Prosa - Academia Brasileira de Letras
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A liturgia não canônica do Livro das horas <strong>de</strong> Nélida Piñonreferindo-se à arte clássica, reafirmou serem “informações indispensáveis paraminha formação”. Logo, está consciente <strong>de</strong> que as menções autobiográficasreportam-se à “aprendizagem formativa” da sua personalida<strong>de</strong>. Porém, aindanesta linha <strong>de</strong> raciocínio, a obra ultrapassa o mo<strong>de</strong>lo do Bildungsroman tradicional,porque não se atém a uma aprendizagem rotineira e <strong>de</strong> um ser comum.Mas da específica educação <strong>de</strong> uma criança “direcionada”, “moldada mentale intelectualmente” para “os caminhos artísticos”. Assim, extrapola o paradigmahabitual e valoriza, sobremodo, “o po<strong>de</strong>r criador” da Arte. Por exaltara “formação” <strong>de</strong> alguém encaminhado aos horizontes estéticos, o relato vaialém do mo<strong>de</strong>lo do Bildungsroman conhecido e aproxima-se da tipologia <strong>de</strong> umKünstlerroman (romance <strong>de</strong> arte/artista). Trata-se, pois, <strong>de</strong> um “romance daaprendizagem” ou “da formação” <strong>de</strong> uma pessoa particularmente “educada”,“mo<strong>de</strong>lada”, para “tornar-se artista”.Todavia, para complicar ainda mais a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar este compêndio,já por si tão infrator e inventivo, nele está em relevo a “formação intelectual”– não <strong>de</strong> um “homem” –, como era comum nos romances <strong>de</strong> aprendizagemdos séculos anteriores, sobretudo no Iluminismo quando proliferouesse mo<strong>de</strong>lo peculiar <strong>de</strong> escrita. A nova produção <strong>de</strong> Nélida – e também a doseu livro anterior Coração andarilho (2009) cuja temática se assemelha a este dopresente –, <strong>de</strong>screve a educação artística <strong>de</strong> “uma mulher”. Ambos transgri<strong>de</strong>mo padrão convencional do Künstlerroman dirigido para a “formação cultural” <strong>de</strong>uma pessoa “do sexo masculino” impulsionada, conduzida para fins artísticos,da qual é exemplo a emblemática obra <strong>de</strong> Goethe, Os anos <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> WilheimMeister (1821). Com a mudança literária do gênero narrativo, o que hoje nos estudosculturais acadêmicos se nomeia <strong>de</strong> gen<strong>de</strong>r, a romancista valorizou a posiçãoda mulher. Colocou-a em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com o homem, po<strong>de</strong>ndo livrementeatuar no mundo recente e receber educação para tornar-se escritora.Por conseguinte, este “romance formativo” constitui um Künstlerroman“<strong>de</strong> autoria feminina”, 8 além <strong>de</strong> reunir, em sua construção, as várias outras8Sobre o Künstlerroman <strong>de</strong> autoria feminina, ler: CAMPELLO, Eliane T.A. O Künstlerroman <strong>de</strong> autoria feminina.A poética da artista em Atwwod, Tyler, Piñon e Valenzuela. Rio Gran<strong>de</strong> do Sul: Editora da Furg, 2003.173