Inimputabilidade Penal e a Teoria da "actio libera in ... - BuscaLegis
Inimputabilidade Penal e a Teoria da "actio libera in ... - BuscaLegis
Inimputabilidade Penal e a Teoria da "actio libera in ... - BuscaLegis
Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!
Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.
® <strong>BuscaLegis</strong>.ccj.ufsc.Br<strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong> e a <strong>Teoria</strong> <strong>da</strong> "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong> <strong>in</strong> causa"Leonardo Marcondes Machado*Sumário: I. Imputabili<strong>da</strong>de <strong>Penal</strong>. Noções Gerais. 2. Elementos Estruturais <strong>da</strong><strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong>. 3. <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong>: Hipóteses Genéricas. 4.<strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong> e <strong>Teoria</strong> <strong>da</strong> "Actio Libera <strong>in</strong> Causa".I. Imputabili<strong>da</strong>de <strong>Penal</strong>. Noções Gerais.O nosso ordenamento penal não se preocupou em conceituar o que seriaimputabili<strong>da</strong>de, deixando essa tarefa a cargo <strong>da</strong> doutr<strong>in</strong>a e jurisprudência. Tratounossa obra legislativa, ao <strong>in</strong>vés disso, simplesmente de relacionar as hipótesesnas quais considera-se excluí<strong>da</strong> a imputabili<strong>da</strong>de penal, conforme se vê dos arts.26, 27 e 28, todos do Código <strong>Penal</strong>.Assim, diante <strong>da</strong> técnica legislativa negativa adota<strong>da</strong>, ousamos conceituar aimputabili<strong>da</strong>de penal como o universo próprio de características de uma pessoa,<strong>in</strong>dicativo de sua maturi<strong>da</strong>de e higidez mental, capaz de lhe conferir plenacapaci<strong>da</strong>de de entendimento e determ<strong>in</strong>ação (ou posicionamento) sobre o caráterilícito do fato, e, por consegu<strong>in</strong>te, aptidão para que lhe seja atribuí<strong>da</strong> a prática deuma conduta delituosa, bem como aplica<strong>da</strong> a sanção penal direta correspondente(pena crim<strong>in</strong>al).Lição corrente na doutr<strong>in</strong>a é a identificação <strong>da</strong> imputabili<strong>da</strong>de penal nob<strong>in</strong>ômio entendimento e determ<strong>in</strong>ação, ou seja, capaci<strong>da</strong>de de entender e dequerer (ou determ<strong>in</strong>ar-se). A contrario sensu, portanto, cogita-se de<strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal quando ausente qualquer desses requisitos.
II. Elementos Estruturais <strong>da</strong> <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong>A <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal, a teor do disposto no art. 26 do Código <strong>Penal</strong>,assenta-se fun<strong>da</strong>mentalmente sobre dois elementos, quais sejam, a <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>dede entender o caráter ilícito do fato e a <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de de determ<strong>in</strong>ar-se de acordocom esse entendimento.O primeiro elemento diz respeito à <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de cognitiva ou <strong>in</strong>telectiva,manifesta<strong>da</strong> pela impossibili<strong>da</strong>de de o sujeito compreender a ilicitude <strong>da</strong> conduta(ação ou omissão) que está praticando.A <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de de entendimento sobre o caráter ilícito do fato, conformenomenclatura utiliza<strong>da</strong> pelo próprio diploma penal pátrio, corresponde a uma<strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de genérica e potencial de se compreender os man<strong>da</strong>mentos oudeterm<strong>in</strong>ações jurídicas.O segundo elemento fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal corresponde à<strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele que, tendo conhecimento genérico <strong>da</strong> proibição jurídicopenal,não reúne as condições necessárias para posicionar-se ou determ<strong>in</strong>ar-senos limites de seu entendimento. Trata-se, portanto, de uma <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>deunicamente volitiva, isto é, de atuar conforme a compreensão potencial <strong>da</strong> ilicitudedo fato, vez que o agente, <strong>in</strong> casu, desfruta de pleno funcionamento domecanismo cognitivo ou <strong>in</strong>telectivo.III. <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong>: Hipóteses GenéricasConsoante o magistério de Antônio Carlos <strong>da</strong> Ponte, "part<strong>in</strong>do do pr<strong>in</strong>cípiode que só é imputável o <strong>in</strong>divíduo que tem capaci<strong>da</strong>de de entender e de querer,nosso diploma penal fun<strong>da</strong> a responsabili<strong>da</strong>de no elemento subjetivo <strong>da</strong> vontadeconsciente, exig<strong>in</strong>do, para tanto, que o agente revele certo grau dedesenvolvimento mental, maturi<strong>da</strong>de, normali<strong>da</strong>de psíquisa, entendimento éticojurídicoe facul<strong>da</strong>de de autodeterm<strong>in</strong>ação. Faltando um desses requisitos, total ouparcialmente, o agente poderá ser considerado, dependendo <strong>da</strong> hipótese,<strong>in</strong>imputável ou semi-imputável".[1]
O Código <strong>Penal</strong> Brasileiro estabeleceu nos arts. 26, caput, e 28, § 1º, asquatro causas genéricas de exclusão <strong>da</strong> imputabili<strong>da</strong>de penal, a saber: a) doençamental – art. 26, caput, CP; b) desenvolvimento mental <strong>in</strong>completo – art. 26, caput,CP; c) desenvolvimento mental retar<strong>da</strong>do – art. 26, caput, CP; d) embriaguezcompleta, proveniente de caso fortuito ou força maior – art. 28, § 1º, CP.Faz-se mister destacar, nesse ponto, que os casos supra mencionados sãosimplesmente os gêneros determ<strong>in</strong>adores <strong>da</strong> <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal e não o rolexaustivo dos casos específicos de <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal.IV. <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong> e <strong>Teoria</strong> <strong>da</strong> "Actio Libera <strong>in</strong> Causa"Conforme podemos extrair do art. 26 do Código <strong>Penal</strong>, três são os requisitosnecessários para o reconhecimento <strong>da</strong> <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal, a saber: i) que oagente sofra de doença mental ou desenvolvimento mental <strong>in</strong>completo ouretar<strong>da</strong>do; ii) que essa causa biológica gere a <strong>in</strong>capaci<strong>da</strong>de absoluta do agente deentender a ilicitude do fato ou de determ<strong>in</strong>ar-se de acordo com esseentendimento; iii) que esses dois requisitos anteriores apresentem-seconjuntamente no momento <strong>da</strong> conduta delitiva. Fala-se, aqui, na necessi<strong>da</strong>de decontemporanei<strong>da</strong>de entre a conduta delitiva do agente e a correlata causa deexclusão <strong>da</strong> imputabili<strong>da</strong>de.Portanto, forçoso é concluir que a imputabili<strong>da</strong>de ou <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal,conforme orientação do nosso atual diploma penal, somente poderá ser aferi<strong>da</strong> aotempo <strong>da</strong> prática do fato típico e antijurídico (<strong>in</strong>dependentemente de ser a condutaconsidera<strong>da</strong> omissiva ou comissiva).Muito embora a regra seja a aferição <strong>da</strong> <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de penal no precisomomento <strong>da</strong> execução do fato delituoso, veremos adiante que essa regra sofrealgumas restrições lógicas. Há casos em que o agente encontra-se totalmentedesprendido de sua capaci<strong>da</strong>de <strong>in</strong>telectiva e volitiva na terceira fase do "itercrim<strong>in</strong>is" – fase de execução – o que, em regra, caracterizaria a <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de,mas este, ao contrário, é considerado plenamente imputável, isto é, apto para quelhe seja juridicamente imputa<strong>da</strong> a prática de um delito.
Assim é célebre o caso, amplamente utilizado pela doutr<strong>in</strong>a para ilustraressa situação, de o agente que voluntariamente se embriaga para cometer ocrime, encontrando-se teoricamente em estado de <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de no <strong>in</strong>stante <strong>da</strong>execução <strong>da</strong> prática delitiva. É o que comumente se denom<strong>in</strong>a de embriaguezpreordena<strong>da</strong>.O que se vê, nesse exemplo, é o caso do agente proposita<strong>da</strong>mente colocarseem situação de <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>de para cometer o crime, realizando esse últimoem estado de <strong>in</strong>consciência. O sujeito se vale dele mesmo como <strong>in</strong>strumento paraa prática do delito. Nessa hipótese, considera-se para juízo de culpabili<strong>da</strong>de, asituação do agente no momento em que se colocou em estado de <strong>in</strong>consciência.Aplica-se, então, o pr<strong>in</strong>cípio <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s "<strong>actio</strong>nes <strong>libera</strong>e <strong>in</strong> causa sive adlibertatem relatae", ou simplesmente, "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong> <strong>in</strong> causa".[2]Franz Von Liszt, em seu Tratado de Direito <strong>Penal</strong>, vertido para bomespanhol, ens<strong>in</strong>a que as <strong>actio</strong>nes <strong>libera</strong>e <strong>in</strong> causa "se presentan cuando seproduce un resultado contrario al derecho, por un acto o una omissión, en estadode <strong>in</strong>imputabili<strong>da</strong>d, si bien esta conducta fué ocasiona<strong>da</strong> por un acto (acción uomisión), doloso o culposo, cometido en estado de imputabili<strong>da</strong>d".[3]Nessa seara, coloca-se a doutr<strong>in</strong>a portuguesa em completa identi<strong>da</strong>de coma nossa, ao defender que a circunstância de a imputabili<strong>da</strong>de dever referir-se aomomento <strong>da</strong> prática do fato não exclui, no entanto, a punibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<strong>actio</strong>nes <strong>libera</strong>e <strong>in</strong> causa, ou seja, <strong>da</strong>quelas ações <strong>da</strong>s quais o agente pôs a causadecisiva em estado de imputabili<strong>da</strong>de, embora a conduta corpórea se tenharealizado em estado de falta de imputabili<strong>da</strong>de.[4]Registre-se, a<strong>in</strong><strong>da</strong>, a precisa lição de Narcélio de Queiroz, o qual identificaas ações livres em sua causa como aqueles "casos em que alguém, no estado denão-imputabili<strong>da</strong>de, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível,tendo se colocado naquele estado, ou proposita<strong>da</strong>mente, com a <strong>in</strong>tenção deproduzir o evento lesivo, ou sem essa <strong>in</strong>tenção, mas tendo prevista a possibili<strong>da</strong>dedo resultado, ou, a<strong>in</strong><strong>da</strong>, quando a podia ou devia prever".[5]
Devemos, portanto, fazer a dist<strong>in</strong>ção de dois momentos completamentedist<strong>in</strong>tos em sede de teoria <strong>da</strong> "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong> <strong>in</strong> causa": a) um primeiro momento,que é o <strong>da</strong> conduta livre, no qual o agente goza de total liber<strong>da</strong>de para decidirsobre o que fazer e como realizar; b) um segundo <strong>in</strong>stante, que é o <strong>da</strong> condutadependente ou condiciona<strong>da</strong>, diante do qual o sujeito não detém qualquercapaci<strong>da</strong>de de entender e de querer. A pessoa simplesmente encontra-se naqueleestado de ausência de poder de compreensão e determ<strong>in</strong>ação, por esse fatoposterior se tratar de uma conseqüência lógica adv<strong>in</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> postura assumi<strong>da</strong> porela no primeiro ato, que era de liber<strong>da</strong>de.Em suma, pode-se afirmar que tem lugar a "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong> <strong>in</strong> causa",ver<strong>da</strong>deira exceção ao pr<strong>in</strong>cípio <strong>da</strong> verificação <strong>da</strong> imputabili<strong>da</strong>de no momento <strong>da</strong>ocorrência do delito, quando "considera-se também imputável o sujeito que, nomomento de praticar seus atos, não era imputável, mas o era no momento em quepensou cometê-los ou pôs em marcha o processo causal que desembocou naação típica".[6]ReferênciasBibliográficas.[1] PONTE, Antônio Carlos <strong>da</strong>. <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> e Processo <strong>Penal</strong>. São Paulo:Atlas, 2001, p. 27.[2] MIRABETE, Júlio Fabbr<strong>in</strong>i. Manual de Direito <strong>Penal</strong>. v. 1. 18 ed. São Paulo:Atlas, 2002, p. 215.[3] VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho <strong>Penal</strong>. v. 2. 4 ed. Madrid: EditoraReus, 1.999, pp. 399, 400.[4] CORREIA, Eduardo. Direito Crim<strong>in</strong>al. v. 1. Coimbra: Livraria Almed<strong>in</strong>a, 2001, p.355.[5] QUEIRÓS, Narcélio De. <strong>Teoria</strong> <strong>da</strong> "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong> <strong>in</strong> causa" e outras teses. 2 ed.Rio de Janeiro: Forense, 1963, p. 37.[6] CONDE, Francisco Muñoz. <strong>Teoria</strong> geral do delito. Tradução e notas de JuarezTavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, pp. 151, 152.MACHADO, Leonardo Marcondes. <strong>Inimputabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>Penal</strong> e a <strong>Teoria</strong> <strong>da</strong> "<strong>actio</strong> <strong>libera</strong><strong>in</strong> causa". Disponível em < http://www.lex.com.br/noticias/artigos/Default.asp>. Acessoem 17 de outubro de 2006.*Monitor do Núcleo Temático de Ciências Penais <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de Presbiteriana Mackenzie e Membro do Instituto Brasileiro deCiências Crim<strong>in</strong>ais (IBCCRIM).