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2NeurociênciasneurociênciaspsicologiaRevista Multidisciplinar das Ciências do CérebroEditor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPAEditor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, <strong>Fiocruz</strong>Editor-assistente: Bruno Duarte Gomes, UFPAPresidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFFISSN 1807-1058Conselho editorialÁlvaro Machado Dias, UNIFESP (Psicologia experimental)Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)Bruno Duarte Gomes UFPA (Fisiologia)Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental)Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica)Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética)Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)Neurociências é publicado com o apoio de:SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)Presidente: Marcus Vinícius C. Baldowww.sbnec.org.brAtlântica Editorae Shalon RepresentaçõesPraça Ramos de Azevedo, 206/1910Centro 01037-010 São Paulo SPAtendimento(11) 3361 5595 /3361 9932E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.brAssinatura1 ano (4 edições ao ano): R$ 160,00E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.brwww.atlanticaeditora.com.brDiretorAntonio Carlos Mellomello@atlanticaeditora.com.brEditor executivoDr. Jean-Louis Peytavinjeanlouis@atlanticaeditora.com.brEditor assistenteGuillermina Ariasguillermina@atlanticaeditora.com.brDireção de arteCristiana Ribascristiana@atlanticaeditora.com.brTodo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail:artigos@atlanticaeditora.com.brAtlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil e Nutrição BrasilI.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade <strong>dos</strong> anunciantes.© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita doproprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo apessoas ou propriedades ligado à confiabilidade <strong>dos</strong> produtos, méto<strong>dos</strong>, instruções ou idéias expostos no materialpublicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, suainserção na revista não é uma garantia ou en<strong>dos</strong>so da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seufabricante.


Neurociências 3EditorialAs Jornadas sobre Cognição Imune eNeural como plataforma para a criaçãode uma nova neuroimunologiaCláudio Tadeu Daniel-Ribeiro*, José Luiz Martins do Nascimento**Nesta edição de Neurociências apresentamosartigos <strong>referentes</strong> a comunicaçõesrealizadas por imunologistas e neurocientistasna II Jornada sobre Cognição Imune e Neural.Promovida pelo Instituto Oswaldo Cruz e pelaAcademia Nacional de Medicina (ANM), aJornada ocorreu nos salões da ANM em 11de agosto de 2011. As reflexões realizadaschamam a atenção para a necessidade de quecientistas dessas áreas pensem e escrevamsobre o tema “cognição” com as abordagense paradigmas que usam em suas vivênciascotidianas e repertórios de conhecimentosque norteiam seus pensares nas áreas emque atuam, com o intuito e a perspectiva deampliar a agenda de debates sobre a maneiracomo os seres vivos aprendem e se adaptamao meio em que habitam.Somos, to<strong>dos</strong> nós, afeta<strong>dos</strong> pela (e nosqueixamos da) falta de tempo para ler e nosmanter atualiza<strong>dos</strong> com a literatura de nossaprópria área e áreas afins. No entanto, são ascontribuições de fora de nosso domínio estritode atuação que, muitas vezes, se mostramdecisivas para a mudança de paradigmas e oavanço conceitual. Ler os discursos de colegaslaurea<strong>dos</strong> com o Premio Nobel de Fisiologia ouMedicina pode ser bastante útil para ilustraressa realidade.Assim, para discutir o tema dessa Jornada,a idéia foi trazer contribuições sob a formade ensaios que, embora descrevam conhecimentosacerca de varia<strong>dos</strong> temas transversaisàs ciências imunológica e neural, concernemtópicos apresenta<strong>dos</strong> e discuti<strong>dos</strong> na Jornadapotencialmente consideráveis como relativos àquestão da cognição. Desse modo, os artigospublica<strong>dos</strong> <strong>aqui</strong>, não guardam um ordenamentotemático.Estu<strong>dos</strong> volta<strong>dos</strong> aos sistemas cognitivos,como as neurociências e as imunociênciastêm experimentado uma rápida transformaçãonos últimos anos, testemunhando revoluçõessem precedentes na genética; biologias celular,molecular e do desenvolvimento; fisiologiacelular; processamento de informação, proteômicae vários campos do conhecimento, relaciona<strong>dos</strong>ou não a questões cognitivas. EstáOrganizadores da II Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural, *Centro de Pesquisa, Diagnósticoe Treinamento em Malária, <strong>Fiocruz</strong>, *Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular, UFPACorrespondência: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, ribeiro@ioc.fiocruz.br, José Luiz Martins do Nascimento,jlmn@ufpa.br


4Neurociênciasclaro que os processos moleculares são, emúltima analise, responsáveis pelos resulta<strong>dos</strong>finais que poderíamos rotular, simplificadamente,de determinantes de comportamentosdo sistema no indivíduo e deste no ambiente.O atributo que talvez mais bem definaos sistemas cognitivos é que eles, além decomplexos e altamente organiza<strong>dos</strong> em redes,envolvem mecanismos de resposta específicae geração de memória nas interações celularese moleculares que resultam em fenômenoscomo consciência e processos autopoiéticos eque, vistos por observadores externos, podemser considera<strong>dos</strong> como “análises” e “interpretações”<strong>dos</strong> sistemas e estarem na origem dadefinição do indivíduo imune e neural.O entendimento de que o sistema imune,como o nervoso, é organizado em redes (idiotípicasem vez de neurais) produziu impacto emcientistas, que puderam: a) entendê-lo comocapaz de fazer seu autoreconhecimento e exercerum permanente controle interno de seuestado de ativação; e b) pensá-lo como dotadode circuitos que criam e trocam informaçõescom plasticidade, de forma dependente do repertóriode vivências imunológicas individuaise determinante das modalidades de interaçãodo individuo com seus ambientes. Fica paratrás a idéia de um sistema imune voltadopara o mundo externo, funcionando como umexército e com finalidades diagnosticadas (pornós) no con<strong>texto</strong> de metáforas defensivas.Portanto, essa é a segunda coletânea depalestras oriundas de uma Jornada sobre CogniçãoImune e Neural (as palestras da primeiraJornada foram publicadas em: Neurociênciasvol 5 número 4 – out/dez de 2009) envolvendoimunologistas: Marcello André Barcinski eClaúdio Tadeu Daniel-Ribeiro (IOC/<strong>Fiocruz</strong>); JorgeKalil (Inst. Butantan/USP); Nelson MonteiroVaz (ICB/UFMG) e neurocientistas: José LuizMartins do Nascimento e Luiz Carlos de LimaSilveira (UFPA), Sidarta Ribeiro (IC/UFRN);Ricardo Augusto de Melo Reis (IB/UFRJ) deatuação diferenciada em sua áreas de competência.Ela se firma como uma ferramentapotencialmente útil para o debate e ponto deconvergência para a identificação de temas,conceitos e paradigmas comuns nos (que reconhecemoscomo) processos cognitivos <strong>dos</strong>sistemas imune e neural. Pensamos que talabordagem pode estar na origem da criaçãode uma neuroimunologia cognitiva.Boa leitura !


Neurociências 5EditorialCognição imune e neural -Encontros e desencontros?Vivian M. Rumjanek*, Marcello André Barcinski**A pesquisa multidisciplinar está na ordemdo dia já há muitos anos. A pesquisa transdisciplinaré mais jovem e a translacional équase recém-nascida (a não ser que consideremosque Carlos Chagas e Oswaldo Cruz jáa faziam desde o início do século passado,com outro nome). Muitas são as estratégiasde indução para a formação de grupos fazendociência como descrito acima. Estas vão desdea simplória solução de passar a chamar deProgramas os antigos Departamentos até acriação <strong>dos</strong> Institutos Nacionais de Ciência eTecnologia agregando grupos das diferentesáreas do saber. Outros, como o da presentereunião, fazem algo intermediário: colocamjuntos, em um simpósio, pesquisadores quetrabalham em temas que se quer ver agrega<strong>dos</strong>.Falta agora uma avaliação crítica bemfeita para que efetivamente se saiba quaisforam os impactos destas medidas no avançoda nossa ciência.Na ocasião da 2 a Jornada Fluminense sobreCognição Imune e Neural tratou-se de darcontinuidade à idéia de Cláudio Tadeu Daniel--Ribeiro, secundado primeiro por Luiz Carlos deLima Silveira e depois por José Luiz Martinsdo Nascimento de unir neurocientistas e imunologistaspara buscar visões diversificadas eao mesmo tempo propiciar uma aproximaçãoentre as duas áreas. Com esse espírito foramrealizadas duas Edições da Jornada em 2009e 2011.A relação entre os sistemas Nervoso eImune, com o aparecimento de diversas neuroimunlogiasfoi mencionada anteriormentenesta mesma revista [1]. Historicamente arelação é antiga. Em 1927 Ivan PetrovichPavlov publicou o livro Conditioned Reflexes:An Investigation of the Physiological Activity ofthe Cerebral Cortex, na versão traduzida porAnrep, em que Pavlov expunha seu trabalhode mais de 25 anos. Sob o impacto da Teoriada Evolução e das descrições de Pavlov, outrorusso Serguei Metalnikov percebe que, sob oponto de vista evolutivo, um aprendizado associativoneuroimune faria sentido como uma*Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, **Instituto Oswaldo Cruz,<strong>Fiocruz</strong>Correspondência: vivianrumjanek@yahoo.com.br, mabarcinski@gmail.com


6Neurociênciasmaneira de responder de forma eficaz a agentesinfecciosos potencialmente patogênicos.Segundo ele, o reflexo condicionado descritopor Pavlov estaria também presente nas respostasimunes. Em 1926 publica com Chorineos resulta<strong>dos</strong> de experimentos que realizoumostrando que condicionando animais comdiferentes estímulos, por exemplo, coçandoas costas <strong>dos</strong> mesmos, e associando esseestímulo a injeções de patógenos era possívelaumentar a sobrevivência <strong>dos</strong> animais e aquantidade de anticorpos produzi<strong>dos</strong> [2]. Essetipo de experimento foi reproduzido nos anossubsequentes por Nicolau e Antinescu-Dimitriuem 1929 e Ostravskaya em 1930, até seremgradativamente esqueci<strong>dos</strong> e re-descobertospor Ader e Cohen na década de 1970. Masdentro do escopo de cognição, o próprio reflexocondicionado é visto, dependendo dalinha, como envolvendo ou não uma atividadecognitiva.Para esta Jornada foi sugerido que adiscussão não resvalasse para receptores emediadores comuns aos dois sistemas, ou sobrea influência de um sistema sobre o outro,mas discutíssemos, com o auxílio de exemplosdas áreas de atuação de cada expositor, o quecada grupo entendia por cognição.Padronizar definições de termos científicosnão é tarefa fácil (principalmente nãose tratando de uma reunião sobre nomenclatura).Homogeneizar conceitos é ainda maisdifícil. A primeira pergunta que fica é se anormatização é indispensável ou se dá paraconviver e trabalhar juntos, desde que cadaum <strong>dos</strong> atores saiba qual é a interpretaçãode um dado conceito adotada pelo colega deoutra disciplina. A imunologia se apropriou demuitos termos das neurociências, mas seráque conceitualmente eles se equivalem? Seprocurarmos por sinapse encontraremos emtorno de 50.000 artigos sobre a sinapse nervosae de 650 sobre a sinapse imunológica;mais de 51.000 artigos sobre memória (envolvendoo sistema nervoso) e mais de 18.000sobre memória do sistema imune; finalmente,artigos sobre cognição no sistema nervosona ordem de mais de 35.000 e no sistemaimune cerca de 600. Não há dúvida que tendonascido nas neurociências esses termossejam menos frequentes quando abordamoso sistema imune. Mas, será que os própriosneurocientistas concordam entre si sobre oque consideram cognição? Isso não pareceser o caso, como veremos nas discussõesque se seguem. Entre os participantes daJornada havia desde aqueles que consideramque cérebro e pâncreas tem a mesma capacidadecognitiva (o que gera a dificuldade decaracterização da “dualidade mente/pâncreas”)até os que sugeriram que tentássemosnos limitar a estender e aplicar aos sistemasimune e nervoso o entendimento de cogniçãoexpresso no dicionário [Houaiss 1ª edição(1-ato ou efeito de conhecer; 2-processo oufaculdade de adquirir um conhecimento; 3-Derivação:por extensão de sentido, percepção,conhecimento)]Ainda dentro das neurociências, a disputaentre emoção ser ou não ser uma atividadecognitiva ilustra este aspecto [3] e mostra adificuldade das definições. Uns considerama percepção produzindo uma resposta comoum processo cognitivo, outros consideramcomo cognição o processamento do estímulopós-perceptual.Nelson Vaz, o primeiro palestrante levantouimediatamente a questão “do que entendemoscomo cognição?” [4]. Vaz já discutiuem diversas ocasiões que a imunologia clonal,resultado da expansão de clones de linfócitosnão relaciona<strong>dos</strong> entre si, em que a memóriaimunológica resultaria do aumento da frequênciade clones de linfócitos reativos a umdeterminado antígeno, sofre da dificuldadede explicar a regulação desse modelo, quenecessitaria de mecanismos de regulaçãopara regular a própria regulação [5]. Ele sugerea necessidade de uma organização resultantede uma conservação de relações internasao organismo. A especificidade imunológica,normalmente atribuída em relação a um agenteexterno, seria, na verdade, conferida pornós, observadores. As células e moléculas


8Neurociênciasmostrando como a reativação neural duranteo sono leva não só a um processamentoneurofisiológico, mas também, a expressãogênica diferenciada. E, nesse caso o processocognitivo pode ocorrer de forma inconsciente.O aspecto abordado se referiu mais ao processamentoda informação e consolidaçãoda memória, levando consequentemente àadaptação da resposta. Esses tipos de estu<strong>dos</strong>ó foram possíveis com o conhecimento atualem neurociências.Esse caminho para conhecer melhor aspropriedades e organização do sistema nervoso,foi bastante longo, mas nos últimos anosa velocidade de informação adquirida já nospermite sistemas de obtenção de imagensdo cérebro em funcionamento. Uma históriadetalhada desse desenvolvimento foi transmitidapor Luiz Carlos de Lima Silveira [10].Ele também falou sobre “Consciência”, comoum aspecto fundamental da compreensão daexistência, integrando a noção do “eu”, e apergunta envolvida é se haveria “alguma maneirade registrar a atividade consciente, ouseja, usar algum tipo de neuroimageamentocuja análise revele exatamente o que um serhumano esteja pensando”. Várias questõesforam levantadas e foram discutidas inclusivedentro do enquadramento da hipótesedo centro dinâmico de Edelman [11] o qualpropôs uma teoria biológica sobre a Consciência,a qual procura associar determina<strong>dos</strong>tipos de processos neurais às propriedadeschaves da experiência consciente. Sugereque a consciência não é uma propriedade deuma localização específica ou tipo de neurôniomas o resultado de interações dinâmicasentre neurônios, dependendo da complexidadedessas interações e do nível de integraçãoentre esses complexos neuronais. O fato deEdelman ter estado envolvido em um ambienteem que as teorias imunológicas estavamsendo formuladas (ele recebeu o Prêmio Nobelpela estrutura da imunoglobulina) talvez tenhapesado na sua conceituação de interação dedois níveis de organização nervosa uma responsávelpor categorizar estímulos externos eoutra responsável pelo controle homeostático,ambas em constante interação [12].Para grande parte <strong>dos</strong> imunologistas aabordagem conceitual enquadra-se na dicotomiado sistema reconhecer entre o “próprio”e o ”não próprio”, e esse ponto foi discutidoem algum momento por to<strong>dos</strong> os palestrantesda área, mesmo definindo que esse conceitonão resistiu à prova do tempo. A semelhançagenômica e proteômica entre vários seresvivos e o homem, dificultando muito a noçãode “próprio” e “não próprio”, foi discutida porClaudio Tadeu Daniel-Ribeiro [13]. O conceitode mimetismo molecular infere que parasitascom estruturas homólogas àquelas de seushospedeiros garantiriam a sua sobrevivêncianão somente por escaparem a uma respostaimune, mas, também, por reconhecer eresponder a sinais fisiológicos presentes nomeio. Devido à grande homologia encontradaentre microrganismos (patogênicos ou não)e a nossa espécie, existe a possibilidade deautorreatividade e a de indução de patologiaresultante dela. Está claro que o fenômenodenominado “tolerância imunológica” estáenvolvendo reatividade, resultando em umaresposta altamente regulada, no caso aosantígenos parasitários assim como a to<strong>dos</strong>os elementos integrantes do organismo. Acognição sob o ponto de vista imunológicoenvolveria reconhecimento (um processo perceptivo)e memória imunológica (envolvendoprocessamento e mudanças prévias). O sistemaimune é um sistema altamente redundante,com vários pontos de controle envolvendointerações celulares e moleculares e seria seudesequilíbrio que, mais do que a existênciade antígenos comuns entre microorganismose seus hospedeiros vertebra<strong>dos</strong>, poderia desencadearreatividade patológica e doença.A complexidade do sistema imune envolveriaa formação de uma memória imuneadaptativa, não dependente de circuitosneurais, mas formada por células do sistemaimune e moléculas capazes de interagir entresi. Exemplos claros do mimetismo moleculardesencadeando doenças autoimunes foram


Neurociências 9discuti<strong>dos</strong> por Jorge Kalil [14]. A semelhançaentre moléculas do Streptococcus pyogenese a miosina cardíaca pode ser determinantepara desencadear reações auto-imunes nafebre reumática e na doença reumática docoração. Outro exemplo foi o da infecção peloprotozoário Trypanosoma cruzi produzindo umaresposta capaz de reagir com protozoário ecom miosina cardíaca. Isso ilustra claramentea reatividade contra nossas próprias estruturase a necessidade de vários mecanismosde controle central e periféricos para mantera tolerância imunológica. Um conhecimentomais aprofundado de como ocorre essa regulaçãopermitiria um controle da autoimunidade.O conceito original do reconhecimentoimunológico, entre o próprio e o não próprio,envolvia especificidade e receptores clonais emlinfócitos. Essa discriminação representaria oprocesso de cognição do sistema imune adaptativo.No entanto, existe um sistema paralelo, querecebeu a denominação de imunidade inata, quepermite a identificação de padrões molecularespresentes em microorganismos patogênicos(PAMPs) e de padrões moleculares associa<strong>dos</strong>a perigo, isto é, moléculas provenientes de célulasque sofreram traumas ou injurias (DAMPs).Neste sistema a dualidade permanece, comodiscutido por Marcello Barcinski [15], os PAMPsequivalem aos ligantes exógenos e os DAMPsaos endógenos. No entanto, quando se tratade doenças o eixo se desloca. A discriminaçãopassa a ser realizada em uma primeira instânciapor células consideradas por anos pelosimunologistas como “células acessórias” comomacrófagos, células dendríticas e neutrófilos,e não pelos linfócitos com seus receptoresrecombina<strong>dos</strong>. O reconhecimento de estruturascomo PAMPs e DAMPs induziriam processosinflamatórios e/ou imunoprotetores capazes demodular o dano tecidual.Com Alberto Nóbrega, voltamos a umatentativa de integrar sistemas. Ele apresentoua visão de Jacques Monod sobre a regulaçãoalostérica, segundo o qual esta constitui ocerne da regulação metabólica de todo servivo, uma vez que a regulação enzimática poralosteria não depende do produto ou substrato,podendo ser efetuada por qualquer tipomolecular que atue sobre o sítio regulatórioda enzima, conferindo uma extrordinária “liberdade”ao processo evolutivo para criar redesmetabólicas complexas e arbitrarias, atravésde mutações <strong>dos</strong> sítios regulatórios. Albertoobservou como o conceito de Monod sobre aalosteria molecular se estende naturalmentepara uma “regulação alostérica generalizada”entre diferentes tipos celulares que constituemos organismos metazoários, cada célulaconsiderada agora como uma “unidadealostérica generalizada”, que é regulada porcentenas/milhares de ligantes. Nesse caso, acomplexidade da regulação aumenta de formaexponencial quando passamos das unidadesmoleculares para as unidades celulares, capazesde gerar todo um organismo com suascomplexas redes metabólicas e celulares. Asredes neurais seriam construídas essencialmentede modo equivalente às redes alostéricasgeneralizadas, de tal modo que as simulaçõescomputacionais de ambas apresentamum isomorfismo algorítmico. Alberto sugeriuque esta equivalência poderia ser consideradacomo elemento definidor do processo cognitivo<strong>dos</strong> sistemas biológicos, variando conforme ograu de complexidade das redes regulatórias.No organismo biológico existem subsistemasincluí<strong>dos</strong> no sistema maior que forma o todo.No caso do sistema imune, Alberto sugeriu queo complexo principal de histocompatibilidadedesempenhe o papel de elemento reguladoralostérico.Afinal, o que entendemos por cognição?O fato de ser uma Jornada, e por definiçãorestrita a um dia de duração, não permitiua reflexão e o debate que o tema propiciavade forma exaustiva. No entanto, as Jornadasvêm, desde a sua primeira edição em 2009,chamando a atenção para a necessidadedesse debate e se tornando um fórum paraque ele ocorra.


10NeurociênciasReferências1. Daniel-Ribeiro CT. Neuroimunologias. Neurociências2009;5:3-5.2. Metalnikov S e Chorine V. Rôle des réflexescondicionnels dans l’immunité. Annales del’Institut Pasteur 1926;40:893-900.3. Leventhal H e Scherer K. The relationship ofemotion to cognition: A functional approachto a semantic controversy. Cognition andEmotion 1987;1:3-28.4. Vaz NM. Immunology and intentionality –Observing immunologists. Neurociências2011;7(3):140-6.5. Vaz NM. Fisopatologia da atividade imunológica.Neurociências 2009;5:231-6.6. Reis R, Bevilaqua MCN e Schitine CS. Plasticidadesináptica como substrato de cogniçãoneural. Neurociências 2011;7(3):156-70.7. do Nascimento JLM e Bastos GNT. Psicofármacospara aprimoramento das funçõescognitivas. Neurociências 2011;7(3):147-55.8. Walker MP. The role of sleep in cognition andemotion. Ann N Y Acad Sci 2009;1156:168-97.9. Ribeiro S. O mestre <strong>dos</strong> sonhos à casatorna: revisitando Freud. Neurociências2011;7(4):240-5.10. Silveira LCL, da Silva Filho M e do NascimentoJLM. Neurociência, a ciência <strong>dos</strong>istema nervoso: da descoberta do impulsonervoso ao estudo da consciência e a umanova revolução tecnológica. Neurociências2011;7(4):266-98.11. Tononi G e Edelman GM. Consciousness andcomplexity. Science 1998;282:1846-51.12. Edelman GM. Naturalizing consciousness:A theoretical framework. Proc Natl Acad SciUSA 2003;100:5520-4.13. Martins YC e Daniel-Ribeiro CT. 2012. A redundantecomposição antigênica do universobiológico e o desafio da tolerância aos autoantígenos.Neurociências 2011;7(4):246-75.14. Hernandez MO e Kalil J. A distinção entre opróprio e o não próprio pelo sistema imuneadaptativo. Neurociências 2011;7(4):228-34.15. Barcinski MA. Reconhecimento do própriopelo sistema imune. Neurociências2011;7(4):235-9.


Neurociências 11OpiniãoImmunology and intentionality –Observing immunologistsImunologia e intencionalidade –Observando os imunologistasNelson Monteiro VazAbstractWhen we consider the immune system as a cognitive system, as most immunologists do, our questionsand the criteria we use to validate the answers to these questions, will inevitably follow what we understandas cognition. An alternative is to ascribe cognition to what immunologists do when they operate as humanobservers and generate descriptions of immunological activities. In this uncommon way of seeing, whichI prefer, we ascribe the specificity of immunological observations to what we do as humans observersoperating in human language, rather than to what cells and molecules, such as lymphocytes and immunoglobulins,do as components of the immune system. In this alternative way of seeing, we, immunologists,are the true cognitive entities in immunology.Médico, Doutor em Bioquímica e Imunologia, Professor emérito de Imunologia, Instituto de Ciências Biológicas(ICB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Position paper to: II Jornada Fluminensede Cognição Imune e Neural, Academia Nacional de Medicina, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011Correspondência: Departamento de Bioquímica e Imunologia, ICB-UFMG, Caixa Postal 486 Pampulha30161-970 Belo Horizonte MG, Fax: (31) 3499-2640, E-mail: nvaz@icb.ufmg.br


12NeurociênciasOral toleranceIn the late 1970s, I was heading asmall laboratory at CARIH (Children’sAsthma Research Institute and Hospital)associated to the University of Colorado,in Denver. Together with Donald G. Hansonand Luiz Carlos Maia, I had literallybumped into a phenomenon presentlyknow as “oral tolerance”, which consistedin a drastic reduction of specific antibodyformation - i.e. of lymphocyte specificresponsiveness - to proteins previouslyingested as food [1,2]. All animals eatthousands of different proteins and manyother proteins produced by the intestinalmicrobiota; would all the responses tothese proteins be also blocked? This leadsto a picture that simply didn’t fit - andit still doesn’t - standard immunologicalunderstanding. We were fabbergasted.In the more than 30 years that separateus from those findings, “oral tolerance”has generated many hundreds ofpublications, but is still poorly understood[3]. Current interpretations argue that oraltolerance regulates immune responsesinitiated at the gut because, otherwise,progressive (secondary-type) immuneresponses would generate inflammatorybowel diseases (IBDs) [4]. Although it iscorrect to believe that oral tolerance preventsIBDs, this cannot explain its natureor evolutionary origin [5-7].Enters Francisco VarelaSimultaneously with our encounterwith “oral tolerance”, I had another unforeseenencounter: a fascinating meetingwith the young Chilean neurobiologist,Francisco Varela, who I immediately invitedto our laboratory and stayed with usfor about one semester. For Francisco,unaware of the immense changes this demandedfrom immunologists, “oral tolerance”represented the natural insertion ofthe organism in its antigenic environment.I was then unaware that, although quiteyoung, Francisco was already famous asa neurobiologist and “cognitive scientist”,praised by Gregory Bateson and other giantson the field. I was also unaware ofthe existence of Humberto Maturana, whohad been Francisco’s mentor and maincollaborator.Francisco summarized and simplifiedhis epistemological (cognitive) approachin a publication in Co-evolution Quartely,presented as a conversation with DonnaJohnson, entitled “Observing NaturalSystems”. In that paper, he dealt withthe identity of systems, their wholeness- Varela’s main interest throughout hiscareer - and claimed that the wholenessof systems may be perceived when wefigure their organizational “closure”, i.e.when we see that, as compound unities(as systems), they are circularly or moreelaborately turned into themselves [8].With these and other arguments,Francisco introduced me to the notion ofsystems as “closed” networks. Coincidentally,Niels Jerne, a leading immunologistof the time, who I greatly admired, hadrecently published his theory explainingimmunological activity as derived fromthe operation of immunological networks,created by anti-antibodies (anti-idiotypicantibodies) [9]. Antigen-induced antibodiesgenerated anti-antibodies whichwere sustained each other in a complexinterconnected network; this network embodiedthe immune system. This was verysimilar to what Francisco was telling andJerne’s initiative could represent a majortheoretical breakthrough, beyond clonalexplanations of immune activity.


Neurociências 13Francisco and I wrote a paper arguingthat Jerne’s paper, although utterly important,was incomplete, exactly because itlacked the notion of “closure” (systemicorganization), which Francisco deemedas essential in the description of anysystem [10]. We sent the paper to Jerne,who praised it. Actually, Jerne himself,had formerly claimed that: “...we mustnow accept that the immune system isessentially “closed” or self-sufficient inthis respect” (in its recognitions and activations)[11]. This statement appearedin Jerne’s internal report as Director ofthe Basel Institute for Immunology but,to my knowledge, was never publishedelsewhere.Actually, Jerne’s main paper lackedthis idea of “self-sufficiency”I [9]; herefers to “a revolutionary new idea thatwould change immunology as a whole”,but fails to describe this idea explicitly.It could not be the idea of (anti-idiotypic)anti-antibodies - the links in the immunenetwork -, because these connectionscould not be all equal. I believe, as Varelaalso did, that this missing idea was actuallythe idea of “closure”, or, more simply,the idea of the inner organization whichembodies the wholeness of systems.Without the idea of an invariant organization(of a “closure” onto itself) the idea ofanti-antibodies is confusing, rather thanclarifying. Thus, we wrote “Self and nonsense:an organism-centered approachto immunology”. It was rejected by theEuropean Journal of Immunology as “tootheoretical” - which, of course, it indeedwas - and we published it in Medical Hypotheses[10].In addition to its network aspect, ourpaper was also devoted to “oral toler-IWhich is not the idea of organizational “closure”,but rather a step in a similar direction.ance”, or the drastic inhibition of immuneresponsiveness to previously ingestedproteins. The analysis of “oral tolerance”turned out to be a lifelong objective in myown laboratory, but was abandoned byVarela in his future association with immunologicalresearch, in Antonio Coutinho’slaboratory at the Institute Pasteur,in Paris (more on this below).In retrospect, then, I had stumbled ona surprising phenomenon that nobody understands(“oral tolerance”) through whichimmune responses to foreign proteins isdrastically reduced. We could transfer this“tolerance” from “tolerant” mice to normalmice with T-lymphocytes [12]. Thus, ratherthan being a selective subtraction of immuneresponsiveness, oral tolerance addedto the immune system something wedidn’t understand. Concomitantly, throughthe arguments of Francisco Varela, I wasconvinced that the immune system operatedas a “closed” network of lymphocyteand antibody interactions. Immunologistsare mainly concerned with self/nonselfdiscrimination, but our paper describedthe immune system as a “closed” networkof interactions, such that whatever felloutside this “closed” domain, was simplynonsensical. Moreover, the very notion ofanti-antibodies (anti-idiotypic antibodies)[9], that provides an abundant internal connectivityof antibodies and lymphocytes,denied in itself the idea of self/nonselfdiscrimination - although Jerne was neverclear on this point. We also claimed that,in “oral tolerance”, the immune networkassimilates proteins encountered as foodor as products of the gut flora. Thus, inaddition to the attempt to add the notionof organizational “closure” to Jerne’s(idiotypic) network [9], we proposed thatphysiological contacts with potential antigensinvolved an assimilation, rather than


14Neurociênciasa rejection of these materials [10,13]. Thiswas a second very important point.Varela, Coutinho & StewartIn his subsequent association withimmunologists, Varela totally neglectedthe relevance of “oral tolerance” [14].Curiously enough, he was also able tomaintain a close collaboration with Coutinhofor many years, in spite of Coutinho’sexplicitly denial of the concept of closure:“I did not agree (and I still do not agree today,despite many discussions with Nelson Vaz)that their (Vaz-Varela) central claim was right.I continue to think that a ‘decision-makingbehavior’ naturally emerges from the immunesystem’s development, structure and operation,allowing for the differential treatment ofmolecular shapes it identifies either as ‘self’or ‘nonself.’” [15].However, in our paper we explicitlyclaimed that:“... the transformations of the cognitive domainof the immune network in an organism’sontogeny are a combination of its recursivity(its closure) and the fact that it is exposed torandom perturbations or fluctuations from theenvironment (its openness). In other words, itexhibits self-organization, the transformationof environmental noise into adaptive functionalorder, in a manner similar to many otherbiological systems such as cells, nervoussystems, and animal populations.” [10].Coutinho confounded the idea of “closure”with solipsism and insisted to ‘putthe network back into the body’ althoughVarela himself was careful in explainingthat, although ‘closed’ in its organization,the system is ‘open’ for intractions [8]. Ican only ascribe the conciliation of theseopposing views to Varela’s great personaltalent in establishing associations withother scientists.Here we touch a delicate point because,in his collaboration with Coutinhoand Stewart, Varela added an importantcollection of new findings to immune networks,but his ideas on organizationalclosure remained in a low key. What wasat stake then? What was behind the titlesof Varela’s papers, such as: “What is theimmune network for?” [16]; or, “Immuknowledge:The immune system as a learningprocess of somatic individuation” [17]? Ahint to what might have happened derivesfrom their proposal to divide immune responsivenessinto two immune systems,called CIS and PIS [18]. A central immunesystem (CIS) would roughly correspondto Jerne’s idiotypic network, i.e., to asystemic description; and a peripheralimmune system (PIS) was responsible forlymphocyte clonal expansions in specificimmune responses, as traditionally studiedin immunology - actually, a separationbetween “local” and “global” events asis common in connectionist approachesto cognitive sciences [19].In our way of seeing, there is onlyone immune system, but different waysof seeing and describing its activity. But,as it was standard in Varela’s approachto cognition, the human observer, its operationin language and its way of seeingremained hidden. This is in sharp contrastwith Maturana’s attitude, who always triesto make explicit the different phenomenaldomains which may be described by theobserver in his actions in human languaging[20,21].As almost everybody else, Varela conceivedthe immune system as a cognitivesystem, a self with a defined identity [22].


Neurociências 15In his own words, his main interest wasthe emergence of cognition, which hesaw emerging everywhere [23]. On theother hand, for Maturana, cells, organs,etc. are totally blind (in cognitive terms)to their respective media; only organisms,as wholes, are capable of “effectiveactions” that we identify as cognitiveactions [20]. In Maturana’s publicationsand presentations, the presence of thehuman observer and the importance ofhuman languaging in the construction ofwhat is experienced as real, are alwaysmade explicit. The characterization ofseparate domains of description, whichare typical of the context established byMaturana in his Biology of Cognition andLanguage, which is minimized in Varela’swork, is totally absent from current immunologicalliterature.Enters the immunologist as anobserverDescribing a cognitive immune systemis quite different from claiming thatthe immunologist arbitrates which phenomenaare specific and which are not,tracing a boundary between antibodiesand unspecific immunoglobulins, as Jerne[24] and Talmage [25] did in the not sodistant past. As a consequence, descriptionsof immunological activities based onVarela’s ideas, or based on Maturana’sideas, are significantly different. I haverecently expanded this discussion andargued that the specificity of immunologicalactivity resides in immunologicalobservations, i.e. that the specificityderives from what we immunologists doas human observers, operating in humanlanguaging [26]. That this specificity is notinherent to lymphocytes of antibody moleculesis (or should be) consensual amongimmunologists and has been treated as“degeneracy” [27] or “polyspecificity”[28]. But, to my knowledge, no one hasascribed immunological specificity to whatwe do, as languaging humans, becausethis may be understood as solipsism andscientists insist to be dealing with anobjective observer-independent reality.Maturana advise us about a reality [inparentheses] that depends on the historyof the human observer, a kind of ‘inter--subjectivity” we can build among ourselveswith our actions and beliefs [21].Demise and resurrection of immunenetworksThe prolonged association of Varelawith frontier reasearch in immunology inCoutinho’s laboratory brought forth trulysystemic ideas, mathematical formalismand computer modelings to the idiotypicnetwork, which were all lacking in Jerne’sproposal [9] almost two decades before.Coutinho had been an important collaboratorof Jerne at the Basel Institute andproduced an impressive array of experimentalevidence in favor of the networkmodel both before, during and after theassociation with Varela [29]. The 1980scoincided with abundant experimentaland theoretical investigations on immunenetworks, leading to the publication ofabout five thousand papers. This, however,had a negligible impact on the mainquestions of immunology and the interestin networks gradually waned and disappearedfrom sight [30]. Why this happened?Because only the wrong questions weremade, i.e. anti-idiotypic antibodies wereseen as subsidiary means to “regulate”immune responses, when actuallythe idea of circular networks (systems)should totally replace ‘cause/effect’ (sti-


16Neurociênciasmulus/response/regulation) frameworks.Perhaps the interest in immune networkswill resurrect when the right questionsare finally made. I foresee different, yetcompatible, pathways to this end.In one pathway, we should continueand improve our analysis of immune networkspaying special attention to theirrobust stabilizing mechanisms and try todefine their invariant organization - amida ceaseless structural change; i.e., weshould find the relations which are keptconstant while the individual componentsare replaced by equivalent ones. This isalready being done in several laboratories[31,32].Another, more radical pathway involvesrecognizing the immunologist as thehuman observer responsible for his observationsand for the configuration of hisrealities. Immunologists have configuredmany different realities. In clinical andexperimental laboratories, in spite of theirdegeneracy or polyspecificity, antibodieshave been used as if they were invaluablespecific biochemical reagents, which seemto be tailor-made by living organisms tofit the most diverse configurations. Weshould not confuse the use of antibodiesas biochemical reagents, with the emergenceof natural immunoglobulins andtheir spontaneous organization in robustlystable cellular and molecular networks. Organismsproduce immunoglobulins whichwe, as human observers, may (legitimatelyand profitably) use as specific reagents inthousands of different applications. Theaim of basic immunologists is to investigatethe organization of these networks,not the production of specific antibodies,because the organism does not produceantibodies: it produces immunoglobulinsthat we may use as if they were specificantibodies.If this minimally fulfill my expectations,we may finally abandon the idea ofimmune systems as “cognitive” systems,endowed with a memory and the ability torecognize foreign substances, as epitomizedby Capra in his article “The immunesystem: our second brain” [33].AcknowledgmentsI am grateful to Roger Harnden fordiscussing these ideas.References1. Vaz, NM, Maia LCS, Hanson DG, LynchJM. Inhibition of homocytotropic antibodyresponse in adult mice by previousfeeding of the specific antigen. J AllergyClin Immunol 1977;60:110.2. Hanson DG, Vaz NM, Maia LCS, Lynch JM.Inhibition of specific immune responsesby feeding protein antigens.III. Evidenceagainst maintenance of tolerance toovalbumin by orally-induced antibodies. JImmunol 1979;123:2337-44.3. Faria AMC, Weiner HL. Oral tolerance.Immunological Reviews 2005;206:232-59.4. Feng T, Elson CO. Adaptive immunityin the host-microbiota dialog. MucosalImmunol 2011;4:15-21.5. Vaz NM, Faria AMC, Verdolin BA, CarvalhoCR. Immaturity, ageing and oral tolerance.Scand J Immunol 1997;46:225-9.6. Pordeus V, Ramos GC, Carvalho CR,Barbosa de Castro Jr A, Cunha AP, VazNM. Immunopathology and oligoclonalT cell expansions. Observations inimmunodeficiency, infections, allergyand autoimmune diseases. CurrentTrends in Immunology 2009;10:21-9.7. Vaz NM, Mpodozis JM, Botelho JF RamosGC. Onde está o organismo? Derivase outras histórias na Biologia e naImunologia. Florianópolis: UFSC; 2011.


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18NeurociênciasRevisãoPsicofármacos para aprimoramentodas funções cognitivasPsychotropic drugs to improvementof cognitive functionsJosé Luiz Martins do Nascimento, D.Sc.*, Gilmara de Nazareth Tavares Bastos, D.Sc.**ResumoA neurociência moderna tem começado a identificar alguns <strong>dos</strong> circuitos neurais e os eventos molecularese neurotransmissores relaciona<strong>dos</strong> à performance cognitiva. Alterações moleculares e celulares são asbases do entendimento de muitas desordens neurológicas e psiquiátricas. Esse conhecimento é importantepara o desenvolvimento de terapias direcionadas a alvos moleculares. Drogas inteligentes ou tambémchamadas de nootrópicas, que incluem modafinil, metilfenidato, propanolol e ampacinas, tornaram-sepopulares, porque elas podem aumentar atenção, sociabilidade, habilidade de lembrar eventos e performancecognitiva. Essas drogas podem variar em suas ações, propriedades fisiológicas e psicológicas eoutras consequências imprevisíveis.Palavras-chave: memória, atenção, cognição, drogas nootrópicas, alvos molecularesAbstractModern neuroscience has begun to identify neuronal circuits and molecular/ neurotransmitter eventson synapse formation related to cognitive performance. Molecular and cellular changes are the basis tounderstanding many neurological and psychiatric disorders. This knowledge is important to developmentof molecular therapies. Smart or nootropic drugs which included modafinil, methylphenidate, propanololand ampakines, have become popular, because they enhance attention, sociability, ability to rememberevents and cognitive performance. These drugs may differ in their pharmacological properties, physiologicaland psychological effects and unpredictable consequences.Key-words: memory, attention, cognition, nootropic drugs, molecular targets.*Professor Associado III do Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Neuroquímica Moleculare Celular, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, **Professora Adjunta I do Instituto de CiênciasBiológicas, Laboratório de Neuroinflamação, Universidade Federal do ParáCorrespondência: José Luiz Martins do Nascimento, Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular doInstituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, 66075-110 Belém PA, E-mail: jlmn@ufpa.br.


Neurociências 19IntroduçãoA palavra performance e/ou aprimoramentoestá em evidencia. Para isso,existem diversas maneiras para aumentaro desempenho. Na prática esportiva emgrandes competições o uso de anabolizantesé de uso comum, o Viagra vemsendo usado em grande escala, inclusiveentre jovens para melhorar a performancesexual. Nessa ultima década, uma demandada sociedade que vem aumentandoexponencialmente o seu consumo sãoos aprimoradores de cognição. Existemdiversas maneiras de aprimoramentodo cérebro, tais como ambiente enriqueci<strong>dos</strong>,dietas alimentares, vitaminas,exercícios físicos e os psicofármacos quesão bastante utiliza<strong>dos</strong> na atualidade. Arazão para seu uso indiscriminado é quesupostamente espera-se uma ação maisrápida dessas drogas, na medida quepossam induzir modificações estruturaise funcionais nas sinapses centrais envolvidasnas redes cognitivas [1, 2]Habilidades intelectuais que envolvempensamento, percepção, atenção,linguagem, memória, aprendizagem,criatividade, raciocínio lógico, são ditasfunções cognitivas [3]. Essas funçõessupostamente podem melhorar o seudesempenho pelo uso de fármacoschama<strong>dos</strong> de neuroaprimoradores ounootrópicos. Essas drogas podem variarem efeitos fisiológicos, psicológicos eem suas propriedades farmacológicas[3-5]. Drogas neuroaprimoradoras, que incluemmodafinil, metilfenidato, propanol,amapacinas, memantinas, atomoxetina,anfetaminas, piracetam, entre outras,foram usadas inicialmente com o intuitode restaurar algumas funções cognitivase déficit de memória em pessoas envelhecidase em doenças neurodegenerativas[2]. Por essa conduta terapêutica, essesfármacos tornaram-se populares entrejovens saudáveis que os usam atualmentecom o intuito de melhorar suasperformances cognitivas.Figura 1 - O filme Sem limites dirigidopor Neil Burger com roteiro de LeslieDixon (2011) foi baseado no romanceThe Dark Fields, 2001 de Alan Glynn(1960) [6]. O filme mostra a história deum escritor mal sucedido, desmotivado esem habilidades cognitivas para escreverum livro contratado a uma grande editora,mas que subitamente ao ingerir umadroga nootrópica, passa a redigir semparar, focado na elaboração do <strong>texto</strong>, aumentoda memória e com o uso regularda droga passa a ter grande capacidadede resolver problemas e outras habilidadescognitivas.


20NeurociênciasEntretanto, é preciso cuidado com ouso dessas drogas, pois muito dessesfármacos ainda não foram avalia<strong>dos</strong>suficientemente por testes clínicos delonga duração em humanos para seremusa<strong>dos</strong> com esse objetivo, sem esqueceras implicações éticas e sociais sobre seuuso [1,6,8]. As bases farmacológicas emoleculares da ação <strong>dos</strong> nootrópicos sobreos circuitos neuronais e os sistemasde neurotransmissores envolvi<strong>dos</strong> nasfunções cognitivas ainda estão em estudoe é objetivo dessa revisão.Histórico <strong>dos</strong> psicofármacosDesde os anos 50 quando se descobriramas potentes ações sedativas dareserpina, um fármaco que interfere noarmazenamento das vesículas sinápticasde varias aminas transmissoras e osefeitos antipsicóticos da clorpromazina(que bloqueia receptores dopaminérgicos),a partir dessas duas evidênciasfarmacológicas, foi sugerida a hipótesede que é nas sinapses que nascem amaior parte das patologias neurológicase psiquiátricas e são essas os alvosbiológicos susceptíveis que se modificampor ação <strong>dos</strong> fármacos. A utilizaçãoclinica dessas drogas no tratamentodas enfermidades mentais (ansiedade,esquizofrenia, mania, crise do pânico,enxaqueca) e neurológicas (Parkinson,Huntington, epilepsias), alem do usodas drogas nootrópicas no tratamentoda perda de memória que resulta emdoenças como Alzheimer, demênciavascular ou traumas craneoencefálicose AVC. Portanto, a aplicação <strong>dos</strong> psicofármacosna neuropsiquiatria é bastantediversificada, além de seu uso atual nacognição [9-13].Aprimoradores de cognição ememóriaNeurobiologia da memóriaDe um modo sucinto, aprendizageme memória constituem-se em uma daspropriedades mais importantes para asfunções cognitivas. O gênero humano secaracteriza por fazer uso intenso dessapropriedade e através dela pode desenharplanos de atuação antecipatória.A memória tem um substrato moleculardeterminado e regulado pelo genoma, masque pode sofrer modelagem quanto aonumero, tipo e função das conexões entreas sinapses, essa regulação sinápticaque é intensa durante o período crítico,chamamos de plasticidade. O termo plasticidadefoi cunhado por William Jamesem 1890, para descrever a susceptibilidadee modificações no comportamentohumano. Liu e Chambers [14] mostrarampela primeira vez a formação de botões sinápticosno SNC. A partir dessa evidenciamorfológica, tem-se acumulado um grandenumero de da<strong>dos</strong> na literatura que o SNCtem a capacidade de sofrer modificaçõesmorfológicas e funcionais nas sinapses emais recentemente tem-se demonstradoque as redes neurais <strong>dos</strong> mamíferos permanecemplásticas durante toda a vidado organismo, incluindo a produção denovas células neurais [15]. Bliss e Lomo,em 1973, demonstraram que estímulosrepeti<strong>dos</strong> no córtex entorrinal de coelhose registra<strong>dos</strong> eletrofisiologicamente emneurônios do giro denteado, produziammudanças na amplitude <strong>dos</strong> potenciaispós-sinápticos, que foi denominado depotenciação de longa duração (LTP). Inúmerasevidências indicam que esse fenômenoé uma maneira que o cérebro temde armazenar memória, particularmente


Neurociências 21no hipocampo [16,17]. Ao se considerarque as sinapses, onde ocorre LTP sãoexcitatórias e o glutamato é o neurotransmissormajoritário, é de se esperar queao ser liberado pré sinapticamente, esseneurotransmissor atue em receptores pós--sinápticos que coexistem nas espinhassinápticas. Esses receptores são do tipoAMPA, que respondem preferencialmenteao agonista do glutamato chamado AMPAe receptores NMDA que respondem preferencialmenteao agonista NMDA [18-20].Na transmissão sináptica normal, a chegadade um potencial de ação do terminalaxonal produz a liberação do glutamatoque interage em receptores AMPA, queao serem ativa<strong>dos</strong> produzem uma maiordensidade de corrente pós-sináptica despolarizanteatravés de canais de sódio.Os receptores de NMDA contribuem muitopouco, nesse momento por encontrarem--se inibi<strong>dos</strong> por íons magnésios. Contudo,na medida em que aumenta a frequênciade estímulos, ocorre uma despolarizaçãomaior da membrana pós-sináptica e o íonMg ++ se dissocia do receptor de NMDA,que permite a entrada de íons Ca ++ eativação de proteína cinase dependentede Ca ++ - Calmodulina e fosforilação, nessemomento ocorre a inserção de novosreceptores AMPA [2,21,22].A entrada de íons Ca ++ também aumentaa produção de fosfolipídeos namembrana, como o ácido aracdônicoe aumento na atividade de NO-sintaseneuronal e formação de óxido nítrico.Essas moléculas podem ser mensageirosretrógra<strong>dos</strong> para manter a sinapse ativapor muito tempo [2].Doenças que afetam a memóriaO salto no conhecimento, <strong>dos</strong> eventosmoleculares á clínica que mostramtoda a dinâmica <strong>dos</strong> diferentes tipos desinapses presentes no SNC, tem permitidoavanços importantes no estabelecimentodas etiologias e patogêneses dasenfermidades psiquiátricas e neurológicas.Esse avanço possibilitou o desenvolvimentode novos fármacos e algumasestratégias terapêuticas para contornaro déficit cognitivo e a qualidade de vidade pacientes com essas desordens [23].As doenças neurodegenerativas,como doença de Alzheimer, Parkinson,coréia de Huntington, demência senil,doenças vasculares e outras enfermidadescomo epilepsias, depressão,desordem do humor, déficit de atenção,entre outros, apresentam em seu estadomais grave severa perdas de memóriascom impedimentos cognitivos. Todas asetapas de aprendizado e estocagem deinformação que vão desde a <strong>aqui</strong>sição deinformações até memória de longa duraçãoestão severamente comprometidasem algumas dessas doenças [2,24]. Osmecanismos neurais subjacentes envolvi<strong>dos</strong>parecem afetar vias preferenciais(redes neurais) do sistema límbico, hipocampoe córtex pré-frontal que modulammemória explícita [2,23,25,26].No caso particular da doença deAlzheimer em que ocorre uma perdaacentuada da memória, o tratamentopreconizado inicialmente foi de aumentara concentração de acetilcolina paramelhorar o desempenho cognitivo, já queocorre degeneração das células colinérgicasno principal núcleo neural que projetapara o córtex, chamado núcleo basal deMeynert, localizado na substancia inominata.Esse núcleo recebe inúmeras fibrasdo sistema límbico e dá origem a quasetotalidade das fibras colinérgicas do córtex[5,13,27,28]. Os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong>ainda são inconclusivos; pois os efeitos


22Neurociênciasdessas drogas colinérgicas podem levardiversas semanas para produzir algumefeito e até o momento, não foram registra<strong>dos</strong>uma associação entre drogas inibidorasde acetilcolinesterase e melhorade desempenho cognitivo. Mesmo assim,inibidores da AChE (tacrina e donepezil)que permitem um aumento nos níveis cerebraisde acetilcolina e recentemente umantagonista não competitivo de receptorde NMDA (memantina), o qual está indicadopara as formas moderadas a gravesda doença, são os únicos fármacos atualmenteaprova<strong>dos</strong> pelo FDA (U.S. Food andDrug Administration) para o tratamentoda doença de Alzheimer [13,20,27-30].Psicofármacos para a cogniçãoOs fármacos que afetam o sistemanervoso influenciam a vida de quase todoo mundo. O que seria da cirurgia modernasem os anestésicos, a qualidade de vidasde pacientes terminais com câncer semos opiáceos e seus deriva<strong>dos</strong>. Hoje, dispomosde medicamentos que incrementama atenção, reduzem ou aumentam osono, reduzem a ingestão de alimentos,tratam a depressão, mania, esquizofrenia,transtorno bipolar, ansiedade,convulsões, doenças neurodegenerativase a consciência. Também é importanteobservar os efeitos adversos <strong>dos</strong> psicofarmacosna memória, como é o caso<strong>dos</strong> diazepínicos que produzem amnésia,os efeitos adversos <strong>dos</strong> alucinógenos eanfetaminas sobre a percepção [31,26].Os psicofármacos também podem servirde opção como ferramentas molecularesimportantes para dissecção das vias preferenciaisdas redes neurais, que constituemos substratos das funções maisimportantes relacionadas a cognição denosso cérebro (consciência, memória,pensamento abstrato, associação deidéias, habilidades e potencial criativo)[27,32].Esses fármacos atuam preferencialmentena dinâmica da sinapse, modificandoa sua síntese, armazenamento,liberação, ação nos receptores, recaptaçãoe degradação metabólica. Essessão os alvos moleculares que estãoafeta<strong>dos</strong> nas enfermidades e como ouso <strong>dos</strong> psicofármacos podem melhoraro desempenho cognitivo. Portanto, existeuma razão a priori de se acreditar que asdrogas nootrópicas ao atingir seu alvopodem ativar vias preferenciais das redesneuronais [33,34].As duas drogas que são mais usadasatualmente para fins não terapêuticossão o metilfenidato e o modafinil.O metilfenidato (Ritalina) é o neuroestimulantemais usado hoje e de maioreficácia no tratamento do transtorno dedéfict de atenção e hiperatividade (TDAH)na redução da sonolência em narcolépticos,diminuição da fadiga e vem sendousado em grande escala para tratamentoda obesidade [31]. O alvo neuroquímicoprimário do Metilfenidato é o transportadorde dopamina e da noradrenalina,essas duas drogas atuam diferentesdas anfetaminas e não são capazes dese ligarem em receptores pré- sinápticosaminérgicos, não induzem dependênciaquímica e não produzem efeitos cardiotóxicos.Em estu<strong>dos</strong> epidemiológicosrecentes com diferentes metodologiasde analises estatísticas para medir atenção,humor, memória, vigília, motivaçãoe funções executivas mostraram queMetilfenidato em <strong>dos</strong>e única foi capaz demelhorar a memória, mas não os outrosparâmetros analisa<strong>dos</strong>. Não existem da<strong>dos</strong>sóli<strong>dos</strong> sobre seu uso por perío<strong>dos</strong>longos [4,35-39].


Neurociências 23Modafinil foi usado inicialmente parao tratamento do sono excessivo da narcolepsia.Depois seu uso foi ampliadopara tratamento da síndrome da apneia ehipopneia obstrutiva do sono, desordemdo sono em trabalhadores noturnos,melhora cognitiva de esquizofrênicos[2,31,35,36,40,41].A ação neuroquímica do modafinil apesarde pouco conhecido, parece atuar principalmentesobre o transportador de dopaminae noraepinefrina.com aumento naliberação dessas aminas [35,36,40,41].Outros sistemas de neurotransmissoressão afeta<strong>dos</strong> somente secundariamente.Parece que existe certa seletividade deação nas áreas corticais sobre as sub--corticais. Em <strong>dos</strong>es terapêuticas parecemelhorara atenção, memória de trabalhoe memória episódica e outros processosdentro do córtex pré-frontal. Esses efeitossão observa<strong>dos</strong> em roedores, indivíduosadultos e sadios, bem como em varias desordenspsiquiátricas. Contudo em <strong>dos</strong>esrepetidas, modafinil foi incapaz de impedira deterioração da performance cognitivapor um período de tempo mais longo emindivíduos de priva<strong>dos</strong> de sono [31,41].Diferentes das anfetaminas não produzemdependência química e apresentam poucoefeitos colaterais [32].AmpacinasOutro grupo de moléculas nootrópicassão ampacinas que ativam sinapsesglutamatergicas excitatorias no córtexcerebral. Sua ação é sobre os receptoresAMPA que despolarizam a membrana porentrada de íons sodio. Essa despolarizaçãoativa receptores de NMDA que podeminduzir LTP, portanto essas moléculas seriamimportantes para <strong>aqui</strong>sição de novasinformações e estocagem de memória. Asampacinas estão em fase adiantadade testes clínicos e apresentam resulta<strong>dos</strong>promissores para o tratamentode disfunções de memória associadasao Alzheimer [2,8,13].MemantinaA memantina foi sintetizada e patenteadaem 1968 e usada pela primeira vezpara tratar pessoas envelhecidas comdéficits de memória e mais recentementena doença de Alzheimer severa. A estratégiaé baseada no principio que a drogasó entra em ação em esta<strong>dos</strong> patológicosdevido á estimulação excessiva doreceptor de NMDA [28,29]. A memantinase liga próximo ao sítio do Mg e bloqueiaa atividade canal do receptor. Ainda nãoexistem da<strong>dos</strong> sobre o efeito dessa drogana performance de pessoas jovens. Seupotencial uso como nootrópico é para ajudarno raciocínio e memória [28,29,41].Drogas que atuam na circulaçãocerebral e como aprimoradoresmetabólicosExistem drogas nootrópicas que podemmelhorar a performance cognitivaatuando na vascularização. Por apresentaruma altíssima taxa metabólica,o cérebro consome 1/5 da utilização dooxigênio disponível no corpo, por issodemanda um grande aporte de sangue.Portanto, qualquer impedimento no fluxosanguíneo cerebral e consequentediminuição no suprimento de oxigêniopodem influenciar as funções cognitivas.Ginkgo biloba é considerada uma drogaque pode atuar no leito vascular comovasodilatadora, alteração na viscosidadecerebral e função plaquetária. Essa plantaé usada em muitos países para tratar o


24Neurociênciasimpedimento cognitivo durante o envelhecimento,em doenças neurodegenerativase demências [2,7,42-44]. O piracetam éoutra droga usada por muitos anos em diferentespaíses para tratar impedimentoscognitivos no envelhecimento e em doençasneurodegenerativas. O seu mecanismode ação foi inicialmente relacionadoa modulação <strong>dos</strong> sistemas colinérgicoe glutamatérgico e com isso melhorareventos relaciona<strong>dos</strong> a neuroplasticidade.Mais recentemente suas ações foramrelacionadas ás propriedades reológicase melhora na fluidez das membranas,inclusive das mitocondrias de células neuronais.Ao fazer isso, o piracetam poderiatrazer benefícios e contribuir para suaeficácia terapêutica com repercussõesna captação de glicose e produção deATP e melhorar o desempenho cognitivo[2,7,42,45,46]. Substancias naturais eseus deriva<strong>dos</strong>, podem ser usadas comêxito em doenças psiquiátricas e tambémcomo drogas nootrópicas, como é o casoda glutationa e seus deriva<strong>dos</strong>, por suasações antioxidantes [44,47,48].Drogas que atuam em mecanismode transdução de sinalAs moléculas de sinalização celularexercem seus efeitos após sua ligaçãocom os receptores expressos nas células--alvos, que, por sua vez, ativam uma seriede alvos intracelulares, como enzimas,segundo mensageiros, canais iônicos,transcrição gênica em uma sequênciade reações resultando em mecanismode transdução do sinal. Drogas neuroaprimoradoraspodem afetar de mo<strong>dos</strong>eletivo essas vias de sinalização. Asmetilxantinas parecem afetar os níveis deAMPc por inibição de sua enzima de degradação,a fosfodiesterase do AMPc produzindopropriedades estimulatórias. Ascinases são enzimas envolvidas nas viasde sinalização que podem ser bastantesuteis como alvos de drogas nootrópicas,entre as cinsases mais importantes comoalvo de drogas temos a Proteina cinase A ,proteína cinase C, proteína cinase ativadapor Ca ++ -calmodulina. Entre os fatores detranscrição mais estudado por sua participaçãoem memória de longo prazo é oCREB (cAMP response element-binding).Manipulações genéticas que levam a umaumento na função do CREB parecem nãointerferir na aprendizagem e memoria decurto prazo, mas aumentam a memóriade longo prazo, podendo ser um alvo importantepara o desenvolvimento de drogaaprimoradora de memória [2,49,50].ConclusãoA importância do conhecimento <strong>dos</strong>circuitos neurais, <strong>dos</strong> eventos molecularese neurotransmissores relaciona<strong>dos</strong>a performance cognitiva, vai desde afunção normal do cérebro aos distúrbiospsiquiátricos e neurodegenerativos, permitindoque novas drogas aprimoradorasou nootrópicas sejam desenvolvidas,como estratégias para exercerem efeitosespecíficos e benéficos sobre a cogniçãoe ajudem pacientes com doenças neuropsiquiátricasna redução <strong>dos</strong> sintomas emelhora em sua qualidade de vida.Referências1. Langreth R. Viagra for the brain. ForbesMagazine; 20022. Lanni C, Lenzken SC, Pascale A, DelVecchio I, Racchi M, Pistoia F, GovoniS. Cognition enhancers between treatingand doping the mind. Pharmacol Res2008;57:196-213.


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28NeurociênciasAbstractThe human brain is constituted by almost a hundred billion neurons organized in neuronal-glial networksthat allow a great number of behavioral outputs. The interaction of the environment with the genetic contentsof neural cells modifies the structure of neural circuits, refining the synapses into a more efficientstructure. Here we discuss how plastic changes at the molecular, cellular and network levels target thesynapses (the space between neuronal-glial cells that might reach up to 10 4 per neuron) and how informationis exchanged in the nervous system, an essential role in cognition. Synaptic plasticity might berelated to distinct mechanisms such as the traffic of glutamatergic receptors, spine volume modification,integration of novel neurons in established networks and potentiation or depression of synaptic pathways.Key-words: plasticity, Hebb, calcium, cognition, glutamate, synapse, memory, neurogenesis, epigenetics.IntroduçãoO termo cognição pode ser definidocomo o ato de adquirir conhecimento, oua faculdade de conhecer. Os que estudama cognição têm associado diversosmecanismos cerebrais subjacentes àpercepção, à atenção, à memória e aopensamento, com as etapas do desenvolvimentodo cérebro pós-natal e a interaçãocom o ambiente durante a infânciae a adolescência. Estu<strong>dos</strong> envolvendo apsicologia do desenvolvimento frequentementegeram perguntas sobre como asredes neurais são refinadas através deexperiências sensório-motoras, fruto deinterações entre o conteúdo genético herdadoe a influência de aspectos ambientaisque resulta na elaboração da riqueza<strong>dos</strong> comportamentos. Perguntas do tipo:como a consciência surge e se modificaem meio à interatividade das redes neurais?Como a atividade neural origina osentido de sermos seres conscientes?E como o desenvolvimento do sistemanervoso central (SNC) leva a emergênciadas faculdades mentais, são chaves noentendimento desse assunto [1-3].O tamanho e a área de superfície docérebro de mamíferos de forma geral e agirencefalia, presente nos primatas superioressão dois fatores determinantesnas habilidades intelectuais. A maiordensidade neuronal parece estarrelacionada com o aparecimento de umgrupo de células progenitoras de rápidaamplificação, e que durante a evolução,gerou uma estrutura neocortical mais densa,com neurônios migratórios cujas trajetóriasmodificadas produziram variantesdas encontradas nos demais mamíferos[4]. O elaborado desempenho cognitivonos humanos tem sido relacionado comparâmetros quantitativos celulares, envolvendoo número de neurônios e de célulasnão neuronais [5], o volume de massacinzenta e de substância branca [6] e coma complexidade e o volume de espinhasdendríticas de neurônios de vertebra<strong>dos</strong>superiores [7], entre outros aspectos.Estu<strong>dos</strong> recentes <strong>referentes</strong> ao escalonamentodo cérebro humano sugerem que,em números absolutos, este órgão apresentavantagens na constituição cerebralem relação aos roedores e aos demaisprimatas, contendo um maior número deneurônios [5], e consequentemente depontos de contatos entre estas células, oque favoreceria as habilidades cognitivas.Registros arqueológicos apontampoucos sinais de inventividade nos hominídeospresentes no período anterior a


Neurociências 29200.000 anos atrás na Africa; porém, como surgimento do Homo sapiens duranteo Paleolítico superior, houve um salto nacriatividade por volta de 50.000 anos atrás[8]. É possível que substituições de aminoáci<strong>dos</strong>em alguns genes, como do fatorde transcrição Forkhead box p2 (Foxp2)envolvido na evolução da linguagem, possamter acarretado mudanças cognitivassubstanciais em nossos ancestrais [9].É no mínimo tentador correlacionar asconsequências neurológicas com a possibilidadede como a fala, a linguageme a capacidade cognitiva diferenciaramos humanos <strong>dos</strong> demais hominídeos nopassado remoto. Nesse sentido, camundongoscom um gene Foxp2 de humanosapresentam maior plasticidade sinápticae comprimentos dendríticos, pelo menosnos circuitos entre o córtex e os núcleos dabase analisa<strong>dos</strong>. A introdução da versãohumana de Foxp2 em camundongos levama alterações na vocalização ultrassônicae no comportamento exploratório dessesanimais, assim como nas concentraçõesde dopamina cerebral [10].Neste ensaio, discutiremos como asmudanças plásticas nas sinapses ocorrem(os pontos de contato entre as células naordem de centenas de milhares por neurônio)e como se dá a transferência de informaçõesno sistema nervoso, que tem umpapel essencial nos processos cognitivos.Abordaremos a plasticidade sináptica doponto de vista de moléculas (glutamato eseus receptores), células e suas protuberâncias(espinhas dendríticas) e de redescom a geração de novos neurônios noschama<strong>dos</strong> nichos neurogênicos.A sinapseO termo sinapse surgiu por volta de110 anos atrás com o fisiologista britânicoCharles Sherrington. Num trecho desua obra de 1897, Sherrington atribui aosespaços observa<strong>dos</strong> entre os neurônios(visualiza<strong>dos</strong> na época por Santiago Ramony Cajal e outros usando a técnicade impregnação de prata nos neurôniosdesenvolvida por Camilo Golgi), uma importantefunção na troca de informaçõeselétricas no sistema nervoso.A resposta da sinapse é modificável,o que gera uma plasticidade, que é umapropriedade essencial do desenvolvimentoe uma das principais funções cerebrais[11]. É sabido que o cérebro é sensívelaos fatores ambientais, seguindo inicialmenteum plano genético durante a fasepré-natal, com a elaboração de gradientesmoleculares especifica<strong>dos</strong> no eixo dorsoventralno embrião. A rápida proliferaçãode células progenitoras gera múltiplosneurônios e células gliais, através de umaorquestração de genes pró-neurogênicose gliogênicos [4]. Estímulos ambientaismodificam a estrutura <strong>dos</strong> circuitos neurais,refinando e tornando as sinapses,alvo de ação <strong>dos</strong> neurotransmissores,mais eficientes por meio de atividadeelétrica e mensageiros químicos. Essaplasticidade resulta na modificação daestrutura e da função do sistema nervoso.A questão de quanto e de como oambiente influencia no desenvolvimentodo cérebro é de grande interesse geral,com particular atenção nos camposda neurobiologia do desenvolvimento,desenvolvimento infantil, educação epsicopatologia infantil.Inúmeros modelos de plasticidadesináptica são observa<strong>dos</strong> em diversoscircuitos cerebrais [11]. Nesse sentido,podem ser citadas estruturas como ohipocampo e a amigdala que estão envolvidascom processos de consolidação dememória espacial e emocional, proces-


30Neurociênciassos associativos nos sistemas límbicos,pré-frontais e subcorticais, com a participaçãode várias moléculas e processoscelulares. Durante o envelhecimento podeocorrer perda de cognição associada comsinaptotoxinas em desordens neurodegenerativas,como os oligômeros <strong>dos</strong>peptídeos beta-amilóide, encontradasna patologia do mal de Alzheimer, e aproteína do príon com a interação emalvos sinápticos.Um <strong>dos</strong> elementos que reforçama atividade sináptica e que só recentementeadquiriu um status apropriado naformação <strong>dos</strong> circuitos neurais é a célulada glia, em especial os astrócitos, quejuntamente com os neurônios pré- e pós--sináptico formam a chamada sinapsetripartite [12]. Embora tenham sido descritashá mais de um século, por muitotempo essas estruturas gliais foram apresentadascomo tendo um papel meramenteacessório no cérebro. A constataçãode que a glia contribui para o refinamentosináptico [13], só foi possível a partir dautilização de méto<strong>dos</strong> apropria<strong>dos</strong> para oestudo de propriedades encontradas nasmacro- e microglias, como ondas de Ca 2+geradas por transmissores, secreção defatores tróficos mantenedores de populaçõesseletivas, potenciação e depressãosinápticas, entre outras [12]. Como osastrócitos estão associa<strong>dos</strong> às sinapsesde forma íntima e compartimentalizada,a integração da informação química eelétrica é frequentemente modificada noscircuitos por fatores gliais o que leva auma intensa modulação neuro-glial.Existem questões em aberto sobreos mecanismos e o local exato de expressãoda plasticidade sináptica noscircuitos neurais em desenvolvimento eno adulto. Existem dúvidas se ocorrem naestrutura pré-, pós-sináptica, em ambasou se resulta do produto da interaçãoentre neurônios e células gliais.A estrutura pré-sináptica se apresentacomo um sítio de plasticidade quandoocorre um aumento na liberação de vesículascontendo neurotransmissores [14],processo chave na liberação exocitóticadependente de Ca 2+ . Diversos sinais convergemem sensores de Ca 2+ localiza<strong>dos</strong>na região pré-sináptica, sendo a proteínasinaptotagmina a mais importante, induzindouma liberação de vesículas via ocomplexo SNARE que é frequentementemodulado [15].A estrutura pós-sináptica de umasinapse excitatória (glutamatérgica) émuito dinâmica e tem grande controle nadensidade de receptores pós-sinápticos,principalmente os complexos pertencentesàs subfamílias de receptores ionotrópicosAMPA e NMDA. Um <strong>dos</strong> processosmais implica<strong>dos</strong> com a plasticidadesináptica envolve o tráfego de subunidadesde receptores AMPA (subunidadesGluAs) de regiões extra-sinápticas paraas regiões sinápticas, processo esse querequer pelo menos duas etapas, e queenvolve vias regulatórias e constitutivas,dependendo do tipo de subunidade emquestão [16]. As subunidades GluA1apresentam uma longa cauda carbóxi(COOH) terminal, e são transferidas docitoplasma para a membrana da regiãoextra-sináptica por processos regulatórios,que tem a participação das enzimasCa 2+ Calmodulina Cinase II e a via daPi3Cinase. Esse processo é dependentede atividade e fundamental nos perío<strong>dos</strong>de intensa plasticidade, como no períodocrítico [17]. Se a habilidade para mudaro comportamento depende do fortalecimentoe do enfraquecimento seletivo dassinapses, o incremento de subunidadesGluA1 na região extra-sináptica (vindo do


Neurociências 31citoplasma) pode ser o primeiro passopara que estas subunidades atinjam aregião sináptica e aumentem a densidadede receptores, e que uma vez ativa<strong>dos</strong>,induzam despolarização, fluxo de Ca 2+ emodificações estruturais com base napolimerização de filamentos de actina.Isso leva a transformação de estruturasimaturas (filopódios) presentes duranteo desenvolvimento a se transformaremem protuberâncias compartimentalizadas(espinhas) volumosas na forma de cogumeloe em cálice, ricas nos estoquesintracelulares de cálcio, e que uma vezativadas, se tornam funcionais (e deixamde ser silenciosas) [18]. Nesse con<strong>texto</strong>,é sabido que modelos de plasticidadecomo a LTP (potencialização de longotermo, discutido em seguida) e a LTD(depressão de longo termo) podem serexpressos com a inserção e a remoção desubunidades de receptores AMPA, respectivamente[18] e esse modelo pode ser abase para o estudo de funções cognitivase de disfunção sináptica.Crescimento cerebral pós natal eplasticidade sinápticaEntre os primeiros dias após o nascimentoe a infância (por volta <strong>dos</strong> 6anos de idade), uma criança sadia estáem um período em que apresenta a suamaior plasticidade e interatividade com omeio e o seu cérebro passa de cerca de350 para 1200 gramas, e que chega até1400 gramas no pico da adolescência(um pouco maior nos garotos em funçãodo peso corporal e influência hormonal)[19]. A atividade neural relacionadacom a experiência nos mais diversosníveis (sensorial, motora, emotiva esocial) é talvez o principal substratopara o grande aumento <strong>dos</strong> processosnas redes neurais, o que induz umagrande interatividade entre as célulase consequente aumento do número desinapses. Estu<strong>dos</strong> realiza<strong>dos</strong> na décadade 1970 em cerca de 2600 cérebrosautopsia<strong>dos</strong> de um banco de órgãos emWashington, EUA, mostrou que durante odesenvolvimento, o crescimento cerebralaumenta rapidamente entre os primeirosmeses e os primeiros anos de vida, e quea curva (no formato de U invertido) e seestabiliza na adolescência [19-20]. Essaanálise foi revisitada recentemente como imageamento de centenas de cérebrosde crianças, adolescentes e adultos (3-27anos), com o emprego de uma técnicanão invasiva (ressonância magnéticafuncional) e que confirmou a curva em Uinvertida para diversos parâmetros. Porém,o estudo mostra que diferentes áreascerebrais amadurecem em momentosdistintos, e que os circuitos neurais têmdiferentes trajetórias durante o desenvolvimentono que concerne ao volume demassa cinzenta (onde estão os corposcelulares <strong>dos</strong> neurônios e astrócitos) e abranca (conjunto de fibras que conectamas regiões) [6].Os bilhões de células no cérebro estãoconecta<strong>dos</strong> de forma a permitir umgrande repertório de respostas comportamentais,desde a execução de padrõesbásicos de movimento até na elaboradatarefa de improvisar um longo discurso.Para que os circuitos cerebrais controlemessa diversidade de respostas, foramnecessárias a proliferação e a diferenciaçãode progenitores no embrião emuma diversidade de neurônios, célulasgliais e outros tipos, e que atingissem oslocais corretos. No pico da embriogênese,estima-se que cerca de 250 mil neurôniossão gera<strong>dos</strong> por minuto [19] – processocontrolado por fatores que se difundem


32Neurociênciasao longo do tubo neural e que ativam genesresponsáveis por diversas proteínas,que regulam a produção da neurogênese.Se a produção <strong>dos</strong> neurônios sofrer umainterferência nessa fase da ação de drogas(canabinóides ou do álcool), de toxinasambientais (como o metil-mercúrio),ou ainda de um particular defeito genético,pode ocorrer a formação incorreta daestrutura do sistema nervoso. Hoje é aceitaa ideia que os circuitos cerebrais setransformam através de uma combinaçãode influências genéticas e ambientais, eque o ambiente e a genética contribuempara a construção cerebral. Os primeiroseventos no desenvolvimento cerebral (noembrião) são grandemente dependentes<strong>dos</strong> genes, seus produtos, e do milieu noqual isso ocorre. Em resumo, a interaçãoentre a genética e o ambiente conectandoas sinapses mostra-se necessária para aformação <strong>dos</strong> substratos neurais necessáriospara a riqueza do comportamentohumano [2].LTP, Hebb e memóriaO fenômeno de LTP (potencializaçãode longo termo) foi descrito na década de1970 como uma forma de plasticidadeencontrada nos circuitos hipocampais[21]. Estímulos tetânicos (de alta frequência)quando apresenta<strong>dos</strong> a umavia pré-sináptica provocam o aumentoda resposta da região pós-sináptica, emtermos de incremento <strong>dos</strong> potenciais excitatóriospós-sinápticos (PEPS), de formasincrônica e numa escala temporal quepode ultrapassar segun<strong>dos</strong> e minutos,chegando a horas, ou mesmo a dias ousemanas. Esse modelo de resposta foilogo reconhecido como sendo adequadopara explicar o processo de memória,algo que foi postulado inicialmente pelopsicólogo canadense Donald Hebb. Essassinapses hoje são conhecidas comohebbianas, e as regras hebbianas sãoaplicadas a modelos de aprendizagem noneocórtex e em estruturas plásticas [22].Estu<strong>dos</strong> recentes mostram que as espinhasdendríticas (em média, com cercade 0,5-2 µm de comprimento, chegandoa 6 µm na região CA3 do hipocampo)são muito dinâmicas, heterogêneas emforma e estrutura, e modificadas por experiênciae por atividade (alvo de LTP), eque poderia ser o substrato morfológicoda plasticidade sináptica. Um neurôniomaduro apresenta de 1–10 espinhas/µm num dendrito, sendo esse o local dechegada das informações excitatórias noSNC. Embora o imageamento dessas estruturasmostrando a motilidade evidencieo possível impacto funcional no neocórtexe no hipocampo em neurônios vivos, osiginificado da plasticidade das espinhasainda é um assunto polêmico [23].Plasticidade via novos neurônios nocérebro adultoUm importante paradigma estabelecidohá quase um século, e tido como dogmaaté recentemente, dizia que “o númerode neurônios no cérebro é determinadodurante o desenvolvimento embrionário, eque durante a vida pós-natal, o cérebro éincapaz de gerar novos neurônios” [24].Entretanto, algumas observações iniciaisquestionaram este paradigma na décadade 1960, e revelaram uma capacidadeaté então desconhecida no cérebro devertebra<strong>dos</strong> adultos: a geração de novosneurônios (neurogênese). Sidman et al.[25] desenvolveram a técnica da incorporaçãode timidina tritiada, que ao serincorporada ao DNA durante sua síntese,revela células que foram geradas após


Neurociências 33sua administração. Esta técnica sugeriu ageração de novos neurônios, e destacouuma importante área cerebral pela sua capacidadeneurogênica: o hipocampo [26].Nas décadas seguintes, estabeleceu-seque novos neurônios recebem aferênciassinápticas e estendem prolongamentos[27].Estu<strong>dos</strong> em pássaros canoros foramfundamentais para a implicação funcionalda neurogênese adulta. Canários precisamaprender novas canções e paraisso, novos neurônios são gera<strong>dos</strong> eadiciona<strong>dos</strong> aos “centros vocais” dessespássaros a cada ano. A geração dessesnovos neurônios parece acompanharflutuações hormonais e expressão defatores de crescimento que ocorrem deforma sazonal [28].A neurogênese adulta foi inicialmentevista como um fenômeno exclusivo de animaisevolutivamente menos complexos,excluindo, dessa forma, os primatas [29].Entretanto, a partir <strong>dos</strong> anos 90, váriostrabalhos identificaram nichos neurogênicosno cérebro de mamíferos superiores,incluindo o homem [30-31], participandode processos cognitivos como na memóriae no aprendizado [32-34]. Atualmente,a capacidade neurogênica é uma dasformas de plasticidade celular, associadaa diversas linhas de pesquisa que procuramidentificar as bases, as funçõese as implicações da geração de novosneurônios no cérebro adulto.Circuitos neurais nos nichosneurogênicosOs nichos neurogênicos apresentamcondições específicas para a geração denovas células, como a sua composiçãocelular e a presença de um ambiente favorávelcontendo fatores essenciais para odesencadeamento desse processo. Duasregiões do cérebro se destacam onde aneurogênese é amplamente reconhecida:a zona subventricular (ZSV), situada nasparedes <strong>dos</strong> ventrículos laterais e a zonasubgranular (ZSG) do giro denteado dohipocampo (figura 1). Os novos neurôniosgera<strong>dos</strong> na ZSV migram através de umarota precisa, a rota migratória rostral(RMS) e se estabelecem no bulbo olfatório,onde continuadamente substitueminterneurônios locais [35]. Os neurôniosimaturos gera<strong>dos</strong> no hipocampo adulto,especificamente na zona subgranular(SVZ) do giro denteado, migram para ointerior da zona granular onde se estabeleceme emitem/recebem contatossinápticos [36] (figura 1). Os progenitoresencontra<strong>dos</strong> em ambos os nichos neurogênicostêm natureza astroglial [37].Neurogênese na zona subventricularA presença de células proliferativasna ZSV tem sido estudada há bastantetempo e demonstrada em vários vertebra<strong>dos</strong>.Tais células têm característicasastrocitárias, sendo conhecidas como“astrócitos da zona subventricular”. Defato, tais células expressam marcadoresde células astrogliais, como GFAP, GLASTe outros [38-39]. Essas células-tronco daZSV são conhecidas como “células B”. Ascélulas B dão origem a uma populaçãode células altamente proliferativas: osprecursores intermediários (PI) conheci<strong>dos</strong>como células C. As células C têmimportante papel como amplificadorasdo potencial proliferativo do nicho neurogênico.Os precursores intermediáriosdão origem aos neuroblastos (células A).As células A migram em cadeia para obulbo olfatório onde se diferenciam eminterneurônios GABAérgicos (inibitórios)


34Neurociênciase se integram a circuitos previamenteestabeleci<strong>dos</strong> (figura 1) [40-41].Da<strong>dos</strong> recentes mostram que na ZSVocorre geração de neurônios glutamatérgicos(excitatórios), e não apenas interneurôniosinibitórios do bulbo olfatório durantea fase adulta [42]. Explantes de ZSVpós-natal e adulta dão origem a neurôniosglutamatérgicos quando coloca<strong>dos</strong> emcontato com a zona ventricular embrionária[43], evidenciando maior plasticidade dessaregião em relação ao fenótipo neuronalgerado. Experimentos de imageamentorevelaram ainda que células provenientesda ZSV, até a primeira semana pós-natal,apresentam migração para regiões docérebro como o córtex, estriado e núcleoacumbens, onde se diferenciam em interneurôniosGABAérgicos [44]. Essa migraçãono animal adulto pode ter implicaçõesimportantes, pois tem sido mostrado queapós lesões cerebrais, neuroblastos podemser direciona<strong>dos</strong> para os locais delesão. Esse processo poderia ocorrer apósisquemia estriatal e cortical, assim comoem modelos animais de Parkinson e nadoença de Huntington [45-48]. Visando aplasticidade de circuitos cerebrais, progenitoresda ZSV são considera<strong>dos</strong> fonte decélulas reparadoras, capazes de substituircélulas de regiões afetadas por lesões[49]. Existe ainda uma grande expectativaem relação aos mecanismos celulares emoleculares do controle da neurogênese,face ao contínuo envelhecimento da populaçãomundial e da incidência crescentede doenças neurodegenerativas, quepermitiriam novas estratégias para tratardéficits cognitivos.Em busca de compostos pró-cognitivosExiste uma família de compostospró-cognitivos chamada de ampacinas,capazes de estabilizar os receptoresglutamatérgicos do tipo AMPA no seuestado aberto, potencializando a respostasináptica excitatória [51]. Esse compostomelhora o desempenho em diversosmodelos em animais com privação desono [51] e em testes de memória emhumanos i<strong>dos</strong>os [52], além de reduzir ossintomas em modelos de Parkinson [53],esquizofrenia e em lesões isquêmicas[51]. Sabendo que as células na ZSV deanimais adultos apresentam receptoresglutamatérgicos funcionais do tipo NMDAe AMPA e que o neurotransmissor glutamatoregula eventos de diferenciação eproliferação na ZSV [39,54], o uso deampacinas poderia modular o processode neurogenêse nessa região. Resulta<strong>dos</strong>do nosso grupo mostram que a ampacinaCX 546 aumenta o número de neurôniosfuncionais em culturas de células derivadada SVZ [55].Diversos marcadores permitem aidentificação e o acompanhamento dascélulas desde o nicho neurogênico (ZSV)até o seu destino final (bulbo olfatório).Enquanto as células progenitoras expressammarcadores tipicamente gliais comoa proteína acídica fibrila ácida (GFAP),os neuroblastos expressam a moléculade adesão neural associada ao ácidopoli-siálico (PSA-NCAM) e a proteína doublecortina(DCX). Após a integração nacircuitaria do bulbo olfatório (na camadade células granulares ou na camadaperiglomerular), as células expressamreceptores glutamatérgicos <strong>dos</strong> tiposAMPA e NMDA. Vale ressaltar que desdeo estágio proliferativo até a integraçãosináptica, os novos neurônios expressamreceptores de GABA [36].Vários fatores regulam as etapas daneurogênese na ZSV. Durante o estágioproliferativo, a neurogênese é regulada


Neurociências 35por sinalização via ativação de receptoresde serotonina, dopamina e acetilcolina.Diversas moléculas como hormônio tireoidiano,prolactina, polipeptídeo de ativaçãoda adenil ciclase pituitária (PACAP),além de fatores de crescimento como ofator de crescimento epidérmico (EGF), fatorde crescimento de fibroblastos (FGF),fator neurotrófico derivado de gângliociliar (CNTF) e fator neurotrófico derivadode cérebro (BDNF), entre outros, tambématuam modulando a neurogênese na ZSV.Durante a migração na rota migratória rostrale no bulbo olfatório, a própria migraçãoe diferenciação celular é regulada viasinalização GABAérgica e interação comcomponentes do microambiente, comoPSA-NCAM, efrinas e neuroregulinas. Asobrevivência e a integração <strong>dos</strong> novosneurônios no bulbo olfatório podem serafetadas ainda pela ação da acetilcolina,e de fatores ambientais como atividadesensorial, e a exposição do animal a novosodores [revisado em 56].A integração contínua de novos neurôniosno bulbo olfatório parece ter papelimportante na plasticidade da discriminaçãode novos odores. Em um estudorealizado com animais com expressãodeficiente da proteína NCAM (necessáriapara a migração celular), foi demonstradoque o número de interneurônios no bulboolfatório foi drasticamente reduzido e queo animal apresentava dificuldades emdiscriminar odores semelhantes [57].Este estudo sugere que a neurogênesena ZSV adulta pode ser importante paraa função olfativa.Neurogênese no hipocampo adultoO giro denteado do hipocampo éuma das duas regiões cerebrais onde aneurogênese é largamente verificada numcérebro adulto e as etapas que seguem ageração desses novos neurônios são bemconhecidas. Milhares de novos neurôniossão diariamente gera<strong>dos</strong> no hipocampode ratos adultos [58]. No giro denteado,novos neurônios são origina<strong>dos</strong> a partirde progenitores ou precursores localiza<strong>dos</strong>na própria estrutura. As célulasprogenitoras hipocampais têm característicasastrocitárias e são concentradasna chamada “camada de células granulares”.A camada de células granularesfica localizada entre o hilus e a camadamolecular, sendo o sítio neurogênico encontradoespecificamente, na camada decélulas subgranulares, região adjacenteao hilus (Figura 1).No sítio neurogênico, mais especificamentena zona subgranular, três tipos decélulas podem ser identifica<strong>dos</strong>: célulasB, células D e células G. As células B sãoastrócitos que são fortemente marca<strong>dos</strong>com anticorpos anti-GFAP. Tais astrócitosemitem prolongamentos radiais para ointerior da camada de células granulares.As células B sofrem mitose e podemgerar novas células B ou células D. Ascélulas D são amplificadoras e proliferamrapidamente, gerando novas células Dque amadurecem e dão origem a novosneurônios granulares. As células G sãoneurônios granulares maduros (figura 1)[59].Os neurônios imaturos (células D)estendem um prolongamento apical emdireção a camada molecular, ao mesmotempo em que migram para o interiorda camada de células granulares. Alémdisso, estendem axônios em direção aosneurônios piramidais de CA3 [36]. As célulasque não são integradas aos circuitossão eliminadas por apoptose. A maiorparte da morte celular parece ocorrerquando as células saem do ciclo celular


36NeurociênciasFigura 1 - Os nichos neurogênicos são representa<strong>dos</strong> pela zona subventricular (ZSV)localizada nas paredes <strong>dos</strong> ventrículos laterais e pela zona subgranular (SVZ) do girodenteado no hipocampo. A presença de células proliferativas na ZSV tem sido demonstradaem vários vertebra<strong>dos</strong>, com células que mantêm capacidade proliferativa durantea vida adulta. A geração <strong>dos</strong> novos neurônios depende de um ambiente favorável contendofatores essenciais para o desencadeamento desse processo. Os novos neurôniosgera<strong>dos</strong> na ZSV migram através de uma rota precisa, a rota migratória rostral e se estabelecemno bulbo olfatório, onde continuadamente substituem interneurônios locais.Os neurônios imaturos gera<strong>dos</strong> no hipocampo adulto, especificamente na zona subgranularmigram para o interior da zona granular onde se estabelecem e emitem/recebemcontatos sinápticos. Os progenitores encontra<strong>dos</strong> em ambos os nichos neurogênicostêm natureza astroglial.e se tornam pós-mitóticas, expressandoambos os marcadores DCX e calretinina.Acredita-se que o processo de eliminaçãodas células não integradas aos circuitosseja constitutivo e balanceado por fatorespromotores da sobrevivência celular [60].A funcionalidade da neurogênese hipocampaladulta ainda é um assunto bastantecontroverso. Haveria uma razão paraa geração de milhares de neurônios pordia? Esses novos neurônios substituiriamoutros que porventura morreram duranteo desenvolvimento? Ou mesmo aquelesque morreram durante a vida adulta? Defato, Gould e colaboradores mostraram[61] uma substancial morte de neurôniosna camada de células granulares,especialmente entre os novos neurônios


Neurociências 37nos cérebros de roedores e primatas emsituação controlada. Entretanto, sabe-seque fatores ambientais são responsáveispor aumentar o potencial neurogênicodo hipocampo e a sobrevivência dessesnovos neurônios [33]. Com base em taisfatos, uma importante questão pode serlevantada: seriam as condições experimentais<strong>dos</strong> trabalhos em laboratório(ausência de estímulos) a razão da morte<strong>dos</strong> neurônios recentemente gera<strong>dos</strong>?Será que os animais vivendo em seushabitats naturais apresentariam o mesmobalanço entre geração e morte de novascélulas hipocampais?A neurogênese hipocampal pareceestar diretamente envolvida emprocessos cognitivos de memória eaprendizagem. Sabe-se que fatores queaumentam a neurogênese no hipocampotêm importante impacto em tarefas mnemônicas,avaliadas no teste do labirintoaquático de Morris [33]. É interessantenotar que o próprio aprendizado tem efeitopró-neurogênico [31]. Além do aprendizadoem si, a permanência do animal emum ambiente enriquecido promove maisoportunidades de aprendizado do que umambiente padrão.Fatores intrínsecos e neurogêneseDentre os fatores intrínsecos queregulam a neurogênese hipocampaldestacam-se a via de sinalização desencadeadapelos fatores Wnt, Notch,a proteina morfogênea óssea (BMP) eSonic hedgehog (Shh). A superexpressãode Wnt3 aumenta a neurogêneseno hipocampo enquanto o seu bloqueiodiminui esse processo [62]. Para umamelhor compreensão desses fatores envolvi<strong>dos</strong>com a neurogênese, destaca-seo papel de Notch cuja superexpressãodo fator Notch1 ativado, aumenta a proliferaçãodas células hipocampais e amanutenção da expressão de GFAP pelascélulas progenitoras [63]. As BMPs sãomoléculas extracelulares que geralmenteantagonizam a neurogênese [64]. Noggina,que inibe as proteínas BMP, aumentaos níveis de neurogênese [64].Shh é uma molécula solúvel que atuano desenvolvimento do sistema nervosoe a sinalização mediada por Shh exerceimportantes funções na expansão e noestabelecimento <strong>dos</strong> progenitores pós--natais do hipocampo [65].Outros reguladores relevantes daneurogênese são o estresse e o exercíciofísico. Estresse é um <strong>dos</strong> mais potentesinibidores da neurogênese hipocampal esua ação foi demonstrada em várias espéciesde mamíferos [66]. O efeito deletériodo estresse na proliferação celular foievidenciado por diferentes paradigmas,como por subordinação ou provocado porinvasão de um intruso [67], choque, odorde predadores [68] entre outros [60].A duração do estímulo não parece serrelevante nos diferentes protocolos deestresse, já que tanto o paradigma agudoquanto o crônico diminuem a proliferaçãocelular no hipocampo [66].A neurogênese hipocampal é bastantesensível ao aumento <strong>dos</strong> níveis decorticóides [66], isto é, tais hormônios regulamnegativamente a neurogênese. Umestudo recente mostrou que a ablaçãoda neurogênese hipocampal modulou astaxas de glicocorticóides após um estressemoderado, mantendo as taxas dessehormônio altas após o evento estressor[69]. Existem inúmeras evidências recentesmostrando que o exercício físico alémde beneficiar a saúde <strong>dos</strong> indivíduos,melhora o desempenho cognitivo e outrasfunções cerebrais [70]. Em roedores, a


38Neurociênciascorrida voluntária aumenta a proliferação<strong>dos</strong> progenitores neurais da zona subgranulardo giro dentado em animais jovense envelheci<strong>dos</strong> [34]. Além disso, a corridavoluntária aumenta a magnitude da LTPno giro dentado e aumenta o desempenhono labirinto aquático de Morris [34].Perspectivas futurasInúmeros modelos de plasticidadesináptica são observa<strong>dos</strong> em diversoscircuitos cerebrais, como no hipocampo,no córtex, nos sistemas límbicos, e emestruturas subcorticais, com a participaçãode várias moléculas e processoscelulares. O rápido envelhecimento dapopulação humana e o aumento na incidênciade demências têm preocupadoa to<strong>dos</strong> na busca por mecanismos quepreservem as habilidades cognitivas <strong>dos</strong>animais. Existe uma relação entre a cogniçãomanifestada por mamíferos e primatassuperiores e a complexidade <strong>dos</strong>terminais pré- e pós-sinápticos presentesnas redes neurogliais. A modificação datransmissão da informação no cérebroconta com a participação de diversasmoléculas interferindo em processosde fortalecimento e enfraquecimento daeficácia sináptica. A neurogênese adulta,vista inicialmente como um fenômenoem animais evolutivamente menos complexos,hoje é tida como processo chavena elaboração de novos circuitos nosnichos neurogênicos no cérebro de mamíferossuperiores, incluindo o homem.Atualmente, a capacidade neurogênica éuma das formas de plasticidade celular,associada a diversas linhas de pesquisaque procuram identificar as bases, asfunções e as implicações da geração denovos neurônios no cérebro adulto.AgradecimentosApoio financeiro do INNT-INCT, CNPq,CAPES e FAPERJ.Referências1. Quartz SR, Sejnowski, TJ. The neuralbasis of cognitive development: Aconstrutivist manifesto. Behav Brain Sci1997;20:537-96.2. LeDoux J. Synaptic self: How our brainsbecome who we are. New York: Viking;20023. Oliva AD, Dias GP, Reis RAM. Plasticidadesináptica: natureza e cultura moldandoo self. Psicologia: Reflexão e Crítica2009;22:128-35.4. Lui JH, Hansen DV, Kriegstein AR.Development and evolution of the humanneocortex. Cell 2011;146:19-36.5. Herculano-Houzel S. The human brain innumbers: a linearly scaled-up primatebrain. Front Hum Neurosci 2009;3:31.6. Giedd JN, Rapoport JL. Structural MRI ofpediatric brain development: what havewe learned and where are we going?Neuron 2010;67:728-34.7. S h e n g M , H o o g e n r a a d C C . T h epostsynaptic architecture of excitatorysynapses: a more quantitative view.Annu Rev Biochem 2007;76:823-47.8. McBrearty S, Brooks AS. The revolutionthat wasn’t: a new interpretation of theorigin of modern human behavior. J HumEvol 2000;39:453-563.9. Enard W, Gehre S, HammerschmidtK, Hölter SM, Blass T, Somel M et al.A humanized version of Foxp2 affectscortico-basal ganglia circuits in mice. Cell2009;137:961-71.10. Enard W. FOXP2 and the role of corticobasalganglia circuits in speech andlanguage evolution. Curr Opin Neurobiol2011;21:415-24.


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42NeurociênciasPerspectivaA distinção entre o próprio e o nãopróprio pelo sistema immune adaptativoMaristela O Hernandez*, Jorge Kalil**ResumoA distinção entre o próprio e o não próprio é essencial à sobrevivência de to<strong>dos</strong> os organismos. O sistemaimune inato é encontrado em to<strong>dos</strong> os seres vivos. Nos vertebra<strong>dos</strong> também é encontrado um sistemabem mais complexo, o sistema imune adaptativo. Os linfócitos, as células responsáveis pela imunidadeadaptativa, precisam ser seleciona<strong>dos</strong> já que eles irão fazer a distinção entre o próprio e o não próprio.Neste breve artigo iremos discutir o processo de seleção <strong>dos</strong> linfócitos e também alguns mecanismospara a manutenção homeostática deste sistema. Já sabemos que falhas na resposta imune adaptativalevam às doenças. Precisamos agora identificar maneiras de controlar a resposta imune específica.Assim poderemos contribuir para melhorar o tratamento de doenças autoimunes, onde ocorre ativaçãoexacerbada contra autoantígenos. Ao mesmo tempo poderemos favorecer uma melhor resposta imuneem doenças onde o sistema imune é reprimido, como câncer.*Pesquisadora Científica do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração – InCor, FMUSP, SãoPaulo, **Professor Titular de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo – FMUSP, São Paulo (SP), Brasil, Diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração– INCOR, São Paulo (SP), Coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia (III), INCT – MCT,Diretor do Instituto Butantan, São PauloCorrespondência: Prof. Dr. Jorge Kalil, Av. Dr Eneas de Carvalho Aguiar, 44 bloco II 9 andar São Paulo SP,Tel: (11) 2661-5900, e-mail: jkalil@usp.br


Neurociências 43To<strong>dos</strong> os organismos, de bactériasaté vertebra<strong>dos</strong> possuem sistemas quepermitem discriminar o próprio do nãopróprio e to<strong>dos</strong> possuem mecanismosde defesa contra o não próprio. Este sistemade imunidade inata, em geral, estábaseado na utilização de receptores geneticamentecodifica<strong>dos</strong>, que reconhecemmoléculas comuns a muitos patógenos, epossibilita uma resposta imune imediata.Um sistema imune bem mais complexoé encontrado em vertebra<strong>dos</strong>. Além daimunidade inata, os vertebra<strong>dos</strong> tambémcontam com o sistema imune adaptativo(Figura 1). As células, chamadas de linfócitosT e B, montam receptores antigênicoscapazes de reconhecer antígenosespecíficos através da recombinaçãoaleatória de genes. Uma vantagem importanteé que este sistema é capaz dememória, guardando a informação parafazer uma resposta imune mais rápidafrente ao mesmo antígeno no futuro [1-3].Figura 1 – Esquema ilustrativo da evoluçãodo sistema imune indicando a presençada imunidade adaptativa somenteem vertebra<strong>dos</strong>.Enquanto os receptores da imunidadeinata reconhecem especialmentemoléculas não próprias, o sistema imuneadaptativo precisa aprender a fazer estadistinção. A habilidade de discriminar opróprio e o não próprio é feita inicialmentenos órgãos linfóides primários, sendochamada de tolerância central [4]. Notimo, para os linfócitos T, e na medulaóssea, para os linfócitos B, ocorre aeliminação das células que reconhecemantígenos próprios com alta afinidade.O receptor de antígenos encontrado noslinfócitos T é chamado de TCR e aqueleencontrado nos linfócitos B é o BCR.O processo de seleção <strong>dos</strong> linfócitosutiliza inicialmente somente antígenospróprios e ele é dividido em duas etapas.Inicialmente ocorre seleção positiva –somente células que expressam umreceptor antigênico funcional recebemsinal para sobrevivência. Em sequênciaocorre a seleção negativa – morte <strong>dos</strong>clones que apresentam alta afinidade porantígenos próprios (Figura 2). A apresentação<strong>dos</strong> antígenos é feita por célulasespecializadas, entre elas as célulasdendríticas, os macrófagos e as célulasepiteliais do timo, chamadas coletivamentede APC (Antigen Presenting Cell). AsAPC associam os antígenos a moléculasdo complexo MHC (Major HistocompatibityComplex) e este complexo é entãoreconhecido pelos linfócitos (Figura 3) [5].Assim, através da interação com as APC,os linfócitos são capazes de reconhecersimultaneamente células próprias já queelas identificam as moléculas MHC eainda identificam o antígeno que estásendo exposto.Figura 2 – Durante o processo de seleçãoclonal, os linfócitos cujo TCR nãoreconhece as moléculas do MHC sãoelimina<strong>dos</strong>, sofrem processo de mortee sua diferenciação não segue a diante


44Neurociências(Negligência). As células que apresentamum TCR funcional, mas com alta afinidadepor antígenos próprios sofrem processode seleção negativa, também porindução de morte celular. Já os linfócitoscom TCR funcional, mas com afinidadeintermediária por antígenos próprios sãoseleciona<strong>dos</strong> positivamente e após o<strong>completo</strong> processo de seleção e maturaçãoeles seguirão para a periferia.Figura 3 – Esquema representativo dainteração entre uma célula apresentadorade antígenos e um linfócito T. O receptorantigênico <strong>dos</strong> linfócitos T, o TCR,somente reconhece antígenos associa<strong>dos</strong>a moléculas de MHC presente nascélulas apresentadoras. Este complexo,associado a outras proteínas, é chamadode sinapse imunológica.A interação entre a célula apresentadorade antígeno e o linfócito é essencialpara o desenvolvimento da resposta imunológica.O sítio onde ocorre este contatoentre as células é chamado de sinapseimunológica. As sinapses imunológicassão formadas, como resultado da firmeligação entre o receptor de células T eo complexo péptido-MHC presente namembrana da APC [6,7]. Neste sítio deinteração entre as células encontramosproteínas do citoesqueleto e moléculasde adesão, responsáveis por manter umfirme contato entre as duas células. Nestecomplexo também são encontradas asproteínas responsáveis pela chamadatransdução do sinal, cascata de ativaçãodas proteínas que tornarão o linfócitoativado. Assim, a formação da sinapseimunológica é vital então para o reconhecimentodo antígeno, para a manutençãoda estabilidade da interação entre ascélulas e ainda para ocorrer a própriaativação <strong>dos</strong> linfócitos. Este agrupamentode toda a m<strong>aqui</strong>naria responsável pelaativação <strong>dos</strong> linfócitos se correlacionacom uma resposta imune eficiente capazde gerar linfócitos T efetores e de memória[6,7]. Embora tenhamos mencionadoa formação da sinapse imunológica emlinfócitos T ela também é observada emlinfócitos B.A “rota” para o processo de seleçãoe ativação seguida pelos linfócitos Tpode ser resumida da seguinte maneira:as células precursoras saem da medulaóssea e entram no timo através <strong>dos</strong>vasos sanguíneos. Estas células devementão montar um receptor TCR funcionalatravés de um processo de recombinaçãogênica. A partir daí começam a interagircom as células epiteliais do córtex tímico.As células cujo TCR funcional, capaz dereconhecer MHC das APC com afinidade


Neurociências 45intermediária pelos antígenos próprios,são selecionadas positivamente, se diferenciamem linfócitos CD4+ ou CD8+e migram para a medula tímica ondeinteragem com as células dendríticas oucom as células epiteliais. Na medula ascélulas que reconhecem antígenos próprioscom alta afinidade sofrem processode morte induzida [8]. Os linfócitos queconseguem passar por todo este processoseguem para a periferia. O processo dediferenciação <strong>dos</strong> linfócitos B é bastantesemelhante. No entanto o processo derearranjo é feito na medula óssea [9].Na periferia estes linfócitos podementão encontrar um antígeno que ligueao seu receptor. Quando ocorre a ligaçãoreceptor-antígeno os linfócitos se tornamativa<strong>dos</strong>, proliferam, possibilitando umaresposta específica para o antígenoalvo. Alguns <strong>dos</strong> linfócitos ativa<strong>dos</strong> vãose diferenciar em linfócitos de memória,são estas as células que induzirão umaresposta rápida se o mesmo antígeno forencontrado no futuro [10].Apesar do processo de seleçãomuitos linfócitos autorreativos vão paraa periferia. Em muitos casos esses linfócitosinduzem doenças autoimunes [11],como o lupus e a esclerose múltipla. Paraevitar tamanho problema o sistema imuneconta ainda com mecanismos adicionaisde controle de ativação (Figura 4).Figura 4 – O reconhecimento de umantígeno pelo TCR pode induzir diferentestipos de resposta imune. Após processode seleção <strong>dos</strong> linfócitos T no timo (oulinfócitos B, na medula óssea), os linfócitosseguem para a periferia. Os linfócitosque reconhecem moléculas não próprias,ao encontrarem seu antígeno específico,se tornam linfócitos efetores e dãoorigem à resposta imune adaptativa.Durante este processo também ocorrea formação de linfócitos de memória.Quando ocorre o reconhecimento de umantígeno próprio, o sistema imune contacom mecanismos de indução de tolerânciaperiférica, onde ocorre a morteou a anergia do linfócito autorreativo.O reconhecimento do antígeno própriosem a indução de tolerância induz odesenvolvimento de doenças autoimunes.Linfócitos T que reconhecem antígenosnão próprios podem favorecer odesenvolvimento de doença autoimunedevido à semelhança molecular entre oantígeno não próprio (de um patógeno,por exemplo) e um antígeno próprio, porreatividade cruzada.Um deles é a tolerância periférica. Emgeral a seleção negativa elimina os clonescom alta afinidade por antígenos próprios,então os mecanismos de tolerância periféricatêm que lidar com receptores deafinidade media por antígenos próprios. Ascélulas apresentadoras de antígeno, emespecial as células dendríticas (DC), têmpapel crucial na manutenção da tolerânciaperiférica. Na presença de patógenos, porexemplo, as DC aumentam a expressão demoléculas co-estimulatórias e do MHC e setornam imunogênicas (Figura 4). Estas DCinduzem/ativam os linfócitos a secretaremfatores de crescimento autocrinos, comoa interleucina-2 favorecendo a proliferação


46Neurociências<strong>dos</strong> linfócitos. É possível então montaruma resposta immune eficaz [12]. Poroutro lado, DC que apresentam antígenospróprios secretam fatores envolvi<strong>dos</strong> coma indução de anergia nos linfócitos. A anergiaé um estado de hiporreatividade <strong>dos</strong>linfócitos, estes não se tornam ativa<strong>dos</strong>após o encontro com um antígeno (Figura4), possivelmente devido à intereção comCTLA4 ou PD1 (Cytotoxic T-Lymphocyte--Associated Antigen 4 e ProgrammedCell Death, respectivamente). CTLA-4 énecessário para a indução do processoanérgico. O PD-1 é essencial para manteros linfócitos no estado de não resposta,em parte inibindo a interação estável entreos linfócitos e as células apresentadorasde antígeno [12,13]. Além da anergia, linfócitosautorreativos podem ser leva<strong>dos</strong> àmorte por apoptose através <strong>dos</strong> chama<strong>dos</strong>receptores de morte, como o Fas.Os linfócitos autorreativos podemtambém ser controla<strong>dos</strong> na periferia poroutros linfócitos T, os chama<strong>dos</strong> linfócitosreguladores (Treg) naturais. Estas célulastambém sofrem processo de maturaçãono timo conforme descrito anteriormente.No entanto, por um mecanismo aindapouco conhecido algumas destas célulascomeçam a expressar uma proteínachamada FoxP3. Estes linfócitos quandomigram para a periferia têm capacidadede inibir a ativação e proliferação de outroslinfócitos [14].Assim observamos que o sistemaimune além de aprender a distinguir opróprio do não próprio, selecionando negativamentegrande parte <strong>dos</strong> linfócitosautorreativos também conta com mecanismospara limitar a atividade de célulasna periferia.Um fato bem interessante é que osistema imune às vezes pode ser induzidoa erro. Um fenômeno curioso é o mimetismomolécular. O mimetismo molécularé a semelhança estrutural, funcional ouimunológica entre macromoléculas encontradasem patógenos e em teci<strong>dos</strong>do hospedeiro. Esta semelhança entremoléculas pode ser determinante para odesencadeamento de doenças autoimunes[15]. A resposta imune observadadurante uma infecção podem induzirrespostas autoimunes que atacam edestroem teci<strong>dos</strong> e órgãos do corpo, oestado de tolerância é quebrado e umaresposta imune deletéria é observadacontra autoantígenos. Assim, a semelhançamolecular de um autoantígenocom um antígeno de um patógeno podefavorecer a doença autoimune devido auma reatividade cruzada (Figura 4).Resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> em nosso laboratórioconfirmaram a reatividade cruzadaentre patógenos e moléculas do tecidocardíaco [16]. O mimetismo molecularentre antígenos do Streptococcus pyogenese a miosina cardíaca tem sido consideradocomo um mecanismo que leva areações autoimunes na febre reumática ena doença reumática do coração [17]. Emnosso laboratório avaliamos em ensaiode proliferação a resposta das células Tobtidas de lesões contra a cadeia leve dameromiosina, peptídeos estreptocócicosM5 e proteínas derivadas de válvula mitral.Vários clones intralesionais de célulasT apresentaram reatividade cruzadaentre os diferentes estímulos. O alinhamentoda meromiosina e de peptídeosda proteína M estreptocócicas mostrouhomologia frequente entre substituiçõesde aminoáci<strong>dos</strong> conservadas. O altopercentual de reatividade contra miosinacardíaca reforçou assim o seu papelcomo um <strong>dos</strong> principais auto-antígenosenvolvi<strong>dos</strong> nas lesões cardíacas reumáticas[18].


Neurociências 47Outro exemplo onde o mimetismomolecular contribui para uma patologiaé a doença de Chagas [19]. A cardiomiopatiachagásica crônica é um <strong>dos</strong> poucosexemplos de autoimunidade pós-infecciosa,onde episódios de infecção com umpatógeno, o protozoário Trypanosomacruzi, claramente desencadeiam danosao tecido cardíaco. Linfócitos T CD4+infiltrantes que reconhecem a proteínaimunodominante B13 do T. cruzi obti<strong>dos</strong>de pacientes chagásicos tambémapresentam reatividade cruzada contraa miosina cardíaca humana. Os da<strong>dos</strong>atuais sugerem fortemente a importânciado mimetismo molécular entre miosinacardíaca e proteína B13 de T. cruzi napatogênese da lesão cardíaca na cardiomiopatiachagásica crônica [20].Desde que Burnet [21,22] formuloua teoria da seleção clonal muito trabalhofoi dedicado a elucidar os mecanismoque levam à montagem do repertório delinfócitos de cada indivíduo. Embora oconhecimento sobre o assunto estejaprogredindo a cada dia ainda precisamosidentificar maneiras de controlar a respostaimune específica. Assim poderemoscontribuir para melhorar o tratamento dedoenças autoimunes, onde ocorre ativaçãoexacerbada contra autoantígenos. Aomesmo tempo poderemos favorecer umamelhor resposta imune em doenças ondeo sistema imune é reprimido, como câncer.O caminho pode ainda ser longo, masos resulta<strong>dos</strong> serão recompensadores.Referências1. Müller WE, Blumbach B, Müller IM.Evolution of the innate and adaptiveimmune systems: relationships betweenpotential immune molecules in thelowest metazoan phylum (Porifera) andthose in vertebrates. Transplantation1999;15;68(9):1215-27.2. Medzhitov R, Janeway CA Jr. An ancientsystem of host defense. Curr OpinImmunol 1998;10(1):12-5.3. R a s t J P , L i t m a n G W . T o w a r d sunderstanding the evolutionary originsand early diversification of rearrangingantigen receptors. Immunol Rev 1998;166:79-86.4. Gallegos AM, Bevan MJ. Centraltolerance: good but imperfect. ImmunolRev 2006;209:290-6.5. Ludger Klein, Maria Hinterberger, GeraldWirnsberger, Bruno Kyewski. Antigenpresentation in the thymus for positiveselection and central tolerance induction.Nat Rev Immunol 2009;9:833-44.6. Alarcón B, Mestre D, Martínez-MartínN.The immunological synapse: a cause orconsequence of T-cell receptor triggering?Immunology 2011;133(4):420-5.7. Fooksman DR, Vardhana S, Vasiliver-Shamis G, Liese J, Blair DA, Waite J,Sacristán C, Victora GD, Zanin-Zhorov A,Dustin ML.Functional anatomy of T cellactivation and synapse formation. AnnuRev Immunol 2010;28:79-105.8. Owen JJ, Jenkinson EJ Apoptosis andT-cell repertoire selection in the thymus.Ann N Y Acad Sci 1992;21;663:305-10.9. Miosge LA, Goodnow CC. Genes,pathways and checkpoints in lymphocytedevelopment and homeostasis. ImmunolCell Biol 2005;83(4):318-35.10. Sprent J, Surh CD. Normal T cellhomeostasis: the conversion of naivecells into memory-phenotype cells. NatImmunol 2011;12(6):478-84.11. Siegel RM, Katsumata M, Komori S,Wadsworth S, Gill-Morse L, Jerrold-Jones S, Bhandoola A, Greene MI, YuiK. Mechanisms of autoimmunity in thecontext of T-cell tolerance: insights fromnatural and transgenic animal modelsystems. Immunol Rev 1990;118:165-92.


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Neurociências 49PerspectivaO mestre <strong>dos</strong> sonhos à casa torna:revisitando FreudThe dream master returns home: revisiting FreudSidarta RibeiroResumoSigmund Freud construiu uma influente teoria sobre a arquitetura e funcionamento da mente, mas suaobra psicanalítica foi rejeitada pela ciência por ser considerada não-testável e portanto metafísica. Nãoobstante, os últimos anos vêm testemunhando um intenso recrudescimento do interesse pela produçãofreudiana em diversos campos de investigação neurocientífica. Neste breve artigo faço um sumário dasprincipais linhas de pesquisa desenvolvidas na confluência da neurobiologia e da psicanálise, com ênfaseno estudo da relação entre sonho, memória e o inconsciente.Palavras-chave: psicanálise, refutação, ciência.AbstractSigmund Freud built an influential theory regarding the architecture and functioning of the mind, but hispsychoanalytic work was rejected by science because it was considered to be non-testable, and thereforemetaphysical. Nevertheless, the recent years have witnessed an intense resurgence of the interest inFreudian contributions within various fields of neuroscience research. In this brief article I make a summaryof the main lines of research developed at the confluence of neurobiology and psychoanalysis, withemphasis on the study of the relationship among dream, memory and the unconscious.Key-words: psychoanalysis, refutation, science.Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do NorteCorrespondência: Sidarta Ribeiro, Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,Av. Nascimento de Castro 2155, 90560-450 Natal RN, Tel: (84) 3215-2709,E-mail: sidartaribeiro@neuro.ufrn.br


50NeurociênciasUm outro ramo muito mais significativo deinvestigação psicológica originário da psiquiatriapermanece notavelmente isolado edesconectado, embora mereça mais que qualqueroutro campo da psicologia ser chamadode científico [...] por mais que rejeitemos oedifício teórico construído por Sigmund Freude Carl Jung, [...] não pode haver dúvida de queambos foram observadores talentosos queassinalaram pela primeira vez certos fatosirrevogáveis e inalienáveis do comportamentocoletivo humano.Konrad Lorenz [1]Há 156 anos nascia na Morávia,atual República Tcheca, um <strong>dos</strong> maisambiciosos e influentes pensadores deto<strong>dos</strong> os tempos. Excelente escritor,arrojado, prolífico e criativo, SigmundFreud construiu uma ampla teoria sobrea arquitetura e funcionamento da mente,inicialmente com grandes repercussõesna biologia e medicina [2]. Fez múltiplasdescobertas seminais sobre a psicologiahumana, desenvolveu um revolucionáriométodo terapêutico, conjurou um círculoinfluente de colaboradores, cultivou discípulosfervorosos e delineou um campo deinvestigação inteiramente novo, equipadocom méto<strong>dos</strong> e terminologias próprios:a psicanálise. Em vida, Freud enfrentouferrenha oposição, até que a perseguiçãodo nazismo o levou ao exílio e à morte.Entretanto, nada conseguiu impedir queas idéias desse judeu descobridor dasexualidade infantil, pioneiro da investigaçãodo inconsciente e da escuta atentado paciente invadissem a mentalidadeocidental. Com o tempo a teoria freudianaultrapassou suas fronteiras originaisno âmbito da psiquiatria, extravasandopara as ciências humanas e as artes.A onipresença no vocabulário leigo deconceitos como “inconsciente”, “ego”,“repressão” e “complexo de Édipo“ revelaa profunda influência da teoria freudianano imaginário coletivo.Mesmo assim, não é exagero dizerque Freud “ganhou mas não levou”. Seabriu portas e janelas nas Humanidades,não encontrou morada dentro da própriaCiência. Veementemente questionadopela psiquiatria de seu tempo, Freud foirejeitado pelas gerações seguintes deneurocientistas, até tornar-se alvo dedesprezo a priori, indigno mesmo de serlido e debatido seriamente. Essa ojerizaa Freud remonta à sua descrição do fenômenoonírico como chave essencial paracompreender a psiquê, através da relaçãocom os pensamentos inconscientes, osdelírios e a transformação simbólica dasmemórias indesejadas. No início <strong>dos</strong>anos 1950 descobriu-se que os sonhoscoincidem quase sempre com uma faseespecífica do sono, marcada por movimentosrápi<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> olhos [3,4]. A existênciadesse estado cerebral conhecidocomo sono REM (acrônimo de rapid-eye--movement) foi interpretada como um golpena teoria freudiana, reduzindo o sonhoa um mero estado fisiológico de precisadefinição mas limitada transcendência[5]. Quase concomitantemente veioum segundo ataque, com a descobertae rápida disseminação terapêutica daprimeira geração de drogas capazes dedebelar surtos psicóticos sem qualquernecessidade de escutar o paciente falarsobre suas vivências [6]. Essas drogasatuam como antagonistas do neurotransmissordopamina, e seu advento pareceuretirar a psicose da nebulosa esfera <strong>dos</strong>onho para remetê-la ao mundo concretoda farmacologia. O golpe de misericórdiaem Freud foram as tentativas fracassadasde corroborar sua teoria das neuroses,segundo a qual traumas psicológicos


Neurociências 51se expressam como sintomas físicosaparentemente não relaciona<strong>dos</strong> comsuas causas, mas tratáveis pela tomadade consciência do trauma gerador. Atémesmo por sua natureza idiossincrática,a cura pela palavra permanece controvertidaaté hoje.O descrédito científico da psicanáliseteve profundas consequências. Adespeito da origem acadêmica de Freud,os círculos psicanalíticos se voltaram progressivamentepara o universo da cultura,afastando-se cada vez mais do empirismoquantitativo da biologia, química efísica. Algumas vertentes, em especial aLacaniana, se entregaram ao sectarismoreativo e ao culto à personalidade, gerandoum triunfalismo anti-científico queabdicou integralmente da pesquisa neurale teve resulta<strong>dos</strong> desastrosos para a inserçãobiomédica da psicanálise a partir<strong>dos</strong> anos 1960. O divórcio foi expressode forma cabal pelo filósofo Karl Popper,quando afirmou que a psicanálise é intrinsecamenteincapaz de produzir hipótesestestáveis. Desde então, vulgarizou-se aopinião de que Freud não construiu ciênciaalguma e sim uma coleção estapafúrdiade metáforas mitológicas, uma teoriairrefutável por meio de experimentos quenão passaria, portanto, de metafísica.Nas palavras de Popper, “a psicanáliseé simplesmente não-testável, irrefutável.Não há comportamento humano concebívelque possa contradizê-la” [7]. Assim,se é inquestionável que a teoria de Freudimpregnou a cultura ocidental, tambémé forçoso reconhecer que o fez de umaforma banalizada, massificada e pop. Nosúltimos 70 anos, Freud foi consideradotão relevante para a neurociência quantoMarx para o mercado de ações ou Darwinpara os neo-criacionistas. Parafraseandoo biólogo Alfred Kinsey, se to<strong>dos</strong> sãofreudianos, então ninguém é freudiano.Tratado ao longo do século XX comoprofeta, depravado ou charlatão, eis queneste início de milênio o velho Sigmundregressa ao centro da pesquisa neurocientífica,ressurgindo em tantas frentesdistintas de investigação que já não sepode ignorá-lo. Um <strong>dos</strong> temas freudianosmais centrais são as reminiscências davigília dentro do sonho. Tais “restos diurnos”já foram extensamente observa<strong>dos</strong>em humanos e roedores durante ambasas fases do sono, tanto a nível molecular[8-11] quanto eletrofisiológico [12-14].Sabemos hoje que a interrupção da interferênciasensorial que o sono propiciainduz uma reverberação mnemônica queé crucial para a consolidação duradourado aprendizado [15,16]. Uma traduçãoneurobiológica de conceitos clássicos dapsicanálise permite atualizar a famosaafirmação freudiana de que “o sonho éo caminho real para o inconsciente”: enquantoas memórias correspondem aos“conglomera<strong>dos</strong> de formações psíquicas”,sua totalidade, o banco <strong>completo</strong>de memórias adquiridas pelo indivíduo(e todas suas combinações possíveis),constitui “o inconsciente”.Embora apareça nas obras de Paracelsus,Spinoza, Leibniz, Schelling,Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche,William James e Dostoievski, foi apenasa partir de Freud que o inconscientepassou a ocupar um lugar dominante naPsicologia. Nesse sentido, dois conceitosestritamente associa<strong>dos</strong> à obra freudianasão a repressão inconsciente e a supressãoconsciente de memórias. Atravésde estu<strong>dos</strong> de ressonância magnéticafuncional, descobriu-se que a supressãode memórias indesejadas, pioneiramentedescrita por Freud, não apenas existeobjetivamente como requer uma desa-


52Neurociênciastivação de regiões cerebrais dedicadasàs memórias e emoções (hipocampo eamígdala), através da ativação de porçõesrelacionadas à intencionalidade (córtexpré-frontal) [17,18].Quanto à sexualidade infantil,escandalosa na Viena do século XIX,sabemos hoje que se trata de um componentenormal do desenvolvimento dacriança, tornando-se horrenda apenasquando abusada por adultos. O quenos conduz a uma das partes mais polêmicasda teoria freudiana, justamentea noção de que traumas psicológicospodem ocasionar sintomas comportamentaisgraves. Por décadas a ciênciapermaneceu cética a esse respeito,pois duvidava-se de que a exposiçãoprecoce a estímulos aversivos poderiamarcar uma pessoa de forma perene,sobrepujando determinações genéticas“saudáveis”. Tal opinião mudou radicalmentecom a descoberta de alteraçõeshereditárias na expressão de genes ede fenótipos celulares através de mecanismosque não envolvem alteraçõesna sequência <strong>dos</strong> nucleotídeos, massim modificações químicas do ADN capazesde afetar células germinativas eportanto se transferir para a prole. Umexemplo particularmente impactantefoi a demonstração de que a regulaçãoepigenética do receptor glucocorticóideno hipocampo humano está associadaao abuso durante a infância [19]. Nesseestudo, descobriu-se que um grupo desuicidas com histórico de abuso infantilexpressava menor quantidade de receptoresglucocorticóides no hipocampo,associada à metilação do promotor dogene que codifica tais receptores. Aoreduzir a taxa de transcrição do gene econsequentemente diminuir os níveis dereceptores, essa metilação pode havertornado os indivíduos menos tolerantesao estresse, levando-os ao suicídio.Talvez a objeção mais cáustica àpsicanálise seja a afirmação de que seuobjeto de pesquisa, o mundo das idéias,é irremediavelmente opaco à observaçãodireta. Mas até essa crítica vem sendorefutada pela pesquisa neurocientífica recente,em face <strong>dos</strong> avanços tecnológicosque permitem o estudo não-invasivo doconteúdo mental [20]. Se vivo estivesse,Freud provavelmente levaria o divã paradentro de um scanner de ressonânciamagnética. De todo modo, a rememoraçãodo trauma num con<strong>texto</strong> de estimulaçãosensorial amena, típica do settingpsicoanalítico, se assemelha bastanteao que ocorre em outras técnicas psicoterápicasvalidadas pela medicina parao tratamento do transtorno de estressepós-traumático, como a estimulaçãorepetitiva, o relaxamento, a habituaçãoao relato traumático, a reinterpretaçãocognitiva em con<strong>texto</strong> não-ameaçador,e o uso de fármacos capazes de enfraquecera memória traumática após suaevocação. Para além da questão clínica,é preciso reconhecer que a psicanálisemuitas vezes não objetiva a cura, nemtermina por si mesma. Uma de suas funçõesmais importantes é dar sentido aocomplexo conjunto de símbolos que cadaum carrega em si, servindo não necessariamentepara atingir a cura, mas para oauto-conhecimento. Se a dor é inerente àcondição humana, a psicanálise propõefazer da própria vida uma obra de arte.É chegada a hora do retorno de Freudao seio da neurociência. Para isso serápreciso dissolver os preconceitos mútuosentre psicanalistas e neurocientistas. Ospsicanalistas temem, com certa razão,que a ciência invada seus domínios deforma arrogante, prenhe de chauvinismo


Neurociências 53reducionista, com a tirania da eficáciaobjetiva, ignorante e desprovida de introspecção.Também têm receio de sair dorefúgio seguro que o isolamento provê. Aprópria tradição freudiana, historicamentefragmentada em guetos beligerantes,padece da carência de diálogo. O desenvolvimentoda teoria fundada por Freudclama por novas sínteses fundadas noempirismo biológico. Por outro lado, épremente reconhecer a importância dapsicanálise para a neurociência. Freudnão é descartável nem mera curiosidadehistórica. Ao contrário, ele nos legouum extenso programa de pesquisa, ricoem observações relevantes e hipótesestestáveis, um verdadeiro projeto parauma psicologia científica. É preciso relersua obra com os olhos do presente, testandoas idéias e reformando o edifícioherdado. A língua franca desse releituraé a investigação experimental da relaçãoentre mente e cérebro.Referências1. Lorenz K. The natural science of thehuman species: an introduction tocomparative behavioral research (theRussian manuscript). In: Cranach A,ed. 1st ed. Massachusetts: MIT Press;1996.2. Freud S. Obras completas. São Paulo:Companhia das Letras; 2010.3. Aserinsky E, Kleitman N. Regularlyoccurring periods of eye motility, andconcomitant phenomena, during sleep.Science 1953;118:273-4.4. Dement W, Kleitman N. Cyclic variationsin EEG during sleep and their relationto eye movements, body motility, anddreaming. Electroencephalogr ClinNeurophysiol 1957;Suppl 9:673-90.5. Flanagan O. Dreaming is not an adaptation.Behav Brain Sci 2000;23:936-9.6. H e a l y D . T h e c r e a t i o n o fpsychopharmacology. Massachusetts:Harvard University Press; 2004.7. Popper KR. Conjecturas e refutações.Brasília: Editora da Universidade deBrasília; 1980.8. Ribeiro S, Goyal V, Mello CV, Pavlides C.Brain gene expression during REM sleepdepends on prior waking experience.Learn Mem 1999;6:500-508.9. Ribeiro S, Mello CV, Velho T, GardnerTJ, Jarvis ED, Pavlides C. Induction ofhippocampal long-term potentiationduring waking leads to increasedextrahippocampal zif-268 expressionduring ensuing rapid-eye-movementsleep. J Neurosci 2002;22:10914-23.10. Ulloor J, Datta S. Spatio-temporalactivation of cyclic AMP responseelement-binding protein, activityregulatedcytoskeletal-associated proteinand brain-derived nerve growth factor: amechanism for pontine-wave generatoractivation-dependent two-way activeavoidancememory processing in the rat.J Neurochem 2005;95:418-28.11. Ribeiro S, Shi X, Engelhard M, Zhou Y,Zhang H, Gervasoni D, Lin SC, WadaK, Lemos NAM, Nicolelis MAL. Novelexperience induces persistent sleepdependentplasticity in the cortex butnot in the hippocampus. Front Neurosci2007;1:43-55.12. Pavlides C, Winson J. Influences ofhippocampal place cell firing in theawake state on the activity of these cellsduring subsequent sleep episodes. JNeurosci 1989;9:2907-18.13. Wilson MA, McNaughton BL. Reactivationof hippocampal ensemble memoriesduring sleep. Science 1994;265:676-9.14. Ribeiro S, Gervasoni D, Soares ES,Zhou Y, Lin SC, Pantoja J, Lavine M,Nicolelis MA. Long-lasting noveltyinducedneuronal reverberation duringslow-wave sleep in multiple forebrainareas. 2004;PLoS Biol 2:E24.


54Neurociências15. Jenkins JB, Dallenbach KM. Oblivescenceduring sleep and waking. Am J Psychol1924;35:605-12.16. Diekelmann S, Born J. The memoryfunction of sleep. Nat Rev Neurosci2010;11:114-26.17. Anderson MC, Ochsner KN, Kuhl B,Cooper J, Robertson E, Gabrieli SW,Glover GH, Gabrieli JD. Neural systemsunderlying the suppression of unwantedmemories. Science 2004;303:232-5.18. Depue BE, Curran T, Banich MT. Prefrontalregions orchestrate suppression ofemotional memories via a two-phaseprocess. Science 2007;317:215-9.19. McGowan PO, Sasaki A, D’Alessio AC,Dymov S, Labonté B, Szyf M, Turecki G,Meaney MJ. Epigenetic regulation of theglucocorticoid receptor in human brainassociates with childhood abuse. NatureNeurosci 2009;12:342-8.20. Kay KN, Naselaris T, Prenger RJ, GallantJL. Identifying natural images from humanbrain activity. Nature 2008;452:352-5.


Neurociências 55PerspectivaReconhecimento do própriopelo sistema imune inatoMarcello André BarcinskiO problema da discriminação entreo próprio e o não-próprio está indelevelmenteligado à história da imunologia.Se por um lado este conceito, na suaformulação original, aparentemente nãoresistiu à prova do tempo, por outro eleserviu, e muito bem, para a construçãoda base teórica sobre a qual repousa onosso conhecimento sobre os mecanismosde cognição pelo sistema imune devertebra<strong>dos</strong> mandibula<strong>dos</strong> [1,2].Há alguns anos, Polly Matzinger fezum interessante relato histórico e umaanálise crítica <strong>dos</strong> diferentes modelospropostos para explicar o reconhecimentoimunológico, que se seguiram à postulaçãode Burnet [3,4]. Em 1970 Bretschere Cohn [5] propuseram a necessidadede um segundo sinal para a correta eeficiente ativação específica <strong>dos</strong> linfócitosB. Segundo estes autores este sinalseria gerado por uma outra célula que nãoos linfócitos B e que foi posteriormentecaracterizada como uma célula T auxiliar(helper). A lógica de Bretscher e Cohnpara a postulação de um duplo sinal foia de que este mecanismo de cooperaçãodiminuiria as possibilidade de umaresposta auto-imune. O reconhecimentoantigênico por células B na ausência <strong>dos</strong>egundo sinal induziria a morte destelinfócito. Em 1975 Lafferty e Cunningham[6] partindo de observações oriundas datransplantologia experimental e de estu<strong>dos</strong>em doenças auto-imunes, sugeriram,que também as células T necessitam deum segundo sinal para a sua ativação.Este seria fornecido por células hojeconhecidas como células apresentadorasde antígeno (macrófagos e célulasdendríticas).É interessante notar que ambasas propostas acima descritas foramformulações hipotéticas confirmadas experimentalmentealguns anos mais tarde.A hipótese <strong>dos</strong> dois sinais de Bretschere Cohn, confirmada pela descrição dacélulas T-auxiliar (helper T-cell) como jáLaboratório de Biologia Celular, Instituto Oswaldo CruzCorrespondência: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365Manguinhos 21040-360 Rio de Janeiro RJ, Tel: (11) 2562-1368, E-mail: mabarcinski@gmail.com


56Neurociênciasdescrito acima, e a de Lafferty e Cunnighampelas observações de Jenkins eSchwartz em 1987 [7] de que macrófagosfixa<strong>dos</strong> não eram capazes de ativar célulasT específicas e que o reconhecimentoimunológico na ausência de sinais co--estimulatórios era tolerogênico [8].Os sinais co-estimulatórios foramposteriormente identifica<strong>dos</strong> como asmoléculas B7.1, B7-2, CD28, CTLA-4 eCD40 e seu ligante e introduziram umnovo nível de complexidade ao fenômenoda regulação da resposta imune [8].Uma consideração interessante é a deque enquanto a idéia de um segun<strong>dos</strong>inal de cuja gênese participa um linfócitoT, foi imediatamente aceita pelacomunidade imunológica da época; omesmo não foi verdade para a sinalizaçãovia macrófago. Uma interpretaçãopossível é a de que esta última célula,por não possuir receptores específicospara antígenos, mas, ao contrário, sercapaz de internalizar qualquer moléculaou partícula, não poderia participar deum mecanismo finamente controlado ecom alto poder discriminatório como é oreconhecimento antigênico. É importantechamar a atenção para o fato de que, apesar<strong>dos</strong> primeiros trabalhos publica<strong>dos</strong>descrevendo a apresentação de fragmentosantigênicos por macrófagos [9-12]serem da mesma época da formulação<strong>dos</strong> modelos de Bretscher e Cohn e deLafferty e Cunnigham, o aceite definitivoda noção de que macrófagos - e posteriormentetambém células dendríticas -eram capazes de apresentar fragmentosantigênicos para células T, via moléculasde histocompatibilidade, só aconteceumuitos anos mais tarde. Um verdadeirocorte epistemológico aconteceu em 1989quando Charles Janeway [13] redefiniue restringiu a noção do “não-próprio”,reconhecido pelo sistema imune, ao “não--próprio infeccioso” conseguindo assim,pelo menos aparentemente, a síntese dadicotomia do “próprio” e do “não-próprio”.Segundo Janeway, uma série de receptores,geneticamente codifica<strong>dos</strong>, expressosem macrófagos e em outras célulasdo sistema imune inato reconhecemestruturas caracteristicamente presentesem microrganismos patogênicos eausentes nos seus hospedeiros. O reconhecimentodestas moléculas confereao sistema imune a competência dedistinguir o “próprio“ do “não próprioinfeccioso” e assim iniciar uma respostainflamatória e eventualmente imunoprotetora[14].As moléculas presentes nos microrganismospatogênicos e reconhecidaspelos receptores da resposta imuneinata foram coletivamente chamadas dePAMPS (pathogen-associated molecularpatterns- padrões moleculares associa<strong>dos</strong>a patógenos) e os receptores queas reconhecem foram chama<strong>dos</strong> de PRR(pathogen recognition receptores- receptoresque reconhecem patógenos). DiferentesPAMPS caracterizam diferentesmicrorganismos patogênicos, desde vírusaté protozoários e diferentes receptoresreconhecem padrões moleculares quedefinem um conjunto de patógenos.O modelo de Janeway reviveu e impulsionouos estu<strong>dos</strong> sobre o sistema imuneinato, sedimentou o conceitos da apresentaçãode antígeno e de co-estimulaçãoe motivou a caracterização molecular efuncional <strong>dos</strong> PRR como TLRs (Toll-likereceptors) que conferiram a Hoffman eBeutler o premio Nobel de 2011.Finalmente, Polly Matzinger postulao modelo do perigo (Danger model) [15]sugerindo que as células apresentadorasde antígeno são ativadas por sinais de


Neurociências 57perigo provenientes de células e teci<strong>dos</strong>que sofreram traumas ou injurias dediferentes origens tais como infecções,venenos ou toxinas, irradiações, lesõesmecânicas e outras.A mudança conceitual gerada poreste modelo está no fato de que enquantonos modelos anteriormente propostos aqualidade e a intensidade da respostaimune eram definidas por células e sinaisdo próprio sistema, no modelo do perigoo controle é exercido por to<strong>dos</strong> as célulase teci<strong>dos</strong> de um organismo. Teci<strong>dos</strong> saudáveisgeram tolerância e teci<strong>dos</strong> lesa<strong>dos</strong>geram imunidade.Uma consequência importante domodelo foi definida quando da descriçãoda morte por apoptose em contraposiçãoà morte por necrose: a primeira era tolerogênicaenquanto que a segunda eraimunogênica. Por razões que seriam maisapropriadamente discutidas em um artigosobre história ou sociologia da ciência ahipótese de Polly Matzinger foi recebidacomo uma curiosidade inteligente ecriativa, mas que carecia de uma sólidobase experimental e assim encaradacom muito ceticismo pela comunidadeimunológica da época.A idéia do perigo como gerador de moléculascapazes de ativar o sistema imuneinato reviveu, sem necessariamentedar o merecido crédito a Polly Matzinger,incorporando os DAMPs (danger associatedmolecular patterns) ao repertório depossíveis ligantes de TLRs, como umaalternativa (não mutuamente exclusivas)aos PAMPs de Janeway.Para este renascimento contribuíramos trabalhos que importaram paraas doenças infecciosas em animais, osconceitos de resistência e tolerância(não confundir com tolerância imunológica)oriun<strong>dos</strong> da patologia vegetal.Infectologistas e imunologistas em geralassumem que a estratégia de defesade um organismo envolve mecanismosque bloqueiam a invasão ou eliminamo microrganismo patogênico [16]. Noentanto o hospedeiro pode também sedefender limitando o dano tecidual causadopor uma infecção. Resistência, nestecon<strong>texto</strong>, é definida como a capacidadede limitar a carga infectiva enquanto quetolerância é definida como a capacidadede limitar o dano tecidual induzido pelomicrorganismo patogênico incluindo-seaqueles gera<strong>dos</strong> por fenômenos inflamatóriose imunopatológicos [16]. Defato, um trauma físico pode causar efeitosteciduais semelhantes ou idênticosàqueles causa<strong>dos</strong> por microrganismospatogênicos. No entanto as respostasesperadas e obtidas em cada uma dassituações podem ser muito diferentes.A diferença de sinalização entrePAMPs (ligantes exógenos) e DAMPs(ligantes endógenos) foi experimentalmenteevidenciada [17] em um modelode necrose hepática induzida por umagente tóxico e portanto na ausênciade infecção. O fígado de camundongostrata<strong>dos</strong> com um agente hepatotóxicoliberam HMGB1(high mobility group Box1) um componente da cromatina. HMGB,à semelhança de alguns PAMPs, liga-seaos receptores TLR2, TLR4 e TLR9 e induzuma reação inflamatória mimetizandoPAMPs. No entanto HMGB1 liga-se tambéma outros receptores de membrana(e.g. CD-24) e uma lectina ligadora deácido siálico (Siglec-G). A sinalizaçãoinduzida pela interação HMGB1 comCD-24 e a consequente formação de umcomplexo com Siglec-G modificam a sinalizaçãovia HMGB1/TLR, inibindo o danotecidual causado pela ativação de NFkB(Figura 1) [18].


58NeurociênciasFigura 1 – Sinais de perigo. Sinais exógenos e endógenos, como bactérias e moléculasde células hospedeiras respectivamente, induzem a resposta inflamatória atravésreceptores Toll-like. No entanto, uma via de sinalização específica limita a resposta aossinais endógenos. Este mecanismo pode prevenir uma resposta imunológica descontroladaa lesões induzidas por agentes físicos [18].O complexo CD24/Siglec G reconhecetambém, por exemplo, proteínas dechoque térmico (DAMPs) mas não reconheceLPS, um típico PAMP característicode bactérias Gram negativas. Um fatointeressante é o de que ambos, HMGB1e os TLRs são filogeneticamente maisantigos do que CD-24 e Siglec G quesó surgiram nos vertebra<strong>dos</strong>. Este da<strong>dos</strong>ugere que o sistema de controle pelosDAMPs foi evolutivamente co-optado pelosistema de ativação via TLRs. Hoje jáexistem bem caracteriza<strong>dos</strong> um grandenumero de ligantes endógenos com TLRsdefini<strong>dos</strong> como seus receptores; dentreeles proteínas e peptídeos, áci<strong>dos</strong> graxose fosfolipídios, proteoglicanas e glicosaminoglicanase áci<strong>dos</strong> nucléicos isola<strong>dos</strong>ou complexa<strong>dos</strong> a proteínas [19]. Assimcomo em uma resposta imune descontroladasão observa<strong>dos</strong> efeitos colateraiseventualmente danosos ao organismo,também a ativação por níveis eleva<strong>dos</strong> deDAMPs pode ser responsável por váriaspatologias de natureza inflamatória eautoimune inclusive a aterosclerose - doençapara a qual alguns autores atribuemuma origem inflamatória/infecciosa – ecâncer [19,20].O ciclo histórico <strong>aqui</strong> descrito chamaa atenção para o sistema imune inatocomo uma nova forma de operacionalizara discriminação entre o próprio e o nãopróprio:não no reconhecimento mas nocontrole da efetuação. Não deixa de serirônico que um sistema desprovido dasofisticada organização em receptoresidiotípicos clonalmente distribuí<strong>dos</strong>, possaexercer uma das mais nobres funçõesdo sistema imune.


Neurociências 59Neste con<strong>texto</strong> é importante chamara atenção para a hipótese de que entreas pressões seletivas responsáveis peloevolução de um sistema imune adaptativoesteja o da necessidade de discriminaçãoentre MAMPs (microbial associatedmolecular patterns) e PAMPs (pathogenassociated molecular patterns) presentesna flora bacteriana de vertebra<strong>dos</strong> [19].Referências1. Burnet FM. The clonal selection theoryof acquired immunity. Nashville TN:Vanderbilt University Press, Nashville;1959.2. K o s h l a n d J r D E . R e c o g n i s i n gs e l f f r o m n o n s e l f . S c i e n c e1990;24894961):1273.3. Matzinger P. The danger model: arenewed sense of self. Science 2002;296(5566):301-5.4. Matzinger P. Essay 1: the danger modelin its historial context. Scand J Immunol2001;54:4-9.5. Bretscher P, M. Cohn M. A theory ofself-nonself discrimination. Science1970;169(3950):1042-9.6. Lafferty KJ, Cunningham AJ. A newanalysis of allogeneic interactions. AustJ Exp Biol Med Sci. 1975;53(1):27-42.7. Jenkins MK, Schwartz RH. Antigenpresentation by chemically podifiedsplenocytes induces antigen-specificT cell unresponsiveness in vitro and invivo. J Exp Med 1987;165(2):302-19.8. Jenkins MK, Pardoll DM, Mizuguchi J, QuillH, Schwartz RH. T-cell unresponsivenessin vivo and in vitro: fine specificity ofinuction and molecular characterizationof the unresponsive state. Immunol Rev1987;95:113-35.9. Zhu Y, Yao S, Chan L. Cell surfacesignaling molecules in the control ofimmune responses: a tide model.Immunity. 2011;34(4):466-78.10. Rosenthal AS, Barcinski MA, Blake JT.Determinant selection is a macrophagedependent immune response genefunction. Nature 1977;267(5607):156-8.11. Barcinski MA, Rosenthal AS. Immuneresponse gene control of determinantselection. I. Intramolecular mappingof the immunogenic sites on insulinrecognized by guinea pig T and B cells. JExp Med 1977;145(3):726-42.12. Dos Reis GA, Barcinski MA. Role ofmacrophage-dependent determinantselection in induction phase ofs t r e p t o c o c c a l c a r d i t i s . L a n c e t1980;2(8198):777-9.13. Janeway CA Jr. Approaching theasymptote? Evolution and revolutionin immunology. Cold Spring HarbourSymposium. Quant Biol 1989;54:1-13.14. Janeway CA Jr. The immune systemevolved to discriminate infectious nonselffrom noninfectious self. Immunol Today1992;13:11-6.15. Matzinger P. Tolerance, danger, andthe extended family. Annu Rev Immunol1994;12:991-1045.16. Schneider DS, Ayres JS. Two ways tosurvive infection : what resistance andtolerance can teach us about treatinginfectious diseases. Nat Rev Immunol2008;8(11):889-95.17. Piccinini AM, Midwood KS. DAMPeninginflammation by modulating TLRsignalling. Mediators Inflamm 2010doi:10.1155/2010/672395.18. Bianchi ME, Manfredi AA. Immunology.D a n g e r s i n a n d o u t . S c i e n c e2009;323(5922):1683-4.19. Jeong E, Lee JY. Intrinsic and extrinsicregulation of innate immune receptors.Yonsei Med J 2011;52(3):379-92.20. Boller T, Felix G. A renaissance of elicitors:perception of microbe-associatedmolecular patterns and danger signalsby pattern-recognition receptors. AnnuRev Plant Biol 2009;60:379-406.


60NeurociênciasArtigo originalA redundante composição antigênicado universo biológico, o parasitismo e odesafio da tolerância aos auto-antígenosThe redundant antigenic composition of the biologicaluniverse, the parasitism and the challengeof maintaining tolerance to self-antigensYuri Chaves Martins*, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro**Os autores dedicam este trabalho a Raymond Damian, extraordinário cientista que, vislumbrandoas potenciais consequências imunológicas do compartilhamento antigênico entre parasitos e seuhospedeiros, criou o conceito de “mimetismo molecular”, no início <strong>dos</strong> anos 60.ResumoNo presente artigo, discorremos sobre o fenômeno da resposta imune a agentes patogênicos, sob a óticado desafio da manutenção da tolerância aos auto-antígenos (auto-Ag), que porventura se assemelhema antígenos (Ag) microbianos e parasitários, em caso de infecção. Para tal, usamos uma abordagemholística utilizando ferramentas de bioinformática aliadas ao crescente corpo de informação disponívelsobre o genoma e proteoma <strong>dos</strong> diferentes organismos que habitam nosso planeta. Concluímos que,embora o compartilhamento de Ag entre patógenos e seus hospedeiros seja lugar comum, tal fenômenonão constitui, via de regra, um risco para a indução de doenças auto-imunes em presença de mecanismosíntegros de regulação da resposta imune.Palavras-chave: genoma, proteoma, bioinformática.*Médico e Doutorando em Imunologia do Laboratório de Inflamação e Imunidade, Departamento deImunologia, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro(programa MD/PhD), **Médico e Doutor em Biologia Humana, Membro da Academia Nacional de Medicina,Pesquisador Titular da <strong>Fiocruz</strong> e do CNPq, Cientista do nosso Estado da Faperj e Coordenador doCentro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária da <strong>Fiocruz</strong>Correspondência: Yuri Chaves Martins, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Instituto Oswaldo Cruz – <strong>Fiocruz</strong>,Laboratório de Pesquisas em Malária, Av. Brasil 4365, Pavilhão Leônidas Deane, 5º andar 21045-900 Riode Janeiro RJ, Tel/Fax: (21) 3865-8145, E-mail: yuri@ioc.fiocruz.br, ribeiro@ioc.fiocruz.br


Neurociências 61AbstractIn the present paper, we consider and discuss the phenomenon of immune response to pathogens,from the perspective of the challenge of maintaining immune tolerance to self-antigens (self-Ag), that mayresemble microbial and parasitic antigens (Ag), in case of infection. We use a holistic approach usingbioinformatics tools allied to the growing amount of information available about the genome and proteomeof different organisms. We conclude that, although the Ag sharing between pathogens and their hosts isa common place, the induction of autoimmune pathology as a result of infection, is not an usual risk inthe presence of intact mechanisms of immune response regulation.Key-words: genome, proteome, bioinformaticsIntrodução sobre a identidadeprotéica entre os organismos (ou aredundância de proteomas) comodecorrência da evolução genéticaSomos to<strong>dos</strong> feitos das mesmas coisas...Para construir os objetos de quenos servimos, desde as mais primitivasferramentas manufaturadas no paleolíticosuperior até os tempos atuais, ohomem se utiliza de um conjunto finitode materiais. Assim, se o leitor olharpara qualquer objeto ao seu alcancevisual perceberá que a matéria de queé feito também compõe a estrutura deoutros elementos à sua volta. A cadeirana qual provavelmente está sentadopode ser feita de madeira, o mesmomaterial, possivelmente, da mesa naqual repousa este artigo. A caneta queusa para tomar nota também terá, emsua composição, o plástico de que é,parcialmente, composto o computador(no qual se encontra o arquivo PDF destedocumento), que igualmente terá emsua estrutura o mesmo aço que compõea pulseira de seu relógio que pode, entretanto,ser feita de couro, como o queforra o assento da cadeira. Terão, ainda,composição similar entre si o carpeteque cobre o assoalho antigo e a cortinaque, entreaberta, permite a entrada daluz necessária para a leitura de nosso<strong>texto</strong>. Pode ser que sua mesa tenha umajarra para água, feita de cerâmica, comoo ornamento trazido de uma viagem àAmazônia, ou de vidro, como aquele quecobre o tampo da mesa ou o que integraa lente que há em seu porta-lápis,igualmente feito de madeira... ou de aço.Do mesmo modo, os seres vivosque habitam o planeta são feitos de umconjunto finito de estruturas e substânciasredundantes I . Quando falamos deredundância no nível molecular não nosreferimos à composição básica de to<strong>dos</strong>organismos em proteínas, açúcares elipídios, mas sim ao fato de que grandeparte das diversas estruturas formadaspor esses componentes básicos tambémforam conservadas durante o curso deevolução <strong>dos</strong> diversos seres vivos e algumasdelas podem estar presentes emto<strong>dos</strong> ou na grande maioria destes.IO objetivo da comparação não é, obviamente,induzir o leitor à uma visão criacionista da origemdas coisas, não é nossa praia. A proposta é apenasilustrar que, assim como o homem faz, devido aforças econômicas, com os objetos que manufatura,as forças evolutivas também tendem a fazercom que a natureza mantenha e reaproveite osmateriais e estruturas que dão certo ao longo dotempo. Assim como o homem usa o mesmo metalpara fazer trilhos de trem, chaves de fenda, agulhase estrutura de prédios, porque este é um materialdurável e disponível em larga escala a preçosabordáveis, a natureza também utiliza sequênciasde aminoáci<strong>dos</strong> parecidas para formar as partesconstantes das imunoglobulinas e <strong>dos</strong> receptoresde células T e de tantas outras proteínas.


62NeurociênciasTal ocorrência está de acordo comuma moderna “teoria da evolução” II , quedefende que os organismos evolucionamatravés do acúmulo sucessivo de mutaçõesem seu genoma, que acaba porgerar alterações em seus proteomas,com consequentes mudanças em suacapacidade de metabolizar e gerar novosaçúcares e lipídios. Estas, caso constituamuma vantagem evolutiva, são passadasaos seus descendentes. Contudo, namaioria das vezes, as mutações ocorremao acaso e não resultam em nenhuma alteraçãosignificativa ou geram consequênciasdesvantajosas para a evolução doorganismo (uma desvantagem evolutiva),que tenderia, então, a se extinguir. Dessemodo, os organismos vivos tendemà manutenção de seu próprio códigogenético, que se terá provado funcionalao longo de sua evolução, e desenvolvemmecanismos para evitar que mutaçõesocorram em seus respectivos genomas.Uma descrição detalhada <strong>dos</strong> diversosmecanismos que garantem a manutençãodo código genético e <strong>dos</strong> que geram variabilidadede uma maneira controlada estáalém do escopo do presente artigo. Podemoscitar, entretanto, o mecanismo decorreção de erros na replicação do DNAexistente em algumas formas da enzimaDNA polimerase como um mecanismo demanutenção da integridade genética e osexo como um mecanismo de geração devariabilidade [1,2].Como há um equilíbrio evolutivo entreforças que estimulam variabilidade e mu-IIA moderna teoria da evolução denota a combinaçãoda teoria da evolução das espécies por meio deseleção natural proposta pelo naturalista britânicoCharles Robert Darwin (1809-1882), a genéticacomo base para a herança biológica descrita pelomonge agostiniano, botânico e meteorologistaaustríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884) e agenética de populações.danças estruturais por um lado e forçasque tendem a preservar o genoma e,consequentemente, o proteoma <strong>dos</strong> diferentesorganismos, a pergunta que derivanaturalmente dessas observações é qualseria o grau de homologia estrutural entreos diversos organismos vivos conheci<strong>dos</strong>.A realização de estu<strong>dos</strong> comparandoo conjunto de genes (genomas) e deproteínas (proteomas) que compõemos organismos de diferentes espéciesé possibilitada pelo desenvolvimentode ferramentas de bioinformática e sequenciamentogenético, e nos permiteresponder a essa pergunta. O grau dehomologia entre proteomas diferentes éuma medida da semelhança estruturalentre dois organismos e a comparação<strong>dos</strong> proteomas (e genomas) de organismosconsidera<strong>dos</strong> filogeneticamentepróximos possibilita a inferência do graude parentesco entre eles e a obtençãode indícios da existência de algum ancestralcomum em suas origens [3]. Aquantidade de estu<strong>dos</strong> desse tipo estácrescendo com o aumento do número degenomas sequencia<strong>dos</strong> disponíveis nosbancos de da<strong>dos</strong> e com a disponibilidadedas ferramentas de bioinformáticanecessárias para realização desse tipode análise [3-6].Por exemplo, a análise do proteomahumano após o sequenciamento do nossogenoma revelou que menos de 1%das nossas proteínas são encontradasexclusivamente na nossa espécie [3],ou seja, foi possível encontrar proteínascom grau de homologia suficiente parase estabelecer parentesco com outrasespécies conhecidas em mais de 99%<strong>dos</strong> casos. Isso não quer dizer que podemosencontrar proteínas idênticas àsnossas nos outros organismos em 99%<strong>dos</strong> casos, mas que 99% das proteínas


Neurociências 63codificadas pelo nosso genoma temum grau de identidade suficientementegrande com alguma proteína existenteem algum outro organismo a ponto depodermos ter um grau elevado de certezade que elas tiveram um ancestral comumno passado. O grau de identidade protéicase acentua com a proximidade evolutivadas espécies. Desse modo, quandocomparamos o proteoma do camundongo(Mus musculus) com o humano, 80% dasproteínas possuem um único ortólogo IIIno nosso proteoma e vice-versa. Dentreessas proteínas, o grau de identidadena sequência primária de aminoáci<strong>dos</strong>é 70,1% (mediana igual a 78,5%), umgrau de identidade bastante alto quereflete o fato de serem ambos os organismosmamíferos [4]. Contudo, quandocomparamos nosso proteoma com o dochimpanzé (Pan troglodytes), consideradonosso parente mais próximo na escalaevolutiva, observamos que em torno de92% das proteínas possuem um únicoortólogo no nosso proteoma [5] e estassão extremamente semelhantes, sendo29% delas idênticas em sua sequênciaprimária de aminoáci<strong>dos</strong> e a grande maioriadas demais diferindo em apenas umou dois aminoáci<strong>dos</strong> [6].Se tais metodologias permitem inferir,a partir das semelhanças genômicas eproteômicas, a proximidade filogenéticade duas espécies, elas também facultama realização de estu<strong>dos</strong> sobre o sucessoou insucesso adaptativo da relação deparasitismo que microorganismos podemmanter com organismos vertebra<strong>dos</strong>. Semelhançasproteicas entre a samambaia,a bananeira, a vaca, o chimpanzé e o homemsão informativas sob o ponto de vistaevolucionário. Por outro lado, as similaridadesprotéicas (e, portanto, antigênicas)no caso de seus hospedeiros dota<strong>dos</strong> deum sistema imune com capacidade deresposta imune adaptativa específica e microrganismosinfecciosos (os Schistosomaou a Fasciola hepatica) podem ser úteispara o estudo e o entendimento do graude sucesso ou insucesso da relação deparasitismo que essas espécies mantémentre elas. Essa questão foi, inicialmente,averiguada com o auxílio de ferramentasimunológicas que permitem estudar a semelhança<strong>dos</strong> constituintes de diferentesorganismos sob o ponto de vista de suaantigenicidade (falamos, então, de antígenose determinantes antigênicos, em vezde em proteínas e sequências de aminoáci<strong>dos</strong>).Contudo, ela também pode serestudada com o auxílio das metodologiasque nos possibilitam a comparação deproteomas entre os diferentes seres vivos.Tal abordagem, nova e elegante, nos permitetratar de paradigmas da imunologia,como compartilhamento de antígenos (Ag)(antigen sharing) e mimetismo molecular(molecular mimicry) e suas potenciais implicaçõespara a manutenção da tolerânciaaos nossos próprios constituintes (próprioou self) e para a prevenção do desenvolvimentode autoimunidade.O Mimetismo molecular (molecularmimicry) e a hipótese da rainhavermelha (the red queen hypothesis)Most people are other people.Their thoughts are someoneelse’s opinions, their lives a mimicry,their passions a quotation. (Oscar Wilde)IIIGenes ou proteínas ortólogos ou ortólogas sãogenes ou proteínas similares, mas que estão presentesem duas espécies diferentes.O conceito de mimetismo molecular(molecular mimicry) foi cunhado por


64NeurociênciasRaymond T. Damian em 1964 a partir daobservação do compartilhamento de Ag(antigen sharing) entre parasitas e hospedeiros[7]. Segundo Damian, parasitastenderiam a ter estruturas semelhantesa seus hospedeiros, pois isto corresponderiaà uma vantagem seletiva paraescapar da resposta imune, que aquelessuscitam nestes, que não os reconheceriamcomo estranhos ao organismo [8]. Ainferência teórica para a definição dessemecanismo de adaptação parasitária éa de que microrganismos com maior semelhançaantigênica com o hospedeiroteriam menos chances de serem reconheci<strong>dos</strong>,agredi<strong>dos</strong> imunologicamente eexpulsos. Conclui-se, em consequência,que, inversamente, o insucesso dessemecanismo de mimetismo por compartilhamentoantigênico poderia submeteros hospedeiros ao risco de desenvolvimentode uma resposta imune dirigidacontra Ag comuns aos dois organismoslevando a uma reação auto-imune e àagressão do próprio hospedeiro (auto--agressão).Outra vantagem seletiva para a presençade estruturas homólogas em parasitasseria a de reconhecer e respondera sinais fisiológicos presentes no meioe, não somente escapar, mas tambémmodular a resposta imune do hospedeirode um modo a facilitar a sua sobrevivência.Damian se baseou no conceitode mimetismo criado no século XIX porHenry Walter Bates para explicar porquedeterminadas borboletas encontradasna Amazônia Brasileira e consideradassaborosas por seus predadores tendiama se parecer com outra espécie menospalatável, evitando, desse modo, ser oprato principal do dia [9].As primeiras evidências de mimetismomolecular foram obtidas quan<strong>dos</strong>e percebeu, com o auxílio de méto<strong>dos</strong>– tão antigos quanto pouco sensíveis– de imunoprecipitação, que anti-soroscontra parasitos também reagiam contraAg de seus hospedeiros [10-12]. Osautores estudaram “comunidades antigênicas”em extratos de 12 espécies decestódeos, 12 de nematódeos e 12 detrematódeos, alem de boi, camundongo,cão, carneiro, cavalo, galo, gato, porco,rato, sapo, homem e de caramujos econcluíram que quanto mais próximo dohospedeiro, mais homologia antigênicaera observada.Posteriormente, com a utilizaçãode novas técnicas como anticorpos(Ac) monoclonais e clonagem molecular,verificou-se que parasitos e outrosorganismos infecciosos em geral compartilhamAg com os seus hospedeiros.Assim, Schistossoma mansoni e Fasciolahepatica são capazes de sintetizarAg de grupo sanguíneo [13-15], muitoshelmintos patogênicos são capazes desintetizar o Ag Forssman (globopentosylceramida),um glicolipídio envolvido naformação de tight junctions que participana adesão celular) [16]. Esse Ag correspondea um auto-Ag em cães, carneiros,cavalos, gatos, tartarugas, e está presenteem ovas de alguns peixes e certasbactérias (algumas cepas de enterobactériase pneumococos) e é base para asorologia da mononucleose infecciosa.A proteína de circumsporozoíta (CSP)de Plasmodium falciparum possui ummotivo de 18 aminoáci<strong>dos</strong> praticamenteidêntico à região citoadesiva da trombospondina[17-19], Neisseria meningitidise Escherichia coli possuem Ag capsularescom semelhança estrutural comglicopeptídeos cerebrais humanos [20].Homólogos funcionais de diversas citocinas,quimiocinas, enzimas, proteínas


Neurociências 65do citoesqueleto celular [21] e fatoresde crescimento humanos já foram descritosem vírus [22], tripanosomas [23],helmintos [24,25] e bactérias [26]...Foge ao escopo deste documento,mas um fenômeno diferente, tambémclassificável como mimetismo molecularsegundo alguns autores, é o fatode microrganismos possuírem, em suasuperfície, estruturas responsáveis poraderir moléculas do hospedeiro. Porexemplo, alguns vírus como o da imunodeficiênciaadquirida (HIV) [27], bactériaspatogênicas [28], Echinococcusgranulosus [29] e Onchocerca volvulus[30] são capazes de aderir a inibidoresdo complemento presentes no plasmasanguíneo e Trypanosoma cruzi e Trypanosomabrucei possuem trans-sialiasesque transferem ácido ciálico de célulasdo hospedeiro para a superfície dessesparasitas [31]. Tal mecanismo podefacilitar ou promover a indução de respostaimune favorável ao microrganismo.Partículas de poxvirus formadas duranteo processo de replicação viral e tripanosomatídeospodem ser recobertos comfosfolipídios do hospedeiro, passandoa se assemelhar a corpos apoptóticos,o que facilita a fagocitose por célulasdo hospedeiro, como macrófagos, promovea replicação viral e beneficia aomicrorganismo [32,33]. Além disso, apresença de receptores para citocinashumanas capazes de transdução desinal e ativação de vias metabólicas e aprodução e secreção de substancias capazesde modular a expansão e diferenciaçãode linfócitos T já foram descritosem protozoários demonstrando que omimetismo molecular pode ser tambémfuncional e não somente estrutural [34].Ao mesmo tempo em que parasitasse beneficiam de fenômenos que podemrepresentar formas de escape à respostaimune do hospedeiro e vitória sobre asbarreiras impostas às suas sobrevivências,espécies hospedeiras de parasitostambém desenvolvem e adquirem mecanismosque as podem favorecer impedindoou dificultando o estabelecimento deinfecção pelos patógenos presentes nomesmo ambiente. Hospedeiros tambémse beneficiariam de mecanismos deescape de patógenos que poderiam serclassifica<strong>dos</strong> de “mimetismo reverso”.Um exemplo recente na literatura é ademonstração de que ovelhas utilizamretrovírus endógenos como fatores derestrição que bloqueariam infecções porretrovírus patogênicos [35].Nessa interação, que ocorre durantea co-evolução de patógenos e seushospedeiros, se poderia poeticamenteconsiderar que cada um está tentandovencer as defesas impostas pelo outro.O resultado dessa permanente “corridaarmamentista”, seria, entretanto, naverdade, a permanência <strong>dos</strong> dois nomesmo lugar (de parasita e hospedeiro).Tal formulação foi originalmenteproposta pelo biólogo evolucionistaamericano Leigh Van Valen (1935-2010)sob a denominação de “a hipótese darainha vermelha” [36]. O nome deriva deuma passagem do livro de Lewis Carroll(1832-1898) Through the Looking-Glassand What Alice Found There na qual aRainha Vermelha diz a Alice: “[I]t takesall the running you can do, to keep in thesame place” IV .IVNuma tradução livre ‘Corra o máximo que você


66NeurociênciasA comparação de proteomascomo abordagem para o estudoda redundância de proteínas:interesses e limites para acompreensão do fenômeno demimetismo molecularO número de exemplos de mimetismomolecular tem crescido ao mesmo tempoem que se observa um rápido incrementoda quantidade de genomas completamentesequencia<strong>dos</strong>. Além disso, a comparaçãodireta das sequências proteicasde parasitas e hospedeiros pode semostrar uma ferramenta poderosa paraaumentar ainda mais a velocidade deidentificação de estruturas que podemexercer mimetismo molecular. Contudo,apesar de extremamente interessantes,os trabalhos que se servem desse tipode abordagem são escassos na literatura[37-42] . Ao mesmo tempo, talvez por serainda um campo de estudo novo, umaanálise <strong>dos</strong> trabalhos publica<strong>dos</strong> apontapara a falta de critérios para a definiçãodas características necessárias para queuma determinada sequência seja consideradauma candidata à classificação de“proteína mimética”. Por exemplo, algunstrabalhos excluem proteínas que mostramsemelhança (mesmo que ela seja grande)entre os genomas do parasito e de seuhospedeiro caso elas também estejampresentes em organismos não patogênicosfilogeneticamente próximos ou emorganismos que estejam em posiçãointermediária na escala evolutiva entre oparasita e o hospedeiro [42]. Outros nãoutilizam sequências proteicas inteiras,mas padrões compostos de pequenassequencias de aminoáci<strong>dos</strong> [40,41].Um outro problema com esse tipo deabordagem é que ele só permite analisarhomologias levando em consideração asequência primária de aminoáci<strong>dos</strong> dasdiversas proteínas, o que exclui homologiasconformacionais e pode gerar falsospositivos, já que uma mesma sequênciade aminoáci<strong>dos</strong> presente em duas proteínasglobulares diferentes pode estar localizadana parte externa da conformaçãode uma proteína e escondida no interiorde outra, devido às suas conformaçõessecundárias e terciárias. Da mesmaforma, esse tipo de análise não leva emconta as modificações pós-transcricionaissofridas pelas diversas proteínas e quetambém são capazes de modificar a conformaçãodas mesmas.Essa ausência de critérios faz comque o mesmo conjunto de da<strong>dos</strong> possaser analisado e interpretado de maneirasdiferentes. Por exemplo, quando procuramosproteínas inteiras com alto grau dehomologia entre dois proteomas e filtramosos resulta<strong>dos</strong> excluindo aquelas queapresentem grau semelhante ou maiorde similaridade também com organismosnão patogênicos ou que tenham posiçãointermediária na escala evolutiva entre osdois proteomas compara<strong>dos</strong>, tendemosa ter um número menor de proteínasrestantes [42]. Todavia, quando consideramoso proteoma de microorganismos,dividimo-lo em sequências pequenas deaminoáci<strong>dos</strong> e verificamos se elas podemser encontradas no proteoma do hospedeiro,tendemos a encontrar uma grandesobreposição entre os oligopeptídeos eas proteínas do hospedeiro [40,41].A primeira abordagem tende a diminuiro número de falsos positivos, mas,consequentemente, aumenta o númerode falsos negativos, já que proteínaspodem ter importância na interaçãoparasita-hospedeiro, mesmo que tambémestejam presentes em outras espéciesnão patogênicas ou em espécies inter-


Neurociências 67mediárias na escala evolutiva. A segundaabordagem, por outro lado, tem as característicasopostas, ou seja, aumentao número de falso-positivos e diminui onúmero de resulta<strong>dos</strong> falso-negativos.Para abordar essa questão, nóscalculamos o número de proteínas homólogasentre o proteoma humano e o de váriosorganismos cujos genomas já foramcompletamente sequencia<strong>dos</strong>, utilizandouma ferramenta online denominada Procom(de Proteome comparison) [43]. Ascomparações foram feitas utilizando-sediferentes valores de e-value V [44] comoVE-value é uma abreviação para expectation value(“valor esperado” em uma tradução livre). Ele representaa chance de que a sobreposição encontradana sequencia de aminoáci<strong>dos</strong>, quando comparamosduas proteína, se deva ao acaso. O processode geração do e-value quando comparamos umasequencia com um determinado banco de da<strong>dos</strong>consiste em comparar nossa sequencia com to<strong>dos</strong>os membros do banco de da<strong>dos</strong> e gerar, para cadacomparação, um escore arbitrário “S” que dá pontospara aminoáci<strong>dos</strong> iguais ou pareci<strong>dos</strong> e retirapontos (penaliza) quando encontra aminoáci<strong>dos</strong>divergentes. Posteriormente o escore de interesse(que expressa a comparação entre as duas proteínasde interesse) é comparado com o conjunto<strong>dos</strong> demais escores gera<strong>dos</strong> pelas comparaçõescom as outras proteínas do banco e expresso porum número chamado Z-score, que é uma medidade quão não usual é nosso escore de interesse. OZ-score é calculado da seguinte maneira: Z-score= [S – (S médio)]/ desvio padrão de S. Geralmenteconsideramos que um Z-score maior que 5 comosignificativo. A partir <strong>dos</strong> Z-scores e de sua distribuiçãona populacão estudada, podemos calculara probabilidade de que nosso escore original sejadevido ao acaso, o famoso p-value. O p-valuedepende da distribuição <strong>dos</strong> Z-scores no banco deda<strong>dos</strong>, que na maioria das vezes não é uma distribuiçãoGaussiana. O e-value é então finalmentecalculado multiplicando-se o p-value pelo númerode sequencias presentes no banco de da<strong>dos</strong>. O p--value varia entre 0 e 1, mas o e-value varia entre0 e o número de sequencias no banco de da<strong>dos</strong>.Desse modo, o e-value não depende somente dograu de homologia entre as proteínas (número deaminoáci<strong>dos</strong> homólogos), mas também leva emconta fatores como o tamanho do banco de da<strong>dos</strong>critério para a avaliação da homologiadas proteínas do proteoma humano edo de diversos organismos pesquisa<strong>dos</strong>(Tabela I). Utilizamos o e-value comomedida indireta do grau de sobreposiçãona sequência de aminoáci<strong>dos</strong> entre duasproteínas diferentes. Quando fazemos talcomparação utilizando um e-value grande(1 -10 , por exemplo) elas serão consideradashomólogas mesmo que compartilhemapenas pequenas porções (alguns padrões)da sua sequência de aminoáci<strong>dos</strong>(nesse caso a sensibilidade é grandee – como resultado – a homologia é pequena,porque podem ser consideradashomólogas proteínas pouco parecidas).À medida que diminuímos o valor desseparâmetro (e-value de 1 -100 , por exemplo)apenas proteínas com sequências praticamenteidênticas são consideradashomólogas. Ou seja, ao diminuirmos oe-value, diminuímos a sensibilidade dacomparação e aumentamos o grau desobreposição e homologia necessáriopara que consideremos uma proteínacomo homóloga. Isso é demonstrado peladiminuição do número de proteínas homólogasencontradas (somente as muitohomólogas são retidas). Essa realidadeestá ilustrada graficamente na Figura 1A.O número médio de proteínas homológasencontradas nos diversos organismoscompara<strong>dos</strong> foi 9.336, quando utilizamosum E-value de 10 -10 , e de 3.558, quandoreduzimos o E-value para 10 -100 .Como o e-value pode variar de acordocom as características <strong>dos</strong> proteomascompara<strong>dos</strong>, não existe, teoricamente,pesquisado (se dobramos o tamanho do banco deda<strong>dos</strong> dobramos o e-value) e o tamanho da proteínapesquisada, entre outros. Para uma discussão maisdetalhada sugerimos a homepage - http://www.clarkfrancis.com/blast/Blast_what_and_how.htmlou o livro Introduction to bioinformatics de ArthurM Lesk [44].


68NeurociênciasTabela I - Número de proteínas homólogas entre diversos organismos e o ser humano.OrganismoTotal deN. de proteínas homologas1 -10 1 -50 1 -100proteínasH. sapiens 34.090 - - -P. falciparum 5.333 1.833 (34.37; 5.38) 572 (10.73; 1.68) 217 (4.07; 0.64)E. histolytica 9.771 3.658 (37.44; 10.73) 1.074 (10.99; 3.15) 319 (3.26; 0.94)G. lamblia 9.645 1.845 (19.13; 5.41) 365 (3.78; 1.07) 115 (1.19; 0.34)T. gondii 7.587 2.515 (33.15; 7.38) 787 (10.37; 2.31) 293 (3.86; 0.86)T. brucei 20.697 2.975 (14.37; 8.73) 1.005 (4.86; 2.95) 333 (1.61; 0.98)T. cruzi 25.040 5.183 (20.70; 5.20) 1.527 (6.10; 4.48) 432 (1.73; 1.27)E. cuniculi 1.995 893 (44.76; 2.62) 293 (14.69; 0.86) 110 (5.51; 0.32)C. neoformans 6.571 3.141 (47.80; 9.21) 1.303 (19.83; 3.82) 515 (7.84; 1.51)B. malayi 7.702 4.575 (59.40; 13.42) 2.005 (26.03; 5.88) 838 (10.88; 2.46)L. major 8.080 3.113 (38.53; 9.13) 1.048 (12.97; 3.07) 374 (4.63; 1.10)T. rubripes 33.002 29.948 (90.75; 87.85) 24.994 (75.73; 73.32) 17.761 (53.82; 52.10)A. thaliana 28.580 10.931 (38.25; 32.07) 3.570 (12.49; 10.47) 1.263 (4.42; 3.70)C. elegans 22.296 9.979 (44.76; 29.27) 4.663 (20.91; 13.68) 1.959 (8.79; 5.75)C. intestinalis 15.851 11.239 (70.90; 32.97) 5.813 (36.67; 17.05) 2.712 (17.11; 7.96)D. melanogaster 18.288 12.180 (66.60; 35.73) 7.166 (39.18; 21.02) 3.573 (19.54; 10.48)M. musculus 32.280 29.187 (90.42; 85.62) 24.927 (77.22; 73.12) 18279 (56.63; 53.62)O. sativa 59.711 14.208 (23.79; 41.68) 3.347 (5.61; 9.82) 1.190 (1.99; 3.49)R. norvegius 28.544 27.099 (94.94; 79.49) 23.023 (80.66; 67.54) 16.882 (59.14; 49.52)S. cerevisae 5.885 2.887 (49.06; 8.47) 1.173 (19.93; 3.44) 438 (7.44; 1.28)Negrito= organismos patogênicos; (A;B) = A é a percentagem de proteínas no proteoma do patógeno avaliadoque possuem ortólogos no proteoma humano; B é a percentagem de proteínas no proteoma humanoque possuem ortólogos no proteoma do patógeno avaliado.Figura 1 - Percentagem de homologia com o proteoma humano (A) e percentagemde homologia do proteoma humano (B) apresentada por diversos organismos quandoutiliza<strong>dos</strong> diferentes E-values como critério para considerar uma proteína homologa ounão com sua respectiva contraparte no proteoma humano.A1008040200****1 -10 1 1 -100B1008040200***1 -10 1 1 -100E-valueE-value


Neurociências 69um valor específico que eleve ao máximopossível a sensibilidade e especificidadedessa metodologia para identificar proteínasque podem exercer mimetismo. Domesmo modo, não há uma ferramentaou abordagem de bioinformática perfeitapara identificar potenciais proteínas miméticasem to<strong>dos</strong> os casos. Na realidade,as diferentes abordagens podem serutilizadas de maneira complementar eos critérios e controles utiliza<strong>dos</strong> devemvariar de acordo com as características<strong>dos</strong> proteomas compara<strong>dos</strong> e com osobjetivos da comparação.A Comunidade Antigênica (somosto<strong>dos</strong> feitos <strong>dos</strong> mesmosantígenos...) e sua implicação comorisco de ruptura da tolerância a autoantígenosA good imitation is the mostperfect originality VIUm paradigma da imunologia é anoção de que o sistema imune possuimecanismos que impedem a formaçãode respostas imunes contra estruturasou Ag do próprio organismo [45]. Essefenômeno, que resulta de um mecanismoativo (e não da ausência de resposta),e é chamado de tolerância imunológica,ocorre tanto em nível central (órgãos linfóidesprimários) quanto em nível periférico(órgãos linfóides secundários e to<strong>dos</strong>os outros teci<strong>dos</strong> do corpo) e impedirianossa autodestruição [46].Quando os mecanismos de tolerânciaestão funcionando a contento, permanecemosem um estado de homeostaseno qual, ao mesmo tempo em que so-VIMaxima de Voltaire. Retirada do artigo de Elde NC &Malik HS. The Evolutionary conundrum of pathogenmimicry. Nature reviews microbiology 2009;7:787-97.mos capazes de, ao entrar em contatocom os mais diversos microrganismos esubstancias estranhas ao corpo, produzirresposta imune contra Ag externos, evitamosproduzir respostas imunes danosascontra componentes próprios (self).Por exemplo, as estruturas de carboidratosA, B, H – Lewis, que no homemcorrespondem a Ag de grupos sanguíneos,e suas respectivas glicosiltransferases,estão presentes em vários (macroe micro) organismos incluindo diversasespécies de mamíferos, pássaros, répteis,invertebra<strong>dos</strong>, fungos saprófitas epatogênicos, helmintos e plantas. Estãopresentes também em bactérias de nossotubo digestivo. Não é por outra razãoque os humanos desenvolvem, desdea mais tenra idade, o que imunogeneticistase hemoterapeutas chamam de“aglutininas (anticorpos aglutinantes)regulares” contra os Ag A e B do sistemaAB0 de forma inversa à presença <strong>dos</strong> Agdesse sistema que portamos em nossosglóbulos vermelhos. Em outras palavras,esses Ac, ditos regulares (que to<strong>dos</strong>temos e permitiram a Landsteiner VII adescoberta <strong>dos</strong> grupos sanguíneos AB0no início do século passado), são, naverdade, resultado da imunização a quenos submetemos, ainda bebês, comendocomida “suja”. A E. coli do sorotipo 86tem a mesma especificidade (os mesmosdeterminantes antigênicos da substânciaH, em cima da qual se constroem asespecificidades A e B do sistema AB0.VIIKarl Landsteiner (1868-1943), médico e biologistaaustríaco, distinguiu, em 1900, os grupos sanguíneosABO, graças a existência das aglutininasregulares no soro <strong>dos</strong> indivíduos, desenvolvendoa classificação moderna de grupos sanguíneos epossibilitando a transfusão sanguínea. Ele tambémidentificou, com Alexander S. Wiener em 1937, ofator Rhesus (Rh). Landsteiner recebeu o PrêmioNobel de Fisiologia ou Medicina, em 1930.


70NeurociênciasQuando nascemos, nenhum de nós temAc anti-A ou anti-B. Entretanto, se formosdo grupo sanguíneo A teremos Ac anti-B,assim como teremos Ac anti-A, se formosB, e anti-A e anti-B se formos do grupo 0.Mas não teremos nenhum desses Ac seformos do grupo AB, do mesmo jeito quenão teremos Ac anti-A sendo do grupo Aou anti-B, sendo do grupo sanguíneo B.Essa recusa do organismo em produziros Ac correspondentes aos Ag quetemos presentes em nossos glóbulosvermelhos revela a ocorrência de mecanismosde manutenção da tolerância aosconstituintes de nosso próprio organismo(os imunologistas os chamam de auto-Ag)cuja descrição foge ao escopo do presentetrabalho. A existência de tais mecanismosfoi, entretanto, reconhecida porEhrlich em 1900 [47] VIII e descrita com osugestivo nome de “Horror autotoxicus”.Contudo, (embora não saibamosexatamente o porquê em to<strong>dos</strong> os casos)algumas vezes esses mecanismosde tolerância são rompi<strong>dos</strong> e acabamosproduzindo reações imunes contra Agpróprios, em um fenômeno denominadode auto-imunidade. Reações auto-imunesVIIIPreocupado (na realidade) com o destino deglóbulos vermelhos em caso de hemorragia intra--abdominal, o bacteriologista alemão Paul Ehrlich(1854-1915) injetou, no peritônio de cabras sadias,hemácias provenientes de outras cabras oude animais de outras espécies e constatou quetal procedimento dava origem, na cabra “experimentada”,ao surgimento de Ac dirigi<strong>dos</strong> contrahemácias do animal doador. Ehrlich surpreendeu--se, entretanto, ao descobrir que tais Ac não eramproduzi<strong>dos</strong> quando o animal doador era a própriacabra. Ehrlich concluiu no artigo original em alemãoque “o organismo tem mecanismos eficazes queimpedem que a reação imunitária, tão facilmenteinduzida por toda sorte de célula, de reagir comconstituintes do próprio organismo, dando lugar àaparição de auto-toxinas... somente quando essesmecanismos de regulação interna não estão maisintactos, pode haver (um) perigo.podem envolver tanto a produção de auto--anticorpos (auto-Ac) quanto a geração decélulas auto-reativas que podem resultarem destruição tecidual e mesmo em doençasauto-imunes [48].Um <strong>dos</strong> mecanismos propostospara explicar a quebra da tolerância imunológicaé justamente a exposição doorganismo a Ag externos (presentes emmicrorganismos com os quais dividimos oespaço que ocupamos no planeta) semelhantes,sob o ponto de vista estruturalou conformacional, a Ag do próprio indivíduo(e dota<strong>dos</strong> de capacidade de reaçãocruzada com estes). Assim a lista, que jásabemos grande, de Ag comuns a hospedeirose parasitos (ou parasitos vesti<strong>dos</strong>com roupagens de seus hospedeiros)pode representar também um inventáriode perigos e riscos contra os quais nossoorganismo deve estar permanentementevigilante com o objetivo de zelar para quenenhuma resposta auto-imune dê origema uma situação de auto-agressão e até,eventualmente, de doença.Há, de fato, situações em que, apesardo “bom senso imunológico” ou, poralguma razão, justamente por falta dele,o hospedeiro desenvolve uma respostaimune contra Ag compartilha<strong>dos</strong>, mesmosob risco de desenvolvimento de umaresposta auto-imune que pode acabarengendrando uma patologia auto-imune.Exemplos concretos são os Ac contra aproteína M estreptocócica do tipo 5, produzi<strong>dos</strong>durante a infecção da orofaringepor Streptococcus pyogenes β hemolíticosdo grupo A que reagem contra Agpresentes nas válvulas cardíacas (miosinacardíaca) [49] e causam a cardite reumática;os produzi<strong>dos</strong> durante a infecçãopelo HTLV-1 contra a proteína viral HTLV-1-tax que reagem cruzadamente contra aproteína ribonuclear nuclear heterogênea


Neurociências 71A1 (heterogeneous nuclear ribonuclearprotein-A1, hnRNP-A1) presente em neurônioscausando a paraparesia espásticatropical [50]; a resposta auto-imune, deflagradapela infecção pelo Trypanosomacruzi, em pacientes com a miocardiopatiaChagásica [51]; ou aquela dirigida contraAg compartilha<strong>dos</strong> entre a Klebsiellapneumoniae e o hospedeiro, que poderiaparticipar da gênese da espondiliteanquilosante no homem [52]. Outrasdoenças auto-imunes cuja gênese podeestar ligada a uma reatividade cruzadaentre, Ag microbianos e auto-Ag, incluemdiabetes melitus tipo 1 [53], esclerosemúltipla [54], síndrome de Guillain-Barré[55], polineuropatia desmielinizante inflamatóriacrônica [56], artrite da doençade Lyme [57], espondiloartropatias [58],síndrome poliglandular auto-imune [58],cirrose biliar primária [59]. A lista é, novamente,grande.Há também casos em que produzimosauto-Ac não (ou pouco) patogênicosdurante infecções. Um exemplo famosoé a produção de hemaglutininas friasdurante a infecção por Mycoplasmapneumoniae [60]. Pacientes com essacondição podem desenvolver Ac da classeIgM contra um Ag presente na superfíciedas hemácias denominado Ag I. EssesAc se ligam às células vermelhas <strong>dos</strong>angue e causam sua aglutinação quandoa 4 o C e, por isso, são denominadas hemaglutininasfrias. Elas se desenvolvementre a primeira e a segunda semana deinfecção, têm seu pico de produção comtrês semanas e declinam lentamentedepois de alguns meses. Apesar de servirempara o diagnóstico de infecção porMycoplasma, apenas raramente essesAc causam patologia (hemólise) durantea infecção e, quando isso ocorre, é porque,por alguma razão desconhecida, elescomeçaram a reagir com as hemácias a37 o C [61-63]. Do mesmo modo, não hápatologia associada com os auto-Ac dirigi<strong>dos</strong>contra a cardiolipina complexadacom lecitina e colesterol, desenvolvi<strong>dos</strong>durante infecções por Treponema spp[64] e usado para o diagnóstico laboratorial(VDRL) da sífilis.Cabe lembrar que produzimos, permanentemente,e antes mesmo de entrarmosem contato com qualquer Ag externo,uma população de autoAc, ditos naturais.A função desses autoAc ainda não estádefinitivamente estabelecida, emboraalguns considerem que ajam como umaprimeira barreira de resposta anti-microbiana,graças justamente à sua grandecapacidade de reação cruzada com Agexternos [65]. Do mesmo modo, a fisiologia<strong>dos</strong> processos de amadurecimentoe diferenciação linfocitárias inclui um mecanismo(dito de seleção positiva) no qualjustamente serão consideradas aptas aintegrar o repertório de células madurase diferenciadas aquelas que reagiremcom auto-Ag no nível do timo. Embora taisexemplos ilustrem a normalidade fisiológicade vários tipos de autoreatividade,sabemos que as respostas auto-imunesse mantém controladas como resultadoda integridade de eficientes mecanismosde tolerância e regulação da respostaimune IX [66]. Assim, a maior parte dasIXUma infecção pode desencadear o desenvolvimentosimultâneo de múltiplos autoAc, que podem ounão derivar do fenômeno de compartilhamentoantigênico. Pode-se ilustrar tal eventualidadecom um exemplo “da casa”. A infecção maláricase acompanha da produção de Ac contra umaenorme gama de auto-Ag como DNA, fosfolipídios,ribonucleoproteínas, músculo liso, cardiolipina eAg eritrocitários e linfocitários [66]. O padrão deprodução desses Ac parece variar de acordo como grau de imunidade à infecção e, embora algunsdeles tenham sido associa<strong>dos</strong> a complicações dadoença (como anemia, nefrite, trombocitopenia


72Neurociênciasrespostas auto-imunes (auto-imunidade),inclusive as geradas por exposição a Agexternos microbianos, só se acompanhararamente de patologia (doença auto--imune).Se a diversidade do repertório de Agcomuns entre microorganismos e seushospedeiros for realmente grande, asprobabilidades de encontro de Ag externospareci<strong>dos</strong> com os nossos própriosAg (leia-se dota<strong>dos</strong> de propriedades dereação cruzada com auto-Ag) serão bastantealtas.Mas qual o tamanho da ameaçapotencial? Quantos Ag em média compartilhamoscom um microrganismo? Podemoster uma idéia realista da resposta àessa pergunta comparando proteomas.Como vimos, menos de 1% <strong>dos</strong> nossosgenes são exclusivos da nossa espécie,isso quando consideramos to<strong>dos</strong> osgenes de todas as espécies conhecidasaté hoje [3]. Um trabalho interessantedividiu o proteoma humano em pequenosoligopeptídeos de cinco aminoáci<strong>dos</strong> decomprimento (pentapeptídeos ou 5-mers)de um modo a que to<strong>dos</strong> os peptídeospossíveis que pudessem ser feitos comesse tamanho a partir do nosso proteomafossem representa<strong>dos</strong>. Os autoresadotaram, em seguida, o mesmo procedimentocom proteomas de alguns víruspatogênicos e determinaram a quantidadede peptídeos idênticos entre os doisproteomas. Observou-se que entre 89,3%e 93,5% <strong>dos</strong> peptídeos deriva<strong>dos</strong> <strong>dos</strong>proteomas virais tinham um homólogoperfeito no proteoma humano [67]. Umoutro trabalho do mesmo grupo utilizouessa metodologia para analisar quarentabactérias diferentes (20 patogênicas e 20e malária cerebral), não há evidências concretasde que alguns deles, como os Ac anti-DNA, sejampatogênicos [66].não patogênicas) e o proteoma humano eencontrou números semelhantes (89,8%a 93,3%) quando pentapeptídeos foramconsidera<strong>dos</strong>. A percentagem de homologiadiminuiu para 28,8%-37,5% quandohexapeptídeos foram considera<strong>dos</strong>, para3%-4,9% no caso de heptapeptídeos epara 0,4%-0,7% no caso de octapeptídeos[41]. Se considerarmos que o comprimentoótimo de um epítopo proteico linearde célula B é de cinco aminoáci<strong>dos</strong> [68](embora epítopos de até 16 aminoáci<strong>dos</strong>de comprimento tenham sido relata<strong>dos</strong>[69,70]) e que o número de pentapeptídeospossíveis de serem construí<strong>dos</strong>utilizando-se os 20 aminoáci<strong>dos</strong> queocorrem naturalmente no nosso mundoé de 3.200.000 (esse número sobepara 6,55 x 10 14 quando consideramos16 aminoáci<strong>dos</strong> de extensão) somosinduzi<strong>dos</strong> à conclusão de que as altaspercentagens de homologia encontradasnão são devidas ao acaso. Na realidade,o fato de um vírus ou uma bactériapossuir em torno de 90% de estruturassemelhantes às nossas nos mostra quenosso sistema imune é bombardeadorotineiramente por um número enorme deAg homólogos aos nossos apresenta<strong>dos</strong>numa roupagem parasitária. Logicamenteesse tipo de abordagem não consideraepitopos conformacionais ou os gera<strong>dos</strong>por modificações pós-transcricionais enem indica um valor médio de homologiaentre os dois organismos levando em contato<strong>dos</strong> os possíveis epitopos (de cincoaté 16 aminoáci<strong>dos</strong> de comprimento).Na Tabela I, tentamos quantificara percentagem média de homologia doproteoma de alguns organismos eucariotaspatogênicos (com genoma completamentesequenciado) com o humano,utilizando o Procom e uma abordagemum pouco diferente. Calculamos a per-


Neurociências 73centagem de proteínas homólogas emrelação ao número total de proteínas <strong>dos</strong>diversos organismos e esse valor estárepresentado como o primeiro númeroentre parênteses em cada célula daTabela. Se levarmos em conta somenteos organismos patogênicos (em negrito),essa percentagem variou entre 14,37%e 59,40% (com e-value de 10 -10 ) e entre1,19% e 10,88% (com e-value de 10 -100 )(Figura 1B). Por estarmos considerandohomologias entre peptídeos deriva<strong>dos</strong><strong>dos</strong> diversos proteomas de forma independentedo tamanho <strong>dos</strong> mesmos,obtivemos números relativamente menoresque os obti<strong>dos</strong> pelas análisesque comparam apenas pentapeptídeos.Contudo, nossos números ainda sãoimpressionantes já que, por exemploalguns organismos apresentaram maisde metade das suas proteínas comohomólogas às nossas.Esses da<strong>dos</strong> têm implicações diretaspara a compreensão da contribuiçãodo fenômeno de compartilhamento deAg à adaptação evolutiva de parasitosno con<strong>texto</strong> da co-habitação comseus hospedeiros ou, ao contrário, aodesenvolvimento de auto-imunidade e,eventualmente, de doença auto-imune. Onúmero total de Ag potencialmente auto--imunes (estima<strong>dos</strong> através do númeroconhecido de especificidades de auto-Ac)está na casa das centenas baixas [71].Ainda menor seria o número de doençasauto-imunes conhecidas. Roitt [72]repertoria 31 principais, no capítulo deDoenças auto-imunes do célebre e clássicolivro <strong>texto</strong> de imunologia, correspondendouma dezena (ou menos) delas àsmais comuns e conhecidas [73]. Assim,considerando-se que o número total deproteínas no proteoma humano gira emtorno de 30.000, menos de um por centodas mesmas seria alvo potencial de autoimunidade.Essas estimativas não batemcom o altíssimo número potencial deAg que compartilhamos com organismospatogênicos (cerca de 90% – 27.000proteínas – de nossos constituintes),que poderiam induzir autoimunidade.Dois racionais, não exclusivos, poderiamexplicar tal contraste: i) os mecanismosde manutenção da tolerância são extremamenteeficientes e só falhariam emraros casos; ii) o mecanismo de quebrada tolerância imunológica através dofenômeno de compartilhamento de Agnão é predominante nem suficiente paralevar ao desenvolvimento de patologiaauto-imune na maior parte <strong>dos</strong> casos.Acreditamos que este fenômeno decompartilhamento antigênico seja apenasum <strong>dos</strong> mecanismos através <strong>dos</strong> quais oque chamamos de tolerância imune podeser desregulada. Repertoriar os mecanismosenvolvi<strong>dos</strong> na manutenção da tolerânciaa auto-Ag, mesmo quando estessão expostos ao sistema imune na “pele”de um microorganismo invasor, foge aoescopo e objetivos deste trabalho, mashoje sabemos que estes são múltiplos,redundantes e que o con<strong>texto</strong> no qualesses auto-Ag são (ou não) apresenta<strong>dos</strong>ao sistema imune é determinantee decorre da variabilidade genética <strong>dos</strong>hospedeiros.Por exemplo, para explicar a fase daindução da cardite auto-imune pós-estretptocócica,<strong>dos</strong> Reis e Barcinski [74]propuseram, em um trabalho profético noinício <strong>dos</strong> anos 80, que a apresentaçãode Ag estreptocóccicos de reação cruzadacom fibras cardíacas pelos macrófagosseria uma função controlada geneticamente.Segundo os autores, determinantesantigênicos presentes em cepasde estreptococos ß hemolítico do grupo


74NeurociênciasA que causam a febre reumática seriamseleciona<strong>dos</strong> por macrófagos através de“genes de resposta imune” (que hoje sesabe corresponderem àqueles codantesde Ag de classe II do Complexo principalde histocompatibilidade, MHC em inglês),para serem apresenta<strong>dos</strong> aos linfócitos T.A reação cruzada entre os determinantesantigênicos seleciona<strong>dos</strong> geneticamentee componentes do tecido cardíaco gerariaclones de células-T auto-reativas. A hipóteseexplicava a capacidade de cepasdiferentes do estreptococos de produzira febre reumática, assim como a variabilidadede susceptibilidade de diferentesindivíduos à doença.Assim, o risco à integridade <strong>dos</strong>organismos e de suas homeostasiasdependeria mais das características genéticasde alguns raros indivíduos quetem, desafortunadamente, a “vocação”para apresentar esses Ag de reação cruzadaa células imunes efetoras gerando orisco de indução de resposta auto-imunee mesmo de desenvolvimento de doençaauto-imune. De fato, desde 1986 váriostrabalhos tem demonstrado a associaçãode cardite reumática com alelos de classeII do MHC em afro-americanos (HLA-DR2),em Cáucaso-americanos (HLA-DR4), embrasileiros, egípcios, latvianos e turcos(HLA-DR7) [75].Um outro componente da tolerânciaaos auto-Ag estaria representado peloconjunto de células e mecanismos regulatóriosda resposta imune. Assim,um organismo que, por alguma razão,apresentasse um desequilíbrio (momentâneoou não) desses mecanismosestaria fragilizado se fosse simultaneamenteexposto a Ag de reação cruzadapresentes na superfície de microrganismos.Isso foi previsto por <strong>dos</strong> Reise Barcinski [74] que supuseram que aauto-imunidade desencadeada pela exposiçãodo hospedeiro a Ag de reaçãocruzada do estreptococo ß hemolíticotornar-se-ia uma resposta auto-imunepatogênica, gerando doença (a febrereumática acompanhada de carditepós-estreptocóccica) se, além da predisposiçãogenética (revelada pelacapacidade de macrófagos daqueleindivíduo selecionarem determinantesantigênicos do estreptococo com propriedadede reação cruzada com antígenosdo coração) ocorresse também umdesequilíbrio da regulação da respostade células T.Pode-se supor, portanto, que a possibilidadede coexistência de mais deum fator de risco de desenvolvimentode resposta auto-imune justificaria aredundância de mecanismos protetoresda tolerância aos auto-Ag na tentativa degarantir a manutenção da integridade doorganismo.Um mecanismo de redundância semelhanteopera para garantir o nossoequilíbrio e envolve três componentesque operam simultânea e complementarmente:o cerebelo, o sistema coclearno ouvido interno e a visão. Em outraspalavras: a propriocepção (capacidade deconhecer a posição do corpo no espaço,a função vestibular (capacidade de conhecera posição da cabeça em relaçãoao corpo) e a visão (que pode ser usadapara monitorar e ajustar as mudanças naposição do corpo). Podemos funcionarbem com somente dois desses componentesintactos. Assim, o famoso testede Romberg (um vídeo explicando como oteste de Romberg deve ser executado e oque ele testa pode ser visto no seguintewebsite http://www.neuroexam.com/neuroexam/content.php?p=37) utilizadono exame neurológico no qual se pede


Neurociências 75ao indivíduo sob exame que tente seequilibrar em um pé só de olho fechado,pode detectar algum problema cerebelarou coclear visto que, nesse caso, com aprivação da visão, dois <strong>dos</strong> sistemas estarão“falhos” (o problemático, e a visãoretirada do sistema), o que resultará naperda de equilíbrio e na positividade doteste [76]X.Organismos biológicos parecem seutilizar de estratégias de redundânciasemelhantes para garantir que o sistemacomo um todo funcione satisfatoriamente,mesmo que uma parte dele falhe poralgum motivo. Isso faz com que, para queo sistema se desregule, mais de um fatorde risco deva estar presente ao mesmotempo (ou sequencialmente) de forma ainutilizar ou neutralizar mais de um <strong>dos</strong>mecanismos redundantes protetores daintegridade em um determinado momento,gerando patologia.É provável que fenômeno comparávelopere para garantir a tolerância a auto-Agou permitir o desenvolvimento de doençasauto-imunes. Assim entrar em contatocom Ag homólogos apresenta<strong>dos</strong> comuma roupagem parasitária seria apenasum <strong>dos</strong> fatores potencialmente intervenientesno desenvolvimento de respostaauto-imune e não seria, em princípio,evento suficiente para determinar agênese de patologia de autoagressão.Em conclusão as chances de produçãode autoAc patogênicos por exposiçãoa microrganismos com Ag de reaçãocruzada são diminutas em presença demecanismos de regulação íntegros paraa enorme maioria de perfis genéticos <strong>dos</strong>indivíduos.XUm vídeo explicando como o teste de Romberg deveser executado e o que ele testa pode ser visto noseguinte website; WWW.neuroexam.comAgradecimentosCTDR é Bolsista de Produtividade doCNPq e Cientista do Nosso Estado daFaperj. Os autores agradecem aos DoutoresMarcello Barcinski e Luis AnastácioAlves (IOC, <strong>Fiocruz</strong>) pela revisão crítica domanuscrito.Referências1. de Miranda NF, Björkman A, Pan-Hammarström Q. DNA repair: the linkbetween primary immunodeficiency andcancer. Ann N Y Acad Sci 2011;1246:50-63.2. Singh RS, Artieri CG. Male sexdrive and the maintenance of sex:evidence from Drosophila. J Hered2010;101(Suppl1):S100-6.3. Lander ES, Linton LM, Birren B,Nusbaum C, Zody MC, Baldwin J and theInternational Human Genome SequencingConsortium. Initial sequencing andanalysis of the human genome. Nature.2001;409(6822):860-921. Erratum in:Nature 2001;412(6846):565. Nature2001;411(6838):720.4. Waterston RH, Lindblad-Toh K, BirneyE, Rogers J, Abril JF, Agarwal P and theMouse Genome Sequencing Consortium.Initial sequencing and comparativeanalysis of the mouse genome. Nature2002;420(6915):520-62.5. Glazko G, Veeramachaneni V, Nei M,Makalowski W. Eighty percent of proteinsare different between humans andchimpanzees Gene 2005;346:215-9.6. Chimpanzee Sequencing and AnalysisConsortium. Initial sequence of thechimpanzee genome and comparisonwith the human genome. Nature2005;437(7055):69-87.7. Damian RT. Molecular mimicry: Antigensharing by parasite and host and itsconsequences. American Naturalist1964;98:129-49.


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80NeurociênciasRevisãoNeurociência, a ciência do sistemanervoso: da descoberta do impulsonervoso ao estudo da consciência e auma nova revolução tecnológicaNeuroscience, the science of the nervous system:from the discovery of the nerve impulse to the study ofconsciousness and to a new technological revolutionLuiz Carlos de Lima Silveira*, Manoel da Silva Filho**, José Luiz Martins do Nascimento**ResumoEste capítulo revê alguns aspectos fundamentais do conhecimento atual sobre como o Sistema Nervosoestá organizado e funciona. A revisão tem como ponto de partida a singularidade do nosso presente conhecimentosobre o Universo, a Vida e a Consciência. Em seguida, a organização morfológica e funcional doSistema Nervoso é apresentada em grandes pinceladas sobre suas funções, sua macroestrutura e seuscomponentes celulares. Como em qualquer sistema, os mecanismos pelo qual a informação é obtida,trafega entre suas partes e é enviada para o meio exterior ao sistema, constituem uma parte fundamentalda compreensão do seu funcionamento. No Sistema Nervoso a comunicação entre os neurônios e entre*Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, Instituto de Ciências Biológicas,Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil, **Instituto de Ciências Biológicas, UniversidadeFederal do Pará, Belém/PA, Brasil - Este artigo foi escrito a partir das conferências intituladas“Consciência, visão e sensibilidade ao contraste” e Hipótese do Centro Dinâmico: a Hipótese deEdelman para o substrato neural da consciência”, ministradas por Luiz Carlos de Lima Silveira, respectivamente,na I e II Jornadas Fluminenses de Cognição Imune e NeuralCorrespondência: Dr. Luiz Carlos de Lima Silveira, Universidade Federal do Pará, Núcleo de MedicinaTropical, Av. Generalíssimo Deodoro 92 Umarizal 66055-240 Belém PA, Tel: (91) 3201-6819, E-mail:luiz@ufpa.br ou luizcarlos.silveira@pq.cnpq.br


Neurociências 81eles e as células associadas ocorre mais frequentemente através de mensageiros químicos. A informaçãoneural pode também ser codificada e enviada a longas distâncias através de fibras nervosas utilizando umprocesso eletroquímico – o chamado impulso nervoso.Palavras-chave: sistema nervoso, impulso nervoso, comunicação intercelular, neurotransmissão, consciência,neurociência.AbstractThis paper reviews some fundamental aspects of what is currently known about the Nervous System, howit is organized, and how it works. The starting point is the singularity of our current knowledge on three keyissues – the Universe, the Life, and the Consciousness. Then, the morphological and functional organizationof the Nervous System is presented in a large overview, encompassing its functions, macrostructure,and cell components. As in any other system, it is crucial for the understanding how the system works, tostudy how information from outside is obtained, processed, and then used to act on the external world. Inthe Nervous System, communication between neurons and between neurons and associated cells moreoften occurs by mediation of chemical messengers. In addition, neural information may be also codedand sent to long distances by nerve fibers by using an electrochemical process called the nerve impulse.Key-words: nervous system, nerve impulse, intercellular communication, neurotransmission, consciousness,neuroscience.Reflexão inicialA Neurociência é um ramo relativamentenovo do conhecimento, cujo pontode partida pode ser tomado como o dafundação, nos EUA, da Society for Neuroscience(1969). Entretanto, o seu objetode estudo, o Sistema Nervoso, vem sendoinvestigado há alguns séculos com ouso de uma extraordinária multiplicidadede ferramentas. Ramos da ciência comoNeurologia, Psiquiatria, Psicologia, Linguística,Neuroanatomia, Neurofisiologia,Neurofarmacologia, Neuroquímica, entreoutros, têm olhado o Sistema Nervososob os mais diferentes ângulos e comuma grande variedade de méto<strong>dos</strong> de investigação.No Sistema Nervoso residemos mecanismos de funções essenciaisda experiência humana, como visão,audição, somestesia, fala, motricidade,percepção, emoção e motivação, assimcomo os processos de controle de umasérie de funções do nosso corpo que sedesenrolam sem tomarmos conhecimentode sua existência, como o controle neuralda pressão arterial, do nível de oxigêniona corrente sanguínea e da osmolaridadeplasmática. Dessa grande variedade deaspectos do Sistema Nervoso, nenhumnos fascina mais que a Consciência, aprópria noção do eu, a constatação daprópria existência que cada ser humanotraz consigo, a qual indubitavelmentereside no funcionamento <strong>dos</strong> neurôniosde certas regiões encefálicas em determinadascondições que resultam na vigília eno sonho. A Consciência é uma das trêsentidades fundamentais que ocupam asquestões levantadas pela ciência atuale, como veremos abaixo, é possível queo estudo de to<strong>dos</strong> os outros aspectosda natureza derive do estudo dessasentidades.Como em todas as questões abordadaspela ciência, o estudo da Cons-


82Neurociênciasciência exige o desenvolvimento de umframework conceitual e experimental,sem o qual se torna muito difícil testarhipóteses, analisar resulta<strong>dos</strong> e propornovas perguntas dentro <strong>dos</strong> rigores dométodo científico. Esse framework podeser encontrado nos trabalhos de GeraldMaurice Edelman (1929-), médico, imunologistae neurocientista americano,nascido em New York (1929), detentor doPrêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina(1972), juntamente com o bioquímico eimunologista inglês Rodney Robert Porter(1917-), por seus trabalhos sobre a estruturae a diversidade <strong>dos</strong> anticorpos, comcontribuições importantes sobre as interaçõesentre células que levaram à descobertadas moléculas de adesão celular(CAMs) [1]. Edelman propôs uma teoriaoriginal, biológica, sobre a Consciência, aqual procura associar determina<strong>dos</strong> tiposde processos neurais às propriedadeschaves da experiência consciente [2-5].A existência de uma plataforma detrabalho como a proposta por Edelmanpermite abordar um problema técnicocrucial, que aflige to<strong>dos</strong> os que trabalhamem Neurociência, qual seja comotornar possível registrar, medir, aferirobjetivamente processos que acontecemdentro do cérebro, entre eles e,sobretudo, os processos subjacentes àexperiência consciente. Desde o adventoda Eletrofisiologia, quando os primeirosexperimentos usando essa técnica foramfeitos pelo médico e físico italiano LuigiAloisio Galvani (1737-1798), no SéculoXVIII [6-8], diversos tipos de registro daatividade elétrica neural tanto periféricacomo central têm sido usa<strong>dos</strong> para exploraro funcionamento do Sistema Nervoso,aos quais se juntaram recentemente méto<strong>dos</strong>complexos computadoriza<strong>dos</strong> deneuroimagem basea<strong>dos</strong> em fenômenoselétricos [9,10], magnéticos [11], noemprego de raios X [12], de ressonânciamagnética nuclear [13,14] e de emissãode pósitrons [15], entre outros. A quantidadede informação obtida pelo empregodessas técnicas é vastíssima, mas nãotornou mais próxima a realização doexperimento hipotético de “registrar aConsciência de um indivíduo”. Esse insucessopode ser atribuído à resoluçãoespacial ou à resolução temporal dessesméto<strong>dos</strong>, mas também à falta de colocara pergunta experimental dentro de umabase conceitual adequada. Também éinteiramente possível, mudando estaargumentação para um enfoque maispessimista, que o estudo adequado daConsciência esteja à espera de umagrande revolução no conhecimentocientífico como ocorreu com a própriaEletrofisiologia, a qual não poderia existirantes da descoberta da eletricidade, oucomo ocorreu com a Astrofísica Estelar,impossível de avançar sem a descobertada fusão nuclear. São dois exemplosda evolução do conhecimento que ilustramcomo muitas vezes é impossível,num dado momento histórico, formularperguntas para serem respondidas deforma experimental ou teórica sobre umdado problema científico sem que osfundamentos físicos subjacentes a esseproblema sejam minimamente conheci<strong>dos</strong>.Pode ser esse o momento atual doestudo da Consciência.As três grandes questões mencionadasacima e que de certa forma compreendemo conjunto do que se indagasobre ciência são as seguintes. O que éo Universo? O que é a Vida? O que é aConsciência? Todas as investigações quesão realizadas pelos milhares de cientistasnaturais de uma forma ou de outraacabam desembocando nessas três


Neurociências 83questões. No centro desses trabalhosestão o homem, os seres vivos e todasas coisas existentes, em círculos cadavez maiores que compreendem o anterior.A ConsciênciaA terceira grande questão pode sera de maior interesse, pois diz respeitointimamente à natureza do ser humano:“o que é a Consciência, quando e comoela surgiu na linhagem que levou ao serhumano?” [16-18]. E, além disso, ela vemcom questões subsidiárias altamenterelevantes, tais como “outros animaissão dota<strong>dos</strong> de Consciência?” [16-18],“máquinas construídas pelo homem podemser conscientes?”, “a Consciência éuma consequência frequente da evolução<strong>dos</strong> seres vivos?”, “existirão seres conscientesnoutros planetas?”, “poderemosdesenvolver méto<strong>dos</strong> de registro de talforma a preservar um estado consciente,tanto para estudá-lo objetivamente comopara reproduzi-lo?”Se as duas primeiras grandes questõesmencionadas no início desse capítulolevam à Astrofísica e à Biologia, respectivamente,a terceira leva à Neurociência.O problema enfrentado em cada umadessas grandes áreas do conhecimentoassemelha-se num aspecto: nas trêssituações, pelo menos por enquanto, énecessário tirar conclusões a partir de umúnico experimento – um único Universo;um único planeta com Vida – a Terra; umúnico ser vivo dotado de Consciência – oHomem. Entretanto, no caso da Cosnciência,existe mais de uma razão parasupor que isso possa não ser o caso. Emprimeiro lugar, o Homo sapiens sapiensfoi precedido por muitos parentes próximos,os primatas da subtribo Hominina,fossem membros da sua própria espécie(H. sapiens neaderthalensis), do mesmogênero (H. heidelbergensis, H. erectus, H.ergaster, H. habilis) e de gêneros diferentes(Paranthropus aethiopicus; P. boisei;P. robustus; Australopithecus sediba, A.garrhi, A. africanus, A. bahrelghazali, A.afarensis, A. anamensis; Ardipithecusramidus, A. kadaba; e, provavelmente,muitos outros a serem descobertos), detal forma que a partir do que sabemos daestrutura e função do Sistema Nervosoem primatas, é quase certo que pelomenos as espécies mais próximas doHomem, todas já extintas, possuíssemprocessos mentais muito semelhantesaos que ocorrem no cérebro humano,inclusive <strong>aqui</strong>lo que chamamos Consciência.Em segundo lugar, a questãoda presença de Consciência em outrosprimatas, outros mamíferos e até mesmoaves e outros animais, quando perguntadadentro do framework montado porEdelman e seus colegas, é respondidaafirmativamente [16-19]. Assim, pode serque pelo menos a Neurociência possaprosseguir a investigação da sua questãomaior com mais de um ponto no gráfico,diferentemente do que acontece com aBiologia e a Astrofísica...A pergunta da ordem do dia é se háalguma maneira de registrar a atividadeconsciente, ou seja, usar algum tipo deneuroimageamento cuja análise reveleexatamente o que um ser humano estejapensando. Apesar de existirem muitasformas de registrar a atividade <strong>dos</strong> neurônioscerebrais (como listado no iníciodeste capítulo), nenhuma delas ainda écapaz de fornecer essa informação, e oassunto ainda é do domínio da FicçãoCientífica (Figura 1). Entretanto, os méto<strong>dos</strong>existentes de registro da atividadeneural permitem estabelecer uma sériede correlações entre o efeito da estimu-


84Neurociênciaslação sensorial como, por exemplo, aestimulação visual, e atividade neuronal,assim como a atividade neuronal queprecede a execução de um determinadomovimento, inclusive os movimentos quelevam à fala. Esses méto<strong>dos</strong> têm sidousa<strong>dos</strong> por Edelman e colegas para estudaros processos neurais que, segundoeles, formam a base neurofisiológica daConsciência [2,3].Edelman e colegas seguiram asidéias do médico, psicólogo e filósofoamericano William James (1842-1910),segundo o qual a Consciência é um processo,um fluxo que muda numa escalatemporal de fração de segundo, tendocomo uma das suas principais característicaso fato de ser unificada ou integradae, por conseguinte, também nãopoder ser completamente compartilhadaentre dois indivíduos [2,19]. Em outraspalavras, a experiência consciente é feitade sucessivas unidades, cada uma deladurando aproximadamente 200 ms, nãohavendo mais do que uma única “cena”em cada estado da consciência, que nãoé passível de decomposição, de tal formaque o ser humano não experimenta doispensamentos ao mesmo tempo. Váriasobservações experimentais corroboramessa descrição. Por exemplo, pacientesque foram submeti<strong>dos</strong> ao seccionamentodo corpo caloso são capazes de resolversimultaneamente dois problemas espaciaisvisuais quando cada um deles éapresentado a um <strong>dos</strong> hemisférios cerebrais,enquanto um indivíduo normal, como corpo caloso intacto, combina essesproblemas numa única grande questãomuito mais difícil de resolver [2,19,20].Além disso, um indivíduo não é capaz defazer várias tarefas simultaneamente, amenos que uma delas seja altamente automáticae não represente uma sobrecargapara a experiência consciente (comoler um <strong>texto</strong> ao mesmo tempo em que odatilografa e ouve uma música de fundo)[2,19]. Também não é possível tomarmais de uma decisão conscientementedentro do chamado periodo refratáriopsicológico, aproximadamente o tempoque dura um estado da Consciência comodescrito acima, cujas bases corticais têmsido objetos de estu<strong>dos</strong> com imageamentopor ressonância magnética nuclear funcional[2,19,24,25]. Outros fenômenosque também podem ser interpreta<strong>dos</strong>como decorrentes do caráter indivisívelda Consciência são a biestabilidade defiguras ambíguas e a rivalidade perceptiva(“perceptual rivalry”), esta última usadapor Edelman e colegas para explorar osmecanismos da Consciência em umasérie de experimentos usando imageamentocortical por magnetoencefalografia[2,19,26].Ainda segundo a teoria de Edelmane colegas, a segunda propriedade fundamentalda Consciência é a sua grandediferenciação ou complexidade [2,19].Essa propriedade está relacionada aogrande número de esta<strong>dos</strong> conscientespossíveis quando um deles é escolhidocomo o próximo dentro da sequência queconstitui nossa experiência conscientediária. Esse número é, verdadeiramente,gigantesco e a escolha é feita dentro deuma fração de segundo, por exemplo,quando um indivíduo discrimina uma cenadentre um número muito grande delas[27]. As implicações da grande complexidadedo fenômeno consciente levamao seu tratamento usando ferramentasda Teoria da Informação [28]. Dentro deum processo, a diferenciação entre certonúmero de possibilidades implica emganho de informação ou diminuição deincerteza ou entropia [28]. Por exemplo,


Neurociências 85Figura 1 - Los Angeles, Dezembro, 1999. Lenny Nero (Ralph Fiennes), um ex detetivepolicial que se tornou um ambulante, negocia com sonhos, especificamente com registros“Squid” de experiências feitos diretamente do córtex cerebral e reproduzi<strong>dos</strong> numaparelho semelhante a um reprodutor de DVD. Esse equipamento permite que o usuárioexperimente todas as sensações vividas pelo sujeito em que o registro foi feito.”“Strange Days” é o título dessa película de Ficção Científica, lançada em 1995, dirigidapor Kathryn Bigelow e produzida e co-escrita pelo seu ex-marido James Cameron.Estrelam Ralph Fiennes (A), Angela Bassett, Juliette Lewis (B), Tom Sizemore, MichaelWincott, Vincent D’Onofrio e Louise LeCavalier [56]. A película é notável pela sua visão“distópica” do futuro e a moral ambígua da maioria <strong>dos</strong> seus personagens, levandomuitos críticos a considerarem-na como um exemplo moderno de “film noir”. Os trabalhosrealiza<strong>dos</strong> por alguns grupos de pesquisa no exterior, inclusive o coordenado peloneurocientista brasileiro Miguel Ângelo Laporta Nicolelis (1961-) um dia permitirão queesse tema clássico da Ficção Científica entre para a realidade da Ciência: o registo ereprodução da experiência cerebral humana [57,58]. Fontes das ilustrações: [59,60].To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.quando uma moeda de faces idênticas(ambas coroas) é jogada para o alto,sabe-se de antemão que ela cairá comcoroa voltada para o observador e o ganhode informação é igual a zero; no caso deuma moeda comum, ela poderá cair comcoroa ou cara voltada para o observadore o ganho de informação é igual a 0,5;no caso de um dado, ele pode cair comuma dentre seis faces voltada para cimae o ganho de informação é de aproximadamente0,83; e assim por diante. Usando omesmo procedimento, quando passamosABde um pensamento ao próximo, a escolhaé feita entre bilhões de possibilidadee o ganho de informação é enorme, namétrica acima valor muito próximo de um,o valor máximo, e a entropia é diminuídapara valores muito pequenos, próximosde zero. A abordagem dessa propriedadeda Consciência pode ser usada pararesponder a questões aparentementedifíceis tais como se um computadordigital pode ser consciente: neste caso aresposta é não. O ganho de informação,além disso, leva rapidamente a diferentes


86Neurociênciasconsequências em termos de percepção,motivação ou ação, uma característica<strong>dos</strong> animais, especialmente <strong>dos</strong> maiscomplexos.O passo seguinte e crucial para estabeleceruma ligação entre o processoque representa a Consciência, tal comodescrito acima pelas suas propriedadesfundamentais, e a realidade fisiológicado funcionamento do Sistema Nervosoreside, então, na procura <strong>dos</strong> fenômenosneurofisiológicos que possam explicar aintegração e diferenciação observada naatividade consciente. Edelman e colegaspropuseram a chamada Dynamic CoreHypothesis para descrever essa ligação[2,19]. Diferentemente de William Jamesque achava a Consciência um processoque ocorria em todo o cérebro, Edelman ecolegas, baseado no conhecimento maisdetalhado do funcionamento cerebral disponívelna atualidade, atribuem esse papelà mudança na frequência de disparode impulsos nervosos de neurônios situa<strong>dos</strong>em determinadas regiões do cérebro.Os neurônios que contribuiriam para aexperiência consciente são aqueles quefazem parte de grupos funcionais que setornam altamente integra<strong>dos</strong> em cercade 200 ms, a escala temporal do períodorefratário psicológico, e que exibem altograu de diferenciação estimado pela suacomplexidade, o qual se manifesta pelamudança constante no seu padrão deatividade e de conectividade. O dynamiccore incluiria regiões córtico-talâmicasposteriores envolvidas na categorizaçãoperceptual interagindo de forma reentrantecom regiões anteriores envolvidasna formação de conceitos, memóriarelacionada a valores e planejamento[2,19]. Utilizando paradigmas psicofísicosde rivalidade perceptual, neuroimageamentopor magnetoencefalografia e estimativade complexidade usando Teoriade Informação, eles foram capazes deacrescentar comprovação experimentalà hipótese proposta [2,3].Neste ponto é importante que certosaspectos gerais da estrutura e funçãodo Sistema Nervoso sejam descritos,uma vez que é na complexa forma comoas células neurais se comunicam queresidem os processos subjacentes àConsciência, seja como proposto acima,seja obedecendo a outras hipóteses jáformuladas ou que o venham a ser.O Sistema Nervoso como umsistemaHá diversos planos didáticos em queo estudo do Sistema Nervoso pode serdecomposto, incluindo o mapeamento desuas divisões anatômicas e <strong>dos</strong> nervose tratos que ligam essas divisões, a caracterização<strong>dos</strong> elementos celulares queconstituem essas divisões e as vias queas conectam, os processos bioquímicose farmacológicos que estão na raiz dacomunicação química entre as célulasdo Sistema Nervoso e os fenômenoseletroquímicos responsáveis pelo impulsonervoso e a liberação de certas substânciasquímicas pelas células do SistemaNervoso. O estudo do Sistema Nervosoconduzido dessa maneira organiza o palcoonde as grandes funções neurais comoa Consciência, a Percepção, a Motivação,a Emoção, o Raciocínio, a Lembrança ouo Planejamento possam ser compreendidas,seja hoje ou amanhã, à medida queo conhecimento avança.Do ponto de vista anatômico, o SistemaNervoso pode ser dividido em sistemanervoso central e periférico. O sistemanervoso central compreende o tecidonervoso alojado na caixa craniana e no


Neurociências 87canal vertebral, sendo exceção as retinase as porções extracranianas <strong>dos</strong> nervosópticos que, apesar de fazerem parte <strong>dos</strong>istema nervoso central, originando-se dodiencéfalo, terminam por ocupar ao longodo desenvolvimento uma localização forada caixa craniana. As grandes divisões doSistema Nervoso central compreendemo cérebro, o tronco cerebral, o cerebelo,to<strong>dos</strong> protegidamente situa<strong>dos</strong> na caixacraniana, e a medula espinhal, dentro docanal vertebral (Figura 2). O sistema nervosoperiférico compreende a maior partedo tecido nervoso situado fora do crânioe do canal vertebral, incluindo conjuntosneuronais situa<strong>dos</strong> nos gânglios nervosose os ramos nervosos que se originam <strong>dos</strong>nervos cranianos e r<strong>aqui</strong>dianos.Figura 2 - A. O sistema nervoso central está bem protegido contra pequenos traumaspor sua localização dentro da caixa craniana e do canal vertebral. As únicas porções <strong>dos</strong>istema nervoso central localizadas fora dessa proteção são as retinas, as quais sãopartes de uma região do cérebro chamada diencéfalo e que durante o desenvolvimentoocupam localização fora do crânio para formar a túnica interna do globo ocular. B.Grandes divisões do sistema nervoso central: 1) hemisférios cerebrais, compreendendoo córtex cerebral e os núcleos cinzentos da base do cérebro; 2) diencéfalo, compreendendotálamo, hipotálamo e outros núcleos menores; 3) mesencéfalo; 4) ponte;5) cerebelo compreendendo o córtex cerebelar e os núcleos cinzentos profun<strong>dos</strong> docerebelo; 6) bulbo r<strong>aqui</strong>diano; 7) medula espinhal. O mesencéfalo, a ponte e o bulbor<strong>aqui</strong>diano constituem o tronco cerebral. Fonte da ilustração: [61]. Copyright © 1996,Appleton & Lange. To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.O Sistema Nervoso pode ser estudadodo ponto de vista da Análise deSistemas, um ramo da Engenharia, Matemáticae Teoria da Informação. Nessaciência, os elementos fundamentaisque precisam ser defini<strong>dos</strong> e aplica<strong>dos</strong>à entidade que está sendo estudada,são sinal e sistema. Um sinal é umaquantidade física mensurável que variano espaço, no tempo ou noutro domínio,


88Neurociênciassendo representado por uma função deuma variável dependente em relação àsvariáveis independentes que representamo domínio de interesse [29]. Um sistemaé um conjunto de relações causas-efeitosentre dois ou mais sinais – os sinais identifica<strong>dos</strong>como causas são chama<strong>dos</strong> deinputs ou excitações enquanto os sinaisidentifica<strong>dos</strong> como efeitos são chama<strong>dos</strong>outputs ou respostas [29]. Uma formacomum de representar um sistema é umdiagrama em blocos, um fluxograma quesistematiza a maneira como a informaçãotrafega e é modificada num determina<strong>dos</strong>istema, como os sinais entram numdeterminado sistema e originam sinaisde saída nesse sistema [29].O Sistema Nervoso pode ser esquematicamenterepresentado por umfluxograma onde os seus componentesfisiológicos fundamentais podem ser visualiza<strong>dos</strong>em ação. O fluxograma de LarryW. Swanson (Figura 3) consiste numasíntese baseada nos conceitos neurofisiológicosdesenvolvi<strong>dos</strong> pelo neurofisiologistae histologista espanhol SantiagoRamón y Cajal (1852-1934, laureadocom o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicinade 1906) e pelo neurofisiologista,histologista, bacteriologista e patologistainglês Sir Charles Scott Sherrington(1857-1952, laureado com o Prêmio Nobelde Fisiologia ou Medicina de 1932),assim como nos conceitos cibernéticosdo matemático americano Norbert Wiener(1894-1964) e do matemático húngaroJános von Neumann (1903-1957) [30].Esse fluxograma procura captar a essênciade como a informação chega, trafegae sai do Sistema Nervoso. Ele tambémprocura explicitar que existem partes essenciais,especializadas, para diversossubconjuntos de funções que ocorrem noSistema Nervoso: a informação provindado meio externo ou do meio interno chegapelo sistema sensorial; os sistemas sensorial,intrínseco e cognitivo influenciamo sistema motor; e a saída deste é avia final comum para o comportamentodo indivíduo. O sistema sensorial podeinfluenciar diretamente o sistema motore gerar respostas reflexas, as influênciasexercidas pelo sistema cognitivo sobre osistema nervoso são importantes paragerar respostas voluntárias enquanto asinfluências exercidas pelo sistema intrínsecoatuam como sinais de controle pararegular o estado comportamental. Alémdisso, o fluxograma mostra a retroalimentaçãoexercida pelo comportamentosobre o Sistema Nervoso, através deentradas convenientemente acessíveisdo sistema sensorial, de tal forma queessa retroalimentação pode ser usadapelo sistema cognitivo para a percepçãoe pelo sistema intrínseco para atribuirafeto (prazer, dor). O fluxograma tambémmostra a mútua influência entreos quatro sistemas neurais. A partir deum fluxograma como esse é possíveldesenhar-se um plano coerente para oestudo da fisiologia do Sistema Nervoso,descrevendo a função desses seusquatro componentes principais e de suasdivisões funcionais, e relacionando, namedida do conhecimento atual, forma efunção, ou seja, que funções dependemde que estruturas neurais.Cada um <strong>dos</strong> sistemas menciona<strong>dos</strong>acima está organizado em arquiteturasdiferenciadas, entre elas a arquiteturaparalela de processamento de informaçãoe a organização hierárquica <strong>dos</strong> níveis decontrole.O processamento paralelo consisteno uso de circuitos de neurônios sintoniza<strong>dos</strong>para diferentes domínios ou paradiferentes regiões de um mesmo domínio,


Neurociências 89transmitindo informação diferenciadade um nível para outro do sistema; osdiversos tipos de informação transmitidapor esses circuitos são combina<strong>dos</strong> deacordo com as necessidades comportamentaispara tornar mais eficiente o desempenhodo organismo. A consequênciadisso é que numa determinada via sensorial,por exemplo, existem fibras nervosastransmitindo informações diferentes e,muitas vezes, complementares, sobreuma classe de estímulos sensoriais. Aestimulação mecânica da palma da mão,por exemplo, é transmitida por pelo menosquatro classes de fibras nervosasconectadas a receptores sensoriais diferencia<strong>dos</strong>quanto à localização, precisãoespacial e precisão temporal: receptoresde Merckel, superficiais, boa precisãoespacial, pobre precisão temporal; receptoresde Meissner, superficiais, pobreprecisão espacial, boa precisão temporal;receptores de Ruffini, profun<strong>dos</strong>, boa precisãoespacial, pobre precisão temporal;receptores de Paccini, profun<strong>dos</strong>, pobreprecisão espacial, boa precisão temporal(Figura 4). Os coman<strong>dos</strong> motores dirigi<strong>dos</strong>aos músculos são leva<strong>dos</strong> por axônios detrês classes distintas de motoneurôniosalfa que se conectam respectivamentea três classes de fibras musculares estriadasesqueléticas que se distinguempela intensidade da contração, rapidezde contração e susceptibilidade à fadiga.Figura 3 - O Sistema Nervoso pode ser tratado com as ferramentas da Análise de Sistemase representado por fluxogramas. Neles o fluxo de informação pode ser seguidoatravés de seus principais passos com maior ou menor detalhamento. No fluxogramaabaixo, o comportamento (B) é determinado pelo sistema motor (M), o qual é influenciadopela informação provinda do sistema sensorial (S), pela informação oriunda doestado comportamental intrínseco do indivíduo (I) e pela informação cognitiva (C). Ainformação sensorial leva diretamente às respostas reflexas (r), a informação cognitivaproduz respostas voluntárias (v) e a informação intrínseca atua como sinal de controlepara regular o estado comportamental (c). A saída do sistema motor (1) produz o comportamentocujas consequências são monitoradas pelo retroalimentação sensorial (2).Esta pode ser usada pelo sistema cognitivo para a percepção e pelo sistema intrínsecopara gerar afeto. Fonte da ilustração: [30]. Copyright © 2008, Elsevier Science. To<strong>dos</strong>os direitos reserva<strong>dos</strong>.


90NeurociênciasFigura 4 - Os sistemas sensoriais são portas importantes pelas quais a informação provindado meio externo chega ao Sistema Nervoso. No ser humano, o sistema sensorialsomático é um <strong>dos</strong> mais importantes. Seus receptores estão distribuí<strong>dos</strong> na pele, nosteci<strong>dos</strong> profun<strong>dos</strong> e nas vísceras. A informação provinda da pele chega à Consciênciaenriquecendo-a com os detalhes de como os vários estímulos estão atuando na superfíciedo corpo. A. Mapas de campos receptivos das quatro classes de mecanorreceptoresespecializa<strong>dos</strong> encontra<strong>dos</strong> na pele glabra humana: corpúsculos de Meissner (RA); célulasde Merckel (SAI); corpúsculos de Paccini (PC); corpúsculos de Ruffini (SAII). Meissnere Merckel são receptores superficiais, com campos receptivos pequenos, enquantoPaccini e Ruffini são receptores profun<strong>dos</strong>, com campos receptivos grandes. B. Respostade fibras nervosas periféricas a um padrão de pontos da escrita Braille deslocado sobre asuperfície da ponta do dedo humano a uma velocidade de 60 mm/s, na direção indicadapela seta, com mudança de 200 µm na sua posição a cada passagem. Cada potencialde ação disparado pela fibra nervosa é representado por um ponto nos gráficos. Somenteas fibras nervosas associadas às células de Merckel (SAI) seguem de forma fiel o padrãoBraille, uma vez que possuem os menores campos receptivos e sua janela temporalde amostragem é relativamente grande, permitindo uma resposta sustentada à estimulação.As respostas das fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Meissner (RA) ecorpúsculos de Paccini (PC), por não terem essas características, distorcem a informaçãopresente no estímulo. As fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Ruffini (SAII)pouco respondem a esse tipo estímulo. Fonte da ilustração: [62]. Copyright © 2003,Elsevier Science. To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.AB


Neurociências 91Além disso, os sistemas neuraisestão organiza<strong>dos</strong> em diversos níveis deprocessamento interconecta<strong>dos</strong> por viasdirigidas centralmente (ascendentes) ouperifericamente (descendentes). Assimpor exemplo, o sistema visual possui trêsníveis hierárquicos na retina, seguido deum nível mais central no tálamo, pelomenos dois na área visual primária docórtex cerebral e assim sucessivamente.A organização hierárquica preconiza quecada nível está sob o comando de níveissuperiores progressivamente mais abrangentes.Esse tipo de organização implicanum progressivo aumento <strong>dos</strong> graus deliberdade dentro de um domínio determinado<strong>dos</strong> níveis hierárquicos progressivamentesuperiores, os quais são capazesde comandar funções progressivamentemais complexas.O Sistema Nervoso feito de célulasO estudo do Sistema Nervoso comosistema, visualizando-se seus centrose vias como grandes blocos de umfluxograma por onde “flui um softwareescrito em linguagem do mais alto nívelcomputacional” permite, outrossim, dissecarordenamente as entranhas do seuhardware. Tanto num nível como noutro,software e hardware, muito ainda há quedescobrir, categorizar e associar com asfunções neurais de ordem superior quese sabe, pela introspecção, ocorrerem noorganismo humano na dependência dasações do Sistema Nervoso. É possívelque quando tudo for conhecido, os detalhesdo hardware tornem-se irrelevantes,tal como num computador digital de hojeem dia. Contudo, até que seja geradolaboriosamente o conhecimento de comoessas funções neurais superiores estãoimplementadas no tecido nervoso, nãoé possível prosseguir sem os detalhesdo que constitui o tecido nervoso, suascélulas e como essas células se comunicam(Figura 5).Figura 5 - O tecido nervoso é formadopelos neurônios, responsáveis pelasfunções de armazenamento e transmissãode informação necessária à percepçãosensorial e ação motora, e diversosoutros tipos celulares com função denutrição e defesa. O tecido nervosoadota vários aspectos estruturais nasdiversas partes do sistema nervoso periféricoou central. A fotomicrografia acimailustra uma região periférica da retina domacaco reso corada com uma variantedo método de Gros-Schultze [63]. Essemétodo utiliza a alta afinidade de metaispesa<strong>dos</strong>, no caso a prata, pelo tecidonervoso. Silveira e Perry aperfeiçoaram ométodo para corar uma classe de célulasganglionares da retina de primatas,as células M, responsáveis pela visãoem baixos níveis de contraste [64]. Nafotomicrografia os corpos celulares dascélulas M aparecem como contornoselípticos marrons e os seus axônioscomo feixes da mesma coloração contraum fundo amarelado de células que secoram menos intensamente. Escala =100 µm.


92NeurociênciasA descrição de uma célula é tarefaque muda a cada momento, já que aCitologia é área da ciência em desenvolvimentoextremamente acelerado nosdias atuais. Por outro lado, essa missãohá que ser abordada de diversos ângulos.Por exemplo, partindo-se das ferramentasoriginais da Citologia, podem-se descreveras caraterísticas morfológicas da célula,suas organelas e, nos dias de hoje,suas macromoléculas. De outra maneira,pode-se estudar o tráfego de moléculasentre o meio externo e o interior celular,ou entre compartimentos dentro das células,definindo-se as forças que atuamnessas moléculas, que as fazem movere, assim, executar os fenômenos essenciaisao funcionamento da célula. Outraabordagem consiste na quantificação dasdiversas reações químicas que ocorremna célula, como o complexo de fenômenosbioquímicos que levam ao aproveitamentoda energia contida nas moléculasde glicose, pela oxidação de carbonoao dióxido de carbono e de hidrogênio àágua; ou à duplicação do material genético,de tal forma a permitir que as célulasfilhas recebam da célula mãe na divisãocelular a informação necessária para oseu funcionamento; ou, ainda, descreverbiofisicamente certos fenômenos celularescomo a biomecânica da contração dasmiofibrilas, a bioeletrogênese do impulsonervoso e a bioenergética mitocondrial.Essa multiplicidade de formas dever e descrever uma célula e o seufuncionamento, é consequência dodesenvolvimento histórico dessa ciência– a Citologia – do estado atual do conhecimentoe da própria conveniência de usarum conjunto simplificado de equações,e outras formas de representação, quemelhor se adequem às necessidadesdo momento. Deve-se apontar, entretanto,que to<strong>dos</strong> os fenômenos biológicossão oriun<strong>dos</strong> da ação de apenas duasdas quatro interações fundamentais danatureza. Esses fenômenos podem serexplica<strong>dos</strong> inteiramente, tendo-se to<strong>dos</strong>os elementos do problema, a partir daquantificação dessas interações, a forçagravitacional e a força eletromagnética, jáque a força nuclear fraca e a força nuclearforte não têm qualquer efeito conhecidoque seja especial à Biologia. Assim, porexemplo, a exigência de maior força aser exercida pelo coração humano paraimpulsionar o sangue até o cérebro naposição ereta, é um fenômeno obviamentedependente da força gravitacional. Poroutro lado, a conformação que as moléculasde hemoglobina adotam no líquidointracelular das hemácias depende exclusivamentede uma miríade de interaçõeseletromagnéticas entre os seus váriosátomos e os átomos circunjacentes, entreeles os átomos das moléculas de água eos íons do líquido intracelular.O neurônio tem em comum com outrascélulas eucarióticas os seus principaisconstituintes: o núcleo, onde a maiorparte do DNA celular está armazenada; ocitoplasma, com as organelas habituais,tais como mitocôndrios, ribossomas, retículoendoplasmático rugoso, complexode Golgi e retículo endoplasmático liso;e a membrana plasmática. Além disso,como acontece com as demais célulaseucarióticas, o neurônio apresenta determinadasespecializações que lhe sãopeculiares, específicas para as funçõesque exerce. Assim, ao mesmo tempo emque o corpo celular – a região perinuclear– assemelha-se a de muitas outrascélulas, por outro lado dele irradiamprolongamentos muitas vezes extensose complexos, os dendritos e o axônio,os quais são locais de contactos sináp-


Neurociências 93ticos entre os neurônios e fazem parte<strong>dos</strong> circuitos neurais por onde trafega oimpulso nervoso. A Neurociência atualcompreende o estudo de uma série defenômenos nucleares, citoplasmáticose da membrana plasmática, importantespara o entendimento de como o neurôniofunciona e como são geradas as funçõesneurais a partir do funcionamento deneurônios individuais.O núcleo do neurônio é uma regiãode alta atividade metabólica e, para cadaclasse neuronal, determina<strong>dos</strong> genes sãoexpressos e eles determinam as particularidadesdaquela classe como, porexemplo, o tipo utilizado de neurotransmissor,ou seja, da substância químicaque aquela classe de neurônio usa paramandar mensagens para outros neurôniosou células fora do Sistema Nervoso.O estudo do núcleo neuronal tem permitido,num primeiro movimento, a localizaçãoem pontos específicos do genomahumano <strong>dos</strong> genes fundamentais parao funcionamento do Sistema Nervosoe, numa segunda fase, os mecanismosnucleares que controlam a expressãodesses genes, avançando diariamente oconhecimento sobre a genômica <strong>dos</strong> receptoressensoriais, da bioeletrogênese,da transmissão sináptica e da contraçãomuscular [31].O citoplasma neuronal, além de serdotado de organelas e outros componentessemelhantes àquele de outrascélulas, apresenta determinadas especializaçõespeculiares ao tecido nervoso.Assim, ele é dotado de um citoesqueletorobusto, composto por três sistemasprotéicos fundamentais, forma<strong>dos</strong> pormicrotúbulos, neurofilamentos e actina,às quais estão associadas diversas proteínasconversoras de energia e transportadoras.Esse citoesqueleto dá suporteao tráfego intenso, bidirecional, entre opericário e o terminal axonal situado, frequentemente,a uma grande distância. Nohomem, por exemplo, os corpos celulares<strong>dos</strong> motoneurônios que inervam as fibrasmusculares <strong>dos</strong> pequenos músculos dasmãos e <strong>dos</strong> pés estão situa<strong>dos</strong> na substânciacinzenta medular <strong>dos</strong> segmentoscervicais e lombares, portanto a dezenasde centímetros de distância de seus terminaisaxonais. Apesar disso, diversoselementos necessários ao funcionamentoda sinapse neuromuscular são forma<strong>dos</strong>nos corpos celulares e envia<strong>dos</strong> portransporte axoplasmático para o terminalaxonal à essa distância, enquanto queuma série de mensageiros químicos trafegamno sentido oposto, vindo da zonasináptica <strong>dos</strong> motoneurônios em direçãoaos seus pericários.A membrana plasmática neuronal,tal como nas outras células, demarcao limite entre dois sistemas com princípiosde organização muito diferentes, ocitoplasma e o líquido extracelular. Emsituações como essas, a interface entreos meios é local de grande complexidadefísico-química e de difícil modelagemmatemática. Para citar um exemplocomum a todas as células, a diferençade potencial elétrico entre os líqui<strong>dos</strong>intracelular e extracelular, o chamadopotencial de membrana ou diferençade potencial elétrico transmembranar,representa uma queda de voltagem deaproximadamente 75 mV / 7,5 nm, ouseja, 10.000.000 V/m! Esse valor tãogrande exerce uma tensão extraordináriasobre as proteínas integrais da membranaplasmática e certamente explica comoalgumas delas reagem com mudançasconformacionais importantes quando opotencial de membrana sofre pequenasvariações por efeito de estímulos de di-


94Neurociênciasversas naturezas. A enorme extensão demembrana plasmática do conjunto <strong>dos</strong>neurônios de um organismo é tambémnotável, já que essas células têm prolongamentosextensos e topologicamentecomplexos – a área que as membranasplasmáticas de to<strong>dos</strong> os neurônios docérebro humano ocupariam se fossemespalhadas lado a lado seria da mesmaordem de magnitude da superfície daTerra! É nessa área gigantesca, sujeita auma queda de voltagem gigantesca, queatuam a miríade de sinais que modificamo funcionamento cerebral a cada instante!A membrana plasmática neuronalapresenta toda uma série de receptoresque reconhecem sinais provin<strong>dos</strong> do meioexterno de uma forma geral, inclusive deoutras células, neuronais ou não. No casodo neurônio, os mecanismos de reconhecimentode sinais externos tomam formasbastante sofisticadas e essenciais aofuncionamento do Sistema Nervoso. Éo caso <strong>dos</strong> diversos processos de reconhecimentode estímulos localiza<strong>dos</strong>nos receptores sensoriais, os quais sãocélulas neuroepiteliais especializadas ouextremidades dendríticas de neurônioscom corpos celulares localiza<strong>dos</strong> quasesempre nos gânglios sensitivos. E tambémé o caso <strong>dos</strong> receptores de neurotransmissores,os quais estão localiza<strong>dos</strong>na membrana pós-sináptica de to<strong>dos</strong> osneurônios e, em alguns casos, noutrasregiões da membrana fora do que tradicionalmenteé considerada a membranapós-sináptica.São funções essencialmente dependentesda membrana plasmáticaneuronal as bases iônicas do impulsonervoso, a propagação do impulso nervoso,a liberação de neurotransmissores esua ação pós-sináptica, a recaptação deneurotransmissores e a interação entreos estímulos e os receptores sensoriais.Essas funções neuronais fundamentaisdependentes das funções da membranaplasmática podem ser abordadas a partirdo conhecimento do modelo do mosaicofluido para as membranas biológicas,das propriedades físico-químicas da bicamadalipídica que representa a matrizdesse mosaico e de algumas famílias desuas proteínas integrais, proteínas essasconstituídas por um número variável desegmentos que atravessam a membranaplasmática, estendendo-se do líquidointracelular ao extracelular [32].Comunicação no SistemaNervoso – o impulso nervosoPortanto, o sistema nervoso pode serdescrito no nível celular como formadopor neurônios e diversos tipos de célulasassociadas, estas com funções de proteção,nutrição, controle do meio interno eisolamento elétrico <strong>dos</strong> axônios. Gruposde neurônios associa<strong>dos</strong> em circuitos paralelos,hierárquicos, reentrantes, recebeminformação do meio exterior ao organismoe do meio interno do próprio organismo,processam essa informação confrontando--a com aquela armazenada previamente, denatureza inata ou decorrente de experiênciaanterior, e enviam às diversas partes do corpoinformação necessária para o controledas funções orgânicas e para a modificaçãodo meio ambiente circunjacente. Desse tráfegode informação emanam a percepção,o aprendizado, a emoção, a motivação e asatisfação das necessidades do organismode sobrevivência e reprodução. Crítico paraque tudo ocorra é a capacidade que osneurônios têm de mandar mensagens deum ponto a outro dentro da mesma célula(os neurônios podem ter metros de comprimentoe uma topologia extraordinariamente


Neurociências 95complexa, cheia de ramos que se superpõemaos ramos <strong>dos</strong> neurônios vizinhos),de um neurônio a outro e de um neurônioa outras células do organismo. As formasde comunicação neuronal, comunicaçãoquímica e comunicação eletroquímica,são especializações derivadas de funçõesexistentes em todas as células, mas queatingem um alto grau de sofisticação noneurônio.A forma de comunicação naturalentre células é através de mensageirosquímicos e os neurônios são dota<strong>dos</strong> demaneiras altamente especializadas derealizar a comunicação química. Porém,o envio de informação complexa e precisamentecodificada, a longas distânciase em alta velocidade exige que a evoluçãobuscasse outras soluções que nãoapenas mensageiros químicos. Para isso,neurônios – e também as fibras musculares– desenvolveram uma forma especialde comunicação para satisfazer essasnecessidades, uma forma extremamenterápida para mandar mensagens a grandesdistâncias utilizando os gradientes eletroquímicostransmembranares, o impulsonervoso.Como mencionado no início dessecapítulo, os primeiros experimentos demonstrandoa existência de eletricidadenos seres vivos foram feitos por Galvani[6-8]. Galvani observou que estimulandoeletricamente o nervo ciático de rã faziacom que os músculos das patas doanimal se contraíssem em resposta. Adescoberta da bioeletricidade resultoudessa observação e <strong>dos</strong> experimentossubsequentes, e representou o ponto departida para os estu<strong>dos</strong> que prosseguematé hoje sobre os fenômenos eletrofisiológicosneurais e musculares. A polêmicaentre Galvani e o também físico italianoConde Alessandro Giuseppe AntonioAnastasio Volta (1740-1827) sobre seos fenômenos observa<strong>dos</strong> eram privilégioexclusivo <strong>dos</strong> seres vivos, como Galvaniachava, ou se podiam ser reproduzi<strong>dos</strong>quimicamente em sistemas inanima<strong>dos</strong>,como achava Volta, levou de um lado àEletrofisiologia e de outro à Eletroquímica.Os trabalhos de Volta criaram uma novaárea do conhecimento, revolucionaram aFísica e legaram uma invenção impactanteno futuro do desenvolvimento tecnológico,a pilha ou bateria eletroquímica.Entretanto, devido ao grande prestígio deVolta e da oposição ferrenha que ele fezà idéias de Galvani, eles tiveram o efeitonegativo de cessar os trabalhos sobrea bioeletricidade por um longo período[6,7]. Apesar disso, os nomes <strong>dos</strong> doisgrandes italianos ficaram liga<strong>dos</strong> eternamenteà ciência e à tecnologia nas expressõesgalvanismo, corrente galvânica,galvanômetro, bateria voltaica, voltagem,voltímetro, volt, entre outros.O caminho aberto por Galvani, todavia,estava destinado a ser trilhadocom sucesso pelos seus sucessores e oresultado dessa caminhada influencioudefinitivamente o curso da Eletrofisiologia(Figura 6). Os experimentos sobre abioeletricidade foram retoma<strong>dos</strong> váriasdécadas depois pelo físico e fisiologistaitaliano Carlo Matteuci (1811-1868). Matteucirealizou uma série de experimentosusando o galvanômetro inventado pelofísico italiano Leopoldo Nobili (1784-1835), bastante sensível para a época,e mostrou que os teci<strong>dos</strong> biológicosexcitáveis realmente geravam correnteselétricas, como proposto por Galvani,que podiam ser somadas adicionandoelementos em série como na pilha elétricainventada por Volta. Ele mostrou quenum músculo de rã seccionado havia umfluxo de corrente da área cortada, ou seja,


96NeurociênciasFigura 6 - A eletrofisiologia é um <strong>dos</strong> pilares para entender-se o Sistema Nervoso. Elaavançou a partir da descoberta da eletricidade animal pelo médico e físico italiano LuigiAloisio Galvani (1737-1798) (A), seguida da descoberta do potencial de ação pelofísico e fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond (1818-1896) (B) e de seu registro emedida da velocidade de propagação pelo fisiologista alemão Julius Bernstein (1839-1917) (C). Bernstein usou a equação desenvolvida pelo físico-químico alemão WaltherHermann Nernst (1864-1941) (D) para modelar o potencial de membrana <strong>dos</strong> neurôniosna situação de repouso. Deve-se aos biofísicos e fisiologistas ingleses Sir AlanLloyd Hodgkin (1914-1998) (E) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-) (F) as equaçõesque descrevem modernamente o potencial de ação. Ver <strong>texto</strong> para maiores detalhes.Fontes das ilustrações: [65-70]. To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.A B CD E Fdo lado intracelular, para a superfície íntegra,ou seja, para o lado extracelular;essa corrente bioelétrica foi chamada decorrente de lesão [6,33]. A existência deuma corrente eletroquímica assim orientadasignificava que o potencial elétricona zona lesada era negativo em relaçãoà zona intacta.Os trabalhos de Mateucci inspiraramdiretamente o trabalho do físico e fisiologistaalemão Emil du Bois-Reymond(1818-1896), o qual duplicou os experimentosde Matteucci com equipamentosmais avança<strong>dos</strong> e chegou à descobertaque um estímulo aplicado tanto no nervoquanto no músculo levava à diminuição


Neurociências 97da corrente de lesão, ou seja, a diferençade potencial elétrico entre os la<strong>dos</strong>intracelular e extracelular da preparaçãodiminuía ou mesmo desapareceria; haviauma “variação negativa” no potencial elétricoexterno que se propagava ao longodo nervo ou do músculo [6,33]. Hoje sabemosque isso corresponde ao potencialde ação, esse fenômeno elétrico que sepropaga ao longo das fibras nervosas emusculares quando elas são estimuladase que constitui o substrato eletrofisiológicodo impulso nervoso [34-36].Um experimento importante paraestabelecer a conexão direta entre opotencial de ação e o impulso nervosoconsiste em mostrar que os dois se propagamcom a mesma velocidade. Quandodu Bois-Reymond descobriu o potencialde ação, a velocidade de condução doimpulso nervoso já era conhecida. Elahavia sido medida por um <strong>dos</strong> maiorescientistas de to<strong>dos</strong> os tempos, o médicoe físico alemão Hermann Ludwig Ferdinandvon Helmholtz (1821-1894), comuma notável contribuição nos camposda Termodinâmica, Óptica, Acústica,Oftalmologia, Otologia e Filosofia, entreoutros campos do conhecimento. vonHelmholtz usou uma preparação nervo--músculo, como seus antecessores, econstruiu um aparelho que lhe permitiumedir o intervalo temporal entre o estímulodo nervo e a contração do músculo comgrande precisão. Realizando várias vezeso experimento com os eletro<strong>dos</strong> de estimulaçãocoloca<strong>dos</strong> em diferentes pontosao longo do nervo, e dividindo a diferençada distância percorrida pela diferença dointervalo de tempo necessário para observara contração muscular nas diferentescolocação <strong>dos</strong> eletro<strong>dos</strong>, ele determinoucom precisão a velocidade de conduçãodo impulso nervoso [6].Assim, o experimento crucial consistiaem medir a velocidade de propagaçãodo potencial de ação e comparar com osresulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> por von Helmholtz.du Bois-Reymond, após ter tentado efalhado, passou esse problema para oseu discípulo, o fisiologista alemão JuliusBernstein (1839-1917). Este último construiuum equipamento eletromecânicopara registrar e medir a velocidade depropagação do impulso nervoso, chamadopor ele de reótomo diferencial, e produziuos primeiros registros do potencialde ação, assim como foi capaz de medirpela primeira vez a velocidade de propagaçãodesse fenômeno (Figura 7). Comoesperado, a velocidade de propagaçãodo potencial de ação era a mesma doimpulso nervoso, estabelecendo-se pelaprimeira vez uma relação causal entre osdois fenômenos [6,32]. Bernstein tambémreconheceu a importância da permeabilidadeda membrana plasmática ao K +para o estado de repouso <strong>dos</strong> neurôniose, usando a equação desenvolvida pelofísico-químico alemão Walther HermannNernst (1864-1941, ganhador do PrêmioNobel de Química de 1920), foi capazde modelar essa condição de equilíbrio[6,33]. Ele compreendeu corretamenteque, na situação de repouso, a diferençade potencial elétrico entre um lado eoutro da membrana plasmática obedeciao previsto pela Equação de Nernst para oK + . O potencial de membrana de repousoera igual ou muito próximo do potencial deequilíbrio para o K + , ou seja, proporcionalà diferença de potencial químico para K +entre o lado intracelular e extracelular,sendo o potencial elétrico intracelularmenor que o potencial elétrico extracelular.Essa dependência entre o potencialelétrico e o potencial químico para K + foiinterpretada corretamente por Bernstein


98Neurociênciascomo devida à permeabilidade seletiva aoK + da membrana plasmática na situaçãode repouso.Entretanto, a mudança da diferençade potencial elétrico que ocorria apósa estimulação do nervo foi interpretadaerradamente como simplesmente umaperda dessa permeabilidade seletiva, umaumento generalizado da permeabilidadeda membrana plasmática a íons e o colapsodo potencial de membrana para zero.Essa interpretação estava alinhada como que havia sido registrado nos primeirosexperimentos de du Bois-Reymond e nospróprios registros de Bernstein. Entretanto,o exame cuida<strong>dos</strong>o <strong>dos</strong> registros feitospor Bernstein, mostra que em determinadascondições ele havia documentadoo “overshoot” do potencial de membranadurante o potencial de ação, ou seja, ainversão da polaridade do potencial derepouso, porém não deu importância aomesmo, possivelmente julgando tratar--se de um artifício de registro. Ou seja,durante o potencial de ação a membranasimplesmente não perdia a diferença depotencial elétrico entre o lado de dentroe o lado de fora, mas essa diferença seinvertia, e o lado de dentro ficava agoracom potencial elétrico maior que o ladode fora.baixo, o impulso nervoso é mostradocomo a variação da amplitude da diferençade potencial elétrico em funçãoda distância ao longo do nervo numadado momento (dois impulsos nervosossucessivos são ilustra<strong>dos</strong>). Esses doisgráficos capturam a essência do impulsonervoso como uma alteração abrupta dadiferença de potencial elétrico entre osla<strong>dos</strong> intra e extracelular da membranaplasmática que ocorre numa dada regiãoda fibra nervosa estimulada artificialmentee que, a partir daí, se propaga a umavelocidade mensurável em ambas asdireções, afastando-se do ponto de estimulação.Na situação natural, o impulsonervoso começa no início do axônio deum neurônio, próximo ao corpo celular epropaga-se em direção ao terminal axonal,algumas vezes situado a mais de ummetro de distância. Fonte da ilustração:[6]. Copyright © 1983, Elsevier Science.To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.Figura 7 - Os gráficos são uma reprodução<strong>dos</strong> primeiros registros do impulsonervoso publica<strong>dos</strong>, feito devido ao fisiologistaalemão Julius Bernstein (1839-1917), utilizando um equipamento daépoca chamado reótomo diferencial (verdetalhes do funcionamento desse aparelhoem [6]). Na parte de cima da figurao impulso nervoso é apresentado comoa variação da amplitude da diferença depotencial elétrico em função do temponum dado ponto do nervo. Na parte de


Neurociências 99Figura 8 - As equações de Hodgkin eHuxley [34] descrevem a variação dopotencial de membrana do nervo emfunção do espaço e do tempo, tendocomo parâmetros a capacitância damembrana e os vários componentes dacondutância da membrana (permeabilidadeda membrana a íons). Os gráficosmostram como a solução numérica paraas equações de Hodgking e Huxley levamàs variações <strong>dos</strong> componentes da condutânciada membrana (g) durante umpotencial de ação propagado (-V) – essescomponentes são a condutância aoíon sódio (g Na+) e a condutância ao íonpotássio (g K+). No início do potencial deação há um rápido aumento da permeabilidadeda membrana quase inteiramentedevido ao aumento de g Na+mas, apóso pico do potencial de ação, g K+cresce,tornando-se uma fração progressivamentemaior da condutância total, ao mesmotempo que g Na+decresce rapidamentepara tornar-se negligível. A parte final doaumento da condutância da membranaque decresce gradualmente é devidainteiramente ao aumento de g K+. Fonteda ilustração: [34]. Copyright © 1952,The Physiological Society / Blackwell Publishing.To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.Deve-se aos biofísicos e fisiologistasingleses Sir Alan Lloyd Hodgkin (1914-1998) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-),em experimentos realiza<strong>dos</strong> na Universidadede Cambridge (Inglaterra), emmea<strong>dos</strong> do século vinte, a descoberta ouredescoberta do overshoot do potencialde ação e o estabelecimento definitivoda importância <strong>dos</strong> fluxos de K + e Na +através de permeabilidades específicasda membrana plasmática para a geraçãotanto do estado de repouso quanto do estadode ação do potencial de membrana<strong>dos</strong> neurônios e das fibras musculares[34]. Eles ampliaram de forma considerávelo trabalho fundamental do séculodezenove de Bernstein. Hodgkin e Huxleyforam além e, trabalhando no axôniogigante de lula e usando a técnica de fixaçãode voltagem, desenvolveram empiricamenteas equações que descrevem apermeabilidade da membrana plasmáticanas condições de repouso e ação [34].Esse trabalho lhes valeu o Prêmio Nobelde Fisiologia ou Medicina de 1963, quecompartilharam com outro biofísico efisiologista, o australiano Sir John CarewEccles (1903-1997), este pelo trabalhosobre a fisiologia das sinapses. Hodgkine Huxley fixaram no espaço e no tempo adiferença de potencial elétrico através damembrana plasmática do axônio gigantede lula em vários níveis de voltagem,mediram a corrente elétrica transmembranare calcularam a condutância elétrica damembrana. Eles foram capazes de separarduas correntes, uma devida ao Na + eoutra ao K + , passando por condutâncias(permeabilidades) seletivas da membranadependentes da própria voltagemtransmembranar, com cursos temporaisdiferentes. Eles encontraram equaçõesdiferenciais que descreviam adequadamenteas mudanças nas condutâncias de


100NeurociênciasNa + e K + associadas com a estimulaçãoelétrica da fibra nervosa. Eles propuseramque durante a primeira fase do potencialde ação, quando o potencial de membranase inverte, tornando-se o potencialelétrico maior no interior da células emcomparação com o potencial elétrico dolíquido extracelular, o fator causal era umaumento da condutância da membranaao Na + . Este aumento era transitório e,na segunda parte do potencial de ação,quando o potencial de membrana voltavaà polaridade de repouso, ou seja, com opotencial elétrico do interior da célula menordo que o potencial elétrico do líquidoextracelular, o fator preponderante era umaumento da condutância ao K + (Figura 8).A descrição adequada <strong>dos</strong> fenômenosiônicos que explicam o potencial demembrana tanto na situação de repouso,quanto nas diferentes fases do potencialde ação, incorporou-se ao conhecimentodo funcionamento <strong>dos</strong> neurônios e fibrasmusculares e permitiu o enorme avançosobre a fisiologia dessas células com técnicasprogressivamente mais sofisticadas[35,36] (Figura 9).O potencial de membrana neuronaldepende principalmente de duas classesde proteínas integrais da membrana plasmática,canais e bombas que translocamíons de um lado para outro dessa membrana[35]. As bombas utilizam a energiada quebra do ATP para transportar íonscontra seus gradientes eletroquímicos eos canais deixam os íons fluírem a favor<strong>dos</strong> seus gradientes eletroquímicos. Nasituação de repouso o potencial de membranadepende principalmente <strong>dos</strong> canaisde K + com portões permanentementeabertos e, em menor extensão, da bombade Na + /K + [35].Nas últimas décadas houve um grandeavanço num <strong>dos</strong> “mistérios” centraisda base biofísica das condutâncias de K +e Na + , críticas para o entendimento dopotencial de membrana nas condições derepouso e ação. Tanto Bernstein quantoHodgkin e Huxley, entre outros, registraramo efeito dessas condutâncias e asmodelaram matematicamente, porém suabase estrutural permaneceu desconhecidapor muito tempo. Hoje, a estrutura <strong>dos</strong>canais de K + é conhecida em grande detalhe,graças a estu<strong>dos</strong> de clonagem e expressãogênicas, inicialmente realiza<strong>dos</strong>em canais de neurônios do invertebradoDrosophila melanogaster [37], e estu<strong>dos</strong>cristalográficos realiza<strong>dos</strong> em canais dabactéria Streptomyces lividans [38]. Oscanais de K + são uma das mais antigasproteínas transmembranares, ocorrendoem todas as células procarióticas e eucarióticas.Assim, mesmo o conhecimentoangariado em neurônios de invertebra<strong>dos</strong>ou mesmo em células não neuraisé importante e útil para entendermosa estrutura e função desses canais noSistema Nervoso de mamíferos, inclusiveno córtex cerebral do homem [39,40].O estudo da estrutura do canal deK + permitiu a descoberta das basesmoleculares da permeabilidade e seletividadeda membrana plasmática a esseíon e também a outros íons importantespara a eletrofisiologia celular (Figura 10)[41]. Existe uma grande variedade decanais de K + , alguns com portões constantementeabertos, outros com portõesdependentes do nível de voltagem transmembranarou dependentes da ligação deum neurotransmissor. Esses canais têmestrutura bastante semelhante entre si ecom os canais de Na + e Ca ++ com portõesdependentes de voltagem: tetrâmerosforma<strong>dos</strong> por quatro subunidades semelhantes;cada subunidade possuindo seissegmentos transmembranares (apenas


Neurociências 101Figura 9 - Atualmente, utilizam-se procedimentos sofistica<strong>dos</strong> de registro intracelulare extracelular de neurônios de vários animais e localizações, empregando-se microeletródios.Nos gráficos acima, é feita uma comparação das propriedades de disparoentre neurônios da substância branca e neurônios piramidais da camada V do córtexcerebral, registra<strong>dos</strong> com micropipetas inseridas no citoplasma [71]. (A) Registro deneurônio da substância branca. Potenciais de ação provoca<strong>dos</strong> por pulsos de correntede 60 pA. Os potenciais de ação foram segui<strong>dos</strong> por pós-potenciais hiperpolarizantesrápi<strong>dos</strong> (PPHr) e, após o estímulo, por pós-potenciais hiperpolarizantes lentos (PPHl).O potencial de repouso (ERM) no momento do registro encontrava-se em -56 mV. (B)Mesmo neurônio de (A). Aumentando-se a intensidade do pulso de corrente de estimulação,mais potenciais foram dispara<strong>dos</strong> e não foi observada adaptação da célula aoestímulo. (C) Outro neurônio da substância branca, onde os potenciais de ação foramprovoca<strong>dos</strong> com a mesma intensidade de corrente da célula anterior mostrada em (A)e (B). Nesta célula os potenciais de ação foram segui<strong>dos</strong> por PPHr e por pós-potenciaishiperpolarizantes médios (PPHm), com ERM de -54 mV. (D) Quando a intensidadeda corrente foi aumentada, mais potenciais foram dispara<strong>dos</strong>, mas ocorreu umaadaptação. (E-F) Neurônio piramidal da camada V. Procedimento experimental comonas duas células anteriores ilustradas em (A-D). Notar a acentuada adaptação e umproeminente PPHm seguindo cada potencial de ação, com ERM de -65 mV.


102Neurociênciasdois em alguns tipos de canais de K + );os segmentos S5 e S6 formam o poro docanal e possuem interposto entre eles, naconformação primária da proteína, umasequência de aminoáci<strong>dos</strong> que formaa região responsável pela seletividadeiônica (Figura 10).A permeabilidade e seletividadeiônica <strong>dos</strong> vários canais foram durantemuito tempo grandes enigmas da BiofísicaCelular. Por exemplo, a alta taxatransporte de K + de dentro para fora dacélula (f K+= 108 íons / s), próxima dolimite de difusão, indica que o transporteocorre através de um poro aquoso. Poroutro lado, a alta seletividade, 104 vezesmaior do que a do Na + , não é fácil de explicarpor um processo difusional em faseaquosa, uma vez que os íons K + e Na + sãoesferas sem maiores particularidades,inclusive tendo o Na + um raio de Paulingmenor (r Na+= 0,95 Å; r K+= 1,33Å). Esseenigma começou a ser solucionado apartir <strong>dos</strong> anos noventa, mostrando-seque a permeabilidade e seletividade <strong>dos</strong>canais de K + dependem essencialmentede suas propriedades estruturais e queprincípios e mecanismos semelhantesdevem também determinar as propriedades<strong>dos</strong> canais de Na + e Ca ++ [37-40](Figura 10).O K + é atraído para a abertura internado canal por cargas negativas de ácidoglutâmico estrategicamente localizadas.A partir daí ele percorre um estreito pertuitoaté uma cavidade central, onde éestabilizado eletrostaticamente pelasmoléculas de água de solvatação e pelosdipólos forma<strong>dos</strong> pelas hélices do poro.A passagem pelo filtro de seletividadesó é possível pela perda da maioria dasmoléculas de água, a barreira energéticaenorme que se opõe a esse processosendo vencida pela substituição <strong>dos</strong>oxigênios das moléculas de água pelosoxigênios de carbonilas situadas ao longodo filtro de seletividade. Ao longo do filtrode seletividade, o K + passa com apenasduas das seis moléculas de água dacamada mais interna de solvatação e ossucessivos oxigênios das carbonilas vãoocupando a posição das outras quatromoléculas de água mais internas. Ascargas negativas de ácido aspártico situadasestrategicamente na abertura externado canal contribuem para dirigir a saída doK + . Em situações onde o fluxo se inverteo K + é inicialmente atraído por essas cargas.A razão pela qual o Na + , apesar demenor que o K + , não poder passar peloscanais de K + é porque os oxigênios dascarbonilas do filtro de seletividade ficammuito longe do íon e não conseguemsubstituir apropriadamente a ação eletrostática<strong>dos</strong> oxigênios das moléculas deágua; isso impede que o Na + se desfaçadas moléculas de água de solvatação e,assim, não consiga permear o filtro deseletividade. Outros estu<strong>dos</strong> desse tipoestão esclarecendo outros aspectos dafisiologia <strong>dos</strong> canais iônicos, tais comoa estrutura do sensor de voltagem, asalterações conformacionais que permitema abertura desses canais sob a ação damodificação do potencial de membrana,e o bloqueio que determina<strong>dos</strong> canais sofremapós sua abertura, de tal forma queo fluxo iônico é subitamente interrompido(chamado de mecanismo de inativação)[41-45].Em resumo, a modificação do potencialde repouso neuronal, quandolevada além de um determinado valor– o chamado potencial limiar – dispara oimpulso nervoso, uma variação de grandeamplitude no potencial de membranaque se propaga ao longo de seus prolongamentos[35]. Esse é um fenômeno


Neurociências 103Figura 10 - O estudo da estrutura do canal de K+ permitiu a descoberta das bases molecularesda permeabilidade e seletividade da membrana plasmática a esse íon. Existeuma grande variedade de canais de K+ na natureza, os quais são encontra<strong>dos</strong> em célulasprocarióticas e eucarióticas, sendo sua estrutura bastante semelhante entre si ecom os canais de Na+ e Ca++ dependentes de voltagem. No caso <strong>dos</strong> canais de K+,as subunidades podem compreender to<strong>dos</strong> os seis ou apenas dois segmentos transmembranares.Nesse último caso, eles correspondem aos segmentos transmembranaresS5 e S6, que formam o poro do canal e possuem interposto entre eles, ao longoda conformação primária da proteína, uma sequência de aminoáci<strong>dos</strong> que constitui aregião responsável pela seletividade iônica. Roderick MacKinnon e colaboradores estudaramo canal de K+ KcsA da bactéria Streptomyces lividans, formado por 396 aminoáci<strong>dos</strong>e cerca de 6.000 átomos. Esse canal é do tipo com quatro subunidades de doissegmentos transmembranares cada (uma hélice alfa externa e outra interna) mais umaregião interposta entre eles parcialmente helicoidal (hélice alfa do poro) e parcialmentedesespiralizada (filtro de seletividade). A. Vista esquemática lateral do canal de K+. B.Corte longitudinal no canal de K+, mostrando a superfície acessível ao solvente aquoso,colorida de acordo com suas propriedades físicas: as áreas azuis são carregadaspositivamente, as brancas têm polaridade intermediária e as vermelhas são carregadasnegativamente; as áreas amarelas correspondem às regiões hidrofóbicas voltadaspara a luz do canal. Os íons K+ são representa<strong>dos</strong> por esferas verdes de dimensõescorrespondentes ao raio de Pauling (1,33 Å). As hélices internas estão voltadas parao interior do canal, enquanto as hélices externas estão voltadas para a matriz lipídica.O canal possui um pertuito longo (20 Å de comprimento), que se estende da aberturainterna guardada por cargas negativas de ácido glutâmico, até uma cavidade central(10 Å de comprimento), seguida pelo filtro de seletividade (12 Å de comprimento por1,4 Å de raio), que se estende até a abertura externa, onde cargas negativas de ácidoaspártico exercem certa influência. As hélices do poro formam dipólos apontando suascargas negativas parciais para a cavidade central do canal. No <strong>texto</strong> são relaciona<strong>dos</strong>esses aspectos estruturais com a permeabilidade e seletividade do canal de K+. Fonteda ilustração: [40]. Copyright © 1998, American Association for the Achievement ofScience. To<strong>dos</strong> os direitos reserva<strong>dos</strong>.AB


104Neurociênciasparticular de apenas algumas células, aschamadas células excitáveis, que compreendemalém do neurônio, a fibra muscularestriada esquelética, a fibra muscularestriada cardíaca e a fibra muscular lisa,ressaltando-se o fato de que algumascélulas neuroepiteliais (e.g., cones, bastonetes,células ciliadas do órgão espiralde Corti) e alguns neurônios (e.g., célulashorizontais retinianas, células bipolaresretinianas, algumas células amácrinasretinianas) não apresentam essa propriedade.A excitabilidade neuronal dependedo trabalho de uma classe específica decanais Na + e K + presentes na membranaplasmática, cuja abertura é dependentedo próprio potencial de membrana – quandoa diferença de potencial através damembrana plasmática cai além de umcerto valor, esses canais se abrem. Ofenômeno é dominado inicialmente pelaabertura <strong>dos</strong> canais de Na + dependentesde voltagem, levando à entrada desseíon no neurônio, a favor do seu gradienteeletroquímico. Na fase final, os canaisde Na + fecham-se através do mecanismode inativação, enquanto que os canaisde K + , mais lentos e sem mecanismode inativação, permanecem abertos, levandoà saída desse íon a favor do seugradiente eletroquímico. A consequênciaé uma inversão abrupta da diferença depotencial elétrico transmembranar quedura cerca de 1 ms – o impulso nervoso.A propagação do impulso nervoso deve-seà ação longitudinal das cargas que forammobilizadas transversalmente através damembrana, o que serve de estímulo paraas regiões vizinhas ainda em repouso. Orestabelecimento das condições originaisdo neurônio ocorre a um prazo mais longoque o impulso nervoso, sendo necessárioque o Na + que entrou na primeira faseseja devolvido ao líquido extracelular e oK + que saiu seja devolvido ao interior dacélula; esse papel é desempenhado pelabomba de Na + /K + às custas de energiametabólica.Comunicação no Sistema Nervoso –a sinapse químicaO potencial de repouso pode ser modificadode muitas maneiras, por muitostipos de estímulos, contudo a via finalcomum desses estímulos é constituídapor proteínas integrais que modificama permeabilidade a íons da membranaplasmática, seja atuando como canais,que deixam os íons se difundirem a favor<strong>dos</strong> seus gradientes eletroquímicos,seja atuando como bombas, as quaistransportam os íons contra seus gradienteseletroquímicos às custas diretaou indiretamente de energia metabólica.No caso <strong>dos</strong> estímulos sensoriais, existemmecanismos muito diversos entresi, basea<strong>dos</strong> em famílias diferentes deproteínas transmembranares sensíveisespecificamente ao estímulo sensoriala ser detectado. Por exemplo, na visãoesse papel é desempenhado por umaproteína transmembranar chamada rodopsina,a qual existe em vários tipos, eocorre tanto em cones quanto bastonetes[46]. A rodopsina é estimulada quandoabsorve um fóton e sua excitação é transmitidapor uma cascata molecular cujoefeito é diminuir a condutância de umaclasse específica de canais de cátions,permeáveis em diferentes proporçõesà Ca ++ , Mg ++ , Na + e K + [47]. Esse é um<strong>dos</strong> muitos mecanismos pelos quais osestímulos sensoriais são transduzi<strong>dos</strong>em variações do potencial de membrana<strong>dos</strong> receptores sensoriais.Contudo, talvez, o caso mais universalde modificação do estado neu-


Neurociências 105ronal é encontrado na sinapse, ondeos neurotransmissores libera<strong>dos</strong> pelosneurônios pré-sinápticos atuam emproteínas integrais da membrana plasmática<strong>dos</strong> neurônios pós-sinápticos,chamadas receptores de neurotransmissoresque vão, por seu turno, modificaro potencial de repouso desses neurônios[48-50]. Essa modificação pode ser poração direta, quando esses receptorespossuem canais iônicos, ou indireta,quando eles controlam uma cascata dereações metabólicas que levam, ao final,à abertura ou fechamento de canais iônicos[50].Outras proteínas integrais da membranaplasmática são importantes parafunções fundamentais do neurônio. Porexemplo, certos canais de Ca ++ dependentesde voltagem permitem o influxo deCa ++ essencial para disparar o complexoprocesso de exocitose das vesículassinápticas que contém as moléculas doneurotransmissor [48]. Esse processocompreende a ação orquestrada de váriasclasses de proteínas da membranaplasmática, da membrana da vesículasináptica e do citoplasma, sendo o produtofinal a liberação de moléculas deneurotransmissor no líquido extracelular,as quais vão servir de estímulo químicopara os próximos neurônios do circuitoneural.Outro exemplo envolve o transportede moléculas de neurotransmissoresde volta ao citoplasma neuronal ou dedentro do citoplasma para o interiordas vesículas sinápticas, ou seja, parao seu armazenamento [51]. Esses doisfenômenos dependem de quatro classesde proteínas integrais, sendo duas classesde transportadores e duas classesde bombas iônicas. O transporte doneurotransmissor através da membranaplasmática, de volta ao citoplasma, depende<strong>dos</strong> chama<strong>dos</strong> transportadores desolutos da membrana plasmática, umaclasse que compreende muitas proteínasdiferentes, uma para cada grupo de solutos,não somente neurotransmissores,mas também aminoáci<strong>dos</strong> em geral eaçúcares, entre outros solutos. Assim,existe um transportador de glutamato,outro de GABA, outro de colina, outrospara as diversas aminas biogênicas, etc...Esses transportadores usam a energiado gradiente eletroquímico de Na + , criadopela bomba de Na + /K + e, como tal,realizam o sinporte de seu soluto comíons Na + , outros íons podendo ser transporta<strong>dos</strong>simultaneamente num sentidoou noutro. Por outro lado, o transportede moléculas de neurotransmissor docitoplasma para o interior das vesículassinápticas envolve uma outra família deproteínas integrais, dessa feita situadasna membrana vesicular, as quais utilizamo gradiente eletroquímico de H + , criado àsexpensas de energia metabólica por umabomba de H + presente nessa membrana.Novamente, existem transportadoresde solutos da membrana vesicular paraglutamato, GABA, acetilcolina, aminasbiogênicas, e assim por diante, os quaisexecutam o antiporte do seu neurotransmissore H + .O termo sinapse foi usado pela primeiravez por Sherrington, em seu livroThe Integrative Action of the NervousSystem (1906), para responder questõesrelativas a uma descontinuidade entre umneurônio e outro. Sherrington comparoua propagação bidirecional que ocorria emum nervo com a propagação unidirecionalem um arco reflexo. Essa diferençaera devida a barreiras intercelularesexistentes entre os neurônios que eledenominou sinapse [52]. A partir dessas


106Neurociênciasobservações, duas escolas antagônicasde neurocientistas tentaram descrevercomo o sinal passava de uma célula paraoutra através das sinapses. Os eletrofisiologistaspartilhavam a idéia que o impulsonervoso cruzava a sinapse eletricamente,enquanto os farmacologistas preferiama idéia da transmissão química. Apóscinquenta anos de debates, ambas as escolasfinalmente chegaram a um acordode que ambas as formas de transmissãopodiam existir no Sistema Nervoso.A transmissão química foi mostradade uma maneira inequívoca por um experimentohistórico realizado em 1921pelo farmacologista alemão Otto Loewi(1873-1961, ganhador do Prêmio Nobelde Fisiologia ou Medicina de 1936). Eledesenvolveu uma preparação contendo onervo vago e o coração de uma rã. Quandoo nervo era estimulado eletricamente,o coração diminuía imediatamente a forçae a frequência de seus batimentos. Quandoa solução que banhava a preparaçãofoi adicionada a uma segunda preparaçãocontendo agora somente o coração, seminterferência do nervo vago, esse coraçãotambém diminuía a força e a frequênciade seus batimentos. Esse resultado erasugestivo que ocorria uma inibição causadapor uma substância presente nasolução que hoje se sabe ser acetilcolinaliberada pelo terminal do nervo vago quehavia sido estimulado eletricamente [53].O conhecimento de todas as etapasda transmissão química intervindo noprocessamento do sinal nervoso veio,principalmente, através de estu<strong>dos</strong>de órgãos periféricos como o músculosartório de rã e do músculo dorsal deanelídeos. Nesses estu<strong>dos</strong>, as respostaseram comparadas com os efeitos de certassubstâncias químicas naturais e/ousintéticas aplicadas na sinapse entre oneurônio motor e os seus músculos alvose era constatado que os efeitos observa<strong>dos</strong>eram bastantes similares [52,54].Em ambos os casos a acetilcolina, neurotransmissornatural, era sintetizadapelos neurônios motores e liberada porestimulação elétrica artificial ou natural<strong>dos</strong> seus terminais motores. Portanto,pode-se considerar a acetilcolina comoum mediador químico ou neurotransmissorque ao se distribuir na fenda sinápticatransmite os sinais provin<strong>dos</strong> do terminalnervoso ao músculo estriado com queaquele faz sinapse.Registros eletrofisiológicos commicroeletro<strong>dos</strong> intracelulares revelaramsinais elétricos típicos dessas sinapses.Na preparação nervo – músculo jámencionada, se o neurônio motor forestimulado com eletro<strong>dos</strong> posiciona<strong>dos</strong>nessa célula, uma resposta pode serobservada na fibra muscular estriadaesquelética por eletro<strong>dos</strong> de registro láposiciona<strong>dos</strong>. Se os eletro<strong>dos</strong> de registroforem coloca<strong>dos</strong> agora no neurônio motore o estímulo for dado na fibra muscular,nenhuma resposta é obtida. Portanto, osinal passa somente em uma direção,do neurônio motor para fibra muscular.A informação que passa através de umasinapse química é vetorizada, ao passoque numa sinapse elétrica o sinal passanos dois senti<strong>dos</strong>. Outra diferença entrea sinapse elétrica e a sinapse química éo retardo sináptico que ocorre na sinapsequímica, em torno de 0,3 a 0,8 ms, decorrentedas inúmeras etapas químicasintervenientes entre a chegada de umimpulso nervoso no terminal pré-sinápticoe a geração de um novo impulso na célulaseguinte, muscular ou neuronal.Outra técnica que revelou particularidadese diferenças entre a sinapseelétrica e aquela que faz uso de neuro-


Neurociências 107transmissores, como a sinapse neuromuscular,foi a microscopia eletrônica.Essa técnica mostrou que a sinapse químicapossuía uma polaridade morfológicaque refletia sua polaridade funcional. Afenda sináptica era muito mais larga (20a 50 nm) do que na junção elétrica. Alémdisso, os dois la<strong>dos</strong> da fenda sinápticaapresentavam morfologias diferentes,coisa que não era vista na sinapseelétrica: no lado pré-sináptico existiamvesículas sinápticas com 30 a 60 nm dediâmetro, enquanto do lado pós-sinapticoessas vesículas não existiam. Quandoas vesículas foram isoladas por meiosbioquímicos, constatou-se a presença deneurotransmissores nessas estruturas[55].Figura 11 - As sinapses são locais ondeos neurônios se comunicam entre si oucom células a eles associadas. Na figuravê-se a representação esquemática deuma sinapse química. Ela é formadapor um elemento pré-sináptico e umelemento pós-sináptico separa<strong>dos</strong> poruma fenda sináptica. Frequentementeo elemento pré-sináptico é o terminalaxonal de um neurônio, dentro do qualas moléculas do neurotransmissor estãoconcentradas nas vesículas sinápticas.Diversas macromoléculas presentes namembrana plasmática, membrana dasvesículas sinápticas e no próprio citoplasmaexecutam um grande conjunto defunções que permitem a síntese, acumulação,liberação e recaptação do neurotransmissor.Frequentemente também oelemento pós-sináptico é um dendrito ouo próprio corpo celular de um neurônio,onde existem macromoléculas situadasna membrana plasmática que funcionamcomo receptores <strong>dos</strong> neurotransmissores.Atuando nos seus receptores, osneurotransmissores deflagram uma sériede fenômenos no neurônio pós-sináptico,cuja consequência é a passagem dainformação neural de um neurônio parao próximo.Para ser considerado um neurotransmissor,a molécula transmissora requeralguns pré-requisitos: i) presença deenzimas como passos limitantes no terminalpré-sináptico; ii) armazenamento damolécula em vesículas pré-sinápticas; iii)liberação da molécula pelo terminal pré--sináptico regulada por Ca ++ ; iv) presençade receptores específicos na membranapós-sináptica para interagir com essamolécula; v) presença de transportadorese/ou enzimas que tenham a função determinar com a ação da molécula sobre amembrana pós-sináptica (Figura 11). Existemvarias classes de neurotransmissoresque podem ser classifica<strong>dos</strong> por suaestrutura química, tais como: acetilcolina;aminoáci<strong>dos</strong> como aspartato, glutamato,glicina e GABA; e aminas biogênicas,sendo as mais conhecidas serotonina,dopamina, noradrenalina, adrenalina ehistamina. Fazem parte também do grupo,os neuropeptídeos que podem ter de trêsa mais de 30 resíduos de aminoáci<strong>dos</strong>.Esses neuropeptídeos podem ser classifica<strong>dos</strong>em quatro grupos principais: ast<strong>aqui</strong>cininas, tais como a substância P,cuja função mais conhecida é sua parti-


108Neurociênciascipação como neurotransmissor nas viasda dor; os hormônios neurohipofisáriosocitocina e vasopressina, o primeiro queestá envolvido com funções da glândulamamária e o segundo que atua comohormônio antidiurético; os hormôniosliberadores hipotalâmicos, incluindo ohormônio liberador de corticotropina,a somatostatina e vários outros; osneuropeptídeos opiáceos, endorfinas eencefalinas.A sinapse colinérgica que usa o neurotransmissoracetilcolina (ACh) podeser usada como exemplo de sinapsequímica. A acetilcolina (ACh) é sintetizadaa partir de dois precursores imediatos,a colina e acetil-coenzima A, através daenzima colina acetiltransferase (ChAT)que está presente no terminal nervosopré-sináptico. A purificação dessa enzimapermitiu que se produzisse anticorpose assim se pudesse mapear sinapsescolinérgicas em todo o sistema nervosocentral. A enzima de degradação é aacetilcolinesterase que está presenteem células que apresentam receptorescolinérgicos. A síntese de ACh é limitadapela quantidade de colina presente noterminal pré-sináptico. A captação de colinaocorre através de um transportador dealta afinidade. Um segundo transportadorpresente em vesículas sinápticas faz oterminal pré-sináptico acumular ACh.Quando um potencial de ação chegaao terminal nervoso, ocorre um fluxo deíons Ca + através de canais de Ca ++ dependentesde voltagem, como mencionadoacima. Como resultado da concentraçãoaumentada de Ca ++ intracelular, vesículascontendo ACh fundem-se com a membranapré-sináptica e liberam o seu conteúdona fenda sináptica. O neurotransmissordifunde-se pela fenda sináptica e atingea célula pós-sináptica em cuja membranaplasmática ficam localiza<strong>dos</strong> os receptorespós-sinápticos. Os receptores pós--sinápticos foram primeiro nota<strong>dos</strong> pelofisiologista inglês John Newport Langley(1852-1925) que, ao trabalhar com umapreparação neuromuscular, mostrou quea nicotina era capaz de estimular o músculoe o curare inibir a contração observada.Ele chamou a substância presenteno músculo de substância receptiva, hojechamada de receptor.Existem várias peculiaridades paracada neurotransmissor e simplesmentenão se pode dizer que uma molécula éexcitatória ou inibitória. Dependendo dasituação, o neurotransmissor pode ser excitatórioe em outra situação comportar-secomo inibitório. A ação do neurotransmissordepende do tipo de receptor em queele se liga e <strong>dos</strong> processos intracelularesque são influencia<strong>dos</strong> pelo receptor emquestão. A interação química entre o neurotransmissore seu receptor pós-sinápticodesencadeia uma série de eventos nacélula pós-sináptica. Essas modificaçõespodem levar diretamente a uma respostade sinalização rápida traduzida como hipopolarização(excitação) ou hiperpolarização(inibição) da célula pós-sináptica quando oreceptor contém na sua estrutura um canaliônico – receptor ionotrópico. Esse é o casodo receptor nicotínico de ACh que contémum canal de cátions. Noutras situações, oreceptor de neurotransmissor estimuladodesencadeia uma cascata de reaçõesbioquímicas na célula pós-sináptica que,entre outros efeitos, abre ou fecha certoscanais iônicos da membrana plasmática;essa resposta é lenta em comparação coma primeira descrita acima porque envolvemuitas reações químicas na membranaplasmática, no citoplasma, em organelas eaté mesmo no núcleo celular, e o receptoré dito metabotrópico. Esse é o caso <strong>dos</strong>


Neurociências 109vários tipos de receptores muscarínicosde ACh.Após a liberação do neurotransmissorna fenda sináptica e sua ligação aoreceptor na membrana plasmática, oneurotransmissor precisa ser removidopara finalizar a ação sináptica. Essa remoçãopode ser por recaptação do neurotransmissorpelo terminal pré-sinápticoou sua degradação enzimática. No casoda transmissão neuromuscular, a AChé degradada pela enzima acetilcolinesterase(AChE). Assim todas as etapasda neurotransmissão foram cumpridasna sinapse neuromuscular entre o neurôniomotor e a fibra muscular estriadaesquelética e constata-se que ACh podee deve ser considerada uma moléculaneurotransmissora nessa sinapse.Uma nova revolução tecnológicaEstá em gestação uma nova revoluçãona história do desenvolvimentocientífico e tecnológico. Ela é dirigidapara o funcionamento do cérebro, para acriação de máquinas inteligentes e parao desenho de interfaces entre cérebroe máquina. O Brasil pode desfrutar deuma posição de destaque nessa novaera. Graças a um trabalho de mais demeio século, encontram-se funcionandoem muitas universidades e institutosde pesquisa grupos de investigação emNeurociências, com um grande númerode pesquisadores, já em sua terceirageração. A recente criação do InstitutoInternacional de Neurociências em Natal,do Instituto do Cérebro do Hospital AlbertEinstein em São Paulo e da Rede InstitutoBrasileiro de Neurociências distribuídapor diversos esta<strong>dos</strong> da federação podeservir para atrair jovens neurocientistas,aumentar o intercâmbio entre os cientistasbrasileiros e do exterior, e criaruma ponte entre a vida acadêmica e asnecessidades da sociedade em geral. Omundo dentro de algumas décadas terásofrido um enorme impacto das descobertascientíficas e inovações tecnológicasprovindas da Neurociência e o Brasil temagora uma oportunidade de desenvolver--se no mesmo passo <strong>dos</strong> demais paísesque não teve noutras fases da revoluçãocientífica, tecnológica e industrial.Referências1. Edelman GM. Antibody structure andmolecular immunology. Nobel Lecture1972. Disponível em URL: http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1972/edelman-lecture.html2. Tononi G, Edelman GM. Consciousnessand complexity. Science 1998;282:1846-51.3. Tononi G, Srinivasan R, Russell DP,Edelman GM. Investigating neuralcorrelates of conscious perceptionby frequency-tagged neuromagneticresponses. Proc Natl Acad Sci U S A1998;95:3198-3203.4. Edelman GM. Naturalizing consciousness:a theoretical framework. Proc Natl AcadSci U S A 2003;100:5220-4.5. Seth AK, Izhikevich E, Reeke GN,Edelman GM. Theories and measuresof consciousness: an extendedframework. Proc Natl Acad Sci U S A2006;103:10799-804.6. Schuetze SM. The discovery of the actionpotential. Trends Neurosci 1983;6:164-8.7. Piccolino M. Animal electricity andthe birth of electrophysiology: thelegacy of Luigi Galvani. Brain Res Bull1998;46:381-407.8. Piccolino M. Luigi Galvani’s path to animalelectricity. C R Biol 2006;329:303-18.9. http://en.wikipedia.org/wiki/Electroencephalography


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