12.07.2015 Views

Os livros de linhagem e a construção do rei. - O Marrare - UERJ

Os livros de linhagem e a construção do rei. - O Marrare - UERJ

Os livros de linhagem e a construção do rei. - O Marrare - UERJ

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O MARRARE 7 – Periódico <strong>do</strong> Setor <strong>de</strong> Literatura Portuguesa da <strong>UERJ</strong> 40a alguma distância daquele tipo <strong>de</strong> ‘temerida<strong>de</strong>’ que coloca em risco a vitória e a segurança <strong>do</strong>s seuscomanda<strong>do</strong>s. Começam a aparecer as narrativas em que o <strong>rei</strong> pon<strong>de</strong>ra em meio ao campo <strong>de</strong> batalha (LL2D17), que age com inteligência e cálculo (LL 21A1), e que faz da coragem uma virtu<strong>de</strong> intermediária entreos extremos habita<strong>do</strong>s pelo temerário impru<strong>de</strong>nte e pelo covar<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezível 5 .Já mencionamos anteriormente que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as mensagens implícitas nos <strong>livros</strong> <strong>de</strong> linhagens,nada seria <strong>do</strong> ‘bom <strong>rei</strong>’ sem o ‘bom nobre’. Tal idéia po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstrada pelo episódio que se segue aodiálogo <strong>do</strong> Con<strong>de</strong> Henrique com seu filho. Depois da morte <strong>do</strong> Con<strong>de</strong>, estabelece-se uma ferrenha disputasucessória <strong>de</strong> Afonso Henriques contra sua mãe e seu padrasto. Nesse embate, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a versãoproposta pelo Livro <strong>de</strong> Linhagens, o futuro <strong>rei</strong> <strong>de</strong> Portugal seria fatalmente venci<strong>do</strong>, não fosse a intervençãosalva<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> um nobre perfeitamente afina<strong>do</strong> com o i<strong>de</strong>al cavaleiresco – e que se prontifica a socorrer o<strong>rei</strong> no momento necessário. O Livro <strong>de</strong> Linhagens <strong>de</strong>sloca, assim, uma boa parte <strong>do</strong> mérito <strong>de</strong> AfonsoHenriques na sua ascensão à realeza para a figura <strong>de</strong> Soeiro Men<strong>de</strong>s :A fazenda foi feita em Guimarães, e foi arranca<strong>do</strong> Afonso Anriquez e mui malt<strong>rei</strong>to. Eel, in<strong>do</strong> ua legoa <strong>de</strong> Guimarães achou-se com Soeiro Meen<strong>de</strong>z, que o viinha ajudar, edisse: ‘Como viin<strong>de</strong>s assi, senhor?’. Respon<strong>de</strong>o entom Afonso Anriquez: ‘Venho muimal, ca me arrancou meu padrasto e minha madre, que estava com ele na az’. E o SoeiroMeen<strong>de</strong>z lhe disse: ‘Non fezestes siso que aa batalha fostes sem mim. Mais torna<strong>de</strong>voscome <strong>de</strong> cabo aa fazenda, e eu i<strong>rei</strong> convosco, e pren<strong>de</strong>remos vosso padrasto e vossamadre com el’. E disse Afonso Anriquez: ‘Deus man<strong>de</strong> que assi seja’ E <strong>do</strong>m SoeiroMeen<strong>de</strong>z lhe disse: ‘Vós vere<strong>de</strong>s que assi será’. e torn[ou]-se com ele aa batalha, epren<strong>de</strong>o seu padrasto e sa madre (LL 7B-6)Afonso Henriques havia cometi<strong>do</strong> a imprudência (ou a prepotência) <strong>de</strong> ir à batalha sem o apoio <strong>do</strong>bom nobre Soeiro Men<strong>de</strong>s, e por isto fora gravemente <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>. Mas agora o ‘bom nobre’ surgia paracorrigir a situação e lhe oferecer o apoio que o conduziria à vitória. O sucesso <strong>do</strong> <strong>rei</strong> é assim a aparênciamais externa <strong>do</strong> sucesso <strong>do</strong> nobre, e o nobiliário mostra aqui o seu discurso corporativista, on<strong>de</strong> a ‘cabeça’<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no nada seria sem o apoio <strong>do</strong>s membros (<strong>do</strong>s bons membros) que são a nobreza.Depois das referências sem maiores conteú<strong>do</strong>s significativos aos <strong>do</strong>is próximos sucessores <strong>de</strong> AfonsoHenriques, D. Sancho II é o segun<strong>do</strong> <strong>rei</strong> a merecer referência expressiva no título VII <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong> Linhagens– referência que, embora relativamente curta, é marcante para a construção <strong>de</strong>ssa variante linhagística <strong>do</strong>imaginário régio:Reinou seu filho <strong>do</strong>m Sancho, e começou mui bem <strong>de</strong> seer mui boo <strong>rei</strong> e <strong>de</strong> justiça, mashouve maos conselheiros, e <strong>de</strong>s ali a<strong>de</strong>ante nom fez justiça. E saio <strong>de</strong> manda<strong>do</strong> da rainha<strong>do</strong>na Biringuela, sa tia, e casou-se com Micia Lopez, e <strong>de</strong>s ali foi pera mal (LL 7C-7)Se um ‘bom nobre’ fora o responsável inicial pelos sucessos <strong>de</strong> Afonso Henriques, são agora os‘maus nobres’ – que se afastam <strong>do</strong> i<strong>de</strong>ário cavaleiresco e que mal aconselham o <strong>rei</strong> – os verda<strong>de</strong>irosresponsáveis pela <strong>de</strong>rrocada final <strong>de</strong> D. Sancho II. Segue-se assim o episódio em que os gran<strong>de</strong>s clérigos<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no requisitam ao Papa um ato <strong>de</strong> legitimação para que Afonso III, irmão <strong>do</strong> <strong>rei</strong> Sancho II, inicie oempreendimento da tomada <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no.O <strong>de</strong>sgoverno <strong>de</strong> Sancho II explica, na versão <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong> Linhagens, a <strong>de</strong>rrocada <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no. Issonão quer dizer que se achem justificadas, pelos padrões cavaleirescos, as traições <strong>do</strong>s nobres que tinhamlaços <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> vassálica para com o antigo <strong>rei</strong> e que facilmente os quebraram ou por oportunismo oupor covardia. Algumas das narrativas linhagísticas espezinham precisamente os trai<strong>do</strong>res vassálicos <strong>de</strong>O MARRARE - Periódico <strong>do</strong> Setor <strong>de</strong> Literatura Portuguesa da <strong>UERJ</strong>www.omarrare.uerj.br/numero7/jose.htmNúmero 7 (2006) - ISSN 1981-870X

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!