muito melhor fariam se aguardass<strong>em</strong> o dia ouacen<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> um archote para então prossegui r<strong>em</strong>. Mas a verda<strong>de</strong>ira ord<strong>em</strong> da experiência,XINeste sentido, ter <strong>em</strong> mente as analises que José Ortega Y Gasset sobre o papel do dinheiro nas socieda<strong>de</strong>soci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> hoje e <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>, possivelmente dará ao nosso argumento mais consistência. ORTEGA Y GASSET, 2007.Especialmente A dinâmica do t<strong>em</strong>po.XIIAGAMBEN, op. cit. p. 71.XIIIBENJAMIN, 1994, p. 114.285


ao contrário, começa por, primeiro, acen<strong>de</strong>r o archote e, <strong>de</strong>pois, com o archote mostrar ocaminho, começando por uma experiência or<strong>de</strong>nada e medida — nunca vaga e errática —,<strong>de</strong>la <strong>de</strong>duzindo os axiomas e, dos axiomas, enfim, estabelecendo novos experimentos XIV .Saber que só po<strong>de</strong> ocorrer ocasionalmente, somente possível como pathos (pois ocorridono escuro, choca-se constant<strong>em</strong>ente contra seus objetos) trata-se, aí, como Agamben jáobservara, <strong>de</strong> uma con<strong>de</strong>nação, <strong>em</strong> favor da ciência, da experiência tradicional. Mas mesmonos ensaios <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Montaigne (2001), cuja topografia constitui um dos mais beloscantos <strong>de</strong>sta experiência que começa ver a si própria passar (pois Montaigne escrevia tendocomo horizonte seu próprio <strong>de</strong>saparecimento), uma hierarquia sobre os modos <strong>de</strong> conhecertambém test<strong>em</strong>unha uma positivida<strong>de</strong> favorável à ciência:Não há <strong>de</strong>sejo mais natural do que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecimento. Experimentamos todos osmeios que nos pod<strong>em</strong> levar a ele. Quando a razão nos falta, <strong>em</strong>pregamos a experiência , [...]que é um meio mais fraco e menos digno [...] XV .Não é necessário, tamanha a evidência, <strong>de</strong> que essa repartição entre experiência e experimentocontinua a coser nossa atualida<strong>de</strong>. Ela ocorre (na forma <strong>de</strong> uma tensão, por ex<strong>em</strong>plo, entr<strong>em</strong>edicina e curan<strong>de</strong>irismo), entre nós, brasileiros, ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Oitocentos (É paraver, dizia um cronista pernambucano <strong>em</strong> 1832, o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho e fresquidão, com que umassassino <strong>de</strong>stes [o curan<strong>de</strong>iro] <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> tateia o pulso <strong>de</strong> um pobre doente, s<strong>em</strong> sabero que é pulso, n<strong>em</strong> on<strong>de</strong> ele está, n<strong>em</strong> qual seu estado normal [...] XVI ), s<strong>em</strong>pre na forma <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>squalificação (e o rebaixamento atual t<strong>em</strong> na Política nacional <strong>de</strong> Plantas medicinais efitoterápicos um bom ex<strong>em</strong>plo, posto que a ação dos terapeutas tradicionais <strong>de</strong>ve se restringira parte da população que t<strong>em</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> garantir uma boa atenção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>). Isso dirá,portanto, sobre o modo próprio da Museologia se relacionar com seus novos objetos.Proposição 4: Os procedimentos <strong>de</strong> arquivo indicam redução e não aumento <strong>de</strong> m<strong>em</strong>óriaEis os aspectos que, para nosso plano teórico, melhor <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> um arquivo: “exteriorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>um lugar, operação topográfica <strong>de</strong> uma técnica <strong>de</strong> consignação e <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>(o arconte [...]) XVII ”. É fácil, a partir daí, fazer o museu passar por arquivo. Pois as funções domuseu não são outras senão domiciliar (por <strong>em</strong> segurança, conservar) os documentos da culturacolocados sob sua jurisdição e consigná-los (reuni-los sob um mesmo sentido, rubrica ou sist<strong>em</strong>a).E cada um <strong>de</strong>sses aspectos (um lugar que conserva e uma lei que fixa o sentido e a relação) éconduzido partir <strong>de</strong> uma curadoria produzida pelo seu arconte (museólogo). É <strong>em</strong> sua figura queo arquivo concretiza suas funções econômicas: “guarda, põe <strong>em</strong> reserva, economiza, mas não d<strong>em</strong>odo natural, isto é, fazendo a lei (nomos) ou fazendo respeitar a lei” XVIII . Disto, todo e qualquerprocesso <strong>de</strong> musealização torna-se, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> sua natureza, um procedimento político.Escolh<strong>em</strong>os, assim, uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> arquivo capaz <strong>de</strong> ignorar as distinções tradicionais entreo que tradicionalmente entend<strong>em</strong>os ser sua instituição e a museal (e que certamente não seesgota aí). Tal <strong>de</strong>finição (<strong>de</strong>rridiana) permite tal indistinção não somente pelos aspectos queXIVBACON, Francis. Versão eletrônica do livro “Novum Organum ou Verda<strong>de</strong>iras Indicações Acerca da Interpretação danatureza”. Créditos da digitalização: M<strong>em</strong>bros do grupo <strong>de</strong> discussão Acrópolis (Filosofia). Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolisXVMONTAIGNE, 2001, pp. 422-3.XVIAPEJE, O Carapuceiro, No. 31, 1832.XVIIDERRIDA, 2001, p. 8.XVIIIIbid,, p. 17.286


<strong>de</strong>staca do arquivo; ela procura, s<strong>em</strong>pre que possível, implicar diretamente o museu. Pois o queé, para essa ciência do arquivo, algo como a psicanálise? “Projeto <strong>de</strong> saber”, certamente, mastambém “<strong>de</strong> prática e <strong>de</strong> instituição, comunida<strong>de</strong>, família, domiciliação, consignação, ‘casa’, ou‘museu’ no estado presente <strong>de</strong> seu arquivamento” XIX . Ou ainda, quando essa mesma ciência<strong>de</strong>senha os po<strong>de</strong>res presentes na regência arquival: “transformada <strong>em</strong> museu, a casa <strong>de</strong> Freudhospeda todos esses po<strong>de</strong>res da economia” XX .T<strong>em</strong>os, então, que a estrutura específica do museu é a do arquivo. O museu, aqui, não sediferencia mais da biblioteca, n<strong>em</strong> do próprio arquivo; <strong>em</strong> certo nível não diverge também, <strong>de</strong>dispositivos como câmeras fotográficas, o HDs ou o pen drives. Sua estrutura específica é, naverda<strong>de</strong>, generalizada (era o que Henry-Pierrre Jeudy t<strong>em</strong> <strong>em</strong> vista quando afirma que o espíritopatrimonial é proteiforme). Por isso, [...] museu não <strong>de</strong>signa [...] um lugar ou um espaço físico<strong>de</strong>terminado, mas a dimensão separada para a qual se transfere o que há um t<strong>em</strong>po era percebidocomo verda<strong>de</strong>iro e <strong>de</strong>cisivo, e agora já não é. O museu po<strong>de</strong> coincidir, nesse sentido, com umacida<strong>de</strong> inteira (Évora, Veneza, <strong>de</strong>claradas por isso mesmo patrimônio da humanida<strong>de</strong>), como umaregião (<strong>de</strong>clarada parque ou oásis natural), e até mesmo com um grupo <strong>de</strong>sapareceu). De formamais geral, tudo hoje po<strong>de</strong> tornar-se <strong>Museu</strong>, na medida <strong>em</strong> que esse termo indica simplesmentea exposição <strong>de</strong> uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar, <strong>de</strong> habitar, <strong>de</strong> fazer experiência XXI .Tudo isso prenuncia a redução <strong>de</strong> potência das comunida<strong>de</strong>s tradicionais quando submetidasaos processos <strong>de</strong> musealização. E estes sinais já começam a ser colhidos.Exibida, colocada no museu, passada pelas mãos <strong>de</strong> arqueólogos, etnólogos e conservadores,essa ambivalência que se manifestou cada vez que se pensou <strong>em</strong> conservar ou <strong>de</strong>struir os‘instrumentos <strong>de</strong> trabalho’, por ocasião <strong>de</strong> revoltas e <strong>de</strong> insurreições <strong>de</strong>sapareceu: foi inteiramenteesvaziada <strong>de</strong> sua intensida<strong>de</strong>, para se tornar o resumo objetivo <strong>de</strong> uma história <strong>de</strong> bravura XXII .Consi<strong>de</strong>rações finais, ou - sobre o enca<strong>de</strong>amento das proposiçõesDurante muito t<strong>em</strong>po o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória funcionou, por Necessida<strong>de</strong>, como o móvel e oimpensado da política <strong>de</strong> conservação e da teoria <strong>de</strong> agora. Hoje, porém, sua vida <strong>de</strong> dispositivocomeça a ser probl<strong>em</strong>atizada. E essa abertura exige que a teoria por vir enxergue a si mesmacomo teoria sobre o arquivo, que não é outra coisa senão uma teoria sobre suportes <strong>de</strong> m<strong>em</strong>óriaou m<strong>em</strong>órias protéticas. Ela <strong>de</strong>verá se esforçar para exercer um pensamento que almeje olado <strong>de</strong> fora do Estado (e o significado disto não ficará totalmente evi<strong>de</strong>nciado para o campomuseológico, enquanto a perspectiva sobre os bens culturais <strong>de</strong> Jean-Jacques Rousseaucontinuar negligenciado), pois até aqui, o engajamento da teoria <strong>de</strong> agora com o mesmo nãolhe permitiu formar uma gramática in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Eis, portanto, o estado das coisas e o <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> povir que a primeira proposição fixa. Todas as outras proposições <strong>de</strong>veriam oferecer a teoriapor vir, a partir do conceito <strong>de</strong> patrimônio genético, ocasião <strong>de</strong> teste.Firmamos (através da segunda proposição) uma oposição entre uso e consumo para evi<strong>de</strong>nciarque a analítica <strong>de</strong> uma teoria por vir não po<strong>de</strong>rá sub-escrever a agenda política <strong>de</strong>terminada parao patrimônio genético. Ela não po<strong>de</strong>rá sub-escrever ainda, e pelo mesmo motivo, a mediaçãodas ciências sociais, especialmente a mediação museológica, nos <strong>de</strong>sacordos <strong>de</strong> tal agenda.Em parte por que estamos tratando <strong>de</strong> um lugar on<strong>de</strong> não há nenhuma mediação possível entreXVIIIIbid., pp. 15-6.XIXIbid., p. 18.XXAGAMBEN, op cit., 73.XXIJEUDY, 2005, p. 29.287


uso coletivo e consumo capitalista; o esforço seria, <strong>de</strong>ssa forma, inútil. O motivo mais importante,contudo, é <strong>de</strong> natureza técnica e diz a disposição museológica (reservar indisponível), ou melhor,diz seu partido. Tudo isso pressiona a teoria por vir: sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> patrimônio genético <strong>de</strong>verádar conta do jogo <strong>de</strong> cercamento do uso e <strong>de</strong> abertura para o consumo.Pod<strong>em</strong>os, com o apoio da terceira proposição, <strong>de</strong>sdobrar o que diss<strong>em</strong>os sobre a intervençãomuseológica: no que concerne a sua relação com o modo <strong>de</strong> vida tradicional — com o seunovo objeto, portanto —, não será possível n<strong>em</strong> mediação n<strong>em</strong> proteção. E isso porque,seja como ciência ou apenas trabalho técnico, a museologia é animada por condições queexig<strong>em</strong> a <strong>de</strong>spossessão da experiência tradicional. Por outro lado, seria preciso investigar aconsistência <strong>de</strong>sse objeto tradicional que a museologia, hoje começa a fazer parte da posse.Em outras palavras, a teoria <strong>de</strong>ve se perguntar <strong>em</strong> que medida a museologia partilha, nofundo, <strong>de</strong> uma invenção antropológica XXII .Todas essas coisas diz<strong>em</strong>, finalmente, um pouco mais. Diz que também que a intervençãomuseológica como intervenção <strong>de</strong> arquivo, reduz ainda mais a vitalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste seu objeto (e,l<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os, isso já aconteceu com a Antropologia). Pois aquilo que, nos enunciados sobre abiodiversida<strong>de</strong>, torna a comunida<strong>de</strong> tradicional “protagonista” é tão somente a crença <strong>de</strong> que talcomunida<strong>de</strong> possui um saber fazer que se reserva fora, ainda, dos arquivos técnico-científicos.Quando essa condição estiver superada, será o arquivo (museu) a nos dizer alguma coisa.Referências BibliográficasAGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boit<strong>em</strong>po, 2007.ARGIER, Michel. Distúrbios i<strong>de</strong>ntitários <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> Globalização. In: Mana vol.7 no.2 Rio <strong>de</strong> Janeiro - Oct. 2001.BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.7ª. ed.São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.DELEUZE, Gilles. Foucault.DERRIDA, Jacques. Mal <strong>de</strong> arquivo: uma impressão freudiana. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Relume Dumará, 2001.FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cida<strong>de</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa da palavra, 2005.KANT, Immanuel. O conflito das faculda<strong>de</strong>s. Lisboa: Edições 70, 1993.MONTAIGNE, Michel <strong>de</strong>. Ensaios: livro III. São Paulo: Martins Fontes, 2001.NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre História. São Paulo: Edições Loyola, 2005.ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 3ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a orig<strong>em</strong> da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os homens. 3ª. Ed. SãoPaulo Martins, Fontes, 2005.STRÁNSKÝ, Zbynek Z.. Sobre o t<strong>em</strong>a “Museologia – ciência ou apenas trabalho prático?” In: Museologiae Patrimônio. Revista Eletrônica do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS UNRIO | MAST, Vol. I, N°. I, 2008.XXIIA preocupação <strong>de</strong> Michel Argier (2011) com os mo<strong>de</strong>rnos distúrbios i<strong>de</strong>ntitários e as análises <strong>de</strong> Jeudy sobre amaquinaria patrimonial já nos diz<strong>em</strong> alguma coisa a respeito.288


LAS TIC’s Y LA MUSEOLOGÍA: HACIA LA SOCIALIZACIÓN DE LACOLECCIÓN DE LOS MUSEOSMSc. Gina Ojeda ValbuenaResumoOs avanços científicos e tecnológicos estão incidindo sobre todos os campos do saber humano.Aliado a esta conquista, surge o fenômeno das Tecnologias da Informação e da Comunicação(TIC´s), que oferec<strong>em</strong> a todos os setores da socieda<strong>de</strong> a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilharconhecimentos e <strong>de</strong>sfrutar dos processos <strong>de</strong> pesquisa formativa e virtual. A inclusão datecnologia eletrônica no campo museal, através da internet, abre caminhos para que qualquercoleção possa ser mostrada <strong>em</strong> outros espaços que evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente não são os físicos. Como jámencionado por Fernán<strong>de</strong>z-Catalán (2005), ‚surge nos últimos anos um novo tipo <strong>de</strong> exposição:as virtuais, na Web, que estão <strong>de</strong>finindo um novo segmento <strong>de</strong> comunicação‘. A possibilida<strong>de</strong>que a Museologia v<strong>em</strong> encontrando para apreen<strong>de</strong>r este conhecimento, que permite introduziros museus e suas coleções na via da informação e da comunicação, conduz o publico a umanova maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> uma exposição, que ultrapassa o concreto - para além do que,talvez, jamais se possa apreciar no mundo real. Desta maneira, as TIC’s massificam e coletivizamo conhecimento, dando passo à socialização das coleções <strong>de</strong> museus. Esses instrumentosinovadores, no âmbito museológico, abr<strong>em</strong> caminhos para a interação social, outra forma <strong>de</strong>dar acesso à cultura; e abr<strong>em</strong> para um novo modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite, aprendizado e valorização dopatrimônio, que <strong>em</strong> verda<strong>de</strong> se resume <strong>em</strong> inserção, <strong>em</strong> dar oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação atodo o publico, com vistas à transformação social.Palavras-chave: TICs, Exposição virtual, Massificação, Socialização, Transformação socialResumenLos avances científicos y tecnológicos están incidiendo en todos los campos <strong>de</strong>l saberhumano. Aunado a esta conquista, surge el fenómeno <strong>de</strong> las Tecnologías <strong>de</strong> la Información yla Comunicación (TIC´s) que ofrecen la oportunidad <strong>de</strong> compartir conocimientos y disfrutar <strong>de</strong>procesos <strong>de</strong> investigación formativa virtual, en todos los sectores <strong>de</strong> la sociedad. La inclusión<strong>de</strong> la tecnología electrónica en el campo museal a través <strong>de</strong> Internet, abre caminos paraque cualquier colección pueda ser mostrada en otros espacios que evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente no sonlos físicos. Tal y como lo expuso Fernán<strong>de</strong>z-Catalán, (2005) “Ha surgido en los últimos añosun nuevo tipo <strong>de</strong> exposición: las virtuales en la Web, las mismas están <strong>de</strong>finiendo un nuevosegmento <strong>de</strong> comunicación”. La posibilidad que la museología ha encontrado para asir esteconocimiento que permite introducir a los museos y a sus colecciones en la autopista <strong>de</strong> lainformación y la comunicación, conduce al público hacia una nueva manera <strong>de</strong> disfrutar <strong>de</strong> unaexhibición que va más allá <strong>de</strong> lo concreto; más allá <strong>de</strong> lo que tal vez en el mundo real jamáspueda apreciar. De esta manera las TIC´s masifican y colectivizan el conocimiento, dan pasoa la socialización <strong>de</strong> las colecciones <strong>de</strong> museos. Estos instrumentos innovadores en el ámbitomuseológico, abren caminos a la interacción social, otra forma <strong>de</strong> acce<strong>de</strong>r a la cultura, a unIMuseóloga, Coordinadora <strong>de</strong> los Museos <strong>de</strong> la Universidad Nacional Experimental Francisco <strong>de</strong> Miranda. Coro, EstadoFalcón, Venezuela.289


nuevo modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite, aprendizaje y valoración <strong>de</strong>l patrimonio, que en <strong>de</strong>finitiva se resumeen inserción, en dar oportunidad <strong>de</strong> participación a todo público con miras a un cambio social.Palabras clave: TIC, Exposición virtual, Masificación, Socialización, Cambio socialAbstractScientific and technological advances are affecting all fields of human knowledge. In additionto this achiev<strong>em</strong>ent, <strong>em</strong>erges the phenomenon of Information and Communication Technology(ICT), which provi<strong>de</strong>s an opportunity for all sectors of society to share knowledge and enjoyvirtual formative research processes. The inclusion of electronic technology in the museumfield, through the Internet, opens ways for any collection to be shown in other areas that areclearly not physical. As exposed by Fernan<strong>de</strong>z-Catalan (2005) „a new type of exhibition has<strong>em</strong>erged in recent years: the exhibition in the virtual Web, which is <strong>de</strong>fining a new segmentof communication“. The possibility that the museum field has found to grasp such knowledge,that allows museums and their collections to enter on the information and communicationhighway, leads the audience to new ways of enjoying exhibitions that go beyond the concrete;beyond what maybe could never be appreciated in the real world. Thus ICT collectivizes andmassifies knowledge, giving way to the socialization of museum collections. These innovativeinstruments in the museum field, open paths to social interaction, another form of access toculture - a new way of enjoyment, learning and assessment of heritage, which ultimately allowssocial insertion and gives opportunity for wi<strong>de</strong> public participation and for social change.Keywords: ICT, virtual exhibition, Massification, Socialization, Social changeLAS TIC’s Y LA MUSEOLOGÍA: HACIA LA SOCIALIZACIÓN DE LA COLECCIÓN DE LOS MUSEOSLa inclusión <strong>de</strong> la tecnología electrónica en el campo museal, abre caminos a cualquier colecciónbien sea <strong>de</strong> arte o científica, permitiéndole salir más allá <strong>de</strong> los espacios físicos <strong>de</strong>l museo.Las Tecnologías <strong>de</strong> la Información y la Comunicación (TIC‘s) se han venido <strong>de</strong>sarrollandocon una importante velocidad en los últimos años en el marco <strong>de</strong> la llamada “revolución <strong>de</strong>lconocimiento”, dando paso a la “sociedad <strong>de</strong> la información” que da la oportunidad <strong>de</strong> llegar aun público más amplio.A este fenómeno <strong>de</strong> las Tecnologías <strong>de</strong> la Información y la Comunicación no escapa el campo<strong>de</strong> la Museología, que ha consi<strong>de</strong>rado este instrumento como una nueva posibilidad <strong>de</strong> exhibirobjetos <strong>de</strong> una colección, ya no en los espacios físicos <strong>de</strong> los museos, sino en otros espacioscomo el virtual. De esta manera, las exposiciones virtuales en la Web están <strong>de</strong>finiendo un nuevosegmento <strong>de</strong> difusión, educación y generación <strong>de</strong> conocimientos.Del <strong>Museu</strong>m <strong>de</strong>l siglo XVI al Museo Virtual en el siglo XXISegún las diversas corrientes <strong>de</strong>l pensamiento, la palabra <strong>Museu</strong>m que apareció en el siglo XVI,ha evolucionado <strong>de</strong> manera significativa, pero no solo la palabra ha venido transformándose,también las formas <strong>de</strong> exhibir sus colecciones.Refiriendo la historia <strong>de</strong> los museos, tomando como referencia a la investigadora española,Francisca Hernán<strong>de</strong>z, la palabra <strong>Museu</strong>m proviene <strong>de</strong>l griego “Museion” que se aplicaba a lossantuarios consagrados a las Musas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la mitología griega, así como a las escuelas290


filosóficas o <strong>de</strong> investigación científica, presididas por las Musas, protectoras <strong>de</strong> las artes y <strong>de</strong>las ciencias, <strong>de</strong> acuerdo a investigaciones realizadas por la museóloga.Un largo recorrido y diversos estudios sobre la función <strong>de</strong>l Museo, se han experimentado enel mundo en busca <strong>de</strong> la mejor manera <strong>de</strong> mostrar las colecciones. El Comité Internacional <strong>de</strong>Museos, ICOM, en el año 1947, ha <strong>de</strong>finido el museo como la institución permanente sin fines<strong>de</strong> lucro, al servicio <strong>de</strong> la sociedad que adquiere, conserva, comunica, y presenta con fines <strong>de</strong>estudio, educación y <strong>de</strong>leite ,testimonios materiales <strong>de</strong>l hombre y su medio.Un medio hacia la socialización <strong>de</strong> las coleccionesCon el surgimiento <strong>de</strong> la disciplina <strong>de</strong> la museología, como ciencia que estudia los museos, hanvenido <strong>em</strong>ergiendo también diversas estrategias para exponer las colecciones. De esta manera,hoy en día diversas corrientes han nacido en procura <strong>de</strong> hacer <strong>de</strong>l museo una institución másamplia y cercana a su público. De allí nace la Nueva Museología, que constituye una visión <strong>de</strong>lmuseo sin fronteras, fuera <strong>de</strong> sus pare<strong>de</strong>s. A partir <strong>de</strong> esta pr<strong>em</strong>isa y con el auge <strong>de</strong> las Tecnologías<strong>de</strong> la Información y la Comunicación, surgen los museos virtuales que con las herramientas Weby las Multimedia, permiten a las instituciones museísticas una nueva visión <strong>de</strong> sus colecciones.Hoy en día tanto los museos tradicionales como las instituciones que resguardan importantescolecciones, tienen la oportunidad <strong>de</strong> mostrarlas en la Web, esto con miras a la socialización <strong>de</strong>las colecciones. Tal es el caso <strong>de</strong> la Universidad Nacional Experimental Francisco <strong>de</strong> Miranda(UNEFM), que cada vez más se encamina hacia esta alternativa electrónica para exhibirsu patrimonio artístico y científico. Es así como surge la iniciativa a través <strong>de</strong> un trabajo <strong>de</strong>investigación, <strong>de</strong> incursionar en el espacio virtual con la exhibición en una primera etapa, <strong>de</strong> seisej<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> micromoluscos <strong>de</strong> la colección <strong>de</strong>l Centro <strong>de</strong> Investigaciones Marinas para seralojada en su portal Web: www.unefm.edu.ve .Tomando en cuenta estas nuevas herramientas tecnológicas en el contexto museológico, seproyectó y diseñó a través <strong>de</strong> un trabajo <strong>de</strong> investigación en esta institución <strong>de</strong> educaciónsuperior, una muestra expositiva <strong>de</strong> la colección <strong>de</strong> micromoluscos <strong>de</strong> la Universidad NacionalExperimental Francisco <strong>de</strong> Miranda, mediante la construcción <strong>de</strong> un Sitio Web, cuyo prototipoquedaría bajo el dominio la Página Web <strong>de</strong> esta institución universitaria.En este sentido se consi<strong>de</strong>ró construir un software como instrumento necesario para aprovechareste medio <strong>de</strong> comunicación, que permite la interactividad y el almacenamiento <strong>de</strong> datos einformación sobre esta colección que consta <strong>de</strong> 80 ej<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> moluscos <strong>de</strong> tamaño milimétrico(conchas y caracoles) producto <strong>de</strong> los estudios científicos realizados en la década <strong>de</strong>l 80 en elCentro <strong>de</strong> Investigaciones Marinas (CIMAR) <strong>de</strong> la UNEFM y que hoy son <strong>de</strong> referencia nacional.En el año 1987 la colección marina <strong>de</strong> este Centro, era exhibida en el Museo Marino que teníacomo se<strong>de</strong> en calidad <strong>de</strong> arrendamiento, la Antigua Aduana <strong>de</strong> La Vela, y que luego en el año1990 <strong>de</strong>bió cerrar sus puertas, esto conllevó a que a que la Universidad se quedara sin se<strong>de</strong>hasta hoy, para exhibir esta colección. De esta manera surge la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> buscar una alternativapara mostrar la extraordinaria colección <strong>de</strong> pequeños moluscos a través <strong>de</strong> la Web.Otra experiencia importante en la que participa la UNEFM enmarcada en el uso <strong>de</strong>l espaciovirtual, viene a ser la incorporación al Museo Virtual <strong>de</strong> América Latina y el Caribe, www.museovirtual<strong>de</strong>americalatinayelcaribe.org, promovido por el Ministerio <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r Popular para la Culturaa través <strong>de</strong>l Instituto <strong>de</strong> las Artes, <strong>de</strong> la Imagen y <strong>de</strong>l Espacio (IARTES), en el que se exhibenobras <strong>de</strong> arte, ciencias naturales, piezas arqueológicas, paleontológicas, objetos etnográficos ehistóricos, <strong>de</strong> museos <strong>de</strong> Venezuela, Cuba, República Dominicana, Bolivia y Ecuador.291


Esta iniciativa prevé exhibir las colecciones <strong>de</strong> los museos en el caso <strong>de</strong> Venezuela, <strong>de</strong>aproximadamente 28 mil bienes culturales que se encuentran resguardadas en las bóvedas<strong>de</strong> las instituciones museísticas, una cantidad que no sería posible apreciar en un recorridopor los museos. En el caso <strong>de</strong> la Universidad Francisco <strong>de</strong> Miranda tiene presencia en unaprimera etapa en este Museo Virtual, con la muestra <strong>de</strong> piezas <strong>de</strong> la colección antropológica,arqueológica, <strong>de</strong> arte y entomológica.De cara al siglo XXI, las TIC´s prometen cada vez más dar respuestas a los museos reales y alas instituciones que cuentan con colecciones tanto científicas como <strong>de</strong> arte. Éstas han halladoasi<strong>de</strong>ro en un medio que consigue que el museo, las tecnologías y la comunicación comiencena tener una verda<strong>de</strong>ra relación, en procura <strong>de</strong> dar las respuestas que el usuario busca conrapi<strong>de</strong>z e inmediatez.En este sentido los museos virtuales <strong>de</strong>dicados a promover una nueva forma <strong>de</strong> ver lasinstituciones museísticas y sus colecciones, se enmarcan en los planteamientos que hace lanueva museología, ampliar las formas <strong>de</strong> difusión <strong>de</strong> los museos y romper con su tradicionalidad.Es el espacio virtual, don<strong>de</strong> los museos y las colecciones encuentran el campo <strong>de</strong> acción, <strong>de</strong>participación e interactividad que d<strong>em</strong>andan los usuarios actuales, facilitando la obtención <strong>de</strong>información y conocimiento <strong>de</strong>l objeto-pieza que se expone. De esta manera se fomentaría lainclusión social a través <strong>de</strong> la socialización <strong>de</strong> las colecciones.Fuentes bibliográficasBRATTO, A. (1999) Del Museo Imaginario <strong>de</strong> Malraux al museo virtual. 10ma. Ed. World Congress ofFriends of <strong>Museu</strong>ms. Sydney.COOK, D. y SELLERS, D. (1997) Inicie su negocio en la Web. México. Ediciones Prentice- mayHispanoamericana, S.A.CENTRO DE INVESTIGACIONES MARINAS (CIMAR)-Universidad Nacional Experimental Francisco <strong>de</strong>Miranda. (2000) “Reseña y logros <strong>de</strong>l grupo CIMAR. Coro-Venezuela.CASEY, L. (1994) Realidad Virtual. Madrid- España. Editorial McGRAW/-HILL/ Interamericana <strong>de</strong> España.DELOCHE, B. (2001) El Museo virtual. Ed. Trea, S.L. España.FERNÁNDEZ, L. A. (2002) Introducción a la Nueva Museología. Madrid- España. Alianza Editorial. S.A.GONZÁLEZ, L. (2005) La participación ciudadana en Internet. Revista Comunicación. Centro Gumilla. Nº129. Primer Trimestre. Caracas- Venezuela.HERNÁNDEZ H., F. (2001) Manual <strong>de</strong> Museología. Exposiciones futuras. Madrid – España. EditorialSíntesis. S.A.INFOLAC. (2005) Revista trimestral <strong>de</strong>l Programa <strong>de</strong> la Sociedad <strong>de</strong> la Información para América latina yEl Caribe. México. Volumen 18 enero-marzo. E-mail. (http:infolac.ucol.ucol.mx)KOTLER, N. y KOTLER, P. (2001) Estrategias y Marketing <strong>de</strong> museos. 1era. Ed. España. Editorial Ariel, S. A.LEVY, P. (1999, Junio) ¿Qué es lo virtual? Revista Iberoamericana <strong>de</strong> Educación (RIED. Volumen 4. Nº 1.AHON, E. (s.f) Los Museos Virtuales como forma <strong>de</strong> preservación <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos culturales. Redcientífica Peruana.BELLIDO, G., M. (2001) Arte, Museos y Nuevas Tecnologías. España, Ediciones Trea, S.L.BELLIDO, G., M. (1999) Museos Virtuales y Digitales: nuevas estrategias <strong>de</strong> difusión artística. Revista <strong>de</strong>Museología. Nº 21, 1er. Cuatrimestre. 2001. España292


LISTA DE AUTORESListado <strong>de</strong> Autores


Bruno César Brulon Soares – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense / UFF, BrasilDiana Farjalla Correia Lima - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilDiogo Jorge <strong>de</strong> Melo – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará / UFPA, BrasilElisama Beliani - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilEmerson Ribeiro Castilho - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilFrançois Mairesse - Université Paris 3, Sorbonne nouvelle, CERLIS - FranceGina Ojeda Valbuena - Universidad Francisco <strong>de</strong> Miranda, Coro, VenezuelaHeloisa Helena G. da Costa - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilHugo Guarilha – PPG-PMUS, UNIRIO / MAST, BrasilLilian M. Suescun Florez - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilLuciana Cristina Azulaia – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará / UFPA, BrasilLuciana Menezes <strong>de</strong> Carvalho - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alfenas, MG, BrasilLudmila Leite Ma<strong>de</strong>ira da Costa - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilLuiz C. Borges – PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilMarcio D’Olne Campos – PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilMargarete Zacarias Tostes <strong>de</strong> Almeida - PPG-PMUS, UNIRIO/ MAST, BrasilMaria Amélia <strong>de</strong> Souza Reis - PPG-PMUS, UNIRIO/ MAST, Brasil e Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Coimbra, PortugalMônica Gouveia dos Santos – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará / UFPA, BrasilMónica Risnicoff <strong>de</strong> Gorgas - Museo <strong>de</strong> la estancia Jesuítica <strong>de</strong> Alta Gracia, Córdoba, ArgentinaNelly Decarolis - ICOFOM e ICOFOM LAM, ArgentinaPriscila Faulhaber – PPG-PMUS, UNIRIO / MAST, BrasilPriscila Zurita Ribeiro - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilTereza Scheiner - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilVânia Maria Siqueira Alves - PPG-PMUS, UNIRIO/MAST, BrasilVinicius <strong>de</strong> Moraes Monção – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará / UFPA, Brasil


295

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!