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Odorico ParaguaçuO Bem-amado de Dias GomesHistória de um personagem larapista e maquiavelento


Odorico ParaguaçuO Bem-amado de Dias GomesHistória de um personagem larapista e maquiavelentoJosé DiasSão Paulo, 2009


ApresentaçãoSegundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistasporque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizadose reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas.Mas como reconhecer o trabalho de artistas ge niais de outrora,que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas própriasemoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nomedaqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindoe interpretando obras-primas, que têm a efêmera duraçãode um ato?Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando osregistros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveisao grande público.A Coleção Aplauso, de iniciativa da <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong>, pretende resgatarum pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participaçãona história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena.Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meioem que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica dasociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavaminseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamentopolítico em épocas adversas à livre expressão e as consequências dissoem suas próprias vidas e no destino da nação.5Paralelamente, as histórias de seus familiares se entre la çam, quaseque invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começodo século pas sado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, omosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que refletea identidade e a imagem nacional, bem como o processo político ecultural pelo qual passou o país nas últimas décadas.Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, aColeção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolosda cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-osde volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservaçãode parte de uma memória artística genuinamente brasileira,e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem seraplaudidos de pé.José SerraGovernador do Estado de São Paulo


Coleção AplausoO que lembro, tenho.Guimarães RosaA Coleção Aplauso, concebida pela <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong>, visa resgatar amemória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretoresque compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão.Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalpara esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vemsendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontrossucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivosde documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstituia partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permitereconstruir sua trajetória.A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantémo aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, comose o biografado falasse diretamente ao leitor.Um aspecto importante da Coleção é que os resulta dos obtidos ultrapassamsimples registros biográficos, revelando ao leitor facetas quetambém caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado secolocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectuale ideológica do artista, contextualizada na história brasileira.7São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveramos livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza dopensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasarame continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importânciapara a sua formação terem atua do tanto no teatro quanto no cinemae na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-ascom suas particularidades.Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelandoas circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasseem si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens.São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmenteaos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutidoo processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão.Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, aimportância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinadoso relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos eas possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema,a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens.


Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – emerece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecero percurso cultural de seu país.À <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas,organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contarcom a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgose roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidadeconsolidada, constatamos que os sorti légios que envolvem palco, cenas,coxias, sets de filma gem, textos, imagens e palavras conjugados, etodos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutame vivem – também nos tomaram e sensibilizaram.É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhadocom os leitores de to do o Brasil.Hubert AlquéresDiretor-presidente<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São Paulo8


Começando com os EntretantosOdorico Paraguaçu, O Bem Amado, talvez seja um dos mais longevospersonagens na cena brasileira. A peça de Dias Gomes – Odorico, oBem Amado ou Uma Obra do Governo – foi encenada pela primeiravez em 1969 pelo Teatro de Amadores de Pernambuco; virou especialde televisão em 1964 no programa TV de Vanguarda exibido pela TVTupi; tornou-se a primeira novela exibida a cores em rede nacional, em1973 na Rede Globo para virar um tempo depois seriado de sucesso,exibido por cinco anos, de 1980 a 1984.A luta eterna contra a censura e a preocupação constante em retratara realidade brasileira fizeram com que Dias Gomes desenvolvesseuma linguagem especial, cuja sutileza possibilitasse tentar driblara primeira e, ao mesmo tempo, manter-se fiel à segunda. Comoconseguiu esse feito? Recortando no quadro político da sociedade,que o fez topar com um número considerável de homens públicosdesprezíveis, matrizes da atuação de um personagem, de moralambígua e linguajar pernóstico, ao qual emprestaria força cada vezmais demolidora: Odorico Paraguaçu. Um tanto acanhado no iníciode sua carreira no teatro, Odorico acaba chegando ao auge de suacontundência na televisão. Na figura deste tirano tomou corpo todoescárnio por um comportamento social que o autor repudiava e que,através do humor, pretendia mostrar ao público, apesar de aindaassim ter sido alcançado, por diversas vezes, pela tesoura da censura.11O Bem Amado, em sua alusão irônica, transformou-se aos poucos, pelaassiduidade com que freqüentou os lares dos brasileiros, no retrato dopolítico a quem Dias Gomes permitiu que o povo castigasse, mesmoque apenas através do riso. Antes de acompanhar a trajetória deOdorico Paraguaçu, conto episódios da vida de seu criador, buscandolevantar as marcas que a luta contra a presença insistente da censura,e a favor da liberdade e de uma condição melhor de vida, deixaramem sua carreira de intelectual, ativo participante da produção culturalbrasileira, em seus diversos meios de expressão.


Capítulo IDias GomesBiografia de um Censurado PrecoceNenhum artista pode furtar-se à luta pela liberdade de expressão,porque é isto que está em causa, e não uma peça, um espetáculoteatral. Quem não entendeu isso não entendeu nada.Dias GomesAlfredo de Freitas Dias Gomes nasceu em 19 de outubro de um anoimportante: 1922. Contemporâneo da Semana de Arte Modernade São Paulo, do levante dos Dezoito do Forte de Copacabana e dafundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no Rio de Janeiro,veio ao mundo na Bahia, na cidade de Salvador, na Rua do Bom Gosto,hoje João das Botas, no bairro do Canela.O terceiro filho de D. Alice Ribeiro de Freitas Gomes, que perderao primeiro ainda criança, nasceu temporão, com uma diferençade dez anos para seu irmão Guilherme – uma diferença que,coincidentemente, repetiu, muitos anos mais tarde, entre seus doisfilhos homens, Guilherme e Alfredo.13Aos três anos ficou órfão de pai. Mas, antes de falecer, o Sr. Plínio AlvesDias Gomes – engenheiro que trabalhara na construção da estrada deferro Madeira-Mamoré – apelidara o filho de Rompe-Rasga. Isso nosidos de 1924, ano da rebelião tenentista de São Paulo e do início daColuna Prestes. Aos sete anos, Dias iniciou o curso primário no GinásioNossa Senhora das Vitórias, dos irmãos Maristas, em Salvador. Entre osnove e os dez anos improvisou e antecipou a presença da maravilhosaenfermidade que viria a atacá-lo anos depois – a paixão pela literaturae, sobretudo, pelo teatro: além de montar pecinhas com os primos,inspiradas nas cenas dos circos que costumava freqüentar, escreveu seuprimeiro conto, sem dúvida de inspiração autobiográfica, As Aventurasde Rompe-Rasga. Essas aventuras reais foram acompanhadas pelosprimos, no pomar de sua casa, vizinha à chamada Roças dos Padres,local onde hoje se situa a Universidade Federal da Bahia, em quese desdobravam nas fugas para jogar futebol e que resultavam emmemoráveis surras aplicadas por D.Alice.Mas a carreira literária de verdade foi influenciada pelo irmão maisvelho, que sempre o orientou como verdadeiro pai e por quem nutria


grande admiração e imenso afeto. Eu comecei a escrever para me igualara ele. Hoje acho que fatalmente seria um escritor, pois nunca descobriem mim aptidão para outra atividade, revelou o Dias Gomes adulto.1934, Getúlio Vargas já estava há quatro anos no poder, empossadopela Revolução de 30. Dias Gomes ingressou no Ginásio Ipiranga, umaescola leiga que funcionava no sobrado colonial onde residiu CastroAlves, mas precisou interromper o curso quando se transferiu parao Rio de Janeiro. Veio acompanhar o irmão Guilherme, já médicoe poeta, membro da mesma Academia dos Rebeldes de que faziamparte Jorge Amado, Edson Carneiro, Dias da Costa, Clóvis Amorim eoutros jovens idealistas do fim da década de 20. A falta de recursos dorecém-formado fizera-o optar pelo concurso para médico do Exército.A vinda para o Rio, o próprio Dias Gomes se encarrega de contá-la notom humorístico que caracteriza sua linguagem dramática:14Minha mãe foi à Igreja do Bonfim e fez uma promessa: se ele fosseaprovado, assistiria missa em todas as Igrejas de Salvador. O santomexeu seus pauzinhos e o mano foi aprovado com louvor. Minha mãecumpriu a promessa com enorme sacrifício. Segundo a lenda as igrejaseram 365 e eu imaginava que minha mãe haveria de consumir-se emsua peregrinação. Por isso, às vezes eu ia com ela e ficava na porta (...),mas ela me obrigava a rezar, talvez como uma bonificação ao santo.Muitos anos depois, quando eu escrevi O Pagador de Promessas, melembrei muito de minha mãe.Chegou, portanto, ao Rio, em 1935, no ano do levante comunista.Continuou os estudos no Ginásio Vera Cruz, na Tijuca, local onde hojefunciona o Senai, mas completou o ginásio no Instituto de EnsinoSecundário, na Rua do Ouvidor, em 1937, ano em que Getúlio dissolveuo Congresso e decretou o Estado Novo, de inspiração fascista, que seestendeu até 1945. Assim, no auge da juventude, entre os quinze e osvinte e três anos, Dias Gomes vivenciou o regime ditatorial de Vargas.Os fatos de sua carreira de escritor não se dissociaram dos fatosdramáticos da vida nacional naquele período. Atento desde cedoà realidade brasileira, não só recortou aqui e ali elementos dessepanorama para, inspirado em alguns deles, tecer os enredos desuas peças, como também sofreu pessoalmente as conseqüênciasde suas opções políticas, sendo desde cedo alvo das mais diversasformas de censura.A precocidade marcou sua carreira de dramaturgo: aos quinze anosteve sua primeira peça teatral, A Comédia dos Moralistas, premiada


pelo Serviço Nacional de Teatro, num concurso organizado juntocom a União Nacional dos Estudantes (UNE), e que também premiouMário Brasini. Um tio de Dias Gomes, Alfredo como ele, orgulhoso dodesempenho do sobrinho, encomendou a publicação da peça a umagráfica baiana. Foram vendidos 17 exemplares, e a publicação salvoueste texto de sofrer o destino de tantos outros, a lata de lixo do autor.Entre os 17 e 18 anos, tentando não ser um peso para o irmão, e vendoque a carreira militar era a maneira aparentemente mais fácil de tercasa, comida e ainda receber um soldo, fez exame para a Escola Militarno Rio de Janeiro, em Realengo. Não conseguindo fazer a prova deálgebra, exausto por ter virado a noite estudando, entrou com umapetição ao Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, para realizá-lana Escola de Cadetes de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ondefoi aprovado. Mas, dos dois meses em que ali permaneceu, passouquinze dias na cadeia, tal era sua vocação. O coronel Setembrino,comandante da Escola de Cadetes, um dia o chamou ao gabinete:Meu filho aqui tenho visto muita gente equivocada, sem um mínimode vocação para a carreira militar. Mas igual a você, nunca. Ora, ojovem Alfredo já desconfiava disso desde o início. Abandonou a fardae a desastrada incursão na carreira militar, como se referiu mais tardeao episódio. Retornou ao Rio no mesmo ano, 1939, mas manteve acabeça raspada, para não sair de casa e poder ficar lendo dezenasde livros, influenciado pela Formação da Mentalidade, do autoramericano James Harvey Robinson, leitura obrigatória na época.Lembrando-se dessa fase, revelou Dias Gomes:15A tese central do livro é que existe um determinado momento emnossa vida, momento que deve anteceder à completa formação denossa mentalidade e que é a hora exata de parar e fazer uma completarecapitulação e avaliação de todas as noções adquiridas e de todos osvalores herdados ou assumidos, dado o fato de que tudo isso se deunum período em que passivamente recebíamos sem por em dúvida,sem contestar. Era hora, então, de ter a coragem de duvidar não sódos conhecimentos adquiridos como das crenças, em geral, impostas.O livro me atingiu com um tremendo impacto. E eu resolvi por emprática sua proposta.A partir daí tentou diversos caminhos: fez os preparatórios paraEngenharia na Praia Vermelha e para Direito no Colégio Pedro II. Naépoca de estudante morava num quarto da Pensão Buenos Aires, narua Prado Júnior, e recebia mesada do irmão. Em 1940 chegou a cursardurante algum tempo a Faculdade de Engenharia, desistindo logo.Nesse período escreveu Ludovico, 1940. Pensou em optar pelo Direito,


mas abandonou a Faculdade no terceiro ano, em 1943, ano fatídicoda misteriosa morte do irmão, aos trinta anos de idade, ocorridaenquanto realizava experiências em Realengo.Entre os dezenove e os vinte anos (1941-1942) que Dias Gomes iniciouefetivamente sua carreira de escritor participante da vida política.Aderiu às manifestações lideradas pelo Marechal Rondon e porOswaldo Aranha, em prol da entrada do Brasil na guerra, junto àsforças aliadas. Escreveu então um drama antifascista, como ele mesmoo batizou. Mas a peça Amanhã Será Outro Dia só foi montada doisanos mais tarde, em 1943. Conta ele:Estávamos em plena guerra e nenhum empresário queria searriscar a encená-la quando o nosso ditador de então, GetúlioVargas, demonstrava evidentes simpatias pelo eixo Roma-Berlim.Tive que esperar o Brasil entrar no conflito para vê-la encenada. Epela companhia oficial, inclusive. Vendo que os deuses da guerrase inclinavam para os aliados, Getúlio, como bom oportunista quesempre foi, declarou guerra aos nazi-fascistas.16Antes disso, em 1942, estreou no Teatro Serrador, no Rio de Janeiro,sua primeira peça encenada, Pé de Cabra, com Procópio Ferreira nopapel principal. Paradoxalmente, era uma sátira ao mesmo Deuslhe Pague, de Joracy Camargo, escrita em 1932, que dera projeçãonacional ao ator alguns anos antes. Tinha sido escrita a pedido dorival de Procópio, Jayme Costa, que lera e se encantara com o primeirotexto de Dias Gomes, Amanhã Será Outro Dia. Em 1941, através docartãozinho de uma prima gaúcha, casada com o poeta AugustoMeyer, Dias Gomes tinha sido apresentado a Henrique Pongetti que,por sua vez, o apresentara a Jayme Costa. Mas o ator e empresárioacabou desistindo da idéia de montar a peça que encomendara. E,como diz o escritor, por um desses caprichos do destino, Pé de Cabraveio a se tornar um sucesso de público e de crítica, interpretada porProcópio – que morreu sem saber do complô de que tinha sido vítimae beneficiário. Proibida na noite da estréia, mas liberada uma semanadepois, com cortes, Pé de Cabra ‚ foi encenada por duas temporadasseguidas no Rio e em São Paulo, e rendeu a Dias Gomes, em 1943, umcontrato exclusivo de autoria para a Companhia de Procópio Ferreira.Foi uma irresponsabilidade dos meus dezenove anos, confessa DiasGomes, só perdoável pela minha paixão pelo teatro, um mal crônico,congênito, incurável. Pelo contrato, Dias Gomes ficava obrigado aescrever quatro peças por ano, com direito à recusa de uma, o queo levou a escrever cinco textos em 1943, e ainda a receber um mês


adiantado, logo de início, além de ter garantidas dezoito cadeiraspor sessão. Procópio nem poderia imaginar que tudo isso se deviaao sucesso de uma peça encomendada contra ele, e que ele própriomontara em quinze dias!Completando a série de equívocos que circundaram Pé de Cabra, DiasGomes acabou sendo considerado na época um discípulo de JoracyCamargo, quando na verdade pretendia contestá-lo. E ainda teveseu texto censurado pelo D.I.P., acusado de marxista – e até entãonão tinha lido uma só linha de Marx. Mas com isso interessou-se pelofilósofo. Ingressou no Partido Comunista em 1945. Devo esse favorà Censura, diz ele, o de ter descoberto para mim o marxismo e amilitância comunista. Em virtude do sucesso, Pé de Cabra foi vendidatrês vezes para o cinema.Data também de 1943 o ingresso de Ziembinski em Os Comediantes,grupo teatral fundado em 1941, poucos anos depois de Pascoal CarlosMagno ter criado o Teatro do Estudante do Brasil (1938). Ziembinskiencenou Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, caracterizando ummomento de renovação da dramaturgia brasileira e uma mudançaradical nas concepções cênicas da época.Durante o período em que esteve com Procópio, Dias escreveu ZecaDiabo, Doutor Ninguém, João Cambão, Um Pobre Gênio e Eu Acusoo Céu, além de outras peças que, merecidamente, segundo ele, nãosaíram da gaveta: O Homem que Não Era Seu, Sinhazinha e Becosem Saída. Em relação a este período há alguns fatos que merecemdestaque. Em 1944 ‚ foi encenada Doutor Ninguém, no TeatroSantana, em São Paulo, peça que abordava o problema racial e cujoherói era um médico negro. Como havia o preconceito de que opúblico não aceitaria um herói negro, Procópio colocou um branco emcena. Meu filho, explicou ele ao dramaturgo, há dois tabus que vocêjamais conseguirá quebrar no teatro: todo negro tem que ser criado,todo padre tem que ser bom. Dias Gomes deu um jeito nisso. Em OPagador de Promessas tentou desfazer um desses mitos: o padre ficoucom o papel de vilão. Dias Gomes já tinha noção clara de que umadramaturgia nacional só poderia surgir a partir da análise crítica darealidade, dos problemas, comportamento, aspirações e frustraçõesdo homem brasileiro.17Ainda nesse ano, Procópio encenou Zeca Diabo, no teatro Dulcina,no Rio de Janeiro, peça que abordava o problema do cangaço. Ora,o espetáculo teatral nessa época era improvisado, uma peça ficavapoucos dias em cartaz, logo substituída por outra. Além disso, essa


era a época das estrelas, uma tradição que vinha de Leopoldo Fróese que era seguida por Procópio, Jayme Costa e Dulcina. A estrelas, namaioria das vezes, não ensaiava. Assim, ao fazer Zeca Diabo, Procópiosó foi ao ensaio geral e, como não sabia o texto, inventou um cacoetepara dar tempo de ouvir as falas lidas pelo ponto, instalado em suacaixa no proscênio. Críticos da época, como Mário Nunes e ViriatoCorreia, embarcaram na história, ofuscados pelo prestígio do mito,criticando acerbamente os outros atores, como foi o caso de AntonioMoreno, e colocando Procópio nas nuvens, como único ator querealmente sabia o papel!Data desse mesmo período a experiência da revista Toque de Recolher,que Dias Gomes escreveu em parceria com José Wanderley, umabrincadeira de objetivos mais eróticos que propriamente teatrais.Na verdade, Dias estava namorando uma cantora da Companhia daPraça Tiradentes, chamada América Cabral, que era virgem, só andavaacompanhada pela mãe e era Rainha das Atrizes. E, não contente comisso, fez uma aposta com um amigo que ele haveria de conquistartodas as girls da Companhia. O que não era impossível, eram apenasseis ou oito girls.18Deu-se também neste ano de 1944 o outro episódio militar da carreirade Dias Gomes. Tudo começou com um recorte de jornal que recebeudentro de uma carta de sua mãe, fazendo constar sua convocação paraa guerra. Reuniu os amigos, despediu-se de todos, tomou um grandeporre e, no dia seguinte, apresentou-se no quartel. Lá chegando foiatendido por um sargento que olhou, olhou, e disse: Não senhor,o senhor não está convocado! Dias Gomes indignou-se. Já havia sedespedido de todo mundo, como iria ficar perante os amigos? Foiquando, diante da insistência, o sargento ameaçou: Olha aqui, se nãofor embora já, vou lhe arranjar uma convocação, mas para o xadrez!Sua primeira fase de dramaturgo encerrou-se precocemente. Durouapenas de 1942 a 1944, segundo o próprio Dias Gomes, devido a doisacontecimentos. Primeiro a morte súbita de seu irmão, que obrigou-o aocupar o seu lugar como arrimo de família. Segundo pelo desencontroque se acentuava, de peça para peça, entre a sua dramaturgia e amentalidade empresarial da época. Diante deste impasse, e nãoquerendo abandonar o teatro engajado, resolveu aceitar o convitede Oduvaldo Vianna (pai), que entrara em contato com sua obrana temporada paulista de Pé de Cabra, para trabalhar com ele naemissora que estava fundando, a Rádio Panamericana. Esta decisãoinaugurou um novo momento na vida de Dias Gomes, marcandoo término de sua primeira fase de criação exclusiva para o teatro.


Além disso, a partir daí tornou-se, como tem orgulho de afirmar, umaespécie de meio-irmão do Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha: 1936-1974), porque Oduvaldo Vianna foi um pouco também pai de DiasGomes, pelo apoio que lhe deu no início da carreira.Em 1944, mudou-se para São Paulo, iniciando um hiato de dez anosde vida voltados para o Rádio, escrevendo cerca de 500 adaptaçõesde peças, contos, novelas e romances da literatura universal para oschamados Grandes Teatros, cujos nomes variavam de acordo com aemissora: Grande Teatro Panamericana, Grande Teatro Bandeirantes;a função e a estrutura destes programas correspondiam, na época,aos atuais especiais da televisão. Trabalhou em diversas emissorasdurante a experiência paulista, criando diferentes programas: um dosmais instigantes, segundo Dias Gomes, A Vida das Palavras, revelavasua preocupação com a qualidade e a importância do rádio comoforma de comunicação para além de seus aspectos mais digestivose alienantes. No tumultuado ano de 1945, marcado pela deposiçãode Getúlio e pelo término da Segunda Guerra Mundial, foi para asEmissoras Associadas (Tupi), onde permaneceu até 1948.Fui demitido por motivos políticos: num dos programas A Vida dasPalavras, numa sátira criada especialmente em função da ConferênciaInternacional das Nações Unidas, que se realizava na época no HotelQuitandinha (Petrópolis, RJ), focalizei a palavra Quitanda, e fiz com quecada país fosse representado por uma fruta, sendo os Estados Unidosuma big apple – o que foi tomado como provocação. O embaixadoramericano queixou-se a Assis Chateaubriand que, pressionado,demitiu-me. Por trás desse gesto estava a mão forte americana e aintenção de punir qualquer ato de rebeldia que cheirasse a revolução.Fui então para a Rádio América a convite de Oscar Pedroso Horta, seuproprietário – que recebeu a rádio como pagamento de honoráriosque lhe eram devidos por Hugo Borghi –, apesar da interferência doDOPS, que tentou impedir-me de ser contratado, alegando que euera comunista. Permaneci na Rádio América durante um ano, indoentão para a Rádio Bandeirantes de São Paulo, onde exerci a funçãode Diretor Artístico, em 1949.19Também em São Paulo, em 1945, Dias conheceu Janete Emmer(Janete Clair), sua colega de rádio, que trabalhava como locutora,apresentadora e radioatriz, e que mais tarde consagrou-se comoescritora de telenovelas. Casou-se com ela em 13 de Março de 1950,quando ainda morava em São Paulo. Nesse mesmo ano nasceu seuprimeiro filho, Guilherme, em 11 de Julho. Com Janete Clair teveainda mais dois filhos: Denise, nascida em 18 de Junho de 1956, eAlfredo, em 20 de Maio de 1960.


Entre 1945 e 1948 escreveu e publicou três romances (Duas SombrasApenas, em 1945; Um Amor e Sete Pecados, em 1946; Quando‚amanhã..., em 1948) e uma novela (A Dama da Noite, em 1947). Em1949, escreveu A Dança das Horas, adaptação do romance Quandoé Amanhã, e em 1951, O Bom Ladrão. De volta ao Rio de Janeiro,em 1950, trabalhou ainda algum tempo nas Emissoras Associadas,transferindo-se em 1951 para a Rádio Clube do Brasil, atual RádioNacional. Em maio de 1953 viajou para Moscou, participando deuma delegação brasileira de escritores, para as comemorações doPrimeiro de Maio. Este fato, que na época era considerado altamentesubversivo, não só provocou sua demissão da Rádio Clube do Brasil,como lhe valeu uma violenta perseguição por parte de Carlos Lacerda.Conta Dias Gomes:20Carlos Lacerda em plena campanha para depor Getúlio, campanhaque levaria o Presidente ao suicídio, publicou uma foto minha na PraçaVermelha, em Moscou, com a manchete Diretor de Rádio Clube levaflores para Stálin com dinheiro do Banco do Brasil. Dupla mentira.Primeiro, Stálin havia morrido um mês antes e seu túmulo ainda nãoestava aberto à visitação. Segundo, o dinheiro da viagem eu o haviatomado a um agiota, a juros altíssimos que, mesmo desempregado,levei um ano pagando. Lacerda visava atingir não a mim, mas a SamuelWainer, dono da Rádio Clube e do jornal Última Hora, que haviam sidofinanciados pelo Banco do Brasil, graças à interferência de Getúlio.Indiretamente era Vargas o atingido. E eu, que nada tinha com essabriga acabei levando as sobras. Estávamos em pleno macarthismo e eufui incluído numa lista negra. Não conseguia trabalho em parte alguma.Sem emprego e com nome na lista negra, ficou durante nove mesesescrevendo para a TV Tupi, usando o nome de três amigos, queassinavam por ele e negociavam seus textos: sua esposa, Janete Clair,Paulo de Oliveira e Moisés Weltman. Só em 1954, após dez anos deafastamento, voltou a escrever para o teatro – mas foi uma tentativatambém frustrada, não chegando ainda a caracterizar o início de umasegunda fase. Sua peça era Os Fugitivos do Juízo Final ‚ encenada noTeatro Glória, no Rio de Janeiro, produzida pela Companhia Jayme Costae dirigida por Bibi Ferreira, com um elenco que, além de Jayme Costa,incluía Nathália Thimberg, Maurício Schermann e Magalhães Graça. Eraum período conturbado pelo suicídio de Getúlio Vargas. Jayme Costa,que era um ferrenho getulista, entrou em depressão e chegou mesmoa escrever uma carta dramática para os jornais, uma carta tão amargaque quem a lesse diria que ele também estava à beira do suicídio; aomesmo tempo, Bibi dava à luz, Fernando Pamplona viajou para BuenosAires, abandonando os cenários. E a peça foi um fracasso.


Nesta época escreveu também textos para o Teatro Kibon, da TV Tupido Rio, até 1955. Tendo saído da lista negra, conseguiu enfim assinarseus próprios textos e ainda neste ano foi contratado pela StandardPropaganda. Em 1957, Dias Gomes ingressou na Rádio Nacional,onde permaneceu até 1964, com o programa Todos Cantam a SuaTerra, em que, a partir de uma pesquisa sobre o folclore, as lendas, assuperstições, os costumes e a música popular, divulgava os diferentesEstados do Brasil; neste período escreveu também programas especiaispara o Teatro Orniex.Com o início do mandato de Juscelino Kubitschek, em 1956, havia noar uma euforia de nacionalismo, a euforia da criação de Brasília. Nesseclima surgiu a bossa nova, o cinema novo, o concretismo; inaugurouseo Teatro de Arena e desenvolveu-se uma nova dramaturgia, que sepretendia cada vez mais voltada para a realidade brasileira, rompendocom o que ocorrera, por exemplo, nos anos 40, quando só se valorizavao que era importado em matéria de cultura, uma tradição que o TeatroBrasileiro de Comédia, fundado em 1948, vinha mantendo desde asua criação. O TBC, conforme a expressão de Sábato Magaldi, foi umverdadeiro sismógrafo das tendências do nosso teatro:Sendo praticamente, durante vários anos, a única empresa estável deSão Paulo, o TBC sentiu-se na obrigação de satisfazer aos diferentesgostos do público. Daí a alternância, no repertório, de peças comerciaise de peças artísticas, num ecletismo que visava também a equilibraras finanças.21Apesar de privilegiar a dramaturgia estrangeira, aos poucos o TBC foiabrindo exceção para o autor nacional, destacando-se Abílio Pereirade Almeida, segundo Sábato Magaldi, a princípio tímido e tateante,e depois escrevendo com extraordinária capacidade de atingir opúblico burguês, ao qual se dirigia. No final da década de 50, o TeatroOficina encarregou-se de trazer novos ventos para o teatro brasileiro,num momento que coincidiu com a segunda fase de criação deDias Gomes, que escreveu, em 1959, O Pagador de Promessas. Estapeça abriu finalmente as portas do TBC para Dias Gomes, em 1960,tentativa que vinha fazendo desde 1950. Estreou no dia 29 de Julho,no TBC, dirigida por Flávio Rangel, com cenários e figurinos de Cyrodel Nero. É sua peça mais encenada até hoje. Teve Leonardo Villar nopapel do Zé do-Burro, no TBC, e Luís Linhares, no Rio, pela CompanhiaDramática Nacional (SNT), com direção de José Renato. Rapidamentea peça ganhou fama internacional. Estreou em Washington, em 23 deoutubro de 1964, com um ator brasileiro, Renato Coutinho, no papelde Zé do Burro, na Actor’s Company Playhouse. Em março e abril de


1968 foi levada à cena em Lawrence, pelo Departamento de Teatro daKansas University, com direção do professor Dr. Fredric Litto, que jáhavia dirigido, em 1967, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.A versão cinematográfica de O Pagador de Promessas recebeu a Palmade Ouro em Cannes, no Festival de Cinema de 1962, além de váriosprêmios nacionais e internacionais. O filme, no entanto, foi proibido pelacensura no Brasil, entre 1967 e 1972. Enquanto isso, a peça prosseguiuem sua extensa carreira internacional: EUA, Chile, Uruguai, Polônia,Marrocos, Argentina, etc. Com essa peça Dias Gomes consagrou-se umdos autores mais destacados do teatro brasileiro contemporâneo.Hoje, todo mundo conhece a história do Zé do Burro que, em pagade uma promessa a Iansã/Santa Bárbara, salvadora do seu burroNicolau, percorre sete léguas com uma pesada cruz a fim de depositálaem Salvador junto ao altar da Santa. Ali, porém, se defronta com aresistência decidida do vigário da Igreja e deflagra-se o conflito da peça.22Prossegue Anatol Rosenfeld, em seu estudo da obra de Dias Gomes:com Zé do Burro, Dias Gomes (...) conseguiu criar um verdadeiro heróitrágico que defende os seus valores com o empenho da vida contraos da cidade.Em cinema, em 1974, escreveu o roteiro de O Marginal, com direçãode Carlos Manga, tendo no elenco Tarcísio Meira e Darlene Glória. Em1985 escreveu o roteiro de O Rei do Rio, uma adaptação da peça teatralO Rei de Ramos, tendo a direção de Bruno Barreto, e no elenco NunoLeal Maia, Milton Gonçalves e Nelson Xavier. Já em 1988 escreveu oroteiro baseado também na peça Amor em Campo Minado, com direçãode Pastos Vera (Cuba).A segunda fase da produção dramatúrgica de Dias Gomes, iniciada comO Pagador de Promessas, prosseguiu na década de 60, caracterizadapelo amadurecimento do escritor que se inseriu deste modo numquadro de dramaturgia nacional enriquecido pelo trabalho de outrosautores preocupados em levar para a cena uma temática voltada para osproblemas brasileiros: Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Ariano Suassunae Gianfrancesco Guarnieri trouxeram, a nosso ver, até o momento,as contribuições mais efetivas e continuadas à dramaturgia brasileiracontemporânea, disse Sábato Magaldi em 1962, analisando o panoramado teatro brasileiro. Além desses, é preciso destacar as obras de OduvaldoVianna Filho (Vianinha), Augusto Boal e Francisco Pereira da Silva.Essa fase é considerada a mais vigorosa de sua carreira, pelo próprioDias Gomes quando, numa entrevista publicada em Encontros com


a Civilização Brasileira, analisou a diferença entre a primeira e asegunda fases de sua carreira:Por incrível que pareça, através de tantos anos, após tantas lutas,tantas experiências positivas e negativas, tantas revelações e tantostraumas, meus valores essenciais se mantiveram intactos. O que euqueria ser e o que eu queria fazer, continuam sendo o que eu queroser e o que eu quero fazer.(...) E minha visão de mundo apenas seaprofundou pela experiência vivida e pelos ensinamentos bebidos emfontes a que só depois tive acesso. Enfim, voltando àquelas primeirasexperiências, se já não me reconheço na forma, ainda me reconheçode algum modo no conteúdo.Entre 1960 e 1966, Dias Gomes viveu com os recursos advindos dedireitos autorais recebidos pelas adaptações para cinema e algumasapresentações que se salvaram das garras da censura. Os anosestavam cada vez mais duros, sob o governo Costa e Silva e, depois,sob o rigor do AI-5.Em 1960 escreveu A Invasão, peça que, apesar de diferente das anteriorespor sua estrutura e ambiente, continuou na linha de estudo docomportamento do nosso povo, iniciada com O Pagador de Promessas.Focalizava a invasão de um prédio, cuja construção havia sido paralisadahá vários anos, por desabrigados de uma favela cujos barracos haviamsido arrasados em virtude de um forte temporal. Foi encenada pelaprimeira vez no dia 25 de outubro de 1962, no Teatro do Rio, no Riode Janeiro, com direção de Ivan de Albuquerque, cenários e figurinosde Anísio Medeiros, música de Antônio Carlos Jobim, letra de Viníciusde Moraes, que criaram o samba O Morro Não Tem Vez interpretadaao violão por Baden Powel. A proibição da peça‚ pedida por D.HélderCâmara em 1965 foi concedida em 1969; renovada a interdição em 1975,só foi liberada em 1978. Inspirado nessa peça, Dias Gomes escreveu em1971, para a Rede Globo de Televisão a novela Bandeira 2.23Em 1961, escreveu A Revolução dos Beatos, cuja cena se passa noCeará de 1920. Esta peça foi apresentada pela primeira vez no dia 17de Setembro de 1962, no Teatro Brasileiro de Comédia de São Paulo,com direção de Flávio Rangel, cenários de Cyro del Nero, música deCatulo de Paula. Mas foi proibida várias vezes durante o período de64-65, o que deu origem ao comentário de um coronel, ouvido porDias Gomes em uma de suas viagens ao interior da Bahia: Teatro‚coisa que tem que acabar!Em 1962, escreveu O Bem Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte,a pedido do TBC. Ao ler o primeiro ato recém escrito, Flávio Rangel


não se entusiasmou. Mesmo assim Dias Gomes terminou de escrevêlae engavetou-a até 1963, quando foi publicada na Revista Cláudia,da Editora Abril, na edição de Natal. Foi encenada pela primeira vezem 30 de Abril de 1969, pelo Teatro de Amadores de Pernambuco, noTeatro Santa Isabel de Recife (PE), com direção e cenários de Alfredode Oliveira. A encenação seguinte estreou em Brasília, na Sala MartinsPena do Teatro Nacional, numa première no dia 11 de Março de 1970,seguindo para o Rio de Janeiro, onde estreou no dia 18, no TeatroGláucio Gill (ex-Teatro da Praça), com produção de Orlando Miranda edireção e cenários de Gianni Ratto, tendo Procópio Ferreira e Iracemade Alencar nos principais papéis. Foi adaptada para telenovela em1972 e para seriado em 1979. Em 7 de setembro de 2007, estreou OBem Amado no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, no Rio deJaneiro, com Marco Nanini como Odorico, direção de Enrique Diaz,adaptação de Guel Arraes e Cláudio Paiva. O Bem Amado recebeuvárias propostas para cinema, mas só em fevereiro de 2009 começaramentão as filmagens no estado de Alagoas, com direção de Guel Arraes.24Em 1963, deveria estrear O Berço do Herói, no dia 22 de julho de1965 no teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, sob a direção deAntônio Abujamra, cenários e figurinos de Anísio Medeiros e músicade Edu Lobo. Foi, no entanto, interditada pelo próprio Secretário deSegurança do governador Carlos Lacerda. As circunstâncias em quea interdição ocorreu foram totalmente absurdas, inexplicáveis. Ederam margem a uma recriação feita pelo próprio Dias Gomes de umdiálogo do qual, por incrível que pareça, nem Kafka, nem Ionescoparticiparam, mas sim o autor, o Superintendente da Polícia Judiciária,Sr. Sales Guerra, e o Chefe da Censura Estadual, Sr. Asdrúbal Sodré Jr.:- A peça está proibida.- Mas o texto não foi aprovado pela Censura?- Foi.- Por que então a proibição?- Porque o texto sofreu alterações durante os ensaios.- Mas isto é comum.- Mas não pode. Não está de acordo com o texto aprovado.- Podemos levar então o texto aprovado?- Não.- Por quê?- Porque fizeram alterações no texto aprovado.- Suprimimos as alterações. Levamos o original, sem mudar umavírgula. Podemos?- Não.


- Por quê?- Porque o original foi alterado.(...)- Os senhores infringiram o artigo 41 do Regulamento.- Perdoem-me a ignorância, mas não conheço esse artigo. O senhorpoderia talvez esclarecer-me sobre o seu texto?- Que texto?- O texto do artigo 41.- Ah, não sei. Também não sou obrigado a conhecer todos os artigosde todas as leis.- Mas o chefe da Censura deve saber.O senhor Asdrúbal mostrou-se surpreso.- Eu, por quê?- Porque o senhor é o chefe da Censura.- Quem aplica o artigo é o censor no parecer.- E o parecer? Posso ver o parecer?- Não. O parecer é confidencial.- Mas eu preciso saber de que me acusam.- O senhor é acusado de ter infringido o artigo 41. Não basta?Em 1964, cassado e censurado, Dias Gomes voltou-se inteiramentepara o teatro. O Brasil era um país interditado, os partidos políticosestavam fechados, os centros de cultura desmantelados, as inteligênciasexpurgadas. Escreveu então O Santo Inquérito. Ambientada na Paraíbade 1750, a peça tratava do julgamento de uma jovem inocente quenão se submete à Inquisição, defendendo até o fim a sua dignidade,um personagem baseado em fatos reais, perfeito para falar à distânciado que estava ocorrendo no momento no país. Foi encenada pelaprimeira vez no dia 23 de Setembro de 1966, no Teatro Jovem, no Riode Janeiro, com direção de Ziembinsky, cenários e figurinos de GianniRatto e no elenco Eva Wilma como Branca Dias e Rubens Correia comoo Padre Bernardo.25Em 1968, escreveu O Túnel, peça não encenada por companhiasprofissionais, o que se pode justificar pela observação que faz AnatolRosenfeld no artigo introdutório à obra de Dias Gomes sobre ogênero da peça: O Túnel ‚ uma espécie de esquete, particularmenteapropriado para integrar o programa de um cabaré‚ lítero-satírico(coisa que, infelizmente, não existe no Brasil). Ainda em 1968, deparceria com Ferreira Gullar, escreveu Dr. Getúlio, sua Vida e suaGlória. Buscava, como sempre, uma forma de fazer teatro brasileiropara lidar com problemas brasileiros. Chegou à idéia da Escola deSamba criando uma alegoria alusiva à situação política brasileiradurante a ditadura Vargas. A peça foi um sucesso, apesar da pressãodos militares para que o texto fosse alterado. Mas Dias Gomes não


o alterou. Em 1968 estreou no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre,com direção de José Renato, tendo recebido apoio financeiro do ex-Presidente João Goulart para hospedagem do elenco. Dias Gomes oprocurou pessoalmente em sua fazenda no Uruguai com uma cartado futuro Deputado José Gomes Talarico. Em 1983, estreou no Riode Janeiro, no Teatro João Caetano, em nova versão: Vargas, comdireção de Flávio Rangel, cenários de Gianni Ratto, figurinos de KalmaMurtinho e música de Chico Buarque e Edu Lobo. Esta reencenação foisolicitada por Lutero Vargas (que assistira a peça em Porto Alegre) aDarcy Ribeiro, que procurou Dias Gomes, convidando-o a reencená-la.Não sem problemas, desta vez com Leonel Brizola, que queria intervirreclamando por causa da omissão do personagem Jango; mas o textonão sofreu alteração.Em 1969 foi convidado pela Rede Globo de Televisão para escrever atelenovela das 22 horas: Mandei os preconceitos pro diabo e topei. Sabiaque havia um perigo: ser engolido pela máquina, a televisão montarem mim. Eu tinha que descobrir um jeito de montar nela. E achei.26Transferiu para a televisão suas preocupações com os problemas sociaisdos brasileiros, e escreveu as novelas: A Ponte dos Suspiros (1969),primeira telenovela de Dias Gomes, com o pseudônimo de EstelaCalderón. Verão Vermelho (1969/70), onde retratou a Bahia; Assim NaTerra Como No Céu (1970/71) – nessa data, sob o governo Médici, acensura atingiu todos os meios de comunicação de massa –; Bandeira2 (1971/72), adaptada para o teatro como O Rei de Ramos; em 1973 atelenovela O Bem Amado inaugurou as transmissões a cores para todo oBrasil; em 1974/75 escreveu O Espigão, popularizando o termo ecologia,preocupado com as questões referentes à especulação imobiliária; em1975, a telenovela Roque Santeiro, cujo titulo original era A FamosaHistória De Roque Santeiro e sua Fogosa Viúva, a que Era Sem Nunca TerSido, que foi vítima da ação da Censura Federal na noite da estréia. Aogrampear o telefone de Dias Gomes, a polícia interceptou uma conversaentre o autor e o historiador Nelson Werneck Sodré‚ a quem Dias Gomesrevelou, às gargalhadas, ser a telenovela uma versão disfarçada da peçaO Berço do Herói, impugnada dez anos antes. A novela só foi ao arem 1985/1986. Em 1976, escreveu Saramandaia, para substituir a novelaproibida; mais tarde escreveu Sinal de Alerta, em 1978. Entre 1979 e1984 escreveu a sinopse e os vinte primeiros capítulos de Mandala. Em1990 escreveu a sinopse e os capítulos da novela Araponga, em coautoriacom Ferreira Gullar e Lauro César Muniz.Durante todos esses anos em que se dedicou à televisão, Dias Gomesnão deixou de escrever para o teatro. De 1969/1970 foi a peça Vamossoltar os Demônios, que só estreou no Brasil em 12 de Julho de 1984,


no teatro Santa Isabel, em Recife, com o novo titulo de Amor emCampo Minado, direção de Aderbal Freire Filho, cenários de MichelGantus e figurinos de Itala Nandi, que também integrou o elenco aolado de Luís Mendonça e Paulo César Pereio. A peça já havia sidoencenada na Alemanha em 1977.Em 1977/1978 escreveu O Rei de Ramos, que é baseado na novelaBandeira 2 (1971), que estreou em maio de 1979, no teatro JoãoCaetano, no Rio de Janeiro, com direção de Flávio Rangel, cenários deGianni Ratto, figurinos de Kalma Murtinho e música de Chico Buarquee Francis Hime; com Paulo Gracindo, Felipe Carone e grande elenco. ORei de Ramos foi adaptado para o cinema, em 1985, com o titulo de ORei do Rio, dirigido por Bruno Barreto. O Rei de Ramos nasceu de umanseio de Flávio Rangel para um teatro musical brasileiro, lembrançade antigas conversas com Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes.Lembra-se Dias Gomes:Eles achavam que nós, autores que pretendíamos um teatro popular,deveríamos estudar a única forma de teatro popular que tivemos, arevista, e usar sua forma de comunicação. Procurei lembrar das revistasque vi na Praça Tiradentes, em seu esplendor, e pesquisar outra formade teatro musicado, que nós também tivemos, a burleta. A forma deO Rei de Ramos é uma mistura desses dois gêneros.27Em 1976, Dias foi convidado pela Penn State University (Pennsylvania,EUA) para um seminário sobre sua obra, permanecendo nestauniversidade dez semanas como autor-em-residência, distinçãoconcedida pela segunda vez a um escritor brasileiro – o primeiro foiJorge Amado. Na mesma universidade acompanhou a montagem dapeça O Berço do Herói, que na ocasião ainda estava proibida no Brasil.Esta peça, dirigida por Manuel Duque foi encenada especialmente naPenn State University para o Simpósio sobre Teatro Latino-Americanoque se realizava na época nesta universidade.Ainda nos EUA começou a escrever a peça Missa para os Desafinados,que permaneceu inacabada. Em 1977 escreveu As Primícias, queestreou em 1979, em Brasília, com direção de Ricardo Torres; em 1978escreveu Phallus e em 1979/1980, Campeões do Mundo, cuja primeiraversão chamava-se Heróica e traçava um painel de quinze anos, 1964-1979, tentando entender e explicar os erros e acertos da chamadageração 68. Foi encenada em 4 de novembro de 1980, no Teatro VillaLobos, no Rio de Janeiro, sob a direção de Antônio Mercado, cenografiade Marcos Flaksman, figurinos de Marcos Flaksman e Patrícia Macruze tema musical de Denise Emmer, com Leonardo Villar, Ângela Leale Dennis Carvalho no elenco; em São Paulo Antonio Mercado dirigiu


Campeões do Mundo em 1981, com cenários de José Dias e, no elenco,Leonardo Villar, Ângela Leal e Flávio Galvão.Em 1983, a 16 de novembro, morreu Janete Clair, companheira deDias Gomes durante 33 anos. Em 1984 casou-se com Maria Bernadete,que lhe deu duas filhas, Mayra, em 15 de dezembro de 1987, e Luana,em 27 de abril de 1991.Escreveu em 1986, Olho no Olho, e em 1988 escreveu Meu Reino porum Cavalo, encenada em 1989, no Teatro Nelson Rodrigues, no Riode Janeiro, por ocasião das comemorações dos seus cinqüenta anosde vida artística, dirigida por Antonio Mercado, cenários de José Dias,figurinos de Marie Louise Nery, músicas e trilha sonora de GuilhermeDias Gomes, com Paulo Goulart, Nicette Bruno e Ângela Leal.28Escreveu a polêmica minissérie Decadência. Em 1990 terminou suaautobiografia Dias Gomes - Apenas um Subversivo, o título saiu deum frase do ex-Governador Carlos Lacerda, que em 1965 foi contra aliberação da sua peça O Berço do Herói, origem de Roque Santeiro. Em20 de março de 1998, em Paris, foi lançado durante o Salão do Livro,a autobiografia, pela Editora Bertrand Brasil.Em 11 abril de 1991, ocupou a cadeira número 21 da Academia Brasileirade Letras, na vaga de Adonias Filho, vindo a tomar posse em 16de Julho de 1991.Afastou-se das telenovelas, concluiu que o gênero se desgastou, optoupelas minisséries, escreveu um romance, sem repercussão, Derrocada,sobre a queda do regime socialista na União Soviética.Achava, ele, que a falta de criatividade na dramaturgia acentuara-se nosanos 90, e que se tratava de crise universal, abarcando artes, economia,política, moral, ética, em contraposição à pujante vitalidade da ciência,propôs a Casa de Criação Janete Clair, na TV Globo, para fomentarexperimentações; entretanto o empreendimento só durou dois anos.Dias Gomes morreu em 18 de maio de 1999. E como disse o presidenteda Academia Brasileira de Letras, Arnaldo Niskier, em seu velório: Ospersonagens Zé do Burro, Odorico Paraguaçu, Dona Redonda, Tucão,Viúva Porcina e Sinhozinho Malta, da sua imensa galeria, esperamagora pela chegada do seu autor ao céu. (...) A grande obra responderápela sua presença imortal entre nós. Que ele descanse em paz.


Uma Conclusão NecessáriaEm toda a sua carreira, Dias Gomes continuou sempre tentando darvazão ao talento e à vontade de comunicar através do teatro suasidéias e emoções sobre o povo brasileiro. Mas, como numa batalha,a cada movimento seu correspondeu uma ameaça do inimigo: desdeo início de sua carreira foi um censurado precoce. Transferiu de umaárea para outra os conhecimentos adquiridos ao longo de sua vidaprofissional, adaptando os recursos de linguagem. Recordando umadessas passagens, desabafa ele:Depois de O Berço do Herói, uma após uma as minhas peças iamsendo proibidas. Entendi que não me seria permitido prosseguir comminhas experiências teatrais, pois a minha dramaturgia vivia de umequacionamento da realidade e a própria realidade brasileira erabanida dos palcos, considerada subversiva em si mesma.Aceitou integrar-se na televisão como forma de não silenciar. Masestava consciente dos perigos que corria, de ser engolido pelamáquina. E sobreviveu: Foi uma aventura excitante como um saltomortal sem rede. Podia ter quebrado o pescoço. Mas felizmente estouinteiro. Com uma clara noção da diferença de linguagem entre os trêsmeios de tradução de sua dramaturgia, o teatro propriamente dito, ocinema e a televisão, sintetiza Dias Gomes:29Teatro‚ síntese, novela‚ análise; são dois processos opostos: um, maisintelectual, outro, mais braçal. No cinema a imagem tem mais valorque a palavra; no teatro, a palavra tem mais valor que a imagem. E natelevisão, a telenovela tem que fazer um equilíbrio entre a imagem ea palavra.A história do Dias Gomes dramaturgo caracteriza uma luta permanentecontra as pressões externas sobre sua obra da mesma censura quecerceou os movimentos da imprensa. Em 1974, havia centenas depeças proibidas no Brasil desde 1964. Entre 1972 e 1975, a censurarecrudesceu, baixando mais de duzentas interdições. Só a partirde 1975, com a chamada abertura democrática, foram lentamenteretirados os censores das redações dos jornais.A importância de sua obra pode ser avaliada não só pela riqueza depersonagens e qualidade da linguagem, como por representar, no seuconjunto, um país tão diversificado e controvertido como o Brasil, emseus múltiplos aspectos sociais e políticos.


Dentro desse quadro de produções O Bem Amado representa ummomento importante pelo fato de ter sofrido inúmeras adaptaçõespara linguagens diferentes, da cena teatral ao seriado da televisão,num longo período de mais de trinta anos, e por ter consagradoOdorico Paraguaçu como a mais perfeita caricatura de tudo o queDias Gomes rejeitava.


Capítulo IIO Bem AmadoAs Transformações de Odorico nos Palcos SucupirensesEu sou um homem que olha para a frente e acha que o que vemdepois não pode ser igual ao dia de hoje. Algumas mudanças têmque ocorrer, e é possível, perfeitamente possível, que muitas peças,hoje proibidas, minhas e de outros autores, venham a ser liberadas,venham à cena. Uma censura não consegue se manter por um séculoou dois. Jamais.Dias GomesO personagem camaleônico Odorico Paraguaçu, prefeito matreiro,sagaz e corrupto da fictícia cidade de Sucupira tem uma longahistória. Começou no teatro, nos anos 60, com o nome de OdoricoOsório e, durante os quase 30 anos em que circulou junto ao públiconacional – derepentemente até internacional – viu a sua biografia depersonagem sofrer diversas transformações.A história da peça Odorico, O Bem Amado espelha a própria históriade seu autor: tantas vezes foi alterada, renomeada e interditada,como ele tantas vezes teve que mudar o rumo de sua vida, trocarde nome, sofrer perseguições, cassações, interdições. Só numa coisadiferem com certeza criatura e criador: se no primeiro caso o cognomeO Bem Amado indica ironicamente um simpático mau-caratista, comodiria Odorico na língua que o caracterizou na televisão, emboramentetendo seu nome gravado nos anais e menstruais da História deSucupira, o segundo identifica o escritor sério e competente queintegra o quadro da dramaturgia nacional.31Em 1962, Dias Gomes escreveu a peça chamada Odorico, O Bem Amado,que, com o primeiro subtítulo Os Mistérios do Amor e da Morte, jamaischegou a ser encenada. Sua história faz parte do longo anedotário quecerca as criações de Dias Gomes, sempre interessado em aproveitarpequenos fatos da vida cotidiana do homem brasileiro, sobretudo dointerior do país, para fazer dele o núcleo de seus conflitos dramáticos.A idéia para escrever a peça teve origem num fato que lhe foi contadopor Nestor de Holanda, mas que se passara na verdade com o cantorJorge Goulart, quando ele estivera fazendo um show numa cidade dointerior do Espírito Santo. Contaram a ele que o prefeito se elegeracom a promessa de construir um cemitério para a cidade.


Mas dera tanto azar que durante um ano não conseguiu um mortopara justificar a importância da obra. O fato era perfeito e viroucrônica na mão de Nestor de Holanda, que a publicou no DiárioCarioca. Na mão de Dias Gomes tornou-se uma comédia política quefez um percurso mais atribulado.Primeiro foi o pedido do Flávio Rangel, que lhe encomendara umapeça para estrear no TBC. Diga-se de passagem que o próprio DiasGomes já havia oferecido outros textos ao TBC, todos até entãorecusados. Mas resolveram montar O Pagador de Promessas e, alémdisto, aceitar as duas imposições que lhes fizera o autor – os nomesde Leonardo Vilar, como ator, e o de Flávio Rangel, como diretor.Lembrando-se do período, diz Dias Gomes:Eu também sabia para onde soprava o vento. O enorme sucesso doPagador não só mudou radicalmente a filosofia de repertório doTBC, como também mudou a minha vida. Após tantos equívocos, eufinalmente me encontrava.Os equívocos – o final infeliz de sua história na Companhia de ProcópioFerreira e a injusta demissão da Rádio Clube – podiam ser considerados,pelo menos temporariamente, águas passadas. Para Flávio Rangel a vidatambém estaria mudada, pois o sucesso do Pagador lhe garantira umlugar definitivo no TBC. Encomendou então um novo texto a Dias Gomes.Tendo acabado de escrever o primeiro ato de Odorico, O Bem Amadoou Os Mistérios do Amor e da Morte, o dramaturgo o apresentou aodiretor, sem, no entanto, provocar nenhum entusiasmo. Terminou deescrever a peça, mas também não gostou do resultado e engavetou-a.No entanto, o texto acabou sendo publicado, ainda com aquele otitulo original, na Revista Cláudia, que lhe pedira um conto para onúmero do Natal de 1963.Iniciou-se então a vida pública de Odorico, um bem amado que,segundo versão confirmada pelo autor, foi grandemente inspirado nafigura do seu arqui-inimigo, o jornalista e deputado Carlos Lacerda,de cujas intrigas políticas fora vítima infensa em 1953, quando perdeua direção artística da Rádio Clube e, doze anos depois, em 1965,quando teve a sua peça O Berço do Herói interditada em sua noitede estréia, acusada pelo então Governador do Estado de ser imoral esubversiva. A propósito disso, relembra Dias Gomes:Odorico era um Lacerda exagerado. Mas depois reescrevi a peça eo Lacerda já estava no ostracismo, cassado, na oposição, enfim, por


aixo, então não faria mais nenhum sentido aquela sátira que eu faziadele. Trabalhei o personagem daí no sentido de mais um protótipode um político demagogo do interior. Ele cresceu, se aprofundoue se distanciou do Lacerda: adquiriu uma paisagem mais ampla.Desenvolvi um trabalho mais em cima do seu linguajar, o que lhe deuuma fisionomia muito mais forte.Faz sentido, portanto, a especulação em torno da figura que o inspirouao criar Odorico, sobretudo se considerarmos que o principal desafetodeste, na cidade do interior baiano,era o não menos venal jornalistaManeco Pedreira, o Neco Pedreira da novela. Era como se Dias Gomesdesejasse representar os dois lados da imagem pública do inimigoreal: o lado político na ridícula figura de Odorico, com sua retóricade demagogo, bem falante, teatral no mau sentido, como o pintavana rubrica de apresentação, um homem não propriamente belo, masa quem não se pode negar certo magnetismo pessoal, cuja palavraprende, cuja figura impressiona e convence, que traja terno branco echapéu de panamá; e o lado jornalista, na pessoa do patifento NecoPedreira, gazetista da imprensa marronzista que se lava e enxágua nocalunismo, como a ele se refere Odorico, prefeito do povo sucupirano.E como se estas alusões não bastassem, Odorico e Neco Pedreiradigladiavam-se em torno da relação entre a imprensa e o poder. DiziaManeco Pedreira, desde a primeira versão da peça, ao cabra a quemOdorico nomeia delegado:O prefeito não acredita que a ordem e aimprensa possam ser boas amigas. Ferino, mais adiante respondiaOdorico, na segunda versão: Tanto a imprensa sadia quanto adoentia serão informadas com antecedência – referindo-se à data deinauguração do cemitério, a tal obra do governo, como foi subtituladaa peça nas versões que serviram de base às duas montagens teatrais.33A versão definitiva e autorizada da peça surgiu publicada em livro em1975, com o titulo de O Bem Amado, Farsa Sócio-Política-Patológicaem nove quadros, já com as alterações na relação de personagens ena estrutura do enredo que caracterizaram a versão televisiva. É destaúltima versão a troca do nome do cabra contratado por Odorico, deOrdovino para Zeca Diabo – personagem que Lima Duarte imortalizouna televisão – assim como os apelidos de irmãs Cajazeiras para D.Dorotéia, D. Dulcinéia e D. Judicéia, todas talqualmente Cajazeira, afina flor do donzelismo juramentado de Sucupira.


Capítulo IIIO Romance da PeçaEu acho válida essa reavaliação de uma dramaturgia que pertenceua um período que é considerado como brilhante na dramaturgianacional, os anos cinqüenta e sessenta. Essa volta das minhas peçaspara mim é gratificante, essa volta ao teatro, a reescrever. Isso é bom,inclusive, para repensar.Dias GomesA primeiríssima versão da peça, aquela que foi publicada no númeroespecial de Natal da Revista Cláudia, em 1963, apesar de não ter sidoencenada no teatro, serviu logo de matriz para adaptações: uma feitapelo próprio autor, para o roteiro, também engavetado, do filmeO Corvo, a pedido de Leon Hirzman; outra, também do autor, nosanos 70, para Luís Carlos Barreto. Nenhuma das duas foi filmada.Uma terceira adaptação foi feita por Benjamim Cattan, para um casoespecial que foi ao ar no ano de 1964, na TV Tupi de São Paulo. Odoricoparecia mesmo personagem fadado a fazer sucesso na televisão. Sóesse veículo salvou Os Mistérios do desconhecimento total, pois foicom esta versão que Cattan trabalhou.35Já como Odorico, O bem amado ou Uma obra do governo a peçacirculou nas mãos dos atores do Teatro de Amadores de Pernambuco(TAP), em publicação do Grupo Estudantil de Teatro da EscolaNacional de Química, em agosto de 1966. As aspas se devem aoestado precário da publicação, um simples original mimeografado.Esta foi a peça que, com a devida autorização do autor, estreouno Teatro Santa Isabel, de Recife, no dia 30 de abril de 1969, comdireção de Alfredo de Oliveira.A ação transcorria em atmosfera de cidadezinha de veraneio do litoralbaiano, dividida em três atos e oito quadros (três no primeiro ato, trêsno segundo e dois no terceiro, na versão mimeografada). Mas perdiaa divisão em atos quando publicada pela primeira vez em livro, numaantologia que a editora carioca Civilização Brasileira lançou em 1972,em dois volumes, intitulada Teatro de Dias Gomes.O grande desafio da peça, no entanto, talvez nem fosse afragmentação da ação em tantos quadros, mas o fato de colocar emcena 16 personagens, cujo perfil e função podem ser assim descritos,por ordem de entrada em cena:


Chico Moleza: Funcionário da Prefeitura, o coveiro de gestos lentos,descansados, fala mole, é ele um retrato vivo da cidade, onde a vidapassa sem pressa. Cotinha numa fala do terceiro quadro completa oretrato: Ali só se o senhor prefeito tivesse investigado os antecedentesdo cidadão coveiro, antes de nomeá-lo teria visto que ele nunca foi defazer força. Haja vista o apelido que lhe puseram: Moleza.Dermeval: Dono da vendola, em frente à qual está remendando umarede de pescar no início da peça. É um mulato gordo e bonachão deidade já avançada.Mestre Ambrósio: É um velho pescador de tez morena-avermelhada,curtido do sol. Musculatura batida, chapelão de palha, calças dealgodão branco, sua figura infunde respeito. É quem traz o homem, ojagunço Ordovino para o prefeito.Pedrão: É um negro reluzente, mais moço do que Mestre Ambrósio,pescador como ele. Traz vários amuletos no pescoço e bom humorconstante.36Chiquinha dos Padres: Beata, velhinha, enrugada como um jenipapo.É a única que acompanha o enterro, quando, meio minuto após aabertura do primeiro quadro, entram Mestre Ambrósio e Pedrãocarregando um defunto numa rede. Ali ela só não é a única, hátambém um cachorro, um magro vira-lata, que vem amarrado à rede.Odorico: Típico representante do casamento entre poder econômico epoder político, é a figura perfeita do Coronel do interior, em cidadesdo nordeste brasileiro. Pernóstico em sua oratória importante, nestaversão da peça ainda não usa a linguagem rica em neologismos,que imortalizou na hilariante interpretação de Paulo Gracindo natelevisão com o seu Odorico Paraguaçu. Aqui ainda é Odorico Osório,cujo lema, durante a campanha Vote num Homem Sério e Ganhe seuCemitério aparece em cena numa faixa, nas duas montagens da peça.Lenilda: Mulher de Odorico. O traço marcante de seu comportamentoé a insatisfação e o desencanto. Insinua-se claramente um romanceentre Lenilda e o arquiinimigo político de Odorico, Maneco Pedreira,que tenta convencê-la a fugir com ele e a abandonar o marido. A suanão participação nas atividades políticas do marido, o ar de fastio comque assistiu à cena anterior, em que já eleito, Odorico é aclamadopor meia dúzia de puxa-sacos, deixaram bem claro o afastamentoespiritual em que se encontra em relação a Odorico.


Cotinha: Professora do grupo escolar, de maneiras pouco femininas,com qualidades evidentes de liderança. Paradoxalmente, Odoricoexerce sobre ela terrível fascínio. Das três irmãs, que só mais tarde,na telenovela, passaram a ser conhecidas como as irmãs Cajazeira,Cotinha é a mais politizada. Seu diálogo com Odorico no terceiroquadro mostra como a correligionária arquiteta planos com ele paradriblar a oposição, inaugurando de qualquer jeito o cemitério, mesmoque seja sem defunto, ou com defunto comprado na Faculdade deMedicina de Salvador.Popó: Solteirona como Cotinha. Também sobre ela se faz sentir ofascínio por Odorico, como diz o autor, e isso poderia ser explicadopor diferentes tipos de frustração. Estava até disposta a arriscar areputação de moça solteira pela causa do Prefeito, hospedando em suacasa o primo Bebeto, primo em segundo grau, doente, desenganadopelos médicos, nas últimas!, diz ela a Odorico. E o prefeito sabendodisso muda logo de fala. Antes de sabê-lo doente não podia mandaro carro da Prefeitura buscá-lo, porque o exemplo deve vir de cima.Agora, vendo que o único candidato a defunto corre o risco de morrerna estrada, apressa-se: Morrer na viagem?! Não pode! Tem de morreraqui!(...) Eu teria tomado providências, mandado um médico para vircom ele. Morrer durante a viagem, não. Podem mandar o corpo devolta!(...) Nós vamos receber seu primo com todas as honras.(...) Umhóspede importante como ele. E virando-se para o coveiro Moleza:Você volta pro cemitério e vai preparando a cova. Capricha que odono vem aí.37Dudu: É a terceira irmã sobre a qual Odorico também exerce igualfascínio. Mulher de Dirceu Borboleta, bastante sonsa e quase tãoalie nada quanto o marido, como ele é uma inocente útil na mão deOdorico e que acaba sendo a grande vítima. Morre assa ssi nada pelopobre do Dirceu Borboleta, suspeita de ser amante do Maneco Pedreira.Defunta, por pouco não tem a honra de inaugurar o cemitério.Dirceu Borboleta: Tipo fisicamente frágil, de óculos, com ar desligado,vive munido de vara de caçar borboleta e uma sacola. Sua função napeça foi ser uma espécie de caçador de cadáver, em vez de apenascaçador de borboleta. Envenenado pelo ciúme causado por cartasanônimas, acredita que a mulher o está traindo com o ManecoPedreira, o que é hipocritamente confirmado pelo arquitetador doplano: Você compreende é muito desagradável, diz-lhe Odorico. DonaDudu ‚ minha correligionária... Isto, ali só é que torna a questão maisdelicada. Sabe, Maneco‚ nosso inimigo político; é uma dupla traição.


Velho Funcionário: Não tem nome, nem traço característico. É apenasum velho funcionário da Prefeitura, tipifica a acomodação, diante dosmaiores desvios de verba que ele mesmo aponta, sai-se logo com: Nãoestou dizendo nada.Maneco Pedreira: Dono do jornaleco da cidade, O Clarim. Jovemcombativo, algo esclarecido, afora uma certa dose de charlatanismo,é um indivíduo positivo, um pouco acima da mentalidade da cidade.E a consciência disso lhe produz certa frustração. Por outro lado, éalvo da paixão da mulher de Odorico. Sua disputa com Odorico éacirrada. E acaba vencendo, já que Odorico morre, e ele, ao lado deLenilda, inaugura o cemitério. Ao fazer o elogio do morto, dirigesecinicamente à amante: Tranqüilize sua consciência, maluco elesempre foi. Quanto ao suicídio, foi um gesto muito sensato: era essaa maneira mais segura e mais rápida que ele tinha de arranjar umdefunto para inaugurar o cemitério.Vigário: Não tem função especial, a não ser a de representar a terceirainstituição, cujo comportamento vai ser ironizado pelo tom farsescoda peça: a Igreja.38Ordovino: É introduzido por Mestre Ambrósio. Tem olhar frio edesconfiado, gestos lentos como cobra sempre preparada para o bote.Veste um terno de brim claro, sandálias de couro cru e chapéu devaqueiro. Por baixo de paletó percebe-se a cartucheira e o revólver.No interior, polícia e coronel eram chamados de Capitão. Odoricochama o cabra, que mandara vir para lhe arrumar um defunto, aquem nomeia delegado da cidade, de Capitão Ordovino.Bebeto: É o primo em segundo grau que Popó contara para Odoricoque estava moribundo em Salvador e que é recebido com todasas honras de candidato a defunto, trai Odorico e não cumpre suafunção. O amor de Popó o salva da morte. Este romance é, comcerteza, um dos Mistérios do Amor e da Morte que o primeirosubtítulo da peça sugeria.A análise dos elementos que compõem Odorico O Bem Amado ouUma Obra do Governo caracterizam-na, sem dúvida como umacomédia política, ou até como uma tragicomédia de caráter farsesco:as personagens não possuem uma dimensão psicológica aprofundada,seus traços são apresentados pelo exterior, de forma superficial,deixando perceber uma clara intenção de ridicularizar certos tiposregionais rapidamente reconhecidos: a beata, o dono da venda, assolteironas, o primo, o prefeito/coronel, o vigário, o cabra/delegado,


o funcionário público. Outros, como os pescadores, por exemplo,parecem apenas fazer parte do cenário regional, tanto quanto ocachorro amarrado por uma corda, ou o defunto transportado numarede. Todos esses são elementos que permitem uma leitura imediata.Fogem um pouco a este esquema simplificado, o Dirceu Borboleta, umpersonagem até certo ponto lírico e puro, e talvez Lenilda, por suasfalas notando-se uma diferença grande entre sua visão de mundo e ados outros: ela e Dirceu parecem os únicos que levam as coisas a sério,que se perturbam com os problemas, e que pensam. Esse talvez tenhasido um dos motivos que tenha levado o autor a eliminá-la na segundaversão da peça, que deu origem à adaptação para a televisão.Odorico, O Bem Amado, em suas primeiras versões, caracteriza-se peloexcesso: um grande número de quadros, inúmeras entradas e saídas,determinando pequenas cenas dentro dos quadros, excessivo númerode personagens. O conjunto desses fatores poderia sugerir umacomédia leve, cuja trama se assemelhasse aos enredados qüiproquósdas comédias clássicas, mas isto não ocorre. Por outro lado, pelocaráter popular da linguagem e dos tipos farsescos desenhados,poderia ser identificada com este gênero, apoiando-se nos recursosmais grosseiros das farsas medievais, o que também não ocorre. Naverdade a estrutura da peça apresenta falhas, algumas personagensnão têm função determinada, há um desequilíbrio no desenho de seusperfis, tornando em alguns momentos o tom bastante equivocado.39A primeira observação a ser feita, sobre a estrutura geral da peça, dizrespeito aos núcleos da ação. Pelo subtítulo Uma Obra do Governo,entende-se que a tentativa de justificar a construção do cemitériocomo obra prioritária do governo seja o móvel principal que levaOdorico a tomar as decisões que geram os movimentos da peça:1. Já que ninguém morre e que na cidade não aparece há um anonem um doente que esteja em estado de dar esperanças, e até omar está que é uma lagoa e nenhum veranista morre afogado,Odorico resolve arranjar um defunto de qualquer maneira, porquesem defunto, como sugeriu Cotinha, inaugurar o cemitério seria umadesmoralização. Aceita logo o primeiro candidato mais provável, oprimo em segundo grau de Cotinha, Popó e Dudu. Esses diálogos comCotinha (sobre a campanha acirrada da oposição), com Moleza (sobrea carestia de candidatos a defunto) e com Popó (sobre a esperançade ter um primeiro dono de cova com a vinda de Bebeto) se dãono terceiro quadro. São diálogos rápidos, inteligentes e com umacarga de picardia suficiente para que se caracterize perfeitamentea intenção da comédia. Mas, acontece que este terceiro quadro‚


antecedido de outros dois, de ritmo arrastado, e com excesso dediálogos entre Odorico e Lenilda sobre o rame-rame conjugal, alémde uma conversa secreta entre Lenilda e Maneco, sobre o romanceextra-conjugal, que interrompem o objeto principal do enredo logono início, além do que, num tom mais sério. Parece estar aí umprimeiro desequilíbrio, sem falar nas mudanças a que isso obriga,pois o primeiro quadro pede uma praça, enquanto os dois seguintesse passam no gabinete do prefeito;402. Com a traição dos correligionários, o namoro de Popó com omoribundo atrapalhando seus planos, e tendo constatado que apior inimiga é mesmo a pasmaceira da cidade (O mal desta terra éque todo mundo é bom, pacato. Talvez seja a água...ou o azeite-dedendê...deveter alguma substância calmante, sei lá . O fato é queninguém mata, ninguém morre e nós estamos há mais de um anoesperando um defunto pra inaugurar o cemitério) Odorico resolveraencomendar um cangaceiro a Mestre Ambrósio, alguém que dessefim ao paradeiro, pedindo-lhe, como primeira missão, que dê umabatida no jornal de Maneco, que vá à desforra dos artigos que vemescrevendo contra ele, que sacuda a marreta, em nome da lei e dademocracia sobre a redação dessa gazeta subversiva. Isto se passa noquarto quadro, na Prefeitura;3. Ao mesmo tempo, investe em outra frente, mandando cartasanônimas a Dirceu Borboleta, cartas que insinuam que sua mulher andafazendo o que não deve. As próximas ações vão se dar em conseqüênciadessas duas iniciativas de Odorico: e em ambas vai se desenvolverum mecanismo de inversão, tipo de mecanismo da comicidade desituação, em que os papéis aparecem invertidos em relação à situaçãoinicial. Isto é, as duas terríveis situações criadas por Odorico voltam-sedramaticamente contra ele: primeiro, em vez de provocar a Maneco,e matá-lo, Ordovino, o cangaceiro nomeado delegado, cai na lábiado jornalista que lhe compra, pelo preço da vaidade, sua história, soba alegação de que, sendo publicada em jornal, revelará a coberturaque recebeu de Odorico, degradando ainda mais a imagem que ocapanga deveria, de outro modo, proteger; e a calúnia que inventaenvolvendo a pobre Dudu, descoberta e denunciada pelo jornalistaque ele pretendia indiretamente prejudicar e que acaba colocandocontra o próprio Odorico até as mais fiéis correligionárias, na ocasiãoem que se dá reconhecimento da tramóia. Maneco denuncia Odoricona Prefeitura, para Lenilda, Cotinha, Moleza e Chiquinha. Está aí,provavelmente o segundo mistério do amor e da morte, inverso aoprimeiro: o amor (verdadeiro) salvou Bebeto da morte, o amor (falso)levou Dudu à morte;


4. A última volta deste qüiproquó fica por conta do acaso, e dá fim àhistória – um final feliz às avessas, quando enfim Odorico consegueinaugurar o cemitério: dentro do próprio caixão, mais do que defunto,vítima de um pseudo-suicídio, tentando simular o atentado que ofaria passar de réu a vítima.Contada assim parece que a trama funciona. No entanto, há passagenstotalmente desnecessárias e amarrações bastante inverossímeis. Porexemplo, por mais vaidoso e obstinado em sua suprema vaidade, pormais injusto e tirano para com os funcionários, não parece cabível acrueldade gratuita de tramar contra a correligionária Dudu, mesmoque deseje fazer dela uma isca para prejudicar Maneco Pedreira.Outro exemplo, ainda em relação ao final da peça, apesar da soluçãohumorístico-patética de fazer o feitiço virar contra o feiticeiro,é inconsistente a versão oficial da morte, contada quase que emconfissão por Cotinha ao Vigário: Pode dizer a eles que não foisuicídio, mas acidente. A bala, em vez de pegar no pé dele, pegou nopé da mesa, de metal, voltou e se alojou no coração.Essas imperfeições de um texto tomado na sua versão ainda imaturaforam totalmente corrigidas quando Dias Gomes escreveu a versãodefinitiva da peça, na ocasião em que fez a adaptação para atelenovela O Bem Amado. A possibilidade de vir a transformar a peçaem telenovela pareceu criar oportunidade para uma completa revisãono texto teatral, alterando os núcleos secundários da ação, sem alteraras duas motivações principais de Odorico, agora já identificado comoOdorico Paraguaçu: a busca de um defunto para a inauguração docemitério e a disputa acirrada com o arquiinimigo, conhecido entãopelo apelido, Neco Pedreira, dono do jornal opositor, que de O Clarimpassa a se chamar A Trombeta. Retomando as passagens examinadasanteriormente em relação à peça Odorico, O bem amado ou Umaobra do governo, teremos, na versão definitiva de O Bem Amado:411. Mantém-se a vinda do primo, agora chamado Ernesto, e o romanceque com ele mantém uma das irmãs, agora conhecidas como Dorotéia(Cotinha), Judicéia (Popó) e Dulcinéia (Dudu). Ainda fãs ardorosasdo prefeito, que à primeira destaca com outros consolos, apenassugeridos, como na cena em que chega-se a ela, insinuante, como diza rubrica, a gente podia...; convite que ela recusa: Não, Odorico! Hoje,não!...É pecado...O primo está morrendo...A segunda, Juju, é ainda a solteirona desesperada, que não se contémao ver Ernesto moribundo: Que coisa, hein?... Um homem moço,inteirinho... desperdiçado. Os vermes vão comer. Mas que consegue


por um fim à situação, deixando Odorico deverasmente bestificado...:apresenta o primo escandalosamente saudável, como registra arubrica, a quem lança olhares apaixonados e correspondidos. Paraindignação de Odorico e inveja das irmãs, o seu Netinho desistira deser agonizantista praticante.A terceira, Dulcinéia, mantém com ele um caso amoroso secreto, duplatraição ao marido e funcionário da prefeitura, Dirceu Borboleta, que tempelo padrinho e patrão uma grande estima, mas de quem recebe umafalsa consideração. O romance com Dulcinéia cria um alicerce dramáticomais verossímil à cilada que o prefeito arma para ela: momentos antesde saber do próprio Dirceu que era irmão oblato, com voto de castidadee tudo, voto este que mantinha mesmo depois do casamento, vira aexpressão aflita de Dulcinéia ao lhe falar sobre um rebate falso degravidez, terrível ameaça que se confirma no sexto quadro;422. O quinto quadro, nesta última versão da peça, congrega asamarrações principais do segundo momento da ação: após a traiçãoda correligionária, Mestre Ambrósio adentra a cena com outrapossibilidade de salvação: traz o homem que vai dar a esta cidadeo que está faltando a ela, como diz Odorico. Eu já estava cansadode esperar pela morte do primo Ernesto. Decidi por em prática umoutro plano, para o caso desse falhar. E determina, categórico: O quemandei buscar foi um fazedor de defuntos, Zeca Diabo, a quem pedeinsistentemente que não lhe cause outra deceptude.O plano era eliminar Neco Pedreira, a pretexto de alguma reação maisviolenta da parte deste às contas que Zeca Diabo o faria prestar sobredepoimentos publicados em sua gazeta marronzista contra a honrado prefeito. Nesta versão elimina-se, portanto, o ponto mais frágil daprimeira trama, a crise conjugal de Odorico e Lenilda, personagemque desaparece, fazendo com que a rivalidade entre Odorico e ogazetista se restrinja mais verossimilmente ao território político,ficando as conquistas amorosas por conta de Odorico;3. O segundo plano também não surte efeito e, o que é pior, joga comuma nova traição: o jagunço cai na lábia do patifento. Vira contrao prefeito a sua famosa máxima de que em política, os finalmentesjustificam os não-obstantes.Entra então em jogo o mais sórdido dos planos, envenenar DirceuBorboleta contra Dulcinéia, desta vez, porém, com motivos que tornama atitude de Odorico coerente com a sua personalidade patológica.Convencendo a Dirceu, num diálogo irritantemente hipócrita, de


que sua mulher manteria uma ligação com Neco Pedreira, um crimede dupla traição, comete ele mesmo a dupla traição, confirmada eacentuada pelo diálogo que mantém com Dorotéia, em que, pelocontrário, afirmando que considera a suspeita desprocedente, cria umálibi para si próprio.Essa trama aparentemente surte efeito, Dirceu assassina Dulcinéia eSucupira teria enfim inaugurado seu cemitério não fosse a imposiçãode última hora por parte da família, de remover seu corpo para omausoléu da família, no cemitério de Jaguatirica, conforme a vontadedo meu finado irmão, pai da falecida.4. No oitavo quadro revela-se a sórdida trama quando Neco Pedreiradespeja sobre Odorico: Escrevi a pura verdade. Que foi você quemmandou Dona Dulcinéia à redação do jornal; foi você quem inventouque ela era minha amante; foi você quem emprestou o revólver; foivocê quem delatou Dirceu, depois de ter mandado ele se esconder naIgreja. Ao que Dorotéia, Moleza e Juju ouvem, perplexos.Desmascarado e novamente sem defunto, só lhe resta uma últimasaída: pensar no tal atentado que lhe permitiria passar de réu a vítima.Só que nesta versão há um engendramento mais coerente do ato,praticado então por Zeca Diabo, que de ator contratado para a cenaforjada, acaba de fato assassinando Odorico, ao qual previne, irado:Não é brincadeira não, seu Dotô-Coroné-Prefeito. Traidor não mereceviver, tanto mais traidor de moça donzela. Se tem bala nesse revólver,atire em mim, que meu Padim Pade Ciço é testemunha que eu nuncamatei ninguém que antes não quisesse me matar. Vamos, atire!43O recurso ao justiceiro torna mais densa a cena, e mais irônica asaída final: quem inaugura o cemitério, com o corpo de Odorico é oarquiinimigo Neco Pedreira, fechando a peça no nono quadro, uma mais em relação à outra versão, no entanto, sem os excessos doprimeiro final.Esse enxugamento faz também desaparecerem mais dois personagens:a Chiquinha dos Padres e o Velho Funcionário que‚ absorvidona figura de Dirceu Borboleta, na primeira versão um simplesborboletista, caçador de borboletas e marido traído de Dulcinéia.A tipologia popular permanece nos pescadores Mestre Ambrósio eZelão, antes chamado Pedrão, no funcionário-coveiro-preguiçosoChico Moleza, no dono da venda Dermeval e, sobretudo, na figurado vigário, corrupto e conivente: Eu continuo, intimamente, com osenhor. Para efeitos exteriores, porém, acho melhor aparentar uma


certa neutralidade. Compreende, quando dois poderes se digladiam,o Executivo e o Judiciário, é prudente que a Igreja não tome partido,uma sábia posição, de acordo com a ética política de Odorico.As montagens do Teatro de Amadores de Pernambuco, bem comoaquelas dirigidas por Gianni Ratto, no entanto, não foram baseadasnesta versão, como se pode constatar até‚ mesmo pelo confronto dedatas. O Bem Amado, peça de teatro, em sua forma definitiva, nãochegou a ser encenada até agora.44


Capítulo IVA História das MontagensNão sei se de fato existe uma crítica teatral consistente no Brasil, ouse nunca tive sorte com os críticos. Não que tenha deles qualquermágoa, até‚ porque sempre foram por demais benevolentes comminha obra. Mas não só nas restrições e até mesmo nos elogios queme fizeram ou fazem, raramente consigo concordar com eles. Deum modo geral, acho que os críticos sempre andaram equivocadosa meu respeito. Com raríssimas exceções, o crítico não passa de umespectador privilegiado, porque não paga entrada e pode externarsua duvidosa opinião numa coluna de jornal. Acho que o verdadeirocrítico é aquele que apreende as intenções do autor e analisa a obraa partir daí.Dias GomesTeatro de Amadores de Pernambuco: O Grupo e a MontagemO Teatro Santa Isabel é uma das relíquias que a cidade de Recifeconserva do período em que foi capital da província (1827). A partirde 1838 foram realizadas importantes obras na cidade, dentre asquais estão a construção dos prédios do Palácio do Governo e doTeatro Santa Isabel. Para a restauração deste velho e importanteambiente, por onde passou o que de mais representativo houve nodesenvolvimento cultural da cidade desde a sua construção até onosso século, muito concorreu o esforço de Valdemar de Oliveira, quechegou a ser diretor da instituição durante algum tempo. Homem decultura, jornalista, músico, autor, intérprete e diretor teatral, Valdemarde Oliveira desempenhou uma importante liderança, sobretudo apósa morte de Samuel Campelo, outro grande benemérito da culturade Pernambuco, com quem colaborou. Foi ele o responsável pelarenovação do gosto pelo teatro, quando, na década de 30, fundouo grupo Gente Nossa. Com o desaparecimento de Samuel Campelo,dissolveu-se o grupo, apesar do esforço feito por seus integrantespara continuar a montar os musicais e operetas que caracterizaramseu repertório. O Gente Nossa se dissolveu após o longo período dedez anos de duração.45No início da década de 40, e, provavelmente incentivado pelo sucessodo grupo carioca Os Comediantes, fundado em 1941, ocorreu aValdemar de Oliveira criar o Teatro de Amadores de Pernambuco,


que se transformou numa verdadeira escola de teatro, formandointérpretes, diretores, cenógrafos, revelando autores teatrais,apurando o gosto pelo espetáculo cênico. Silvino Lopes, HermógenesVianna, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Cavalcante Borges,Luís Marinho, Miguel Jassele e vários outros, direta ou indiretamente,devem ao movimento a oportunidade que lhes foi oferecida de secredenciarem como autores teatrais, lembra Daniel Rocha, num artigoda Revista de Teatro.O engraçado é que essa organização começou ocasionalmente,quando Valdemar de Oliveira foi convidado a organizar umespetáculo comemorativo do centenário da Sociedade de Medicinade Pernambuco; escolheu a peça Knock ou o Triunfo da Medicina,de Jules Romain, e trabalhou com um elenco de atores formado pormédicos e familiares. Estava criado o espírito do grupo.46Pois o traço de identificação do TAP era o fato de ser formado porprofissionais de diversas áreas: professores, médicos, advogados,bancários, comerciários, universitários, a quem aderiram os outrosmembros das famílias. Durante largo período foi praticamente aúnica organização estável existente no Nordeste, oferecendo umrepertório de qualidade ao seu público, não apenas do Recife, masde outras capitais. Gustavo Dória, em seu Moderno Teatro Brasileiro,acrescenta que um outro aspecto, também digno de destaque era ofato de Valdemar de Oliveira mandar buscar encenadores de renomepara dirigir as produções do grupo: Adacto Filho, Ziembinsky, Turkow,Willy Keller, Graça Mello, Flaminio, Bollini, Cerri e tantos outros; nãomedia despesas na apresentação de seus espetáculos, quase semprereveladores de um belo punhado de talentos a serviço do teatro.Isto sem falar no cuidado com que escolhia o repertório, que vai dePirandello a Garcia Lorca, de O’Neill a Andreiev (...) sólidas basesestáveis para o teatro, no seu aspecto mais tradicional.Dentre as contribuições que deixou como exemplo, pode-se apontaro fato de ter o seu êxito contribuído para sustar um pouco o delíriode transformação dos velhos teatros em cinema, tendo inclusiveincentivado a construção de uma bela casa de espetáculos que sechamou Nosso Teatro. Além da contribuição humana oferecidaao teatro brasileiro, entre autores e atores que, partindo do TAP,atuaram em palcos de Rio e São Paulo. Se hoje em dia há grupos quepodem superar a qualidade de seu trabalho, não se pode esquecerque, com certeza, pertencem à geração que herdou o gosto apuradoe a seriedade que procuravam implantar a seus espetáculos.


Acima, Cotinha (Diná de Oliveira), Odorico (Reinaldo de Oliveira) e Dudu (Violeta CláudiaTorreão); abaixo, cena do velório de Odorico


Acima, cena do cemitério e, abaixo, comício de Odorico


Em agosto de 1968, o TAP enviou para a Censura Federal, em Brasília,o pedido de liberação do texto Odorico, O Bem Amado.Pela demora – até outubro ainda não tinham recebido nenhumaresposta – o grupo definiu uma outra estratégia. Mandar cinco ouseis peças à Brasília, para ver se pode encenar em... 1970. ReclamouValdemar: Em 1969 repetirei o que já estiver censurado. E assim iremosvivendo, se é que isso é vida. São numerosíssimos no Brasil de hoje,os conjuntos teatrais que se têm enrascado à espera da Censura, tudoresultado da idéia luminosa de centralizar em Brasília a Censura dopaís inteiro, sem terem somado os funcionários – que pelo país inteirocensuravam peças antes da dita centralização.Em 30 de abril de 1969 o TAP estreou Odorico, O Bem Amado, comcenário e direção de Alfredo de Oliveira, no teatro Santa Isabel, datada estréia nacional do texto no teatro.Ficha técnicaDireção e Cenários: Alfredo de OliveiraCaracterização: Nita Campos LimaIluminação: Erivaldo MotaMaquinária: Alceu Domingues EstevesContra-regra: Idalto VidalPenteados: Marlinha49ElencoChico Moleza: Enéas AlvarezMestre Ambrosio: Antonio Albuquerque MeloDermeval: Nuno Guedes PereiraPedrão: Pedro de SouzaChiquinha dos Padres: Vicentina Freitas do AmaralOdorico: Reinaldo de OliveiraLenilda: Elaine Cavalcante SoaresCotinha: Diná Rosa Borges de OliveiraPopó: Violeta Cláudia TorreãoDudu: Netinha Guedes PereiraDirceu Borboleta: Paulo FerreiraVelho Funcionário: Roberto CorrêaManeco Pereira: Jones MeloVigário: Alfredo de OliveiraOrdovino: Ormindo HallidayBebeto: Luís Carlos Nunes MachadoQuanto à recepção da peça pela crítica especializada, poucasobservações se tem a fazer. A coleta de informações tornou-se quase


impossível, considerando que, sobretudo após o AI-5, essa críticapraticamente desapareceu. A única crítica, aliás não assinada, queconsegui graças à boa vontade de Geraldo Queiroz e Roberto de Cleto,apareceu no Jornal do Commercio. Chamou-se apenas Odorico, O BemAmado, e saiu em duas partes. Não são comentados os cenários e nemtampouco seu idealizador: lê-se apenas a menção, ...e o cenário (cujoautor o programa por um lapso não cita)... e a referência ao pessoaltécnico: ...tudo funciona bem nos bastidores, como a contra-regra,a cargo de Idalto Vidal; ...e a eletricidade do competente ErivaldoMota; Pontos altos também são a caracterização de Nita Campos Limae os penteados de Marlinha...50Observou também o crítico, a harmonia entre o apelo caricatural daspersonagens de Dias Gomes e a resposta cênica do diretor, tornandodifícil a tarefa de estabelecer até onde vai o texto, desde quando começao trabalho de Alfredo de Oliveira: Este é o maior elogio que poderíamosfazer à direção de Alfredo de Oliveira, que se funde e confunde coma peça, como se ambas tivessem nascido gêmeas. Muitos dos achadosque brilham por um segundo são indiscutivelmente da mise-en-scêne:é ela que faz dançar essas criaturas frívolas, algumas propositadamenteconvencionais ou caricaturais, ao som de um ritmo endiabrado, ritmode notas de música, de frases, de risos, de movimentos.Quanto à temporada, segundo a mesma crítica, foi um sucesso, tendosuperlotado o teatro Santa Isabel (800 lugares). Reinaldo de Oliveiraprotagonizava Odorico dentro de uma linha de comicidade diferenteda que depois foi adotada por Dias Gomes, na época em que Odoricofoi levado por Paulo Gracindo na televisão. O espetáculo teveprodução e encenação cuidadosas, mas em primeiro plano, colocousea atuação de Reinaldo de Oliveira, como Odorico.É especialmente pelo sentido profundamente humano com queReinaldo marcou esse personagem, de tal modo que mesmo caricatural(...) não deixa de ser humano, natural sem que o ator haja perdidoo bom gosto necessário para não pisar ridiculamente em falso. (...)Odorico representa oitenta por cento da peça. E Reinaldo contribuide maneira decisiva talvez até para a impressão de domínio total,integral de toda a obra com seu personagem, pela força avassaladorade sua criação.A crítica salientava ainda a influência do encenador, que se fazpresente na criação do ator, levando-o a pensar sobre quanto sãofecundas as influências de artista a artista, quando não redundamem artificialismo. E com veemência prosseguia: A criação de Reinaldo


de Oliveira em Odorico, O Bem Amado continua a nos acompanhardepois que saímos do teatro – e nos acompanhará por muitos emuitos meses. Ressalte-se, ainda, a versatilidade extraordinária dessenosso grande ator quando passa da parte eminentemente cômicapara a tragicômica ao se ver perdido na sua obsessão de conseguirum defunto para inaugurar o cemitério e planeja um falso atentadocontra si mesmo, para se tornar vítima da situação e, assim, recuperarperante o povo o prestígio perdido. Nesses instantes de rápidamutação de orientação interpretativa, Reinaldo demonstra toda a sualarga experiência e amplo domínio de palco que o fazem, sem favor,um ator de grande correção.Quanto aos outros atores, a crítica justificou que se apagadosestiveram, não foi pelo desempenho, mas porque assim os deixou opróprio autor. Mas que todos colaboraram para a eficiência do altonível alcançado pelo espetáculo.Em suma, Odorico, O Bem Amado nos traz de volta o Teatro deAmadores de Pernambuco, revivendo os bons momentos de algunsde seus espetáculos mais bem elaborados, teatralmente falando, quejá vimos ao longo de tantos anos...Valdemar de Oliveira referiu-se emocionado a esta montagem comosímbolo de absoluta dedicação do grupo ao melhor da arte teatral.O TAP - desculpem seus inimigos – tem sete fôlegos de sete gatos.51Elenco Sociedade de Teatro: O Diretor e a MontagemGianni Ratto nasceu em Milão, na Itália, a 27 de agosto de 1916.Estudou artes plásticas no Liceu Artístico de Gênova e no CentroSperimentale di Cinematografia, em Roma, fez o curso de direçãode cinema. Ingressou na Faculdade de Arquitetura do Politécnicode Milão, não chegando a concluir o curso. Participou, em 1946,da fundação do Piccolo Teatro de Milano, onde trabalhou comodiretor técnico e cenógrafo, por um período de sete anos. No Scalade Milão sua permanência ocorreu entre 1947 e 1953, como vicediretortécnico de montagens.Veio para o Brasil em 1954 para inaugurar o teatro de Maria DellaCosta, onde participou de vários espetáculos, e ficou. Seu currículoé extenso, tendo trabalhado no Teatro Nacional de Comédia, noTeatro Cacilda Becker, no Teatro dos Sete, que ajudou a fundar,


no Teatro Opinião, no Teatro Municipal do Rio e de São Paulo, noTeatro São Pedro, no Casa Grande e em tantos outros. De 1962 a1964, ocupou o cargo de Diretor de Cenografia na TV Rio. De 1975 a1977 foi Diretor Artístico da Fundação de Teatros do Rio de Janeiro.Gianni, sem sombra de dúvidas, é um homem de teatro polivalente,tendo trabalhado em todos os setores das artes cênicas, em direção,cenografia, figurinos, iluminação e até roteiro. E isso não só em teatropropriamente dito, mas também em balé, ópera, cinema e televisão.Vale a pena transcrever o que disse Dias Gomes sobre Odorico, O BemAmado, em apresentação publicada no programa da peça, tanto naestréia em Brasília, quanto na temporada carioca:52De todas as minhas peças, foi esta a que teve vida mais acidentada.Sua primeira versão data de 1962. Do tempo em que escrever umapeca com quinze personagens e esperar que ela fosse encenada nãoera, como hoje, sinal evidente do desajustamento ou debilidademental, reclamando para o seu autor internamento urgente numaclinica especializada. Hoje os empresários não lêem mais as peças,contam as personagens. E quando estas excedem de três, olham paranós com cara de espanto:- Para que tudo isso? Quer que haja mais gente no palco do que naplatéia? E devolvem a peça, obrigando-nos a pedir desculpas pelonosso delírio de grandeza.- Quinze personagens! Por que você não escreve uma ópera? Teatroé a arte da síntese!E o teatro brasileiro parece que caminha brilhantemente para a síntesetotal: todas as personagens numa só. E não está longe o dia em que naplatéia haverá também um único espectador - a maravilhosa síntesede todas as outras! Teremos então alcançado a perfeição.Por isso, como Odorico não foi encenada imediatamente, vendi meuargumento para um filme que nunca foi feito, passados oito anos,parecia antediluviano sobrevivente de uma idade perdida quandosurgiu um jovem e audaz produtor querendo levá-la à cena. Confessoque, a principio não acreditei. Naturalmente ia me pedir para fundirtodas as personagens em duas ou três, etc. Mas não, permitiu até queentrasse mais uma, um vira-lata, espantoso! Tudo isso acontecendono Estado da Guanabara, onde teatro é olhado como uma praga queé preciso extinguir, coisa que ofende mais as narinas de certas pessoasque os peixes que morrem diariamente na lagoa. Fantástico.


A Cia. Elenco Sociedade de Teatro: à frente, Dias Gomes, Gianni Ratto, Iracema deAlencar, Orlando Miranda; Procópio Ferreira na segunda fila, e o elenco


À frente, Procópio Ferreira, Iracema de Alencar, Dias Gomes e Isolda Cresta; na segundafila, integrantes do elenco


Bem, mas ai está Odorico em cena, por mais fantástico que pareça. Estapeça pertence a uma fase em que a dramaturgia brasileira procuravarealidade, fazendo uma espécie de tipificação do nosso povo. OdoricoOsório é um tipo de político que - embora a prática de eleições pareçajá coisa do passado – é bastante comum não só no interior comonas grandes cidades. É claro que o grau de demagogia e paranóia évariável. Mas o processo é o mesmo. E não se pense que a proibiçãodo povo eleger seus candidatos nos livra dos Odoricos provincianos oucitadinos, estaduais ou federais. Eles existem e continuarão existindo,com maior ou menor extroversão, porque são fruto não só da práticada democracia, mas da alienação e do oportunismo dos governanteseleitos ou nomeados, escolhidos ou impostos.A estréia se deu no dia 11 de marco de 1970, em Brasília, na SalaMartins Pena, do Teatro Nacional. Sob o patrocínio da FundaçãoCultural do Distrito Federal, a cargo da Companhia Elenco Sociedadede Teatro, do Rio de Janeiro, numa première que abriu a temporadateatral da capital da República. 0 produtor Orlando Miranda mantevetodo o elenco de O Avarento, de Molière, montagem anterior doPrincesa Isabel, satisfeito que estava com o resultado da equipe. Paracomplementar o elenco chamou Iracema de Alencar, Maria HelenaVelasco, Rogério Fróes, Antonio Victor e Waldir Maia.55Orlando Miranda escolheu a peça, após ouvir sua leitura, no inicio de 70, nociclo de leituras dramáticas de textos inéditos nacionais promovido peloCentro Cultural Sigla Viva, na cinemateca do Museu de Arte Moderna,por Maria Pompeu e Carlos Aquino. Animado também com o sucessoque a peça obtivera, no ano anterior com a montagem realizada peloTeatro de Amadores de Pernambuco, no teatro Santa Isabel, em Recife.Ficha técnicaDireção e cenários: Gianni RattoAssistente de direção: Alvim BarbosaProdução: Orlando MirandaMúsica: Elton MedeirosSupervisão de figurinos: Tatiana MemóriaContra-regra: Nilson RezendeExecução de cenários: IrimeuExecução de figurinos:Dolores PaixãoFotos: CarlosCartazes: Rubens AraújoPublicidade: Publicidade CertaGerente: David Machado


ElencoDermeval: Alvim BarbosaChico Moleza: Antonio GanzarolliMestre Ambrósio: Antonio VictorPedrão: Adalbeto SilvaChiquinho dos Padres: Nilson RezendeOdorico: Procópio FerreiraLenilda: Isolda CrestaCotinha: Iracema de AlencarPopó: Maria Helena VelascoDudu: Ruth MezeckDirceu Borboleta: Celso CardosoVelho Funcionário: Waldir MaiaManeco Pedreira: Rogério FróesVigário: Luis Carlos LabordaBebeto: Alvim BarbosaOrdovino: Nelson MarianiStand-in: Tony FerreiraComício de Odorico, com Procópio ao centro


Praça da cidadezinha de Sucupira (acima), e Odorico e Chico Moleza (abaixo)


Odorico (Procópio Ferreira) e Cotinha (Iracema de Alencar) na prefeitura (acima), e ocemitério de Sucupira (abaixo)


Acima, a prefeitura de Sucupira; e abaixo, Odorico em campanha eleitoral: Lenilda(Isolda Cresta), Odorico, Popo (Ma. Helena Velasco), Cotinha e Dudu (Ruth Mezeck)


Acima, Procópio, Iracema e Orlando Miranda; e abaixo, o elenco em excursão pelo suldo país


Em 18 de março de 1970 a peça estreava no Rio, no Teatro Gláucio Gil,(ex-Teatro da Praça). A intenção de Orlando Miranda e Pedro Veigaera de excursionar com a Companhia Elenco Sociedade de Teatropelo país e posteriormente embarcar com a peça para Portugal. Emfins de março realmente a imprensa noticiou a viagem de OrlandoMiranda para Lisboa. Mas o objetivo da viagem era ainda estudar aproposta, junto ao Secretariado de Turismo e lnformação do Governode Portugal. A idéia era viajar de outubro a dezembro, aproveitandoo sucesso de Procópio Ferreira nesse país. Mas ficou só na idéia.Para os produtores a época já estava difícil, os empresários dandopreferência às propostas de elenco pequeno. Dentro desse quadro,a audácia de Orlando Miranda e Pedro Veiga de colocarem em cenaquinze atores, alem de todo pessoal técnico, deixava feliz toda aclasse teatral, apesar do numero de atores não garantir, em absoluto,a qualidade do espetáculo, como registra Oscar Araripe em sua colunado Correio da Manhã: Os espetáculos deste início de ano, no Rio,apresentam o seguinte quadro, no que diz respeito aos atores: Rominae Julian tem três personagens; Plaza Suite, cinco; Como se Livrar daCoisa, dois; Fala Baixo, Senão Eu Grito, dois; Agenda Confidencial,dois; estrearão Brasil & Cia, um; O Arquiteto e o Imperador da Assíria,dois. Apenas entre os que estrearam, Agamenon e Odorico, O BemAmado, têm mais de cinco atores.61Quando no programa, Dias Gomes se refere à peça como sendo a maisacidentada, ele sabia o que estava dizendo: uma semana após a estréia,o produtor Orlando Miranda foi três vezes multado pelo Departamentode Fiscalização do Governo do Estado da Guanabara em NCR$ 18.000,00sob as mais diversas alegações: inclusive uma que o penalizava por nãoter alvará de elenco, coisa da qual ninguém jamais tinha ouvido falar.Entre março e junho de 1970, sem interferir na temporada do Riode Janeiro, o grupo excursionou pelas seguintes cidades: Barbacena,Florianópolis, Leopoldina, Pelotas, Porto Alegre, Santa Maria, Caxiasdo Sul, Blumenau, Bagé, Uruguaiana e Rosário do Sul.


Rolando Boldrin recebe de Benjamim Cattan o busto de Odorico


Capítulo VEm Busca de Novas SucupirasAcho que ninguém aprende a ser dramaturgo, como ninguémaprende a ser poeta. Você pode aprender algumas regras básicas deplaywriting, mas isso não faz de você um autor de teatro. Ninguémé‚ escritor só porque sabe gramática. Quanto à televisão... bom, esse‚outro papo. Se você já é um autor, de teatro ou de romance, umcontista ou um poeta, você pode aprender a escrever para a televisão.E o diabo é que isso só se aprende fazendo. Quebrando a cara. Porquea televisão tem uma linguagem própria, que difere do teatro, docinema, da literatura, embora roube elementos de cada um deles. E éuma linguagem nova, surgida em nosso tempo, com novas formas decomunicação, de assimilação da cultura e de percepção estética.Dias GomesPrimeira Incursão Televisiva: TV Tupi - São PauloApós o golpe militar de 64, chegou ocasionalmente às mãos deBenjamim Cattan, então diretor e produtor do programa TV Vanguarda,da TV Tupi de São Paulo, um exemplar da Revista Cláudia, do Natal doano anterior, em cujo número especial saíra publicada a peça de DiasGomes, Odorico, o Bem Amado - Os Mistérios do Amor e da Morte.Benjamim Cattan entusiasmou-se com a leitura e imediatamentesolicitou à SBAT autorização para gravá-la em versão televisiva, noprograma que dirigia. Isso ocorreu em 12 de julho de 1964.63Nesta mesma época, as Emissoras Associadas estavam promovendo aconstrução da chamada cidade colonial, num grande terreno baldio,onde hoje se localiza o Ibirapuera, projeto do cenógrafo Irênio Maia,para a realização de uma festança popular. Era a reprodução perfeitade uma cidadezinha do interior, com piso de pedrinhas, igreja, coreto,bandinha de música, roda gigante, carrocinha de pipoca, botequins,maçã do amor, e tudo mais. Durante meses a cidade colonial recebeu apopulação, em festa permanente. Festa essa que acabou tempos maistarde, quando o exército achou por bem transformá-la em quartel.Mas antes de cumprir esse destino, no período em que apenas abrigavafesteiros, serviu de palco para as cenas de O Bem Amado. BenjamimCattan aproveitou-a para gravar em videotape a peça de Dias Gomes.Ajudava-o a chegada das unidades móveis e portáteis da televisão,


que permitiram gravação ao ar livre, fora dos estúdios, como era decostume. O equipamento portátil semi-profissional e a habilidade dostécnicos, chefiados pelo Sr. Matos, permitiram a realização desse feitoinédito. No entanto, não sem algumas improvisações costumeiras,como cortar a fita com gilete, emendar com durex e fazer gatilhos noequipamento importado.Dessa experiência restou parca memória, como sempre. Todaviapermanece impoluta a imagem daquele Odorico, esculpida peloarquiteto Antonio M. Gomes, com os traços do ator Roland Boldrin,que o conserva até hoje. Além do valor afetivo, a existência dessebusto‚ talvez a única prova de que a versão televisiva de BenjamimCattan tenha sido a primeira, em cujo subtítulo, após Os Mistériosdo Amor e da Morte, como apresentação breve também se liaSemitragédia Político-Patológica com Preciosos Elementos Passionaisonde se Fornecem Subsídios para o Discurso Inaugural do Busto deOdorico, Louvável Iniciativa Daquelas que Muito o Amaram, porAlfredo Dias Gomes, que o conheceu em vida.64Do elenco, participaram Roland Boldrin no papel de Odorico, MarisaSanchez interpretando Lenilda, Clenira Michel como Cotinha, Lourdesde Moraes no papel de Popó e o ator circense Juju, como DirceuBorboleta, tendo Mario Pomponet como diretor de TV.Transformações – A Novela – TV GloboArrebanhei minhas personagens, minha temática, meu pequenouniverso e como quem apenas muda de casa sem mudar de mobiliário,procurei dar continuidade a minhas experiências manejando umanova linguagem, um novo meio de expressão.Dias GomesEm 22 de janeiro de 1973, foi ao ar, pela Rede Globo de Televisão, oprimeiro capítulo da novela O Bem Amado, adaptação da peça Odorico,O Bem Amado ou Uma Obra do Governo, de Dias Gomes, sob a direçãode Régis Cardoso. Na transposição, realizada pelo próprio autor,houve um maior aprofundamento da temática e um enriquecimentonotável das personagens, sobretudo no que diz respeito à linguagemde Odorico Paraguaçu, que recebeu então a carga de neologismos,que o imortalizou na boca do povo. Era a terceira da série de novelasque Dias Gomes escreveu e a primeira a ser transmitida a cores pelatelevisão brasileira. Além disso, com O Bem Amado abriu-se o mercadointernacional para as produções de TV.


Paulo Gracindo, como Odorico Paraguaçu


Em 1977, a editora Bells, de Porto Alegre, reuniu em um volume apeça teatral que deu origem à novela, já com o titulo simplificadode Odorico, O Bem Amado, antecedida de uma curta novela literáriaescrita pelo próprio autor para servir de base à adaptação para a TV.Essa sinopse permitiu um exame das transformações sofridas pelo texto,não só enquanto enredo, articulação das cenas e estabelecimento denúcleos dramáticos mas, sobretudo, quanto à ampliação do universohumano composto agora por mais de 40 personagens.Odorico (Paulo Gracindo), Dorotéia (Ida Gomes), o vigário (Rogério Fróes) e, ao fundo,Dirceu Borboleta (Emiliano Queiróz)


Relação de elencoPersonagemOdorico ParaguaçuDr.Juarez LeãoNezinho do jegueDonana MedradoJoca MedradoAnita MedradoCarlito MedradoCoronel MedradoNeco PedreiraGisa PortelaJairo PortelaTelma ParaguaçuCecéu ParaguaçuChiquinha dos padresVigárioMaestro SabiáDirceu BorboletaDulcinéiaDorotéiaJudicéiaHilário CajazeiraZelão das asasZeca DiaboJussaraMestre AmbrósioMarianaEustórgioTião MolezaCabo AnaniasSeu LibórioTia ZoraDermevalPorteiro do hotelNadinhoMulher do LibórioDona FlorzinhaSegurança de OdoricoErnestoAtorPaulo GracindoJardel FilhoWilson AguiarZilka SalaberryFerreira LeiteDilma LóesD’Artagnan MelloRafael de CarvalhoCarlos E. DolabellaMaria CláudiaGracindo Jr.Sandra BréaJoão Paulo AdourRuth de SouzaRogério FróesApolo CorreiaEmiliano QueirózDorinha DuvalIda GomesDirce MigliaccioÁlvaro AguiarMilton GonçalvesLima DuarteValéria AmarAngelito MelloTeresa CostaJoão C. BarrosoA.Carlos GanzarolliAugusto OlímpioArnaldo WeissAna ArielJuan DanielJorge CândidoJorge BotelhoIsolda CrestaSuzy ArrudaEliezer MotaAndré Valli67


Alguns aproveitamentos de personagens merecem destaque: é o caso,por exemplo, do famoso Zeca Diabo, interpretado por Lima Duarte,cuja história começou 30 anos antes como personagem-título de umadas peças escritas por Dias Gomes em 1943, enquanto contratado comoautor-fixo pela Companhia de Procópio Ferreira, que interpretou opapel de Zeca Diabo. Encenada no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro,a peça abordava o problema do cangaço. Nada mais propício do queaproveitar o perfil já constituído do jagunço para aplicá-lo ao jagunçodelegado,que Lima Duarte consagrou depois, com sua memorávelinterpretação na novela.68A estrutura básica da peça não foi modificada na sua transposiçãopara a televisão. Pelo contrário, a multiplicidade de cenas trabalhoude forma mais convergente para alimentar o núcleo central dotrágico destino de Odorico: sua teimosia em obter um cadáver aqualquer preço para inaugurar o cemitério e impedir a derrocadade seu prestígio político, teimosia que acaba lhe custando a própriavida, castigado fatalmente pelas consequências das ciladas quetramou, tentando driblar a sorte, os amigos e os inimigos – naverdade foi ele o único conspirador maquiavelista, que os efeitosde comicidade da novela ridicularizam. Mas na sua paranóia ridículaparecia que tudo se armara contra ele, de tal modo que, como se lêna sinopse:Odorico chegou à conclusão de que todos conspiravam contra ele.A cidade inteira. Era uma vasta conspirata maquiavelista, talvez comramificações nacionais e internacionais, que estava em curso paraapeá-lo da Prefeitura de Sucupira, com interesses escusos, quiçáantipatrióticos. E ele precisava desmantelar essa conspiração.Há, pois, três impulsos que se mantém, do princípio ao fim da novela,e que movem as ações e sustentam o perfil de Odorico:1. Derrotar candidatos oposicionistas, alerta contra inimigos permanentes:a simpatia pelo jegue do Nezinho e a ciência do Dr. Lulu Gouveia;2. Construir o cemitério, cumprir a promessa eleitoreira, e nãoinaugurá-lo por escassez defuntícia, transforma em inimigos, e/ou emtraidores circunstanciais, os que trabalham contra a produção de umdefunto: o médico Dr. Juarez Carneiro, porque salva os candidatos;a correligionária Juju, porque trabalha pela cura do primo; ZecaDiabo, porque faz aliança com Neco Pedreira; a polícia, porqueresolve homenagear o tenente morto, em Salvador; os ocultadores


Acima Odorico, o vigário (Rogério Fróes) e Tia Zora (Ana Ariel) e, abaixo, Odorico e afilha Telma (Sandra Bréa)


anônimos do corpo da vítima do duelo entre Medrados e Cajazeiras,por motivos óbvios, e, por fim, o pai de Dulcinéia, por querer enterrálaem Jaguatirica.3. Não inaugurar o cemitério aumenta o seu desprestígio político, bemcomo as ameaças: a gravidez de Dulcinéia, pelo escândalo e reação doingênuo Dirceu Borboleta; a presença de Zeca Diabo, por parecer queele, o prefeito, acoberta jagunço; sem falar nos mais temidos, DonanaMedrado e Neco Pedreira.A maneira mais econômica de mostrar como se articulam as seqüênciasprevistas para o desenvolvimento da novela parece ser,em primeiro lugar, a enumeração das ações que, potencialmente,podem vir a produzir o defunto desejado e a frustração dessaexpectativa - o nó e seu desfazimento, negativo (-) ou positivo (+),como se vê a seguir:Enlace X Desenlace701. Vinda do primo moribundo (-) Cura pelo Dr. Juarez2. 1º suicídio de Libório (-) Salvação por pescadores3. Proposta de crime a Zeca Diabo (-) Aliança Zeca com Neco4. 1º vôo de Zelão das asas (-) Paralisia e frustração5. Roubo das vacinas de tifo (-) Culpa de Zeca leva cura6. Guerra Cajazeira x Medrado (-) Sume cadáver Dermeval7. 2º suicídio de Libório (-) Falha de medicamento8. Falso atentado a Odorico (+) Morte gera cadáver9. 2º vôo de Zelão das asas (+) Êxito do vôoCada um desses núcleos centrais foi desdobrado em subgrupos deações, que em geral funcionaram como elementos de ligação, criandoganchos para a manutenção do suspense. São eles que estabelecemelos entre personagens, produzindo um lastro de verossimilhança paraas ações futuras e elaborando um sistema de causas e conseqüênciastal, que permita às ações principais não funcionarem isoladamente.Forma-se então um novo quadro, subsidiário, de ações movidaspelos desenlaces do quadro anterior, movidas a frustrações. Entramaí outros jogos de interesses: tanto as fofocas familiares e como asconquistas amorosas de Odorico.


Acima, Rogério Fróes, ator não identificado, Dirce Migliaccio, Dorinha Duval e IdaGomes; abaixo, Maria Cláudia, Gracindo Jr. e Emiliano Queiróz


As irmãs Cajazeira e Lulu Gouveira (Lutero Luiz)


Situação > Consequência1. Chegada de Telma Interesse de Neco/raiva de Anita2. Chegada de Dr.Juarez Interesse de Telma/raiva de Neco3. Rixa Cajazeira x Medrado acentuação rixa Neco x Odorico4. Chegada de Zeca Diabo leitura com D. Doró5. Chegada de Gisa e Jairo Paixão de Odorico e ganho Cecéu6. Perseg. Zeca/morte tenente Prisão de Zeca e fuga Eustórgio7. Visita de D. Doró à prisão Instrumento de fuga de Zeca8. Desaparecimento de cadáver Espionagem no confessionário9. Revelação de segredo Impeachment de OdoricoDesespero de DirceuAssassinato de Dulcinéia10. Descoberta fita gravação Desmascaramento Odorico11. Zeca pode ler a notícia Falso atentado vira vingança12. Corpo de Odorico Inauguração cemitério poradversário políticoPortanto, se na peça a ação aparecia recortada num contexto apenasindicado, interrompida num momento que anuncie a aproximaçãodo clímax, pois que o teatro é arte de síntese, na novela o caminhofoi inverso. Foi preciso dividir, espichar, desdobrar, analisar. Asdiferentes peripécias reforçaram o humor e a ironia para que, pelofinal moralizante, o feitiço virasse contra o feiticeiro.73Produzir a novela não foi fácil. O trabalho era árduo. As dificuldadesadvinham não só do fato de ser a primeira novela a cores, como tambémpor estarem trabalhando com um equipamento todo novo, o que fezcom que a equipe técnica trabalhasse dobrado, tanto nas externas, emSepetiba, cidade do litoral do Rio de Janeiro, como nos estúdios, nobairro do Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro. Exigia-se umaqualidade especial do desempenho da cenografia e também do elenco.O trabalho foi ficando muito exaustivo, algumas cenas repetidas váriasvezes, até que os resultados fossem considerados compatíveis com opadrão exigido pela transmissão a cores. Paulo Gracindo conta quecerta feita ameaçou abandonar as gravações: Cheguei na direção daGlobo com um atestado nas mãos e fui avisando: se vocês não mederem uma licença, atendendo a este atestado, em breve receberãooutro, só que de óbito, pois vou morrer de exaustão.Então, botando de lado os entretanto, e partindo para os finalmente,como diria Odorico, os pioneiros no sistema a cores começaram a colheros sucessos, a novela invadindo a vida dos brasileiros, as odoriquicesincorporando-se ao linguajar nacional. Odorico criou uma imagem tão


forte que chegou a incomodar políticos de verdade. A manifestaçãoirritada do deputado Aluisio Paraguassu, do MDB gaúcho, é um exemplotípico. Declarou ele, em entrevista ao jornal O Globo, em fevereirode 1973: A imagem é nosso capital. Como a novela vem alcançandoaltos índices de audiência, tenho razões para estar preocupadocom a possibilidade de os eleitores me confundirem com o Odorico.74Na verdade, durante a apresentação de seus 178 capítulos, a novelamanteve um índice de audiência de 68%, o que, na época, representavaum universo de 30 milhões de espectadores em todo o país, fatoinusitado inclusive por ocorrer no horário das 22 horas, ainda inéditopara novelas. Pelo sucesso de público e crítica, pelo saldo de prêmiosde melhor ator do ano para Paulo Gracindo e de revelação do anopara Lima Duarte, como Zeca Diabo, afirmou Régis Cardoso, em 1975:Pra mim, O Bem Amado foi uma das realizações mais marcantes datelevisão brasileira. E dirigir essa novela foi a coisa mais importanteque aconteceu na minha carreira. Tratava-se de uma experiênciapioneiríssima, aquela de fazer a primeira novela em cores no Brasil.Lembro-me do grande cuidado que tínhamos com o equipamentorecém-importado, estávamos sempre procurando angulações que nãoforçassem o material que estreávamos. Por causa disso, repetíamosinúmeras vezes as mesmas cenas. Pois só trabalhando é quedescobríamos o que era ou não possível de fazer com o equipamento.Foi um esforço enorme: nós, procurando a perfeição técnica, o DiasGomes, buscando uma nova linguagem para a telenovela.O final da exibição marcou uma nova etapa, de comercialização exterior,abrindo as portas do mercado de além-fronteiras para a produçãonacional. Mesmo em relação à América Latina isso representou asuperação de uma tríplice barreira: a da língua, a da floresta equatoriale a da cordilheira dos Andes – que, dividindo a América do Sul em duasmetades, cria dois mundos de costas um para o outro, uma metadevoltada para o Atlântico, a outra voltada para o Pacífico. Mas como sucesso de O Bem Amado, a Rede Globo conseguiu romper essesbloqueios naturais, e estabelecer entendimentos comerciais comquase todos os paises da América do Sul, atingindo inclusive o Méxicoe a Argentina, dois tradicionais centros produtores e distribuidoresde programas para as televisões latino-americanas, cujos monopóliosforam definitivamente quebrados. Os povos de língua castelhanativeram oportunidade de conviver diariamente com os tipos e situaçõesautenticamente brasileiros. Para isso, os 178 capítulos originais foramtransformados em 223, porque o tempo de cada um teria que sermenor. Isto sem falar nas exportações que se sucederam, atingindoum total de 30 países, inclusive os Estados Unidos.


Dr. Juarez Leão (Jardel Filho) e Anita Medrado (Dilma Lóes) acima, e Zelão das Asas(Milton Goçalves) abaixo


Telma (Sandra Bréa) e Nadinho (Jorge Botelho) acima; Chiquinha (Ruth de Souza),Mestre Ambrósio (Angelito Mello) e Zelão das Asas (Milton Gonçalves) abaixo


Em 22 de março de 1977, foi ao ar pela TV Monte Carlo, de Montevidéu,o primeiro capítulo de El Bien Amado, fato solenemente comemorado,presentes as mais representativas autoridades brasileiras, o embaixadordo Brasil e o adido cultural. As dificuldades de versão foram superadaspelo trabalho da CINSA (Cinematográfica Internacional) para onde afita matriz foi enviada, após edição e transcodificação, para uma novasonorização, dublagem, ruídos e fundo musical. A responsabilidadepela edição para a primeira exibição ficou a cargo de Paulo Ubiratan,que realizou todo o trabalho de reedição da novela.Na estrutura de produção da novela foram envolvidos 1299profissionais, sendo mais de 200 técnicos e diretores artísticos, 750atores e figurantes, e centenas de outros profissionais desempenhandoas mais diversas funções. Além desses, havia 155 funcionários dosDepartamentos de Investigação e Análise de Mercado, Promoção,Divulgação e Merchandising; como se não bastasse havia também umacentral de computadores – tudo previsto para possibilitar a produçãoe apresentação de uma super novela.Não são, portanto, poucos os motivos que fizeram com que OBem Amado tenha sido responsável pela obtenção do primeiroprêmio internacional concedido a artista brasileiro em televisão:Paulo Gracindo recebeu o prêmio especial do Primer Festival de laTelenovela en México; além de serem noticiadas outras menções,como: Melhor Direção (Régis Cardoso); Melhor Adaptação (DiasGomes), Melhor Música (Toquinho e Vinícius de Moraes) e MelhorRealização de Exteriores.77A carreira internacional atingiu o mercado europeu através da vendados direitos para Portugal. A essa altura, no ano de 1977, toda aAmérica Latina, com exceção da Venezuela, através da SpanishInternational Network, assistia a O Bem Amado. Diga-se de passagem,essa audiência coletiva incluía até mesmo o Brasil, que entre 3 dejaneiro e 27 de junho de 1977, assistiu à reprise compactada em 60capítulos, no mesmo horário das 22 horas. Na verdade, tratava-semenos de uma concessão aos fãs de Sucupira, que de uma estratégianecessária para debelar a crise de produção, estabelecida a partir daproibição, pela Censura Federal, da novela Despedida de Casado, deWalter George Durst, que deveria substituí-la. Seis meses era o tempoindispensável para liberação e gravação de uma outra novela paraaquele horário. E, mesmo no repeteco, O Bem Amado bisou o sucesso.Tanto que seu destino, comprometido com o sucesso absoluto,encaminhou-o para mais uma série de transformações, e de novelapassou a seriado, ficando mais cinco anos no ar.


Obviamente a novela influiu no comportamento do brasileiro,mesmo que apenas em nível superficial. Para Dias Gomes, a grandecaracterística da televisão é sua capacidade de divulgação, o que nãoimplica necessariamente em conhecimento de realidade: eu tenhominhas dúvidas se a própria natureza da televisão permitiria chegarao fundo do poço. No entanto, a fim de evitar más interpretações,ao término dos créditos constava: qualquer semelhança com pessoasvivas ou mortas e com fatos reais terá sido mera coincidência.78Mas a popularidade dos tipos criados por Dias Gomes para O BemAmado, e que atingiu outras fronteiras, para além dos limites nacionais,deveu-se em grande parte ao humor com que lidava com os maisgraves problemas do comportamento venal e corrupto dos políticos,atitude lamentavelmente bastante conhecida em todas as vizinhançaslatino-americanas. Após tantos anos de Ditadura a situação políticosocialdo Brasil fornecia farto material para sátiras, como este fatoque, com humor cáustico, Dias Gomes exibiu pelo avesso: num Brasilde tão alto índice de mortalidade, uma cidade como Sucupira nãoconseguia inaugurar um cemitério por falta de defunto. Ou, como diriaOdorico, por escassez defuntícia. Neste quadro, Odorico fez a síntese.Como diz Ariel K. Marques na apresentação da versão final da peça:Odorico, o político, o doutor, o tribuno, Odorico, o Grande, o Pacificadoré, em escala provinciana, a engraçada e irônica versão de personagensbem mais sinistros da realidade política nossa e latino-americanacomo os Somozas, os Pinochets, os Batistas, os Videlas e outros melhorconhecidos do público brasileiro, uns mais, outros menos simpáticos,mas todos com o mesmo objetivo: inflar o próprio ego à custa do povo.Dotada de extraordinário poder de impacto, a TV, entretanto, carecede perenidade. E isto a torna uma expressão onde o efêmero sempreprevalece e que nunca convida à reflexão, arremata Dias Gomes deforma um tanto dramática, dando ênfase maior ao trabalho que sepode realizar no teatro. E conclui: Mas a televisão‚ um produto donosso tempo, tempo de coisas efêmeras, de rápidas mutações, mundoem que a TV, mais do que qualquer arte tradicional, está capacitada acaptar e mostrar, sem ser capaz, entretanto de conhecer.É inegável, no entanto, e o próprio Dias Gomes reconhece isso, quenum país grande e populoso como o Brasil, haja um espaço importanteconsignado à televisão como arte de massa. Esse espaço poderia tersido ocupado pelo teatro, diz Dias Gomes. E conclui: A minha geração,por exemplo, nasceu empunhando uma bandeira de teatro popular epolítico. Esse teatro chegou a ser político, mas nunca chegou a ser popular.


Dirceu e Dulcinéia com Hilário Cajazeira (Álvaro Aguiar) e D. Florzinha (Suzy Arruda)acima; e Nezinho do jegue, Donana Medrado e Tião Moleza em externa, abaixo


As irmãs Cajazeira, acima; e Eliezer Mota, o segurança de Odorico, abaixo


Judicéia e Tia Zora (Ana Ariel), acima, e locação na praia de Sepitiba, abaixo


Locação em Sepitiba


Capítulo VIAs Desconjunturas Seriadistas: O Bem Amado SeriadoO Brasil é o país que desmoraliza o absurdo, porque o absurdo acontece.Dias GomesSete anos após o lançamento da novela, voltava O Bem Amado, agorasob a forma de seriado. Havia, porém, uma diferença muito grandeentre uma e outra produção. Ninguém melhor do que o próprio autorpara explicar essas mudanças de gênero, como fez na época:Não existe termo de comparação entre série e novela. A série é umasíntese. Se aproxima mais do teatro. Você conta uma história inteira emuma hora, sendo cada episódio um todo em si mesmo, não deixandosobras para o seguinte. Já a novela utiliza o método analítico. Vocêdesenvolve e analisa muitos episódios durante seis meses, penetrandoprofundamente em cada um deles. O seriado gasta mais idéias do que anovela, porque te exige uma por semana, enquanto que, na novela, possopegar uma idéia e passar 20, 30 capítulos desenvolvendo até o últimodetalhe. Já no seriado, essa idéia tem que se gastar completamente emum episódio. Mas a novela é mais cansativa, pelo seu trabalho braçal, jáque você tem que escrever um capítulo por dia. O trabalho intelectualde criação é bem mais desenvolvido no seriado. Aqui, você é obrigadoa ter uma imaginação muito grande. Por exemplo: o problema dainauguração do cemitério de Sucupira. Dos 180 capítulos de O BemAmado, esse foi um assunto que esteve presente em, pelo menos, 80. Jáno seriado, no momento em que eu tocar no assunto, acabou, não sefala mais. Inclusive porque seria ridículo inaugurar duas vezes o mesmocemitério, ou festejar a morte de duas pessoas.83Durante todo o tempo em que permaneceu no ar, a novela contou umaparte da história de Sucupira, desde a campanha que elegeu Odoricocomo prefeito da cidade, até sua trágica morte, numa linguagemmarcada por muito humor e aguçado espírito crítico. Foram meses emque desfilou no vídeo toda a galeria de personagens e tipos daquelemicrocosmo ficcional. Dois deles, porém, desde o início, destacaramsedos demais: o Coronel Odorico Paraguaçu, que o título imortalizaracomo O Bem Amado, morto pelo outro, o capitão Zeca Diabo, exjagunço,entre outras coisas, provocado até novamente se tornarmatador. Ambos ostentando patentes, nenhum dos dois militar.Quanto à própria definição do tema, observa Dias Gomes:


Inicialmente, eu tinha dúvidas quanto à validade ou não de voltarao tema da novela. Pensava se, justamente por ter escrito 180capítulos, não seria difícil continuar com o mesmo interesse. Afinal, anovela passou três vezes e, o mais engraçado, em tempos que foramdiminuindo. Primeiro inteira, depois no compacto e, finalmente em 2horas. (Agora, ela volta com 50 minutos. Qualquer dia desses ela vaiser apresentada em um intervalo comercial.) Mas, como eu ia dizendo,quando comecei a escrever o seriado, tornou-se relativamente fácilseguir a história. Inclusive porque, na própria novela eu me baseavamuito no cotidiano, nas notícias de jornal. Então, os fatos são novos, osacontecimentos são novos, nada têm a ver com a novela. Apenas, nostrês primeiros episódios me detive em temas que ficaram penduradosanteriormente: a morte de Odorico, que precisava ressuscitar; ojulgamento de Dirceu, que matou a esposa, e a volta de Zeca Diabo,anistiado depois de ser obrigado a fugir da cidade. A partir daí oseriado se desliga completamente da novela.84O Bem Amado é uma coisa nova. Apenas com personagens jáconhecidos, identificados com o público. Eu, realmente, não sei seseria mais fácil fazer um seriado realmente novo. Cheguei, inclusive, apensar nisso, bolar idéias, todas elas aceitas. Mas acabou prevalecendoa do seriado baseado na novela.Estranhamente, no entanto, não senti qualquer dificuldade paraescrever a série. Depois de tanto tempo, achei que não iria manipularessa história. Mas foi relativamente fácil, principalmente porque ospersonagens são fáceis de manejar e os atores excelentes, além davantagem de eu saber, exatamente, o que cada um deles pode render.A única dificuldade é encontrar tramas.A trama de cada episódio do seriado habitualmente explorava osfatos acontecidos no Brasil e no exterior, amplamente noticiados pelaimprensa e inteligentemente selecionados por Dias Gomes. Sobre oexercício da escrita, continua Dias Gomes:Estou escrevendo sozinho porque é muito difícil para um autor assimilarpersonagens como Odorico, o Zeca Diabo e o Dirceu Borboleta, porexemplo, que têm uma maneira toda especial de falar e agir já bemconhecida por todos. Em qualquer outro seriado os personagensnascem de uma criação coletiva, com uma linguagem comum aosautores e, principalmente, falando igual a todas as pessoas. Aqui não.Além de ser uma criação minha, existem as peculiaridades na maneirade falar dos personagens. Por isso, é muito difícil algum autor adaptarsea curto prazo.


Sobre as diferenças entre a novela e o seriado, comenta o diretor,Régis Cardoso:A diferença básica entre a novela e a série é que a novela é muito longae se prende ao próprio enredo, não permitindo a crítica das coisasque estão acontecendo agora. Já no seriado, existe a oportunidadede falar dos acontecimentos mais próximos. O grande sucesso danovela é que ela tinha uma narrativa muito atuante, crítica, quemexia com as pessoas e as mantinha presas à história. O tema é tãoforte e tão natural, os personagens tão verdadeiros, que a história seadapta a qualquer situação e, de forma alguma, se desgasta. A faltade obrigação com o capítulo anterior é uma coisa maravilhosa. Vocêtem nuances, várias maneiras de iniciar e terminar um programa.Não é obrigado a continuar um capítulo como terminou o outro epreparar o início do próximo. Isso te dá a possibilidade de vir com umacoisa nova sempre. Impõe uma surpresa, que é a própria essência doespetáculo: a cada momento uma surpresa.Apesar do protagonista ser o megalomaníaco Odorico, dominadopor singulares idéias fixas, como, por exemplo a de ser Governadordo Estado e a de promover o sempre adiado festivo inauguratíciodo cemitério, a habilidade do autor sempre pinçava, no quadro depersonagens fixos, aqueles em torno dos quais se construiria a históriado episódio. Entretanto, em todos eles o público já sabia e esperavaque Odorico desse a volta por cima. Quando era conveniente dava aentender aos sucupiranos que teria sido ele o responsável pela atitudeque às vezes, muito ao contrário, tinha tentado impedir.85O sucesso popular de O Bem Amado se fez sem dúvida na televisão, parao que evidentemente também contribuíram a qualidade da produção,o trabalho dos artistas e a estratégia mercadológica. Mas existemelementos mais profundos: as sugestões, expressões e representaçõesda realidade. Representações que permaneceram, impregnadas nosmitos que a forma teledramática conseguiu apresentar ao longo detantos anos. Foi o primeiro encontro dramático com a representaçãodo homem político brasileiro na TV, uma análise crítica da maneira deser e administrar dos homens públicos do país.Os personagens da telenovela continuaram vivos: o prefeito deSucupira, Odorico, o ex-cangaceiro Zeca Diabo, a delegada ChicaBandeira, as três irmãs Cajazeiras, Nezinho do jegue, Lulu Gouveia,o dentista, líder da oposição, e todos os outros seres inesquecíveis domicrocosmo satírico de Dias Gomes. A alegoria da série continuou amesma da novela, focalizando figuras e situações de um país pouco


sério, com visceral incapacidade de se organizar, respeitar e realizarqualquer ato destinado apenas ao bem público que não acabasse setransformando em benefício próprio de quem o faz. Onde não háobediência às determinações legais, nem tampouco medo da punição,pois tudo que se conhece é a impunidade. Uma nação que pretendeser uma grande potência, mas que não consegue acertar os primeirospassos nessa direção, Odorico foi e continua sendo a representaçãotransparente, cruel e dura, do caráter do político nacional. Édemagogo, enganador, inconseqüente, mas tem seu lado humorístico.Fala bem, convence o eleitorado, acaba levando vantagem em tudo.Expressão característica de um traço psicológico do brasileiro, que fazda força política a expressão de seus problemas e frustrações pessoais.O poder econômico é oriundo do latifúndio do interior do país, domercantilismo atrasado em alguns séculos em relação ao nível dasnecessidades e da consciência possível do homem moderno.86Por outro lado, em Zeca Diabo identifica-se outro traço profundo domodo de ser do brasileiro. Ele é a expressão do povo que vive de lendase de sonhos que pouco ou nada duram, dos que se mantém num eternoprovisório: os empregos são eventuais, as instituições, precárias. ZecaDiabo funcionou como uma alegoria da fúria reprimida do homembrasileiro. Matador profissional, às vezes tenta mudar o rumo da vida,mas está decadente, é mais um a engrossar a legião dos sem profissão,sempre à cata de um bico ou de uma dádiva do governo. No entanto,pode ser carinhoso. Oscila entre o bem e o mal, harmonizando umacontradição insolúvel: pode resolver as coisas pelo afeto e pelacordialidade, pode se permitir um ato generoso e desinteressado, oupode de repente revoltar-se, sem, no entanto, acordar para os malesbásicos que o afetam, como a fome, a miséria, a baixa escolarização, areduzida participação na força de trabalho e no seu resultado.Mas O Bem Amado não se limitou à sátira e ao bom humor. Existiaalgo de mais sólido na vida daquela cidade do litoral baiano e no diaa-diade seus habitantes, surpreendidos e revelados em seu minúsculocotidiano. Foi um trabalho calcado sobre detalhes de linguagem,hábitos e costumes, algumas situações típicas, pequenos fragmentosque à distância caracterizavam um quadro da vida nacional, que eraexplorada criticamente com grande força dramática.A idéia inicial da direção da Rede Globo era fazer uma outra novela.O próprio Dias Gomes relembra: Ele (O Bem Amado) apareceu,primeiro, como sugestão de fazer uma continuação da novela, OBem Amado II, tendo Zeca Diabo como personagem central. Massempre o II fica cheirando a exploração e somente depois de passados


Planta da Sucupira cenográfica, já em Guaratiba


quase oito anos, com a idéia do seriado é que me senti tentado amexer com os personagens. Resolvi topar, é um programa que façocom prazer, é gratificante poder dizer alguma coisa da famigeradarealidade brasileira vista sob o ângulo da sátira e do bom humor. Éuma constante colaboração de todos, dos políticos e da vida nacional.Substituindo o programa Aplauso, no dia 22 de abril de 1980,exatamente sete anos e três meses após o lançamento da novela,estreou O Bem Amado, ocupando às terças-feiras o horário das 22h15da TV Globo. Mas para isso foi preciso ressuscitar o morto, o queocorreu no episódio de estréia.88O Bem Amado é um seriado diferente dos outros porque não sedesenvolve em torno de alguns poucos personagens – explica DiasGomes. Seu núcleo é uma cidade. E, para dar realmente a visãode uma cidade, um ou dois personagens não são suficientes. Daí aexigência de um número elevado de atores fixos, pelo menos uns10, que entrem em todos os episódios. O critério para escolha dospersonagens que iriam permanecer no seriado, entre os 40 da novela,foi o de manter aqueles que são essenciais dentro de uma cidade, querdizer, o prefeito, o padre, o dono do jornal, o delegado, os líderesda oposição e da maioria. E o personagem inusitado do Zeca Diabo.Colocar todas as figuras da novela seria repetir a história. Por isso, sópermanecem aqueles que, de uma maneira ou de outra, se envolvemem qualquer trama da cidade. Os personagens mais marginais, aquelesque não têm uma relação constante e direta com o núcleo central dahistória, foram excluídos, sem que houvesse um prejuízo para estenúcleo. Mas, é claro, poderão voltar, eventualmente, em um episódio.Alguns personagens foram mantidos a pedido do elenco, como, porexemplo, o Tião Moleza e o Nezinho do jegue. Os atores alegaram queeles dariam mais vida, mais graça, mais leveza ao seriado. A Tuca nãoexistia na novela. É um personagem novo, prima da Anita Medrado,a filha da antiga delegada de Sucupira que morreu num tiroteio. Adelegada permanece mulher, porque fica uma coisa mais interessante.E, como há pouco tempo houve até um Globo Repórter sobre umadelegada de Osasco, achei que era bom manter o sexo feminino nopoder policial local. Optei também por manter as três solteironas, porser engraçado e dar maiores possibilidades de exploração cômica.Como Dulcinéia tinha morrido – e ressuscitar mais uma pessoa ia serdemais – foi criada a D. Zuleica, ou D. Zuzinha, prima das Cajazeiras.Ela é um pouco mais beata que as outras, de formação mais rígida,chegando a ser noviça. Mas entra na linha com Odorico, já no primeiroepisódio. A quase obrigação de entrarem todos os personagens fixosem cada episódio não dificulta o trabalho porque não são contadas


histórias de Odorico ou de Zeca Diabo. Não são problemas existenciaisde personagens ou incidentes particulares que possam ficar restritos auma família. Essa é a diferença básica deste para os demais seriados.Quando desce um disco-voador na cidade, ou quando Waldick Sorianovai cantar no Sucupirão, a cidade inteira participa.Da mesma forma houve substituição no elenco:ElencoPersonagemAtorOdoricoPaulo GracindoZeca DiaboLima DuarteDirceu BorboletaEmiliano QueirózDorotéia Cajazeira Ida GomesJudicéia Cajazeira Dirce MigliaccioZuleica CajazeiraKleber MacedoLulu GouveiaLutero LuizNeco PedreiraCarlos Eduardo DolabellaDelegada Chica Bandeira Yara CortesJussaraValéria AmarTuca MedradoFátima FreireVigárioRogério FróesD. Pepito Juan DanielNezinho do jegue Wilson AguiarTião MolezaAntônio GanzarolliCabo AnaniasDiogo VilellaMaestro SabiApolo Correia89Durante todo o período de cinco anos do seriado esse elencopermaneceu o mesmo, com algumas exceções, como, por exemplo,no ano de 1984, Bebel, filha de Odorico, que antes havia sidointerpretada por Sandra Bréa, ficou a cargo de Ângela Leal. Entraramtambém, no mesmo ano, Felipe Carone, interpretando Salim Pipoca,um banqueiro de jogo de bicho empenhado nas artes do jornalismo,e o ator Grande Otelo encarnando seu cômico assistente. O Boletimde Programação da Globo, de abril de 1982, cita ainda a presençade Zé Preá, como maestro, Luís Vasconcellos, como rádio-repórter,Antônio Nunes, como vice-prefeito, Sumara Louise, como Cremilda,Claudioney Penedo, como Caboré, Fátima Ribeiro, como Juraciara eAuricéia Araújo, como a mãezinha de Zeca Diabo, todos estes listadoscomo fazendo parte do elenco fixo previsto para aquele ano.Para os personagens, carro-chefe do seriado, o autor forjou caminhospróprios para dar contornos mais nítidos à sua imaginação.


A transitória morte de Odorico, na novela, não lhe diminuiu as virtudesdramáticas. A ressurreição cuidou de aprimorar-lhe o sabor de algumascaracterísticas de corpo, alma, e de linguajar. Seus neologismos foramincorporados à fala cotidiana de todas as regiões brasileiras comouma novidade significativa. O Coronel Odorico Paraguaçu, prefeito deSucupira, personagem tão intensamente vivido por Paulo Gracindo,em sua postura de político do interior cuja maior preocupação erafalar corretamente e difícil, acabou levando o autor a inventar umasucessão de neologismos, que passam a identificá-lo como uma marcaregistrada. Comenta Dias Gomes em uma entrevista para o CorreioBrasiliense, de 31 de agosto de 1980:Um ficcionista deve andar com as antenas sempre ligadas. Um dia,num balcão de um banco, escutei alguém dizer: Por oramente, não.Também houve um candidato a deputado que, num comício em praçapública (bons tempos dos comícios...) iniciou seu discurso afirmando:Meu povo, vim de branco para ser mais claro. E houve um vereador naantiga Gaiola de Ouro do Rio de Janeiro que, querendo apaziguar osânimos exaltados de seus pares, disse: Tolerância, minha gente, estaé uma casa de tolerância... Como você vê há Odoricos por toda parte.90O sentimento de todos, elenco e equipe, com relação à retomadade uma história que, embora distante no tempo, permanecia viva,esperando apenas o melhor momento para voltar à ativa - num botedigno dos grandes políticos, e que pegou de surpresa a todos os que jáse referiam àquela pequena cidade como coisa do passado - é lembradopor Paulo Gracindo: A impressão era de que voltávamos a uma cidadeonde já tínhamos vivido. Os habitantes eram todos nossos amigos,nossos conhecidos. Então, começamos a olhar uns para os outros, napele dos mesmos personagens, e dizíamos: Parece que foi ontem... Derepente, o intervalo de sete anos ficou reduzido a um espaço de... umasemana. Não houve interrupção de tempo. Nós olhávamos as casas dospersonagens e nos sentíamos em casa outra vez.


Paulo Gracindo, João Paulo Adour, Emiliano Queiróz e Sandra Bréa (acima), e DirceMigliaccio, Kleber Macedo, Ana Ariel, Paulo Gracindo e Rogério Fróes (abaixo)


Vistas do cenário da casa de Odorico


Vistas do cenário da casa de Odorico


Imagens da sala do prefeito, com Emiliano Queiróz


Capítulo VIIConfabulâncias e Providenciamentos: A Implantação do SeriadoNos cinco anos em que esteve no ar Dias Gomes e a equipe de produçãoenfrentaram o permanente desafio de uma Censura Federal que, alémda falta de critério com que atuava, entregava às vezes as relações decortes quase em cima da hora. Este tipo de improviso indesejado obrigavaa um superesforço da produção para a manutenção do episódio que, noentanto, poderia correr o risco de ser transmitido de uma forma meiosem pé nem cabeça, isso quando não era totalmente eliminado.Esses desafios imprimiram um caráter todo especial ao seriado que, porsuas características intrínsecas, já era, bastante original. Acompanhara produção desses cinco anos dá bem a medida do quanto asinterferências externas da área federal não só sacrificaram o resultado,como complicaram o complexo trabalho da produção do seriado.As gravações das cenas internas tinham como cenário, entre outras, asala da Prefeitura, a redação do jornal A Trombeta, a casa das Cajazeirase a de Odorico, ambientes montados nos estúdios da Herbert Richers,no bairro da Usina, Tijuca, no Rio de Janeiro. O movimento maior sedava às terças-feiras, dia em que eram realizadas as gravações. Mas,na verdade, a agitação começava às segundas à noite, quando erammontados os cenários, e varava a madrugada, quando se realizavampinturas e colocação dos elementos de contra-regragem, para depoisentrarem, não só o pessoal de iluminação, como os técnicos paraalinhamento das câmeras e áudio. Por fim, chegava a vez dos atores,que vinham para maquiagem e guarda-roupa. Enquanto aguardavama vez, o papo corria alegre e descontraído, num clima bastante familiar.95Durante o dia as gravações transcorriam em tranqüilidade,permanecendo o clima de humor. Em geral terminavam por voltadas 20 horas. Já as cenas externas eram gravadas em Sucupira, acidade que não consta do mapa do Brasil, mas que se localizava natranquila Sepetiba, cidade de pescadores e aposentados, que já tevefama de curar muita gente com a lama de sua praia. Meses antes dadata prevista para a estréia do seriado, uma equipe da Rede Globode Televisão já trabalhava na prancheta, projetando o que seria acidade cenográfica de Sucupira. Iniciou-se em seguida uma novafase, de busca e localização de uma cidade real, litorânea, com asmesmas características da cidade ficcional idealizada para ser aSucupira de Dias Gomes. Não foi difícil encontrá-la: Sepetiba, já usadaanteriormente para a novela, dispunha de todos os ingredientes


Zeca Diabo (Lima Duarte), acima, e Dorotéia (Ida Gomes), Dirceu Borboleta (EmilianoQueiróz) e Odorico (Paulo Gracindo), na sala da prefeitura


necessários à cidadezinha do litoral baiano, apesar de se localizar nolitoral do Rio de Janeiro. Tinha uma praça central, coreto, e ficava defrente para o mar. Um clima cenográfico perfeito. E o que a naturezanão provira espontaneamente, a eficiente equipe de produção daGlobo se encarregaria de criar artificialmente.Em dois meses estava preparada aquela Sucupira que serviria decenário principal para as gravações do seriado O Bem Amado. No finaldo ano de 1980 estava pronto o projeto da cidade cenográfica, a serlocalizada em Barra de Guaratiba, obra de uma equipe de cenógrafosda Rede Globo de Televisão. Mas o alto custo da produção inviabilizoua construção e montagem da cidade, como fora previsto. As gravaçõesdo seriado permaneceram sendo feitas em Sepetiba até sua mudançadefinitiva para Macaé, em 1984.Para que Sepetiba pudesse se tornar a cidade cenográfica desejada,através de suas locações maquiadas, construções e montagens deoutros cenários necessários ao seriado, a divisão de cenografia daRede Globo possuía uma infra-estrutura que permitia viabilizar odesenvolvimento da produção cenográfica, não só das externas, comodos cenários de cenas internas. A cidade, como se viu no capítuloanterior, servira para a locação das cenas externas da novela e,passados sete anos, voltava a ser palco da mesma Sucupira sob o novoenfoque do seriado. A paisagem urbana original pouco se modificara,sofrendo apenas algumas adaptações para ser caracterizada com oselementos simbólicos de uma região nordestina. Sua população jáestava acostumada, convivia naturalmente com os artistas e ainda sebeneficiava dessa presença, descolando um cachezinho de figurantesempre que necessário. Se o Brasil no período sofreu uma notávelinfluência indireta com a presença constante de O Bem Amado emsuas vidas – o que dizer de Sepetiba? Seus habitantes, durante maisde uma década, passaram pela interessante experiência de serem ummisto de pessoas civis e personagens de ficção.97A produção alugou uma casa, na Rua dos Pescadores para melhoroperacionalizar suas tarefas de gravações e localização de parte doelenco, guarda-roupa e para facilitar a coordenação. Neste local osatores decoravam seus textos, tomavam água e cafezinho, trocavam deroupa e faziam a maquiagem. A paz e tranquilidade dos sucupiranossó era quebrada quando Levi Ribeiro Salgado, produtor de cinemae dono de uma agência de figuração, fazia a seleção dos figurantes,obviamente entre os habitantes locais, por possuírem o tipo físicoadequado para a composição humana da cidade de Sucupira.


Só eram contratadas pessoas da Zona Sul, quando nas gravaçõesfossem necessários tipos vindos da capital. Em frente à casa, estava emgeral estacionado um Cadillac conversível 1952, que servia ao prefeitode Sucupira, pilotado por J. Martins, proprietário do automóvel narealidade, motorista de Odorico na ficção.A pacata cidade, que durante todo o ano de 1980 se ofereceu ao Brasilcomo palco dessa gostosa e contundente sátira da nossa realidade,também pôde se considerar homenageada, quando O Bem Amadorecebeu da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) o prêmiode Melhor série-televisão do ano. O sucesso fez com que a RedeGlobo resolvesse manter o seriado no ano seguinte, ao mesmo tempoem que outros seriados mergulhavam em crises de roteiristas. DiasGomes pescava roteiros de sobra, inspirado, na maioria das vezes, nofarto material fornecido pela cena política nacional. Segundo DanielFilho, na época dirigente artístico da TV Globo: Os seriados foramdefinhando e só restou O Bem Amado, que é o mais bem estruturado,e tem um autor como o Dias Gomes.98Comentando o primeiro ano de exibição do seriado, em palavrasque confirmam o sucesso da série, Artur da Távola considerou O BemAmado o mais importante programa regular não apenas da RedeGlobo, como da televisão brasileira em 1980. E continuava:A sátira bem conduzida é gênero dificílimo, particularmente numatelevisão como a brasileira, pouco habituada a sutilezas, em matériade humor. Parece que os anos de restrição e censura ensinaram-nosa trabalhar mais sobre os meio-tons do que sobre uma demarcaçãoóbvia, decodificada às escâncaras, como ocorre na imensa maioriados programas de humor. Há outro ponto fundamental aoaprofundamento da importância de O Bem Amado: não é obrasectária, onde se perceba o proselitismo direto das idéias do autor.Claro que elas estão presentes, como uma visão de mundo, mas hojeele parece viver uma etapa madura da vida, na qual mantém a suavisão de mundo, porém não mais se ilude nem com os homens nemcom as utopias ligadas às próprias idéias. Dias Gomes em O BemAmado já teve oportunidade de satirizar inclusive as vacilações,confusões e dificuldades tanto conceituais como de ação política daprópria esquerda brasileira à qual pertence na condição de homemque se coloca a luta pela justiça social como prioritária.Os radicalismos de certos segmentos da esquerda; o burocratismo deoutros; o hiperverbalismo e as teorizações intermináveis diante de umaprática política que se afasta do povo, tudo isso que faz parte do cortejo


Vista do quarto das Cajazeira


Vista da sala das Cajazeirade dificuldades reais tanto da esquerda brasileira como do Orienteinteiro e já apareceu em passagens e episódios de O Bem Amado. Amesma crítica se dirige implacável aos núcleos e segmentos reacionáriose retrógrados do poder econômico do Brasil, particularmente os ligadosaos setores menos diversificados e modernizados, os do latifúndio.Dirige-se igualmente à crítica, à oposição política brasileira, com suasdivisões internas, os personalismos caciquistas e a dificuldade de falaruma linguagem comum e de se unir. E se dirige finalmente às formaspelas quais o poder‚ utilizado no país em geral, como expressão deuma interferência exagerada do estado de vida particular e econômica,tudo em nome do liberalismo político.Artur da Távola, em sua acurada visão, apontava com muitapropriedade, as duas principais características desse trabalho de DiasGomes, pelos quais o autor pagava caro tendo que suportar umaacirrada vigilância do governo: a acolhida que recebia do público e odistanciamento exato, que o permitia enxergar no Brasil o ponto emque poderia ser virado pelo avesso e satirizado através do humor, semperder a contundência crítica.


No dia 21 de abril de 1981, terça-feira, às 21h10, entrava no ar oseriado O Bem Amado em seu segundo ano, com visual mais bonitoe externas adequadas, contando com a colaboração de OswaldoLoureiro, que repartia a direção com Régis Cardoso. Neste ano de1981 alguns atores foram substituídos, enquanto outros ingressam noelenco fixo da série, interpretando os novos personagens criados: LuizMagnelli, Claudioney Penedo, Angelito Mello, Antonio Ismael, AntonioNunes, Sumara Louise, Beth Castro. A ficha técnica também mudava.Na cenografia, saía Irênio Maia, que havia sido o responsável peloscenários em 1980, substituído por Fernando Camargo, neste segundoano da série. Por conseguinte, o visual do seriado sofreu alterações,conforme percebemos através dessas palavras de Régis Cardoso:Revendo alguns episódios do ano passado, chegamos à conclusão deque vários cenários e os figurinos de alguns personagens estavammuito pesados, escuros, tristes. A solução lógica foi construir novoscenários e usar figurinos condizentes com o sol e o calor da Bahia.Estas pequenas mudanças serviram para clarear o visual e as imagensdo seriado, e até suavizar a aparência de personagens, como as irmãsCajazeiras e sua prima Zuzinha, que ficaram mais joviais e modernas.A delegacia de D. Chica Bandeira e a Câmara dos Vereadores foram osúnicos cenários que não sofreram alterações.101E Dias Gomes continuava, no seu faro jornalístico: antes de escrever, sededicava à pesquisa de fatos e, para isto, contava com a colaboraçãoda pesquisadora Marília Garcia. Aprofundava o conhecimento darealidade, buscando seu significado, suas relações determinantes,transformando o material bruto da pesquisa em ficção de nível, querecebia, além do mais, como acabamento, pinceladas de humor,arrematando o ridículo. Com isso O Bem Amado foi se firmando cadavez mais na televisão brasileira, sendo apontado, também em seusegundo ano, como um dos melhores programas, uma notável sátirada vida brasileira.Mas, diferentemente do que se poderia esperar, a abertura políticanão havia beneficiado o seriado da mesma forma como impedira anovela de enfocar alguns temas proibidos pela Censura Federal. OBem Amado não era de modo algum um programa que pudesseser considerado como uma afronta à moral e aos bons costumes.No entanto, no Brasil da época, os limites entre os temas políticos emorais eram transparentes para os olhos míopes da censura.Apesar de liberado, o episódio O Povo de Deus e os Coronéis, apóssua exibição, teve problemas com a censura, que passou então a ter


Vista da casa de Dirceu Borboleta


um procedimento mais rigoroso, como no caso do episódio O Capetade Sucupira. Vinte e quatro horas antes de ir ao ar, em maio de 1981,foram efetuados onze cortes: palavras como bobos, tolos, gostosa ecenas em que Dirceu Borboleta passava a mão em uma mulher na rua.Um outro exemplo foi o episódio que foi ao ar em junho de 1981, OLeão está Solto. Sofreu tantos cortes que acabou resolvendo mal umatrama básica para a história – o caso da infidelidade da mulher do líderda oposição, Lulu Gouveia – que terminava de forma abrupta. A tesourada Censura mutilou o texto e, como se não bastasse, fez uma poda naedição final, inclusive em passagens sem nenhum conteúdo crítico.Com tudo isso, O Bem Amado foi atravessando o período com muitosacrifício, pois os capítulos eram picotados sem piedade. Mas foi noepisódio A Grande Entrevista que a Censura mais cortou, mostrandoque o que se vem fazendo nos seriados não se dá bem por contade moral e bons costumes, mas tão somente com objetivos políticos,como assinalou o autor, Dias Gomes, em reportagem do Jornal doBrasil. Que assim continuava: Entre os cortes deste episódio – a Censuramanda a notificação somente na segunda-feira à noite, obrigando adireção a fazer uma nova edição durante a noite – encontram-se o domilagreiro Facó (Paulo Goulart) conversando com Odorico: Não foi osenhor quem fez o famoso milagre brasileiro?... -Não, foi outro, umgordo. A expressão um gordo foi cortada do programa. Também aresposta de Tuca (Fátima Freire) a Neco (Carlos Eduardo Dolabella):Nunca imaginei que essa besteira fosse acabar provocando essaromaria. Esse povo também acredita em tudo. Ao contrário, eu achoque é um povo tão infeliz, tão desiludido, que não acredita mais emnada, só em milagre. Toda esta resposta foi cortada.103Assim como as respostas de Odorico Paraguaçu ao seu entrevistador:Qual a sua formação política? Eu sou partidário da democradura. Umregime que faz a conjuminância das merecendências da democraciacom os talqualmentes da ditadura. O senhor quer explicar melhor?Pois não. Na democracia o povo escolhe a gente, os governantes. Nademocradura, a gente escolhe o povo que vai escolher a gente. Apartir de regime, toda a fala foi cortada.O que pensa o Coronel da lei de Segurança Nacional? É uma leideverasmente sábia porque serve de motivo sempre que não se temmotivo algum, e permite não precisar dar maiores explicações, quandonão se tem explicações nenhuma para dar.Coronel Odorico, há indícios de que vamos entrar num período derecessão. O desemprego aumenta, parte do povo brasileiro passa


Acima, consultório de Lulu Gouveia, com a delegada Chica Bandeira e, abaixo, cena naigreja onde se vê, entre outros, Odorico, Tia Zora e Telma, em primeiro plano


Acima, o carro oficial do prefeito e, abaixo, sessão na Academia Sucupirana deLetras, com Lutero Luiz, Paulo Gracindo e Oswaldo Louzada


fome. O que o senhor tem a declarar sobre isso? Invencionices daoposição… o demagogista. No Brasil não existem desempregados,existe é gente procurando emprego. No Brasil, talqualmente, nãoexiste fome, existe é gente procurando o que comer. É diferente. Asrespostas foram cortadas integralmente.O sucesso de O Bem Amado era confirmado pelo IBOPE, citado namesma reportagem (dados do Ibope de 14/06 a 20/06, horário 22h10)ProgramasEspectadoresRio de Janeiro São PauloO Bem Amado 3.271.710 4.023.085Amizade Colorida 3.355.600 4.212.080Plantão de Polícia 1.963.025 3.807.080Obrigado Doutor 2.239.860 2.160.045106Dias Gomes continuou lutando contra os ataques da Censura,buscando sempre um novo artifício para fazer passar as suas críticas,só que, ultimamente, tem trabalhado bem mais. Escreve as histórias jápensando em termos de uma hora e meia, não apenas de uma hora,prevendo possíveis cortes, escreveu Evelyn Schulke numa reportagemdo Jornal da Tarde. E deu um exemplo de um dos cortes sofridos poruma das respostas de Odorico, entrevistado na televisão de Sucupira:lá pelas tantas, um dos entrevistadores pergunta o que Odorico achado Maluf. E ele responde que o Governador só tem um defeito: Elevive me imitando!Mas havia implicâncias ainda mais ridículas, como as sofridas pelaspatentes militares dos personagens principais, como registra DiasGomes numa entrevista a Norma Couri: Em O Bem Amado, até o títulode coronel do Odorico foi censurado pelo general Antonio Bandeira,o famigerado general Bandeira, que mais tarde proibiu o título decapitão do Zeca Diabo. Quando faltavam só três capítulos para o final,ele quis proibir o cabo de polícia da cidade, e eu não permiti. Peraí, ocabo não!, e esse ficou até o fim.O Bem Amado novamente foi considerado o melhor seriado de televisãoem 1981, o que lhe permitiu entrar em 1982, em seu terceiro anoconsecutivo no ar, no dia 7 de abril. Operou-se, porém, uma mudança nodia e no horário da transmissão: passou para as 21h10 das quartas-feiras.O dia foi escolhido pelo próprio autor, pensando já num descanso:Com a mudança há sempre a possibilidade de um dia de folga, poisàs vezes tem jogo na quarta-feira, deslocando-se o episódio para a


As Cajazeira: Dirce Migliaccio, Kleber Macedo e Ida Gomes


Acima, entre outros, Rogério Gróes, Oswaldo Louzada, Lutero Luiz e Sadi Cabral e,abaixo, Yara Cortes e Paulo Gracindo


Acima, Odorico e Dirceu exercitando-se e, abaixo, Tião Moleza, Odorico, Zeca Diabo,Nezinho do jegue e Cabo Ananias


semana seguinte. A mudança de horário já estava prevista – fizemosuma experiência no ano passado com dois programas plenamenteaprovados pelo IBOPE.Na mesma reportagem, disse à jornalista Diana Aragão: Sobre aperspectiva de uma censura mais rígida para o horário o problemanão deverá existir, já que a Globo, visando a mudança de horário,mandava o programa para a Censura com o horário das 21h. Mas opúblico também pediu essa mudança, pois em muitas cartas reclamavasedo horário tardio para uma grande parcela da população.Assim, novidade não existiu para o autor: A única novidade continuacom a conjuntura ou desconjuntura do país. Só espero que meusamigos políticos continuem a colaborar comigo, principalmente oPaulo Maluf.110O Boletim de Programação da Rede Globo, de abril de 1982, após otítulo O Bem Amado - De Volta à Cena, reproduz o primeiro discursode Odorico, cuja releitura, apesar de revelar lamentável atualidadepela permanente adequação de suas alusões às atitudes politiquentasdos nossos homens públicos, preserva uma carga sempre nova dehumor. Em sua oratória, Odorico soltava o verbo: Povo de Sucupira!Donzelas praticantes e juramentadas, matronas com larga fé de ofício!Cidadãos e cidadães que repousam em berço esplêndido dentro domeu coração! É com a alma lavada e enxaguada na humildade, queaqui estou para dizer, primeiramente, que nunca fui candidato a coisaalguma, não obstantemente calunistas da esquerda maquiavelenta,esses que costumam dar um torcicolo no pescoço da verdade, digamo contrário; segundamente, que, se o povo quer, se o povo exige e seé para a felicidade geral de Sucupira, sê-lo-ei!E o boletim lembra que o personagem, criado há 21 anos, tinha sidoinicialmente até desprezado pelo próprio autor, na conta de um textomenos feliz mas que depois de 10 anos de televisão – incluídas asinterrupções – se tornara o grande anti-herói nacional, recordado nasmais diversas partes do país sob as formas mais inusitadas,- até comoboneco de pano de artesanato nordestino.Em 1982 o episódio de retorno ao vídeo chamou-se I Love Sucupira,em que Odorico move mundos e fundos para transferir a sede daONU para sua cidade. E como era um ano de eleições em Sucupiratambém havia muito movimento neste sentido: Odorico eracandidato a Governador. Dorotéia‚ candidata a prefeito, com o apoiode Odorico: um Odorico de saias, tendo que enfrentar Lulu Gouveia


como candidato da oposição. Até Zeca Diabo tinha pretensões aoGoverno. Foi Odorico que deu a partida com seu discurso preparadoespecialmente para o lançamento deste terceiro ano do seriado:E botando de lado esses entretantos e partindo pros finalmentes, comocandidato do povo, e antes que os corujistas comecem a piar seu cantourubuzento, quero declarar que, se eleito, nada empatará o processo deabertura democrática que iniciei em Sucupira. No terreno econômico,darei o berro de independência ou morte promovendo a exportação donosso principal produto, o azeite de dendê. O Brasil inteiro será temperadocom azeite de dendê e prafrentemente vamos temperar o mundo! AEuropa vai, mais uma vez, se curvará ante o Brasil, quando provar nossoacarajé, nosso vatapá, nosso caruru! Vamos acarejizar a Europa! Vamosvatapisar a América! Pensando nisso, meu coração patriotista nada debraçada no mar de euforias, mormentemente considerando que issorepresenta mais divisas para o Brasil, o equilibrismo em nossa balançade pagamentos e a salvação de nossa amada e assasmente endividadapátria. Criei a Petropira para explorar o petróleo de Sucupira. Osnegativistas, os retaguardistas, os urubizistas dizem que não existe. Masnós assinamos um contrato de risco com a Petrobrás – desses em que orisco é todo dela e o petróleo‚ nosso – e vamos provar o contrário. Claroque me ufano de minha terra, mas não é um mal-ufanismo dizer que, seela dá de tudo, por que não dá petróleo?111E o discurso termina com um plano econômico cuja ironia se constróisobre uma lógica totalmente absurda, mas coerente com o pensamentode Odorico:Finalmente, saindo dos prolegômenos e entrando nos epilogismos,se eleito pelo povo, promoverei a justiça social, mediante um planoeconômico deverasmente revolucionário. A oposição difamistae subversenta fala muito mal da inflação. Não obstantemente ainflação está morta, e é uma pena que eu não possa enterrá-la nocemitério de Sucupira, resolvendo assim essa crise defuntícia. É bemverdade que a inflação já passou dos cem por cento, mas isso são ospratrasmentes. Prafrentemente é que importa. E eu provo por A maisB e por C menos D, que é justamente a inflação que vai nos salvar.Os salários são aumentados semestralmente e os salários até trêsmínimos são reajustados acima da inflação. Ora, 95% da populaçãodo país ganha menos de três mínimos. Logo, a esmagadora maioria,o povo, está ganhando com a inflação. E se a inflação continua, esses95% vão melhorando de vida, melhorando, até que se igualarão aos5% que ganham mais. Então será feita a redistribuição da riqueza,a igualdade entre as classes, a justiça social. Destarte, se eleito,


Zeca Diabo e as Cajazeira


promoverei o aumento da inflação para 300% até o ano 2000, temposuficiente para que, pelo encumpridamento dos pequenos salários eachatamento dos grandes, seja feito o nivelamento salarial.Raciocínio transparente. Dias Gomes reconheceu: O Bem Amadoé incontrolável, em todos os sentidos. O autor, no depoimento,observa que a peça dera margem a tantas transformações, que sóprecisa deixar de ser roteiro para ser filme, porque já foi teatro,novela, seriado, artesanato, está sendo livro e, quem sabe, filme. Maspodemos entender a observação no sentido de que, por mais fortesque fosse a pressão dos inimigos para controlar os seus impulsos,Odorico continuava o mesmo, incontrolável.O Bem Amado originou dois livros de contos que, na verdade, sãoroteiros adaptados: o primeiro foi Sucupira, Ame-a ou Deixe-a,lançado no dia 19 de abril de 1982, pela Civilização Brasileira, doRio de Janeiro, e que reúne, em forma ficcional, sete episódios quecontam as Venturas e Desventuras de Zeca Diabo e Sua Gente na TerraDe Odorico, O Bem Amado. A antologia, apresentada por Mário daSilva Brito, trazia na capa um desenho do Ziraldo, que identificavapara sempre o semblante de Odorico com os traços fisionômicos dePaulo Gracindo. Aliás, o próprio Dias Gomes faz justiça a este fato nadedicatória do segundo livro, Odorico Na Cabeça, onde se lê: ParaPaulo Gracindo, a quem Odorico deve o milagre da encarnação. Naapresentação desta segunda antologia, escreveu Ênio Silveira:113Da peça teatral – O Bem Amado – ao vitorioso seriado da TV com o mesmotítulo, uma das melhores produções televisivas de todos os tempos, emqualquer país, e finalmente aos contos de Sucupira, Ame-a ou Deixe-ae agora deste Odorico Na Cabeça, o que resultou não foram apenasvariantes da irresistível crônica desse tão contraditório chefe políticodo interior, mas recriações completas, com linguagem e característicasadequadas a três veículos de comunicação com sintaxe própria.No segundo semestre de 1982, Helena Silveira escrevia na Folha deSão Paulo:Dias Gomes se alinha entre os maiores contadores de causos quetivemos. Cada episódio de O Bem Amado é uma parábola, um faz-decontaválido para atestar comportamentos político-sociais deste paíscontinente, desta grande Sucupira de várzea com mais flores e peitocom mais amores.E todos os racontos com linguagens específicas, como a de OdoricoParaguaçu - versão da parlapatice politiqueira do nordeste - e a de


Zeca Diabo - invenção verídica das falas daquelas regiões e daquelesremanescentes dos jagunços. Todo esse amálgama de realidade, ficçãoe crítica redunda em prosseguimento televisivo do melhor que se fezem nossa literatura regional.Assim, diria que esse homem de teatro e roteirista – mais‚ neto deValdomiro Silveira, filho de Mário Palmério, primo de Guimarães Rosa,parente próximo de um intelectual de grandes méritos, que morreucedo, deixou a medicina pelo rádio e se chamou Alberto Leal, criandohistórias de Palmolive no sertão (lembram-se os de mais de 40?).Claro que nem sempre posso estar a postos para apreciar este seriado.Da última apresentação o que concluí foi que O Bem Amado merece,mesmo, os vários prêmios que vem recebendo ao longo de sua vida...114Em janeiro de 1983 saiu a relação dos premiados da APCA. E O BemAmado era o grande premiado da crítica. Em 11 de março de 1983,em seu quarto ano no ar, O Bem Amado voltava fazendo parte daprogramação da Sexta-Super, sendo apresentado uma vez por mês,às segundas sextas-feiras, às 21h30m, com duas horas de duração,começando com o episódio Odorico na Cabeça, que foi gravado emparte na Bahia, em Salvador.Alguns personagens novos passaram a fazer parte do elenco fixo dasérie. Um desses personagens já existia na novela, em 1973. Era o SeuLibório da farmácia, agora interpretado por Ary Fontoura, sempreàs voltas com as traições de suas mulheres – que, invariavelmente, oabandonavam – e com suas tentativas de dar fim ao seu sofrimento, oque não consegue de forma alguma. Outro personagem era ConchitaVilaverde, interpretado por Sueli Franco, da sociedade carioca, viúva,muito fina, viajada, e que falava sete línguas, por quem Odorico seapaixona tão logo a conhece. Ela vem a ser amiga de Bebel – interpretadapor Ângela Leal – que, divorciada, voltara para perto do pai, Odorico.Entrou ainda outro personagem, Silvinha, encarnada por Tânia Botelho.Apesar das Mexericâncias Oposicionistas, o Seriado Mantém-Se no ArA Censura Federal continuava com sua tesoura visando o seriado:Sucupira vai às Urnas, que fazia parte de uma trilogia satirizando acampanha eleitoral de 1982, foi impedido pelo Tribunal RegionalEleitoral de ir ao ar em fevereiro de 1983. O Bem Amado, porém,tinha fôlego de sete gatos, não se deixava abater tão facilmente.


Por outro lado, existia agora o que em nenhuma outra série, ou mesmonas novelas, ocorrera: um trabalho de equipe amadurecido ao longodo tempo, onde tudo funcionava integrado e em grande harmonia.Em geral, o que se observa nas novelas e seriados é que existem atorestalentosos, que dominam completamente a cena, fazendo com que oresto do elenco lute arduamente, e às vezes em vão, para conseguir umlugar de destaque. Em O Bem Amado o elenco era coeso, impecávelem termos de talento e profissionalismo; eram marcantes os perfispsicológicos criados, apesar de existirem obviamente níveis diferentesde qualidade de interpretação, todos acabavam fechando o círculoperfeito da linguagem diasgomesiana, observados e controlados pelasensibilidade primorosa do autor. A qualidade obtida resultava emcomentários abonadores, como o de Ronaldo Bôscoli: Que sutilíssimoretrato do próprio país, construído em filigranas só capazes de seremtecidas pelo nome competente de Dias Gomes.Procurado para diversas entrevistas, Dias Gomes declarou numa delas:Minha dúvida é se o Brasil é uma grande Sucupira ou seu microcosmo.Opinião partilhada pelo Ministro Golbery do Couto e Silva, que, aodeixar o Gabinete Civil da Presidência da República, declarou: Não meperguntem mais nada, acabo de deixar Sucupira.E O Bem Amado foi mantido na programação de 1984. Quando a TVGlobo começou a esboçar sua nova programação para este ano, adireção da emissora imaginou não só manter O Bem Amado no ar comopassá-lo a semanal, já que o programa era uma absoluta garantia deaudiência no horário das 21h. Mas a morte de Janete Clair, em 16 denovembro de 1983, obrigou os responsáveis pela área de programaçãoda emissora a repensarem seus planos. A Dias Gomes coube a tarefasuplementar de orientar e supervisionar o desenvolvimento do textoda novela Eu Prometo, entregue à co-autora de Janete, Glória Perez,ficando impedido de atender aos planos da TV Globo, que quaselargou O Bem Amado na prateleira.115No entanto, capaz de golpear os adversários e de fazer todo esforçopara se perpetuar no poder, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu,que já havia sobrevivido a várias ameaças, conseguiu enfrentar maisesta. E é preciso que se considere, neste caso, a estatura do inimigo, umpoder mais alto que a própria censura federal: o poder da TV Globo.A emissora chegou realmente a cogitar o encerramento definitivo dacarreira de Odorico. Mas ainda não seria desta vez: deu a volta porcima, amparado por um manifesto assinado por diversos intelectuais edirigido ao vice-presidente da Rede Globo, José Bonifácio de OliveiraSobrinho, o Boni, com pedidos de Carlos Drummond de Andrade,


Acima, a delegacia de Sucupira e, abaixo, o jornal A Trombeta


Acima, a Câmara Municipal e, abaixo, a casa da delegada Chica Bandeira


Barbosa Lima Sobrinho, Oscar Niemeyer, Antonio Houaiss, AdoniasFilho, Aldemir Martins, Ferreira Gullar, Edu Lobo, Leandro Konder,Manabu Mabe, Ziraldo, Zuenir e Mary Ventura, Franz Krajcberge dezenas de outros, que lastimavam o retiro forçado de OdoricoParaguaçu. Lia-se, no manifesto:O Bem Amado está para a televisão assim como Macunaíma está paraa literatura. É um desses momentos em que a consciência crítica de umpovo se manifesta através de uma obra de rara criatividade. O BemAmado é um fenômeno na televisão brasileira de durabilidade e deinventividade na criação de universo que reproduz os usos e costumesda vida política e também social do país.Dizia Leandro Konder no documento: O Bem Amado é um fato raro navida cultural brasileira... É um programa acessível ao grande públicoque, ao mesmo tempo, tem um grande nível de qualidade artística.E o poeta Carlos Drummond de Andrade acrescentava: Odorico é umafigura representativa do político brasileiro, com toda sua hipocrisia,ambição, deslealdade e desejo ilimitado pelo poder.118O manifesto dos intelectuais em favor da permanência do seriadonão fazia justiça apenas a O Bem Amado, indiretamente proclamavaque a televisão também podia ser definida como instrumento de artee cultura e entretenimento sem grande conflitos e separação entreessas três finalidades. Comentou Artur da Távola, em O Globo, emjaneiro de 1984: É a primeira vez que, na história de nossa televisão,a chamada elite intelectual admite de público que televisão é cultura,é importante, e possui padrão literário. A TV Globo logo se rendeudiante da lista e resolveu voltar atrás. Ainda mais que os resultadosde pesquisa de opinião pública feita em São Paulo colocaram O BemAmado como programa predileto dos paulistas.Para satisfazer o público e facilitar as coisas para Dias Gomes, aRede Globo encontrou uma solução intermediária: em 1984, O BemAmado continuaria a ser mensal e a novela Eu Prometo encolheria 20capítulos, passando de 120 para 100. Assim, em meados de janeiro,todo o texto de Eu Prometo já estava pronto. A novela continuou noar até final de fevereiro e o autor de O Bem Amado teve um mês deférias e, no início de março, começou a preparar os últimos episódiosde um dos personagens que a televisão brasileira mais popularizou.Em 6 de abril de 1984, dentro do mesmo esquema do ano anterior,programa mensal, exibido às sextas-feiras, às 21h20m, foi ao ar O


Bem Amado. Porém, a direção mudava, Oswaldo Loureiro passou aser o responsável por ela, tendo Francisco Milani como colaborador.Além disso, a entrada de novos atores no elenco fixo, enriqueceramseriado, que passou a contar com a participação de Felipe Carone, nopapel de Salim Bechara, um bicheiro que compra o jornal A Trombeta;Grande Otelo, o boca de tramela, principal auxiliar do bicheiro; JoséSanta Cruz, como locutor de rádio; Arthur Costa Filho, o barbeiro deSucupira; Mônica Nicola, que interpretava uma manicura, e JorgeLafond, no papel de mordomo de Odorico.Mas havia necessidade também de se mudar Sucupira, pois a cidadede Sepetiba, que tinha sido utilizada para as gravações externas doseriado, estava decadente e completamente parada no tempo. Nãose admitia mais seu visual, nem a falta de recursos necessários àprodução para que mantivesse o ritmo que havia adquirido ao longodo tempo. Para isso saiu de cena a antiga Sucupira, ou seja, Sepetiba,escolhendo-se o repertório de facilidades existentes em Macaé, cidadedo litoral norte fluminense, situada a 102 quilômetros do Rio deJaneiro. Uma cidade que, além do mais, possuía um passado histórico:por efeito de um alvará de 29 de julho de 1813 fora transformadana vila de São João do Macaé, que foi elevada à categoria de cidadepela lei provincial de No 354, de 15 de abril de 1846. E, o que era maisimportante para os objetivos a que se propunha, a cidade mantinha oestilo arquitetônico, sem deixar de receber as melhorias do progresso.Por ser litorânea, oferecia as características necessárias às gravações:traços de sua prática de pesca, tanto fluvial quanto marítima, alémde possuir matas que cobriam parte ainda considerável do município.119Oferecia também à produção do programa outras condiçõesimportantes, como rodovias, estação ferroviária, aeroporto e prédioshistóricos, isto sem falar nas outras construções que muito facilitariamas locações para gravação de externas: escolas, hospitais, rádios,cinemas, biblioteca, bancos, restaurantes e principalmente hotéis parahospedar o elenco e a equipe técnica. A cidade se encaixou como umaluva para as gravações do seriado. Aliava as vantagens de uma grandecidade aos ares de uma pacata cidade do interior: era o retrato fiel deSucupira às voltas com o patético duelo entre o vertiginoso progressoburocrático e a pobreza de toda a sua periferia.Não era sem propósito que Zeca Diabo, representante digno da classemenos favorecida, atravessava regularmente tais limites demográficos,a cavalo, indo e vindo, no percurso que ligava sua casa à cidade, servindopara mostrar aos telespectadores menos atentos a proximidadegeográfica e a distância econômico-cultural do dois pólos.


Acima, hall do hotel e, abaixo, a Academia Sucupirana de Letras


Em junho de 1984 o sucesso de O Bem Amado era grande, mantendoainda sua audiência, conforme podemos atestar claramente, atravésde uma carta de Oswaldo Loureiro, dirigida aos artistas, técnicos,administradores e demais componentes de O Bem Amado:É com grande satisfação que a direção deste programa comunicaa todos os participantes de O Bem Amado que no encontro quemantivemos com o vice-presidente de operações da Rede Globo,senhor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, na quinta-feira, dia 14deste mês, ouvimos referências elogiosas ao trabalho que estamosrealizando neste programa. Esta manifestação de reconhecimentodeve nos orgulhar, pois confirma o desejo de todos que lutaram paraque fosse mantido O Bem Amado.É saudável sabermos que esse programa mantenha sua qualidadepara que, além de termos a satisfação de participar do programa semdesmerecer os demais, de maior prestígio da televisão brasileira, aindapossamos cumprir sua finalidade fundamental, que é preservarmoseste espaço no nosso mercado de trabalho.Em outubro do mesmo ano, a imprensa já anunciava o fim do seriado.E um telegrama de protesto contra a extinção do programa foienviado ao presidente da Rede Globo, Roberto Marinho, pelo escritorJorge Amado, que descrevia O Bem Amado como a grande criação daliteratura televisiva no Brasil.121Mas os altos custos do seriado começaram a ameaçá-lo novamente. Adireção da Rede Globo decidiu que ele teria se tornado economicamenteinviável, na medida em que o custo de cada episódio, orçado naépoca em torno 300 milhões de cruzeiros, superava em até dez vezeso custo de gravação de um capítulo de novela ou minissérie. DiasGomes propôs baixar os custos do seriado, passando a criar episódiossemanais. Mas Boni não se comoveu e recomendou somente que oCoronel Odorico Paraguaçu não morresse no último episódio.Já estava decidido: o prefeito de Sucupira foi derrotado pelo altocusto, pela censura e por tantos outros inimigos, em 9 de novembrode 1984, quando foi ao ar seu último episódio: E Chegamos aosFinalmentes, que foi obrigado a mudar de título pois originalmente sechamava O Presunto Malufista. A derradeira aventura dos moradoresde Sucupira foi a inauguração do cemitério da cidade por um defuntopresenteado por um personagem inspirado pelo presidenciável naépoca, Paulo Maluf, como parte de sua campanha eleitoral. Colocouse,assim, um ponto final no seriado de maior sucesso já exibido pelatelevisão brasileira.


Sucupira, na verdade, foi sepultada viva, enterrando seus personagens queconquistaram uma nação. A decisão tinha sido tomada e a Rede Globocomprou os direitos autorais de Dias Gomes pelo período de um ano.Numa entrevista para a Folha de São Paulo, Oswaldo Loureirorecordou: O programa sempre mexeu com as suscetibilidades demuita gente que detém o poder. A Globo teve coragem de colocarum programa polêmico e provocativo no ar. Isso incomoda quemnão aceita as críticas, quem enfia a carapuça. Tenho a impressão queisso acabou refletindo, talvez sob forma de pressão. Não sei. É umahipótese. O argumento da Globo – que é verdadeiro também – é oalto custo do programa.Mas Francisco Milani foi mais enfático e contundente em sua entrevista:É com grande saudade e tristeza que vemos a retirada do ar de O BemAmado que é um retrato do cotidiano brasileiro. É uma produçãoelaborada que se coloca ao nível das melhores, mas com uma diferençafundamental: ela discute a realidade brasileira. Com exceção dosprogramas humorísticos, a TV brasileira é afastada da nossa realidade.Pobre na Globo janta em todos os capítulos, como diz o Plínio Marcos.122Já Artur da Távola, escreveu, em sua coluna de O Globo: O Bem Amadosuperou o conceito de telenovela quando se transformou em sériesemanal. Mostrou que, quando a captação central de personagens etramas possui relação com a ambiência, a psicologia e comportamento deum povo, permanece em qualquer gênero. Fosse história em quadrinhos,e seu caráter arquetípico (isto é modelar, que forma um modelo básico)a levaria igualmente ao sucesso, penetração, representatividade.Provou, ainda, O Bem Amado que a criatividade é a mais infiltrantee aguda das manifestações humanas. A tudo supera, inclusive rígidoscódigos de censura. Quando a criatividade, via metáfora, alegoria,símbolo e associação, consegue retratar verdades por todos recebidas,há um salto por cima das proibições. No Brasil a televisão é o meiomais censurado. Censura ideológica, política e de costumes. Atravésda alegoria e da metáfora, O Bem Amado conseguiu traduzir verdadesta(m)padas de mil maneiras nessa vitrine das virtudes do sistema que,inevitavelmente, em qualquer país, é a televisão em circuito aberto.Mostrou, ainda, com clareza, o sentido do humor, comprovaçãoademais de sua enorme diluência de qualquer forma de rigor. Se éimplacável ao satirizar, o riso, por seu caráter emoliente e trânsfugo,detém o privilégio de humanizar e tornar aceitável ou compreensívelo sujeito e o objeto criticados.


Imagens externa e interna da casa de Zeca Diabo


Imagens externas do jornal A Trombeta, do centro da cidade e da fachada da casa deOdorico (à direita)


Imagens externas da Prefeitura (acima) e do cemitério em construção (abaixo)


As cenas internas de E Chegamos aos Finalmentes foram gravadas nosdias 22 e 23 de outubro nos estúdios Herbert Richers e, nos dias 24 e25, em Macaé, as externas. No final do script desse último episódio,Dias Gomes escreveu sua despedida: E aqui estamos ao fim de maisuma etapa de nossa jornada sucupirana. Aos artistas, técnicos, equipede produção, a todos enfim que deram o máximo de seu esforço ede seu talento para fazerem de O Bem Amado um sucesso nacionale internacional, o meu muito obrigado. Estou triste, estou de luto,como vocês. Sinto-me como se tivesse perdido toda a minha famílianuma catástrofe. Isso já aconteceu uma vez. Só que naquela tivemosque matar Odorico. Nesta, tive a precaução de deixá-lo vivo... Paranão ter o trabalho de ressuscitá-lo novamente amanhã. Quem sabe?E Paulo Gracindo - Odorico Paraguaçu virou o enredo Uma Noite emSucupira, da Escola de Samba Unidos da Ponte, do Rio de Janeiro –uma agremiação de São João de Meriti – que, no Carnaval de 1988, fezdesfilar diante dos espectadores do Sambódromo da avenida Marquesde Sapucaí, a história do ator, imortalizado na figura do personagem,que fascinou os espectadores da TV durante tantos anos.Deste modo, fica mais do que constatada a capacidade do ficcionistaDias Gomes de recortar personagens da realidade brasileira, mastrabalhá-las de tal modo, que se incorporaram ao imaginário dobrasileiro, como se fossem reais. Processo de metamorfose que, semdúvida, não teria encontrado melhor instrumento de expressão queo ator Paulo Gracindo. Fato que a justa homenagem da Escola deSamba não deixou passar ao esquecimento.127Odorico, com certeza, permanece até hoje no imaginário de todos osbrasileiros.


Capítulo VIIIO Vocabulário SucupirenseEu me inspirei no Carlos Lacerda para criar o palavreado de Odorico.Ele sempre foi chegado a um sinônimo, a uma verborragia.Dias GomesCom o passar dos anos o famoso linguajar de Odorico acabou seincorporando à linguagem cotidiana dos brasileiros, de nortea sul do país, onde quer que a novela e o seriado tenham sidotransmitidos. Se no início os neologismos apareciam de formatímida, aos poucos aumentou o entusiasmo do autor – pela respostaimediata do público, que caracteriza a comunicação televisiva emnosso país especialmente no que diz respeito ao tão popular gêneroda telenovela – que passou a introduzir essas bem-humoradascontribuições de Odorico em quase todas as frases do personagem.Além disso, registrou também as expressões regionais e populares,ao lado de algumas criações pessoais, ao vocabulário próprio dopersonagem Zeca Diabo.129Em relação a essa linguagem, há dois aspectos que merecem destaque:primeiro, o rigor lingüístico com que foi construída, respeitando-se asregras de derivação, impostas pela gramática, às quais, no entanto,os personagens foram emprestando uma interpretação mais livre epessoal. Como, por exemplo, no uso do sufixo ento, que normalmenteindica uma qualidade negativa, como em fedorento, nojento. A lógicade Odorico, fiel a este sentido, permitiu estendê-lo a outras qualidadestomadas no sentido depreciativo. Criou-se então o patifento,subversento. Um outro exemplo desse respeito à gramática é a criaçãode advérbios, como prafrentemente, deverasmente, apenasmente.Pospondo a qualquer palavra usada no sentido adverbial o sufixomente, caracterizou-se o usual exagero de Odorico.Ora, estas descobertas foram um verdadeiro ovo de Colombo paraa criatividade ilimitada de Dias Gomes, dando um sabor especial àlinguagem do seriado. O contato frequente com o universo vocabulardesses personagens, com os quais convivi nos três anos em queparticipei da equipe de produção do seriado, contaminou a minhalinguagem, tanto quanto a de outros participantes da equipe. Sepedíssemos a Odorico que apresentasse seu vocabulário, com certeza


diria: Não obstantemente, as acusações maucaratistas que recebode estar desrespeitando a língua do meu colega Rui Barbosa, digo erepito que meu vocabulário não é desapatrechado, não foi criado deforma inescrupulenta, e está de acordo com a minha interpretaçãogramatiqueira, com meu compromissamento com o falar eruditícioe com meu demagogismo filosofista. Aliás, textualmente, disse elenum discurso: Precisamos preservar a nossa memória cultural. Nossospratrasmentes não são tão importantes quanto nossos agoramentes enossos prafrentementes.Em segundo lugar, chamo atenção para um outro aspecto: apesar deter influenciado certos hábitos linguísticos do espectador, este falarnão contagiou os outros personagens dentro da própria novela. Oque pode encontrar uma explicação verossímil dentro da lógica dosdois grupos de personagens com os quais Odorico contracenava:os admiradores, por excesso de idolatria, não ousariam imitálo;aos adversários, esta excentricidade, própria da ignorância dopersonagem, era desprezível, tanto quanto o conteúdo ideológicoque essas expressões disfarçavam.130Uma prova do interesse despertado pelo vocabulário de Odorico foi ofato de que, logo após o término da novela, o empresário Sílvio Santosadquiriu seus direitos de uso para o seu programa no SBT (SistemaBrasileiro de Televisão). Além disto, pode-se ainda ouvir trechos dosdiscursos de Odorico gravados em disco pela Som Livre, entremeandoos números musicais interpretados pela Banda de Sucupira.O vocabulário que apresento a seguir baseou-se num caderno deanotações fornecido pelo próprio autor, e em recortes que eu mesmofui coletando ao longo do tempo. É do próprio Dias Gomes a divisão dovocabulário sucupirense em duas partes: a primeira, com o dicionárioparaguacês, composto pelos neologismos criados e as expressõesvocabulares (locuções substantivo / adjetivo, advérbio / adjetivo),ordenadas alfabeticamente pelo primeiro termo, seguidas deexpressões sentenciais selecionadas nas falas espirituosas de Odorico;a segunda composta pelo dicionário de Zeca Diabo. Convém lembrarque este vocabulário constitui uma contribuição bem-humorada eentra neste livro como um tributo à fertilidade da imaginação criadorade Dias Gomes.


Dicionário ParaguacêsVocábulos e expressões usadas por Odorico ParaguaçuAaconselhamento de boca de confessionárioacarajeizaracautelatórioadulânciaadulatórioaforamenteagoramentealma lavada e enxaguadaamancebismoamarelecido, amarelecento, amarelentoambitânciaamolengaranais e menstruais da Históriaapavorismo, apavoristaapetrechadoapodrecentoapredejamento esquizofrênicoarreiado de bons sentimentosarroubos emotistasarruacistaassasmente graveateístaativista dos maus costumes131Bbadernistas, badernentobastantementebeijoquistaberro de independência ou mortebi-facial, bi-vocabularbizarrentoboatismobobagicebolodórioborboletista, borboletismo, borboleticesbotar amendoim no vatapá da oposiçãoCcachacistacaducência


132cafagestismo, cafagestistacaligrafismo divinocalunices, calunistascampanha difamistacanalhismocangacismocaotismocasamentávelcasa de tresnoitação e despernoitamentocemitério na sua virgindade defuntíciacervejante, cervejaçãocheirumecircunstanciamentoscismançacoloquiamento sigiloso, com todos os acautelatórioscompromissamentos presidencialísticosconfabulânciaconfabulância sigilentacontraventistacontristamentosconversa detalhatóriacrise defuntíciaDdebochistadeceptudedemagogismo, demagogistadesaforismo, desaforista, desaforentodesalegrardesapretechadodescacholar(enlouquecer)descomerdesconjuntura políticadescrendicedesculpentodesencaixavadodesesquecerdesigiênicodesilusionismodesincumbênciadeslembradodesmiolamento, desmioleiras, demiolicesdesobrar (desfazer)desordismo, desordista


desperfumedesperfume excrementíciodesprocedentedestabocado, destabocantedestabocamentodestampatóriodestrambelhentadesventiladodesvergonhamentodetalhe lastimantedeverasmente urgentediabolismodifamista, difamaturadiversionismo desgastativodoidagemdonzelas praticantes e juramentadasEecumenista praticante e juramentadoemboramenteencumpridamento de pequenos salários, achatamento de grandesentrementes (os),entrementementeepistolistaequipado de bom caráterequilibrismo em nossa balançaescravagemesquerda badernista, subversentaesquerda maquiavelentaesquerda beatistaesquerda desaforistaesquerdofrênicoestripetisicamenteesverdecido amarelecento, esverdecentoexcomungamento, excomungadamenteexecutamentos133Ffestivançafogueaçãofidelismofinalmentes (os)forças ocultas e dissimulantesfraternoso


Ggazetista, gazetismogazeta marronzistagazeta potoquista e subversentagenipapação, genipapança, genipapistaglória do borboletismo sucupiranoH / Iheretistaidéia destrambelhenta e desapretechada de sensatismoimprensa lida, olhada e escutadaimoralizanteindagatórioinflação defuntíciainterlóquiointerlocutóriointriga inescrupulentainventório134J / Ljubilâncialarapistalastimantementelavado e enxaguado no desgostolavar as mãos talqualmente PilatoslibertinantelicencionagemMmaiormentemal-ufanismomaquiavelista, maquiavelentomanifestança demagogistamarágio: pedágio marítimomarronzistamatronas com larga fé de ofíciomaucaratista, maucaratismomenormentementiricemerecência, merecendênciameticulânciamexericâncias oposicionistasmocitudemormentemente


moribundicemoscovento (de Moscou)municiado de tolerâncias e de boas-vontadesmuralista (que fica em cima do muro)Nnão-obstantes (os), não obstantementenegativistasnervosuranoves-foraOObstantes (os), os obstantes da castidadeobtemperança perfunctóriaobraria, obrejaroposição difamista e subversentaora-por-quem-soisosculista ambulatórioovulante e espermatozóicaPpacatistapadecenteparede desalimentícia (greve de fome)parolento, parolicepatifista, patifoso, patifentopaulificantepecadilhistapeditórioperdoativopensar no que-fazer-minha-mãe-do-céupernear, perneação, perneatura, perneamento fiscalizatórioPetropira (para explorar o petróleo de Sucupira)pichilingue (desimportante)pinguento, pingueiropioneirismo hidráulicoplano econômico deverasmente revolucionáriopor-oramenteprafrentementepratrasmentesprecativosprefeitávelpressões e sobrepressõesprimeiramentes(os)135


problemática repressivaprojeto demagogistapros e contra-prosprovidenciamentopuxa-saquistaRredondices e reentrânciasrestimulamentoretaguardistasridiculosidaderisar, risação136Ssafadagem demagogista, safadice, safadançasãotomesismo praticante (ver pra crer)sacrilejar, sacrilejamentosaculejamentosegundamentesem-vergonhistas, semvergonhiceserviço deverasmente reservososerenitudesomentementesigilânciasobejosamentesofadice (safadice no sofá), safadagemsofismática legislativasolapânciasolucionáticasomentementesonambulistasorratíciosTtalqualmenteterror juramentado das caatingastopetice, topetismotraicionismotrama espionista e subversentatransviosatrêfega e televisante entrevistadoratreinatóriotresnoitação, tresnoitamentotrintaeoitice, trinateoitada


U / Vumbigistaurubuzistasvermelhista, vermelhóideviuvice compulsóriaFrases de Odorico que Ficaram FamosasAd astra per aspera (aos astros pelos caminhos ásperos).Alguns desindivíduos, maus sucupiranos, inconformados com meuaberturismo democrático, grampearam todos os telefones da Prefeiturae da minha residência. Isso é ótimo. Otimamente ótimo, vamos grampeartambém os outros. Vamos fazer um grampeamento geral.Audaces fortuna devat (a fortuna ajuda os ambiciosos).Bem, vamos passar uma borracha nesses entretantos.Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmentes. Botandode lado os ora-veja e os não-me-digas. Botando de lado os ora-vejae os virgem-santíssima. Botando de lado uns principalmentes e unssobretudos. Botar de lado os perfunctórios e partir pruns concretismos.137Botando verdade pelo ladrão.Calma, seu Dirceu, calma... Todo mundo tem direito de querer ir, massomentemente eu tenho o direito de decidir quem vai. É o que sechama centralismo democrático.Camelô só com crachá. Mande ver se está todo mundo escrachado.Cara de dona-mariquinha-cadê-o-frade...Carecemos de ter uma confabulância concernentemente a umaproblemática contraventista.Como diziam os napolitanos quando falavam latim, “pacta suntservanda”, os contratos devem ser cumpridos. Mutatis ligeiramentemutandis, já no próximo mês seguirá para a Itália uma delegação deSucupiranos, não somentemente para retribuir a visita, como paraarrochar o nó definitivo entre duas cidades que agora passam a serirmãs: Nápoles e Sucupira.


Como vai esse valentoso espadachim de nossas letras, esse d’Artagnando gazetismo sucupirano?Depender do pode-ser-quem-sabe...Dona Dorotéia Cajazeira, Dona Zuzinha e Dona Juju, todas talqualmenteCajazeira, a fina flor do donzelismo juramentado de Sucupira.Estadista sem povo é como galinha sem ovo.Homem de muitos respeitos e muitas excelências.Quod abundat non nocet (o que abunda não prejudica)Mas ele tem dinheiro e talqualmente o inescrupulismo suficiente paracomprar todo o eleitorado de Sucupira.Municiado de todas as tolerâncias e de todas as boas vontades.Mutatis “quase” mutandis.138Nadando de braçadas no mar das euforias.Não ouvi, não olhei, não cheirei, nem apalpei.Não quero que o cabrito morra nem que a onça passe fome.Não acho, ao contrário, desacho. Sucupira tem mais de oitenta milhabitantes. Se apenasmente dez mil foram ao comício, setenta milficaram em casa em sinal de protesto: ipso facto, a maioria esmagatícia‚contra a autonomia.Não obstantemente todos esses considerandos, espero que a políciacumpra o seu dever, evitando canhotismos, cachacismos e badernismos.No sofá com a secretária, fazendo sofadices...Noves-fora toda esta zoada que a oposição anda fazendo, essaproblemática vai ter a sua solucionática‚ na Câmara Municipal.O que vale não é acumular anos no tempo, mas acumular temponos anos...


O fato é que com Pipoca na Prefeitura, Sucupira vai virar um grandecassino, uma cidade jogatícia e pecaminosa talqualmente Sodomae Gomorra.Pensar no que-fazer-minha-mãe-do-céu...Primeiro que tudo queria que a senhora Delegada mandasse fazeruma revistagem no meu gabinete; segundo que tudo...Quando o diabo descansa abana as moscas com o rabo...Repousam em berço esplêndido dentro do meu coração...Saindo dos prolegômenos e entrando nos epilogismos...Se é para a felicidade geral de Sucupira, sê-lo-ei...Se ela dá de tudo, por que não dá petróleo...Sempre me entendi com Deus, sem necessidade de atravessadores.Taí o que dá eleição, elegem um cangacista desalfabetizado edesapetrechado de caráter. Agora esse maucaratista praticante ejuramentado trai o nosso partido e vota com a oposição.139Tá pensando que berimbau é gaita?Talqualmente César, estou cercado de Brutus por todos os lados.Vamos acarejizar a Europa! Vamos temperar o mundo! A Europa vai,mais uma vez se curvar ante o Brasil. Vatapisar a América! Exportar onosso principal produto, o azeite de dendê. O Brasil inteiro temperadocom azeite de dendê.Vou exigir tempo na televisão para defender o democratismo daeleição por nomeatura.


Vocabulário de Zeca DiaboAadivinhando chuvaafanaralma maneraalmas penadasamolengarandar, virar, mexerantes fanhoso que sem narizapartaraperrear, aperreadoapoquentar, apoquentaçãoarapucaardilosoarregaçoarreliar, arreliadoarretadoarribarassuntar140Bbadaronha (maneirice)baque (queda)bate-bocabem-do-meu, bem-do-delebestunto (inteligência)bolodóriobotá-pra-Deusbregueços (trastes)bufarCcabeça de capucocabeçudocabuncocachaçocalcanho (no) (a pé)campo branco(caatinga)capuco de milhocavalo corredor, cabresto curtoChimite (smith weston)chororôcomer calado


consumissãoconversa-de-pé-de-oreiacorta-brocha (discussão)cuma chama? (como é que chama?)Ddesandançasdesasnar (aprender um pouco)desassuntado (insolente)desavergonhamentodesbofar (arrancar os bofes)desconsumissãodescontramantelo (ruína total)descontratempo (azar)desencalmadodesgramado (desgraçado)desmiolar, desmiolamentodesprecatadodestá (deixa estar)destabacado (desbocado)Eembatucar (cismar)empacarenfonar (faltar a compromisso)entupigaitar (empanturrar-se)esbagaçado (arrebentado)esbagaçar (destruir, virar bagaço)esbilotado (amalucado)escabriado(encabulado)escafeder(fugir)essa menina(o) (modo de chamar uma moça)estoporar(explodir)141Ffalta de um grito se perde uma boiada (por)fato (tripas)febre perdedera (paixão forte)fedelhofidumaégua, fidumajegafifó (candeeiro)filho duma cancela batedeirafilho duma que ronca e fuçafiofó (rabo)forro do mundo (céu)


G / Igaitada (gargalhada)grenhas (cabelos despenteados)isturdia (outro dia)Mmandureba (cachaça de segunda)marmero (vaqueiro velho)mas-mas (conversa fiada)mazela (doença)miceis (vossas mercês), vosmiceismunzu (cesto para peixes)P/Qpaulificante (chato)pe-re-pe-pe-,po-ro-po-po (etc,etc)pichilingue (desimportante)porreta (bacana)quenga (mulher à toa)quengo (pescoço)142R/Srelampejarrojãoruana (marrom)safo (esperto)sarapanto, sarapantado (espanto)sustança (substância)T/Vte-re-te-tê, te-re-te-têtempão de Deus (muito tempo)tempo de muito chocalho e pouco pescoço (pobreza)tempo de muito rasto e pouco pasto (seca)tempo de quetaí (de paz)terra de sapo, de cocra com ele (em)tribulação (atribulação)véia da foice (morte)Zzoado (tonto)zoró (aborrecido)


Vistas externas da casa de Odorico, em Macaé


Vista externa da prefeitura de Sucupira, em Macaé


Capítulo IXE Chegando aos FinalmenteUma cenografia não é um telão; é um envolvimento. Representa-se emcena, não em frente dela. (...) Uma boa cena não deve ser uma pintura,mas uma imagem. (...) É um sentimento, uma evocação, uma presença,um estado de alma, um vento morno que ateia as chamas do drama.Robert Edmond JonesEste trabalho originalmente foi uma dissertação de mestrado paraa Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,cujo principal objetivo era analisar a evolução cenográfica de OBem Amado, de Dias Gomes, Confabulâncias Sigilosas com Todos osAcaultelatórios das Solucionáticas Cenográficas de Sucupira e seusHabitantes. Neste livro, porém, a proposta foi mostrar muito mais atrajetória do maior personagem já criado na ficção brasileira e quecontinua vivo, quase vinte anos após o último episódio ter ido ao ar.Não poderia, porém, deixar de falar um pouco sobre cenografia, omeu ramo. Sem tecer considerações aprofundadas, ao contrário dadissertação onde foram analisados exaustivamente todos os cenáriosdesde a primeira montagem da peça em 1969, preferi aqui traçarum panorama sobre a importância da cenografia na dramaturgiaem geral, que é mais do interesse geral. Cortando os entretantos echegando aos finalmente:145A Importância da CenografiaA cenografia não é uma linguagem internacional, isto é, seu discursonão pretende ser compreendido por todos, da mesma maneira, emqualquer parte do mundo. Na verdade, o que para um pode ser umaexpressão cenográfica sublime, pode parecer bastante desagradávelpara outro. Um cenógrafo usando material velho pode nos deixarsem fôlego com seu trabalho. O mesmo cenário que nos fascina, aoutro pode parecer um amontoado de lixo. Como qualquer atividadeartística, a cenografia revela, através do material e das formas queusa, um conjunto de emoções e de idéias relativas e pessoais.Não há dúvida que a cenografia é de importância fundamental parao sucesso de uma montagem, devendo servir a inumeráveis objetivos.A cenotécnica, a iluminação e a indumentária permitem umaqualidade no resultado final do espetáculo tal que, cada vez mais,diretores e produtores buscam o auxílio de profissionais consideradoscompetentes e de talento artístico inegável para a elaboração erealização de seus projetos cênicos.


Evolução da cenografia: casa de Odorico na novela (acima), no primeiro ano da série(abaixo), no segundo ano (direira acima) e no quarto ano da série (direita abaixo)


Mas a arte cênica é uma arte especial, difícil. Cabe ao cenógrafoconciliar uma série de condições para permitir uma resposta àproposta cênica do diretor. Tudo tem que ser previsto, calculadocom o maior rigor, para que sejam evitados os exageros, para quenão se sacrifique a intenção do dramaturgo, para que se respeite osentimento exato da concepção cênica, sem apelar para efeitos banaise fáceis. O cenógrafo colabora com o diretor, mas também com oautor, no sentido que, através dos elementos descritivos que propõe,estarão representados tanto o pensamento do autor, como a verdadecênica desejada pelo diretor.Nada deverá ser esquecido ou abandonado irrefletidamente: e aí entrao talento, o senso crítico, a formação técnico-cultural, a compreensãodo texto, a sensibilidade e a capacidade de realizar do cenógrafo.148Podemos dizer, portanto, que cenografia é tudo o que é registradoplasticamente em cena. Não podemos separar cenário, figurino,adereços, iluminação ou até mesmo a marcação de cena, isto é amovimentação dos atores, porque também estabelecem fluxos,massas, volumes, num determinado espaço.Se num espetáculo éo cenário que fala primeiro, se ele não transmitir pela linguagemplástica, imediatamente, o clima certo, o público poderá ser conduzidopor caminhos errados, distanciando-se do que se poderia chamar deidéia correta da peça.Por outro lado, a cenografia não pode e nem deve ser a vedete doespetáculo. Mas deve, isto sim, buscar atender às exigências da peça,à proposta da direção: criar uma linguagem para o espetáculo. Ocenário não pode ser desenhado apenas para agradar aos olhos doespectador e muito menos para satisfazer a vaidade do cenógrafo.O grande artista Santa Rosa (Paraíba, 1909 - Nova Delhi, 1956) tinhapalavras muito duras para este tipo de trabalho vazio:Há os que concebem o palco como uma vitrine de produtos de beleza.Com muito it e cor-de-rosa, filós e colunas, um pouco de luz através daqual se pressinta no ar moléculas de pó-de-arroz, tornando o espaçocênico frio e impróprio à verdade teatral, cheia de calor humano.Por mais engenhoso e complexo que seja, um cenário por si só nãoconsegue manter o interesse do público por muito tempo, caso arepresentação seja fraca. Mas se, pela sua exuberância de formase cores, chama excessivamente a atenção, pode vir a prejudicar arecepção do espetáculo e, com isso, a própria peça. O trabalho bementrosado do diretor e do cenógrafo é essencial para a consecução da


unidade do espetáculo. Pois fundamentalmente, o espetáculo, no seutodo, realiza uma convergência de visões, apresentando em cena oresultado da união dos vários segmentos de uma produção teatral. Éfruto de um trabalho coletivo. Segundo Aldo Calvo (1907-1990):A cenografia é uma arte muito complexa. O cenógrafo é o artista quecria a imagem do espaço cênico em função de um texto, utilizando osmeios cenotécnicos de que deveria ter amplos conhecimentos.Essa ambientação num espaço tridimensional pode então manifestaras mais diversas concepções de formas volumétricas e esculturais. Nãoé suficiente que o cenário se afine com o estilo da peça, mas que elereflita este estilo, que o traduza de tal maneira que o público, tocadopela ambientação, consiga captar o clima da proposta cênica atravésdessas informações visuais. Obviamente isso nem sempre se processadeste modo: pode até ocorrer que a própria concepção do cenógrafoseja deixar o espaço totalmente livre de qualquer elemento, cabendoentão aos atores manipular os objetos cênicos ou passar algumacaracterização, é o essencial através da indumentária, por exemplo.Em geral cabe à cenografia fornecer ao espectador os dados sobre olocal onde se passa a ação: o dia, a hora, a situação meteorológica,a região ou pátria, além de refletir a situação econômica, política esocial dos personagens. Todos esses dados, no entanto, podem serrepresentados às vezes por soluções muito simples. Um elementocênico sintetizado, mas bem elaborado em sua forma, cor, textura,pode informar às vezes mais sobre local, atmosfera e clima deuma cena, e com mais eficiência, do que um grande aparato malconcebido e gratuito. Sobre este aspecto do cenário vale citar maisuma vez Santa Rosa:149A justeza de suas linhas, o discreto sublinhar da ação, bastam-lhe paraexercer, com nobreza, a sua função. A sua importância é bem maiorquando não é ostentatória, quando apenas sugere em linhas simpleso ambiente no qual se desenrolam os sentimentos dos personagens.Na cena, o belo tem que ser, antes, necessário. Em outras palavras:a característica essencial do cenário é que ele seja funcional, tenhapraticidade. Essa funcionalidade, no entanto, vai depender de outracaracterística básica da cenografia: a sua afinação com o conjuntodo espetáculo. Ligado a este aspecto estarão não só o fundamentalentrosamento de diretor e cenógrafo, como a solidez e segurança doprocesso de criação do cenário propriamente dito.


A partir do terceiro ano da série, novo ambientes são introduzidos: a boite Chez Bebel(acima), a casa paroquial (abaixo)...


... o diretório do PDS (acima), e a Rádio Sucupirana (abaixo)


Outros novos ambientes: a farmácia do Libório (acima), o terreiro de umbanda (abaixo)...


... o forró (acima) e a Sociedade de Ufologia de Sucupira (abaixo)


Obviamente o ponto de partida são o texto e o interesse que tenhadespertado. Uma vez estabelecida a linguagem, as divisões defunções e áreas de atuação entre diretor, produtor e ator mobilizaseum universo de pequenos movimentos dos quais resultará aengrenagem articulada do espetáculo. No princípio há apenas umaidéia que, aos poucos, vai tomando forma, seja através dos perfis dospersonagens, de suas palavras, gestos e movimentos, seja através dadefinição das linhas, do estilo, do desenho do cenário, isto é, de todosos elementos que emprestam uma fisionomia própria à montagem.Definida a forma, ela passa a ter uma função dentro do espetáculo,seja ele teatro, cinema, balé, ópera, novela, seriado de TV, ou aindaum show, um videoclipe, ou mesmo um filme publicitário. Em todasessas atividades encontramos sempre a cenografia como parteintegrante do espetáculo. Ali, se quisermos remontar no tempo,podemos lembrar as palavras que o arquiteto italiano SebastianoSerlio (Bologna, 1475 -Lion, 1554) já dizia, em pleno século XVI: Oscenários são indispensáveis para criar a atmosfera de qualquer peça.154Quando a direção define a linguagem do espetáculo em suas linhasgerais, cada um dos elementos envolvidos na produção parte pararealizar sua função, buscando a melhor solução para o funcionamentoda engrenagem. Da mesma forma que o ator se incorpora aopersonagem, pesquisando a estrutura psicológica que ele requer, damesma forma como o diretor passa a conduzir o trabalho, esculpindoe polindo cada quadro e cada cena, é preciso que o cenógrafo trabalheno sentido de fornecer, a ambos, as ferramentas mais adequadaspara a realização de seus propósitos: cabe ao cenógrafo a delicadatarefa de criar uma composição formal complexa, dentro da qual semovimentam os atores, realçados ou disfarçados pelos figurinos epela iluminação, que arremata todo o conjunto.Por isso nunca é demais frisar que cenografia não é decoração, nemcomposição de interiores; cenografia não é pintura, nem escultura:é uma arte integrada. Nunca é‚ demais repetir que cenografia é acomposição resultante de um conjunto de cores, luz, forma, linhase volumes, equilibrados e harmônicos em seu todo, e que criammovimentos e contrastes. Cenografia é um elemento do espetáculo– ela não constitui um fim em si. Portanto, o resultado do trabalhode cenografia passa pelo difícil exercício de ser uma arte a serviçode, como disse bem Aldo Calvo. A arte de interpretar o texto visuale cenotecnicamente, respeitando e solucionando todo o critério demarcação, criando uma forma de encantamento num período curto erápido, para que as cenas possam se desenvolver dentro do espaço queela propõe tirando partido dos materiais cênicos que ela promove. Na


verdade é o cenógrafo quem, a princípio, determina a área de ação,não o diretor. Porque é com o espaço criado pelo cenógrafo que ficaestabelecida a área útil do trabalho do diretor, dentro da qual elefará as marcações.Percebe-se, então, que há sempre uma contrapartida neste trabalhoentre o diretor e o cenógrafo, para que tudo caminhe em harmoniae se crie uma certa interdependência: se a cenografia funcionabasicamente como material de apoio para a direção, por outro ladocabe ao diretor dar função às formas criadas pelo cenógrafo. Sobreeste ponto ‚ interessante ouvir o que tem a dizer Gianni Ratto(1916),com sua experiência polivalente de teatro:Não me interessa mais fazer a direção pela direção e a cenografia pelacenografia. Eu faço, tanto uma coisa quanto outra, numa visão integrada.Só assim pode-se ter certeza de não se estar criando um mero pano defundo, ou um simples elemento decorativo, mas o cenário desejável –um aparato para a cena. Trabalhando com um cenário criado dentrodeste espírito, seja ele realista, naturalista ou formalista, a direçãopode tirar o melhor partido de seus elementos e das áreas de forçadelimitadas e determinadas pelo cenógrafo, que funcionarão tambémcomo estímulos para o ator. Assim o cenário cria um conjunto visualharmonioso, equilibrado e proporcional à dinâmica do conjunto,permitindo ao diretor maiores possibilidades de marcação dosmovimentos da ação.155A questão do estilo é outro aspecto do processo criador. Envolve aslinhas mestras da proposta da direção, bem como a formação cultural,a sensibilidade e o talento do cenógrafo. A esse respeito, convémrefletir sobre o que, para o revolucionário Gordon Craig (1872-1966),define a verdadeira arte do teatro, isto é a teatralidade pura:Não é nem a representação dos atores, nem a peça, nem a encenação,nem a dança. Mas, sim, forma dada pelos elementos seguintes: ogesto é que é a alma da representação; as palavras é que são o corpoda peça; as linhas e cores é que são a existência do cenário; o ritmo éque é a essência da dança... Nada de realismo, estilo apenas.É preciso não esquecer que a cenografia, como toda arte, nasce deum intenso sentimento e de um trabalho árduo. O cenógrafo tem quedominar uma idéia e transformá-la em corpo. Portanto, a emoção nãoé tudo. O artista precisa saber como tratar sua idéia, como transmitila.Precisa dominar técnicas, conhecer regras, recursos, convenientes.


O êxito do cenógrafo não depende apenas de um bom texto, deuma boa proposta da direção ou de uma inspiração genial, mas detodos estes fatores. Se os primeiros, o texto e a direção, como fatoresexternos, dependem às vezes de sorte, de oportunidade, os fatoresinternos, a inspiração e a capacidade do artista, dependem do talentoe da formação profissional; da chamada alma de artista bem comode paciência e calma para desenvolvê-la. Condições que às vezesrequerem solidão e recolhimento, fatores em geral estranhos aomovimentado mundo do teatro.Paciência também é qualidade necessária para que o cenógrafodesenvolva o trabalho lento e consciencioso de buscar a melhor emais adequada solução para cada movimento, sem esquecer o menordetalhe. Porque num pequeno detalhe pode estar contido o segredode um espetáculo. Por exemplo: as entradas e saídas dos atores podemmudar o ritmo de uma cena; e não seria exagero dizer que o ritmo doespetáculo começa com o desenho do cenário.156Se acompanharmos a história da cenografia veremos que, dos seusprimórdios até hoje, ela vem adquirindo um desenvolvimento técnicoe uma qualidade artística notáveis, com uma séria dificuldade, noentanto, que marca sua diferença para as outras artes plásticas: a suaterrível contingência. A cenografia é arte do momento e se desfazcomo por encanto na hora em que o espetáculo sai de cartaz. Aliás,como tudo que diz respeito apenas ao espetáculo, salvo o texto.Vencer este desafio exige um outro trabalho, raramente feito,sobretudo no Brasil – o trabalho de registro, de arquivo, depreservação da memória. Mas, ao contrário do desejado, o queexiste é, em geral, um vazio, uma pobreza de registro, impedindoque se preserve a memória do processo que antecede a descobertados recursos usados nas produções – o que muitas vezes ocorre comproduções de importância incontestável. Parece incrível, mas podesefalar numa tradição desta falta de memória. No Brasil, muitopouco se sabe sobre a cenografia de espetáculos de teatro. E grandeparte do desinteresse é demonstrado pelos próprios artistas, que oatribuem ao desprestígio de que foram vítimas, à ausência de apoiodas instituições responsáveis ou à falta de reconhecimento do públicoou da crítica. Se não é novidade o desinteresse geral em relação aosfatos culturais do país, a conservação da memória em cenografianão faz exceção ao quadro: contam-se nos dedos os cenógrafos quese preocupam em fotografar seus cenários, guardar as plantas dosteatros onde foram montados, arquivar seus projetos ou conservar asmaquetes que tenham executado.


O quarto das Cajazeira, no terceiro (acima) e no quarto ano da série (abaixo)


O processo criativo da cenografia – a elaboração do conjuntovisual do espetáculo – está associado a um embasamento teórico,a conhecimentos de dramaturgia, de história do espetáculo ehistória da arte em geral, e da história da cenografia em particular.Conhecimentos que podem fornecer um lastro para a descoberta desoluções técnicas específicas para cada área da produção cenográficae que envolvem noções de artes plásticas, arquitetura e desenho. Ésábia a advertência do mestre Santa Rosa, em Para um Teatro Teatral:É necessário que os artistas de toda natureza lembrem-se sempre de quea Arte é absoluta quando está no domínio do sentimento, mas que éprecisamente a técnica no instante de sua exteriorização (...) O instintojá é uma poderosa força para guiar, induzir o indivíduo a escolher oscaminhos da arte; mas em si mesmo, ele não é fonte de conhecimento.158Uma formação complexa é, portanto, exigida do cenógrafo, paraque se habilite à organização de um espaço cênico, à criação deuma ambientação e o visual adequado, de modo a propiciar umaboa relação palco/platéia, fazendo com que o público se integre aoespetáculo, transportando-se para o local onde se passa a ação. Comodisse o cenógrafo Karl Eigsti, discípulo de Ming Cho Lee:Os grandes momentos acontecem quando a platéia perde aconsciência das limitações do teatro e participa emocionalmente eintelectualmente desse mundo.Com isso a cenografia conduz o público a um envolvimento plástico,auxiliado por soluções de cenotécnica, sugerindo-lhe local, tempo,clima, atmosfera. Robert Edmond Jones, ao interpretar com suaspalavras a conhecida expressão de Appia de que não se representadiante, mas dentro de, relembra, na forma direta e simples de seuestilo, que a função principal do cenário é simplesmente esta:relembrar o público sobre onde os atores deveriam estar.Mas a fusão palco/platéia é resultado de múltiplos esforços. Para promoveruma ambientação adequada, o espetáculo depende da conjugação dosesforços do iluminador, do figurinista, do cenotécnico, do aderecista,do contra-regra e de tantos quantos participem da produção, sob aregência do diretor. Todos eles colaboram diretamente com o ator, únicapresença humana visível em cena, em cujos gestos, movimentos e ritmosse concretizará o envolvimento do cenário, da luz e da direção.E nesse quadro cooperativo destaca-se o cenógrafo, a quem RobertEdmond Jones atribui a mais bela das funções:


Em última análise, criar um cenário não é para um arquiteto ou para umpintor ou um escultor, ou mesmo um músico, mas sim para um poeta.


Odorico (acima), e Donana, Dulcinéia, Judicéia, Dorotéia, Gisa e Jairo Portela (abaixo),na novela O Bem Amado


Capítulo XFichas Técnicas de O Bem Amado – Novela e SeriadoNovelaDireção: Régis CardosoCoordenador de produção: Mariano GattiEditor de VT: Ubiratan MartinsAssistente de produção: Almeida SantosContinuísta: Lia MaraSonoplastia: Paulo RibeiroMaquiagem: Erik RzepeckiFigurino: Carlos GilAssistente de figurino: Nilson ResendeCenografia: Paulo DunlopAssistente de cenografia: GuerreroAssistente de Estúdio: Nilton CanavezesMúsica: Vinícius de Moraes e ToquinhoIluminação: Sílvio CarneiroContra-regra: Paracium Gonçalves / José Cupertino / Zenon Alves /Carlos da Silva / Carlos SilveiraChefia técnica: Silas TeixeiraTécnico: Guassalin NagenCâmeras: Joel José / Alexandre Braz / Carlos GiraldesÁudio: Mauro Araújo / Mazoel de LimaOperador de vídeo: Jorge CâmaraOperador de VT: Antonio FernandoSupervisão de operações: Alpheu de Azevedo161Seriado• 1980Direção: Régis Cardoso e Jardel Mello (Colaborador)Co-Direção: Yves HubletCoordenação De Produção: Flora Paolillo e Lya MaraAssistente de Produção: Celso Freitas e Sérgio PenedoContinuísta: Edna TorquatoCenógrafo: Irênio MaiaFigurinista: Zenilda BarbosaAssistente de Figurinista: Elzir De AraújoIluminação: Silvio CarneiroEdição: Enio Motta


• 1981Direção: Régis Cardoso e Oswaldo LoureiroCo-direção: Mariano GattiCoordenação de Produção: Lya MaraCenografia: Fernando CamargoFigurino: Zenilda BarbosaAssistente de figurino: Elzir de AraújoEdição: Enio MottaDireção de imagens: Régis Cardoso e Fernando VillelaPesquisadora: Marília GarciaIluminação: Silvio CarneiroContinuista: Ludmila Poetti162• 1982Direção: Régis CardosoDiretor Assistente: Mariano GattiCoordenadora de produção: Lya MaraAssistente de direção: Wagner LimaAssistente de produção: Celso SantosCenografia: José DiasFigurino: Paulo LóisAssistente de figurinos: Billy AciollyIluminação: Silvio CarneiroAssistente de iluminação: Paulo GraziolliEdição: Enio MottaContinuísta: Fátima Branco• 1983Direção: Régis CardosoProdução executiva: Lya MaraDiretor assistente: Wagner LimaAssistente de produção: Celso Santos e Hildon CarrapitoCenografia: José DiasFigurino: Paulo LóisAssistente de figurino: Terezinha Pinto de AzevedoIluminação: Silvio CarneiroAssistente de iluminação: Paulo GraziolliEdição: Enio MottaContinuísta: Fátima Branco• 1984Direção: Oswaldo Loureiro e Francisco Milani (colaborador)Produção executiva: Lya MaraFigurino: Paulo Lóis


Cenografia: José DiasEdição: Enio MottaIluminação: Henrique Leiner e Paulo GraziolliMaquiagem: Marlene WongPesquisa: Marília GarciaPaulo Gracindo, o bem-amado Odorico Paraguaçu


Bibliografia geralObras referidas ou consultadasAPPIA, Adolphe. Carta a Gordon CRAIG (31, janeiro, 1919)In:cat logo actor-espacio-luz exposicion producida y realizada por laFundacion Suiza de Cultura Pro Helvetia. Zurich, 1984.p.19.BABLET,Denis/M.Louise (org.).APPIA. A Obra de arte viva. Lisboa, Arcádia,s/d.BAILEY, Dales. “O pagador de promessas: A brazilian morality”,Latin American Theatre Review, n.6/1, Lawrence, Kansas, EUA. TheUniversity of Kansas, outono de 1972.CALVO, Aldo.”A cenografia do tbc: minha experiência de trabalho.”In:cenografia e indumentária no tbc. 16 anos de história. J.A.FERRARA,J.C SERRONI. (coord.) São Paulo,Secretaria de Estado daCultura, 1980.CAMPEDELLI, Samira (org.) Dias Gomes. São Paulo, Abril Educação,1979. Coleção literatura comentada.CASTRO, Cláudio de Moura. Estrutura e apresentação de publicaçõescientificas. São Paulo, Macgraw- Hill do Brasil, 1976.165CASTRO. A pratica da pesquisa. São Paulo, Mcgraw-Hill do Brasil, 1977.CRAIG, Edward Gordon. Da arte do teatro. Tradução, prefácio e notasde Redondo Jr. Lisboa, Arcádia, 1963 (do prefácio de Redondo Jr).DORIA, Gustavo. Moderno teatro brasileiro. Rio de Janeiro, SNT /FUNARTE / MEC, 1975.FERNADEZ, Oscar. “Brazil’s New Social Theatre”, Latin AmericanTheatre Review, n.6/1, Lawrence, Kansas, EUA. The University ofKansas, outono de 1972.JONES, Robert Edmond. The dramatic imagination. N.Y., Theatre ArtsBooks, 1941.KLAGSBRUNN, Marta & Beatriz REZENDE(org.). A telenovela no riojaneiro 1950-1963. Rio de Janeiro, Ciec/Escola de Comunicação UFRJ/MIS, 1991.


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Revista de teatro/sbat (1976):p.2-3; no.412. jul-ago. Daniel ROCHA. “otap, Valdemar de Oliveira e a peça um sábado em trinta.”Revista de teatro/sbat (1976):p.6; no.411. mai-jun. “Quando no teatrosurgiu a perspectiva.”(artigo sem assinatura)Revista Ele e Ela,São Paulo, novembro, 1981; Renato Sérgio: “Odorico,profissão brasileiro”.Revista Isto É, São Paulo, 221/04/1982. “O escrevinhador aventurista”Benício dos SANTOS.Revista Nacional de Telecomunicações, fev/1983.Revista Nacional de Telecomunicações, fev/1983.Revista Tempo Brasileiro, 31/12/1980. “A televisão em 1980”Revista Tempo Brasileiro, 1982. “Merecendência” João Cândido GALVÃORevista Veja, São Paulo, 24/10/1984.Revista Veja. São Paulo, 04/04/1984.171Rio, Samba, Carnaval. São Paulo, 1988.Script de “E chegamos aos finalmentes” Rede Globo, 22/10/1984DIAS GOMES.Última Hora, Rio de Janeiro, 29/12/1983. Ronaldo BOSCOLI.


AgradecimentosAgradeço aos meus queridos filhos, Philipe Deschamps GonçalvesDias e Bianca Deschamps Gonçalves Dias, que durante o período deestudos souberam compreender minha luta.Muitas outras pessoas contribuíram direta ou indiretamente para arealização desta pesquisa, ora gentilmente cedendo documentos, oraacrescentando informações ou apenas suportando alguns momentosde desânimo com palavras animadoras. Algumas estão identificadasao longo do trabalho; a muitas outras, porém, não mencionadas,registro aqui o meu agradecimento discreto e silencioso.José Dias173


ÍndiceApresentação – José Serra 5Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7Começando com os Entretantos 11Dias Gomes – Biografia de um Censurado Precoce 13O Bem Amado – As Transformações de Odoriconos Palcos Sucupirenses 31O Romance da Peça 35A História das Montagens 45Em Busca de Novas Sucupiras 63As Desconjunturas Seriadistas: O Bem Amado Seriado 83Confabulâncias e Providenciamentos: A Implantação do Seriado 95O Vocabulário Sucupirense 129E Chegando aos Finalmente 145Fichas Técnicas de O Bem Amado – Novela e Seriado 161Bibliografia geralObras referidas ou consultadas 165Agradecimentos 173


Crédito das FotografiasTodas as fotografias pertencem ao acervo do autor, José Dias, exceto:Acervo Rolando Boldrin 62Cedoc/TV Globo 65, 128, 163A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria dasfotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores.Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outrosdados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados.


Coleção AplausoSérie Cinema BrasilAlain Fresnot – Um Cineasta sem AlmaAlain FresnotAgostinho Martins Pereira – Um IdealistaMáximo BarroO Ano em Que Meus Pais Saíram de FériasRoteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao HamburgerAnselmo Duarte – O Homem da Palma de OuroLuiz Carlos MertenAntonio Carlos da Fontoura – Espelho da AlmaRodrigo MuratAry Fernandes – Sua Fascinante HistóriaAntônio Leão da Silva NetoO Bandido da Luz VermelhaRoteiro de Rogério SganzerlaBatismo de SangueRoteiro de Dani Patarra e Helvécio RattonBens ConfiscadosRoteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaiae Carlos ReichenbachBraz Chediak – Fragmentos de uma vidaSérgio Rodrigo ReisCabra-CegaRoteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturie Ricardo KauffmanO Caçador de DiamantesRoteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo BarroCarlos Coimbra – Um Homem RaroLuiz Carlos MertenCarlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de ViverMarcelo LyraA CartomanteRoteiro comentado por seu autor Wagner de AssisCasa de MeninasRomance original e roteiro de Inácio AraújoO Caso dos Irmãos NavesRoteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio PersonO Céu de SuelyRoteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício ZachariasChega de SaudadeRoteiro de Luiz BolognesiCidade dos HomensRoteiro de Elena Soárez


Como Fazer um Filme de AmorRoteiro escrito e comentado por Luiz Moura e JoséRoberto ToreroO Contador de HistóriasRoteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz VillaçaCríticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e GenerosidadeOrg. Luiz Antônio Souza Lima de MacedoCríticas de Edmar Pereira – Razão e SensibilidadeOrg. Luiz Carlos MertenCríticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo ShimbunOrg. Alessandro GamoCríticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LGOrg. Aurora Miranda LeãoCríticas de Rubem Biáfora – A Coragem de SerOrg. Carlos M. Motta e José Júlio SpiewakDe PassagemRoteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo EliasDesmundoRoteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina AnzuateguiDjalma Limongi Batista – Livre PensadorMarcel NadaleDogma Feijoada: O Cinema Negro BrasileiroJeferson DeDois CórregosRoteiro de Carlos ReichenbachA Dona da HistóriaRoteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel FilhoOs 12 TrabalhosRoteiro de Cláudio Yosida e Ricardo EliasEstômagoRoteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da NatividadeFernando Meirelles – Biografia PrematuraMaria do Rosário CaetanoFim da LinhaRoteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Story boards de Fábio Moon e Gabriel BáFome de Bola – Cinema e Futebol no BrasilLuiz Zanin OricchioGeraldo Moraes – O Cineasta do InteriorKlecius HenriqueGuilherme de Almeida Prado – Um Cineasta CinéfiloLuiz Zanin OricchioHelvécio Ratton – O Cinema Além das MontanhasPablo VillaçaO Homem que Virou SucoRoteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito


Ivan Cardoso – O Mestre do TerrirRemierJoão Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas HistóriasMaria do Rosário CaetanoJorge Bodanzky – O Homem com a CâmeraCarlos Alberto MattosJosé Antonio Garcia – Em Busca da Alma FemininaMarcel NadaleJosé Carlos Burle – Drama na ChanchadaMáximo BarroLiberdade de <strong>Imprensa</strong> – O Cinema de IntervençãoRenata Fortes e João Batista de AndradeLuiz Carlos Lacerda – Prazer & CinemaAlfredo SternheimMaurice Capovilla – A Imagem CríticaCarlos Alberto MattosMauro Alice – Um Operário do FilmeSheila SchvarzmanMiguel Borges – Um Lobisomem Sai da SombraAntônio Leão da Silva NetoNão por AcasoRoteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio PuppoNarradores de JavéRoteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de AbreuOnde Andará Dulce VeigaRoteiro de Guilherme de Almeida PradoOrlando Senna – O Homem da MontanhaHermes LealPedro Jorge de Castro – O Calor da TelaRogério MenezesQuanto Vale ou É por QuiloRoteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio BianchiRicardo Pinto e Silva – Rir ou ChorarRodrigo CapellaRodolfo Nanni – Um Realizador PersistenteNeusa BarbosaSalve GeralRoteiro de Sérgio Rezende e Patrícia AndradeO Signo da CidadeRoteiro de Bruna LombardiUgo Giorgetti – O Sonho IntactoRosane PavamVladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no PlanaltoCarlos Alberto Mattos


Viva-VozRoteiro de Márcio AlemãoZuzu AngelRoteiro de Marcos Bernstein e Sergio RezendeSérie CinemaBastidores – Um Outro Lado do CinemaElaine GueriniSérie Ciência & TecnologiaCinema Digital – Um Novo Começo?Luiz Gonzaga Assis de LucaA Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do AudiovisualLuiz Gonzaga Assis de LucaSérie CrônicasCrônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeçasMaria Lúcia DahlSérie DançaRodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança UniversalSérgio Rodrigo ReisSérie Teatro BrasilAlcides Nogueira – Alma de CetimTuna DwekAntenor Pimenta – Circo e PoesiaDanielle PimentaCia de Teatro Os Satyros – Um Palco VisceralAlberto GuzikCríticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como OficioOrg. Carmelinda GuimarãesCríticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma PaixãoOrg. José Simões de Almeida JúniorFederico García Lorca – Pequeno Poema InfinitoRoteiro de José Mauro Brant e Antonio GilbertoJoão Bethencourt – O Locatário da ComédiaRodrigo MuratLeilah Assumpção – A Consciência da MulherEliana PaceLuís Alberto de Abreu – Até a Última SílabaAdélia NicoleteMaurice Vaneau – Artista MúltiploLeila CorrêaRenata Palottini – Cumprimenta e Pede PassagemRita Ribeiro Guimarães


Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBCNydia LiciaO Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, AliceToklas & Pablo Picasso – Pólvora e PoesiaAlcides NogueiraO Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um tea tro veloz: Faz de Conta quetem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do TeatroIvam CabralO Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor deChá, Plantonista VilmaNoemi MarinhoTeatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o ArNeyde VenezianoO Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra PrometidaSamir YazbekTeresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em CenaAriane PortoSérie PerfilAracy Balabanian – Nunca Fui AnjoTania CarvalhoArllete Montenegro – Fé, Amor e EmoçãoAlfredo SternheimAry Fontoura – Entre Rios e JaneirosRogério MenezesBete Mendes – O Cão e a RosaRogério MenezesBetty Faria – Rebelde por NaturezaTania CarvalhoCarla Camurati – Luz NaturalCarlos Alberto MattosCecil Thiré – Mestre do seu OfícioTania CarvalhoCelso Nunes – Sem AmarrasEliana RochaCleyde Yaconis – Dama DiscretaVilmar LedesmaDavid Cardoso – Persistência e PaixãoAlfredo SternheimDenise Del Vecchio – Memórias da LuaTuna DwekElisabeth Hartmann – A Sarah dos PampasReinaldo BragaEmiliano Queiroz – Na Sobremesa da VidaMaria Leticia


Etty Fraser – Virada Pra LuaVilmar LedesmaEwerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e PoéticaReni CardosoFernanda Montenegro – A Defesa do MistérioNeusa BarbosaGeórgia Gomide – Uma Atriz BrasileiraEliana PaceGianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no ArSérgio RoveriGlauco Mirko Laurelli – Um Artesão do CinemaMaria Angela de JesusIlka Soares – A Bela da TelaWagner de AssisIrene Ravache – Caçadora de EmoçõesTania CarvalhoIrene Stefania – Arte e PsicoterapiaGermano PereiraIsabel Ribeiro – IluminadaLuis Sergio Lima e SilvaJoana Fomm – Momento de DecisãoVilmar LedesmaJohn Herbert – Um Gentleman no Palco e na VidaNeusa BarbosaJonas Bloch – O Ofício de uma PaixãoNilu LebertJosé Dumont – Do Cordel às TelasKlecius HenriqueLeonardo Villar – Garra e PaixãoNydia LiciaLília Cabral – Descobrindo Lília CabralAnalu RibeiroLolita Rodrigues – De Carne e OssoEliana CastroLouise Cardoso – A Mulher do BarbosaVilmar LedesmaMarcos Caruso – Um ObstinadoEliana RochaMaria Adelaide Amaral – A Emoção LibertáriaTuna DwekMarisa Prado – A Estrela, O MistérioLuiz Carlos LisboaMauro Mendonça – Em Busca da PerfeiçãoRenato Sérgio


Miriam Mehler – Sensibilidade e PaixãoVilmar LedesmaNicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em FamíliaElaine GuerriniNívea Maria – Uma Atriz RealMauro Alencar e Eliana PaceNiza de Castro Tank – Niza, Apesar das OutrasSara LopesPaulo Betti – Na Carreira de um SonhadorTeté RibeiroPaulo José – Memórias SubstantivasTania CarvalhoPedro Paulo Rangel – O Samba e o FadoTania CarvalhoRegina Braga – Talento é um AprendizadoMarta GóesReginaldo Faria – O Solo de Um InquietoWagner de AssisRenata Fronzi – Chorar de RirWagner de AssisRenato Borghi – Borghi em RevistaÉlcio Nogueira SeixasRenato Consorte – Contestador por ÍndoleEliana PaceRolando Boldrin – Palco BrasilIeda de AbreuRosamaria Murtinho – Simples MagiaTania CarvalhoRubens de Falco – Um Internacional Ator BrasileiroNydia LiciaRuth de Souza – Estrela NegraMaria Ângela de JesusSérgio Hingst – Um Ator de CinemaMáximo BarroSérgio Viotti – O Cavalheiro das ArtesNilu LebertSilvio de Abreu – Um Homem de SorteVilmar LedesmaSônia Guedes – Chá das CincoAdélia NicoleteSonia Maria Dorce – A Queridinha do meu BairroSonia Maria Dorce ArmoniaSonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana?Maria Thereza Vargas


Suely Franco – A Alegria de RepresentarAlfredo SternheimTatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte OutraSérgio RoveriTony Ramos – No Tempo da DelicadezaTania CarvalhoUmberto Magnani – Um Rio de MemóriasAdélia NicoleteVera Holtz – O Gosto da VeraAnalu RibeiroVera Nunes – Raro TalentoEliana PaceWalderez de Barros – Voz e SilênciosRogério MenezesZezé Motta – Muito PrazerRodrigo MuratEspecialAgildo Ribeiro – O Capitão do RisoWagner de AssisBeatriz Segall – Além das AparênciasNilu LebertCarlos Zara – Paixão em Quatro AtosTania CarvalhoCinema da Boca – Dicionário de DiretoresAlfredo SternheimDina Sfat – Retratos de uma GuerreiraAntonio GilbertoEva Todor – O Teatro de Minha VidaMaria Angela de JesusEva Wilma – Arte e VidaEdla van SteenGloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso daTelevisão BrasileiraÁlvaro MoyaLembranças de HollywoodDulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo SternheimMaria Della Costa – Seu Teatro, Sua VidaWarde MarxNey Latorraca – Uma CelebraçãoTania CarvalhoRaul Cortez – Sem Medo de se ExporNydia LiciaRede Manchete – Aconteceu, Virou HistóriaElmo Francfort


Sérgio Cardoso – Imagens de Sua ArteNydia LiciaTônia Carrero – Movida pela PaixãoTania CarvalhoTV Tupi – Uma Linda História de AmorVida AlvesVictor Berbara – O Homem das Mil FacesTania CarvalhoWalmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem IndignadoDjalma Limongi Batista


Formato: 18 x 25,5 cmTipologia: FrutigerPapel miolo: Offset LD 90g/m 2Papel capa: Triplex 250 g/m 2Número de páginas: 192Editoração, CTP, impressão e acabamento:<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São Paulo


Coleção Aplauso Série EspecialCoordenador GeralCoordenador Operacionale Pesquisa IconográficaProjeto Gráfico e EditoraçãoEditor AssistenteEdição de textoTratamento de ImagensRubens Ewald FilhoMarcelo PestanaCarlos CirneFelipe GoulartTania CarvalhoJosé Carlos da Silva


© 2009Dados Internacionais de Catalogação na PublicaçãoBiblioteca da <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São PauloDias, JoséOdorico Paraguaçu: o bem-amado de Dias Gomes:história de um personagem larapista e maquiavelento /José Dias – São Paulo : <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de SãoPaulo , 2009.192 p. il. - (Coleção aplauso. Série especial / coordenadorgeral Rubens Ewald Filho).ISBN 978- 85-7060-781-21. Teatro – Brasil – História e crítica 2. Teatro –Literatura – Crítica e interpretação 3. Dramaturgosbrasileiros – Biografia 4. Gomes, Dias, 1922-1999 I. EwaldFilho, Rubens. II. Título. III. Série.CDD 792.981Índices para catálogo sistemático:1. Dramaturgos brasileiros : Crítica e interpretação :Biografia 792. 9812. Teatro : Literatura : História e crítica 809.2Proibida reprodução total ou parcial sem autorizaçãoprévia do autor ou dos editoresLei nº 9.610 de 19/02/1998Foi feito o depósito legalLei nº 10.994, de 14/12/2004Impresso no Brasil / 2009Todos os direitos reservados.<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São PauloRua da Mooca, 1921 Mooca03103-902 São Paulo SPwww.imprensaoficial.com.br/livrarialivros@imprensaoficial.com.brSAC 0800 01234 01sac@imprensaoficial.com.br


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