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Prevedello et al. 2008 (Oecol Bras 41 vol 12 artigo 3).pdf

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610 <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.Uso do espaço por pequenos mamíferos: uma análise dos estudosre<strong>al</strong>izados no <strong>Bras</strong>ilJayme A. <strong>Prevedello</strong> 1,* , André F. Mendonça 1 & Marcus V. Vieira 11. Laboratório de Vertebrados, Departamento de Ecologia, IB, Universidade Feder<strong>al</strong> do Rio de Janeiro. Cidade Universitária, CEP 219<strong>41</strong>-590, Rio deJaneiro, RJ, <strong>Bras</strong>il, Caixa Post<strong>al</strong> 68020.* E-mail: ja_prevedello@yahoo.com.br.ResumoO uso do espaço refere-se à quantidade, qu<strong>al</strong>idade e intensidade de exploração do habitat em umad<strong>et</strong>erminada loc<strong>al</strong>idade, sendo importante d<strong>et</strong>erminante da distribuição e abundância de espécies animais. Ospequenos mamíferos brasileiros têm sido utilizados como modelos para av<strong>al</strong>iar o uso do espaço por mamíferostropicais, mas pouco se sabe sobre a representatividade do conhecimento obtido em termos de espécies, biomas,atributos abordados e técnicas utilizadas. Neste estudo, fizemos uma revisão da literatura publicada sobre otema no período de 1945 a 2007. Foram encontrados 58 estudos, a maioria (65%) destes re<strong>al</strong>izada na MataAtlântica. Neste bioma, marsupiais e roedores foram an<strong>al</strong>isados em 86% e 53% dos <strong>artigo</strong>s respectivamente,mas no Cerrado essas proporções mudaram para 44% e 100%. Um pequeno número de gêneros de marsupiaise roedores concentra a maior parte das informações existentes sobre o uso do espaço. Somente 14% dosestudos av<strong>al</strong>iaram o uso vertic<strong>al</strong> do espaço. A grande maioria (75%) das publicações utilizou a técnica decaptura-marcação-recaptura com armadilhas (CMR). O conhecimento atu<strong>al</strong> sobre o uso do espaço é limitadopor ser baseado princip<strong>al</strong>mente em um pequeno número de gêneros de um único bioma (Mata Atlântica),em estudos que utilizaram uma técnica que não amostra grande parte da movimentação dos animais (CMR).Novos estudos que preencham as lacunas aqui apontadas podem permitir a d<strong>et</strong>ecção e o estabelecimento depadrões mais gerais de uso do espaço por mamíferos tropicais.P<strong>al</strong>avras-chave: área de vida, seleção de habitat, estratificação vertic<strong>al</strong>, rádio-telem<strong>et</strong>ria, carr<strong>et</strong>el de rastreamento.Abstractspace Utilization by sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s: an OVERVIEW of studies in brazil.Utilization of space refers to the intensity of exploitation of a habitat by a species, including the amount andqu<strong>al</strong>ity of the exploited habitat. It is an important factor driving the abundance and distribution of anim<strong>al</strong>species. Brazilian sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s have been used as models to ev<strong>al</strong>uate space utilization by tropic<strong>al</strong> mamm<strong>al</strong>sin gener<strong>al</strong>, but it is y<strong>et</strong> unclear wh<strong>et</strong>her knowledge about the species, biomes, different aspects of space use,and even the techniques being employed in Brazil are representative of other regions. The present studypresents a review of studies on space utilization by sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s in Brazil published from 1945 to 2007.Fifty-eight publications were found, most of which were conducted in the Atlantic Forest (65%). Within thisbiome, marsupi<strong>al</strong>s were the most common taxon examined (86%) followed by rodents (53%). In the Cerrado,these figures changed to 44% and 100%, respectively. Only 14% of the studies de<strong>al</strong>t with vertic<strong>al</strong> utilizationof space. The great majority of the publications (75%) used capture-mark-recapture m<strong>et</strong>hods with liv<strong>et</strong>raps(CMR). Current knowledge of space utilization by Brazilian sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s was mainly based on few generafrom a single biome – the Atlantic Forest – using a technique that records only part of the movement patternsof these anim<strong>al</strong>s (CMR). Future studies that fill the gaps indicated here will hopefully <strong>al</strong>low the d<strong>et</strong>ection andestablishment of more gener<strong>al</strong> patterns of space use by tropic<strong>al</strong> mamm<strong>al</strong>s.Keywords: home range, habitat selection, vertic<strong>al</strong> stratification, radiotracking, spool-and-line technique.<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


Uso do espaço por pequenos mamíferos611IntroduçãoO espaço físico é considerado uma das principaisdimensões do nicho de uma espécie, uma vez quea maneira como é utilizado d<strong>et</strong>ermina uma série deinterações ecológicas com o ambiente (Schoener1974, Pianka 1999). O uso do espaço influencia, porexemplo, a estrutura e dinâmica populacion<strong>al</strong> (ex.Fernandez <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1997, Gentile & Cerqueira 1995)e a estrutura das comunidades animais (ex. Cunha& Vieira 2002, Grelle 2003, Vieira & Monteiro-Filho 2003), sendo t<strong>al</strong>vez o mais importante fatorna coexistência das espécies (Schoener 1974, Cunha& Vieira 2004). Devido a sua relevância teórica, ouso do espaço tem uma longa história de estudo naecologia anim<strong>al</strong>, como exemplificado por estudossobre seleção de habitat e padrões de movimentação(Lima & Zollner 1996, Garshelis 2000).Os mamíferos têm recebido grande atenção porparte dos ecólogos em estudos sobre o uso do espaço.Esse interesse se deve princip<strong>al</strong>mente a um grupoem particular, os chamados pequenos mamíferos,que apresentam <strong>al</strong>ta riqueza, densidade e variedadede hábitos (Fonseca <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1996, Emmons 1997)facilitando a obtenção de uma série de respostasecológicas (Delany 1974). Esses fatores contribuempara que um grande <strong>vol</strong>ume de informações relativasà ecologia de pequenos mamíferos tenha sido col<strong>et</strong>adoao redor do mundo, incluindo informações sobre suaocupação e utilização do espaço.No <strong>Bras</strong>il, os pequenos mamíferos não-voadores(


6<strong>12</strong> <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.por pequenos mamíferos no <strong>Bras</strong>il. Dada a amplitudee a imprecisão conceitu<strong>al</strong> do tema, apresentamostambém uma breve revisão dos conceitos relacionadosao uso do espaço. As principais técnicas deestudo são também descritas para auxiliar o leitor nainterpr<strong>et</strong>ação dos resultados.O que é “uso do espaço”? Definindo<strong>al</strong>guns conceitosO conceito de uso do espaço é amplo e tem sidoempregado na literatura para o estudo de diferentescaracterísticas ecológicas. Muitos autores utilizam otermo como sinônimo de área de vida (ex. Jacob &Rudran 2003), enquanto <strong>al</strong>guns trab<strong>al</strong>hos consideramque o uso do espaço engloba também os padrõesde agregação espaci<strong>al</strong> da população (Gentile &Cerqueira 1995) e a estratificação vertic<strong>al</strong> de umacomunidade (Vieira 2006). Uso do espaço e seleçãode habitat são ger<strong>al</strong>mente tratados como atributosdiferentes e complementares (ex. V<strong>al</strong>enzuela &Ceb<strong>al</strong>los 2000), mas <strong>al</strong>guns trab<strong>al</strong>hos consideram aseleção de habitat parte integrante do uso do espaço(ex. Cáceres & Monteiro-Filho 2006). Outros aindanão fazem distinção entre uso e seleção de habitat,considerando-os erroneamente como sinônimos.Na presente revisão, adotaremos uma definiçãoabrangente do termo, considerando que o uso doespaço se refere à exploração do habitat em termosde quantidade, qu<strong>al</strong>idade e intensidade em umad<strong>et</strong>erminada loc<strong>al</strong>idade. Quantidade se refere à áreaou <strong>vol</strong>ume de habitat utilizado por um indivíduo.Qu<strong>al</strong>idade se refere ao loc<strong>al</strong> escolhido pelo anim<strong>al</strong> paraposicionar t<strong>al</strong> área, considerando-se a complexidadee h<strong>et</strong>erogeneidade (sensu August 1983) de habitatexistente. Engloba, assim, a seleção de habitat e aestratificação vertic<strong>al</strong> da comunidade. A intensidade,por sua vez, se refere à distribuição das atividadesindividuais dentro da área de vida, à defesa ou não d<strong>et</strong><strong>al</strong> área contra outros indivíduos (territori<strong>al</strong>ismo) e adistribuição espaci<strong>al</strong> da população como um todo emuma d<strong>et</strong>erminada área.Assim definido, o uso do espaço englobaria nãoapenas características individuais, mas tambémpopulacionais e comunitárias, reunindo pelo menoss<strong>et</strong>e atributos ecológicos (Tabela I). Todos eles seaplicam ao entendimento da ocupação, exploração ecompartilhamento, em esc<strong>al</strong>a loc<strong>al</strong>, do espaço físicoexistente por um grupo de organismos (indivíduos,populações ou espécies). Uma breve definição decada atributo é apresentada a seguir.Tabela I. Atributos que compõem o uso do espaço e sua relação com osníveis hierárquicos de estudo da Ecologia.Table I. Attributes of space use and their relationship with hierarchic<strong>al</strong>levels in Ecology.Nível de abordagemecológicaIndivíduoPopulaçãoComunidadeAtributos relacionadosÁrea de vida, mobilidade,intensidade de uso vertic<strong>al</strong>,uso de abrigosSeleção de habitat, padrãode agregação espaci<strong>al</strong>Estratificação vertic<strong>al</strong>a) Área de vida e território: A área de vida(”home range”) é definida como a área utilizada porum indivíduo em suas atividades normais em buscade <strong>al</strong>imento, acas<strong>al</strong>amento e cuidado com a prole(Burt 1943). A área de vida é ger<strong>al</strong>mente av<strong>al</strong>iadaem duas dimensões do espaço, mas para animaisvoadores, arborícolas, escansoriais e aquáticos, deveser quantificada tridimension<strong>al</strong>mente (Meserve 1977,Koeppl <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1977, Grelle 1996). Já o território éuma área mais restrita, dentro da área de vida, queé defendida dir<strong>et</strong>a ou indir<strong>et</strong>amente contra outrosindivíduos ou grupos (Noble 1939 apud Berg<strong>al</strong>lo1990). Recentemente, têm-se estudado a áreautilizada em movimentos menores ou “área de vidadiária” (daily home range, conforme Spencer <strong>et</strong> <strong>al</strong>.1990) a qu<strong>al</strong> representa uma medida em curto prazoespaço-tempor<strong>al</strong> dos requerimentos espaciais de umindivíduo (Spencer <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1990, Lor<strong>et</strong>to & Vieira<strong>2008</strong>, Vieira & Cunha <strong>2008</strong>). Uma das razões paraesta recente ênfase na área de vida diária é a relaçãocom o tamanho corpor<strong>al</strong>, a qu<strong>al</strong> difere da área de vidatradicion<strong>al</strong> (Vieira & Cunha <strong>2008</strong>). A área de vida éestudada princip<strong>al</strong>mente com uso de armadilhas decaptura (ex. Alho & Souza 1982, Magnusson <strong>et</strong> <strong>al</strong>.1995, Gentile <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1997) e pela técnica de rádiotelem<strong>et</strong>ria(Moraes Júnior & Chiarello 2005a, Lira <strong>et</strong><strong>al</strong>. 2007), enquanto que a área de vida diária podeser av<strong>al</strong>iada também com carr<strong>et</strong>éis de rastreamento(Miles <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1981, Lor<strong>et</strong>to & Vieira 2005).b) Mobilidade: Se refere a medidas de taxa demovimentação (distância percorrida por unidadede tempo) ou extensão dos movimentos (distância<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


Uso do espaço por pequenos mamíferos613máxima ou média percorrida pelo anim<strong>al</strong> entre doispontos de sua área de vida). Dois animais podemter tamanhos de área de vida similares, mas taxasde movimentação bastante diferentes dentro dessaárea. As medidas de mobilidade mais utilizadas são adistância entre recapturas ou entre duas loc<strong>al</strong>izações(rádio-telem<strong>et</strong>ria) ou a distância máxima percorridaem um traj<strong>et</strong>o (carr<strong>et</strong>el de rastreamento). As medidasde mobilidade são úteis, por exemplo, para d<strong>et</strong>ectarcomportamentos exploratórios (ex. Gentile &Cerqueira 1995), dispersão entre fragmentos (Pires<strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2002) e estimar a densidade populacion<strong>al</strong> (ex.Mendel & Vieira 2003).c) Seleção e uso de habitat: O uso do habitat refere-seao loc<strong>al</strong> do espaço onde o anim<strong>al</strong> posiciona suaárea de vida ou re<strong>al</strong>iza suas atividades. De forma ger<strong>al</strong>,os animais não estabelecem sua área de vida <strong>al</strong>eatoriamente,mas sim em habitats favoráveis. Quandoo uso do habitat ocorre em proporções diferentes dadisponibilidade dos mesmos no ambiente, diz-se queo anim<strong>al</strong> está selecionando habitat. A definição dohabitat de um anim<strong>al</strong> depende de sua biologia e interaçãocom o ambiente, incluindo outros organismos,o que em ger<strong>al</strong> não é óbvio de ser compreendido. Ouso e a seleção do habitat ger<strong>al</strong>mente são av<strong>al</strong>iadoscom armadilhas de captura (ex. Ernest & Mares 1986,Freitas <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1997, D<strong>al</strong>magro & Vieira 2005), maspodem ser estudados com métodos de rastreamento(ex. Moura <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2005). Seleção e uso de habitatsão atributos individuais, mas podem ser definidostambém para uma população ou espécie caso haja umpadrão comum à maioria dos indivíduos.d) Estratificação vertic<strong>al</strong>: Refere-se à organizaçãoespaci<strong>al</strong> da comunidade ao longo dos estratos daveg<strong>et</strong>ação (solo, sub-bosque, dossel). Neste caso, ofoco é entender como as diferentes espécies em umacomunidade compartilham ou segregam a dimensãovertic<strong>al</strong> do espaço, em uma dada loc<strong>al</strong>idade (Vieira2006). Pode ser av<strong>al</strong>iada com diversos métodos(<strong>Prevedello</strong> <strong>et</strong> <strong>al</strong>. <strong>2008</strong>), princip<strong>al</strong>mente com armadilhasde captura (ex. Vieira & Monteiro-Filho 2003) erastreamento dos animais (Cunha & Vieira 2002).e) Intensidade de uso vertic<strong>al</strong>: Refere-se à freqüênciade uso dos diferentes estratos da veg<strong>et</strong>açãopor um indivíduo. Difere da estratificação vertic<strong>al</strong> nosentido de av<strong>al</strong>iar diferenças intra-específicas no usodo espaço vertic<strong>al</strong>. Para av<strong>al</strong>iá-la é necessário acompanharem d<strong>et</strong><strong>al</strong>hes a movimentação dos indivíduos,o que pode ser feito, por exemplo, através de carr<strong>et</strong>éisde rastreamento (Cunha & Vieira 2005, Lor<strong>et</strong>to& Vieira <strong>2008</strong>).f) Uso de abrigos: Refere-se à seleção de locaispara descanso, construção de ninhos ou simplesmenterefúgio temporário. Pode ser estudado com o rastreamentodos animais (Miles <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1981, Moraes Júnior& Chiarello 2006) ou com o uso de ninhos artificiais(Lor<strong>et</strong>to 2005).g) Padrão de agregação espaci<strong>al</strong>: Se refere aoespaçamento dos indivíduos dentro de uma população.O padrão de distribuição espaci<strong>al</strong> pode ser <strong>al</strong>eatório,homogêneo ou agregado, refl<strong>et</strong>indo a distribuição derecursos e interações intra-específicas (Fernandez<strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1997). É tradicion<strong>al</strong>mente av<strong>al</strong>iado através dearmadilhas de captura.Métodos de amostragem de uso doespaçoDiversos métodos foram propostos para o estudodo uso do espaço por mamíferos, todos baseadosem um mesmo princípio: identificar os indivíduose acompanhar seus deslocamentos. O método maisintuitivo e dir<strong>et</strong>o é a observação e acompanhamentovisu<strong>al</strong> que, s<strong>al</strong>vo raras exceções (ex. Charles-Dominique <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1983, Ernest & Mares 1986), é dedifícil aplicação aos pequenos mamíferos brasileirosdevido ao pequeno porte e habitos crípticos damaioria das espécies (Fonseca <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1996). O métodode captura-marcação-recaptura (CMR) através dearmadilhas que utilizam isca é amplamente utilizadoem estudos com pequenos mamíferos, devido ànecessidade de capturar os animais. Este método éaplicável ao estudo de vários atributos ecológicos(área de vida, seleção de habitat, estratificaçãovertic<strong>al</strong>, uso vertic<strong>al</strong>). Recentemente, a técnica temrecebido críticas devido à atratividade das iscas epor não amostrar grande parte da movimentação dosanimais (Cunha & Vieira 2002). A área amostradapelas armadilhas é ger<strong>al</strong>mente insuficiente paraav<strong>al</strong>iar a área de vida dos animais (Mendel & Vieira2003). Este método também não permite observar ouso de refúgios.Novos métodos foram propostos visando superaras limitações da CMR, dentre os quais se destacamos carr<strong>et</strong>éis de rastreamento (Cunha & Vieira 2002),a rádio-telem<strong>et</strong>ria (Moraes Júnior & Chiarello 2005)<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


614 <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.e os ninhos artificiais (Tubelis 2000). Tais métodospermitem descrever a atividade e o uso de refúgiossem influenciar no comportamento dos animais.Delciellos <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2006) d<strong>et</strong><strong>al</strong>ham esses métodos esuas aplicações no estudo de uso do espaço.Levantamento bibliográficoPara as análises da literatura foram consideradosapenas estudos que apresentassem resultadosinéditos, publicados em periódicos nacionais e internacionaisno período de 1945 a 2007. Não foramincluídos nas análises <strong>artigo</strong>s de revisão, capítulosde livros, resumos, monografias, dissertações e teses,<strong>al</strong>ém de trab<strong>al</strong>hos descrevendo técnicas ou métodos.Trab<strong>al</strong>hos de levantamento (registro de presença-ausência)de espécies não foram considerados. Estudosdesen<strong>vol</strong>vidos em outros países foram consultadospara a definição mais ger<strong>al</strong> de conceitos e revisão d<strong>et</strong>écnicas de amostragem.Em cada estudo foram av<strong>al</strong>iadas as seguintesvariáveis: a) bioma brasileiro estudado (seguindoa classificação de IBGE 2004); b) grupo biológico(Marsupi<strong>al</strong>ia ou Rodentia) e gêneros de mamíferosestudados; c) atributo ecológico abordado (área devida, mobilidade, padrão de agregação espaci<strong>al</strong>,área de vida diária, seleção de habitat, estratificaçãovertic<strong>al</strong>, intensidade de uso vertic<strong>al</strong>, uso de abrigos);d) técnica de amostragem utilizada (observação dir<strong>et</strong>a,armadilhas, rádio-telem<strong>et</strong>ria, carr<strong>et</strong>el de rastreamento,ninhos artificiais).ResultadosBiomas estudadosForam encontrados 58 <strong>artigo</strong>s tratando do usodo espaço por pequenos mamíferos brasileiros. Amaior parte destes estudos foi desen<strong>vol</strong>vida na MataAtlântica (65%) e no Cerrado (28%; Figura 2). Quatroestudos (7%) foram re<strong>al</strong>izados na Amazônia, apenasum no Pantan<strong>al</strong> e na Caatinga e nenhum nos CamposSulinos.Grupos biológicos estudadosO número de estudos foi similar para marsupiaise roedores (n=44 e n=40 estudos respectivamente),mas a proporção variou bastante entre biomas (Figura3). Na Mata Atlântica, os marsupiais e roedoresforam an<strong>al</strong>isados em 86% e 53% dos trab<strong>al</strong>hosrespectivamente (Figura 3b), mas no Cerrado essasproporções mudam para 44% e 100% (Figura 3c).Os quatro estudos re<strong>al</strong>izados na Amazônia relataramresultados para ambos os grupos.Figura 2. Número de estudos publicados sobre uso do espaço por pequenos mamíferos em cada bioma brasileiro. MA: Mata Atlântica; CE: Cerrado;AM: Amazônia; PA: Pantan<strong>al</strong>; CS: Campos Sulinos; CA: Caatinga.Figure 2. Number of publications regarding space use by sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s in different Brazilian biomes. MA: Atlantic Forest; CE: Cerrado; AM:Amazon; PA: Pantan<strong>al</strong>; CS: Campos Sulinos; CA: Caatinga.<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


Uso do espaço por pequenos mamíferos615Figura 3. Número de <strong>artigo</strong>s an<strong>al</strong>isando uso do espaço por pequenos mamíferos brasileiros (marsupiais, roedores ou ambos). (A) todos os estudos; (B)estudos re<strong>al</strong>izados na Mata Atlântica; (C) estudos re<strong>al</strong>izados no Cerrado. Os v<strong>al</strong>ores indicam o número de <strong>artigo</strong>s publicados por grupo e bioma.Figure 3. Number of publications on space use by Brazilian sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s (marsupi<strong>al</strong>s, rodents, or both). (A) <strong>al</strong>l studies; (B) studies conducted in theAtlantic Forest; (C) studies conducted in the Cerrado. V<strong>al</strong>ues indicate the number of published papers with each anim<strong>al</strong> group and biome.Para marsupiais houve uma predominância deestudos com os gêneros Didelphis (19), Philander(n=13), M<strong>et</strong>achirus (n=10) e Micoureus (n=10)(Figura 4a, Tabela II). A maioria dos estudos comesses gêneros foi desen<strong>vol</strong>vida na Mata Atlântica,sendo que os estudos com Philander ficaram restritosa este bioma. Em relação aos roedores, predominaramestudos com Oligoryzomys (n=17), Necromys (n=15)e Akodon (n=13) (Figura 4b, Tabela II). Apesar d<strong>et</strong>erem sido re<strong>al</strong>izados mais estudos com roedoresno Cerrado, os trab<strong>al</strong>hos desen<strong>vol</strong>vidos na MataAtlântica registraram um maior número de gêneros(Figura 4b).Atributos ecológicos abordadosOs atributos mais estudados foram: seleção/usode habitat (40% dos estudos), área de vida (24%)e mobilidade (19%; Figura 5). O conceito de áreade vida diária, relacionado ao uso de carr<strong>et</strong>éis derastreamento, foi o menos estudado (3%). Dentreos 23 trab<strong>al</strong>hos de seleção/uso de habitat, 39% nãoav<strong>al</strong>iaram a disponibilidade de habitat restringindo-se,assim, a descrever seu uso. Dos 14 estudos tratandode área de vida, 11 foram desen<strong>vol</strong>vidos na MataAtlântica e apenas três foram re<strong>al</strong>izados no Cerrado.Apenas 14% dos estudos av<strong>al</strong>iaram de <strong>al</strong>guma formao uso vertic<strong>al</strong> do espaço, seja an<strong>al</strong>isando a intensidadede uso vertic<strong>al</strong> (5%) ou a estratificação vertic<strong>al</strong> (9%).Técnicas de amostragem utilizadasA técnica mais usada foi a de captura-marcaçãorecapturacom armadilhas (75% dos estudos), seguidado carr<strong>et</strong>el de rastreamento (17%) e rádio-telem<strong>et</strong>ria(7%; Figura 6). Apenas dois trab<strong>al</strong>hos (Alho & Villela1984, Ernest & Mares 1986) re<strong>al</strong>izaram observaçãodir<strong>et</strong>a e um trab<strong>al</strong>ho utilizou ninhos artificiais(Monteiro-Filho & Marcondes-Machado 1996).DiscussãoBiomas estudadosO conhecimento atu<strong>al</strong> sobre o uso do espaçono <strong>Bras</strong>il é proveniente princip<strong>al</strong>mente de estudosdesen<strong>vol</strong>vidos na Mata Atlântica e no Cerrado. T<strong>al</strong><strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


616 <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.Tabela II. Estudos av<strong>al</strong>iando os diferentes atributos do uso do espaço para os gêneros de marsupiais e roedores brasileiros.Table II. Studies ev<strong>al</strong>uating different aspects related to space use in different genera of Brazilian marsupi<strong>al</strong>s and rodents.Gênero Área de vida MobilidadeAgregaçãoespaci<strong>al</strong>Área de vidadiáriaIntensidade deuso vertic<strong>al</strong>Estratificação vertic<strong>al</strong>Uso deabrigosSeleção/uso de habitatDidelphimorphiaC<strong>al</strong>uromys 1; 58 37 51 19; 21; 38 3; 24 35; 58Cryptonanus 56Didelphis 1; 34; 40 3; 20; 37; 40; <strong>41</strong> 20; 40; 51 44 48 18; 19; 21; 36; 38; 39 3; 24 15; 23; 25; 27; 31; 47; 56Gracilinanus <strong>12</strong> 21; 39 <strong>12</strong>; 23; 35; 56Lutreolina 16Marmosa 18 25; 35Marmosops 57 21; 36; 38; 39 35; 56M<strong>et</strong>achirus 3; 20; 37; <strong>41</strong> 20; 51 18; 36; 38; 39 3; 49 15; 27; 47Micoureus 29; 30; 45; 58 3; 29; 30; 37; 45; 55 51 55 18; 21; 38; 39 3; 45 35; 56; 58Monodelphis <strong>12</strong> 18 <strong>12</strong>; 23; 35; 56Philander 1; 28; 58 3; 20; <strong>41</strong> 20, 26; 51 21; 36; 39 3 15; 23; 31; 47; 58Thylamys 25RodentiaAkodon 1; 28 <strong>12</strong>; 20; 37 20; 26; 51 39 11; <strong>12</strong>; 14; 23; 31; 50; 56Brucepattersonius 39 56C<strong>al</strong>omys 9 4; 11; 13; 14; 25; 32; 56Cerradomys 9 52 8 38 52 4, 11; 13; 23; 25; 35; 52Clyomys 13Delomys 1 39 50; 56Echimys 3 38 3Euryoryzomys 43 43 53 39 33 56Euryzygomatomys 23Guerlingu<strong>et</strong>us 24Holochilus 23Hylaeamys <strong>12</strong> 18; 38 4; 11; <strong>12</strong>; 32; 35Isothrix 18Juliomys 56Mesomys 18Neacomys 25; 35Necromys 5; 9; 22 <strong>12</strong>; 52 5 52 4; 11; <strong>12</strong>; 14; 17; 23; 32; 35; 52; 56<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


Uso do espaço por pequenos mamíferos617Nelomys 39Nectomys 10; 43 3; 37; 43 51 21; 39 3; 33 10; 11; 23; 25; 31; 32; 35Oecomys <strong>12</strong>; 37 51 18; 39 11; <strong>12</strong>; 13; 25; 32; 35Oligoryzomys 9 <strong>12</strong>; 37 51 8 21; 39 4; 11; <strong>12</strong>; 13; 14; 25; 32; 35; 50; 56Oryzomys 18 3Oxymycterus <strong>12</strong> 39 11; <strong>12</strong>; 14; 17; 32; 35; 56Phylomys 23Proechimys 3; 20 20 18 3 4; 11; 15; 25; 35Pseudoryzomys 4Rhipidomys <strong>12</strong> 18; 38; 39 4; 11; <strong>12</strong>; 23; 32; 35Scapteromys 23Th<strong>al</strong>pomys 11;25Thaptomys 39 56Thrichomys 11; 13; 25; 35Trinomys 39Wilfredomys 391. Davis (1945); 2. Miles (1976); 3. Miles <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1981); 4. Alho (1981); 5. Alho & Souza (1982); 6. Streilen (1982); 7. Di<strong>et</strong>z (1983); 8. Alho & Villela (1984); 9. Alho & Pereira (1985); 10. Ernest & Mares (1986); 11. Mares<strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1986); <strong>12</strong>. Nitikman & Mares (1987); 13. Lacher & Alho (1989); 14. Lacher <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1989); 15. Cerqueira <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1990); 16. Monteiro-Filho & Dias (1990); 17. Henriques & Alho (1991); 18. M<strong>al</strong>colm (1991); 19. Leite <strong>et</strong><strong>al</strong>. (1994); 20. Gentile & Cerqueira (1995); 21. Passamani (1995); 22. Magnusson <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1995); 23. Paglia <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1995); 24. Monteiro-Filho & Marcondes-Machado (1996); 25. Bonvicino & Cerqueira (1996); 26. Fernadez<strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1997); 27. Freitas <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1997); 28. Gentile <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1997); 29. Pires & Fernandez (1999); 30. Pires <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (1999); 31. Gentile & Fernandez (1999); 32. Vieira & Marinho-Filho (1999); 33. Briani <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2001); 34. Cáceres& Monteiro-Filho (2001); 35. Lacher & Alho (2001); 36. Cunha & Vieira (2002); 37. Pires <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2002); 38. Grelle (2003); 39. Vieira & Monteiro-Filho (2003); 40. Cáceres (2003); <strong>41</strong>. Mendel & Vieira (2003); 42. Vieira(2003); 43. Berg<strong>al</strong>lo & Magnusson (2004); 44. Lor<strong>et</strong>to & Vieira (2005); 45. Moraes Júnior & Chiarello (2005a); 46. Moraes Júnior & Chiarello (2005b); 47. Moura <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2005); 48. Cunha & Vieira (2005); 49. Lor<strong>et</strong>to <strong>et</strong> <strong>al</strong>.(2005); 50. D<strong>al</strong>magro & Vieira (2005); 51. Pires <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2005); 52. Vieira <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2005; 53. Berg<strong>al</strong>lo <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2005); 55. Goulart <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2006); 56. Um<strong>et</strong>su & Pardini (2006); Leiner & Silva (2007) ; 58. Lira <strong>et</strong> <strong>al</strong>. (2007).<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


618 <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.Figura 4. Número de estudos de uso do espaço re<strong>al</strong>izados com cada gênero de marsupiais (A) e roedores (B) nos diferentes biomas brasileiros.Figure 4. Number of space use studies conducted with different genera of (A) marsupi<strong>al</strong>s and (B) rodents in the different Brazilian biomes.padrão se deve provavelmente à proximidade aosgrandes centros urbanos e à presença de gruposde pesquisa estabelecidos nesses centros, ligadosprincip<strong>al</strong>mente a universidades com tradição empesquisa. Nos demais biomas brasileiros existempoucos pesquisadores <strong>vol</strong>tados ao estudo de pequenosmamíferos. A escassez de estudos na Amazôniaé especi<strong>al</strong>mente relevante, dada a <strong>al</strong>ta riqueza depequenos mamíferos no bioma (Emmons 1997).Na Caatinga e no Pantan<strong>al</strong> a ausência de estudos émais agravante em termos teóricos, visto que suasfitofisionomias, recursos e condições são bastantepeculiares, podendo gerar novos padrões de uso doespaço por pequenos mamíferos. A distribuição dos<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


620 <strong>Prevedello</strong>, J.A. <strong>et</strong> <strong>al</strong>.influencia dir<strong>et</strong>amente o número amostr<strong>al</strong> obtido pelospesquisadores, que concentram então suas análisesnas espécies mais comuns. Isso é demonstrado pelaconcentração dos estudos nos gêneros Didelphis,Philander, Oligoryzomys e Necromys (Figura 4,Tabela II), os quais são ger<strong>al</strong>mente os mais comunsnas comunidades estudadas (Marinho-Filho <strong>et</strong> <strong>al</strong>.2002, Macedo <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2007). Esse padrão de escolhados grupos limita o conhecimento e pode causardesvios inesperados nos padrões gerados, exigindoassim estudos de longo prazo e com maior esforçoamostr<strong>al</strong> (ex. <strong>Prevedello</strong> <strong>et</strong> <strong>al</strong>. <strong>2008</strong>).Atributos ecológicos abordadosOs dois conceitos mais estudados, seleção/uso dohabitat e área de vida, são antigos e têm longa tradiçãona Ecologia Anim<strong>al</strong> (Lima & Zollner 1996, Garshelis2000). Por outro lado, a estratificação vertic<strong>al</strong>,intensidade de uso vertic<strong>al</strong> e área de vida diária forampouco estudados por serem conceitos recentes. Até oinício da década de 1990, 80% dos estudos av<strong>al</strong>iaramárea de vida ou seleção de habitat, enquanto apenasum (Alho & Villela 1984) av<strong>al</strong>iou intensidade de usovertic<strong>al</strong> e nenhum av<strong>al</strong>iou estratificação vertic<strong>al</strong> ouárea de vida diária. Os estudos sobre a estratificaçãovertic<strong>al</strong> no <strong>Bras</strong>il começaram com o estudo pioneirode M<strong>al</strong>colm (1991), que mostrou que diversasespécies são capturadas apenas ou princip<strong>al</strong>mentenos estratos superiores da mata, o que gerou umanova abordagem no estudo de pequenos mamíferosno <strong>Bras</strong>il. Os estudos de área de vida diária são umaabordagem ainda mais recente , ligados à utilizaçãode carr<strong>et</strong>éis de rastreamento (Lor<strong>et</strong>to & Vieira 2005).É possível notar diferenças de enfoque entre osbiomas nos atributos ecológicos estudados. O uso/seleção de habitat, por exemplo, recebeu atençãoprincip<strong>al</strong>mente no Cerrado. Cinqüenta por cento dosestudos sobre seleção de habitat foram conduzidos noCerrado, enquanto apenas 26% dos estudos em ger<strong>al</strong>foram desen<strong>vol</strong>vidos no bioma. Isso se deve à conspícuah<strong>et</strong>erogeneidade estrutur<strong>al</strong> do Cerrado, que apresentaum mosaico de fitofisionomias variando de formaçõesabertas e de savana até formações florestais (Rizzini1979, Oliveira-Filho & Ratter 2002). Em relação àárea de vida, apenas três estudos foram re<strong>al</strong>izadosno Cerrado, o que refl<strong>et</strong>e um enfoque maior no uso/seleção do habitat nas diferentes fitofisionomias dobioma, demandando novos estudos sobre o tema. Poroutro lado, os estudos de estratificação vertic<strong>al</strong> ficaramrestritos aos biomas Mata Atlântica e Amazônia, emfunção da maior complexidade daqueles biomas.Seria interessante estudar a estratificação vertic<strong>al</strong>nos ambientes florestados do Cerrado, comparandoa estrutura das comunidades com as da Amazônia eMata Atlântica.Pouquíssimos estudos av<strong>al</strong>iaram de <strong>al</strong>guma formao uso vertic<strong>al</strong> do espaço. Isso se deve em parte àsdificuldades de acesso aos estratos superiores damata, limitação superada recentemente com o usode plataformas suspensas (M<strong>al</strong>colm 1991, Vieira& Monteiro-Filho 2003), carr<strong>et</strong>éis de rastreamento(Cunha & Vieira 2002) e ninhos artificiais (Lor<strong>et</strong>to2005, <strong>Prevedello</strong> <strong>et</strong> <strong>al</strong>. <strong>2008</strong>). Essa limitaçãoé especi<strong>al</strong>mente relevante no caso dos estudosconduzidos na Mata Atlântica e Amazônia, dada amarcada estratificação veg<strong>et</strong>acion<strong>al</strong> nesses biomas.Visto que a maioria dos marsupiais brasileiros e váriasespécies de roedores são arborícolas ou escansoriais(Fonseca <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 1996), é fundament<strong>al</strong> que novosestudos av<strong>al</strong>iem o espaço de forma tridimension<strong>al</strong>(ex. Meserve 1977, Grelle 1996).Técnicas utilizadasA técnica de CMR utilizando armadilhas foi aprincip<strong>al</strong> ferramenta para o estudo do uso do espaço,apesar de suas limitações. A maioria dos estudospopulacionais de pequenos mamíferos utiliza CMRem armadilhas dispostas em grades, gerando dadosque são utilizados secundariamente para av<strong>al</strong>iaro uso do espaço. Apesar de ser aplicável ao estudode vários atributos do uso do espaço, o método temrecebido críticas devido à atratividade das iscas epor não amostrar grande parte da movimentaçãodos animais (Cunha & Vieira 2002). Além disso,como o delineamento dos estudos de CMR visaestimar parâm<strong>et</strong>ros populacionais, a av<strong>al</strong>iação douso do espaço fica limitada pelo tamanho em ger<strong>al</strong>insuficiente das grades de armadilha ou transeções.Outra desvantagem do método é não av<strong>al</strong>iar o uso deabrigos e ninhos. Apesar dessas limitações, a técnicacontinuará sendo amplamente utilizada, eventu<strong>al</strong>menteem conjunto com métodos mais modernos.A técnica do carr<strong>et</strong>el de rastreamento foi a segundamais utilizada com 82% dos estudos re<strong>al</strong>izados nos<strong>Oecol</strong>. <strong>Bras</strong>., <strong>12</strong> (4): 610-625, <strong>2008</strong>


Uso do espaço por pequenos mamíferos621últimos s<strong>et</strong>e anos (revisão em Delciellos <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2006).Este método traz diversas vantagens ao estudo ecológicode pequenos mamíferos, em especi<strong>al</strong> em relação ao usode abrigos (ex. Briani <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2003), seleção de habitat(Moura <strong>et</strong> <strong>al</strong>. 2005) e estratificação vertic<strong>al</strong> das espécies(Cunha & Vieira 2002). A técnica permite <strong>al</strong>ta resoluçãoespaci<strong>al</strong> e d<strong>et</strong><strong>al</strong>hamento dos movimentos, mas tem adesvantagem de amostrar o uso do espaço somente emcurtas esc<strong>al</strong>as espaço-temporais. A rádio-telem<strong>et</strong>ria foitambém utilizada apenas recentemente e em somentequatro estudos, apesar de permitir o estudo d<strong>et</strong><strong>al</strong>hadode quase todos os atributos de uso do espaço (Jacob &Rudran 2003). O <strong>al</strong>to custo e o grande esforço de campoparecem ser suas principais desvantagens. A técnica deninhos artificiais, que potenci<strong>al</strong>mente oferece vantagensao estudo comportament<strong>al</strong> e demográfico de mamíferosarborícolas (Lor<strong>et</strong>to 2005), teve apenas um estudopublicado até 2007 (Monteiro-Filho & Marcondes-Machado 1996). Por fim, a observação dir<strong>et</strong>a é poucoadequada ao estudo do uso do espaço por pequenosmamíferos, devido aos hábitos predominantementecrípticos dos animais.Considerações finaisO conhecimento atu<strong>al</strong> sobre o uso do espaço porpequenos mamíferos brasileiros é limitado devidoà amostragem assimétrica dos biomas e gruposestudados, <strong>al</strong>ém dos atributos abordados e técnicasutilizadas. Quatro dos seis biomas brasileiros(Amazônia, Caatinga, Campos Sulinos e Pantan<strong>al</strong>)apresentam grande escassez de informações. Novastécnicas, diferentes das tradicionais armadilhas decaptura, devem ser utilizadas como ferramentas emestudos delineados especificamente para av<strong>al</strong>iar ouso do espaço. Especi<strong>al</strong> atenção deve ser dada ao usovertic<strong>al</strong> do espaço em biomas florestais como a MataAtlântica e a Amazônia e em formações florestais doCerrado e Caatinga.Acreditamos que o <strong>Bras</strong>il pode contribuir paraimportantes avanços teóricos na área. A <strong>al</strong>ta riquezade espécies, <strong>al</strong>iada à grande variedade de ecossistemasque possui, coloca o país como potenci<strong>al</strong> geradorde novos modelos e teorias relacionadas ao tema.Além disso, a <strong>al</strong>ta complexidade estrutur<strong>al</strong> dasflorestas brasileiras pode trazer novas abordagensao entendimento tridimension<strong>al</strong> da ecologia demamíferos tropicais.AGRADECIMENTOS: À Paula Ferreira (UFRJ) e dois revisoresanônimos pelas críticas e sugestões ao manuscrito. Aos colegas doLaboratório de Vertebrados/ UFRJ pelas diversas discussões queenriqueceram o estudo. O Conselho Nacion<strong>al</strong> de Desen<strong>vol</strong>vimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamentode Pesso<strong>al</strong> de Nível Superior (CAPES) forneceram financiamento combolsas de mestrado e doutorado.REFERÊNCIASALHO, C.J.R. 1981. 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Uso do espaço por pequenos mamíferos623stratification of sm<strong>al</strong>l mamm<strong>al</strong>s in a secondary AtlanticForest, Southeastern Brazil. Studies on Neotropic<strong>al</strong> Faunaand Environment, 35: 1-9.HENRIQUES, R.P.B. & ALHO, C.J.R. 1991. Microhabitatselection by two rodent species in the Cerrado of Centr<strong>al</strong>Brazil. Mamm<strong>al</strong>ia, 55: 49-56.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.2004. Mapa de biomas do <strong>Bras</strong>il: Primeira aproximação..Acesso em 30/06/<strong>2008</strong>.JACOB, A.A. & RUDRAN, R. 2003. Radiotelem<strong>et</strong>ria em estudospopulacionais. Pp 285-3<strong>41</strong>. In: L. Cullen Jr., R. Rudran & C.V<strong>al</strong>ladares-Padua (eds). Métodos de Estudos em Biologia daConservação e Manejo da Vida Silvestre. Editora da UFPR &Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. Curitiba. 667p.KOEPPL, J.M.; SLADE, N.A.; HARRIS, K.S. & HOFFMANN,R.S. 1977. 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