a irrevogabilidade da adoção - revista internacional direito e ...
a irrevogabilidade da adoção - revista internacional direito e ...
a irrevogabilidade da adoção - revista internacional direito e ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO: UM DIREITO HUMANO ArtigoA IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO: UMDIREITO HUMANORegiane Sousa de Carvalho Presot 1artigo recebido em 20/04/2012artigo aprovado em 15/05/2012RESUMO: O texto tem a finali<strong>da</strong>de de traçaruma abor<strong>da</strong>gem teórica sobre o instituto <strong>da</strong>adoção à luz do princípio <strong>da</strong> proteção integral <strong>da</strong>criança, demonstrando que a <strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong>adoção consiste em um <strong>direito</strong> humano, em razãodo escopo <strong>da</strong> tutela específica desses <strong>direito</strong>s. Aadoção tem por principal objetivo, proporcionaruma família para o adotando, por meio <strong>da</strong> filiaçãojurídica de maneira irrevogável. Apesar <strong>da</strong> <strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong><strong>da</strong> adoção, efetuam-se devoluçõesde crianças, sob os fun<strong>da</strong>mentos: ora, no vício deinformação no que tange às questões de doençaspreexistentes; ora, na incompatibili<strong>da</strong>de familiar.Razão pela qual a revogação <strong>da</strong> adoção não écompatível com a proteção dos <strong>direito</strong>s humanos.Palavras-chave: Irrevogabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> adoção.Filiação. Proteção integral <strong>da</strong> criança. Direitohumano.ABSTRACT: The text has the scope to draw atheoretical approach on the institution of adoptionin the light of the principle of full protectionfor children, demonstrating that the irrevocabilityof adoption is a human right, because the scopeof the specific protection of these rights. In thisscenario the main objective is to provide the chil<strong>da</strong> family, through legal membership irrevocably.Despite the finality of adoption, returns to performfor children, under the foun<strong>da</strong>tion: now, theaddiction of information regarding the issues ofpreexisting conditions; now, the incompatibilityfamily. Reason for the revocation of adoptionis not compatible with the protection of humanrights.Keywords: Irrevocability of adoption. Affiliation.Full protection for children. Human right.1Advoga<strong>da</strong>, professora de <strong>direito</strong> administrativo, doutoran<strong>da</strong> em <strong>direito</strong> pela Universi<strong>da</strong>de de Buenos Aires – UBA, Coordenadora <strong>da</strong> Comissão deDireitos Humanos <strong>da</strong> OAB/DF.Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/201287
PRESOT, R. S. C.I IntroduçãoA adoção é fenômeno jurídico pelo qualse atribui a alguém o estado de filiação, desvinculadodos laços de consangüini<strong>da</strong>de. A adoçãorompe o vínculo com a família biológica, salvoos impedimentos matrimoniais. Ao adotado sãoconferidos todos os <strong>direito</strong>s e deveres pessoais epatrimoniais decorrentes <strong>da</strong> filiação.A Convenção Internacional sobre os Direitos<strong>da</strong> Criança de 1989 estabelece nos seusartigos 20 e 21 que to<strong>da</strong> criança permanentementepriva<strong>da</strong> de seu ambiente familiar ou cujosinteresses exijam que não permaneça nesse meio,terá <strong>direito</strong> à proteção e assistências especiais doEstado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Incluindo a colocaçãoem lares de adoção. Nesse caso, atendendo parao fato de que a consideração primordial seja ointeresse maior <strong>da</strong> criança. Nos termos do art.1º <strong>da</strong> Convenção, “criança é todo o ser humanomenor de 18 anos, salvo se, nos termos <strong>da</strong> lei quelhe for aplicável, atingir a maiori<strong>da</strong>de mais cedo”.O princípio do maior interesse ou <strong>da</strong>proteção integral do menor, base de todos os<strong>direito</strong>s que são assegurados à criança, visaprimordialmente retirá-la <strong>da</strong>s situações de riscoe colocá-la no convívio de famílias substitutascapazes de promover as condições básicas parao pleno desenvolvimento físico, emocional eintelectual. Ademais, para alcançarem essascondições favoráveis, as crianças e adolescentesem situação de vulnerabili<strong>da</strong>de familiar e socialprecisam de um lar em que seus <strong>direito</strong>s sejamrespeitados, já que sozinhos não são capazes delutar por sua implementação.Com efeito, às crianças e adolescentessão conferidos, além de todos os <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentaisconsagrados a qualquer pessoa humana,ain<strong>da</strong> outros <strong>direito</strong>s, igualmente fun<strong>da</strong>mentais,que lhes são específicos, tais como o <strong>direito</strong> àconvivência familiar e comunitária.Essa salvaguar<strong>da</strong> especial atribuí<strong>da</strong> aos<strong>direito</strong>s humanos de crianças e adolescentesencontra-se consagra<strong>da</strong> em diversos diplomasinternacionais, como a Declaração Universal dosDireitos <strong>da</strong>s Crianças, de 1959 e a Convenção<strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s sobre os Direitos <strong>da</strong> Criança,de 1989.Nesse cenário, a adoção tem por principalobjetivo, agregar de forma total o adotado à famíliado adotante e, como consequência, ocorreo afastamento em definitivo <strong>da</strong> família de sangue,de maneira irrevogável. Com isso, depois defindos os requisitos exigidos na lei, o ingressona família do adotante é completo. A partir <strong>da</strong>í,passa à condição de filho legítimo com todos os<strong>direito</strong>s e deveres advindos <strong>da</strong> filiação.Assim, os adotantes passam a exercer sobreo adotado os <strong>direito</strong>s e deveres inerentes ao poderfamiliar. No caso de descumprimento de taisdeveres, inclusive o abandono, os pais adotivospoderão perder o exercício do poder familiar emprocesso de destituição. Deve ficar claro que nahipótese menciona<strong>da</strong>, não ocorre revogação <strong>da</strong>adoção, mas, sim, per<strong>da</strong> do exercício dos <strong>direito</strong>sdecorrentes do poder familiar pela quebra dosdeveres, como ocorre na filiação natural, permanecendotodos os efeitos patrimoniais, herançae alimentos.A adoção deverá ser assisti<strong>da</strong> pelo poderpúblico, sendo que se constitui por sentença judiciale somente poderá ser anula<strong>da</strong>, no caso deofensa ao princípio <strong>da</strong> proteção integral do menore nunca na conveniência dos adotantes, poisneste caso haverá destituição do poder familiar,permanecendo todos os <strong>direito</strong>s decorrentes <strong>da</strong>filiação, tais como alimentos e herança.Caso contrário, ocorrerá coisificação depessoas, desconsiderando a como sujeito de<strong>direito</strong>, num contexto jurídico e ético, razãopela qual tal postura viola o núcleo intangíveldo princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, eisque compromete seu conteúdo básico.II O Princípio <strong>da</strong> Proteção Integral –fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> adoção.A proteção integral <strong>da</strong> criança consisteem um <strong>direito</strong> humano, em razão do escopo<strong>da</strong> tutela específica dos <strong>direito</strong>s humanos quenormalmente é visualiza<strong>da</strong> sobre duplo aspecto:por um lado, constituem restrições ao poder doEstado, e por outro, impõem condições mínimas88 Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/2012
A IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO: UM DIREITO HUMANOpara uma existência digna assegura<strong>da</strong> a todo indivíduo.No cenário <strong>internacional</strong> contemporâneo,o principal diploma proclamador desses <strong>direito</strong>sé a Declaração Universal dos Direitos Humanos,aprova<strong>da</strong> pela Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>sem 1949. A Convenção faz menção específica àscrianças, estabelecendo, em seu art. 25°, § 2°: “Amaterni<strong>da</strong>de e a infância têm <strong>direito</strong> a cui<strong>da</strong>dos eassistência especiais. To<strong>da</strong>s as crianças nasci<strong>da</strong>sdentro ou fora do matrimônio gozarão <strong>da</strong> mesmaproteção”.Ressalta-se que o princípio <strong>da</strong> proteção integralfoi previsto no art. 3º <strong>da</strong> Convenção Internacionalsobre os Direitos <strong>da</strong> Criança, in verbis:“To<strong>da</strong>s as decisões relativas a crianças, adota<strong>da</strong>spor instituições públicas ou priva<strong>da</strong>s de proteçãosocial, por tribunais, autori<strong>da</strong>des administrativasou órgãos legislativos, terão primacialmente emconta o interesse superior <strong>da</strong> criança”.Tais normas permitem a compreensãode que os <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s criançasconstituem um capítulo especial na temática dos<strong>direito</strong>s humanos. Nesse sentido, a expressão <strong>direito</strong>shumanos de crianças não significa, apenas,a indicação de um grupo etário específico dentreos sujeitos titulares desses <strong>direito</strong>s. Ela significa,também, o reconhecimento de um status especialatribuído aos <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentais que possuampor titulares crianças, elegidos como sendo merecedoresde distinta proteção, diante <strong>da</strong> condiçãode pessoa em desenvolvimento que a expõe emsituação de vulnerabili<strong>da</strong>de.Além disso, todos os <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentaisde que gozam as crianças e adolescentessão alcançados pelo princípio <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de,segundo o qual a proteção e satisfação devemser assegura<strong>da</strong>s pelo Estado antes de quaisqueroutros, ou seja, dentre os <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentaisreconhecidos a todos os indivíduos, expressãode sua intrínseca digni<strong>da</strong>de, aqueles relativosàs crianças serão promovidos prioritariamente.A Assembléia Geral <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s emsua sessão de 20 de novembro de 1989 aprovoupor unanimi<strong>da</strong>de a Convenção sobre os <strong>direito</strong>s<strong>da</strong> criança. 2A declaração desse instrumento jurídico<strong>internacional</strong> advém dos representantes dos 43países membros <strong>da</strong> Comissão de Direitos Humanos<strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s, coincidente com acelebração dos 30 anos <strong>da</strong> Declaração Universaldos Direitos <strong>da</strong> Criança subscrito em 1959.A Convenção determina como priori<strong>da</strong>deimediata para as nações, a vi<strong>da</strong> e o desenvolvimentonormal <strong>da</strong>s crianças independente deposições partidárias, políticas e econômicas dosgovernos. Essa priori<strong>da</strong>de absoluta deverá significara proteção <strong>da</strong>s crianças <strong>da</strong>s inadequaçõese erros do mundo adulto.Nesse contexto, surge o princípio de priori<strong>da</strong>deimediata com caráter de aplicação universalexigindo a proteção <strong>da</strong>s crianças, sobrepondo àsmedi<strong>da</strong>s de ajustes governamentais. Definir comopriori<strong>da</strong>de imediata representa também para ospaíses signatários o compromisso de modificarseus ordenamentos jurídicos aos termos <strong>da</strong> Convenção,ou seja, a<strong>da</strong>ptar to<strong>da</strong> a estrutura política,jurídica e social com base nessa nova priori<strong>da</strong>de.Segundo o jurista Antonio Fernando doAma ral e Silva, a base jurídica <strong>da</strong> Convenção, aqual também fun<strong>da</strong>mentou a Declaração Universalé a doutrina <strong>da</strong> proteção integral:Esta preconiza que o <strong>direito</strong> do menornão deve se dirigir apenas a um tipo demenor, mas deve dirigir a to<strong>da</strong> a juventudee a to<strong>da</strong> a infância e suas medi<strong>da</strong>sde caráter geral devem ser aplicáveis, atodos os jovens e to<strong>da</strong>s as crianças. Comomedi<strong>da</strong> de proteção deve abranger todosos <strong>direito</strong>s essenciais que fun<strong>da</strong>mentama Declaração Universal dos Direitos Humanose outros documentos emanados <strong>da</strong>sNações Uni<strong>da</strong>s. 3A Convenção deverá servir como instrumentobásico para as nações e para todosaqueles que direta ou indiretamente trabalhamna concretização dos <strong>direito</strong>s <strong>da</strong>s crianças. AConvenção declara no art. 6º o <strong>direito</strong> inerenteà vi<strong>da</strong> e a obrigação do Estado em assegurar asobrevivência e o desenvolvimento <strong>da</strong> criança.No seu art. 30 o Estatuto esclarece que deverãoser assegura<strong>da</strong>s por lei ou por outros meios, to<strong>da</strong>sas oportuni<strong>da</strong>des e facili<strong>da</strong>des a fim de lhesfacultar o desenvolvimento físico, mental, moral,espiritual e social em condições de liber<strong>da</strong>de edigni<strong>da</strong>de.Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/201289
PRESOT, R. S. C.Dentre os <strong>direito</strong>s proclamados, destacasea convivência familiar que desperta grandepreocupação na concretização <strong>da</strong> convivênciaadequa<strong>da</strong>, seja na família natural, seja na substitutae também, nos casos de guar<strong>da</strong>, tutela eadoção. Uma vez que qualquer <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s a seremimplementa<strong>da</strong>s deve observar o interesse domenor e não do eventual adulto, o que se propõeé uma convivência familiar apta a proporcionardesenvolvimento <strong>da</strong> criança.No instituto <strong>da</strong> adoção a Convenção, noart. 21, adota o princípio do “melhor interesse <strong>da</strong>criança” e determina que se processe a adoçãocom to<strong>da</strong>s as garantias necessárias à criança.Portanto, o Estado deve assegurar que o interessesuperior <strong>da</strong> criança seja a consideração primordialneste domínio.A adoção visa, essencialmente, a proteçãointegral <strong>da</strong> criança e do adolescente, por isso,entre o pedido impetrado pelos adotantes e ahomologação <strong>da</strong> sentença deve ocorrer o convencimentodo juiz. Deve ser verifica<strong>da</strong> a capaci<strong>da</strong>deintelectual, afetiva, emocional e econômica dosadotantes para se avaliar as possibili<strong>da</strong>des reaisdo adotando encontrar, no novo lar, o equilíbrioe a normali<strong>da</strong>de familiar de que ele precisa.Todo esse estudo visa minimizar a margem deerro na colocação de uma criança ou adolescentenuma família substituta equivoca<strong>da</strong>. Procura-sedeixar bem claro para o adotante sobre as suasobrigações e responsabili<strong>da</strong>des, assim comoinformá-lo sobre os efeitos que esse ato geraráe principalmente que não se trata de uma “boaação”, mas de uma responsabili<strong>da</strong>de conscientepara to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> de ambos, pais e filhos.III A Responsabili<strong>da</strong>de Humanitáriano ato <strong>da</strong> Adoção e sua<strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong>.O instituto <strong>da</strong> adoção é uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>dejurídica de filiação pela qual se aceita como filho,de forma voluntária e legal, um estranho no seiofamiliar pelo vínculo sócio-afetivo. Na maioria<strong>da</strong>s vezes, é utilizado como meio para pessoasincapazes de terem filhos biológicos poderemdesempenhar o papel <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de e paterni<strong>da</strong>de,constituindo-se a adoção, um ato de amore coragem, mas sobre tudo deve estar presentea responsabili<strong>da</strong>de social no ato <strong>da</strong> adoção. Aevolução desse instituto tem-se direcionadobasicamente a atender os interesses do adotado,servindo como meio de solucionar ou amenizaro problema de crianças órfãs e abandona<strong>da</strong>s, asquais vivem nas ruas ou em más condições desobrevivência.Adotar é muito mais do que criar e educaruma criança que não possui o mesmo sangueou a mesma carga genética é antes de tudo umaquestão de valores, uma filosofia de vi<strong>da</strong> social.A adoção é questão de consciência, responsabili<strong>da</strong>dee comprometimento com o próximo. é oato legal e definitivo de tornar filho alguém quefoi concebido por outras pessoas. é o ato jurídicoque tem por finali<strong>da</strong>de criar entre duas pessoasrelações jurídicas idênticas às que resultam deuma filiação de sangue.Embora existam doutrinadores que se referemà adoção como sendo de natureza contratual,o melhor juízo está com os doutrinadores queafastam a adoção de uma relação contratual,porque as relações contratuais são fun<strong>da</strong>mentalmentede conteúdo econômico, ao passo que ovínculo que a adoção estabelece é essencialmentemoral.A adoção deverá ser assisti<strong>da</strong> pelo poderpúblico, sendo que se constitui por sentençajudicial e somente poderá ser anula<strong>da</strong> no casode ofensa ao princípio <strong>da</strong> proteção integral domenor e nunca na conveniência dos adotantes,pois neste caso haverá uma destituição do pátriopoder, permanecendo todos os <strong>direito</strong>s decorrentes<strong>da</strong> filiação tais como alimentos e herança.Nesse sentido manifesta-se a Convenção Interamericanasobre Conflitos de Leis em Matéria deAdoção de Menores, in verbis:Artigo 12 - As adoções a que se refere oArtigo 1º serão irrevogáveis. Artigo 14 -A anulação <strong>da</strong> adoção será rígi<strong>da</strong> pela leide sua outorga. A anulação somente serádecreta<strong>da</strong> judicialmente, valendo-se pelosinteresses do menor de acordo com o Artigo19 desta Convenção. Artigo 19 - Ostermos desta Convenção e as leis aplicáveisde acordo com ela serão interpretados90 Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/2012
A IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO: UM DIREITO HUMANOharmonicamente e em favor <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>adoção em benefício do adotado. 4O instituto <strong>da</strong> adoção produz efeitos de ordempessoal e patrimonial a todos os envolvidos.Para Carlos Roberto Gonçalves a adoção produzefeitos de duas ordens: “os de ordem pessoaldizem respeito ao parentesco, ao poder familiare ao nome; os de ordem patrimonial concernemaos alimentos e ao <strong>direito</strong> sucessório” 5 .O adotante deve compreender a função social<strong>da</strong> adoção que tem por objetivo a constituiçãode um lar para o adotado, além de possibilitar aojulgador decidir sobre a oportuni<strong>da</strong>de e conveniênciapara o deferimento do pedido de adoção.As leis que regulam a adoção possuemum caráter social e visam proteger a criança e oadolescente de forma a concretizar <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentaisreferentes à pessoa humana, à vi<strong>da</strong>, àsaúde, à alimentação, à educação, ao esporte, aolazer, à profissionalização, à cultura, à digni<strong>da</strong>de,ao respeito, à liber<strong>da</strong>de a e à convivência familiare comunitária. Na adoção a pessoa adota<strong>da</strong>goza do estado de filho, portanto, adotar significaproporcionar a criança tudo que ela precisa parasobreviver e se desenvolver de forma digna.No Direito brasileiro vige o princípio <strong>da</strong><strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> adoção em cumprimentoao man<strong>da</strong>mento constitucional <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong>filiação, este consagra a regra <strong>da</strong> <strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong><strong>da</strong> adoção conforme esposado na jurisprudência(TJBA. 598 017 028. Sétima Câmara Cível. Rel.Des. José Carlos Teixeira Giorgis).Nesse sentido é a lição de Washington deBarros Monteiro: “Igualmente, não é possível subordinara adoção a termo ou condição. A adoçãoé puro ato, que se realiza pura e simplesmente,não tolerando as aludi<strong>da</strong>s modificações dos atosjurídicos. quaisquer cláusulas que suspen<strong>da</strong>m,alterem ou anulem os efeitos legais <strong>da</strong> adoçãosão proibi<strong>da</strong>s; sua inserção na escritura anularadicalmente o ato.” 6Sendo assim, diante <strong>da</strong> adoção, os adotantespassam a exercer sobre o adotado os <strong>direito</strong>s edeveres inerentes ao poder familiar. No casode descumprimento de tais deveres, inclusiveo abandono, os pais adotivos poderão perder oexercício do poder familiar em processo de destituição.Deve ficar claro que na hipótese menciona<strong>da</strong>,não ocorre revogação <strong>da</strong> adoção, mas sim,per<strong>da</strong> do exercício dos <strong>direito</strong>s decorrentes dopátrio poder pela quebra de seus deveres, comoocorre com na filiação natural, permanecendo todosos efeitos patrimoniais, herança e alimentos.Caso contrário, ocorrerá coisificação depessoas, desconsiderando-a como sujeito de<strong>direito</strong>s, num contexto jurídico e ético, razãopela qual tal postura viola o núcleo intangíveldo princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, eisque compromete seu conteúdo básico.A pessoa humana é hoje considera<strong>da</strong> o centro<strong>da</strong> norma jurídica, pois todos os valores queo ordenamento jurídico consagra baseiam-se novalor-fonte ou raiz, que é a pessoa humana considera<strong>da</strong>a base do <strong>direito</strong>, revelando-se critérioessencial de legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem jurídica. Nessesentido é a lição de Edilsom Farias, in verbis:Característica fun<strong>da</strong>mental do princípio jurídico<strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana queo sobreleva em importância e significado éque ele assegura um minimum de respeitoao homem só pelo fato de ser homem, umavez que todos os homens são dotados pornatureza de igual digni<strong>da</strong>de e “têm <strong>direito</strong>a levar uma vi<strong>da</strong> digna de seres humanos. 7Vale dizer: o respeito à pessoa humanarealiza-se independentemente <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de,grupo ou classe social a que aquela pertença. Oucomo leciona Castanheira Neves:A digni<strong>da</strong>de pessoal postula o valor <strong>da</strong>pessoa humana e exige o respeito incondicional<strong>da</strong> sua digni<strong>da</strong>de. Digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>pessoa a considerar em si e por si, que omesmo é dizer a respeitar para além e independentementedos contextos integrantese <strong>da</strong>s situações sociais em que ela concretamentese insira. Assim, se o homemé sempre membro de uma comuni<strong>da</strong>de,de um grupo, de uma classe, o que ele éem digni<strong>da</strong>de e valor não se reduz a essesmodos de existência comunitária ou social.Será por isso inválido, e inadmissível, osacrifício desse valor seu valor e digni<strong>da</strong>depessoal a benefício simplesmente<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, do grupo, <strong>da</strong> classe. PorRevista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/201291
PRESOT, R. S. C.outras palavras o sujeito portador do valorabsoluto não é a comuni<strong>da</strong>de ou a classe,mas o homem pessoal, embora existenciale socialmente em comuni<strong>da</strong>de e na classe 8 .A digni<strong>da</strong>de humana possui abertura valorativa,mas que deve ser concretiza<strong>da</strong> por meiode uma linguagem universal especialmente nosaspectos mínimos de sua realização: respeito àintegri<strong>da</strong>de física e mental; assegurar a liber<strong>da</strong>dede locomoção, expressão, escolha profissionale modo de vi<strong>da</strong>; <strong>direito</strong>s de natureza materialcomo o alimento, saúde, educação; a igual<strong>da</strong>deformal e material.A sua abor<strong>da</strong>gem universal depreende-se <strong>da</strong>Declaração Universal dos Direitos do Homem de1948, promulga<strong>da</strong> pela Organização <strong>da</strong>s NaçõesUni<strong>da</strong>s – ONU que afirma no seu artigo 1º “todosos seres humanos nascem livres e iguais em digni<strong>da</strong>dee em <strong>direito</strong>s. Dotados de razão e de Consciênciadevem agir uns para com os outros emespírito de fraterni<strong>da</strong>de”. Também o preâmbulo<strong>da</strong> Declaração refere-se a “digni<strong>da</strong>de inerentea todos os membros <strong>da</strong> família humana”. JorgeMiran<strong>da</strong>, considerando que aludi<strong>da</strong>s disposições<strong>da</strong> Declaração prescrevem que todos os homenssão dotados de razão e de consciência independentementede suas diferenciações econômicase sociais, formula as seguintes diretrizes básicas:1-A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana reporta-se ato<strong>da</strong>s e ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s pessoas e é a digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa individual e concreta; 2- Ca<strong>da</strong> pessoavive em relação comunitária, mas a digni<strong>da</strong>deque possui é dela mesma, e não <strong>da</strong> situação emsi; 3- O primado <strong>da</strong> pessoa é o do ser, não o doter; a liber<strong>da</strong>de prevalece sobre a proprie<strong>da</strong>de;4- A proteção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas está paraalém <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia portuguesa e postula uma visãouniversalista <strong>da</strong> atribuição dos <strong>direito</strong>s. 9IV ConclusãoA criança e o adolescente têm o <strong>direito</strong>humano de possuir uma família. Seja ela natural,seja ela substituta, quando não é possível a suaconvivência com a família natural.A inclusão familiar é relevante para oadequado desenvolvimento humano. A famíliasempre foi e continua sendo base <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.O Estado através do instituto <strong>da</strong> adoção buscaassegurar ao adotando a existência de um núcleofamiliar que é a célula <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de, pois é atravésdo aprendizado, <strong>da</strong> convivência em famíliaque esse indivíduo vai se identificar dentro <strong>da</strong>sua comuni<strong>da</strong>de. Ressalta-se que nos dias atuaiso conceito de família é amplo, pois há váriasformas de constituição familiar.O instituto tem caráter humanitário. Oadotante que busca na adoção uma forma depreencher o vazio, a solidão, ou compensar aesterili<strong>da</strong>de, ou qualquer outro motivo de índolepessoal, equivoca-se quanto aos ver<strong>da</strong>deirossentidos <strong>da</strong> adoção.Concedi<strong>da</strong> a adoção com decisão transita<strong>da</strong>em julgado, o ato toma-se imutável. Significadizer que a adoção não pode ser revoga<strong>da</strong> porato particular ou por decisão judicial.Assim, o instituto <strong>da</strong> adoção é de ordempública, materializado pura e exclusivamentepor ato jurídico, onde prevalecerá a vontade dospartícipes, declara<strong>da</strong> de forma inequívoca, comum escopo comum, em uma situação jurídicapermanente, do qual surgirão <strong>direito</strong>s e deverespara ambos. Ademais, adoção exige acordo devontade, não se concretiza por vontade unilateral.Razão pela qual surge seu caráter de <strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong>por tratar-se de um <strong>direito</strong> humano doadotado.Não obstante, os tribunais pátrios admitema revogação <strong>da</strong> adoção, conforme ementas dosjulgados transcritos, ad litteris:DIREITO CIVIL. ADOÇÃO SIMPLES.REVOGABILIDADE. SUPERVENIEN-CIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA EDO ADOLESCENTE. IRRETROATI-VIDADE. RECURSO NÃO CONHECI-DO. O ADVENTO DO ESTATUTO DACRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEINR. 8.069/90) NÃO TEVE O CONDÃODE TORNAR IRREVOGAVEL ADO-ÇÃO SIMPLES DE MENOR IMPUBE-RE REALIZADA SOB A EGIDE DOREVOGADO CODIGO DE MENORES(LEI NR. 6.697/79). APLICAÇÃO DOSPRINCIPIOS TEMPUS REGIT ACTUME DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS.92 Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/2012
A IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO: UM DIREITO HUMANOREsp 26834 / RJ RECURSO ESPE-CIAL1992/0022223-4.DIREITO CIVIL. ADOÇÃO. REVOGA-ÇÃO. CONFLITO INTERTEMPORALDE NORMAS. - NÃO VERSOU ACONSTITUIÇÃO FEDERAL A RES-PEITO DA IRREVOGABILIDADE DAADOÇÃO. O E.C.A. (ESTATUTO DACRIANÇA E DO ADOLESCENTE - LEI8.069/90) A DESPEITO DE TER SIDOPUBLICADO EM 13 DE JULHO DE1990 SOMENTE ENTROU EM VIGORA PARTIR DE OUTUBRO DO MESMOANO, LOGO NÃO SE APRESENTAAPLICÁVEL AO TEMPO PRETéRI-TO. - A PRESENÇA DOS REqUISITOSPARA A REVOGAÇÃO DA ADOÇÃONOS DITAMES DAS NORMAS DEDIREITO CIVIL VIGENTES À éPOCADO PEDIDO ENSEJA O SEU ACOLHI-MENTO. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Acórdão n. 74597, APC3241894, RelatorNANCY ANDRIGHI, 3ª Turma Cível,julgado em 05/12/1994, DJ 22/02/1995p. 1.906).Apesar <strong>da</strong> <strong>irrevogabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> adoção,efetuam-se devoluções de crianças, sob os fun<strong>da</strong>mentos:ora, no vício de informação no quetange às questões de doenças preexistentes; ora,na incompatibili<strong>da</strong>de familiar. Razão pela qualtal postura não é compatível com a proteçãodos <strong>direito</strong>s humanos. O duplo abandono é umaviolência psicológica que deixa seqüelas incuráveis.Diante do exposto um questionamentofaz-se necessário: será que à luz dos <strong>direito</strong>shumanos pode-se tratar uma criança como sefosse uma coisa com vício redibitório, que deveser devolvi<strong>da</strong> porque não atende as expectativasdos adotantes?Notas2Convention on the Rights of Child por Michel Bonnet.Second Asian Regional Conference on Child Abuse andNeglect. Unicef e Governo <strong>da</strong> Thailandja, 1988, p. 71-72.3SILVA, Antonio Fernando de Amaral e (A). A Criança e seusDireitos. Ddebate promovido pela PUC/Rio e Funabem.PUC, 1990, 10.4A Convenção Interamericana sobre Conflito de Leis emMatéria de Adoção de Menores. La Paz, 1984.5GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro -<strong>direito</strong> de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. VI.6MONTEIRO, W.B. Curso de Direito Civil: Direito deFamília. São Paulo: Saraiva. 2002; p. 282.7FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra,a intimi<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> e a imagem versus a liber<strong>da</strong>dede expressão e informação. Porto Alegre: Sergio AntonioFabris, 1996.8Apud MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional,vol. IV. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pgs.190 e 191.9MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2.Ed. Coimbra: Coimbra, 1993, tomo IV, p. 169.V ReferênciasALExY, Robert. Teoria de los derechos fun<strong>da</strong>mentales.Madrid: Centro de Estúdios Constitucuionales,1993.ALBERGARIA, Jason Soares. Introdução ao<strong>direito</strong> do menor. Belo Horizonte: UNA, 1996.AZEVEDO, Álvaro Villaça. Do concubinato aocasamento de fato. São Paulo: Saraiva, 1991.BEVILÁqUA, Clóvis. Adoção de filho adulterinono <strong>direito</strong> civil brasileiro. Revista dosTribunais, n. 23, v. 14, p. 14-28, dez. 1985.BRASIL. Constituição (1988). Constituição <strong>da</strong>República Federativa <strong>da</strong> Brasil.45. ed. São Paulo:Saraiva, 2011.______. Código Civil. 58 ed. São Paulo: Saraiva,2011.CARVALHO, Virgílio Antonino de. Direito deFamília. Rio de Janeiro: Bedeschi, 1997.CARNELUTTI, Francesco. Teoria del falso.Pádua: C<strong>da</strong>m, 1995.CHAVES, Antônio. Filiação Adotiva. Belo Horizonte:Del Rey, 1995.CURY, Munir et alli. Estatuto <strong>da</strong> Criança e doAdolescente anotado. São Paulo: Revista dosTribunais, 2000.FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos.A honra, a intimi<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/201293
PRESOT, R. S. C.e a imagem versus a liber<strong>da</strong>de de expressão einformação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,1996.GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civilbrasileiro - <strong>direito</strong> de família. 2. ed. São Paulo :Saraiva, 2006, volume VI.MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional,tomo IV 2. ed. – Coimbra: Coimbra,1993.MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil: Direitode Família. 29. ed. Rio de Janeiro: Saraiva2002.PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Instituições de<strong>direito</strong> civil: <strong>direito</strong> de família. v.5. 16. ed. Riode Janeiro: Forense, 2006.RODRIGUES, Silvio. Direito cível: <strong>direito</strong> defamília. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6.WALD, Arnoldo. O novo <strong>direito</strong> de família. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1999.94 Revista Internacional de Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n. 13, p. 87-94, junho/2012