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O Espiritismo e os problemas Humanos - Deolindo ... - ViaSantos

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ém, interferir no livre-arb 'tr·o ·ilum inando as veredas do d"scernimento,e, introduzindo a perclaraCodificação Kardeq,.(a.,ana vida e no coração do prezadOleitor.Não se espere, então na ao•eciaçãodesta obra, novidade e r-evelações,radicalism<strong>os</strong> e ; sõesm ísticas que somente sat"sfazer'laqueles que adormerecerar-> 'lOSbraç<strong>os</strong> da ignorância e das · usõestransitórias. Antes, oom ca ma ecoração aberto, saboreie as ponderaçõesde inequívoco otim ·smoe raciona lidade, que honram asua inteligência.Evidentemente, não se constitui na " última palavra", mas, in ­dubitavelmente, este livro abrecampo para o debate despretenci<strong>os</strong>oe aberto sobre a vida de relaçãoque se desdobra em to rnode nós.·JOÃO OTÁVIO VEIGA RODR1GI.jES(Campinas, setembro de 1985)


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseO ESPIRITISMO E OS PROBLEMASHUMANOS


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseDEOLINDO AMORIMO ESPIRITISMO E OS PROBLEMASHUMANOS(Obra concluída com a colaboração deHernúnio C. Miranda)tf.s.E.UNIÃO DAS SOCIEDADES ESPÍRITAS DO ESTADO DE SÃO PAULODepartamento do LivroRua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 685 - Itaim Bibi - CEP 04542São paulo ~ SP • Brasil


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense1" ediçãoDo 1" ao 5" milheiroCapa de NedyrArte-final da capa: TomFicha CataJogrâfica133.9 Amorim, <strong>Deolindo</strong>A 524E O espiritismo e <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>,por <strong>Deolindo</strong> Amorim e Hermínio C. Miranda. SãoPaulo, U.S.E. 1985.L62 p. 21 cm.<strong>Espiritismo</strong>Miranda, Hermínio C.colab.catalogação na fonteBiblioteca Pública Minicipal -"Prof. Ernesto Manoel Zink"Campinas - SPCopyflght 1985 byUNIAO DAS SOCIEDADES ESPÍRITAS DO ESTADO DESÃO PAULOrua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 685 ~ Itaim Bibi04542 - São Paulo - SP - BrasilCGC 43.305.762/0001-09Direit<strong>os</strong> autorais cedid<strong>os</strong> gratuitamenteao Departamento do Livro da USEImpresso no BrasilPresita en Brazilo


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseÍNDICEPalavras da Editora ............................................................... TPrimeira Parte - DEOLINDO AMORIMNota preliminar ................................................................... IIIDefinição e opção ............................................................... VIITransição inevitável ............................................................ XVI - Reflex<strong>os</strong> da II Guerra ......................................................... 25II - Entre Deus e César ........................................................... 35III - O aborto à Luz da Doutrina Espírita .................................... 45IV - O Estado e as obras sociais ............................................... 55V - Reencarnação e desigualdades ............................................ 61VI - Conceito de Socialismo .................................................... 71VII- Considerações sobre <strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivismo .................... 81VIII- A máquina e a fé .......................................................... 101IX- A ordem econômica e a ordem moral .................................. 113Segunda Parte- HERMINIO C. MIRANDAParêntese para uma explicação ............................................... 125X- Educação- o aprendizado da vida ....................................... 129XI- A família como instrumento de redenção espiritual ................ 147XII - Visão dualista do problema da sexualidade ......................... 163XIII- Drogas, o trágico mecanismo da fuga ............................... 185


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensePALAVRAS DA EDITORAA condição de insegurança interior e confusão de valores éticomoraisque têm envolvido o Homem n<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> que vivem<strong>os</strong> preocupa,sobremaneira, líderes e govern<strong>os</strong>.Recurs<strong>os</strong> são direcionad<strong>os</strong>, das mais diversas origens, para asolução desses <strong>problemas</strong>. Algumas vezes mecanism<strong>os</strong> repressiv<strong>os</strong> sãoacionad<strong>os</strong>; em outras oportunidades críticas são desfechadas sobre <strong>os</strong>protagonistas ou promotores d<strong>os</strong> dramas que se desenrolam no cenáriohumano. No entanto, acima d<strong>os</strong> crític<strong>os</strong> contumazes e da sumáriarepressão, ao lado d<strong>os</strong> indiferentes e contemporizadores, <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>human<strong>os</strong> parecem desafiar as instituições expandindo-se ilimitadamente,aliciando e comprometendo impunemente: miséria, aborto, hom<strong>os</strong>sexualismo,o menor infrator, marginalização social, corrupção, etc.O Homem, quando distanciado das bases religi<strong>os</strong>as, vê-se aturdidocm face da problemática sócio-moral da atualidade, fugindo para a-I-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensearidez das perquirições de teses sociológicas e científicas, divorciadasde Jesus. Chamado a p<strong>os</strong>icionar-se, enfileira-se entre <strong>os</strong> apátic<strong>os</strong>, ouno meio d<strong>os</strong> descontentes, senão revoltad<strong>os</strong>, para criticar a educaçãorepressiva d<strong>os</strong> avós e a edução libertária d<strong>os</strong> pais, reclamando dasfalhas d<strong>os</strong> programas oficiais e atacando a falta de adequado preparotécnico d<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> human<strong>os</strong> das instituições religi<strong>os</strong>as. Outr<strong>os</strong> preferemnegar a problemática que se desenvolve, irrefreável, por tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>cant<strong>os</strong>, acomodando-se em suas tarefas e "obrigações religi<strong>os</strong>as".Atuante, na sociedade que sofre e evolve, a União das SociedadesEspíritas do Estado de São Paulo inicia-se, através de seu Departamentodo Livro, na área editorial, utilizando-se do Livro Espírita comorecurso maior em socorrer o Homem, desnorteado, curvado ao peso daangústia e da ansiedade ...Esse primeiro passo é realizado de mã<strong>os</strong> dadas a <strong>Deolindo</strong>Amorim - que, ainda, reencarnado, n<strong>os</strong> cedeu <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> autorais daobra sob análise- e a Hermínio C. Miranda- que finalizou a obra-,o que n<strong>os</strong> honra sobremaneira. Seus escrit<strong>os</strong> levam o leitor a adentrar<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> seren<strong>os</strong> da "Fé Raciocinada", tomando maior intimidadecom a CodificaçÇao Kardequiana, e, portanto, encontrando a próprialibertação! Não é outro n<strong>os</strong>so desejo e ideal.A U.S.E. espera, assim, que esta colaboração para a paz entre <strong>os</strong>homens seja mais uma tentativa de esclarecimento e trabalho, queestimule o surgimento de novas colaborações, pois que tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>esforç<strong>os</strong> nesse sentido serão pequen<strong>os</strong>, escass<strong>os</strong>.Aprendam<strong>os</strong>, pois - desvestid<strong>os</strong> de preconceit<strong>os</strong> e com a almaagasalhada de humildade - com <strong>Deolindo</strong> Amorim e Hermínio C.Miranda - a analisar, racionalmente, <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>, onden<strong>os</strong> estam<strong>os</strong> encontrando - com eles - a chave para a solução dessasquestões. Reencontram<strong>os</strong>, com <strong>os</strong> autores, a granítica construção deAllan Kardec, sempre inabalável e esclarecedora, lumin<strong>os</strong>a e racional!Edições USE-II-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensePRIMEIRA PARTE -DEOLINDO AMORIM


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseNOTA PRELIMINAREste livro não tem pretensões de originalidade.Os assunt<strong>os</strong> nele exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> oudiscutid<strong>os</strong> já foram objeto de palestras e artig<strong>os</strong>. em circunstânciasdiversas, naturalmente com argument<strong>os</strong> adequad<strong>os</strong> às motivações decada momento. Alguns companheir<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong>, por sua vez, também jáse ocuparam de cert<strong>os</strong> temas, aqui ventilad<strong>os</strong>, o que vem provar, assimn<strong>os</strong> parece, que há, no conjunto, um sentido de convergência eoportunidade em relação a determinadas contingênc.ias da vida presenteem face da Doutrina Espírita. Não pretendem<strong>os</strong>, portanto, descobrirou revelar "coisas novas", mas apenas fixar uma perspectiva que n<strong>os</strong>permita encarar seriamente a situação da Doutrina perante o mundoatual, com as suas transformações constantes, quer na ordem social,quer na ordem científica e na ordem moral. Os artig<strong>os</strong> de jornais erevistas geralmente se perdem com o tempo, ao passo que o livro-III-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepermanece, ainda que não seja lido .. , O que se diz em palestras ediscurs<strong>os</strong>, ou através de artig<strong>os</strong>, fica muito disperso e, além disto, nãotem o necessãrio encadeamento, não tem unidade finalmente. O livrodá margem muito mais ampla para o exame sereno de umas tantasteses, que não devem ser diluídas em comentári<strong>os</strong> avuls<strong>os</strong>.Os artig<strong>os</strong> doutrinári<strong>os</strong> têm o seu mérito, é indiscutível. Justamentepor isso, sempre dissem<strong>os</strong> e repetim<strong>os</strong> que o movimento espíritaprecisa de uma imprensa doutrinária cada vez mais eficiente, maisdefinida perante o verdadeiro pensamento da Codificação. Acontece,no entanto, que muit<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> de colaboração jornalística, e trabalh<strong>os</strong>vali<strong>os</strong><strong>os</strong> em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>, são destruíd<strong>os</strong> com <strong>os</strong> própri<strong>os</strong>jornais quando vão para <strong>os</strong> encalhes e, depois, são vendid<strong>os</strong> a peso,como papel de embrulho. Vem, a propósito, o que n<strong>os</strong> disse, ainda hápouco, ilustre ensaísta brasileiro, um crítico literário de autoridade naimprensa carioca, um homem que escrevia pontualmente em suplement<strong>os</strong>literári<strong>os</strong> e, agora, resolveu não escrever mais "a<strong>os</strong> pedaç<strong>os</strong>",a fim de não !racionar as suas idéias em recortes de jornais. Perguntam<strong>os</strong>-lhe,com surpresa, porque tomara tal resolução, e ele n<strong>os</strong> explicou:é melhor dedicar o tempo à elaboração de livr<strong>os</strong>, porque o livronão se perde, mas o jornal desaparece logo depois, e a gente fica!ementando o esforço inútil... É um modo de ver. Realmente, <strong>os</strong>jornais têm um destino bem medíocre, depois de lid<strong>os</strong>: quando nãodescem para o forno de lixo, vão parar nas quitandas ou nas barracasde feiras, embrulhando cenoura, tomate e batatas. Lá se vão, assim,muit<strong>os</strong> artig<strong>os</strong> brilhantes, muit<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> que custaram horas e horasde meditação e consulta a bibliotecas; ensai<strong>os</strong> de valor, escrit<strong>os</strong> comseriedade e sacrifício, desparecem de um instante para outro, impied<strong>os</strong>amenterasgad<strong>os</strong> com as folhas de jornais, n<strong>os</strong> embrulh<strong>os</strong> de carneverde, legumes etc. E o pior, ainda, é quando o próprio autor vê o seuartigo, como simples pedaço de papel, n<strong>os</strong> pacotes do açougue. É oque não podem<strong>os</strong> evitar. Tinha razão, por isso mesmo, um escritoracadêmico/patrício,quando dizia que o livro está sempre de pé nat·stante, enquanto o jornal leva sumiço facilmente, assim que se fazyualquer arrumação em casa. Principalmente hoje, com a vida emapartament<strong>os</strong>, vivendo-se em crise de espaço, é imp<strong>os</strong>sível guardarjornais por muito tempo. Até mesmo coleções de revistas, e boasrevistas, já não podem ser conservadas em casa, porque não há lugar ...Fé o fim melancólico de muit<strong>os</strong> artig<strong>os</strong>. vali<strong>os</strong><strong>os</strong>.Quem escreve na imprensa espírita, se é realmente idealista, não\t.• preocupa com o destino de seus trabalh<strong>os</strong>, porque escreve para ser útil,


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseou distribuindo palavras de conforto, não sabe a quem, mas fica com aconsciência tranqüila, porque está fazendo um esforço bem intencionado,ainda que nem sempre seja compreendido. Embora saibam<strong>os</strong> doque se passa com <strong>os</strong> jornais, quando envelhecem, nunca devem<strong>os</strong> faltarcom a n<strong>os</strong>sa colaboração, pois é um compromisso, que assumim<strong>os</strong>espontaneamente. Se, de fato, muita gente rasga <strong>os</strong> jornais assim quetermina a leitura. ou <strong>os</strong> põe fora, também é certo que outras pessoasrecortam e guardam <strong>os</strong> artig<strong>os</strong> que lhes interessam. O jornal instrui,educa e leva expressões de consolo e caridade a muit<strong>os</strong> lares. Se,porém, há jornais que muitas vêzes são instrument<strong>os</strong> de confusão, oproblema não é da imprensa, é de quem escreve, é de responsabilidadepessoal E cada qual responde, cedo ou tarde, pelo uso que vem a fazerda inteligência ou d<strong>os</strong> talent<strong>os</strong>, na frase do Evangelho. Seja como for,a doutrinação através de jornais e revistas é sempre útil e cada vezmais necess'aria.- Sempre que p<strong>os</strong>sível, porém, é melhor enfeixar, em livro,muit<strong>os</strong> artig<strong>os</strong> que guardam entre si um nexo de continuidade econcordância, para que não corram <strong>os</strong> risc<strong>os</strong> da dispersâo e d<strong>os</strong>extravi<strong>os</strong>. Em n<strong>os</strong>so caso - convém frisar logo - não estam<strong>os</strong>reunindo artig<strong>os</strong> já publicad<strong>os</strong>~ mas o n<strong>os</strong>so intuito, neste livro, éapenas refundir e ordenar idéias que já ventilam<strong>os</strong> algumas vezes e,agora, mais do que nunca, devem ser p<strong>os</strong>tas em foco, por causa dasinterpelações que n<strong>os</strong> fazem constantemente, a propósito de cert<strong>os</strong>fenõmen<strong>os</strong> da atualidade. Estará a Doutrina Espírita com suficienteaparelhamento conceituai para uma análise da conjuntura histórica esocial do mundo? Terá ela, ainda hoje, element<strong>os</strong> de elucidação paraum diálogo sério com a crítica moderna? Estarão <strong>os</strong> seus princípi<strong>os</strong>superad<strong>os</strong> com as novas descobertas científicas? Com estas questões~que não podem deixar de entrar em n<strong>os</strong>sas cogitações, porque <strong>os</strong><strong>problemas</strong> existem, estão aí, com eles n<strong>os</strong> defrontam<strong>os</strong> a todo momento,o que desejam<strong>os</strong> é, naturalmente, formular um convite, para quepensem<strong>os</strong> em conjunto, procurando auscultar e sentir em profundidadeo autêntico espírito da Doutrina. Com esta declaração introdutória,crem<strong>os</strong> que já explicam<strong>os</strong> bem o n<strong>os</strong>so objetivo.-V-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseDEFINIÇÃO E OPÇÃOQuando escrevem<strong>os</strong> "O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong>Problemas Human<strong>os</strong>" (Edições "MundoEspírita"), em 1948, o mundo de "após guerra" já estava, como se'abe, vivendo um ciclo de transformações muito sensíveis, notadamentenas estruturas políticas e nas adaptações tecnológicas. A experiênciaampliou-se muito e, por isso mesmo. no decorrer destes vinteun<strong>os</strong> já se deram fat<strong>os</strong> nov<strong>os</strong>, exigindo a reconsideração de uns tant<strong>os</strong><strong>problemas</strong>, à luz de outr<strong>os</strong> element<strong>os</strong> de observação e crítica. Emboraus ideias capitais do livro não tenham sofrido a menor alteração,porque não vem<strong>os</strong> motivo para modificá-las, entendem<strong>os</strong> que a repeti­'''"


forbidden. If in doubt, contact Carmen Daigle. During the sale of graduate rings, a member of the associationmust be present at the ki<strong>os</strong>k.Allocation policy at the beginning of the termDuring the first two weeks after the beginning of the fall and winter classes, ki<strong>os</strong>ks may be reserved for amaximum of two and a half consecutive days a week:• Monday, Tuesday and Wednesday, until noon; or• Wednesday as of noon, Thursday and Friday.Applications will be handled on a first‐come, first‐served basis.After mid‐September and mid‐January, ki<strong>os</strong>ks may be reserved for longer periods.Reserving roomsBecause of high demand, it is strongly recommended that you submit your room reservation requests as soonas p<strong>os</strong>sible. Any request submitted less than five working days before the planned activity can be refused.Student associations, committees and interest groups may reserve different rooms for their activities:• the L’Oréal and National rooms;• the school’s meeting and reception rooms, i.e. the IBM Amphitheatre, the SGF room, the TataCommunications Room, the Hydro‐Québec Atrium (alcove side), the Esdras‐Minville room, theÉdouard‐Montpetit room and the Deloitte room;• classrooms;• Le Cercle HEC (restaurant on the sixth floor), depending on the activity and the availability of otherrooms.No reservations may be made for common spaces, e.g., the north or south lobby or the ground floor near theHEC Montréal Co‐op in the Côte‐Ste‐Catherine building.No reservations may be made for the cafeteria in the Decelles building, since the cafeteria must be in operationat all times and it is difficult to remove and store its furniture. The School makes an exception, however, fortwo activities: the beginning‐of‐fall‐term party, and the end‐of‐the‐year party for undergraduates.Procedure for reserving student lounges (L’Oréal and National rooms) and meeting roomsAn online reservation form is available on the School website : http://questionnaires.se‐hec.reservationsalles.ebb.com/.If the activity involves alcohol consumption, the form will also be sent to Security Services, so that it canapprove the planned length of the alcohol consumption period and determine the number of security agentsnecessary.Procedure for reserving a classroomThe requester fills out the electronic form available on the School website(http://neumann.hec.ca/sae2/salles/salles.html) . A response will be sent by e‐mail.15


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseconceit<strong>os</strong> e na hierarquia de valores, trazendo outr<strong>os</strong> critéri<strong>os</strong> deavaliação. Não podem<strong>os</strong> deixar de pensar muito nessa situação, que éuma situação de fato, pois a problemática do momento exige definiçãoe opção: ou n<strong>os</strong> definim<strong>os</strong> pela validade da Doutrina, se ela realmentenão está superada pel<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, ou terem<strong>os</strong> de optar por outrasolução, tomando roteiro diferente. É uma alternativa indisfarçável,porque precisam<strong>os</strong> saber, conscientemente, onde devem<strong>os</strong> ficar oupara onde devem<strong>os</strong> ir. A Doutrina tem recurs<strong>os</strong> inesgotáveis, mas énecessário saber como descobrir e aplicar esses recurs<strong>os</strong> em face dasmotivações que vão surgindo.Em tudo por tudo, a Doutrina Espírita m<strong>os</strong>tra sempre o equilíbrio,o bom-senso, nunca o radicalismo nem -a precipitação. Isto nãoquer dizer que a Doutrina seja omissa ou obscura em relação a<strong>os</strong><strong>problemas</strong> da sociedade humana. O que acontece, entretanto, é que aDoutrina tem uma "contextura de princípi<strong>os</strong>", como tem as suasconcepções, <strong>os</strong> seus conceit<strong>os</strong>, não podendo, portanto, adaptar-se aqualquer sistema de idéias, cujo caráter esteja em contradição com asua fil<strong>os</strong>ofia, ainda que haja coincidência de ponto-de-vista neste ounaquele ângulo. Uma relação meramente circunstancial não é suficientepara confundir ou identificar doutrinas que se diferenciam n<strong>os</strong>aspect<strong>os</strong> essenciais. O <strong>Espiritismo</strong> pode projetar, como vem projetando,muita luz de esclarecimento sobre vári<strong>os</strong> ram<strong>os</strong> da cultura científica,fil<strong>os</strong>ófica e religi<strong>os</strong>a, tanto quanto pode e deve influir ativamentena remoção e extirpação de muit<strong>os</strong> males sociais, decorrentes daincúria, do egoísmo, do relaxamento de c<strong>os</strong>tumes.O <strong>Espiritismo</strong> não é uma doutrina fatalista: se existem dificuldadesinsuperáveis, porque se prendem a vinculações bem dolor<strong>os</strong>as como passado de outras etapas da vida, também existem <strong>problemas</strong> quecorrem por conta da falta de solidariedade ou da frieza de muit<strong>os</strong>corações, que ainda não aprenderam a palpitar nas expansões de amorao próximo. Tudo isto é ensino da Doutrina Espírita. E o próximo é <strong>os</strong>er humano, não é apenas o n<strong>os</strong>so irmão consangüíneo, o n<strong>os</strong>so amigo,o n<strong>os</strong>so correligionário de crença ou de partido político. Se a Doutrinaé assim, se ela n<strong>os</strong> predispõe ao trabalho de ajuda moral e material,sem qualquer discriminação, está bem visto que também se interessapelo mundo, pelo homem e pelas suas condições terrenas. É verdadeque a Doutrina se preocupa, acima de tudo, com o lado espiritual davida, mas nem por isso devem<strong>os</strong> desconhecer as omissões da sociedade,que é culpada de muit<strong>os</strong> dramas e conflit<strong>os</strong> por causa de suaindiferença diante de injustiças de toda ordem. E a sociedade som<strong>os</strong>tod<strong>os</strong> nós, logo, também n<strong>os</strong> cabe uma parte de responsabilidade. Se a-X-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseDoutrina Espírita abrange <strong>os</strong> dois aspect<strong>os</strong> da vida - o material e oespiritual - situando as necessidades e <strong>os</strong> valores n<strong>os</strong> plan<strong>os</strong> que lhessão correspondentes, logicamente não pode adotar soluções unilateraisnem assumir p<strong>os</strong>ições dogmáticas. Nem a solução materialista, que seatém apenas ao estado presente, nem a solução providencialista, quetransfere <strong>os</strong> deveres pessoais para a onipotêncía divina_. Se é um erro, eerro aberrante, desprezar o espírito e concentrar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> ideais dohomem no círculo restrito das realizações exclusivamente temporais,também é um erro, e d<strong>os</strong> mais inconseqüentes, men<strong>os</strong>prezar o mundo aque se pertence para ficar na pura contemplação do espírito, fugindo àsleis da natureza.Conquanto admitam<strong>os</strong> como certa e necessária a precedência doespírito sobre a matéria, segundo a Doutrina Espírita, não podem<strong>os</strong>cair no exagero e na incoerência de querer instituir um tipo de vidainteiramente à parte, como se estivéssem<strong>os</strong> vivendo em dimensõesestranhas. A Doutrina Espírita não n<strong>os</strong> induz a pender para qualquertendência ortodoxa ou obstinada: nem o irrealismo d<strong>os</strong> ascetas, nem oegocentrismo d<strong>os</strong> que vivem somente para a realidade momentânea eu tilitáría.O <strong>Espiritismo</strong> é, para nós, uma fil<strong>os</strong>ofia de vida, não é simplesmenteuma crença. Como fil<strong>os</strong>ofia, tem as suas afirmações fundamentais,aceita cert<strong>os</strong> p<strong>os</strong>tulad<strong>os</strong> e, por isso, estabelece diretrizes deorientação para as diversas circunstâncias com que n<strong>os</strong> defrontam<strong>os</strong>.Tem a Doutrina Espírita, portanto, uma sistematização própria. Se tema sua sistematização formando uma estrutura de princípi<strong>os</strong> e previsõesconcordantes com as suas premissas, evidentemente não pode deixarJe ter uma linha de ação no mundo. É uma participação ativa, masnaturalmente ajustada a uma ordem de pensament<strong>os</strong> diferente deoutras doutrinas, políticas, religi<strong>os</strong>as ou fil<strong>os</strong>óficas. A Doutrina Espíritanão se entr<strong>os</strong>a com o esquema comunista, do mesmo modo que nã<strong>os</strong>e conformaria a qualquer doutrina distoante de suas prop<strong>os</strong>içõeshúsicas. O fato de haver um terreno amplo, no qual se conjugam,inevitavelmente, <strong>os</strong> esforç<strong>os</strong> de todas as procedências ideológicas nocombate às falhas mais sensíveis da comp<strong>os</strong>ição social, que são falhas~ritantes, estão à vista de tod<strong>os</strong>, e ninguém poderia fechar <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> a<strong>os</strong><strong>problemas</strong> concret<strong>os</strong>, não anula <strong>os</strong> traç<strong>os</strong> diferenciais do <strong>Espiritismo</strong>,como Doutrina de construção global. É uma Doutrina de grandeconteúdo humano; não aprova, de forma alguma, o desinteresse peranteas necessidades pessoais e sociais; não sanciona qualquer atitudealicnatória ou recolhimento sistemático para evitar contacto com <strong>os</strong>que sofrem ou estão esntagad<strong>os</strong> pela injustiça; e se assim f<strong>os</strong>se, estaria-XI-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseem contrap<strong>os</strong>ição ao próprio Cristo, que nunca se omitiu nem desertoude sua missão, mas é uma Doutrina que tem a sua maneira peculiar deinterpretar <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> do mundo e, por isso, não pode acompanhartod<strong>os</strong> <strong>os</strong> process<strong>os</strong> prop<strong>os</strong>t<strong>os</strong> e admitid<strong>os</strong> nas competições sóciopolíticas.O problema não é somente de técnicas nem de situações históricas,é de concepção total, porque a Doutrina Espírita não vê apenas arealidade objetiva ou exterior, mas também o mundo interior dohomem, e esse mundo íntimo não é uma figura de ficção, é um campode experiências. Sem se descuidar d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> sociais, cuja densidadeestá acelerando cada vez mais o n<strong>os</strong>so ritmo de vida, a DoutrinaEspírita, apesar disto, leva muito em conta <strong>os</strong> condicionament<strong>os</strong> e <strong>os</strong>fatores subjetiv<strong>os</strong>, porque não pode relegar, em hipótese alguma, omelhoramento do homem pela reforma moral. embora <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>sejam muito particulares, variando de caso em caso. É um d<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong>intrínsec<strong>os</strong> do <strong>Espiritismo</strong>, pois a sua noção de tempo, nesteponto, não se limita à existência presente, uma vez que, segundo a suafil<strong>os</strong>ofia, a vida se configura em term<strong>os</strong> de continuidade. através dareencarnação.Não é da índole da Doutrina fazer profecias nem lhe competemuito men<strong>os</strong> apresentar um modelo ideal de regime político. porquenão é este, na realidade, o seu campo de perquirição. Todavia, partindode induções perfeitamente compreensíveis, porque nada tem defantasi<strong>os</strong>as, a Doutrina preconiza uma aristocracia intelecto-moral,isto é, uma sociedade em que devam prevalecer ao me~mo tempo acompetência e a honestidade. Não é uma forma de governo, não é umprograma específico, mas um estágio de adiantamento pelo processode seleçâo, escolhendo <strong>os</strong> mais capazes e mais idône<strong>os</strong>, moralmentefalando. O fator tempo há de ter, aí, necessariamente, a sua parterelevante.Não se deve pensar que a Doutrina esteja, com isto aconselhandoprocediment<strong>os</strong> aleatóri<strong>os</strong> ou retardando a interferência imediata n<strong>os</strong><strong>problemas</strong> inadiáveis. Não. Neste particular, a Doutrina Espírita émuito mais realista do que se p<strong>os</strong>sa pensar. O fato de prever a escolhade valores n<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> dirigentes, o que não é a mesma coisa que pensarna formação de elites sofisticadas, não n<strong>os</strong> leva a ficar esperando ofuturo com displicência, mas, pelo contrário, a noção de responsabilidadepara com o próximo, e já é uma decorrência da própria DoutrinaEspírita, predispõe ainda mais ao trabalho e à solidariedade, a fim deque tenham<strong>os</strong> "oportunidades de serviço", auxiliando a transformaçãoda sociedade para melhores condições de vida. Se não houver-XII-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedisp<strong>os</strong>ição para servir, e o verbo servir deve ter, para <strong>os</strong> espíritas, umsentido muito mais extenso do que no entendimento comum; se nãohouver ação prática, inspirada no amor humano, que não é o amorsimplesmente romântico; se cada qual quiser distanciar-se tranqüilamente,à espera de um ''reino encantado'', que nunca chega, o mundoficará sempre na estagnação e jamais sairem<strong>os</strong> do círculo vici<strong>os</strong>o:esperar, para ver como vai ficar ...O <strong>Espiritismo</strong> é uma doutrina profundamente humanitária edinâmica. Não podem<strong>os</strong>, portanto, perder o senso da realidade. O quenão é p<strong>os</strong>sível, porém, é mudar o caráter da Doutrina. Se é verdadeque o <strong>Espiritismo</strong> não é uma doutrina de conformismo, também éverdade que não é uma doutrina de adaptações oportunistas. Querem<strong>os</strong>dizer, com isto, que as n<strong>os</strong>sas opções ou preferências pessoaisnão podem incidir sobre o corpo da Doutrina. Ainda que seja apretexto de atualizá-la (em que ponto estaria ela desatualizada? ... ), nã<strong>os</strong>eria cabível estabelecer conexões imp<strong>os</strong>síveis com doutrinas ou moviment<strong>os</strong>que tenham fil<strong>os</strong>ofia e programas que com ela não se conjuguem.Não podendo adotar um prisma exclusivista na interpretação d<strong>os</strong>fenômen<strong>os</strong> sociais, porque as suas premissas e conseqüências nãodecorrem de uma categoria única de inferências, a Doutrina Espírita éinfcnsa, por isso mesmo, a qualquer esquematização forçada. É umalloutrina que não cabe dentro de bitolas, religi<strong>os</strong>as ou políticas, tantofaz da direita, como da esquerda. Nem a radicalização violenta, muitoafeita a certas manifestações esquerdistas, nem as p<strong>os</strong>ições retrógradas,muito próprias de certas tendências direitistas. A Doutrina Espíritaultrapassa todas as formas de particularismo, porquanto a suaconstituição se vincula ao plano terreno e ao plano de espiritualidade,formando um todo, uma construção integral, com a preocupaçãouniversalista de tempo e espaço. Com as suas luzes, podem<strong>os</strong> verclaramente <strong>os</strong> process<strong>os</strong> evolutiv<strong>os</strong> da sociedade, com tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> conflit<strong>os</strong>de interesses, sem subordinação a esta ou àquela área fechada.Se não quiserm<strong>os</strong> compreender o mundo atual, ficarem<strong>os</strong> margiunlil.ad<strong>os</strong>.É a hora mais decisiva de n<strong>os</strong> voltarm<strong>os</strong> para o pensamentolumlamental da Doutrina. Se ela já estiver sobrepujada, naturalmenten n<strong>os</strong>so rumo, a essa altura, será imprevisível; se ainda estiver emcnndíções de n<strong>os</strong> dar uma orientação certa no momento presente, se <strong>os</strong>lllt~ll"i alicerces continuam inabaláveis, então o n<strong>os</strong>so modo de pensar eMIJir nãn se deve desviar de seus objetiv<strong>os</strong>. Neste caso, obviamente nãoprecisarem<strong>os</strong> abandonar as n<strong>os</strong>sas idéias, mas antes devem<strong>os</strong> revigorálo•pela confiança e pel<strong>os</strong> at<strong>os</strong>, pois não terem<strong>os</strong> necessidade, está bem-XIII-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseclaro, de substituir a n<strong>os</strong>sa fil<strong>os</strong>ofia dt vida. Indiscutivelmente, pmkm<strong>os</strong> e devem<strong>os</strong> ]utar pelas boas causa:i, dentro e fora de n<strong>os</strong>so campodoutrinário, "combatendo o bom combate", integrando-n<strong>os</strong> à vontaden<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> do mundo, que muito precisa de nós, tanto quanto d<strong>os</strong>outr<strong>os</strong>, a fim de que preva)eça na Terra uma justiça mais humana cequânime, sem chegarm<strong>os</strong> à utopia de pretender uma justiça perfeita.Como element<strong>os</strong> operantes em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> quadr<strong>os</strong> da vida terrena,também n<strong>os</strong> cumpre concorrer para que haja modificações progressivas,sem o que jamais desaparecerão r.s deficiências da organizaçã<strong>os</strong>ocial. Tudo isto, porém, ou ainda mais, sem quem tenham<strong>os</strong> de abrirmão d<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> que informam e fortalecem as n<strong>os</strong>sas opiniões. Nãoprecisam<strong>os</strong>, portanto, deixar de ser espíritas, como não precisam<strong>os</strong>trocar de lugar na execução consciente do papel que n<strong>os</strong> cabe nasociedade. Não n<strong>os</strong> esqueçam<strong>os</strong> 'Je que cada espírito reencarnado,como ensina Léon Denís, tem a sua missão, grande ou pequena,brilhante ou obscura, mas sempre méritória, se for bem cumprida.Já devem<strong>os</strong>, agora, encerrar este capítulo. Fizem<strong>os</strong>, até aqui,apenas algumas considerações, muito gerais, com o intuito de ponderarque, em virtude d<strong>os</strong> nov<strong>os</strong> impact<strong>os</strong> que o mundo vem sofrendo nestesvinte an<strong>os</strong>, também novas experiências já se registraram e, por issomesmo, não podem<strong>os</strong> observar cert<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> ainda com a visão de1948, conquanto as n<strong>os</strong>sas convicções pessoais e a n<strong>os</strong>sa sensibilidadebásica não se tenham modificado. Há uma situação diferente nocenário mundial. Nov<strong>os</strong> centr<strong>os</strong> de interesse cultural, político, profissionale emocional também se formaram, pela força das circunstâncias,e com repercussões bem acentuadas nas p<strong>os</strong>ições antigas, envolvendoa esfera religi<strong>os</strong>a e as decisões político-administrativas, domesmo modo que levam a sua influência ao âmbito mais restrito daconvivência doméstica. Há um "conflito de gerações", provocando ochoque irreprimível entre duas mentalidades, que vivem separadas porum abismo de idéias, de emoções, de perspectivas. Minimizar aimportância desse fenômeno seria perder o sentido da época; evitar odiálogo seria demonstrar debilidade intelectual; desinteressar-se, compretensões de superioridade ou por mero comodismo, seria renunciarao direito de participação. O estado atual do mundo exige um reexamede conjunto, em face da Doutrina Espírita, a fim de n<strong>os</strong> prepararm<strong>os</strong>para as transições de toda ordem, acompanhando o fio da História eprocurando compreender as situações de cada momento. A Doutrinatem luzes para n<strong>os</strong> indicar o caminho.-XIV-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseTRANSIÇÃO INEVITÁVELAs estruturas sociais também se esva~ziam, com <strong>os</strong> regimes polític<strong>os</strong>, cedendolugar a outras formas de convivência. Há um momento em que, nãopodendo mais suportar as tensões e a seqüência incontida das crises,terüo de mudar ou adaptar-se a novas experiências. À semelhança doque se passa n<strong>os</strong> organism<strong>os</strong> biológic<strong>os</strong>, com as suas curvas deu~ccnsão e declínio, também elas têm <strong>os</strong> seus cicl<strong>os</strong> históric<strong>os</strong>, porque~c- desgastam com <strong>os</strong> atrit<strong>os</strong>, ficam desatualizadas e terminam perdendoa razão de ser. A própria evolução encarrega-se de provocarmodificações, fazendo que uns tant<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> e c<strong>os</strong>tumes se tornemobsolet<strong>os</strong>. Conquanto haja necessidades básicas em qualquer tempo,a~sim como valores permanentes, como é o caso d<strong>os</strong> valores espirituais,cada momento histórico tem as suas idéias propulsoras, e seus<strong>problemas</strong> e reivindicações características, <strong>os</strong> seus centr<strong>os</strong> de interesses.-XV-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseAs estruturas religi<strong>os</strong>as, por exemplo, embora sejam conservadoraspor natureza, não podem manter certas p<strong>os</strong>ições por tempo indefinido,visto como, em suas relações temporais, estão sujeitas, domesmo modo, a ser envolvidas nas conjunturas sócio-políticas, porquenão podem ficar acima d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> inerentes ao mundo terreno, adespeito de suas preocupações transcendentais. Dá-se, na ordem social,em relação a determinadas cúpulas políticas e religi<strong>os</strong>as, analogicamentefalando, o que se dá com o vaso em laboratório: quando nãoagüenta mais a temperatura crítica, ou fica no limite de capacidade, ouestoura. Algumas instituições podem dar a 'impressão de que <strong>os</strong> seuslineament<strong>os</strong> extern<strong>os</strong> sejam inalteráveis, mas não podem evitar aebulição interna, porque <strong>os</strong> ansei<strong>os</strong> de substituição, com o tempo setransformam em fermentação irreprimível. Começam assim, e a simplesobservação corrente bem o demonstra, todas as mudanças deefeit<strong>os</strong> mais decisiv<strong>os</strong> nas organizações sociais, políticas, culturais,religi<strong>os</strong>as etc. É um fenômeno de defasagem natural, tomando-se otermo em sentido extenso e, não apenas em seu contexto estritamenteeconómico, pois é verdade que toda estrutura debilitada, seja de quenatureza for, tende a ser deslocada ou superada por outra ordem deideias e <strong>problemas</strong>, para cuja solução a estrutura antiga não p<strong>os</strong>sui <strong>os</strong>instrument<strong>os</strong> adequad<strong>os</strong>. Muitas vezes, quando sobrevém a desintegração,cert<strong>os</strong> element<strong>os</strong> remanescentes são incorporad<strong>os</strong> à novaordem, podem até oferecer resistência às transformações, mas nãoconseguem contornar ou estancar a pressão fatal d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>.O apogeu e o crepúsculo das instituições é um fenômeno d<strong>os</strong> maiscediç<strong>os</strong> na sociedade.Com esta perspectiva, que está no curso da História, podem<strong>os</strong>inferir, pela própria lógica das coisas, que o choque de forças ou debloc<strong>os</strong>, cada qual disputando a hegemonia política, económica ouideológica, levará o mundo não se sabe ainda por que mei<strong>os</strong>, a umasituação nova. As divergências entre capitalismo e estatismo, entreindividualismo e socialismo terão de chegar, forç<strong>os</strong>amente, a umaalternativa, da qual não poderão sair: ou encontrarão um meio deconciliação e "coexistência pacífica", transigindo em suas soluçõesradicais de parte a parte, ou terão de enfrentar o pior, que será o estadode saturação e, por fim, a luta de esfacelamento cujas conseqüênciaspara a humanidade nem sequer poderão ser vislumbradas. Há certoreceio ou temor dentro das forças em demanda, apesar de todo oaparelhamento material de que p<strong>os</strong>sam dispor, uma vez que não hásegurança psicológica. No seio de alguns grup<strong>os</strong>, por exemplo, já senota, através de atitudes bem significativas, uma espécie de reviravolta,no sentido de modificar p<strong>os</strong>ições até então irremovíveis. Ninguém-XVI-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensese iluda! Se, realmente, há uma convicção sincera em determinadasfrentes de conciliação, seja por lucidez do espírito crítico, seja porsentimento de concórdia e renúncia, o que, aliás, é uma esperança dasmais confortadoras para o mundo atual, também é verdade que muitas"adesões" ou transformações decorrem apenas do medo, que existed<strong>os</strong> dois lad<strong>os</strong>. Ainda não é, infelizmente, a procura espontânea damensagem do Cristo; ainda não é o desejo, real e profundo, de realizaro esperado e reclamado "desarmamento de espírito", mas apenas umapreocupação de sobrevivência calculada. É o reconhecimento de umarealidade mais exigente. Cert<strong>os</strong> organism<strong>os</strong>, a exemplo de certaspessoas, são levad<strong>os</strong> a um esforço muito inteligente de habilidadepolítica, adaptando-se ou acomodando-se diante de fat<strong>os</strong> nov<strong>os</strong> pararesguardar conveniências ameaçadas. Mas o mundo terá de abrir,inevitavelmente, outr<strong>os</strong> filões de experiência social, política, científicae religi<strong>os</strong>a, devido à inconsistência das estruturas que, gradualmente,vão ficando superadas.Não precisam<strong>os</strong> ir a minúcias de comparação histórica. A cronologiasumária da evolução social m<strong>os</strong>tra que cada tipo de organizaçãotem a sua época, enquanto há condições suficientes. O feudalismo, quen<strong>os</strong> vem a propósito, representou uma sociedade cuj<strong>os</strong> horizonteslimitad<strong>os</strong> permitiam relações de trabalho inteiramente baseadas navassalagem, formando suzeranias quase absolutas. E <strong>os</strong> feud<strong>os</strong> davama idéia de "rein<strong>os</strong>" particulares, fechad<strong>os</strong> em si mesm<strong>os</strong>. A sociedadefeudal teve o seu período de estabilidade, durante o tempo em que lhopermitiram cert<strong>os</strong> condicionament<strong>os</strong> favoráveis. Mas o feudalismo,lodo ele descentralizado, comprometia o poder d<strong>os</strong> Reis. A contrap<strong>os</strong>i­~ao subseqüente seria a centralização, reforçando a autoridade darealeza. Daí, a luta, a competição, embora <strong>os</strong> feud<strong>os</strong> tivessem sidonecessári<strong>os</strong> em determinad<strong>os</strong> moment<strong>os</strong>, quando o poder real, semmed<strong>os</strong> suficientes, precisou desses núcle<strong>os</strong> sociais para a defesa locall'ontra as invasões. Se houve cas<strong>os</strong> em que se deu até a aliança<strong>os</strong>tensiva entre governantes reais e barões ou senhores feudais, parauten


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesegundo <strong>os</strong> padrões do meio e da época em que floresceram, masentraram em decadência com o advento de nov<strong>os</strong> sistemas e c<strong>os</strong>tumes.Algumas dessas instituições para <strong>os</strong> dias que correm são apenas umareferência histórica. Tudo isto está na ordem natural das coisas, pois alei da evolução é tão necessária na escala social e cultural, como naescala biológica, embora <strong>os</strong> process<strong>os</strong> e acidentes sejam diferentes.Como no plano social as configurações políticas também se sucedem, adespeito de todas as tentativas de conservação. A conjugação de unstant<strong>os</strong> fatores ocasionais pode prolongar por muito tempo a permanênciadesta ou daquela instituição, mas não pode impedir a inexorávelmarcha da História" o absolutismo por exemplo.Enquanto enc


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedas estruturas sociais, porque, como <strong>os</strong> regimes po1ític<strong>os</strong>, também sedesgastam. Do mesmo modo, as instituições religi<strong>os</strong>as, quando nãoquerem reconhecer e acompanhar as transformações. Todavia, quandonão estão bem fundamentadas no senso de equilíbrio, as transiçõesmais profundas podem produzir um estado de coisas muito diferentedo que se espera. Ainda que haja as melhores intenções, cada qual nasup<strong>os</strong>ição de estar com a verdade, <strong>os</strong> pól<strong>os</strong> op<strong>os</strong>t<strong>os</strong>, tanto em religião,quanto em política ou em qualquer espécie de reforma, podem darresultad<strong>os</strong> negativ<strong>os</strong> pela hipertrofia de cert<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> mais sensíveis.Se a sociedade feudal, por exemplo, caracterizava-se por uma descentralizaçãomuito dispersiva, a tendência centralizadora, que se corporificoudepois, nas mã<strong>os</strong> d<strong>os</strong> reis, deu origem a um estatismo absorventee autoritário. Querendo corrigir a descentralização d<strong>os</strong> feud<strong>os</strong>, cuj<strong>os</strong>barões rivalizavam em poderes, fazendo concorrência ao império, opoder real centralizou demais. O exagero, neste ou naquele caso, levoua impressionantes assom<strong>os</strong> de delírio, confundindo a pessoa do rei como próprio Estado. E não se diz que um d<strong>os</strong> monarcas da época chegou aproclamar que o Estado era ele? ... Não há maior personificação deabsolutismo! ·O estatismo daquela época era um fenômeno político de exageradaconcentração de autoridade. Estava, entretanto, na corrente deidéias que via, no poder supremo do Estado, a solução de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><strong>problemas</strong> da sociedade. Não era outra a concepção do Leviatã,invocada por Thomas Hobbes para justificar a monarquia absoluta.Leviatã é a figura de um monstro marinho, de criação bíblica, simbolizandoo instinto destruidor do homem. Para que houvesse paz social -segundo a fil<strong>os</strong>ofia política de Hobbes (sec. XVII)- seria necessário oabsolutismo do Estado, enfeixando tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> poderes para refrear oinstinto egoísta do homem. Não é de estranhar, portanto. a existênciade raízes tão antigas nas propensões para o estatismo, sob formasdiversas com o andar d<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>. Entre <strong>os</strong> greg<strong>os</strong> também houveexaltação do Estado. Em determinado momento histórico, inclusivecom Platão, ••o divino", como tantas vezes o chamaram, a Gréciauntiga ensaiou a supremacia do Estado. Os roman<strong>os</strong>, que foramherdeir<strong>os</strong> da cultura grega, não poderiam, por sua vez, fugir a essatendência. O estatismo moderno tomou feições diferentes em face dasnovas situações. Seja como for, o que se encontra sempre, na sucessãod~ lod<strong>os</strong> esses fenômen<strong>os</strong>, é um conflito, ora atenuado, ora exacerbado.entre individualismo e estatismo como pól<strong>os</strong> de interesses op<strong>os</strong>t<strong>os</strong>.Se o constitucionalismo, foi, no plano político, uma reação frontal aonb•nlntismo, também é verdade que o individualismo definiu,-XIX-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseno plano social, um estado de espírito generalizado contra o estatismo.Bastaria lembrar a Revolução Francesa. Não foi, na realidade, umaafirmação marcante de individualismo? A inspiração fil<strong>os</strong>ófica dagrande Revolução de 1789, com a bandeira de Liberdade, Igualdade eFraternidade, não impediu a desfiguração desconcertante de seusprincípi<strong>os</strong>. Os julgament<strong>os</strong> sumári<strong>os</strong>, as decapitações e <strong>os</strong> episódi<strong>os</strong> deterror desvirtuaram dolor<strong>os</strong>amente o ideal do movimento enciclopedista,cujo conteúdo doutrinário trazia o sentido de uma renovação totald<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> da época. A fúria popular, inflamada pelo ódio epela sêde de vingança, implantando <strong>os</strong> excess<strong>os</strong> mais desuman<strong>os</strong> elevando muita gente à guilhotina com <strong>os</strong> seus tribunais de emergência e<strong>os</strong> implacáveis conselh<strong>os</strong> de "salvação pública", sacrificou logo cedoo espírito da Revolução. Teve, ela, contudo, uma influência incalculávelna transição social, política e cultural do Ocidente.Com a Revolução Francesa, formou-se uma consciência nova,dando ao homem atribut<strong>os</strong> a bem dizer de auto-suficiência. O homemera senhor, não mais súdito. Insurgindo-se contra a onipotência doEstado, a nova mentalidade inaugurou um surto individualista deconsequências muito elásticas. A noção de liberdade individual comoque explodia desmedida em todas as formas de atividade. Além doambiente agitado, que se formara na França contra a realeza, haviatambém a confluência de idéias preparatórias, e que já vinham delonge. O Contrato Social, de Rousseau, por exemplo. Tão contundentesforam <strong>os</strong> excess<strong>os</strong> que um grupo de homens de pensamento, comresponsabilidade na vida intelectual e social da França de 89, tentouorganizador um movimento de reação, para evitar a destruição decert<strong>os</strong> valores. Não era a volta ao passado nem a restauração da velhaordem, que desabara de modo irremediável, mas uma tentativa depreservação de estil<strong>os</strong> e valores recomendáveis nas letras, nas artes,n<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes. Era uma desaprovação mais ética do que política. Com<strong>os</strong>empre acontece, e ressalvando-se <strong>os</strong> abus<strong>os</strong> d<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>, aexpansão revolucionária teria de suscitar prevenções. Como poderiamantigas monarquias européias aceitar pacificamente as idéias da Revolução,se tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> e hábit<strong>os</strong>, naquele momento decisivo,estavam na iminência de substituição radical pela nova ordem? Veio,daí, a Santa-Aliança, que foi, como se sabe, uma espécie de liga entrevelh<strong>os</strong> impéri<strong>os</strong> inspirada em motiv<strong>os</strong> místic<strong>os</strong> (o de Santa bem oconfirma), com objetiv<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> imediat<strong>os</strong>, em 1815, para contornar<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> das idéias liberais, que "incendiavam as consciências"daquele século~ Mas <strong>os</strong> lampej<strong>os</strong> revolucionári<strong>os</strong>, irradiad<strong>os</strong> da Françado século XVIII, tiveram o seu apogeu dentro de uma sociedade quesuportou e aprovou cert<strong>os</strong> procediment<strong>os</strong>, porque realmente havia-XX-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseuma ordem social já antiqüada e carcomida; de certo tempo em diante,e é sempre assim, a doutrinação ardente, com <strong>os</strong> seus "rasg<strong>os</strong> deeloqüência arrebatadora", começou a cair no lugar-comum e, por issomesmo, expressões, que tiveram força mágica n<strong>os</strong> dias das arrancadasde 89, passaram a ser mero recurso de oratória ornamental ou pomp<strong>os</strong>a,porque já não interpretavam fielmente a realidade do momento, jánão afinavam inteiramente com as exigências da vida.Se o absolutismo entronizava ou endeusava a soberania do Estado,o individualismo, por outro lado, encarnava a concepção maísfrisante de liberdade pessoal. A passagem do estatismo para o indil'idualismonão foi nem poderia ser fácil ou serena. Era uma fil<strong>os</strong>ofiacontrária a todo o sistema vigente. Embora nascido de outras contingênciassociais, porque à época já era bem diferente, o individualismoda Revolução Francesa faz lembrar o que se passou durante a transiçãoda Idade Média para o Renascimento ou Renascença como queremalguns autores. Houve, naquela época, um movimento humanista comalgumas variantes bem acentuadas. Uma delas, por exemplo, visava aemancipar o homem da tutela teológica. Embora não tivesse <strong>os</strong> mesm<strong>os</strong>pretext<strong>os</strong> do individualismo do século XVIII porque eram outr<strong>os</strong><strong>os</strong> fatores condicionantes, o humanismo fincou muito bem urna tomadade p<strong>os</strong>ição em face da "cristandade medieval". Foi um de seusaspect<strong>os</strong>. A preocupação dessa nova tendência renascentista era justamentefazer o homem ocupar o seu lugar na vida, firmando pé nomundo,como se diz. Apesar de outras afirmações não religi<strong>os</strong>as, cert<strong>os</strong>círcul<strong>os</strong> da Idade Média situavam o homem na dependência integral dafé. A subordinação ao sobrenatural era a bem dizer uma regra de vida,porque ''não cai uma folha da árvore sem a vontade de Deus''. Era umprocesso místico de alienação, pois o homem ideal, dentro daquelaconceituação medieval, seria aquele que abrisse mão de suas p<strong>os</strong>sibili·dades e aspirações naturais, voltando-se intensamente para o mundotranscendental, como se o mundo terreno também não tivesse nobrezaou não refletisse o pensamento divino.É verdade que o surto de humanismo como fenômeno de transiçãoteve outras características e, por isso, não se pode tomar comoponto de referência apenas a rebeldia contra o predomínio do sobrenatural,uma vez que houve outras manifestações dentro daquele ciclorenovador. Do mesmo modo, não se pode deixar de levar em contacert<strong>os</strong> element<strong>os</strong> da cultura medieval, adstrit<strong>os</strong> a<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> da época,dentro de um mundo geograficamente muito limitado. A generalização•rria prejudicial à visão total desse longo período histórico. Mas a•·ultura da Idade Média apesar das Universidades, aliás, de inspiração-XXI-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseteológica, e de outr<strong>os</strong> traç<strong>os</strong> de pensamento, teria de ser, e foi, maisespeculativa, mais propensa às generalizações conceituais, sobretudoporque não havia condições para a ciência experimental , a não ser emtentativas esporádicas, marcando o pioneirismo do frade RogérioBacon e outr<strong>os</strong>. Seja como for, o apriorismo fez escola na IdadeMédia. Apesar das divergências doutrinárias, e não foram passageiras,<strong>os</strong> fam<strong>os</strong><strong>os</strong> silogism<strong>os</strong> de Aristóteles dominaram notoriamente a cúpulaintelectual da Idade Média através da escolástica. Houve umaruptura com o advento do renascentismo.A ecl<strong>os</strong>ão renascentista abriu horizontes bem larg<strong>os</strong>, notadamentecom a expansão marítima, proporcionando a permuta de conheci~ment<strong>os</strong>, as descobertas e o incremento de relações econômicas eculturais. Convém fixar, entretanto, um ponto indispensável. A noçãode humanismo tem, simultaneamente, três sentid<strong>os</strong>: entendeu-se porhumanismo, de um lado, a definição do verdadeiro papel do homemsobre a Terra, querendo desligar-se da subordinação a qualquer primadoreligi<strong>os</strong>o ou sobrenatural; de outro lado, humanismo significou,durante muito tempo, a prevalência da chamada cultura clássica,especialmente porque houve, na decadência da Idade Média, ummovimento de restauração d<strong>os</strong> model<strong>os</strong> greg<strong>os</strong>, uma retomada decontato com as fontes helênicas e, por isso, esse movimento sechamou "a volta a<strong>os</strong> clássic<strong>os</strong>"; por extensão, finalmente, sem a idéiade retorno ao classicismo puro, chama-se humanismo, de um modoindeterminado, ao conjunto de conheciment<strong>os</strong> fundamentais, paraestabelecer diferenciação com a cultura especializada ou técnica. Dizsehumanista alguém que demonstra uma cultura geral muito bemformada nas ciências, nas letras, artes, etc. É o caso de Allan Kardec.Evidentemente, a despeito de se haver dedicado à Pedagogia,vivendo em profundidade <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> da educação, o que lhe deuensejo de escrever divers<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> especializad<strong>os</strong>, como se podeverificar pela sua bibliografia, tinha Allan Kardec, na realidade, umaformação de humanista na genuína acepção clássica, porque dominavaidiomas, conhecia as vertentes da cultura antiga e sabia utilizar asciências básicas, como a Biologia, a Fisiologia, a Física, Psicologia etc.em seus raciocíni<strong>os</strong> e planejament<strong>os</strong>. Não se perdia na erudiçã<strong>os</strong>uperficial e pedantesca. A Gênese, para não apontar outr<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> daCodificação doutrinária do <strong>Espiritismo</strong>, é uma obra suficiente pararevelar o lastro cultural de Allan Kardec. Veja-se bem que o contextodessa obra formula uma série de prop<strong>os</strong>ições científicas, não desordenadasou arbitrárias, mas atinentes a vári<strong>os</strong> ram<strong>os</strong> do conhecimento,como Astronomia, Geologia, História, Ecologia Humana, e assim por-XXII-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensediante, naturalmente sem as particularizações e a terminologia d<strong>os</strong>especialistas, mas com a lucidez e segurança de quem não é inexperientenem leigo em tais províncias do saber científico.Se é verdade que umas tantas observações já permitem, hoje,novas elucidações, neste ou naquele ponto, porque foram apresentadasou discutidas à luz das noções correntes na época (1868), também éverdade que são observações ou interpretações não decisivas nasbases da Doutrina, cujo conteúdo fundamental não foi desautorizadoaté hoje. A obra preenche inteiramente o fim para que fora elaboradacomo parte integrante da Doutrina Espírita. Nas próprias questõesprop<strong>os</strong>tas na fase de preparação de O Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> (1857), hácontribuições pessoais em que Allan Kardec, ora neste, ora naquelepasso, deixa transparecer o embasamento de sua rede geral de conheciment<strong>os</strong>,embora as suas interferências, perguntando ou esclarecendocertas questões, não tenham pretensões de sapiência.Não devem<strong>os</strong> ver no Codificador da Doutrina Espírita, apesar detudo isso, apenas um tipo representativo de humanismo clássico, poisele também era humanista no sentido prático e moderno, porque emtoda a sua existência, antes e depois de ser espírita, sempre se voltoupara o homem, e por amor, como síntese de suas maiores preocupa~ções, como razão de ser de todo o seu ideal. E o conceito dehumanismo, n<strong>os</strong> dias atuais, com <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> que nasceram ou seagravaram em conseqüência da II Guerra Mundial, concentra-se cadavez mais na integridade do homem, preservando-lhe a liberdade, adignidade e <strong>os</strong> ''direit<strong>os</strong> alienáveis da pessoa humana''.Sob o ponto de vista de interesse pelo homem, a DoutrinaEspírita é verdadeiramente humanista. Mas interessar-se pelo homemé procurar compreendê-lo profundamente em suas virtualidades eajudá-lo a reformar-se para saber ocupar o seu lugar perante o mundo eas leis divinas, não é reduzir as dimensões do problema, situando-oapenas nas necessidades do estômago. Em todo o entrelaçamento desuas indicações e conseqüências, o que se nota na Doutrina Espírita éuma preocupação insistente com o homem, não somente quanto aobem-estar, que é uma condição normal de decência em qualquersociedade bem organizada, mas também no que diz respeito a<strong>os</strong>valores intrínsec<strong>os</strong> de sua personalidade. Neste ponto, a soluçãoé muito mais humanista do que as soluções de interesseespíri~a,implesmente político, pois não basta oferecer o necessário à subsistência,que é dever elementar, nem promover ascensões violentas,porque é preciso educar, preparar o homem, melhorar também o sistema""" o envolve e remover hábit<strong>os</strong>, idéias e process<strong>os</strong> defeitu<strong>os</strong><strong>os</strong>-XXIII-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseou viciad<strong>os</strong> de sua formação e do ambiente de origem. A solução églobal, não pode ser parcial nem momentânea.Tanto no Renascentismo quanto na Revolução Francesa, apesarda diferença de época, de motiv<strong>os</strong> e forças atuantes n<strong>os</strong> dois moviment<strong>os</strong>,houve muita ênfase em relação à capacidade do homem. Éjustamente por isso que estam<strong>os</strong> apresentando este sumário panoramahistórico a fim de chegarm<strong>os</strong> ao individualismo e às estruturas modernasperante a Doutrina Espírita. O sentido de emancipação, queganhou corpo entre certas p<strong>os</strong>ições humanistas, com a desintegraçãoda sociedade medieval, tinha um fundo individualista bem definido,embora as provocações não f<strong>os</strong>sem as mesmas que ativaram o individualismode 1789. Deste ou daquele modo, o certo é que o individualismocaracterizou um estado de coisas, dentro de uma ordem socíaJ queteve a sua época na sucessão de conceit<strong>os</strong> e padrões de vida. Oindividualismo da Revolução Francesa já não poderia funcionar emtoda a plenitude em face d<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> do mundo moderno, porque asinterações sociais se intensificaram cada vez mais, fortalecendo asrelações de interdependência em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>. Por falta deajustamento à nova realidade é que se reabre, hoje, sob feições umpouco diferentes, o velho conflito entre individualismo e estatismo,cada qual querendo aniquilar ou absorver o sistema op<strong>os</strong>to. A estaaltura do antagonismo entre duas tendências conflitantes já podem<strong>os</strong>pedir luzes à Doutrina Espírita a fim de saberm<strong>os</strong> como caminhar certono mundo atual. A visão social da Doutrina Espírita, que não abona oexagero de nenhuma das duas concepções em luta, não é uma utopia,tampouco está fora de n<strong>os</strong>sa época, pois estam<strong>os</strong> vendo, e muit<strong>os</strong> járeconhecem -estadistas, sociólog<strong>os</strong>, educadores, psicólog<strong>os</strong>, economistas-, a não ser <strong>os</strong> que ainda não penetraram a fundo na psicologiad<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, que a crise do momento é uma crise estrutural,não pode ser resolvida por mei<strong>os</strong> empíric<strong>os</strong> e de efeit<strong>os</strong> superficiais.Vam<strong>os</strong> ver, diante desta situação, qual a diretriz que n<strong>os</strong> aponta aDoutrina Espírita.-XXIV-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseIREFLEXOS DA II GUERRASob <strong>os</strong> auspíci<strong>os</strong> do Instituto Interaliado deAlta Cultura, o padre Desobry, Prior d<strong>os</strong>Dominican<strong>os</strong> de Paris, proferiu veemente conferência no Ministériodas Relações Exteriores sobre o Renascimento católico na França.Muito longa, aliás, a conferência foi publicada no "Jornal do Commér­~io" (Rio) de 08 de dezembro de 1944 e deu, realmente, uma idéiamuito clara da situação do movimento católico de seu país. Pelo quedisse o padre Desobry, sob a responsabilidade maior em virtude daprojeção de seu nome no meio católico, o Clero francês pretendial·ntflo realizar um Cristianismo de ação, identificado c-om as realidadesdo mundo. (I) Dominicano professo e de hábito, o conferencistapertencia à mesma Ordem religi<strong>os</strong>a do padre Ducatillon, tambémlftt.:onformado com o imobilismo de muit<strong>os</strong> cristã<strong>os</strong>. ainda não111 1\inda sob o estado emocional da H Guerra- Estávam<strong>os</strong> em !948-25-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense"tocad<strong>os</strong>" pelo espírito do Cristianismo. Justamente por isso, o padreDucatillon também fez conferências, consideradas revolucionáriasdentro de alguns grup<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>, tanto assim que não foi "bem visto''no Brasil, onde esteve por breve tempo. Grande orador, indiscutivelmente.Quando falou, por exemplo, na Associação Brasileira de Imprensa(2), teve uma assistência compacta, e das maiores na "Casa doJornalista".As p<strong>os</strong>ições discrepantes da tradição ou d<strong>os</strong> padrões dominantesgeralmente provocam reações muito <strong>os</strong>tensivas, ainda mais nas áreasda fé. A história que o diga. Tem<strong>os</strong> aí, como prova, a guerra quemuit<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>, de batina e sem batina, fizeram a Jacques Maritain,filósofo e escritor católico, identificado com o pensamento tomista.Muito discutido àquela época, não há dúvida, é um nome internacional,inegavelmente. E fez escola. Sem jamais deixar de ser fiel à Igreja,em cujo seio permaneceu e terminou a sua trajetória humana, assumiualgumas p<strong>os</strong>ições contrárias a certa ala do clero, é verdade, notadamentena área jesuítica. Em ~eus pronunciament<strong>os</strong>, algumas vezescontundentes em relação a fortes redut<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>, defendeu a autenticidadedo Cristianismo, o que, na realidade, vinha a ser nada mais enada men<strong>os</strong> do que isto: um Cristianismo que não se acomodasse àinjustiça nem cortejasse <strong>os</strong> desmand<strong>os</strong> do Poder político. Incompatibilizou-seirreconciliavelmente com a situação que se implantara naEspanha daquela década e, por isso, atraiu antipatia e h<strong>os</strong>tilidade tantode simples padres quanto de bisp<strong>os</strong>. Vivia-se realmente uma quadrahistórica muito agitada e confusa. De fato, no esforço que empregoupara m<strong>os</strong>trar ao mundo a compatibilidade do Cristianismo com aDemocracia, um d<strong>os</strong> traç<strong>os</strong> bem acentuad<strong>os</strong> de sua obra, Maritain teriade se opor, como se opôs frontalmente, ao "Estado farisaicamentecristão". E foi realmente o farisaísmo de regimes falsamente cristã<strong>os</strong>que levou a humanidade a ver, contristada, o dolor<strong>os</strong>o e deprimenteespetáculo de opressão e do sacrifício de vidas humanas sob o "pálio"de Jesus ou sob escudo de uma "fé" sem alma e sem dignidade, pcrqueinvocada pela força e dominada pela cegueira do ódio e da prepotência.Verdadeira e aberrante negação de tudo quando ensinou a Mensagemdo Cristo! Quem apóia perseguições e fuzilament<strong>os</strong> não tem a mínimacondição de falar em Cristo e muito men<strong>os</strong> apregoar o advento de umacivilização cristã''.Dentro de uma contingência histórica de tal ordem e gravidade,comprende-se bem o papel desempenhado por Jacques Maritain diantedo drama europeu. Por isso mesmo, sofreu restrições muito <strong>os</strong>tensivas(2)- O autor deste livro assistiu à conferência.-26--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedentro e fora de seu próprio rebanho. Também no Brasil, onde tinha eainda tem adept<strong>os</strong>, principalmente entre <strong>os</strong> que adotam a linha tomista.Podem<strong>os</strong> apresentar um episódio ilustrativo. Apesar de já ter estado noBrasiJ, embora passageiramente, organizou-se um grupo de op<strong>os</strong>ição,certa vez, já faz bastante tempo, para impedir que Maritain visitasse on<strong>os</strong>so país novamente, apenas porque não era persona grata daquelegrupo. O movimento de "rejeição" repercutiu desfavoravelmente emdivers<strong>os</strong> círcul<strong>os</strong> de opinião e provocou um protesto do padre edeputado Medeir<strong>os</strong> Neto na Câmara Federal. Pois bem, naquela ocasião,embora acentuando a n<strong>os</strong>sa condição de não católico, enviam<strong>os</strong>um telegrama de apoio ao deputado, justamente por entenderm<strong>os</strong> que<strong>os</strong> valores representativ<strong>os</strong> da cultura não podem ser repelid<strong>os</strong> pornenhum país que se preze de seus "for<strong>os</strong> de civilizado" .(3)Voltem<strong>os</strong>, porém, à rumor<strong>os</strong>a conferência do padre Desobry evejam<strong>os</strong> o que ele afirma a certa altura de suas manifestações críticas:Não me refiro a essa massa sempre compacta demais de católic<strong>os</strong> quese encontra, infelizmente, em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> países no mundo, na Françacomo fora da França - católic<strong>os</strong> de nascença, que praticam umcristianismo de fachada ou, ao men<strong>os</strong>, um cristianismo ritual, semalma e sem vida. Ainda bem que um padre quem o diz ... Anote-se:cristianismo ritual. Assim falava, naquele incerto e tumultuado momentodo mundo, o chefe de uma das grandes comunidades católicas,um homem que vira de perto <strong>os</strong> horrores da guerra e, por isso mesmo,estava inconformado e decepcionado com o cristianismo formal demuit<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>.As colocações do padre Desobry suscitam apreciações especiais,sobretudo em relação às p<strong>os</strong>ições espíritas perante o mundo e <strong>os</strong><strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>. Antes de qualquer explanação doutrinária, entretanto,convém frisar logo que! há mais de um século, já o <strong>Espiritismo</strong>vem m<strong>os</strong>trando a distinção insofismável entre o ver o Cristianismo,que é mais espiritual, e o "Cristianismo ritual" de que falou o dominil·anofrancês. O <strong>Espiritismo</strong> - sabem-no quant<strong>os</strong> já fizeram leiturasamplas de sua Doutrina - absorve exatamente a essência, a partemoral, a mensagem que fica do ensino de Jesus. Então, o "Cristianismoredivivo", tal como o entendem<strong>os</strong> à luz da Doutrina Espírita, nã<strong>os</strong>e confunde com <strong>os</strong> cult<strong>os</strong> formaJizad<strong>os</strong> ou ritualizad<strong>os</strong> nem tampoucoIII Jacques Maritain estivera no Rio de Janeiro em 1936, tendo sido homenageado com ainvc~tidura na categoria de membro-correspondente da Academia Bra5ileira de Letras. Foi embaixaol••lda França junto ao Vaticano, sob o governo De Gaulle, Escreveu sobre Fil<strong>os</strong>ofia, Sociologia,I l>~lianismo, Política, Educação e temas de literatura. Publicou divers<strong>os</strong> livr<strong>os</strong>, entre <strong>os</strong> quais: Osl'irát<strong>os</strong> do Homem, Cristianismo e Democracia, O Homem e o Estado, Fi/oJofia da HiJtória, Noite,/r HJ.ii>IJiu rrn França. Sua obra-chave. segundo algumas opiniões, é Humanismo Integral. Deixou a\·itJn \L'rrena a<strong>os</strong> 91 an<strong>os</strong>, em 281411973, recolhido à "Fraternidade d<strong>os</strong> Irmãozinh<strong>os</strong> de Jesus'', de1 t~ld•>ll~{' (França)-27-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensese comprime nas limitações de uma corrente religi<strong>os</strong>a ou de umaorganização sacerdotal. O espírito do Cristianismo é universal. Doponto de vista sociológico, entretanto, quando considerado apenashistoricamente, com a visão de uma configuração geográfica e cultural,não seria p<strong>os</strong>sível situá-lo em tudo por tudo fora e acima do meio socialque lhe serviu de cenárioApesar de suas raízes mais Iongínqüas no tempo e no espaçoassim como de reconhecid<strong>os</strong> pont<strong>os</strong> de coincidência com antiqüíssimasconcepções orientais, ora neste, ora naquele passo, o movimentocristão, digam<strong>os</strong> assim, concentrou-se mais na faixa ocidental aoassumir as proporções de um corpo de idéias, repelido pelo Poderdominante. Conquanto alimentado e conduzido pelo amor e pelaresignação, mas inabalável, pois não abdicou nem se acomodou, <strong>os</strong>urto das idéias cristãs teria de se contrapõr, forç<strong>os</strong>amente, a umaordem de coisas sedimenl'ada em .tradições políticas e religi<strong>os</strong>as com asquais o ideal do Cristianismo puro não poderia combinar. Era o lastrocultural de uma sociedade cuj<strong>os</strong> valores refletiam bem um estágioevolutivo ainda muito terreno, a despeito de todo o esplendor d<strong>os</strong>variad<strong>os</strong> cult<strong>os</strong>. Até aí, na realidade, tem<strong>os</strong> de ver o movimento cristãodentro de um quadro cultural do meio e da época. Não poderiadesvincular-se radicalmente. Mas o Cristo não se dirigia apenas aoocidente, falou para quem tivesse "olh<strong>os</strong> de ver" e "ouvid<strong>os</strong> deouvir''. Daí, pois, o sentido universal de sua palavra, f<strong>os</strong>se onde f<strong>os</strong>se,ainda mais porque impregnada do maior desinteresse relativo ao reinodo mundo.Enquanto a imprensa transmitia cert<strong>os</strong> pronunciament<strong>os</strong> de pósguerra,dando a impressão bem clara de que havia como que um gritoou um brado de alerta con~ra omissões e desvirtuament<strong>os</strong> na comunidadecristã diante da nova realidade que se apresentava, naturalmenteo observador d<strong>os</strong> fat<strong>os</strong> sentia, naquela "hora sombria e cheia deincertezas", que havia em profundidade um anseio de mudança Ol! deretorno do Cristianismo a<strong>os</strong> legítim<strong>os</strong> padrões de sua antenticidade.Maritain reclamava "nova cristandade", Desobry verberava com todaa veemência a inoperância d<strong>os</strong> cristã<strong>os</strong> '"morn<strong>os</strong>", <strong>os</strong> '"nem quentesnem fri<strong>os</strong>", pois aquele tipo de crente- dizia ele- é d<strong>os</strong> que faz "omaior mal à religião" da qual têm a pretensão de ser membro. F outrasvozes, de menor ou equiva1ente ressonância, por sua vez tambémdenunciavam perplexidade não apenas por causa da conjuntura geral.mas ainda pela falta de nm rumo bem definido diante d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> domundo.Duas tendências paraleias delineavam bem o panorama. De umlado, e com evidente exagero, aqueles que viam o Cristianismo fora da-28-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penserealidade humana, ou no plano puramente transcendental, como se ocristão, pelo simples fato de rezar e ter fé, já estivesse no "reino docéu", inteiramente alheio à experiência social e à dor humana; dooutro lado, e com inegável radicalismo em determinad<strong>os</strong> assomas deprotesto, <strong>os</strong> que defendiam um lugar de ação para o Cristianismo no"mundo conturbado", porque queriam um Cristianismo participante,mas dotado de uma instrumentalidade política muito competitiva,senão até agressiva. Em suma: ou um Cristianismo calculadamentemarginalizado, "pairando acima" d<strong>os</strong> dramas da sociedade, ou umCristianismo social, voltado para as soluções do momento, mais preocupadocom Cesar do que propriamente com Deus. Claro que oCristianismo, como força de pensamento e ação, tem um lado humano,necessariamente, sensivelmente humano, mas não seria p<strong>os</strong>sível tirarlheo conteúdo espiritual em desviá-lo de suas implicações na vidafutura e nas relações do homem com Deus.Ao chegarm<strong>os</strong> a este ponto, e porque estam<strong>os</strong> vendo que sãojustamente <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong> o maior desafio lançado à humanidadedeste ciclo histórico, querem<strong>os</strong> pensar, agora, na p<strong>os</strong>ição que n<strong>os</strong>indica a Doutrina Espírita, pois ela também faz luz no campo social.Se, por um lado, não podem<strong>os</strong> estabelecer conotações do ponto devista estritamente religi<strong>os</strong>o, pois nada tem<strong>os</strong> com <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> daIgreja, não podem<strong>os</strong> deixar de reconhecer, por outro lado, que <strong>os</strong><strong>problemas</strong> sociais são do domínio comum e, por isso mesmo, podemser analisad<strong>os</strong> pelo prisma católico quanto pelo prisma espírita, maometano,marxista, e assim por diante. E o movimento espírita, comoestam<strong>os</strong> vendo no Brasil, não está ralmente empenhado em apresentaro Cristianismo bem vivido nas realizações humanitárias? Estão aí asobras, e obras levantadas e mantidas pela força do amor e pelotrabalho desinteressado. É natUral que n<strong>os</strong> interessem<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> debatesque se travam neste campo, apesar de term<strong>os</strong> uma direção, já indicadapela Doutrina que esp<strong>os</strong>am<strong>os</strong>, Os <strong>problemas</strong> são da mesma naturezacm qualquer parte do mundo, pois exprimem sempre a incerteza e asaflições do homem na luta pela subsistência diante das desigualdadesrconômíco-sociais, ainda que as circunstâncias de ordem local, nestaou naquela faixa, apresentem características diferentes. No fundo,porém, é a mesma realidade gritante e absOrvente. Partindo, então, d<strong>os</strong>111csm<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>, as p<strong>os</strong>ições ideológicas e políticas podem chegarno mesmo ponto, quanto à solução fundamental de melhorar as condi­


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseQuando Jesus recomenda vestir <strong>os</strong> nus e dar pão a quem temfome, implicitamente está ensinando ação social, que é urna formaprática de aplicar o Evangelho. O movimento espírita, neste particular,já está em campo há muito tempo. Mas a solução prop<strong>os</strong>ta pelaDoutrina Espírita não é unilateral, é diferente de outras soluções.Antes de tudo, precisam<strong>os</strong> ter em vista, sempre e sempre, a premissabásica do <strong>Espiritismo</strong>: a ação social é um meio, e um meio necessário,mas não o fim último de n<strong>os</strong>sa realização. Não se melhora o homem.profundamente, apenas pela comida e pela roupa. Tem<strong>os</strong> de ir maislonge. Se é verdade que n<strong>os</strong> cumpre matar a fome física como deverinadiável, também é verdade que não podem<strong>os</strong> deixar em segundoplano as necessidades de ordem espiritual, pois no ser humano coexistema fome do corpo e a fome do espírito. Dentro desta concepção,naturalmente a ação social do <strong>Espiritismo</strong> não poderia reduzir-se a<strong>os</strong>uprimento exclusivo das carências materiais. Seria uma assistênciaincompleta, conquanto benéfica e de caráter premente. Quem estáfaminto e abandonado cria "alma nova", como se diz, quando recebeum prato de comida, mas o resultado do benefício, que é, aliás, umdever elementar, pode ser apenas momentâneo ou passageiro, se nãohouver uma palavra de orientação e reerguimento espiritual. Se oindivíduo volta ao que era, depois de alimentado, retornando à trilhado vício e do crime, sem o menor indício de transformação, evidentementeo trabalho de assistência ficou na superfície, porque não penetrouna alma. Justamente por isso, a visão espírita do problema édiferente": a assistência deve corresponder também às necessidades doespírito, pois é preciso despertar o homem, m<strong>os</strong>trar-lhe a vida poroutro prisma, levá-lo a formar uma consciência de responsabilidadeperante o seu próximo e perante as leis divinas.Já se sabe que. diante de um quadro pungente ou desesperador demiséria, onde há revolta e lágrimas por causa da fome, não é com umdiscurso nem um sermão que se abranda uma criatura que já não podefazer uso da razão, já perdeu a fé em si mesma, n<strong>os</strong> homens, em tudo,afinal. A solução, no caso, terá de ser prática, imediata. Dê-se-lhe oalimento, antes de quaisquer observações teóricas. Quem chega a esseponto, naturalmente sente a Mensagem do Cristo cada vez mais diante.Não basta, porém, alimentar e deixar como está. E como falar damensagem do Cristo, como dizer que ela não está distante sem ajudar,sem conversar, sem instruir? É o outro aspecto da assistência preconizadapelo ensino espírita. O programa espírita no campo social nãoestá, portanto, fora da realidade humana, tanto assim que a Doutrinadesaprova o procedimento d<strong>os</strong> que "fogem" do mundo ou ficam àparte, pois não se pode recomendar a observância de princípi<strong>os</strong>-30----


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesuperiores sem conhecer o mundo, sem sentir <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> de perto,tal como Paulo, pois é pelo trabalho junto às necessidades do corpo edo espírito que se desenvolve a ação social do <strong>Espiritismo</strong>. E se o<strong>Espiritismo</strong> significa, para nós, a restauração do Cristianismo em suaexpressão mais viva, sem roupagens de culto externo e sem instituiçõeshierarquizadas, portanto, o trabalho espírita de assistência é umaafirmação do Cristianismo, porque leva mensagem de amor sem nenhumadiscriminação religi<strong>os</strong>a e sem o mínimo intuito de pr<strong>os</strong>elitismo.Nesta linha de procedimento, conseqüentemente, não se pode perderde vista a necessidade da reforma do homem, por mais relevante ouimperi<strong>os</strong>a que seja a assistência material. Dar o alimento, a roupa, oremédio e o abrigo, segundo a natureza d<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, é um recursoimediato, a bem dizer imp<strong>os</strong>to pelo dever de solidariedade humana,quando se tem a consciência desse nobilitante dever. E tanto umcristão, israelita ou budista, quanto um cético ou sem religião podedistribuir socorro de emergência ou atender pessoas necessitadas, setiver inclinação para o bem. Muitas vezes se observa, na vida prática, oimpulso gener<strong>os</strong>o de um descrente ou apontado como ateu, comverdadeiro espírito de sacrifício pelo seu semelhante, ao passo quemuit<strong>os</strong> crentes, entre <strong>os</strong> que vivem de Evangelho na mão e não faltamàs cerimônias do templo, ficam indiferentes a<strong>os</strong> apel<strong>os</strong> da dor e a<strong>os</strong>quadr<strong>os</strong> deprimentes da pobreza desamparadas, porque preferem acomodidade e as grandezas de seu mundo de egoísmo.A visão espírita de assistência abrange o homem na totalidade,justamente porque, além do plano biológico, onde se localizam asnecessidades básicas do mecanismo orgânico, existem direit<strong>os</strong> e aspiraçõesque dizem respeito à destinação superior do homem. Cumpre,pois, ajudar o homem a melhorar-se n<strong>os</strong> três plan<strong>os</strong> - material,intelectual e espiritual - não importa o grupo étnico a que pertença ouo meio social de onde provenha. É o ser humano, antes de tudo, em suaconceituação global. Não podem<strong>os</strong>, entretanto, pensar em melhorá-l<strong>os</strong>em que lhe ofereçam<strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> que o ajudem a reerguer-se,compenentrando-se conscientemente de seu papel no mundo. Por issomesmo, repetim<strong>os</strong> que a comida e a roupa têm muito vaJor em seumomento mas é indispensável libertá-lo da ignorância e reintegrá-lo nadignidade da vida pelo conhecimento e pela reeducação. Se o pão docot'po, em muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, pode até ser esquecido (não faz mal dizer denovo), o pão do espírito nunca se desfaz, nem com a idade nem com asmudanças que ocorrem no "trem de vida", justamente porque é luzespiritual. Não podem<strong>os</strong> certamente alimentar ilusões com programasllliC vejam somente a solução material. Seria como que um retorno àépoca do "pão e circo".-31-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseDiante d<strong>os</strong> desafi<strong>os</strong> que estam<strong>os</strong> enfrentando em todas as direções,dentro de uma sociedade cada vez mais cheia de incertezas eapreensões, com a evidência de contrastes verdadeiramente desnorteantes,consideram<strong>os</strong> válidas (é justo que o reconheçam<strong>os</strong>) as tentativase experiências que se proponham a corrigir distorções por meio deequitativa distribuição d<strong>os</strong> bens indispensáveis à vida. Aliás, de tant<strong>os</strong>e falar em Cristianismo, de tanto se exaltar a sublimidade da palavrade Jesus, já não se compreende tamanha desigualdade sob "o cé4 deuma civilização cristã" ... Se, realmente, a eficiência de um planejamentode alto a baixo pode assegurar a estabilidade social, ainda queinterferindo n<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> de ordem mais íntima, a fim de que tod<strong>os</strong>participem da riqueza como patrimônio coletivo, convém levar emconta, entretanto, que a natureza humana tem aspirações e exigênciasque não podem ser padronizadas, a não ser sob a compressão da forçaou de artifíci<strong>os</strong> dissimuladores. Nenhum esquema poderia, em últimaanálise, estabelecer equivalência absoluta de valores, pois o mundoíntimo tem críteri<strong>os</strong> de julgamento muito diferentes d<strong>os</strong> critéri<strong>os</strong> queavaliam as necessidades do mundo orgânico. Se as criaturas humanaspodem ser niveladas n<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> e no uso d<strong>os</strong> bens essenciais, o querepresenta, inegavelmente, um traço p<strong>os</strong>itivo de justiça social, já nãopodem, todavia. ser arroladas no mesmo plano quando se trata deopções individuais e valores atinentes à esfera religi<strong>os</strong>a, política,cientfica, artística, e assim por diante. Dê-se a um indivíduo, porexemplo, tudo quanto lhe seja necessário à subsistência, faça-se tudopara que não lhe falte o indispensável à vida cotidiana, mas a proteçãoexterior, ainda assim, ou apesar disto, poderá ser constrangedora, selhe retiram o direito de fazer as suas opções ou lhe negam liberdadepara pensar e dizer como pensa. Não será bem uma pessoa em suaplenitude, mas uma peça humana, bem alimentada e bem vestida, masimobilizada espiritualmente, porque não tem espaço para as suasidéias. A faculdade decisória é inerente à racionalidade do ser humano.Como se vê, a ótica espírita naturalmente n<strong>os</strong> abre outr<strong>os</strong> ângul<strong>os</strong>de observações, sem fugir às imp<strong>os</strong>ições da realidade humana. Tem<strong>os</strong>de reconhecer forç<strong>os</strong>amente a incidência de fatores polític<strong>os</strong> e económic<strong>os</strong>na ordem social, mas não podem<strong>os</strong> pensar em reforma profunda,do homem e da sociedade, sem educação real, e não oducação deverniz, quando não preparada unicamente para corresponder a<strong>os</strong> interessesdo Estado. Como seria p<strong>os</strong>sível uma ordem social realmentejusta sem atenção à pessoa humana, sem liberdade, sem amor, masamor na acepção elevada de respeito e solidariedade sem discriminação?Nem do materialismo, nem tampouco do angelismo ou da beatitudeimprodutiva sairá a resp<strong>os</strong>ta cabal às questões que estão agitando o-32-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensemundo e ameaçando a humanidade com o pesadelo de uma convulsãogeral, cujas consequências nenhum filósofo, nenhum sociólogo, nenhumcientista político seria capaz de prever com toda a exatidão.Cedo ou tarde, o equilíbrio terá de ser procurado no Evangelho, aindaque a muit<strong>os</strong> se afigure utopia.Em suas incursões no pensamento fil<strong>os</strong>ófico e social de origensdiversas, o espírita é livre para citar Tomás de Aquino ou Leão XIII,Augusto Comte ou Spencer, assim como Weber ou Maritain, porexemplo, sem comprometer <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> do <strong>Espiritismo</strong>. Os <strong>problemas</strong>sociais não constituem preocupação exclusiva de uma religião oude um partido político; são <strong>problemas</strong> da humanidade, atualmenteainda mais amedrontada pela violência e pela impressionante desproporçãoentie a fartura e a miséria, como se f<strong>os</strong>sem dois mund<strong>os</strong>estranh<strong>os</strong> entre si. O antagonismo entre <strong>os</strong> que desfrutam da opulênciae <strong>os</strong> que sofrem as amarguras do abandono levam a crises sociaisevidentemente alarmantes, como estam<strong>os</strong> vendo. E não se diga que éextremismo de direita ou de esquerda: é a realidade por si mesma. Adesproporção é muito grande. Nesta linha de análise político-social,ainda está com a palavra o Prior' do Dominican<strong>os</strong> de Paris. Pelo teor deseu discurso, o Cristianismo precisa entrar em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> "paraser vivo e fecundo". Não se pode esperar um Cristianismo fora domundo, ou todo metafísico nesta quadra torment<strong>os</strong>a da História,inteiramente à margem das condições em que vive o homem. Mais umtrecho do padre Desobry: Foi sempre uma tentação para alguns crerque a perfeição consiste em se desligar de todas as contingências desteséculo. O Cristo disse, é verdade: ''Jvfeu reino não é deste mundo". Masuma compreensão errada desta palavra evangélica - explica umgrande teólogo dá ação católica, o padre Chenu, O.P. - pode fazercrer que <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> d<strong>os</strong> homens, seus fracass<strong>os</strong>, seus bons êxit<strong>os</strong>, <strong>os</strong>sobressalt<strong>os</strong> da sociedade não passam de uma ocasião indiferente desofrimento redentor para a conquista de um mundo supra terreno. Nãotêm nada a ver, como cristã<strong>os</strong>, com toda a trama humana e natural dasociedade (4). Examinem<strong>os</strong> o tema com isenção.Neste ponto, embora, não n<strong>os</strong> interesse saber se o conferencistaporventura se prende a esta ou aquela tendência política e apesar de~starm<strong>os</strong> em camp<strong>os</strong> abertamente discordantes no que diz respeito a"pont<strong>os</strong> de fe', há uma coincidência com o p~nsamento espírita.1 ' 1 ! L~te ponto ~ugere melhores reflexões dentro do contexto espírita. Entendem<strong>os</strong> a expressão "'meuI


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense<strong>Espiritismo</strong> também não aprova a "vida puramente contemplativa",como se não estivéssem<strong>os</strong> com <strong>os</strong> ''pés na terra''. O homem precisa davida social, porque lhe cumpre, antes de tudo, participar do mundo,sem o que não terá condições de progredir, também espiritualmente. Ea visão humanista da Doutrina Espirita é tão penetrante que chega arecomendar um tipo de vida concordante com a n<strong>os</strong>sa época, isto é,viver de acordo com a ordem natural, sem esquisitice, sem regrasconventuais. (Leia-se: O homem deve progredir. Não o fará sozinho,porque não p<strong>os</strong>sui todas faculdades: é-lhe necessário o contato com <strong>os</strong>outr<strong>os</strong> homens. No isolamento se embrutece e se estio/a. - "O livrod<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>" - questões 766 a 770). E Allan Kardec, por sua vez,acrescenta: ... "necessitando-se uns d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, <strong>os</strong> homens são feit<strong>os</strong>para viver em sociedade, e não isolad<strong>os</strong>". (Leia-se ainda "O EvangelhoSegundo o <strong>Espiritismo</strong>" cap. XVII n" 10).Para <strong>os</strong> espíritas, finalmente, o Cristianismo não é apático. Se, narealidade, o cristão ficasse apenas na fé, rezando e contemplando omundo a grande distância, sem participar do trabalho de transformaçãodo homem e da sociedade, jamais a palavra do Cristo teria influênciaponderável. O verdadeiro cristão, o que tem o Evangelho dentro de si,e não o que apenas repete versícul<strong>os</strong> e sentenças, não pode cruzar <strong>os</strong>braç<strong>os</strong> dentro de um mundo arruinado e poluído pel<strong>os</strong> víci<strong>os</strong>, pelaimoralidade e pelo egoísmo. Aqui está, sem tirar nem pôr, o rumo devida apontado pela Doutrina Espírita:"O HOMEM TEM POR MISSÃO TRABALHAR PELAMELHORIA DO PLANETA. Então, podem<strong>os</strong>, nós, espíritas,deixar de lado <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> que dizem respeito ao homem? Não.Cabe-lhe (ao homem) desobstruí-lo, saneá-lo, dispô-lo para rece·ber um dia toda a população que a sua extensão comporta. Paraalimentar essa população que cresce incessantemente, preciso sefaz aumentar a produção. Se a produção de um país é insuficiente,será necessário buscá-la fora. Por isso mesmo o intercâmbioentre <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> constitui uma necessidade." (0 EVANGELHOSEGUNDO O ESPIRITISMO - Cap. XVI.)Não estando corporificada em nenhuma igreja, como não estásubordinada a nenhuma forma do culto, conquanto sejam todas respeitáveis,a Mensagem do Cristo é transcendente, acima de todas aslimitações, pois exprime valores perenes no tempo e no espaço.Devem<strong>os</strong> procurá-la, portanto, sempre fora de conotações políticas e~ombinações de grup<strong>os</strong>.-34-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseIIENTRE DEUS E CÉSARMuita gente vê no Evangelho apenas "revelaçãode fé"_ Nem tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> crentesdas diversas denominações cristãs percebem o sentido humano dasrecomendações do Cristo. O Evangelho há de ser vivido também nestemundo, e não apenas no "outro mundo", como se não tivesse consistênciano plano terreno. Para muit<strong>os</strong>, é certo, as soluções materiaisnada têm que ver com a vida espiritual, o que vem a ser. por outraspalavras, apenas isto: o homem é inteiramente livre no mundo d<strong>os</strong>negóci<strong>os</strong> e, assim, tudo lhe é lícito, contanto que obtenha o êxitodesejado. Entretanto a interpretação espírita, atendo-se à própriarealidade humana, aponta um rumo diferente. Os <strong>problemas</strong> materiaissão inerentes ao n<strong>os</strong>so mundo e aqui mesmo se desfazemquando de n<strong>os</strong>sa passagem para o outro plano da vida; mas <strong>os</strong>n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> at<strong>os</strong>, descobert<strong>os</strong> ou velad<strong>os</strong>, têm influência em n<strong>os</strong>so-35-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensefuturo espiritual, visto como - segundo a Doutrina Espírita - agrande lei moral, cujo foro é a consciência, também se faz sentir nascoisas de César. Em term<strong>os</strong> mais clar<strong>os</strong>: <strong>os</strong> atas que praticam<strong>os</strong> ouvierm<strong>os</strong> a praticar tanto na vida empresarial quanto na política ou nocomércio, seja como patrão, seja como empregado, estão sujeit<strong>os</strong> aojulgamento da suprema instância divina. Se o indivíduo é honestoapenas para efeito exterior, mas não o é na intimidade da consciência,ainda que lhe coloquem na cabeça todas as coroas de grandeza, terá desofrer as conseqüências, não em "penas eternas", mas no curso deprovas inevitáveis pelas quais terá de corrigir-se e reparar <strong>os</strong> males quepraticou e ocultou. E como? Onde? Pela reencarnação, aqui mesmo,neste mundo. E, um dia, cumprida a justiça, não precisará maisregressar ao "palco das experiências terrenas".Deixem<strong>os</strong>, agora, as idéias gerais, naturalmente destinadas àquelesque ainda não têm leituras espíritas, nem mesmo superficiais, eprocurem<strong>os</strong> o aspecto prático das aplicações do Evangelho. Já n<strong>os</strong>primeir<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> do Cristianismo a nova Mensagem defrontou-se como formalismo farisaico. que usava de tod<strong>os</strong> "<strong>os</strong> expedientes" paraencobrir-lhe a essência. É inútil, no entanto, tal como então se praticava,lavar as mã<strong>os</strong> no templo, assumir p<strong>os</strong>turas estilizadas, recitar <strong>os</strong>preceit<strong>os</strong> da religião e levar oferendas ao altar, mas logo depoispraticar <strong>os</strong> at<strong>os</strong> mais escus<strong>os</strong> lá fora, depois da devoção. É a flagrantedicotomia entre a moral do ato religi<strong>os</strong>o e a moral d<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong>, comàse f<strong>os</strong>sem duas pessoas em tudo e por tudo antagónicas ou de naturezasdiferentes. A recomendação do Cristo sempre foi utilizada em'nuit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> como anteparo de acomodações e distorções.Sobrepondo-se às sutilezas e divagações equívocas, o ensinot.::spírita deixa bem claro que entre Deus e César existe realmente umalinha divisória no que se refere à natureza das coisas e das obrigaçõesestritamente temporais, como pagar imp<strong>os</strong>to, atender às convocaçõesdo Estado, dirigir bem o património coletivo, e assim por diante. Tudoisto é da Terra e fica na Terra, pois o que se leva desta existência é opatrimõnio espiritual. Mas não encontram<strong>os</strong> a neutralidade absolutaque tanto se invoca em defesa de cert<strong>os</strong> procediment<strong>os</strong>. Os desvi<strong>os</strong> dohomem nas coisas de Cesar têm repercussão na Justiça Divina. ··se ascoisas de Deus nada têm de comum com <strong>os</strong> negóci<strong>os</strong> de n<strong>os</strong>so mundo,porque são dois plan<strong>os</strong> distint<strong>os</strong>, as ações que praticam<strong>os</strong> aqui ficampor aqui mesmo, e, portanto, cada qual que se defenda de acordo coma ocasião que se lhe apresente". Há quem raciocine assim. É sofisma.Som<strong>os</strong> responsáveis. perante o julgamento divino, pelo que fizerm<strong>os</strong>oa Terra, sejam quais forem as "habilidades" e artimanhas para-36-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseencobrir o move] das ações. É uma inferência do pensamento espírita.Se "<strong>os</strong> bens da Terra pertencem a Deus", obviamente a sentençaevangélica "A César o que é de César e a Deus o que é de Deus"também é válida em relação à origem da fortuna material. Que diz aDoutrina Espírita sobre a propriedade privada, por exemplo? Simplesmente:Uma propriedade só é legitimamente adquirida quando de suaaquisição não resulta prejuízo para ninguém. Se alguém pr<strong>os</strong>peramaterialmente, mas <strong>os</strong> seus triunf<strong>os</strong> custam a ruína de terceir<strong>os</strong> oudeixam lágrimas em famílias que ficam sem teto e sem pão, estáinevitavelmente incurso na lei de causa e efeito, pois terá que responderpelo mal praticado, não importa quando, em que situação ou emque lugar. Está no corpo da Doutrina: Contas serão pedidas de tododinheiro mal ganho, isto é, com prejuízo de outrem ("O Evavelh<strong>os</strong>egundo o <strong>Espiritismo</strong>"). Tem<strong>os</strong> aí, portanto, um código de ética.É bem verdade que, com dinheiro ou influências fortes, por meiode uma "papelada" astuci<strong>os</strong>amente preparada, as espertezas humanaspodem emprestar "legitimidade" ou direito de p<strong>os</strong>se a muit<strong>os</strong> bensobtid<strong>os</strong> ilicitamente. E porventura quem assim procede nas coisas deCésar, que são muito envolventes, estará isento da prestação de contasperante a Lei maior, acima das jurisdições terrenas? E que significaesse veredicto senão a própria Justiça de um Poder superior? Nãoaceitam<strong>os</strong> a idéia de inferno nem "penas eternas, nem muito men<strong>os</strong> asdo céu e purgatório", mas a prevalência de uma Justiça perante a qualtod<strong>os</strong> terão julgamento. A consciência não se apaga com a "morte".Os abus<strong>os</strong> de hoje, seja no exercício da autoridade, seja na administraçãopública ou particular, no emprego do dinheiro ou no uso dainteligência, serão reparad<strong>os</strong> amanhã. n<strong>os</strong> alt<strong>os</strong> e baix<strong>os</strong> da vida, àcusta de experiêncías reencarnatórias até que se complete a reparaçãoe reabilitação. Isenta de condenações e "castig<strong>os</strong> etern<strong>os</strong>", a justiçareparadora, segundo a visão espírita, abre as pers!Jectivas da oportunidadea tod<strong>os</strong>. Isto quer dizer que a reencarnação permite a cada qualreabilitar-se perante a Justiça Divina no tempo e no espaço. Aquele,portanto, que fizer mau uso d<strong>os</strong> talent<strong>os</strong>, como adverte o Evangelho,naturalmente na sup<strong>os</strong>ição de que o mundo de Cesar é livre para tudo,voltará à Terra, tantas vezes se torne necessário, para cumprir a Lei,sofrendo, aprendendo, reabilitando--se, pois a reencarnação tambémabre ciareiras de esperança.Em resumo, a p<strong>os</strong>ição em que a Doutrina Espírita n<strong>os</strong> colocadiante d<strong>os</strong> dois pian<strong>os</strong> - Deus e César -- implicitamente n<strong>os</strong> indicauma regra de procedimento equilibrado, enquanto estam<strong>os</strong> na Terradevem<strong>os</strong> viver segundo as leis deste plano, de acordo com a natureza e-37-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseas necessidades de n<strong>os</strong>so mundo, sem sairm<strong>os</strong> da ordem natural e semser necessário recorrer a privações e mortificações, absolutamentedesnecessárias. Entretanto, na satisfação natural das vantagens que avida terrena n<strong>os</strong> proporciona ou na conquista d<strong>os</strong> títul<strong>os</strong> alcançad<strong>os</strong>pelo esforço e pela competência, jamais devem<strong>os</strong> esquecer a supremaciada Lei Divina, pois Deus não está ausente do mundo de César,embora tenham amb<strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> e valores diferentes.Diz-se às vezes que o <strong>Espiritismo</strong> se descuida inteiramente davida material. É uma sup<strong>os</strong>ição totalmente errônea. Bastaria lembrarque a Doutrina Espírita reprova a omissão ou o enclausuramentodeliberado para fugir do mundo, pois devem<strong>os</strong> participar e, assim,oferecer à sociedade a n<strong>os</strong>sa cota de serviço. Como poderem<strong>os</strong> trabalharpelo melhoramento do mundo, se n<strong>os</strong> afastam<strong>os</strong> ou n<strong>os</strong> alienam<strong>os</strong>na "vida puramente contemplativa", que é muito cômoda, mas inteiramenteinfrutífera por ser inoperante? A Doutrina Espírita nunca estevee não está à margem d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>. Seria aconselhável, aesta altura, pedir atenção, de um modo especial, para a III: parte de "OLivro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>", pois ali não somente <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> do <strong>Espiritismo</strong>,mas também sociólog<strong>os</strong> e economistas encontrarão disp<strong>os</strong>içõessobre a necessidade da vida social, distribuição da riqueza, <strong>problemas</strong>de Feprodução, relações trabalhistas etc. O pensamento social daDoutrina Espírita ainda não foi des


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseser humano, como e.scola, saúde, preservação da natureza, defesa davida. Não é a única, porém úma das causas de muitas crises internascom reflex<strong>os</strong> extern<strong>os</strong>. A crítica espírita incide. por isso mesmo, n<strong>os</strong>desvi<strong>os</strong> tantas vezes notad<strong>os</strong> entre as necessidades reais e as necessidadesacessórias ou secundárias, o que quer dizer, em suma, que o<strong>Espiritismo</strong> não desloca o homem da realidade social. Sem compromissocom qualquer doutrina política, encara <strong>os</strong> fat<strong>os</strong> com objetividadecomo aqui se vê: A civilização criou para o Homem novas necessidades,e estas são relativas à p<strong>os</strong>ição social que ele conquistou. Teve eleque regular direit<strong>os</strong> e deveres dessa p<strong>os</strong>ição por meio de leis humanas.Entretanto, sob a influência das paixões, por vezes criou ele direit<strong>os</strong> edeveres imaginári<strong>os</strong>, condenad<strong>os</strong> pela lei natural e que <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> riscamde seus códig<strong>os</strong> à medida que progridem. A lei natural é imutável e amesma para tod<strong>os</strong>. A lei humana é variável e progressiva. Só ela podena infância da humanidade, consagrar o direito do mais forte. (Comentáriode Allan Kardec, a propósito da questão 794, referente aoprogresso da legislação humana- "Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>") Em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>pass<strong>os</strong> em que se ocupa d<strong>os</strong> problema sociais, sem se desviar daspreocupações intrínsecas com o Jado espiritual do ser humano, aDoutrina valoriza fundamentalmente a educação no âmago das relaçõesentre o capital e o trabalho, empregador e empregado, Estado eindivíduo, e assim por diante. Justamente por isso, sua maneira desituar e interpretar <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> à luz do mandamento "a César o queé de César e a Deus o que é de Deus'', não se identifica nem poderiaidentificar-se com esquemas rigor<strong>os</strong>amente político~econômic<strong>os</strong>. conquantohaja coincidências neste ou naquele ponto. Nada mais do queisto. Há conceit<strong>os</strong> muito elástic<strong>os</strong> e, por isso, às vezes se encontrampensament<strong>os</strong> coincidentes em doutrinas diversas.Se o fato r econômico é o primeiro elemento relevante sem perderde vista a conjugação política, o fator moral se torna tão importantecomo <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, pois não podem<strong>os</strong> pensar em direito sem dever. Se hádireito, há dever. É o que há de mais óbvio na vida cotidiana. Se otrabalhador tem direito de exigir ou reclamar salário justo, na horacerta, aquele que paga tem o direito, por sua vez, de exigir pontualidadee serviço bem feito. E como formar a consciência do dever, de partea parte, sem uma noção clara de responsabilidade moral? Não é semmotivo que as previsões espíritas encarem o papel decisivo da educaçãono mecanismo da relações sociais. Como querer uma reforma dementalidade sem esclarecimento, e sem um plano de educação emprofundidade? Que estam<strong>os</strong> vendo hoje, por exemplo? O desesperocausado pelo desemprego, o pânico generalizado por causa da incertezae da falta de segurança pessoal. As ciências e as técnicas, utilizadas-39-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseem grande parte para fins de destruição, constituem uma das maiores emais pavor<strong>os</strong>as ameaças à humanidade. Então, muita cultura humana.muita sofisticação tecnológica, mas cada vez maior desrespeito à vidahumana e à natureza. E não poderia tanto poder de criatividadecientífica ser p<strong>os</strong>to a serviço do bem estar humano? ... E por quê não oé? Porque o desenvolvimento da capacidade intelectual não está emcorrespondência com o sentimento. E o homem sem sentimento ouinsensível é tão indiferente à vida de seu semelhante como qualquermáquina. Sem a reforma do homem, antes de tudo, não se podeesperar o reinado da justiça e da paz. É uma das prop<strong>os</strong>ições implícitasno contexto espírita.Ao lado, porém, desta desalentadora situação geral, a ignorânciae o fraquíssimo teor de educação concorrem para o agravamento dasdificuldades, pelo men<strong>os</strong> até certo ponto. Muita gente vive desregradamente,sobrecarregando sua já sacrificada economia em futilidades. Aimprevidência, em muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, é responsável pela decadência materialde muitas pessoas, cuj<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> denunciam a extravagância emque viviam. Se houvesse mais ordem na vida particular, men<strong>os</strong> desperdício,mas em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> segment<strong>os</strong> da sociedade, a gravidade dasituação certamente não assumiria proporções tão alarmantes. Sabem<strong>os</strong>que existem causas mais remotas e mais complexas, porém odesequilíbrio n<strong>os</strong> hábit<strong>os</strong> e na economia particular tem repercussãomuito funda na crise social. E, por cima de tudo, há uma crise moral. Afalta de exemplo, tanto faz no Poder Público como na esfera familiarou empresarial, gera a incerteza, a desconfiança, a permissividadeirrefreável.Sem a reforma moral não há instituição que resista a<strong>os</strong> process<strong>os</strong>de ação corr<strong>os</strong>iva. Há quem sustente a tese da independência definitivaentre a economia e a moral como dois univers<strong>os</strong> completamenteestranh<strong>os</strong>. Justifica-se a tese com a alegação, aliás trivial, de que aeconomia se rege por leis próprias~ tem campo próprio, como métod<strong>os</strong>e técnicas que nenhuma relação tem com princípi<strong>os</strong> subjetiv<strong>os</strong> demoral. A economia, neste caso, deve ser aética (palavra cunhadanestes últim<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> e de uso mais adequado à linguagem tecnocrática),porque está inteiramente fora d<strong>os</strong> padrões de ética. Se a ciênciaeconômica em si pertence a outra escala de valores, independentementedas especulações morais, o que não se contesta, a condução dasoperações econômicas, entretanto, sob a responsabilidade do homem,necessita de uma garantia moral para que não venha a degenerar-se nasambições desmedidas, com efeit<strong>os</strong> sociais profundamente dan<strong>os</strong><strong>os</strong>.Os resultad<strong>os</strong> dessa concepção econômica - a experiência que odiga- estão causando transtorn<strong>os</strong> gerais: plan<strong>os</strong> muito bem elaborad<strong>os</strong>,-40--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseminuci<strong>os</strong>amente esquematizad<strong>os</strong>, mas desuman<strong>os</strong>, porque se planeja aeconomia sem pensar no homem. Por isso mesmo, a humanidade estásofrendo, em grande parte, as duras conseqüências da tecnocraciamundial. Ao invés de servir ao homem, a predominância tecnológicaestá anulando o homem pelo poder de absorção, quando poderia serum bem geral e uma comprovação de adiantamento da espécie humana.Já em 1968, agudo observador de uma crise ocorrida na França,crise iniciada por uma reivindicação universitária, identificou o fenômenoda agressão tecnológica com muita lucidez. Não tem<strong>os</strong> element<strong>os</strong>para fazer apreciação d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, mas sublinham<strong>os</strong> bem oque escreveu Ellen Appel. Disse ele, em palavras candentes, porémmuito apropriadas, que o movimento francês não reclamava somentereforma universitária, mas "a transformação de uma sociedade cujafinalidade é a de produzir para consumir''. ("Correio da Manhã'' de 30de maio de 68) Disse mais: Lutam contra uma civilização tecnocráticaonde até mesmo a cultura é imp<strong>os</strong>ta em função de sua rentabilidade.Luta pela revalorização do indivíduo, atacando a educação de "catálogo",que visa a formar homens "eficazes". Lutam por uma sociedadelivre e justa, tendo como base o diálogo, e como fim o homem,consciente, capaz de escolha. (5) Palavras que ainda se enquadrammuito na situação aluai. Seja qual for a condição social, a criaturahumana tem aspirações que não podem ser reprimidas por nenhumpoder estranho: - o saber pelo saber, a criatividade do espírito, oculto das expressões estéticas, a liberdade nas preferências intelectuais.Sem o direito de escolha nas tendências vocacionais, a civilizaçãoterá uma geração de jovens frustrad<strong>os</strong> e recalcad<strong>os</strong>. Os plan<strong>os</strong> dainteligência criadora na conquista do conhecimento não podem sertraçad<strong>os</strong> pelo Estado. E,se assim for, se continuar a interferência doPoder na formação da cultura, impondo uma "profissionalização"absorvente para que haja somente homens ''eficazes'', como acentuouo crítico da situação francesa de 68, a chamada c'ivilização tecnológicachegará a ponto extremo de transformar o homem apenas em robô,cuja função na vida é produzir, e produzir maquinalmente. Então, acultura já não teria o sentido de riqueza do espírito, uma vez que tudojá estaria "programado",segundo a bitola do sistema dominante. Tudoisto, afinal, significa a primazia da preocupação econômica sem umpadrão de ética. Tais fenômen<strong>os</strong>, analisad<strong>os</strong> à luz d<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong>espíritas, revelam uma tendência <strong>os</strong>tensivamente prejudicial(5)- O "Correio da Manhã" era um d<strong>os</strong> maiores jornais do Rio, mas saiu de circulação faz algumtempo. Lembram<strong>os</strong>, a propósito, que o "Correio" teve uma coluna espirita, a princípio sob aresponsabilidade de Fred Figner.--41-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseao desenvolvimento espiritual do ser humano, pois a cultura nuncadeve ser dirigida mecanicamente com o intuito de apresentar produçãopara fins imediat<strong>os</strong> e predeterminad<strong>os</strong>. A cultura é opção do espírito,tanto faz literária, quanto científica, fil<strong>os</strong>ófica ou artística. Por issomesmo, em concordância com o raciocínio espírita, entendem<strong>os</strong> quenão se pode excluir a ética das realizações econômicas, embora o fatoeconômico não se confunda com o fato moral. A distinção entre Deus eCésar não exclui a responsabilidade moral n<strong>os</strong> empreendiment<strong>os</strong> domundo.Permitimo-n<strong>os</strong> incluir aqui o que escrevem<strong>os</strong>, sobre esta matériano "Jornal do Commercio" (Rio) de 26/11/980:Por mais que o espírito pragmático se esforce para separar aordem econômica da ordem moral, como se f<strong>os</strong>sem duas instânciascompletamente indiferentes entre si, a experiência históricavem demonstrando que a condução d<strong>os</strong> plan<strong>os</strong> econômic<strong>os</strong> sem ainspiração de princípi<strong>os</strong> morais pode criar riqueza, como podeacelerar <strong>os</strong> process<strong>os</strong> de uma pr<strong>os</strong>peridade rápida e ruid<strong>os</strong>a, masagrava cada vez mais <strong>os</strong> conflit<strong>os</strong> sacio-emocionais, exatamenteporque provoca injustiça e descontentament<strong>os</strong> irrefreáveis. Inegavelmente,a expressão econômica pertence a uma categoriadiferente d<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> abstraias de Ética especulativa. Leve-seem conta, entretanto, que a direção econômica não pode fazerabstração de padrões normativ<strong>os</strong>, precisamente porque a Economiaenvolve o ser humano, existe em razão de necessidadesfundamentais, não é uma criação situada no espaço, fora darealidade social.Se é verdade que, na classificação geral, a Economia temrelações com a Sociologia, o Direito, a Psicologia Social, etc., oque não impede, em última análise, que seja até objeto deinquirição fil<strong>os</strong>ófica, igualmente é verdade que a sua preocupaçãoobjetiva é a realização do bem-estar material, seja a serviçoda iniciativa particular, seja a serviço do Estado. Mas o bemestarindividual está naturalmente implícito na visão global dasaquisições públicas e, por isso mesmo, pressupõe uma noçãoclara de justiça, para que não haja distorções. E como poderia aEconomia ser um instrumento do bem público sem <strong>os</strong> escrúpul<strong>os</strong>e as cautelas que a Ética preconiza tanto na esfera privada quantona esfera estatal? Há quem diga, por força de uma interpretaçãomuito simplista d<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> sociais ou por motiv<strong>os</strong> não revelad<strong>os</strong>,que • 'a Economia nada tem com a Ética'', ou ainda de outro-42-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensemodo mais frisante: "a ordem nwrul e a onfnu rrtHiúmllA tP.mcaminh<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> e fins divers<strong>os</strong>; por Jssu, 1IIIJILH >tr rUl'tHItram ''. É uma concepção destituída de comprccnsiiu s


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseinerente à realização da vida se expressa em reduções estatísticase gráfic<strong>os</strong> de gabinete, como se as apresentações numéricastivessem a chave de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>. E quanto sofisma sepode fazer com o manejo de estatísticas? ... E o homem, por suavez, não tem aspirações ideais? Sem a conformação da atividadeeconômica a<strong>os</strong> padrões de Ética ou de respeito a um consenso deressalvas limitativas, a administração corre o risco de abrircaminho fácil a todas as formas de artifíci<strong>os</strong>.Pois bem, a neutralidade absoluta que se pretende estabele·cer entre <strong>os</strong> valores econômic<strong>os</strong> e o valores étic<strong>os</strong>, se tem<strong>os</strong> emvista as responsabilidades do Estado, também seria muito permissiva,porquanto admitiria ou estimularia a prevalência dointeresse imediato sobre outras esferas do interesse social, aindaque sacrificando as criações do espírito, quer no domínio dacultura desinteressada ou do saber puro, quer no aperfeiçoamentoda própria experiência política. É o que acontece quando sesupervaloriza a atividade económica como centro de fixações doEstado. Não seria p<strong>os</strong>sível admitir progresso integral se a sociedadese descuida do lado espiritual da vida ou men<strong>os</strong>preza aprodução intelectual. Quando o económico se sobrepõe ao ético,sob alegações que nunca faltam, embora sibilinas, ocorre umfenômeno, cuja gravidade nem tod<strong>os</strong> percebem: a imp<strong>os</strong>ição deum primado capaz de asfixiar todo o organismo social pelaabsorção d<strong>os</strong>-outr<strong>os</strong> valores e pelo sentido preferencial do pensamentoeconômico como razão única de convivência. Economia eÉtica são conceit<strong>os</strong> distint<strong>os</strong>, mas não se excluem.-44-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseIIIO ABORTO À LUZ DA DOUTRINAESPÍRITAse a Doutrina Espírita não propõe soluçõestécnicas quando se refere a<strong>os</strong> prob1emassocio~econômic<strong>os</strong>, o que, realmente, está fora de seu progra~ma, não deixa, entretanto, de se preocupar com o problema demográficoquando diz que "Para alimentar essa população, que cresce incessantemente,preciso se faz aumentar a produção". É uma regra óbvia,:dir-se-ia. Mas as previsões da Doutrina são condizentes com a suafil<strong>os</strong>ofia. Já sabem<strong>os</strong> que a tese de Malthus teve a sua época, quepassou, mas voltou a ser utilizada de certo tempo a esta parte, dentrode context<strong>os</strong> nov<strong>os</strong>(6) Lançou-se, por isso, uma política populacional(6) - Thomas Malthus, economista in$1ês. Sua teoria foi lançado no começo do sec. XIX: apopulação cresce em progressão geometrica, enquanto <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de subsistência aumentam emprogressão aritmética. Defendia então haver uma legislação especial para restringir a população.principalmente nas "classe


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseexatamente a fim de impedir <strong>os</strong> "nasciment<strong>os</strong> desordenad<strong>os</strong>". Emsuma, "controle" da natalidade para chegar ao equilíbrio económico.Motivo: come-se mais do que se produz, é a alegação de todo momento.A providência administrativa seria até um tanto simplista: regulamentaro crescimento da popuJação para evitar o desnivelamento entrea produção e o consumo. E indisfarçável o temor da "expl<strong>os</strong>ãodemográfica".Sob o ponto de vista estritamente econômico, a interferência doEstado seria pacífica, em última hipótese. Mas a sociedade humana éum todo, muito complexo, com necessidades, tendências, reaçôes easpirações imprevisíveis em função do meio natural e do meio cultural.Já sabem<strong>os</strong> que as mudanças operadas neste quarto de século trouxeram<strong>problemas</strong> que não poderiam ser definid<strong>os</strong> há cinqüenta an<strong>os</strong>,digam<strong>os</strong> assim. Estam<strong>os</strong> vivendo uma realidade desafiante. E é dentrodesta realidade que se apresenta, hoje, o problema populacional. Háexperiências políticas em que o "controle" prevalece, sqb força de lei,e é muito aplaudido como eficiência administrativa. E certo que otempo virá a demonstrar, mais cedo ou mais tarde, até quando seráp<strong>os</strong>sível o regime de limitação. Por enquanto o que está em tela é omodelo chinês, que ainda não teve tempo para a definitiva confirmaçãohistórica. Se é verdade que não podem<strong>os</strong> desconhecer <strong>os</strong> fat<strong>os</strong> que sesucedem no mundo, pois estam<strong>os</strong> envolvid<strong>os</strong> na contextura social,também é verdade que o problema da limitação de filh<strong>os</strong> se configuraatravés de mais de um prisma quando o encaram<strong>os</strong> pela ótica espírita.Que o problema da produção e do consumo se agravou muitodepois da última guerra, não há a menor dúvida: que <strong>os</strong> homens degoverno estão diante de uma situação aflitiva é tão notório como aexistência do desemprego em massa. Todavia, a imp<strong>os</strong>ição do "controle"d<strong>os</strong> nasciment<strong>os</strong>, seja em nome do Estado, seja em nome deuma instituição ou de um plano administrativo, contraria diretamente aética espírita. Justamente por isso, não seríam<strong>os</strong> conseqüentes com asn<strong>os</strong>sas idéias se n<strong>os</strong> voltássem<strong>os</strong> apenas para o lado imediato ouprático, deixando de lado as implicações da Doutrina, que n<strong>os</strong> serve deroteiro em todas as circunstâncias. Enfim, a decisão de ter ou não terfilho é da competência privativa do casal, a não ser n<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> emqueprepondera a força da natureza por meio da esterilidade ou deoutras deficiências que impedem a gestação. A intromissão do Estadoé uma violência, quaisquer que sejam as razões políticas. Se pensam<strong>os</strong>assim é porque não raciocinam<strong>os</strong> por uma linha de pensamento visceralmenteorganicista nem tampouco n<strong>os</strong> inclinam<strong>os</strong> pela teoria daequiparação d<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> sociais a<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> biológic<strong>os</strong>, comotanto se encarecia noutr<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>. Afinal, qual a direção que n<strong>os</strong> aponta aDoutrina Espírita hoje, perante a convergência d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> decorrentesdas restrições à natalidade? O problema da reprodução está vinculado-46-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensea três fatores que se completam: assistência integral, esclarecimento eeducação. O problema não é, portanto, de decreto. A falta de informações,conjugada a uma educação preéaria, tem influência inevitávelnas precipitações e n<strong>os</strong> risc<strong>os</strong> do aborto, muitas vezes praticado porignorância ou, deliberadamente, para fugir à responsabilidade. A faltade assistência, cada vez mais agravada pelo desemprego, principalmenteno momento cruciante em que o chefe de família não tem omínimo de subsistência e não vê como sustentar mais filh<strong>os</strong>, gera otemor e <strong>os</strong> dramas de consciência, profundamente desesperadores. É oclímax propício ao aborto como solução imperi<strong>os</strong>a. Quem poderiacondenar o aborto como ato de desespero, forçado pelas agruras dafome, e sem esperança de melhores dias?'. .. Nem o Estado nem asociedade, porque não deram nem assistência nem pelo men<strong>os</strong> a basepara a dignidade da vida humana. Não é o caso, porém, daqueles que,pertencendo a outro meio social, têm mais esclarecimento e tomam assuas decisões de planejamento familiar com inteligência e realism<strong>os</strong>em descambar para <strong>os</strong> desvi<strong>os</strong> obscur<strong>os</strong> e engan<strong>os</strong>o:.;. A intromissãoestranha é uma exorbitância.Que o Estado regulamente a ordem econômica ou gestão d<strong>os</strong>bens de consumo, por exemplo, é atribuição que lhe é pertinente emdeterminadas circunstâncias, mas não interfira no ventre materno, poisa decisão de ter ou não ter filh<strong>os</strong> pertence à esfera privativa do livrearbítrio. Os plan<strong>os</strong> estatais dão precedência à ordem econômica, comabstração, portanto, de qualquer ponderação de ética. Dentro dessesparâmetr<strong>os</strong> (palavra muito usada atualmente na linguagem tecnocrática)bastaria então "distribuir pílulas entre as populações mais carentes",até mesmo com o emprego da força, como quem lida com umrebanho de animais encurralad<strong>os</strong>, e estaria assegurada a conformidadeda produção com as "taxas de nascimento". Não desconhecem<strong>os</strong> <strong>os</strong>argument<strong>os</strong> que reforçam a predominância do económico sobre oético, tanto quanto do material sobre o espiritual. Se o equilíbrio entrea produção e o consumo - não faz mal repetir- é um d<strong>os</strong> dad<strong>os</strong> maisrelevantes do problema; e se esse equilíbrio depende, como se afirma,de uma política de contenção da natalidade para que não haja aumentodesproporcional da população, há outr<strong>os</strong> dad<strong>os</strong> cuja significação nã<strong>os</strong>eria justo pôr à margem. Um deles, por exemplo, é a desigualdade dasconcepções de vida e, conseqüentemente, do estilo familiar. Por issomesmo, não é sem uma razão forte que as prop<strong>os</strong>ições espíritasencaram o poder transformador da educação. Por influência de umaação educativa realmente formadora, e não apenas informadora ou deverniz, <strong>os</strong> horizontes do espírito se abrem para outras solicitações alémd<strong>os</strong> sentid<strong>os</strong> materiais. Naturalmente aqueles que se voltam mais para-47-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense· as realizações de natureza intelectual, estética ou emocional, já nãovivem apenas para a matéria ou pela matéria. Cumprem as suasfunções normais segundo as leis biológicas, porém não se concentramexclusivamente na função procriadora. Mas a dura verdade é que nemtod<strong>os</strong> recebem educação e orientação suficiente. Quanto mais beminformada é a criatura humana, mais p<strong>os</strong>sibilidades tem de dirigir a suavida. Não é necessário que o Estado ou qualquer instância "controladora"venha traçar o programa familiar, uma vez que o própriointeressado tem discernimento para fazê-lo e assumir responsabilidade.De acordo com a constituição biopsíquica, o funcionamento d<strong>os</strong>istema glandular e, muitas vezes, tendências especiais, há pessoasque vivem mais para o espírito do que para a matéria sem se desgarrarem,no entanto, para a esquisitice e as pretensões de santidade. Aeducação exerce, aí, o papel de coordenadora. Há outras, porém, cujoestado de atraso revela muito pouca diferença entre a animalidade e anatureza humana. Vivem para o corpo. Comer e procriar são <strong>os</strong> doisúnic<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> da vida. E por quê? Inegavelmente, porque sempreviveram abandonad<strong>os</strong>, entregues a si mesm<strong>os</strong>, ignorando as coisasmais elementares da vida. São impulsionad<strong>os</strong> pelo instinto e, por isso,tudo se resume no sexo. Muit<strong>os</strong> homens ainda nesse estágio socialficam até envaidecid<strong>os</strong> quando m<strong>os</strong>tram cinco, seis ou mais filh<strong>os</strong>,pois a "prole numer<strong>os</strong>a", para eles, é uma afirmação de masculinidade.Ignorância pasm<strong>os</strong>a, mas reflete o estado de abandono em quenasceram e continuam vivendo. Espírit<strong>os</strong> reencarnad<strong>os</strong> ainda emdegrau primário na "escala evolutiva". Mas não devem ficar indefinidamenteassim. O Poder Público e a sociedade têm obrigações juntoa<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> human<strong>os</strong> que ainda estão nesse quadro sombrio e formampopulações inteiras. Então, em lugar de promover a restrição ouproibição da natalidade, seria mais humano e mais racional enfrentar<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> locais ou regionais e modificar o ambiente e ajudar ohomem a sair da obscuridade. Muit<strong>os</strong> element<strong>os</strong> são verdadeirasvítimas do desprezo <strong>os</strong>tensivo ou da insensibilidade d<strong>os</strong> que podemmas não querem. Se tivessem tido escola e boa assistência espiritual, ese não lhes faltassem <strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> mais comuns ao meio de vida maisvulgar, naturalmente compreenderiam que têm um papel na sociedade,além do desempenho apenas orgânico.Seria inócua a idéia de '~element<strong>os</strong> irrecuperáveis'', muitas emuitas vezes invocada como justificativa. Seria então a apologia daimobilidade, incompatível com a Doutrina Espírita. Aí estão <strong>os</strong> inúmer<strong>os</strong>exempl<strong>os</strong> concret<strong>os</strong> do trabalho espírita, cuja influência em-48-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecomunidades então abandonadas já conseguiu a recuperação social eespiritual de criaturas anteriormente consideradas marginais e perig<strong>os</strong>as.E no Brasil inteiro: "favelas", prisões, antr<strong>os</strong> de víci<strong>os</strong>, h<strong>os</strong>pitaisetc., etc. A preocupação básica é cuidar do corpo e do espírito, semdesrespeitar o livre arbítrio. O esclarecimento inteligente e fraternaltem mais eficiência, em muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, do que o rigor de uma leidrástica, que amedronta, mas não convence nem elucida. Conseqüentemente,o "controle oficial" é uma política discutível, embora tenhaatualmente grande número de apologistas. Até aqui, tanto quantop<strong>os</strong>sível, vim<strong>os</strong> o assunto pelo lado sócio-económico. Vejam<strong>os</strong>, porém,o outro lado, muito importante para a n<strong>os</strong>sa p<strong>os</strong>ição: a regulamentaçãoda natalidade e a reencarnação. Como analisar um tema de tantamagnitude e delicadeza, através de um encadeamento de idéias espíritas,sem recorrer à tese da reencarnação, que é um princípio angular daDoutrina em que n<strong>os</strong> apoiam<strong>os</strong>? Em matéria de consciência cada qualresponde pelas suas deliberações. Como ficam, porém, <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong>que precisam reencarnar, porque têm compromiss<strong>os</strong> de provas, reajustesou missão em determinadas famílias? ... (As questões 178 e 258 a273, de "O Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>", fazem muita luz a este respeito). oato de impedir deliberadamente o nascimento priva o espírito de umaoportunidade reparadora. Afinal, é o livre arbítrio que decide o julgamentoíntimo. A legislação que rege o assunto naturalmente prevê o"aborto terapêutico", com as devidas prescrições médicas quandouma vida está em perigo. ("O Liv. d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>" - questão 359).Fora desta situação, toda circunstancial, há muito o que considerar emterm<strong>os</strong> espíritas. Há o aborto estimulado pelas dificuldades de vida oupelo estado de penúria, justamente porque ainda não se corrigiram asferidas sociais, e há o aborto calculado, cometido indiferentemente,sem qualquer cogitação de ordem ética (7). E ainda se faz apelo, comojá vim<strong>os</strong>, ao aborto econômico, exatamente o aborto predeterminadopor um programa administrativo para manter a conformidade com aprodução de aliment<strong>os</strong>.O plano obedece a uma "programação técnica", não há dúvida.Mas a Terra tem recurs<strong>os</strong> que ainda não foram explorad<strong>os</strong> em benefícioda humanidade.Seja como for, a prática do aborto não poderia "enquadrar-se"na Doutrina Espírita. Convém ainda considerar que as concepções de(7)- O Prof. Leopoldo Machado. uma das figuras humanas mais respeitáveis do movimento espíritabrasileiro, sustentou uma polémica. de muila repercussão, em defesa da tese reencarnacionista emconfronto com o controle da natalidade, faz bastante tempo. Da rumor<strong>os</strong>a polémica jornaJística ficouo livro "Doutrina Inglória".-49--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensevida, por sua vez, têm influência nas "soluções abortivas" até certoponto. Quem, por exemplo, entende que a vida está definitivamentedemarcada entre o berço e o túmulo, sem qualquer perspectiv~ além davisão terrena, naturalmente não pensa em conseqüências futuras,porque se atém ao presente e quer viver o seu momento. Quem, aocontrário, cultiva uma concepção mais voltada para o aspecto espiritual,notadamente quando bem informada pelas reflexões reencarnacionistas,certamente vê o problema do aborto sob o peso de umaresponsabilidade inevitável. São dois ângul<strong>os</strong> muito diferentes, pois <strong>os</strong>valores são muito desiguais. Qualquer que seja o motivo ou a razão deEstado, há sempre uma vida em jogo. Em term<strong>os</strong> espíritas, nãopodem<strong>os</strong> fugir a esta conclusão. (Sobre as relações do espírito com ocorpo desde o início de sua formação, será sempre oportuno, assim n<strong>os</strong>parece, voltar as vistas para as questões 332/33/344" de "O Livro d<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong>"-Ailan Kardec).O uso do aborto deixou de ser, afinal, uma opção exclusivamenteindividual, para assumir as proporções de um problema social d<strong>os</strong> maisinquietantes. A sociedade atual, insegura e amedrontada diante dascrises econômícas e d<strong>os</strong> "impact<strong>os</strong> emocionais", atordoada com aecl<strong>os</strong>ão de fenômen<strong>os</strong> realmente convulsiv<strong>os</strong>, está prevendo uma faltade aliment<strong>os</strong> em proporções incalculáveis e, por isso, recorre à contençãod<strong>os</strong> nasciment<strong>os</strong>. O problema, entretanto, é muito mais de justiçasocial. Teme-se escassez de comida e clama-se pelo impedimento danatalidade a todo custo. Se, realmente, há muita gente que não tem oque comer, enquanto adult<strong>os</strong> e crianças morrem de fome ( !), há muitagente que se regala na mesa. E há ocasiões que há sobra de comidaspara jogar fora. Ao lado da miséria, visível e vergonh<strong>os</strong>a, a mesa farta<strong>os</strong>tenta uma abundância que desafia e deprime. Ainda há pouco o"Jornal do Brasil" n<strong>os</strong> trouxe a notícia de um banquete, no Rio G.doNorte, com um cardápio para mil convidad<strong>os</strong>. Foram consumid<strong>os</strong>:450 quil<strong>os</strong> de carne de sol200 quil<strong>os</strong> de feijão verde200 quil<strong>os</strong> de arroz30 litr<strong>os</strong> de leite120 quil<strong>os</strong> de c<strong>os</strong>tela de porco120 quil<strong>os</strong> de c<strong>os</strong>tela de carneiro80 quil<strong>os</strong> de doce em calda ·250 quil<strong>os</strong> de queijo de manteiga(Jornal do Brasil de 24 de ag<strong>os</strong>to de 1983, pg.4)Exatamente na região nordestina, onde a seca já implantou adesolação e a fome. É muito frisante o contraste! É falta de aliment<strong>os</strong>ou de uma distribuição justa? Quantas crianças àquela hora ainda-50-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseestariam de estômago vazio! ... Quant<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> já teriam desmaiadopela fraqueza! E o n<strong>os</strong>so Nordeste repetidamente é o cenário desseflagelo, ainda não contornado por um plano assistencial capaz deenfrentar o rigor da seca e da calamidade generalizada.Pouco antes, em Copacabana, na zona Sul do Rio de Janeiro,outro banquete de grandes proporções e muito requinte fora divulgadocom realce pelo mesmo jornal. Além das bebidas, foram p<strong>os</strong>t<strong>os</strong> àdisp<strong>os</strong>ição d<strong>os</strong> convivas100 quil<strong>os</strong> de camarão,150 frang<strong>os</strong>,150 pat<strong>os</strong>,20 perus,50 quil<strong>os</strong> de presunto cru,100 quil<strong>os</strong> de filé mignon,.80 quil<strong>os</strong> de peixe,200 dúzias de ov<strong>os</strong>, e gelatina, queij<strong>os</strong>, frutas etc.(Jornal do Brasil de 5 de junho de 1983, pg. 9)Muita fartura e bom g<strong>os</strong>to, é verdade. Mas ali mesmo, na praia deCopacabana ou nas feiras livres da zona Sul, cruzam<strong>os</strong> com menin<strong>os</strong> eadult<strong>os</strong> esfomiad<strong>os</strong>, procurando rest<strong>os</strong> de comida nas latas de lixo ( !)porque não podem comprar nem meio quilo de feijão. Nada tem<strong>os</strong> comas pessoas e muito men<strong>os</strong> com o modo pelo qual fazem uso de seudinheiro, seja em banquetes, seja em turismo etc. etc. O que tem<strong>os</strong> emvista é o fato, que já está no domínio público. E o fato é justamente afartura de um lado, às vezes com extravagância, e a dolor<strong>os</strong>a falta dealiment<strong>os</strong> do outro. Situações paralelas dentro da mesma sociedade.Alega-se, porém, que o "controle d<strong>os</strong> nasciment<strong>os</strong>•· é uma necessidadesocial por causa da carência de produt<strong>os</strong> alimentares. O que sesente, no fundo desse contraste, é um desequilíbrio injusto e profundo,permitindo que, ao mesmo tempo, uns tant<strong>os</strong> comam demais e outr<strong>os</strong>tant<strong>os</strong> morram de inanição. O mundo ressente-se da falta de solidariedade,embora tenham<strong>os</strong> de ressalvar sempre as belas e edificantesexceções indiscriminadas n<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> mais difíceis.Se houvesse critério eqüânime de atendimento, não estaríam<strong>os</strong>vendo, hoje, na "era da tecnologia", populações completamente abandonadas,como se não f<strong>os</strong>sem parte da humanidade. O abandono cria opauperismo, que é um fenômeno d<strong>os</strong> mais agressiv<strong>os</strong> do momento; dopauperismo vem a miséria, que traz a degradação moral e alimenta aviolência e o crime. Onde está a justiça social de que tanto se fala emdiscurs<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> e plataformas de governo? ... A falta de justiça entre aspopulações marginalizadas já tomou o sentido de ameaça, principalmente-51-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensenas maiores concentrações urbanas. É a realidade social que o demonstraa cada passo. Destruir as causas da miséria e da revolta, antesde tudo, porque é muito mais difícil conter <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> quando o malcomeça a extravasar. A natureza produz, mas não tem culpa de ohomem ainda não estar humanizado para sentir <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> de seusemelhante em desigualdade de condições. Então, independentementede regimes polític<strong>os</strong>, partid<strong>os</strong>, doutrinas econômicas etc., a reforma dohomem impõe-se entre as necessidades essenciais da reforma social. Éa dedução a que n<strong>os</strong> conduz o pensamento espírita.Chegam<strong>os</strong>, finalmente, a um ponto em que a perspectiva d<strong>os</strong><strong>problemas</strong> sociais n<strong>os</strong> conduzem a esta reflexão: <strong>os</strong> desajustament<strong>os</strong>d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de vida perante as desigualdades, criando discriminaçõesverdadeiramente aflitivas, terão de ser corrigid<strong>os</strong> por uma política maisjusta e, portanto, mais humana, mais interessada no homem comovalor insubstituível, e não por leis drásticas de restrição da natalidade,não importa que sejam process<strong>os</strong> rudimentares ou métod<strong>os</strong> habilíssim<strong>os</strong>de esterilização. Já sabem<strong>os</strong> que há explicações e normas aceitascomo plausíveis noutras direções de raciocínio, notadamente na esferaeconômica, tomada como um fim em si. Mas a p<strong>os</strong>ição da DoutrinaEspírita é muito clara. Entre outras, aqui estão afirmações espíritasinteiramente inequívocas:"A reprodução d<strong>os</strong> seres viv<strong>os</strong> é uma lei da natureza?"- Evidentemente. Sem. a reprodução o mundo corpóreopereceria."Se a população seguir sempre a progressão crescente,como observam<strong>os</strong>, chegará o momento em que se tornará excessiva?"- Não. Deus a regula e mantém sempre o equilíbrio. Nadafaz ele de inútil. Vendo apenas a ponta do quadro da natureza,não pode o homem julgar da harmonia do conjunto.("O Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>" -questões 686/7)Ainda mais. Na questão 693, embora faça ressalva quanto acertas espécies de animais e plantas "cuja reprodução indefinida seriaprejudicial às outras espécies'', a Doutrina refere-se diretamente a<strong>os</strong>"c<strong>os</strong>tumes human<strong>os</strong> que têm por efeito obstaculizar a reprodução edeclara sem rebuço que todo entrave à marcha natural é contrário à leigeral. A idéia de que "Deus regula e mantém sempre o equilíbrio"poderia parecer simplesmente uma "divagação metafísica" sem correspondênciacom a vida real. N<strong>os</strong>s<strong>os</strong> pont<strong>os</strong> de referência são <strong>os</strong>princípi<strong>os</strong> espíritas. E, à luz desses princípi<strong>os</strong>, qualquer obstáculo à-52-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensereprodução contraria a natureza e a ética. Mais uma prescrição doutr.nária, colhida na Codificação de Allan Kardec:A Terra produzirá o suficiente para alimentar a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>seus habitantes, quando <strong>os</strong> homens souberem administrar, segundoas leis de justiça, de caridade e de amor ao próximo, <strong>os</strong> bensque ela dá. Quando a fratemidade reinar entre <strong>os</strong> pov<strong>os</strong>, comoentre as províncias de um mesmo império, o momentâneo supérfluode um suprirá a momentânea insuficiência do outro; e cadaum terá o necessário. C'O Evangelho segundo o <strong>Espiritismo</strong>" -cap. XXV - n" 8).A grande reforma depende do próprio homem para que <strong>os</strong> bensda Terra sejam utilizad<strong>os</strong> com justiça. O apelo ao aborto é apenas atentativa de um "atalho". Conseqüentemente, ainda que venha a serinstitucionalizado pela compressão das ocorrências históricas, o abortonão é a solução social que muit<strong>os</strong> imaginam e proclamam porqueserá sempre um atentado à lei natural de reprodução com repercussõesespirituais no presente e no futuro, segundo <strong>os</strong> preceit<strong>os</strong> doutrinári<strong>os</strong>que esp<strong>os</strong>am<strong>os</strong>.-53-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseIVO ESTADO E AS OBRAS SOCIAISJá se disse, com alguma ênfase, que "obrasocial é função do Estado" e, por isso, omovimento espírita não deveria interessar-se por esse campo de trabalho.É uma afirmativa à primeira vista ponderável, mas discutívelquando confrontada com <strong>os</strong> fat<strong>os</strong>. Nas condições em que vivem<strong>os</strong> hojesão tais e tão gritantes as deficiências em matéria assistencial quechegam a dar a impressão de uma patologia social generalizada. Nãoquerem<strong>os</strong> dizer que a ação do Estado seja desnecessária. Não. Mas apresença do Poder Público não é suficiente para preencher todas aslacunas, principalmente quanto às carências de espiritualidade. Podem<strong>os</strong>anotar claramente duas p<strong>os</strong>ições exageradas: de um lado, a d<strong>os</strong>que advogam totalmente a gerência do Estado por entenderem quesomente a este compete <strong>os</strong> empreendiment<strong>os</strong> assistenciais, como acriação e manutenção de orfanat<strong>os</strong>, abrig<strong>os</strong>, creches etc;-55-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedo outro lado, <strong>os</strong> que, unilateralmente, embora bem intencionad<strong>os</strong>,acham que <strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> ou as metas do trabalho espírita devem situarsena assistência social, como se o ser humano não tivesse outrasnecessidades e aspirações. Há oportunidade, aqui, para uma repetição:assistência social é um meio, não é o fim último a que se propõe oprograma espírita.É inegável que as diversas formas de assistência à infância ou àvelhice oferecem um campo muito dignificante para a aplicação do quese aprende na Doutrina Espírita: amor ao próximo, dedicação desinteressada(muitas vezes com sacrifício), espírito de solidariedade, porexemplo. Há, entretanto, uma distinção conceituai entre assistênciasocial e serviço social. A seara espírita engloba muitas formas detrabalho em benefício d<strong>os</strong> sofredores do corpo e da alma, o queprovoca muitas vezes iniciativas momentâneas ou de emergência pelagravidade ou premência das circunstâncias. É um ímpeto de auxíliotodo espontâneo, ainda que apresente feição empírica em determinad<strong>os</strong>cas<strong>os</strong>, porque obedece mais ao sentimento do que a normasmetodológicas. Mas a necessidade pode estar no corpo (doença, fomeou debilidade) como pode estar na alma (depressão, desespero ouperturbação obsessiva), o que exige, às vezes, conforme a naturezad<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, mais desvelo ou mais amor do que propriamente técnica.Sob este ponto de vista, o trabalho espírita presta inestimável serviço àcoletividade e ao próprio Estado, embora as suas realizações assistenciais,muitas delas impregnadas de verdadeiro espírito missionário, nãotenham todas as características do Serviço Social no conceito específico.Serviço Social não é assistência pura e simples, é uma forma deação racionalizada, com técnicas, princípi<strong>os</strong> e mei<strong>os</strong> própri<strong>os</strong>. OServiço Social utiliza inquérito, pesquisa de campo, levantament<strong>os</strong>grupais. E já é uma profissão, há muito tempo, com aprendizado ecurrículo adequado. Conquanto não obedeça inteiramente a<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong>e às técnicas ensinadas n<strong>os</strong> curs<strong>os</strong> de Serviço Social, a assistênciaque se pratica no meio espírita, cuidando do corpo e da alma, é obra dealtruísmo e, por isso mesmo, reclama sempre umas tantas condiçõesindividuais: vocação para servir por amor, coragem mora1 para superarpreconceit<strong>os</strong>, paciência e tenacidade.A esta altura, naturalmente já podem<strong>os</strong> levantar uma questão,que vem a calhar: estaria realmente o mecanismo do Estado, com a suaengrenagem burocrática, bem aparelhado para preencher <strong>os</strong> requisit<strong>os</strong>de uma assistência integral? O que chamam<strong>os</strong> assistência integral nã<strong>os</strong>e encerra na distribuição de aliment<strong>os</strong> e roupas, mas envolve outr<strong>os</strong>aspect<strong>os</strong>, aliás mais delicad<strong>os</strong> e profund<strong>os</strong>, porque concernentes ao-56-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensereerguimento moral e ao tratamento espiritual, que não depende d<strong>os</strong>recurs<strong>os</strong> médic<strong>os</strong> usuais. Tem<strong>os</strong> de dizer, portanto, que a noção deassistência, no entendimento espírita, vai além das providências exte·riores. A cobertura do Estado é necessária, mas <strong>os</strong> seus instrument<strong>os</strong>não têm a indispensável adequação a<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> d<strong>os</strong> desasjustament<strong>os</strong>de ordem interior. Há instituições meritórias, com pessoal muit<strong>os</strong>olícito e responsável, porém, são exempl<strong>os</strong> muito especiais, nãoconstituem a generalidade. Quer no âmbito estatal, quer no âmbitoparticular, nem tod<strong>os</strong> estão preparad<strong>os</strong> para esse tipo de assistência.Os fat<strong>os</strong> bem o demonstram. Não basta construir abrig<strong>os</strong> ou "casas derecolhimento" sem a base da educação e d<strong>os</strong> valores espirituais.Muit<strong>os</strong> element<strong>os</strong> que saíram de estabeleciment<strong>os</strong> assistenciais ousimples "depósit<strong>os</strong> de menin<strong>os</strong>" trazem hábit<strong>os</strong> e víci<strong>os</strong> perig<strong>os</strong><strong>os</strong>, oque prova, lamentavelmente, que não foram educad<strong>os</strong>, mas foramcorrompid<strong>os</strong> na inexperiência e na miséria! Até parece que vieram deum antro, e não de uma instituição assistencial. Outr<strong>os</strong>, que formam, abem dizer, uma legião de deformad<strong>os</strong> psicologicamente, são desajusta·d<strong>os</strong> para a vida prática porque foram maltratad<strong>os</strong>, não receberam amínima consideração, como se não tivessem direito pelo men<strong>os</strong> aorespeito humano. Apenas vestid<strong>os</strong> e alimentad<strong>os</strong>, sem nenhuma transformação.Passam então para a sociedade uma carga de <strong>problemas</strong>,que se agravam de dia para dia.Para conviver com internad<strong>os</strong> - pessoas id<strong>os</strong>as sem família,crianças que não tiveram lar, órfã<strong>os</strong> abandonad<strong>os</strong>, inválid<strong>os</strong> de qual·quer idade -três predicad<strong>os</strong> deveriam ser a recomendação essencial:amor, paciência e capacidade natural de ouvir e dialogar para com·preender e ajudar. Quem trabalha apenas no cumprimento de umaobrigação funcional ou adstrita a<strong>os</strong> regulament<strong>os</strong>, sob a rigidez d<strong>os</strong>horári<strong>os</strong>, não tem como extravasar o sentimento e descer à intimidaded<strong>os</strong> conflit<strong>os</strong> mais profund<strong>os</strong> e às confidências aliviadoras. Quem estásegregado de seu meio social, na prisão, no h<strong>os</strong>pital ou no asilo,suponham<strong>os</strong>, sente necessidade muitas vezes de confiar em alguém oude se"abrir" a respeito de seus <strong>problemas</strong>. E se tod<strong>os</strong> passam indife·rentes, se ninguém lhe dá atenção, a vida transforma-se de tal modoque tudo parece um deserto de frieza e desumanidade. A tortura íntimaainda será maior, enquanto a alma se envenena de ódio e revolta, porfulta de uma palavra compreensiva e paciente. A administração públicapor natureza é formal e pragmática, não se subordina a critéri<strong>os</strong>sentimentais. O agente do Estado tem obrigação de administrar, masnão de oferecer carinho a<strong>os</strong> que têm <strong>problemas</strong> espirituais. Por issomesmo, há muita diferença entre função e missão. A função é inerenteuo• regulament<strong>os</strong> e estatut<strong>os</strong>, é rotina, mas a missão é doação de alma-57-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepara alma, é permuta de sentiment<strong>os</strong>, com alto espírito de renúncia.Independentemente de convenções ou regras escritas, as criaturas quetêm vocação missionária vão ao encontro principalmente daqueles quetêm "sede de justiça", nunca ouviram expressões deste teor afetivo:"meu irmão, você não está sozinho, estou aqui para ajudá-lo". Ecomo fortalece e tranqüiliza uma palavra de solidariedade quandoalguém se sente abandonado ou injustiçado!. ..A função pública tem as suas ordenações: horário de expediente,livro de "ponto", prescrições regimentais etc. Fora disto ou alémdisto, nada mais se pode exigir. A missão é escolha voluntária, porquesente felicidade em servir. Ainda mais: há muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> em que otrabalho missionário se prende a compromiss<strong>os</strong> do passado, isto é. aresponsabilidade assumida noutras existências, à luz da reencarnação.De um momento para outro pode dar-se uma "tomada de conscíên~cia", exatamente no momento em que a criatura "desperta'', faz umauto~exame e verifica que na existência atual, no fausto ou na oci<strong>os</strong>idadeexagerada, nada fez de útil a alguém ou à coletividade; resolveentão mudar o rumo da vida e vai dedicar-se a uma obra, porque játem, agora, outra visão do mundo e das coisas. Espírit<strong>os</strong> que passarama vida inutilmente noutr<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> muitas vezes voltam à Terra com amissão de redimir-se, trabalhando pel<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>. E é ainda terapia dasmais salutares, pois o trabalho edificante é um tônico da alma etambém ajuda a superar muit<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>.Reafirmam<strong>os</strong>, pois, que as obras de assistência à pobreza abandonada:assim como à orfandade desprotegida ou à velhice desamparada,por exemplo, necessitam de verdadeiras vocações missionárias,antes de tudo. Por isso mesmo, não n<strong>os</strong> parece que uma área social,como esta, tão sensível e tão complexa, deva ser absorvida peloEstado, cuj<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de ação não chegam até à intimidade d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>mais profund<strong>os</strong>. O movimento espírita ainda tem muito o querealizar, além das obras já consolidadas (8). Apesar do tempo jádecorrido, ainda têm cabimento, aqui, as palavras do DesembargadorSaboya Lima, antigo Presidente do Tribunal de Justiça do antigoDistrito Federal, palavras proferidas há mais de trinta an<strong>os</strong>:(8)- Quando escrevem<strong>os</strong> este livro (1• edição) fizemo~ referência, muito a propósito, a uma tese, quen<strong>os</strong> ch.egara de Cuba, sustentando a mesma opinião. A tese fora apresentada pelo n<strong>os</strong>so confradeLucas Pifio à 12• Concentração Espírita· 946. Convém acrescentar, pelo men<strong>os</strong> como informaçãohistórica, que o movimento espírita cubano àquela épm.:a era do~ mab expressiv<strong>os</strong> do n<strong>os</strong>socontinente. Já em 1920 previa a criação de curs<strong>os</strong> de Doutrina Espírita; teve a revista ·•R<strong>os</strong>endo:·,que circulou por muito tempo, e ainda as publicações "Urânía" e "Psiquis" Além da organizaçãofederativa, havia a União das Mulheres Espíritas, em cujo desenvolvimento muito se empenhou asra. Ofélia L. Bravo, mais tarde deslocada para <strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>, onde fixou residência. Um d<strong>os</strong>Congress<strong>os</strong> Espíritas Pan-american<strong>os</strong> se realizou ainda em Havana, onde esteve a sede da ConfederaçãoEspírita Pan-americana (CEP) quando tinha sede móvel. Em 1949, por ocasião do II ConsressoPan-americano, no Rio de Janeiro, o movimento espírita cubano se fez repre~entar pelo Dr. Miguel deSanto Estevão.-58-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense"O problema de proteção legal do menor é essencialmente deassistência.A delinqüência infantil é, em regra, resultante do abandono.Enfrentar este problema é dever primordial do Estado.Preliminarmente, fica estabelecido:a) - que o Estado não tem element<strong>os</strong> para, por si só,resolver o problema da familia;b)- que o Estado não deve assumir essa exclusiva responsabilidade,porque destruiria a função natural da família.Pelo que a ação do Estado deve ser:a) - restaurar as células familiares ameaçadas;b) - criar uma consciência viva e permanente de solidariedadesocial;c)- estabelecer medidas assistenciais rápidas e práticas."Convém acentuar que o digno magistrado, com experiênciaprópria, visto que conhece o problema de perto, por ter exercidoas funções de Juiz de Menores, pondera muito bem que "OESTADO NÃO TEM ELEMENTOS PARA, POR SI SÓ, RE­SOLVER O PROBLEMA DA FAMÍLIA". ("Jornal do Comércio"de 20-4-4 7).A consciência de solidariedade é realmente uma força. (A transcriçãodeu relevo, em "caixa alta", à última afirmativa do magistrado)Justamente este ponto é que n<strong>os</strong> leva a repetir que "nãopodem<strong>os</strong> esperar que o Estado venha realizar aquilo que o<strong>Espiritismo</strong> está realizando nas obras de assistência", porque oEstado não pode penetrar nas feridas da alma para localizar aorigem de muit<strong>os</strong> males sociais.Embora o Estado seja neutro em matéria religi<strong>os</strong>a, segundo aletra da Constituição Federal, a participação direta do elemento oficialnas instituições assistenciais - principalmente em casas espíritas -abriria caminho para interferências na orientação essencial. N<strong>os</strong>sasinstituições não catequizam, não criam obrigações de fé, mas têm <strong>os</strong>Meus princípi<strong>os</strong> e não podem, por isso, afastar-se da diretriz espírita. Jáhouve cas<strong>os</strong> em que, por causa de subvenções oficiais, as instâncias dol'oder Público chegaram a insinuar que as instituições beneficiadas ouom vias de receberem auxílio, deveriam excluir o caráter espírita. Jáhouve <strong>problemas</strong> igualmente por decorrência de convêni<strong>os</strong>, cujasçJâu•ulas restringiam muito a liberdade doutrinária, às vezes até condi­~lnn11ndo a substituição do próprio nome da instituição. São "amarfOI"às vezes disfarçadas, às vezes descobertas, mas prejudiciais aohl~al do' que trabalham inspirad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> espíritas. Que o-59-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseEstado, finalmente, cumpra a sua função no âmbito administrativo,mas que fique livre o campo das iniciativas impulsionadas e realizadaspor sentimento de solidariedade humana, ainda que com <strong>os</strong> maiores empeças da natureza ou do meio social.--60--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensevREENCARNAÇÃO EDESIGUALDADESCorno política preventiva, que significasimplesmente atacar o mal ainda na raiz,antes que seja tarde, o programa espírita sempre se esforçou notrabülho de assistência e educação, visando à modificação do ambientemoml e social, até mesmo n<strong>os</strong> recant<strong>os</strong> mais sórdid<strong>os</strong>. Prevenir,pol'lnnh>, para que a pobreza aviltada não chegue a uma convulsãolnonnlida. Se é óbvio que não podem<strong>os</strong> tratar somente do corpo, mastambém, principalmente, do espírito, é óbvio ao mesmo tempo que nãolltv•m<strong>os</strong> relaxar <strong>os</strong> deveres em relação às necessidades do corpo. Se oilplrltn precisa de instrumento humano para a comunicação de seusllon!, loaicumcntc um corpo doente, abatido pela deficiência alimentarIIII dopaupcrado pelo esgotamento, não pode ser bom veículo por causailíi dumuntclo orgânico. E já se sabe que há repercurssão-61-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penserecíproca entre o orgânico e o psíquico. Mas a Doutrina adverte, acerta altura, que às vezes uma pessoa pode nascer em "p<strong>os</strong>ição difícile embaraç<strong>os</strong>a, precisamente para ser obrigada a procurar vencer as .dificuldades"; nunca, porém, deve deixar a vida correr à revelia, o queseria mais preguiça do que virtude. ("0 Evangelho Segundo o <strong>Espiritismo</strong>"- cap. V, n" 26). Este ponto, sem dúvida alguma, sugerereflexão sobre o problema das desigualdades sociais à luz da reencarnação.Seja, porém, como for, a despeito d<strong>os</strong> "alt<strong>os</strong> e baix<strong>os</strong>" d<strong>os</strong>compromiss<strong>os</strong> reencarnatóri<strong>os</strong> na vida social, não n<strong>os</strong> compete fazerjulgamento, mas tem<strong>os</strong> o dever de trabalhar pela melhoria do homem.E como fazê-lo sem ir ao encontro d<strong>os</strong> foc<strong>os</strong> de revolta e decadência?Disse muito bem o dr. João Pompílio de Almeida Filho: (9)"Devem<strong>os</strong> ir ao encontro d<strong>os</strong> necessitad<strong>os</strong>, para dar-lhes o queprecisam, moral e materialmente, antes que eles venham até nósarrancar o que lhes falta, e destruir as riquezas, que são n<strong>os</strong>sas,mas exigem emprego inteligente,com distribuição de parte emfavor d<strong>os</strong> que têm fome, sofrem frio, vivem envilecid<strong>os</strong> n<strong>os</strong>víci<strong>os</strong>, constituindo verdadeiro peso-morto à margem da sociedade"(Tese oficial - I" Congresso Espírita do Rio Grande do Sul- 1945).Realmente. Tais palavras estão inteiramente abonadas pela DoutrinaEspírita. A esmola é uma doença da sociedade. Ainda não tem<strong>os</strong>uma consciência de solidariedade capaz de suprir as falhas deixadas norastro da pobreza extrema e da invalidez relegada. Mas a palavraesmola não teria mais razão de ser, dentro de uma organização socialmais espiritualizada ou mais aproximada do Evangelho. Em vez deesmola, diríam<strong>os</strong> acertadamente dever. Se é verdade que <strong>os</strong> malessociais, em grande parte, têm relação com o n<strong>os</strong>so passado e, por isso,não seria p<strong>os</strong>sível removê-l<strong>os</strong> de um modo radical ou de roldão,também é verdade que cabe à criatura humana fazer a sua parte, a fimde que ninguém seja privado pelo meu<strong>os</strong> do essencial à subsistêncian<strong>os</strong> flanc<strong>os</strong> mais ínfim<strong>os</strong> da sociedade.Melhoramento social engloba estabilidade e libertação do medo,mas não significa que tod<strong>os</strong> tenham de ser ric<strong>os</strong> ou venham a p<strong>os</strong>suirautomóvel como requinte de bem-estar; mas tod<strong>os</strong> têm o mesmodireito a uma condição de vida condizente com a dignidade humana,(9) -João Pompílio foi Procurador da Federação Espírita do Rio Gr.mde do Sul e Diretor do JnstJtuto"Dias da Cruz", de Porto Alegre. (Desencarnou há bastante tempo.)-62-


1O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepor mais frisante que seja a desigualdade d<strong>os</strong> níveis sociais. O <strong>Espiritismo</strong>não propõe a eliminação total das desigualdades, notadamenteno estágio evolutivo em que n<strong>os</strong> encontram<strong>os</strong>, pois a sociedade é todadiversificada, com ric<strong>os</strong> e pobres, inteligPntes e parv<strong>os</strong>, empreendedorese preguiç<strong>os</strong><strong>os</strong>, progressistas e retrógrad<strong>os</strong>, homens de bem ehomens trapaceir<strong>os</strong>, por exemplo. Sem pensarm<strong>os</strong>, porém, na utopiade um mundo sem falhas e disparidades. como se f<strong>os</strong>se um paraísoterrestre, podem<strong>os</strong> e devem<strong>os</strong>, contudo, dar o quinhão que a DoutrinaEspírita n<strong>os</strong> atribui, porque tem<strong>os</strong> a n<strong>os</strong>sa parte de responsabiÜdade noconjunto:''Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada físicae moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseie na leide Deus e na Justiça deve prover à vida do fraco, sem que hajapara ele humilhação. Deve assegurar a existência d<strong>os</strong> que nãopodem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e daboa vontade de alguns''. (0 LIVRO DOS ESPÍRITOS- Parte 3'- Cap. XI).Como se vê, a Doutrina Espírita não absorve a idéia de fatalismocomo explicação genérica d<strong>os</strong> desacert<strong>os</strong> sociais, nem a tese dareencarnação levaria a tanto. O fatalismo social seria a condenação depessoas ou grup<strong>os</strong> a uma vida de privações indefinidamente, como sef<strong>os</strong>sem tod<strong>os</strong> marcad<strong>os</strong> pela adversidade inarredável. Não. Nestaurdem de considerações o que a Doutrina afirma nada tem de radical:llS males deste mundo são de duas ordens, isto é, <strong>os</strong> que têm víncul<strong>os</strong>com o passado, por causa de a t<strong>os</strong> praticad<strong>os</strong> noutra existência, e <strong>os</strong>que resultam de err<strong>os</strong> e abus<strong>os</strong> cometid<strong>os</strong> no presente. Nem tudo,portanto, se deve lançar na conta do passado. A incapacidade ou afalta de escrúpul<strong>os</strong> na gestão administrativa, a negligência na vidapessoal e <strong>os</strong> desperdíci<strong>os</strong> são responsáveis por muitas crises na sociedlldc.O cotidiano das ocorrências bem o demonstra. São fat<strong>os</strong> dapresente existência. A interpretação unilateral seria muito inconveniente,pois <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> exigem, antes de tudo, análise conjuntural.Dois fatores são indiscutivelmente relevantes neste passo: a educaçãoe a reforma moral.Na confluência d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> com que n<strong>os</strong> defrontam<strong>os</strong>, de umlado e do outro, não seria lógico pôr de lado a interferência de1111tmt\~oes cármicas". Há criaturas humanas sujeitas ao determinismod• umu existência difíciluu pen<strong>os</strong>a em razão do que fizeram antes, não81 8Hbe onde ou em que época. Quem, suponham<strong>os</strong>, explorou o suorAlheio, 411cm abusou da riqueza ou da autoridade como verdadeiro tiranoOU corr11ptor certamente vai ter que lutar muito contra a humilhação,-63-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseas aflições e <strong>os</strong> embaraç<strong>os</strong>, ainda que trabalhe e estude com o maiorafinco para "subir" pela inteligência e pela tenacidade. Por mais queinsista na tentativa de afastar <strong>os</strong> empecilh<strong>os</strong>, fica sempre na planíciesocial, em p<strong>os</strong>ição apagada, obrigado a executar serviç<strong>os</strong> "inferiores",segundo <strong>os</strong> valores convencionais de n<strong>os</strong>so mundo. Mais adiante sen<strong>os</strong> depara o varredor de rua, um homem que já fora um Iord noutraépoca e, agora, volta à Terra para reeducar-se na humildade, poisimpusera humilhação a muita gente quando estava na opulência.Semelhantemente, não seria um despropósito admitir que antigo eorgulh<strong>os</strong>o aristocrata, daqueles que faziam pouco caso das pessoasque estivessem abaixo de sua camada social. venha a reencarnar comuma prova que o coloque nas calçadas como engraxate, vivendo àmargem das multidões n<strong>os</strong> grandes centr<strong>os</strong> urban<strong>os</strong>. Noutr<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>,tinha criad<strong>os</strong> sobre <strong>os</strong> quais tripudiava com arrogância e desumanidade.O fato de engraxar sapato nada tem de deprimente para quemtrabalha honestamente, tanto quanto a profissão de gari e outrasprofissões tidas como das mais modestas não aviltam as mã<strong>os</strong> honradas.Se a sociedade precisa do médico para <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> de saúdepública, também precisa do gari, ao mesmo tempo, porque sem alimpeza da cidade e a remoção d<strong>os</strong> detrit<strong>os</strong> e entulh<strong>os</strong> transmissores devermes e alimentadores de m<strong>os</strong>quH<strong>os</strong> <strong>os</strong> plan<strong>os</strong> sanitári<strong>os</strong> ficam seriamentecomprometid<strong>os</strong>. O cavalheiro elegante, habituado a vestir-secom apuro, não pode fazer "boa figura" em público se não tiver quemlhe engraxe <strong>os</strong> sapat<strong>os</strong> no momento necessário. E quem vai fazê-lo? Otitular de um cargo importante? O funcionário de status mais elevado?Claro que não. É o engraxate, que se torna uma figura indispensávelnaquele momento.Naturalmente é uma prova para o espírito que reencarna, com<strong>os</strong>e diz, nas "classes baixas" da sociedade e não consegue projetar-se,porque tem débit<strong>os</strong> pesadíssim<strong>os</strong> de outras existências. O tipo inteligenteou espertalhão de outrora, muito afeito a espertezas com prejuízode terceir<strong>os</strong>, depois de ter tantas e tantas vezes abusado dainteligência para fins inconfessáveis, sem jamais ter sido alcançadopela justiça terrena, não poderá reincorporar-se à mesma sociedade aque pertencera, mas agora reencarnado como servente ou trabalhadorexplorado, sempre em aperturas financeiras, lesado aqui, sacrificadoali? É uma contigência admissível no desenrolar do processo reencarnatório.É a lei de "causa e efeito". A justiça nunca deixa de vir, cedoou tarde, segundo as n<strong>os</strong>sas noções de tempo. A reencarnação está navida social, não tenham<strong>os</strong> dúvida. Conseqüentemente não se exclui emtudo por tudo a reencarnação como um d<strong>os</strong> dad<strong>os</strong> de avaliação n<strong>os</strong>-64-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense"desajustes sociais", ainda que não seja razoável generalizar. o qut·daria motivo a conclusões muito rígidas. Se, de fato, há cire-unstúnciasque se sobrepõem a<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> desej<strong>os</strong> e mei<strong>os</strong> de ação, porque decorremde uma carga de responsabilidade individual ou coletiva de outrasetapas da vida, há obstácul<strong>os</strong> e eventualidades que denunciam apenasa falta de vigilância ou a displicência nesta existência. E se o homemf<strong>os</strong>se conduzido pelo passado em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> instantes não haveriamudança nem disp<strong>os</strong>ição do livre arbítrio. A vida seria uma sucessãofatal de episódi<strong>os</strong> predeterminad<strong>os</strong>.Como corpo de idéias, baseado em fat<strong>os</strong> que comprovam asobrevivência do espírito além do corpo e a sua comunicação com on<strong>os</strong>so mundo, o <strong>Espiritismo</strong> também se interessa pelo ser humano navida de conjunto, o que quer dizer: o homem na sociedade. Sem a vidasocial ninguém teria como se desenvolver e renovar-se, pois a penitênciareclusa, distante d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>, ignorando o sofrimento de seupróximo, sem dar sequer um pouco de si, não faz nenhum santo. É naforja social realmente que adquirim<strong>os</strong> experiências e exercitam<strong>os</strong> asn<strong>os</strong>sas p<strong>os</strong>sibilidades latentes, ora caindo, ora levantando, até que n<strong>os</strong>modifiquem<strong>os</strong> para melhor. Não sendo, portanto, fatalista, como jádissem<strong>os</strong> e fazem<strong>os</strong> questão de repetir, está bem claro que a DoutrinaEspírita se preocupa com as desigualdades humanas, cujas causaselevem ser atacadas para que se corrijam as injustiças. Muitas chagassociais já teriam sido extirpadas se houvesse mais sentimento dehumanidade, mais respeito às razões éticas, tanto no plano do poderpúblico quanto no plano particular. Há desigualdades que são o flagranteresultado do egoísmo, da ambição e, por fim, das incongruênciasde uma sociedade discriminativa na distribuição d<strong>os</strong> bens indispensáveisà vida humana. Uma sociedade em que a vivência real doCristianismo ainda está reduzida a compartiment<strong>os</strong> limitad<strong>os</strong>, porque oCristo é apenas objeto de devoções formais, sem ação nas profundezasdo coração, a não ser das pessoas abnegadas, cujo espírito de sacrifíciovem contrabalançar o peso da indiferença ou da frieza dominante. Poisbem, é contra esse tipo de sociedade, ainda vigente, que invocam<strong>os</strong> <strong>os</strong>princípi<strong>os</strong> espíritas, sem compromisso com ideologias e facções políticas.Não estam<strong>os</strong> defendendo a igualdade maciça ou mecânica, poisterin uma pretensão visionária. Como igualar <strong>os</strong> element<strong>os</strong> de umftllomerudo humano comp<strong>os</strong>to de criaturas desiguais? Sim, desiguaist~plritualmcnte, desiguais no temperamento, na formação moral, tantoquanto desiguais intelectualmente, etnicamente, psiquicamente. Nestep!lnto, exulumente, a noção de igualdade, tão mal situada nas discus-8Õe• doutrinúrias ou políticas, tem dois sentid<strong>os</strong> muito naturais: som<strong>os</strong>l11unl8 pel« natureza e pela origem, porque som<strong>os</strong> criaturas de Deus e-ó5-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepertencem<strong>os</strong> à espécie humana, mas não som<strong>os</strong> iguais nas aptidões, nocaráter, na educação, na cultura, nas decisões do livre arbítrio. Teoricamente,"tod<strong>os</strong> são iguais perante a lei". Seria, de fato, o ideal deuma sociedade bem equilibrada. Como seres human<strong>os</strong>, tod<strong>os</strong> têm omesmo direito a uma vida normal, uma vez que tod<strong>os</strong> têm aspirações,compromiss<strong>os</strong> e deveres compatíveis com as necessidades biológicas eespirituais. Necessidades inerentes à natureza humana e, por issomesmo, não se condicionam, pelas categorias sociais. No entanto, hámuit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> em que animais de "estimação", como caval<strong>os</strong>, cachorr<strong>os</strong>e gat<strong>os</strong> são mais bem tratad<strong>os</strong> do que as próprias crianças queficam em volta desses animais. Que <strong>os</strong> animais sejam bem cuidad<strong>os</strong> edefendid<strong>os</strong>, mas que não se despreze o ser humano. A proteção doreino animal é uma prova de adiantamento de uma civilização.É válido indiscutivelmente o conceito de igualdade na acepção derespeito a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> comuns, <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> intrínsec<strong>os</strong> da pessoa humanaem qualquer nível social: preservação da integridade física, oportunidadespara estudar e melhorar-se, liberdade na escolha de seus objetiv<strong>os</strong>,profissionais, intelectuais e religi<strong>os</strong><strong>os</strong>. lgualda,de, portanto, n<strong>os</strong>direit<strong>os</strong> essenciais. N<strong>os</strong>so conceito de igualdade, porém, não vai aoirrealismo de imaginar uma sociedade em que tod<strong>os</strong> tenham o mesmo"'trem de vida", as mesmas regalias, as mesmas qualificações sociais.Na luta pela vida, sob a pressão das competições, sempre se defrontamcapacidades diferentes, com interesses conflitantes. O emprego dolivre arbítrio, por sua vez, está sujeito às variações circunstanciais n<strong>os</strong>empreendiment<strong>os</strong> e n<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> de proceder ou de julgar as coisas. Aolado, por exem!.Jlo, d<strong>os</strong> que querem vencer e, por isso, estudam,trabalham, enfrentam tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> reveses, há muit<strong>os</strong> que não querem sairda comodidade, não se esforçam para mudar de p<strong>os</strong>ição, porquepreferem ficar onde estão, cultivando a displicência como regra devida. Ora, o indivíduo oper<strong>os</strong>o e realizador, porque leva a vida a sério,não se confunde com o preguiç<strong>os</strong>o, que se anula por si mesmo nogrupo social. Figurem<strong>os</strong> de passagem o caso de dois irmã<strong>os</strong>, cujo paitenha dado oportunidades ou chances, como se diz correntemente,tanto a este quanto àquele. O primeiro trabalhou, não esbanjou otempo, preparou-se para ocupar lugares mais alt<strong>os</strong>, enquanto o segundodeixou tudo correr à vontade, fazendo suas farras, abusando dasenergias da mocidade. Mais tarde, na "idade madura", quando asilusões já estão desfeitas, um irmão está em boa situação, com estabilidade,mas o outro, completamente despreparado, desgastado pelasextravagâncias, está de mã<strong>os</strong> vazias, nulificado na planície social. Dequem a culpa? ... Iguais na origem , no lar de onde saíram, masvisivelmente desiguais na organização/temperamental, na vontade, nasinclinações.-66-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA sociedade, em suma~ é um somatório das desigualdades individuais.Seria então irrealizável a igualdade em term<strong>os</strong> absolut<strong>os</strong>. Areencarnação não invalida totalmente o livre-arbítrio. Justamente porisso, se estam<strong>os</strong> encarando a questãp à luz do pensamento espírita,precisam<strong>os</strong> ter uma visão mais elástica. De um lado, há quem afirme,por exemplo, que as desigualdades são <strong>problemas</strong> sociais e, portanto,"nada têm que ver com a reencarnação"; do outro lado, com o mesmoacento categórico, afirma-se que as desigualdades são "conseqüênciasde n<strong>os</strong>so passado" e, assim, seria inútil qualquer tentativa de modificação.Então, a única solução é "deixar como está". São entendiment<strong>os</strong>contrári<strong>os</strong> à verdadeira índole da Dqutrina Espírita, de um lado e dooutro. N<strong>os</strong>sa p<strong>os</strong>ição há de ser de meio-termo, nunca de definiçõesintransigentes diante da realidade social. Há, de fato, situações queinferiorizam o indivíduo socialmente, durante uma reencarnação oumais, por causa da rede expiatória de envolviment<strong>os</strong> que o acompanhamdo passado. Se não cabem no vocabulário espírita as palavras"azar", "má sorte", "capricho do destino" e outras, de uso comum,naturalmente há uma razão para que cert<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> perdurem na sociedade,a despeito de todo o empenho que se faça para afastá-l<strong>os</strong> ouatenuá-l<strong>os</strong>. Se a razão determinante do sofrimento ou das dificuldadesnão está nesta existência, terem<strong>os</strong> de encontrá-la no passado, sob aação da lei moral de "causa e efeito", não pelo que <strong>os</strong> pais fizeram,mas pelo que o próprio culpado fez, não importa se neste ou noutr<strong>os</strong>éculo. Daí, porém, não se segue que todas as injustiças da Terra,efeit<strong>os</strong> da maldade, do engodo e do orgulho, por exemplo, sejamprojeções do passado e, por isso, irremediáveis. Não. Até certo ponto,as deficiências sociais podem ser retificadas pelas atitudes reparadoras,pela luta contra o mal e pela pelas reações da parte mais sadia dasociedade. E sempre houve, felizmente, em tod<strong>os</strong> o• grup<strong>os</strong> human<strong>os</strong>,<strong>os</strong> element<strong>os</strong> que não se contaminam, ainda que sejam obrigad<strong>os</strong> atransitar pelas mesmas vielas por onde passam o ódio, a baixeza, ovício e a hipocrisia bem ·enroupada. Os desafi<strong>os</strong> são uma contingênciadesse estado de coisas, mas nem todas as ocorrências são fatais. Areparação das brechas que se abrem no organismo social exige areforma periódica de suas estruturas. É um fenômeno inevitável, semo que a sociedade não se adaptaria às mudanças imp<strong>os</strong>tas pelasnecessidades. Mas as reformas estruturais não eliminam a relevânciada reforma moral. é ponto em que insistim<strong>os</strong>. São instâncias concomitantes.A reforma de uma estrutura política, administrativa, religi<strong>os</strong>aou educacional, por exemplo~ pode ser muito inteligente, com boa basede sustentação, mas o funcionamento vai depender do homem. E se ohomem não estiver preparado para conviver com <strong>os</strong> nov<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong>,


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensenão apenas do ponto de vista intelectual ou técnico, mas também doponto de vista moral, a melhor estrutura p<strong>os</strong>sível corre o risco dapoluição, apesar das boas aparências. Que poderíam<strong>os</strong> esperar de umacasa muito bem traçada, muito bonita por fora, mas construída commaterial de péssima qualidade, sem alicerce seguro? ...Então, embora as reformas de estruturas sejam necessárias, oequilíbrio social não dispensa a reforma moral de alto a baixo. Não sereformam c<strong>os</strong>tumes por leis ou pela força. Por mais bem intencionadae cuidad<strong>os</strong>a que seja uma lei, não está isenta de acomodações edistorções quando o homem quer usá-la em benefício de seus caprich<strong>os</strong>ou de conveniências ocultas. A lei por si só não reforma asociedade, pois <strong>os</strong> resídu<strong>os</strong> da imoralidade e das artimanhas sempresubsistem enquanto o homem, por sua vez, também não se modificainteriormente. Dentro dessa concepção, que está na ordem geral dasidéias que até aqui explanam<strong>os</strong>, naturalmente n<strong>os</strong> defrontam<strong>os</strong> com oproblema d a propriedade. Como já recordam<strong>os</strong>, o <strong>Espiritismo</strong> n<strong>os</strong> põediante de uma concepção igualitária quanto a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> essenciais dacriatura humana. Mas também estabelece a distinção entre a propriedadeprivada e a propriedade destinada ao uso geral. Não usa terminologiajurídica nem muito men<strong>os</strong> formulações técnicas, mas divideclaramente, em term<strong>os</strong> étic<strong>os</strong>, o bem comum, a que tod<strong>os</strong> têm direito,e a fortuna de uso particular. Reconhecem<strong>os</strong>, por isso mesmo, alegitimidade da propriedade privada, obtida à custa do trabalho honesto,sem prejuízo de ninguém, como ensina a Doutrina. E porventuranão tem o direito de usufruir o resultado de seu esforço todo aqueleque trabalha e sabe perseverar e economizar para conseguir um padrãode vida melhor? É lógico e humano. Isto não implica aceitar oudefender a transformação de recurs<strong>os</strong> ou bens de uso geral em propriedadeparticular, para o enriquecimento de uns pouc<strong>os</strong> em desfavor demuit<strong>os</strong>. É o que significa, sem tirar nem pôr, a monopolização de umpatrimónio coletivo. A propriedade e o capital são, portanto, valoresrelativ<strong>os</strong>. Se a Doutrina Espírita não é contra o capital em si, coerentementenão apóia a designação depreciativa do dinheiro como o "vilmetal". O homem é o responsável pel<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> do capital, pois odinheiro é apenas um instrumento, que tanto pode ser empregado pararealizações nobres e humanitárias quanto pode servir de peça decisivade um sistema de corrupção e violência. O problema é com o serhumano, não é com o dinheiro, pois já sabem<strong>os</strong> muito bem que asmelhores coisas deste mundo, quer materialmente, quer intelectualmente,podem ser usadas para o mal ou para o bem na medida em que olivre arbítrio pende para um lado ou para o outro.-68-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseÉ o que aprendem<strong>os</strong> na Doutrina Espírita:"Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto àsalvação d<strong>os</strong> que a p<strong>os</strong>suem, conforme se poderia inferir decertas palavras de Jesus interpretadas segundo a letra e nã<strong>os</strong>egundo o Espírito, Deus, que a concede, teria p<strong>os</strong>to nas mã<strong>os</strong> dealguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéiaque repugna a razão." (0 EVANGELHO SEGUNDO O ESPI­RITISMO, CAP. XVI).Coincidentemente - apesar da grande distância no tempo e nascircunstâncias-, o Presidente Franklin Ro<strong>os</strong>evelt, d<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>,chefe de uma nação capitalista, dizia isto:"Os capitlistas vorazes serão devorad<strong>os</strong> pelo fogo que elesatearam... O capital é essencial; razoáveis compensações aocapital são essenciais; porém o mau uso d<strong>os</strong> poderes do capital oua egoística supervisão de seu emprego precisa ter fim, ou <strong>os</strong>istema capitalista se destruirá pel<strong>os</strong> seus própri<strong>os</strong> abus<strong>os</strong>".Ro<strong>os</strong>evelt estava então fomentando a política do New Dea/, um planoeconómico realmente revolucionário (10). Ro<strong>os</strong>evelt defendia até veementementea propriedade privada, mas ressalvou logo que apropriedade"nao pode ser sujeita à manipulação desnmana d<strong>os</strong> jogadoresprofissionais da bolsa ou d<strong>os</strong> conselh<strong>os</strong> de administração". O sentidohumano da propriedade, em suma. São idéias que se encontram com asidéias espíritas:"O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta, constituilegítima propriedade sua, que ele TEM O DIREITO DE DEFEN­DER, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direitonatural, tao sagrado como o de trabalhar e de viver". ("LIVRODOS ESPÍTITOS" -capítulo XI -parte 3' n. 882).Outra coincidência relevante, sobretudo pela espaço de tempo (90an<strong>os</strong>) entre o pensamento espírita e o pensamento de um economistacontemporâneo, o que demonstra, mais uma vez, as antecipações daDoutrina Espírita em relação a <strong>problemas</strong> de n<strong>os</strong>so tempo:1947 H. HANSEN:"Numa fase de industrialização e urbanização, o indivíduo nãopode ordenar a sua vida isoladamente. Só conseguirá solver <strong>os</strong>complex<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> hodiern<strong>os</strong> mediante esforço conjugado e aação cooperativa d<strong>os</strong> seus semelhantes".(ll)(Iii) A transcrição é de l948, quando saiu a 1' edição deste livro.( 11 J llanscn, professor de Economia Política, escreveu ''Economic Policy and Full Employment''1·. nula vc1. mah <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> e as nações são interdependentes.-69-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense1857"O LIVRO DOS ESPÍRITOS""O homem tem que progredir. Isolado não lhe é isso p<strong>os</strong>sível, pornão dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contacto com <strong>os</strong>outr<strong>os</strong> homens. No isolamento ele se embrutece e estiola".No fundo, o que resulta de duas conceituações de origens tãodiferentes é um apelo de ordem ética, porque contrário ao egoísmo,mas identificado com o espírito de solidariedade, que continua a seruma força social das mais ponderaveis. "Uma sociedade que se baseiana lei e na justiça de Deus - diz a Doutrina Espírita - deve prover àvida do fraco, sem que haja para ele humilhação". É o caso da esmola,que humilha e não resolve <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>. Mas o assunto provocareflexões no campo sócio-econõmico, o que será objeto de próximocapítulo.-70-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseVICONCEITO DE SOCIALISMODo pensamento de Ro<strong>os</strong>evelt ainda extraím<strong>os</strong>mais um ponto de coincidênciacom a Doutrina Espírita" Disse o então Presidente d<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>:Tmlo homem tem o direito de viver, i.sto é, o direito de se proporcionaruma vida agradável. O termo agradável pode parecer um poucoromântico, mas o que significa, como entendem<strong>os</strong>, é necessariamenteuma vida digna, e não uma vida no submundo da sociedade" Não seriap<strong>os</strong>sível chegar a esse plano de eqüidade sem uma ordem políticocconômicafundamentada na justiça. Há duas categorias de bens: <strong>os</strong>que se destinam a tod<strong>os</strong> como um direito inerente à condição humana,e <strong>os</strong> bens de uso puramente particular, cujo gozo não interfere n<strong>os</strong>lntetesses de terceir<strong>os</strong>. Até certo ponto explica-se a presença doE1tado, justamente para dirimir as contendas do particular com oJl!ral, ainda mais porque a velha economia liberal, n<strong>os</strong> moldes-71-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseclássic<strong>os</strong> do "deixar fazer", não teria sentido n<strong>os</strong> dias atuais, poisestam<strong>os</strong> vendo claramente a participação do Estado a bem dizer emtudo. Cabe ao Estado, inegavelmente, evitar que a economia privadase sobreponha a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> da coletividade na obtenção d<strong>os</strong> bensessenciais. Por "bens essenciais" não se entende apenas o conjuntod<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> primári<strong>os</strong> de subsistência, como alimento, roupa etc., mastambém o que faz parte das aspirações naturais do espírito, como acultura, o lazer, o ideal, por exemplo.Nem sempre, porém, a ingerência do Estado opera com acerto.Muitas concessões convertidas em monopóli<strong>os</strong> favorecem mais apr<strong>os</strong>peridade avassaladora de indivídu<strong>os</strong> e grup<strong>os</strong> do que propriamentea segurança da maioria necessitada. E, assim, o próprio Estado muitasvezes estimula o individualismo insaciável. No fundo, é a volta àeconomia liberal sob outra fachada. Se, na realidade, o capitalism<strong>os</strong>em frei<strong>os</strong> produz efeit<strong>os</strong> dan<strong>os</strong><strong>os</strong> na economia social quando setransforma em instrumento de pressões, açambarcamento e outrasformas de predomínio, o socialismo de Estado, por sua vez, exerce umpoder de compulsão esmagadora através da economia dirigida e padronizadapela onipresença d<strong>os</strong> órga<strong>os</strong> oficiais. Implicitamente, é a sufocaçãoda iniciativa pessoal. AnuJa-se então a capacidade inventiva, queé uma das "molas propulsoras" do progresso. E não apenas na gestãoeconômica, mas também nas atividades cientificas, literárias, artísticas.Não há lugar para as inteligências independentes nem mesmoquand"o despontam capacidades geniais. Um gênio frustrado porquenáo tem mei<strong>os</strong> de expandir-se ou não pode revelar o fruto de suaselaborações se não estiverem dentro do "'figurino" do regime, é um solque se retrai ou se esconde sob a atm<strong>os</strong>fera turva do Poder. Mas opoliciamento da inteligência, tenha o pretexto que tiver, é sempre umaviolência que sacrifica o espírito criador. O índice de adiantamento deuma civilização não se avalia pela produção em massa, mas pelo surtode iniciativas capazes de criar, renovar e enriquecer ao longo do tempoe no acervo da cuJtura. Nenhum desses objetiv<strong>os</strong> seria realizável semliberdade, o que quer dizer sem campo aberto às opções, sem respeitoao livre arbítrio.Voltando à p<strong>os</strong>ição espírita, o que estam<strong>os</strong> querendo ponderar,como reflexão própria, é que nenhum d<strong>os</strong> dois sistemas, quer oindividualismo desmedido, quer o socialismo de Estado, se ajustaria ao<strong>Espiritismo</strong>. Conquanto haja idéias coincidentes neste ou naqueleângulo, ora com teses marxistas, ora com o Catolicismo, por exemplo,não seria p<strong>os</strong>sível amoldar a Doutrina Espírita a<strong>os</strong> esquemas de Marxnem tampouco ao pensamento da Igreja. Entre as doutrinas mais-72-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseantagônicas pode haver algum ponto comum. Até mesmo com omaterialismo, a Doutrina Espírita pode ter algum ponto de contacto nomomento em que amb<strong>os</strong> se referem a verdades comuns. Daí pordiante, porém, há um abismo imensuráv~l. A defesa do homem contraa exploração do trabalho, por exemplo, não é privilégio de um partidoou de uma agremiação doutrinária, é uma p<strong>os</strong>tulação do Evangelho.Tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> interessad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> sociais reconhecema existência de um fato: a exploração do homem pelo homem. Apalavra do Cristo sempre clamou contra a injustiça. E, por isso,nenhuma doutrina até hoje foi mais lógica e mais incisiva contra aexploração do que o Cristianismo em sua pureza, tanto mais quantonenhuma forma de injustiça encontra abrigo no Evangelho. Logo, é noEvangelho que se devem inspirar as soluções, uma vez que a ordemmaterial, cujo centro de ação está no valor econômico, não pode sermodificada enquanto não prevalecer a moralidade, o sentimento dejustiça e responsabilidade.A sociedade humana é como um doente. Divers<strong>os</strong> médic<strong>os</strong>, àcabeceira da cama, podem estar de pleno acordo quanto a diagnóstico,tod<strong>os</strong> chegam ao mesmo resultado acerca da gravidade do caso;porém, cada qual, segundo a sua escola ou doutrina médica, podeapresentar ou empregar mei<strong>os</strong> diferentes para curar o enfermo. Entreum alopata e um homeopata, um naturista, por exemplo, ainda quehaja absoluta concordância sobre <strong>os</strong> sintomas, <strong>os</strong> process<strong>os</strong> terão deser diferentes. O doente, que é o maior interessado, não toma conhecimentodas divergências, porque lhe interessa ficar bom, seja qual for adoutrina médica. No organismo social, como no organismo humano,também se empregam terapêuticas nem sempre concordantes. Sob esteponto de vista, o fato clínico tem analogia com o fato social. Oorganismo social está sujeito, como o organismo humano, a enfermidadespassageiras, longas e cronicas. Cada corrente de pensamento, cadaescola propõe a sua terapêutica, isto é, o seu modo de resolver oproblema social e, assim, pôr o homem a salvo da exploração.Tem<strong>os</strong> o exemplo de duas forças inteiramente op<strong>os</strong>tas: a Igrejatradicional e o movimento marxista(l2)- Não há quem não saiba queexiste uma barreira imensa entre a teologia católica e as teses marxistas.Entretanto as duas direções se encontram quando reconhecem a(12) -Dizem<strong>os</strong> igreja tradicional justamente porque depois da I' edição deste livro (1948) houvemudanças bem sensíveis na vida interna da Igreja, o que pruvocou, como estam<strong>os</strong> vendo, um conflitoaberto entre <strong>os</strong> conservadores e <strong>os</strong> renovadores, estes últim<strong>os</strong> com tendências políticas bemdiscrepantes, enquanto outr<strong>os</strong>, ao mesmo tempo, defendem modificações até na parte litúrgica,tendentes a um retorno às origens. Não n<strong>os</strong> cabe fazer apreciações, uma vez que nâo tem<strong>os</strong> interessena área católica, mas estam<strong>os</strong> registrando um fato histórico.-73-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseinjustiça social, causada principalmente pela desproporçüo do bemestar, geradora de tant<strong>os</strong> choques de que a História úú tcslcmunho. Ocerne da grande questão está no conflito entre o capilal c o trabalho ena desigualdade económica. A Rerum Novarum (En


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecumprisse o que está nas palavras do Papa. Entretanto, muito antes daRerum Novarum, justamente na primeira década que se seguiu àtransformação de 1848, na França, a Doutrina Espírita tratou dasdesigualdades sociais e da valorizaçÇa0 do trabalho. Do que lá está, nocorpo da Doutrina, fica a lição de que é um perigo subordinar o homema<strong>os</strong> interesses puramente materiais, tanto quanto são muito comprometedorasas conseqüências da falta de amparo dentro de uma sociedadeem que <strong>os</strong> necessitad<strong>os</strong> sejam obrigad<strong>os</strong> a pedir esmola. Façam<strong>os</strong> oconfronto. Em 1857, quando Allan Kardec publicou "O Livro d<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong>", a Doutrina Espírita pronunciou-se assim:Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável peloexcesso de trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto,assim fazendo, transgride a lei de Deus. (Capítulo: Lei do Trabalho)A idéia central está muito clara: ninguém deve explorar otrabalho do assalariado, seja o trabalho braçal, seja o trabalhointelectual, porque é um desrespeito à Lei divina. Este o pensamentoespírita. Pois bem, trinta e quatro an<strong>os</strong> depois, em 1891, aIgreja viria sustentar a mesma idéia, pela Rerum Novarum:O Cristianismo proíbe também a<strong>os</strong> patrões que imponham a<strong>os</strong>seus subordinad<strong>os</strong> um trabalho superior às suas forças ou emdesarmonia com a sua idade ou sexo.Tanto na Rerum Novarum quanto noutr<strong>os</strong> document<strong>os</strong> relativ<strong>os</strong> a<strong>problemas</strong> sociais há idéias que estão incorporadas a context<strong>os</strong> divers<strong>os</strong>,com o mesmo sentido, embora dentro de formulações diferentes.Duas outras conquistas sociais, hoje consagradas em lei, tambémforam previstas pela Doutrina Espírita com muita antecedência: alimitação das horas de trabalho, para que haja o repouso indispensável,e a igualdade de direit<strong>os</strong> da mulher. ("0 Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>" -questões 682- 817 a 822).Parece-n<strong>os</strong> pacificamente compreensível que <strong>Espiritismo</strong>, Catolicismo,Socialismo, Anarquismo e outras correntes conflitantes este~jam de acordo em determinado momento ou diante de uma emergênciaem que a necessidade ou aflição coletiva reclame a convergência deesforç<strong>os</strong> acima das divergências ideológicas. O problema das enchentesno Sul do Brasil e o das secas do Nordeste, por exemplo ( 1983). Emmomento tão grave, tão dolor<strong>os</strong>o(!) não se pensa em discordânciasreligi<strong>os</strong>as ou políticas, pois o que cumpre a tod<strong>os</strong> é entrar em ação, éajudar. Mas é uma situação ocasional. Doutrinariamente, porem, nã<strong>os</strong>e identificam concepções tão díspares na base e n<strong>os</strong> process<strong>os</strong>. Com-75-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensevistas ainda à p<strong>os</strong>ição socialista! naturalmente há contingências em quese torna necessária a intervenção do Estado na ordem econômica, poisestaríam<strong>os</strong> fugindo à realidade se quiséssem<strong>os</strong> alimentar. hoje em dia,uma tendência liberal tão ampla dentro de uma sociedade em quesom<strong>os</strong> cada vez mais interdependentes. Apesar de todas as resistências,as próprias circunstâncias conjugam-se para a transformação docapitalismo, ainda que lentamente. Por assim entenderm<strong>os</strong>, escrevem<strong>os</strong>alguns comentári<strong>os</strong> na revista ''Digesto Económico·', de S. Paulo,a propósito do "Plano Social" de Volta Redonda, justamente quando,há quase três décadas, a Cia. Siderúrgica estava "a bem dizer"iniciando uma experiência, a n<strong>os</strong>so ver apreciável, de equilíbrio entre ocapital e o trabalho. Dissem<strong>os</strong> então:Uma das grandes vantagens do regime democrático sobre <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>regimes é justamente a sua elasticidade. Não se pense, por isso, quea Democracia seja o regime da hipertrofia individualista.No decorrer de n<strong>os</strong>sas considerações, naturalmente com referênciasainda às mudanças resultantes do Tratado de Versalhes, externam<strong>os</strong>assim o n<strong>os</strong>so modo de ver: ... estam<strong>os</strong> caminhando para um tipo derelação em que não haverá predominância nem do socialismo estatalnem do "extremismo comunista". O fenômeno atual (1954) pode serapresentado, em linhas gerais, dentro do seguinte quadro:a) - se, por um lado, não é mais p<strong>os</strong>sível admitir o liberalismoamplo, fundamentado na concepção individualista do "laissezfaire ", porque o mundo atual não tem ambiente para esse sistemade atividade econômica;b)- por outro lado, é inegável, é evidente que <strong>os</strong> process<strong>os</strong> derelaçôes entre o capital e o trabalho não podem nem devem sersubordinad<strong>os</strong> à flexibilidade ou à ortodoxia de qualquer sistemafechado, porque é indispensável não perder de vista o principio dainiciativa individual.("Digesto Económico" n' 110-janeiro de1954)Pouco depois daquela publicação, recebem<strong>os</strong> uma carta do entãoSenador A


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseque não causa prejuízo a terceir<strong>os</strong>, deixa bem implícita a diferençaentre a propriedade particular, de uso pessoal, e a propriedade queabsorve bens indispensáveis à coletividade por meio de monopóli<strong>os</strong> econsórci<strong>os</strong>, com objetiv<strong>os</strong> exclusivamente lucrativ<strong>os</strong> para o enriqueci~menta de pouc<strong>os</strong> em prejuízo da maioria. Nesta contingência, compreende-semuito bem o papel do Estado para estabelecer o equilíbrio.E, ainda mais, porque certas iniciativas estão muito acima d<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong>particulares.É de 23 de fevereiro de 1.954 a carta do Senador Pasqualini, n<strong>os</strong>seguintes term<strong>os</strong>:"Ao ler, em seu trabalho, que o mundo moderno não permitemais a estagnação do capital parasitário ou improdutivo e que odinheiro deve ter aplicação de acordo com <strong>os</strong> interesses sociais,verifico que n<strong>os</strong>sas concepções são mais divergentes na forma ouna terminologia do que na substância. É desnecessário esclarecerque não preconizo para o Brasil a instituição do socialismo, mastão somente a modificação do regime capitalista em bases racionais,única condição de p<strong>os</strong>sibilidade de sua sobrevivência.Volta Redonda, que é objeto de seu belo artigo, constitui umaprova da necessidade do empreendimento estatal em determinad<strong>os</strong>setores. O empreendimento privado, sobretudo em um paísde capital escasso, é exclusivamente guiado pelo intuito lucrativo.O capital particular jamais se teria abalançado criar, noBrasil, uma Volta Redonda. N<strong>os</strong> países subdesenvolvid<strong>os</strong> hácertas inversões e empreendiment<strong>os</strong> que têm caráter pioneiro esomente podem ser realizad<strong>os</strong> pelo Estado. Um d<strong>os</strong> pont<strong>os</strong>importantes é a forma de financiá-l<strong>os</strong>. Entre nós, tem-se recorridoà inflação (ocorreu inclusive em Volta Redonda), o querepresenta uma taxação clandestina de salári<strong>os</strong>, método que nãopode ser socialmente aceito e de que se tem abusado em n<strong>os</strong>sopaís. As conseqüências estão aí à vista.Queira o nobre patrício, com <strong>os</strong> meus agradeciment<strong>os</strong>, aceitar <strong>os</strong>meus cumpriment<strong>os</strong> cordiais.''Alberto Pasqualini (13)Como diz na própria carta, Pasqualini não era adepto do socialismo,pelo men<strong>os</strong> àquela época, mas lutava honestamente por modificações(13) - Entre outr<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong>, deixou Bases e sugestões para uma polírica social e Trabalhismo edesenvolvimento econômico. A Imprensa Oficial do Rio G. Sul publicou em 954 Idéias políticas esociais de Alberto Pasqualini.-77-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseestruturais que lhe parecíam indispensáveis. As ídéias avançadas nã<strong>os</strong>ão privativas de um partido ou sistema. O falo. por exemplo, deenaltecer a justiça social, que é de interesse geral. núo quer dizer que oindivíduo esteja obrigado a comprometer-se ,,:um a linha comunista,assim como o fato de alguém elogiar um hispo, porque fez belodiscurso sobre a caridade, não quer dizer que de v:~ "cair n<strong>os</strong> braç<strong>os</strong> daIgreja". Nada tem que ver uma coisa com a outra, c:omo se diz.Não n<strong>os</strong> iludam<strong>os</strong> com a rotulag:~m tantn cm matéria religi<strong>os</strong>aquanto em matéria política. Quant<strong>os</strong> individu<strong>os</strong>. por aí, que se dizemateus ou presumem sê-lo, mas assumem atiludcs mais evangélicas, naprática, do que as p<strong>os</strong>turas disfarçadas de muít<strong>os</strong> crentes, desses querecitam máximas e versícul<strong>os</strong> na ''ponta da língua''. mas não conseguemreformar-se moralmente. Quem n<strong>os</strong> merece mais confiança: umateu sincero e gener<strong>os</strong>o ou um cristão fariseu com aparência desantidade? ... Em política, do mesmo modo, ni.io faltam socialistasretóric<strong>os</strong> que vivem sob <strong>os</strong> padrões de um inJividualismo intransigentee egoísta, apesar de muito exaltarem a solidariedade, o ideal comunitárioetc. Teoricamente. Há. no entanto, apreciáveis exempl<strong>os</strong> de indivídu<strong>os</strong>que, embora partidári<strong>os</strong> da economia liberal e acusad<strong>os</strong>, por isso,de individualistas retrógrad<strong>os</strong>, têm uma compreensão mais lúcida d<strong>os</strong><strong>problemas</strong> sociais em comparação com o que se observa em muit<strong>os</strong>socialistas ferrenh<strong>os</strong>.N<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> anteriores a 1930 ninguém foi mais liberaldo que Rui Barb<strong>os</strong>a. Liberal pela sua formação. Sempre defendeuardor<strong>os</strong>amente a liberdade em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong> que a dignidadehumana exige. Também liberal do ponto de vista económico. Grandeadmirador da Inglaterra, onde viveu algum tempo como exilado, muitoafeiçoado a<strong>os</strong> estil<strong>os</strong> britânic<strong>os</strong>, Rui nunca disfarçou a influênciainglesa no lastro de suas heranças culturais. Mas o individualismo deRui não era tão inflexível como então se dizia. Chamado abertamentede conservador e aristocrata, chegou a ser transformado gratuitamenteem ''inimigo d<strong>os</strong> operári<strong>os</strong>''. Mas a verdade é que Rui não parou notempo. Tanto assim que, em 1919, durante uma campanha política,tomou p<strong>os</strong>ição muito aberta sobre a questão social, exatamente quan·do, sobre as ruínas deixadas pela I' guerra mundial (1914/1918), setraçavam nov<strong>os</strong> rum<strong>os</strong> às relações do trabalho, com o Tratado deVersalhes.Já tivem<strong>os</strong> ocasião de ressaltar este aspecto de sua vida públicaquando escrevem<strong>os</strong> Rui e a questão social, p<strong>os</strong>teriormente à 1 a ediçãodeste livro. ("Gazeta Judiciária" de 30/06/1.956). Ele, que não erasocialista, propugnou uma "democracia social", justamente porque-78-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesentiu que a legislação da época, por ser muito falha, não assegurava aproteção devida a<strong>os</strong> trabalhadores (14). É verdade que, na plataformade 1.919, Rui declarou que a questão social (diríam<strong>os</strong> hoje questãotrabalhista) não era o único centro de atenção d<strong>os</strong> govern<strong>os</strong>, pois arealidade social, pelo que depreendem<strong>os</strong> de sua pregação política,deveria ser vista de um modo global. Em carta a Maurício de Lacerda,seu antigo correligionário, ainda.a propósito de sua apoteótica conferênciano Teatro Lírico, Rui deu a entender, nas entrelinhas, que,embora candidato ao mais alto p<strong>os</strong>to eletivo do País, não queriacortejar nenhuma classe, nenhum grupo: Sou pelas reivindicaçõesoperárias, mas dentro do programa que esbocei na conferência doTeatro Lírico, sem quebrar a justiça que devem<strong>os</strong> às outras classesnem esquecer <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> da propriedade individual. Todavia, não é aquestão social que enche ainda o cenário da política brasileira. O quetudo domina é o problema politico-administrativo. (A carta é de09/02/1921- "Correspondência de Rui"). As idéias devem ser avaliadascom a perspectiva do tempo e do ambiente em que foram lançadas.Sem ter feito profissão de fé socialista, o certo é que Rui Barb<strong>os</strong>ademonstrou sensibilidade diante da questão social, cujo desdobramentoexigiria, hoje, naturalmente outra colocação.Mas não é a legenda de socialista, liberal ou eclético que decidenas tendências mais intimas do homem para este ou aquele segment<strong>os</strong>ocial. É a sua maneira própria de ver e sentir <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>.Depois destas digressões, sem quebrar, contudo, a ordem deidéias a que estam<strong>os</strong> obedecendo, vem uma pergunta de caráterconclusivo: e a palavra da Doutrina Espírita? Que podem<strong>os</strong> dizer,depois de tudo isto, à luz da Doutrina que abraçam<strong>os</strong>? Em primeirolugar, tem<strong>os</strong> um problema conceituai. O conceito de socialismo, emterm<strong>os</strong> espíritas, se quiséssem<strong>os</strong> argumentar com esse conceito, jamaispoderia ser um socialismo de militância política, envolvido n<strong>os</strong>esquemas de uma facção partidária. A Doutrina Espirita é muitotranscendente em relação a qualquer tipo de partido. Em segundolugar, a forma de socialismo mais condizente com a natureza daDoutrina deve ser entendida no sentido amplo de uma justiça social emque haja harmonia com a mensagem do Cristo, cada vez mais próximado respeito a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> da pessoa humana, sem discriminações denível social, raça, cor ou latitude. Socialismo, sim, como concepção deuma sociedade em que, um dia, <strong>os</strong> homens saibam viver como irmã<strong>os</strong>,(14)- Rui Barb<strong>os</strong>a (1849-1923). Candidato a Presidente da República em op<strong>os</strong>ição à Epitácio Pessoaem 1919. Já competira em 1909/10 com o Marechal Hermes da Fonseca.-79-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseapesar das diferenças inevitáveis. Não é, portanto, um conceito formalou específico. Finalmente, conquanto a Doutrina Espírita, como jásabem<strong>os</strong>, tenha conexões com <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>, quer na ordemeconômica, quer na ordem intelectual e na ordem política, o resumo desuas previsões está exatamente na ordem moral. É na reforma dohomem, não há dúvida, que está o denominador comum:Somente o progresso moral pode assegurar a<strong>os</strong> homens a felicida·de na Terra, refreando as paixões más; somente esse progressopode fazer que entre <strong>os</strong> homens reinem a concórdia, a paz, afraternidade. Leia-se adiante: O <strong>Espiritismo</strong> não cria a renovaçã<strong>os</strong>ocial; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovaçãouma necessidade.(Allan Kardec- "A Gênese", cap. XVIII n"s 19/25).É preciso que o homem chegue à maturidade espiritual, como adverte"O Evangelho seg. o <strong>Espiritismo</strong>". E Allan Kardec, por fim, pensa naconciliação da competência com a moralidade ao falar em "aristocraciaintelecto-moral". É o caminho que indica a Doutrina Espírita.-80-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseVIICONSIDERAÇÕES SOBREESPIRITISMO E POSITIVISMOAo referir-se, embora de passagem, aolivro de Agenor Correia- "A Objetividadeda alma" (<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> espíritas em face da p<strong>os</strong>itividade e daverdade cristã), o escritor e acadêmico Ivan Lins, em sua apreciada"História do P<strong>os</strong>itivismo no Brasil", classificou de incongruente oentrelaçamento da doutrina de Augusto Comte com o espiritismobrasileiro. Inegavelmente, o trabalho do eminente acadêmico e discípulode Augusto Comte é um livro notável, quer do ponto de vistahistórico, quer do ponto de vista crítico e ético. Não vem<strong>os</strong>, porém,incongruência no confronto com alguns aspect<strong>os</strong> do <strong>Espiritismo</strong>. Nã<strong>os</strong>eria o caso de querer comparar duas doutrinas fundamentalmenteop<strong>os</strong>tas. E não haveria razão para forçar combinações descabidas.Mas a verdade é que há pont<strong>os</strong> de coincidência nas prescrições deordem moral, como também nas conseqüências sociais.-81-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseCoincidências, e não entrelaçamento doutrinário. Podem<strong>os</strong> ir maislonge e dizer que há coincidência com o próprio Evangelho.O P<strong>os</strong>itivismo prega o amor como princípio. E o Cristo não n<strong>os</strong>ensina o amor como princípio de tudo? O P<strong>os</strong>itivismo recomenda"viver para outrem", porque combate o egoísmo e exalta o altruísmo.E, no fundo, não equivale a dizer desprender-se, doar-se em benefíciodo próximo, como se aprende no Evangelho? A mensagem do P<strong>os</strong>itivismoencarece largamente o valor da solidariedade humana. E não étambém um d<strong>os</strong> preceit<strong>os</strong> espíritas? São motiv<strong>os</strong> de encontr<strong>os</strong> entreduas doutrinas que se distanciam notoriamente na base e nas origens.Augusto Comte (15) nasceu na França, como Allan Kardec, e desencarnouem 1857, exatamente o ano da publicação de "O Livro d<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong>''. Apesar de se haver desdobrado para a ''Religião da Humanidade"(religião sem Deus e sem preocupação com a sobrevivência daalma) a doutrina de Augusto Comte teve muita participação na vidabrasileira no século passado e nas primeiras décadas do regime republicano.Suas idéias penetraram muito nas escolas superiores. E porinfluência do P<strong>os</strong>itivismo operou-se uma das reformas do ensino, comBenjamin Constant. A geração militar que conviveu com BenjaminConstant, na antiga Escola da Praia Vermelha, onde o insigne republicanoera muito mais do que professor, porque era um guia da mocidade,formou-se sob a influência p<strong>os</strong>itivista. No ensino de engenharia,como no de medicina e direito o pensamento de Augusto Com te deixousulc<strong>os</strong> bem fortes. É certo que, depois, com a divulgação da doutrinade Herbert Spencer - O E••olucionismo- uma forma de P<strong>os</strong>itivismocom algumas diferenças não propriamente na essência, houve element<strong>os</strong>que se voltaram mais para Spencer (inglês). A doutrina de Comtepassou a ser como que uma "camisa-de-força" entre <strong>os</strong> que mais seempolgaram com Spencer. Na direção fundamental não há, porém,divergência: O P<strong>os</strong>itivismo sustenta que não podem<strong>os</strong> conhecer asprimeiras causas e, por isso, não devem<strong>os</strong> cogitar de Deus, vida futuraetc., porque são <strong>problemas</strong> metafísicas; o Evolucionismo faz a mesmaafirmação e chega, por fim, ao incogn<strong>os</strong>cível, isto é, o que não pode serconhecido. Amb<strong>os</strong> pararam aí. Apesar de todas as restrições que lhefaçam<strong>os</strong>, há pont<strong>os</strong>, no P<strong>os</strong>itivismo, que se aproximam do ensinoespírita no que diz respeito à convivência humana. É o que verem<strong>os</strong>linhas adiante.(15)- Augusto Com te (1798-1857). Espírito matemático pela sua formação, deu muita ênfase à razãoe à experiência científica. Além do "Curso de Fil<strong>os</strong>ofia P<strong>os</strong>itiva'', "Síntese subjetiva'', ·'Apelo a<strong>os</strong>conservadores'', ''Sisicma de Política P<strong>os</strong>iliva'' e putr<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> que lhe projetaram o nome comofilósofo ainda fez uma classificação das ciências. E o ''pai da Sociologia'', primeiramente apresentadapor ele corno "física social".-82-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseAo organizar o corpo de doutrina, que tomou o nome de P<strong>os</strong>itivismo,Augusto Comte firmou três princípi<strong>os</strong> iniciais, notoriamente conhecid<strong>os</strong>:AMOR, ORDEM E PROGRESSO. São, realmente, a base detoda a construção fil<strong>os</strong>ófica do sistema. As três palavras decisivasestão assim combinadas: o amor por princípio; a ordem por base; oprogresso por fim. Veja-se a linha de coerência, o encadeamentonatural d<strong>os</strong> três conceit<strong>os</strong>. Vam<strong>os</strong> decompor a trilogia p<strong>os</strong>itivista.Antes de tudo e como ponto de partida, o AMOR; e se não houveramor, tudo o mais será frágil ou falso. Nenhuma ordem social teráestabilidade, nem à força de artifíci<strong>os</strong>, enquanto não houver o amorreal, ainda que haja um aparelho policial d<strong>os</strong> mais aperfeiçoad<strong>os</strong>,ainda que as leis sejam drásticas. Sem amor, o edificio não teráalicerce. E, por isso, Augusto Comte, espírito de clarividência extraordinária,colocou o amor em primeiro lugar. Mas não é o amor dasexpansões românticas, é o amor como estado de espírito, disp<strong>os</strong>to àrenúncia em beneficio da causa comum. É o amor em forma dealtruísmo, op<strong>os</strong>to ao egoísmo. O amor, segundo Augusto Comte, é quedeve impulsionar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> atas da vida. É o princípio ativo porexcelência.Logo depois vem a ORDEM, por seqüência lógica, e será umaordem mais estável, porque baseada no amor. Sem amor e sem ordem,o progresso é uma utopia, seja qual for o regime, sejam quais forem asleis. Quando <strong>os</strong> homens se amam, naturalmente podem e queremconstruir a ordem, que é a condição básica para o verdadeiro PRO­GRESSO. Como falar em progresso social sem ordem, sem amor? Ofuncionamento da sociedade não poderia começar logo pelo progresso.Primeiramente é preciso que haja ordem. E o progresso vem depois,como decorrência, como coroamento. E, por isso mesmo, AugustoComte colocou o progresso por fim, não por princípio.Não faltará, sem dúvida, quem veja em tudo isso uma ingenaidade.Mas é preciso conhecer a obra de Augusto Comte, sentir o peso desua construção fil<strong>os</strong>ófica e científica para compreender o fundamentodo sistema. Claro que, com o tempo, certas idéias tiveram de sofrerretificações, o que aconteceu com todo <strong>os</strong> <strong>os</strong> grandes homens, comoAristóteles, Descartes e assim por diante. Ingenuidade, porém, não.Quem lê cuidad<strong>os</strong>amente a terceira parte de • 'O Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>'·.prestando bem atenção ao sentido de encadeamento das ''Lei Morais'',observa logo que as idéias de amor, ordem e progresso estão preconizadasna Doutrina Esp{rita de outra forma, dentro de outr<strong>os</strong> context<strong>os</strong>,evidentemente, mas com a mesma preocupação superior. O amor, parao <strong>Espiritismo</strong>, é também uma regra de vida, em todas as-83-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecircunstâncias. E o amor deve projetar~se na sociedade, a fim de que sep<strong>os</strong>sa edificar uma ordem duradoura, pois amor pressupõe solidariedadehumana, tolerância, respeito, dignidade na vida pública e na vidaparticular. Dai, então, vem o progresso. A Doutrina Espirita ensina orespeito à natureza ("Lei de conservação''); a contribuição de tod<strong>os</strong>para a ordem comum ("Lei do Trabalho") e, por fim, a "Lei doprogresso", que não pode funcionar sem que haja ordem.Não n<strong>os</strong> esqueçam<strong>os</strong> de que Allan Kardec, antes de seu desenlace,realizou um trabalho de sfntese sobre alguns pont<strong>os</strong> da Doutrina,tendo deixado, em "Obras Póstumas", um capitulo especial sobre''Aristocracia intelecto-moral''. Previa o Codificador uma ordem socialem que a moralidade se conjugasse à competência. Por ser umaDoutrina de equilíbrio em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>, o <strong>Espiritismo</strong> não secompatibiliza com p<strong>os</strong>ições extremadas, com soluções violentas. Ninguémpode, portanto, modificar a natureza da Doutrina. O sentido deordem e progresso está no pensamento da Doutrina Espirita, em toda asua contextura de princípi<strong>os</strong>. Neste ponto, inegavelmente, é natural quese p<strong>os</strong>sa encontrar convergência de idéias entre <strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivismo. Enquanto, porém, a Doutrina P<strong>os</strong>itivista se atém ao mundoobjetivo ou simplesmente humano, desprezando qualquer cogitaçãoacerca do além, a Doutrina Espirita encara <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> da Terra e doHomem através de outra dimensão muito maior, uma vez que suafil<strong>os</strong>ofia não se encerra n<strong>os</strong> limites de uma vida única. A sistemáticaespírita - que n<strong>os</strong> permitam a expressão - admite a participação domundo espiritual no processo histórico, como admite, ainda mais, ainterferência de espfrit<strong>os</strong> nas transformações sociais, n<strong>os</strong> moment<strong>os</strong>exat<strong>os</strong>, através de instrument<strong>os</strong> human<strong>os</strong> e por mei<strong>os</strong> nem semprecompreendid<strong>os</strong>. Isto não significa que a Doutrina Espirita queiraentr<strong>os</strong>ar a ordem temporal e a ordem espiritual de modo sistemático ouabsoluto. O <strong>Espiritismo</strong> separa muito bem o que é de César e o que é deDeus, mas não chega ao exagero de pretender negar ou excluir aintervenção divina n<strong>os</strong> destin<strong>os</strong> do mundo e da humanidade. Seria umaforma de deísmo desligado da subordinação divina, em moda nasdiscussões do século dezoito. O mundo espiritual e o mundo terrenotêm suas necessidades, suas configurações, seus valores própri<strong>os</strong>.Embora sejam duas esferas distintas, duas realidades que se defrontamno tempo e no espaço, a Doutrina Espírita considera o progresso socialum meio, uma preparação da experiência do homem para a vida futuraou vida espiritual. Nao é, em tudo por tudo, um fim em .


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense"inteligência suprema". O <strong>Espiritismo</strong> tem, como se vê, uma vJsa<strong>os</strong>ociológica diferente. O P<strong>os</strong>itivismo vê a ordem social em função domundo, como se a sociedade se bastasse a si mesma. Apesar disto e jádepois de bem amadurecida sua doutrina, Augusto Comte instituiu a"Religião da Humanidade", o que, aliás, provocou uma das crisesmais sérias entre seus discípul<strong>os</strong>, na França, no Brasil, no Chile,principalmente. Religião que tem sacerdote, cerimônia de casamento,rende culto à mulher etc., mas põe a Humanidade em lugar de Deus,como objeto de adoração. Não cogita de Deus, para não cair nas''fantasias teológicas" ou na "pura metafísica", mas adora o GrandeSer que é a Humanidade, transformada em abstração, como entidadetranscendental. Daí veio a dissidência no P<strong>os</strong>itivismo, pois <strong>os</strong> discípul<strong>os</strong>chamad<strong>os</strong> independentes não queriam prurid<strong>os</strong> teológic<strong>os</strong>, em seuconjunto de idéias, e, por isso, preferiram ficar à margem da IgrejaP<strong>os</strong>itivista; mas <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas ortodox<strong>os</strong>, como eramchamad<strong>os</strong>, faziam questão de parecer como religi<strong>os</strong><strong>os</strong>.Miguel de Lem<strong>os</strong>, um d<strong>os</strong> chefes do P<strong>os</strong>itivismo no Brasil, emcarta a Teixeira Mendes, homem que impôs respeito até ao Cardeal,por causa da vida exemplar, dizia isto:-Se há Deus ou não há Deus é o que ninguém pôde provar até hoje,como ninguém pôde explicar o que é a vida, onde, quando, como começa ecomo ataba. N<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> sensat<strong>os</strong> que tenho lido vejo confirmada estaignorância, como vejo também confirmada a imp<strong>os</strong>sibilidade absoluta emque está o homem de explicar a razão de ser das coisas.Miguel de Lem<strong>os</strong> estava em Paris quando escreveu suas cartas,cujo conteiido crítico é um documento vali<strong>os</strong>o para a história doP<strong>os</strong>itivismo. Miguel de Lem<strong>os</strong> ouvira primeiramente as conferências deLittré, do grupo científico, e ficara decepcionado; bandeando-se entãopara o outro grupo, o que defendia o aspecto religi<strong>os</strong>o do P<strong>os</strong>itivismo,inspirado em Lafite, ficou deslumbrado e mandou dizer ao seu confidentee amigo no Rio:-Estou, pois, um religi<strong>os</strong>o. E tu, que ainda não sentes a nova fé, quemesmo não a conheces, nao podes avaliar o alcance desta transformaçãoimensa! Que ponto de vista original em todas as questões, que riqueza deindicaçõ~::s para a conduta social, individual e coletiva! Como lamento quetu não tenhas tido tempo de converter-te também à nova fé! Mas aí o podesfazer: lê e relê as últimas obras de Augusto Comte. ("Cartas de Miguel deLem<strong>os</strong> a Teixeira Mendes". Publicação da Igreja P<strong>os</strong>itivista do Brasil.)-85-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA correspondência é de 19 de novembro de 1879 a 31 de dezembro de1880. Teixeira Mendes tornou-se depois líder inconfundível do Ap<strong>os</strong>toladoP<strong>os</strong>itivista e chegou a exercer o sacerdócio. Desligara-se de La fite,temp<strong>os</strong> depois.Nota-se, em suma, a preocupação de criar um culto novo, umsistema de fé em que não seja necessária a crença em Deus, para evitara teologia. Fez-se da Humanidade o deus da nova religião, com o nomede "Grande Ser". Seja como for, <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas integrais, que não seconfundem com <strong>os</strong> dissidentes, buscavam alguma abstração, saíam domundo sensível para o imponderável, embora recusando sistematicamentea metafísica. Convém notar ~ e este ponto é relevante- queAugusto Comte e seus discípul<strong>os</strong> mais fiéis eram, no fundo, conservadores,a despeito de se falar muito na jjera revolucionária .. do P<strong>os</strong>itivismo.Veja-se, por exemplo, o Apelo a<strong>os</strong> Conservadores, lançado emplena ebulição na Europa. Havia receio de desordem mental e socialtrazida na inquietação que viera no bojo da Revolução Francesa.Muitas inteligências brilhantes daquela época, e não apenas <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas,ficaram preocupad<strong>os</strong> com a nova ordem de 1789, temendojustamente a desorientação espiritual, pois a mudança havia sidoradical e profunda, com lamentáveis assom<strong>os</strong> de violência.A "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>", como se sabe, está na base daconcepção sociológica de Augusto Comte, o fundador do P<strong>os</strong>itivismoou Doutrina P<strong>os</strong>itivista. Conquanto se trate de duas direções de pensamentomuito diferentes - <strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivismo - não n<strong>os</strong> parecedesprop<strong>os</strong>itado fazer um confronto da "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>" comalgumas teses espíritas, embora seja muito anterior à Codificação deAllan Kardec.A divergência doutrinária entre <strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivismo, quesão duas concepções fil<strong>os</strong>óficas muito distintas, não impede que haja,aqui ou ali, algum ponto de confluência.Com esta premissa, vam<strong>os</strong> considerar a "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong> H'que foi o ponto de partida de Augusto Comte para interpretar aevolução social e psíquica do homem, dentro de seu meio, sujeito afatores de ordem cultural, ambiental e emocional. Em que consiste a«Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>»? Exactamente na sucessão gradual de fases ouestági<strong>os</strong> evolutiv<strong>os</strong>: teológico ou fetichista, metafísico ou racional e, porfim, o científico ou p<strong>os</strong>itivo. A primeira fase, segundo Augusto Comte,corresponde ao «estado teológico», justamente porque ainda predominao misticismo, e o homem, por isso mesmo, não sabe interpretar <strong>os</strong>fenômen<strong>os</strong> da natureza, a não ser pela crença primária em "forçassobrenaturais", em deuses ou entidades misteri<strong>os</strong>as. Na segunda fase-86-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseou ''estado metafisico'', a inteligência já pode tentar a especulaçãoacerca das primeiras causas. É o estágio evolutivo em que o homemcomeça a generalizar~se. O terceiro "estado.,, no esquema p<strong>os</strong>itivista,é o da explicação científica. Quando o homem chega a este ponto daevolução mental, já não precisa mais de "forças sobrenaturais", nemde deuses nem de anj<strong>os</strong>, porque já dispõe de recurs<strong>os</strong> suficientes paracompreender a natureza. Será então o predomínio da Ciência. Veja-sebem: no primeiro estágio, porque ainda não tem o raciocinio desenvol~vido e ·porque também não dispõe de instrument<strong>os</strong> adequad<strong>os</strong>, ohopmem recorre ao sobrenatural, faz apelo à crença, porque tudo, paraele, ainda é mistério. Daí o nome de "estado teológico" ou fetichista,porque é o período de predominância religi<strong>os</strong>a em seu nível maisrudimentar.O esquema de Augusto Comte não foi e ainda não é bem compreendido.Sua fam<strong>os</strong>a "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>" deu margem a interpretaçõesmuito amplas, permitindo até certas desfigurações. Hoje, entretanto,já se pode ter uma idéia mais precisa de seu pensamento, porcausa de alguns trabalh<strong>os</strong> crític<strong>os</strong>, n<strong>os</strong> quais se procura colocar oassunto em devid<strong>os</strong> term<strong>os</strong>, corrigindo as discrepâncias. Ainda assim,há um fato muito curi<strong>os</strong>o, na História do P<strong>os</strong>itivismo; e este fato,queiram ou não queiram <strong>os</strong> adept<strong>os</strong> mais fiéis à Doutrina de Comte,não deixa de insinuar a idéia de uma contradição: O criador doP<strong>os</strong>itivismo deu muito valor à Ciência e colocou o "estado p<strong>os</strong>itivo" oucientífico no ponto mais alto de seu esquema, querendo dizer, com isto,que seria a fase decisiva na evolução do ser humano. Entretanto, comtodo o seu espírito científico, Augusto Comte criou, depois, a "Religiãoda Humanidade". Religião que não se preocupa com a idéia de Deus,mas endeusou· a Humanidade, como "O Grande Ser"; não adorasant<strong>os</strong>, mas venera, em culto, grandes figuras da História, comoAristóteles, César, Arquimedes, Descartes etc; não admite explicaçõesmetafísicas, mas incluiu, em seu sistema, duas grandes abstrações: "ogrande meio", que é o espaço, e "o grande fetiche", que é a Terra. Tevesacerdotes, chefe supremo e prédicas religi<strong>os</strong>as. Não fala em Deus,nem cogita da vida futura ''ap6s a morte'', mas cultiva a Moral, acimade tudo, e ensina o amor à Humanidade como regra básica de vida.Tem preceit<strong>os</strong> realmente profund<strong>os</strong>. Sabem<strong>os</strong> de alguns p<strong>os</strong>itivistasque tiveram uma vida tão exemplar, tão digna, que poderia causarinveja a muit<strong>os</strong> cristã<strong>os</strong> ... Mas a verdade éque a ''Religião da Humanidade"abriu uma dissidência muito acentuada no movimento p<strong>os</strong>itivista,a começar pela França, terra do nascimento de Augusto Comte eonde tinha a sua sede a Chefia Suprema da nova Religião. Deu-se orompimento, publicamente, nas últimas décadas do século passado, e-87-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseo P<strong>os</strong>itivismo ficou dividido em dois grup<strong>os</strong> discordantes: <strong>os</strong> chamad<strong>os</strong>ortodox<strong>os</strong> ou místic<strong>os</strong>, que aceitavam a Doutrina P<strong>os</strong>itivista com trêsaspect<strong>os</strong> - científico, fil<strong>os</strong>ófico e religi<strong>os</strong>o- formaram a sua Igreja,com sacerdote, culto e ritual; <strong>os</strong> dissidentes, que rejeitavam aberlamentea "Religião da Humanidade", ficaram apenas com o aspectocientífico e fil<strong>os</strong>ófico da Doutrina (16).Antes de retomarm<strong>os</strong> o tema deste artigo - "A Lei d<strong>os</strong> TrêsEstad<strong>os</strong>"- querem<strong>os</strong> contar um episódio que ocorreu, não faz muit<strong>os</strong>an<strong>os</strong>, no Rio de Janeiro, por motiv<strong>os</strong> de atas fúnebres. Tendo falecido(desencarnado) um industrial que gozava de muito prestígio n<strong>os</strong> círcul<strong>os</strong>econômic<strong>os</strong> e sociais, a família, <strong>os</strong> amig<strong>os</strong>, empregad<strong>os</strong> de suasempresas, etc. mandaram celebrar "missa do 7' dia" por alma domorto, segundo a tradição católica. Haveria, no mesmo dia e à mesmahora, missas em divers<strong>os</strong> templ<strong>os</strong> da Cidade. Mas, para surpresa quasegeral (!...), o ilustre extinto era filiado à Igreja P<strong>os</strong>itivista e ninguém, abem dizer, sabia disto, talvez até nem a própria família, o que só setornou conhecido, quando se deu o inesperado incidente. E agora­?... Como homem de negóci<strong>os</strong>, muito conceituado na sociedade, tinharelações no meio católico, participava socialmente de certas cerimôniasda Igreja, como tantas outras pessoas, pois era, ao que se sabe,um espírito muito liberal. Seja como for, o certo é que, por causa de suafiliação à corrente p<strong>os</strong>itivista, houve uma cena muito surpreendente,provocando um imprevisto, crem<strong>os</strong> que inédito: as missas foramsuspensas por ordem da autôridade eclesiástica, no momento exato emque <strong>os</strong> assistentes estavam à espera d<strong>os</strong> sacerdotes para o ofícioreligi<strong>os</strong>o: não houve concessão, a determinação superior era terminante,e tod<strong>os</strong> saíram d<strong>os</strong> templ<strong>os</strong> completamente desorientad<strong>os</strong>. Asmissas não se realizariam mais, de forma alguma!E por quê? ... Era a pergunta que se repetia de boca em boca àsaída das igrejas. Exatamente por isto: no mesmo dia em que <strong>os</strong> jornaispublicaram <strong>os</strong> convites para as missas, o Ap<strong>os</strong>tolado P<strong>os</strong>itivista, porsua vez, também fazia convite para uma cerimônia religi<strong>os</strong>a, emhomenagem ao seu ilustre correligionário, de acordo com o ritual da"Religião da Humanidade", fundada por Augusto Comte. A notadistribuída pela Cúria Metropolitana fazia ver que desconhecia avinculação do defunto ao culto p<strong>os</strong>itivista e, por isso, concordara em(!6) Existe, no Rio de Janeiro, na rua Benjamin Constant, bairro da Glôria e por sinal bem próximo aoPalácio do Cardeal, o templo p<strong>os</strong>itivista, onde antig<strong>os</strong> discípul<strong>os</strong> se reúnem a<strong>os</strong> doming<strong>os</strong> de manhã,fazem as suas prédkas e exaltam a memôria do fundador da "Religião da Humanidade", É umaIgreja, O "Ap<strong>os</strong>tolado P<strong>os</strong>itivista", que teve papel relevante no movimento republicano, desenvolveuatividade muito polêmica, principalmente no período de organização da República, no Brasil.-88--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseautorizar as missas de finad<strong>os</strong>, mas, agora, diante da publicação feitapelo grêmio p<strong>os</strong>itivista, não seria p<strong>os</strong>sível a celebração simultãnea deatas religi<strong>os</strong><strong>os</strong> completamente distint<strong>os</strong>, para a mesma pessoa. Emsuma, para resumir a história: não se pode ter, ao mesmo tempo, duasreligiões. Houve criticas, comentári<strong>os</strong> e sussurr<strong>os</strong>, mas o incidenteficou encerrado. Não n<strong>os</strong> compete entrar no mérito desse procedimento,pois estam<strong>os</strong> apenas recordando um episódio que se tornou público.Querem<strong>os</strong> crer que tivesse havido apenas, em tudo isto, inadvertênciado cidadão desencarnado, por não ter procurado regularizar a suasituação em matéria religi<strong>os</strong>a. Certamente não se lembrou de p<strong>os</strong>síveisdificuldades após a sua morte. Fora p<strong>os</strong>itivista na mocidade, faziaparte do ap<strong>os</strong>tolado, porque estava inscrito como adepto, mas nãoconversava sobre esta particularidade e, por isso, <strong>os</strong> parentes e amig<strong>os</strong>o tinham na conta de católico praticante. Com o tempo e por causa dasmotivações da vida social, passou a freqüentar o meio católico,participando talvez até de atas públic<strong>os</strong>. Mas o seu nome continuoufigurando no registro do Ap<strong>os</strong>tolado P<strong>os</strong>itivista. Daí, o impasse naocasião das "missas do 7" dia", porque o culto p<strong>os</strong>itivista resolveutambém prestar a sua homenagem fúnebre ao ilustre correligionário.Isto é apenas uma hipótese de n<strong>os</strong>sa parte. Se era p<strong>os</strong>itivista intimamentee comparecia a cerimônias católicas apenas para efeito social oupor espirita de tolerância, não sabem<strong>os</strong>; se já aceitava mais a antigadoutrina, porque se convertera realmente ao Catolicismo, também nã<strong>os</strong>abem<strong>os</strong>, pois é problema de consciência. De qualquer forma, por istoou por aquilo, a duplicidade religi<strong>os</strong>a criou um problema inesperado edeixou muita gente desapontada. Deixem<strong>os</strong>, agora, o lado religi<strong>os</strong>o doP<strong>os</strong>itivismo que provocou muita divergência entre <strong>os</strong> própri<strong>os</strong> adept<strong>os</strong>da Doutrina, e voltem<strong>os</strong> à concepção básica da "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>",sobre a qual Augusto Com te sistematizou a Sociologia.Vim<strong>os</strong>, em linhas muito gerais, que <strong>os</strong> três estad<strong>os</strong>- teológico,metafísico e p<strong>os</strong>itivo - coexistem na humanidade, não se sucedemautomaticamente, como a princípio se pensou. E não foi n·gor<strong>os</strong>amenteneste sentido que o fundador do P<strong>os</strong>itivismo traçou o seu esquemafundamental. O que ele quis dizer, em síntese, foi apenas isto: Asconcepções humanas passam naturalmente por três estad<strong>os</strong>, de acordocom a evolução: o teológico ou fictício, o metafísico ou abstraio e,finalmente, o científico ou p<strong>os</strong>itivo. De fato, à medida que o espírito sedesenvolve, vai passando de uma concepção para outra; se ontem, porexemplo, admitia a existência de poderes diabólic<strong>os</strong>, ''castigo do céu''etc., diante d<strong>os</strong> fen6men<strong>os</strong> naturais, agora, com <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong>científic<strong>os</strong>, tem outra concepção, porque conhece as leis da natureza. Éo predomínio do estado p<strong>os</strong>itivo, de acordo com Augusto Comte. Isto-89-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensenão quer dizer, porém, que haja ruptura violenta, como também nãopressupõe destruição do estado anterior. Foi nestt• ponto que muitagente se enganou. O P<strong>os</strong>itivismo tinha, no fundo. n•rta weocupaçãoconservadora, apesar de ser, em seu tempo, uma doutrina de açãocontra idéias e crenças tradicionais. Ninguém mdlwr tio que Miguel deLem<strong>os</strong>, um d<strong>os</strong> maiores chefes do P<strong>os</strong>itivismo rw Brasil (sacerdote da''Religião da Humanidade''), para traduzir a po.,ição de sua doutrinaperante o passado. "As sínteses anteriore.v - disse ele -foram todasoportunas, porque correspondem às necessidades de cada época, preparando,por meio de tutores fictício.-. e de crenças provisórias, oadvento final do reino da Humanidade .. (Cartas de Miguel de Lem<strong>os</strong> aR. Teixeira Mendes. Publicação da Igreja P<strong>os</strong>itivista tio Brasil). Vê-se,pois, que o P<strong>os</strong>itivismo não era demolidor. Bastaria lembrar uma desuas fórmulas: "Conservar, melhorando".Não se pode fazer comparação entre <strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivism<strong>os</strong>ob o ponto de vista da sobrevivência ou imortalidade do espírito,porque as duas concepções fil<strong>os</strong>óficas são frontalmente distintas.Todavia, se fizerm<strong>os</strong> um confronto entre certas concepções sociais,encontrarem<strong>os</strong> muit<strong>os</strong> pont<strong>os</strong> de coincidência entre as duas doutrinas.Há conceit<strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas que se encaixam inteiramente na DoutrinaEspírita, ressalvando-se, é claro, a imortalidade do espírito, que é tesefundamental do <strong>Espiritismo</strong>. Vejam<strong>os</strong> bem: viver para outrem; viver àsclaras. São princípi<strong>os</strong> basilares do P<strong>os</strong>itivismo. E também do <strong>Espiritismo</strong>.E não ensina a mesma coisa a Doutrina Espírita sobre o amor aopróximo, dizendo que devem<strong>os</strong> até esquecer a n<strong>os</strong>sa própria personalidade,a fim de que se realize a fusão de n<strong>os</strong>so ser com o n<strong>os</strong>so irmão?Isto, na realidade, é "viver para outrem". Nenhuma doutrina é maisafirmativa, mais categórica do que o <strong>Espiritismo</strong>, quanto ao modo deproceder na vida particular e na vida social. Com mais razão ainda oespirita deve viver às claras, em primeiro lugar, porque, tendo convicçãoimortalista, sabe muito bem que <strong>os</strong> at<strong>os</strong> de sua vida, se não foremclar<strong>os</strong>, terão de influir diretamente em seu destino, em seu futuro; emsegundo lugar, porque, à luz da reencarnação, um dia, cedo ou tarde,as mazelas ocultas do espírito serão p<strong>os</strong>tas a olho nu e terão conseqüênciasinevitáveis. Conscientemente, portanto, o espírita deve fugirasoluções obscuras ou sinu<strong>os</strong>as. Viver às claras, que é norma fundamentaldo P<strong>os</strong>itivismo, é também e não pode deixar de ser um conceitoespírita pelas repercussões morais da Doutrina.Outro exemplo: A sã política é filha do moral e da razão. Osp<strong>os</strong>itivistas dão muita ênfase a esta sentença, que está gravada nopedestal da estátua do grande brasileiro J<strong>os</strong>é Bonifácio, no Rio deJaneiro. A verdadeira política do bem público exige duas condições-90--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseprimacrms: a dignidade do homem e a inteligência esclarecida parasaber conduzir bem a "coisa pública". É a harmonia entre a moral e arazão. A Doutrina Espírita adota o mesmo pensamento, por outraspalavras: Aristocracia- intelecto- moral. O sentido, no fundo, vem aser o mesmo, embora a expressão literal seja diferente.A própria trilogia do P<strong>os</strong>itivismo - O Amor por princípio, aOrdem por base e o Progresso por fim - também combina com aDoutrina Espirita em suas conseqüências morais e sociais(I7). Na IIIparte de "O Livro d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>" (Leis Morais) estão consubstanciad<strong>os</strong><strong>os</strong> principias que regulam a vida social, com base no Amor, na Ordeme no Progresso. É evidente que a Doutrina Espírita apresenta formulaçõespróprias, partindo de outra concepção fil<strong>os</strong>ófica em relação aofuturo, mas a seqüência das Leis Morais (Destruição, Conservação,Progresso, Trabalho, Liberdade, Igualdade, etc.), tendo como corolárioa Lei de Justiça, de Amor e Caridade, pressupõe a predominânciade valores étic<strong>os</strong>, sintetizando o equilíbrio das relações sociais antes detudo na lei do Amor, e o Amor pressupõe a Ordem, e a Ordem traz oProgresso.Agora, finalmente, vam<strong>os</strong> completar a n<strong>os</strong>sa exp<strong>os</strong>ição. Se levarm<strong>os</strong>em conta a reencarnação na ''Lei d<strong>os</strong> Tris Estad<strong>os</strong>'', chegarem<strong>os</strong>à conclusão de que, em determinad<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>, há três tip<strong>os</strong> decomportamento ao mesmo tempo. N<strong>os</strong> atas de fé, como simplescrentes, são de credulidade impressionante, aceitando fetiches, poderes''diabólic<strong>os</strong>'' e outras coisas; n<strong>os</strong> gabinetes de estudo, quando entreguesà meditação, procedem como racionalistas, são dad<strong>os</strong> à especulação,assim como adotam atitude científica ou p<strong>os</strong>itiva, quando estãono laboratório de pesquisa. Estão aí, portanto, <strong>os</strong> três estad<strong>os</strong>, coexistindona mesma pessoa. Há indivídu<strong>os</strong> muito rigor<strong>os</strong><strong>os</strong>, muito p<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>para certas coisas e, por outro lado, são de boa fé, quase ingênua, paraoutras... Isto significa que nem sempre <strong>os</strong> três estad<strong>os</strong> - teológico,metafísico e científico - se anulam por substituição reciproca. Háhomens de cultura muito sólida, mas ainda pres<strong>os</strong> a certas influências(l7) Com a proclamação~ República em 1889, <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas inscreveram na Bandeira Brasileira adivisa Ordem e Progresso. E notória a influência do P<strong>os</strong>itivismo no movimento repuhlicano, hastandolembrar algumas idéias, que se integram na Constituição Federal de 91 e ainda o seguinte fato; otraçado da Bandeira Nadonat, com a sua constelação de estrelas, substituindo o antigo Pavilhão doImpério, saiu do Ap<strong>os</strong>tolado P<strong>os</strong>itivista. Embora tenham concorrido ainda outras influências daépoca no regime republicano brasileiro, é inegâvel, como fato histórico, a participação do movimentop<strong>os</strong>itivista.Segundo a revista "Reação'' de IQn/1.909, o Arcebispo de Mato Gr<strong>os</strong>so não permitiu que aBandeira Nacional entrasse na Catedral justamente porque a divisa "Ordem e Progresso" forain">pirada no P<strong>os</strong>itivismo. Houve protesto da Liga de Livres-Pensadores. A revista era muitopolêmica e anticlerical. Mas o passo aconteceu por ocasião das homenagens fúnebres ao PresidenteAfonso Pena, desencarnado exatamente naquele ano.-91-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseantigas; quando conversam sobre assunt<strong>os</strong> elrwul<strong>os</strong>. dao a impressãode que já se emanciparam de crenças e hábit<strong>os</strong> antiR<strong>os</strong>, mas verdade éque, na prática, nas reações mais íntimas. tl!m m(·do dl' muita coisa,como "chinelo emborcado'", "dia 13,., '~borra cltt café" e tantas outrascrendices. Não se sabe, neste caso, onde termina o ('.\'lado fetichista oumístico e onde começa o estado p<strong>os</strong>itivo ou ci•ntl/ll~(i. Sâo duas mentalidadesantagônicas, que se manifestam sinwltâm'tllm'nte; a do místico ea do homem de ciência, não é verdcult?No meio espirita há indívfdu<strong>os</strong> ({iH', ('mlwra aceitando a Doutrina,ainda revelam certas propen.~Õl',\' para vt•/h<strong>os</strong> cult<strong>os</strong>. É uma tendênciado espírito. Em muit<strong>os</strong> casnJ .-.cio reminiscências do passadoreavivadas pela reencamaçclo. O .


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecaminhar até chegar ao ponto mais p<strong>os</strong>itivo da evolução, isto é, alibertação íntima, desprezando idéias, crenças e fórmula.\ desnecessárias;mas nem tod<strong>os</strong> podem fazer a marcha nas mesma.\ condições,porque a desigualdade espiritual é um facto. Um d<strong>os</strong> principaü , •hjectív<strong>os</strong>do <strong>Espiritismo</strong> na Terra é levar a criatura humana a realizar u suaemancipação, mas sem violência, sem imp<strong>os</strong>ição, porque este pro( essahá de ser executado conscientemente, pela conquista do terreno, palmoa palmo.Em linhas gerais, muita gente compreendeu a "Lei d<strong>os</strong> TrêsEstad<strong>os</strong>" com muito rigor, como se ela obedecesse rigidamente a umaordem predeterminada: no primeiro período de experiência da vida, ahumanidade adoraria "forças" desconhecidas, acreditando em "fetiches"e apelando para soluções teológicas, justamente porque, aindana infância hist6rica, não poderia dispor de mei<strong>os</strong>, instrumentais eracionais, para interpretar <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> da natureza; no segundoperíodo, que seria um estágio evolutivo mais elevado, o ser humanocomeçaria a pensar em term<strong>os</strong> metafísicas, procurando responder àsindagações de sua inteligência através de formulações abstractas,recorrendo ao politeísmo e, depois, ao monoteísmo, a fim de encontraras causas mais remotas; no terceiro período ou estado. finalmente, e queseria o ponto de consolidação do processo evolutivo, o homem nãoprecisaria mais das crenças antigas, abandonando naturalmente assoluções divinas ou teológicas.Esta impressão, entretanto, é muito sumária. No plano individual,também se pensou que o esquema de Augusto Comte pudessefuncionar assim: o homem primitivo seria apenas superstici<strong>os</strong>o, porquetudo, para ele, era sobrenatural; mais tarde, já um pouco adiantado,seria mais indagador, porque já se preocuparia com <strong>os</strong> "<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong>princípi<strong>os</strong>", até que, de estildo em estado, chegasse à maturidadecientífica. Uma vez de p<strong>os</strong>se d<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> científic<strong>os</strong>, tornand<strong>os</strong>eauto-suficiente, já estaria apto a resolver <strong>os</strong> seus <strong>problemas</strong> semprecisar da crença em Deus ou em qualquer potência sobre-humana. Asolução, .se f<strong>os</strong>se assim mesmo, seria mais simplista. Como esquematizaçãoteórica está muito interessante; mas será que a realidae humana,em tudo por tudo, se comporta assim mesmo? ... É preciso compreendera Lei de Augusto Comte mais por dentro do que por fora. Narealidade, vem<strong>os</strong> a cada passo que, apesar de todo o material tecnológico,apesar de todo o progresso científico, há <strong>problemas</strong> que o serhumano está vivendo e enfrentando sem saber como resolvê-/<strong>os</strong>. Istoquer dizer, portanto, que <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> da ciência p<strong>os</strong>itit~a, emboraalarguem muito as perspectivas da inteligência, não conseguem darsoluções a TODOS <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> a vida humana.-93-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseReconhecendo que <strong>os</strong> seus instrument<strong>os</strong> de trabalho e pesquisanão podem chegar à intimidade do mundo interior, que tem outrasnecessidades, outr<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> e outras aspirações, o homem terá de sevoltar, cedo ou tarde, para alguma realidade, algum princípio superior.É a procura de Deus, como solução última, muitas vezes até no estadode depressão ou desespero. Neste ponto, o erro do P<strong>os</strong>itivismo, a n<strong>os</strong>sover, foi dar muita preferência a<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> human<strong>os</strong> e deixar forade cogitações <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> transcendentais, como a sobrevivência doespírito e a existência de Deus. Tudo isto, para <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas, são<strong>problemas</strong> metafisicas, e a Ciência não se preocupa com o irreal, como que está fora do campo objetivo de suas leis. Houve muito exageronisto. E se o P<strong>os</strong>itivismo tivesse compreendido que o espirita não éirreal, porque é também uma realidade objetiva, que se apresenta aolh<strong>os</strong> clar<strong>os</strong>, materializando-Se ou identificando-se de um modo bemp<strong>os</strong>itivo, teria completado a sua grandi<strong>os</strong>a e profunda síntese, que é,sem dúvida, uma das maiores elaborações do pensamento humano atéhoje, a despeito de todas as críticas e restrições. Tão preocupadoestava Augusto Comte em "libertar a mente humana" da metafísica ed<strong>os</strong> "prejuíz<strong>os</strong> teológic<strong>os</strong>", que terminou fazendo tábu/a rasa do espírito,isto é, o espírito como entidade individualizada e objetiva.Convém notar que o P<strong>os</strong>itivismo não se insurgiu contra a crençaem Deus, mas até justificou essa crença, como outras, no estadoteológico da humanidade. Sua p<strong>os</strong>ição, em face da idéia de Deus, émuito especial: não combate, não nega sistemática mente, mas apenasnão se interessa por este problema. Tendo desprezado completamente ametafísica, para se fixar no mundo imediato d<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong>,o P<strong>os</strong>itivismo não discute a existência de Deus nem da imortalidade doespírito, por entender 'que tais assunt<strong>os</strong> são inatingíveis para o homem.Se, portanto, este não pode chegar a tanto, deve deixar o problema delado e cuidar somente do mundo visível. Sua p<strong>os</strong>ição - é bom repetir- não é de combate à idéia de Deus, mas não toma propriamenteconhecimento do problema. É problema inexistente para a DoutrinaP<strong>os</strong>itivista (Em t'ári<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> da História <strong>os</strong> p<strong>os</strong>itivistas deramdemonstração de tolerância religi<strong>os</strong>a). Com relação ao materialismo, afil<strong>os</strong>ofia p<strong>os</strong>itivista mantém uma p<strong>os</strong>ição igualmente neutra: não entraem especulações para negar ou combater a idéia de Deus e da "imortalidadeobjetiva" da alma, porque considera o assunto fora d<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong>daciência. Por isso é que Agusto Comte não admitia que o chamassemde ateu, porque ateu é quem discute o problema para negar o principiodadivindade, tomando assim uma p<strong>os</strong>ição militante em face da idéia deDeus e da imortalidade espiritual, ao passo que o P<strong>os</strong>itivismo não-94-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseassume essa feição, visto não negar nem afirmar~ preferindo deixar aquestão no plano da pura metafísica, porque só lhe interessa a ciênciap<strong>os</strong>itivaO P<strong>os</strong>itivismo tem um conceito de alma muito diferente do n<strong>os</strong>soem suas conseqüências. Para <strong>os</strong> seus adept<strong>os</strong>, a alma é apenassubjetiva, interior, sintetizando <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> e <strong>os</strong> valores morais; nãoé a alma na acepção de espírito, como entidade independente quesobrevive à matéria. É muito conhecida e muito citada, por exemplo,uma sentença de Augusto Comte, segundo a qual <strong>os</strong> viv<strong>os</strong> são sempre ecada vez mais governad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> mort<strong>os</strong>. É verdade. Na problemáticaespírita, esta sentença é de realidade flagrante, mas é noutro sentidoque o fundador do P<strong>os</strong>itivismo se refere à influência d<strong>os</strong> mort<strong>os</strong> sobre <strong>os</strong>viv<strong>os</strong>. Os p<strong>os</strong>itivistas dizem que <strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> mort<strong>os</strong> deixam <strong>os</strong> seusexempl<strong>os</strong>, ficam na História e, por isso, <strong>os</strong> seus feit<strong>os</strong> e as suas virtudespassam de geração a geração, servindo de inspiração a<strong>os</strong> viv<strong>os</strong>. Nestecaso é que "<strong>os</strong> viv<strong>os</strong> são sempre governad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> mort<strong>os</strong>", porque opresente necessita de lições do passado e, deste modo, <strong>os</strong> homens deontem, que já se foram deste mundo, continuarão a influir n<strong>os</strong> queficaram, através de experiências e traç<strong>os</strong> marcantes que deixaram naTerra. De facto, o~ bons exempl<strong>os</strong> d<strong>os</strong> antepassad<strong>os</strong>, nunca se perdempois a lembrança afetiva ou histórica é um património que as geraçõesvão acumulando e passando adiante. Muito fil<strong>os</strong>ófica, realmente, aafirmação de Augusto Comte. A Doutrina Espírita, entretanto, vaimuito mais longe, porque afirma a ação d<strong>os</strong> mort<strong>os</strong> sobre <strong>os</strong> viv<strong>os</strong> n<strong>os</strong>entido direto, pessoal, pois <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> desencarnad<strong>os</strong> influem n<strong>os</strong>pensament<strong>os</strong> e n<strong>os</strong> atas d<strong>os</strong> homens. A Doutrina Espírita não impugna,mas apenas amplia o conceito de Comte. Se a sua fil<strong>os</strong>ofia nãocuida da sobrevivência do espírito no além, é óbvio que não poderiaprever a ação d<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> mort<strong>os</strong> como seres reais, participandoobjetivamente da vida terrena, Seja como for o P<strong>os</strong>itivismo representouum marco transitório entre o pensamento antigo e a renovação. Se asua doutrina. que tem grande conteúdo moral e fil<strong>os</strong>ófico, tivessepartido de outra base, levando em conta o princípio espiritual, que nãoé uma fição, certamente preencheria toda a lacuna que encontrou nacultura ocidental. Seu papel histórico é inconfundível.Na época de elaboração e apogeu do P<strong>os</strong>itivismo haviq muitaprevenção com a metafísica, o que, aliás, levou algumas inteligências,das mais lúcidas e penetrantes, à visão unilateral de cert<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>fundamentais. Com toda a rigidez de cert<strong>os</strong> esquemas que pretendiamfugir <strong>os</strong>tensivamente às explicações de ordem sobrenatural, havia sempre,no fundo, um apelo sutil ou indefinido ao imponderável. Veja-se,-95-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecomo simples ilustração, o caso de Hegel. Ao formular o seu sistematese, antítese e síntese -procurou uma «saída» no Absoluto, que é untermo indefinido. O sistema hegeliaano serviu para <strong>os</strong> dois lad<strong>os</strong>materialistas e espiritualistas tiram deles conclusões próprias. Não s<strong>os</strong>abe, com certeza, o que ele quer dizer ou a que ponto quer chegarquando fala em "idéia pura", "absoluto" e outras ficções. Se há querr.diga que Absoluto, no esquema hegeliano, corresponde à idéia de Deus.também há quem aproveite a base do sistema - tese-antítese~síntesenamecânica geral da evolução e despreze o outro aspecto, que conside·ra metafísico. Sua doutrina teve, de qualquer forma, bastante influên·cia no materialismo, pelo uso que fizeram, p<strong>os</strong>teriormente, de sua~idéias. A reação p<strong>os</strong>itivista, dentro da conjuntura social, cultural treligi<strong>os</strong>a da época, refletia um estado de espírito contrário à predominânciateológica. Era o conflito aberto entre o "espirita p<strong>os</strong>itivo" e aTeologia, que vinha da tradição escolástica. Daí, a p<strong>os</strong>ição, um tantoradical, contra a metafísica, tomada de modo indiscriminado, subestimandoa discussão do problema espiritual.Se tomarm<strong>os</strong> a "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>" em sentido muito amplo,naturalmente irem<strong>os</strong> encontrar um ~'desmentido'' na própria realidadesocial. De fato, o fundador do P<strong>os</strong>itivismo preconizou a evolução porfases, isto é, do estado fetichista ou teológico, como ponto mais baixona escala, ao estado p<strong>os</strong>itivo ou científico, como ponto mais alto. Masacontece que o verdadeiro pensamento de Comte nem sempre é beminterpretado. Há sutilezas que escapam às interpretações elásticas. Emtese, e pela ordem natural das coisas, a "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>"corresponde à sequência evolutiva do espírito humano em relação a<strong>os</strong>fenómen<strong>os</strong> da natureza. É uma prop<strong>os</strong>ição lógica, portanto.Deu-se, porém, muita amplitude à tese de Augusto Comte, comotambém se deu, em muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, um sentido por demais rigido, quasedogmático, prejudicando, assim, a idéia central. Se quiserm<strong>os</strong>, porexemplo, aplicar a concepção comteana de um modo global, "enquadrando"toda a sociedade humana, com a sua complexidade incalculável,dentro do esquema d<strong>os</strong> "três estad<strong>os</strong>", ao pé-da-letra, verificarem<strong>os</strong>prontamente que as coisas não se passam assim, com tantoprecisão, como se f<strong>os</strong>se uma lei matemática. Vejam<strong>os</strong>. Ao lado degrandes empreendiment<strong>os</strong> tecnológic<strong>os</strong>, ainda subsistem velhas superstiçõesno mesmo povo, na mesma .sociedade, na mesma época. Naschamadas sociedades supercivilizadas, onde não deveria haver qualquervestígio de crendices e fetichism<strong>os</strong>, devido ao progresso científico etecnológico, sempre apareceram velh<strong>os</strong> remanescentes de crenças epráticas anacrônicas. Note~se bem o que acontece nas grandes aglome~rações humanas. Muita gente pensa que as superstições e crendices só-96-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseexistem nas camadas sociais em estado de atraso, intelectualmentefalando. É um engano. Na "alta sociedade", com tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seusrequintes de elegância e bem-estar, com toda a cultura científica,literária ou artística, as superstições ainda têm mais influência do queparece. Há pesquisas que demonstram este fato. Bastaria apenasobservar o procedimento de muitas pessoas em face de cert<strong>os</strong> objet<strong>os</strong>.É o caso do elefante, que, embora seja, às vezes, usado como simplespeça de adorno ou enfeite de salas, é também conservado, em grandeparte, como remanescência de velha crença. Existe, até, a superstiçãoelo elefante. Nas janelas, nas mesas de trabalho etc., muita genteinstruída faz questão de ter um elefante em miniatura, em lugar certo,seja de matéria plastica, seja de louça ou de prata, porque serve para"dar sorte" ou para evitar prejuíz<strong>os</strong> ou desgraças ... É uma crença defundo superstici<strong>os</strong>o enraizada em todas as classes sociais.Onde a maior freqüência? Somente n<strong>os</strong> subúrbi<strong>os</strong>, nas zonas depopulações consideradas obscuras? Não. Também n<strong>os</strong> bairr<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong>aristocrátic<strong>os</strong> ou mais chiques, para usar uma forma antiga de('Xpressão. Nas zonas urbanas encontra-se às vezes pequeno elefante decelulóide em automóveis de luxo, como se f<strong>os</strong>se um objeto de culto. Epor quê? Porque existe a crença na influência de poderes sobrenaturaisatravés desse objeto. Dizem, ainda mais, que é preciso deixar sempre odefante com a tromba voltada para determinada direção, justamentepara que a casa ou o escritório fique bem protegido contra mau-olhado


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensediante. Quanta gente intelectualizada, por exemplo. I'ÍI'L' ás voltas comtrabalh<strong>os</strong> de magiu negra ou de feitiçaria, querendo "dar üm jeito"para afastar alguém do seu caminho ou para l'l'nn•r uma partida napolitica ou nas conquistas ocultas? ... E é gent(' c{tlt' f'Studa. que p<strong>os</strong>suidiploma de nível universitário. As crt'ndic'l'.\', portanto, não estãoapenas nas H camadas obscuras" da sodeclwlc.Depois de saírem de determinado.\' amhientes, altas horas danoite, muitas pessoas vão à igrt'ja 110 dia St'RUinte, mas procuramguardar as devidas aparência.\', por c'lllHtl da p<strong>os</strong>ição social. Nãointeressa freqüentar um Centro Espirita, porque lá se estuda a Doutrinapara orientar e esclarecer, enriquecendo o espírito. Não é disto quemuitas pessoas cogitam. Não e.< I am<strong>os</strong> fazendo crítica a esta ou àquelacrença; examinam<strong>os</strong> um fenómeno social, em face da "Lei d<strong>os</strong> TrêsEstad<strong>os</strong>", que é um tema de Sociologia, a fim de poderm<strong>os</strong> considerara tese fundamental de Augusto Comte à luz da Doutrina Espirita, quelhe é bem p<strong>os</strong>terior. Querem<strong>os</strong> dizer, e a realidade social bem odemonstra, que <strong>os</strong> três estad<strong>os</strong> de Augusto Comte (teológico, metafísico ecientífico) participam simultaneamente da sociedade humana em todasas suas configurações e não se sucedem de modo imediato, como aprincípio se pensava.Outra ilustração: Quem não ouviu falar da devoção da Igreja d<strong>os</strong>frades barbadinh<strong>os</strong>, no Rio de Janeiro? E uma devoção tradicional. Háfilas enormes, na 1" sexta-feira do ano, na rua Hadock Lobo enfileirandopessoas de todas as classes: banqueir<strong>os</strong>, operári<strong>os</strong>, estudantes,comerciári<strong>os</strong>, funcionári<strong>os</strong>, professores, industriais, militares, jornalistas,etc. etc. Espírito religi<strong>os</strong>o? Em grande parte, não! A maioria vaiali, impreterivelmente, porque deseja bons negóci<strong>os</strong> no ano entrante.Muita gente acredita que, se for à Igreja d<strong>os</strong> Barbadinh<strong>os</strong> na 1" sextafeirade janeiro e se receber a ''água-benta'' ou conseguir pelo men<strong>os</strong>tocar na batina de um d<strong>os</strong> frades, terá muito êxito n<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong>, a vidavai correr bem, durante todo o ano ... Não é, portanto, um ato de fé, n<strong>os</strong>entido elevado; é mais uma prática simplesmente c<strong>os</strong>tumeira, ditadapor interesses corriqueir<strong>os</strong>.No entanto, ainda há pouco, falando pela TV, o frei Cassiano,que é um missionário muito estimado pelo seu nobre espírito decaridade, fez uma explanação muito sensata, fazendo sentir, principalmente,que "não se deve atribuir à bênção d<strong>os</strong> barbadinh<strong>os</strong>, na 1" sextafeirado ano, um valor que ela não tem e não poderia terH. Palavrastextuais do esclarecido e carid<strong>os</strong>o frei Cassiano. Disse ele, claramente,que a afluência, este ano, chegou a seguramente 100 mil pessoas(!),pois às duas horas da madrugada já havia gente à porta do templo,-98-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseformando fila para esperar a hora da bênção e da água-benta; mas ofrade explicou muito bem, pela TV, que é uma ilusão pensar-se que abênção d<strong>os</strong> barbadinh<strong>os</strong> dá "sorte" n<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong> e outras coisas davida mundana. Como já dissem<strong>os</strong>, e é verdade, vai gente de todas asclasses sociais à devoção anual na Igreja d<strong>os</strong> barbadinh<strong>os</strong>, o que vemdemonstrar, por conseqüência, que, apesar de todo o adiantament<strong>os</strong>ocial e cultural, cert<strong>os</strong> hábit<strong>os</strong> primitiv<strong>os</strong> ainda permanecem nacivilização do asfalto, d<strong>os</strong> arranha-céus, da televisão e do avião a jato.Diante de tais evidências da vida social, conclui-se que a "Lei d<strong>os</strong>Três Estad<strong>os</strong>" não pode ser aplicada de modo tão absoluto. Certasinterpretações às vezes desfiguram o verdadeiro pensamento de AugustoCom/e. Se quiserm<strong>os</strong> entender a "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>" comorígida sucessão de fases históricas, passando do "teologismo" para opredomínio da explicação científica, verem<strong>os</strong> facilmente que a evoluçãoda humanidade não se realiza assim. Estão aí as provas: ao ladod<strong>os</strong> grandes parques industriais, d<strong>os</strong> laboratóri<strong>os</strong> de ciências experimentaise d<strong>os</strong> grandes centr<strong>os</strong> de cultura em tod<strong>os</strong> ·<strong>os</strong> ram<strong>os</strong> do saberexistem ainda velhas superstições, que fazem lembrar a bruxaria medieval.Logo, o estado fetichista não desapareceu com o advento daciência. Amb<strong>os</strong> participam da sociedade humana.Do mesmo modo, a evolução individual não obedece, em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong>cas<strong>os</strong>. a essa invariável sucessão de estad<strong>os</strong>, como se f<strong>os</strong>se uma leifatal. É muito mais complexo o processo de transformação do indivíduo.Há homens de ciência, por exemplo, que são muito p<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> oumuito fri<strong>os</strong>, quando estão no laboratório ou na cátedra, mas acreditam,lá fora, em muita coisa contrária ao verdadeiro espírito científico:usam "bentinho" no bolso, com medo de "coisa feita"; não fazemviagem na 1" segunda-feira de Ag<strong>os</strong>to, e assim por diante; outr<strong>os</strong>, quesão muito erudit<strong>os</strong>, homens de inteligência brilhante, têm "cisma comgato preto, não g<strong>os</strong>tam do número 13, não passam por baixo deescada, etc. etc. Já se vê que, também neste ponto, não se pode aceitara "Lei d<strong>os</strong> Três Estad<strong>os</strong>" inteiramente à risca ou em term<strong>os</strong> intocáveis.Há sobrevivências de superstições e crenças que pertencem à ''calde cultura", independentemente da ocorrência em faixas urbanas oururais.<strong>Espiritismo</strong> e P<strong>os</strong>itivismo são duas construções doutrinárias muitodiferentes, mas não podem<strong>os</strong> deixar de reconhecer, em estud<strong>os</strong> deconfronto, que, na parte humana ou social, há pont<strong>os</strong> de afinidade. OP<strong>os</strong>itivismo ficou no esquema d<strong>os</strong> "três estad<strong>os</strong>" e na sua engenh<strong>os</strong>aorganização científica e fil<strong>os</strong>ófica, mas não chegou à sobrevivência do-99-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseesp(rito, à "imortalidade objetiva" nem à idéia de Deus, ao passo que o<strong>Espiritismo</strong> partiu da comunicação do espirita como fato p<strong>os</strong>itivo esubiu às indagações fil<strong>os</strong>óficas, tendo como centro do seu pensamentoa "causa primária de todas as coisas": Deus.(18) (Condensação decomentári<strong>os</strong> publicad<strong>os</strong> na revista "Estud<strong>os</strong> Psiquic<strong>os</strong> ", de Lisboaentre março de 68 a junho de 971).(18) - Tivem<strong>os</strong> convivência com p<strong>os</strong>itivistas na Coligação pró Estudo Leigo, juntamente compastores evangélic<strong>os</strong>, espíritas, livre pensadores etc. A Coligação batia-se. acima de tudo, pelaliberdade religi<strong>os</strong>a e pela igualdade d<strong>os</strong> cult<strong>os</strong>. segundo a Constituição FederaL Como preito dejustiça, julgam<strong>os</strong> indispensável recordar que o n<strong>os</strong>so confrade Dr. Artur Lins Vasconcel<strong>os</strong> Lopes foirealmente a alma da Coligação e trabalhou infatigavelmente. além de suas atividades espíritas. Houveuma fase em que a Coligação funcionou no recinto de uma dependência da Igreja Presbiteriana, nasproximidades da Praça Tiradente~: p<strong>os</strong>teriormente passou a fazer suas reuniões na Sociedade deMedicina e Espirit1smo do Rio de Janeiro. O presidente era justamente o Dr. Lins Vasconcel<strong>os</strong>(espírita) e o vice-presidente era o Prof. Sousa Marques (pastor protestante). Da Diretoria e doConselho faziam parte espíritas. p<strong>os</strong>itivistas, protestantes, assim por diante. Tivem<strong>os</strong> apoio constantede element<strong>os</strong> da Maçonaria. (Depoimento pessoal do Autor!.-100-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseVIIIA MÁQUINA E A FÉÇuando tratam<strong>os</strong> das relações do <strong>Espiritismo</strong>com <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>, semperder a noção do lugar o d<strong>os</strong> assunt<strong>os</strong>, não vem<strong>os</strong> tais <strong>problemas</strong>pelo prisma exclusivo das necessidades materiais~ uma vez que o serhumano, dentro da concepção espírita, é muito mais do que umindivíduo, é uma pessoa, e pessoa pressupõe a projeção de umarealidade que ultrapassa a dimensão físico-social. Poderíam<strong>os</strong> figurar,aqui, a representação ascensional do homem através de uma pirâmide:ciência-fil<strong>os</strong>ofia-moral-arte. Partindo de baixo, isto é, da base dapirâmide, teríam<strong>os</strong> a ciência, que se atém ao fato mediúnico; emseguida, viria a fil<strong>os</strong>ofia, que especula sobre as causas, a origem últimado fenômeno; a moral, por sua vez, isto é, a moral do foro íntimo, nãoa moral variável d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, indicaria o que devem<strong>os</strong> fazer dasaquisições científicas e fil<strong>os</strong>óficas; a arte, que seria o vértice-101-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseda pirâmide, corresponderia à realização integral. Não se trata deprodução artística específica - pintura, escultura, decoração etc. -,mas de arte na acepção implícita de livre realização do homem em simesmo, independentemente de regras, códig<strong>os</strong> ou padrões. Já dissealguém, e com muita felicidade, que "a arte é a síntese suprema davida''.Simultaneamente, no sentido de artes em geral, o <strong>Espiritismo</strong>também abrange as áreas da criação artística, cujo aprimoramentomanifesta o teor de espiritualidade do homem. Em suma, a DoutrinaEspírita propugna a espiritualização das artes. Tem<strong>os</strong> aí, sem dúvida, anoção de universalidade do <strong>Espiritismo</strong>, pois é uma Doutrina que n<strong>os</strong>oferece lentes capazes de situar e compreender <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> sócioculturaisno tempo e no espaço. Justamente por isso, de quando emquando se n<strong>os</strong> deparam reflexões e prop<strong>os</strong>ições espíritas aparentementefora de lugar, porque se imiscuem, por exemplo, em <strong>problemas</strong> denatureza econômica, política, religi<strong>os</strong>a, e assim por diante. Aparentemente,nada teria a Doutrina Espírita que dizer, por exemplo, sobre<strong>problemas</strong> .como distribuição de riqueza, inflação, política trabalhistaetc., uma vez que cumpre-ao <strong>Espiritismo</strong> cuidar essencialmente davida extraterrena e, portanto, da parte espiritual do ser humano. Este,realmente, é o aspecto fundamental. Mas a Doutrina Espírita não é um"breviário" nem uma tábua de prescrições e regras de fé. Em seuconjunto, inteiramente homogéneo. a Doutrina é um corpo de princípi<strong>os</strong>abrangentes, uma vez que engloba todas as p<strong>os</strong>ições do serhumano em relação ao mundo terreno e ao mundo espiritual.Que é a criatura humana, segundo a concepção espírita? É umespírito encarnado, seja em missão, seja em prova. Se o espírito estáem experiência terrena, envolvido nas contingências da condiçãohumana, naturalmente necessita da vida social, no que, aliás, a DoutrinaEspírita é claríssima, pois ninguém progride afastado de tudo e detod<strong>os</strong>. A vida de eremita não combina com a índole de uma doutrinacomo o <strong>Espiritismo</strong>. Então, o fato de serm<strong>os</strong> espíritas não n<strong>os</strong> isentade participação e responsabilidade na vida social. Claro que nãocaberia à Doutrina Espírita sugerir plan<strong>os</strong> de governo ou traçar rum<strong>os</strong>de política econômica, o que seria verdadeira transp<strong>os</strong>ição de seusreais objetiv<strong>os</strong>. Entretanto, a Doutrina não se omite no que dizrespeito a<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> sociais e às transições hístóricas, precisamentepor causa do homem, que está no palco d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>. E o quepropõe a Doutrina Espírita neste sentido? Precisamente uma educaçãomaisprofunda, uma educação que oriente o homem para convivercom as mudanças e com <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> que o desafiam, sem sedesgarrar do caminho seguro, sem abandonar <strong>os</strong> valores étic<strong>os</strong> de suaformação.-102-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseAs grandes crises político-sociais geralmente produzem fenômen<strong>os</strong>de conseqüências imprevisíveis, tanto do ponto de vista materialquanto do ponto de vista moral. Não podem<strong>os</strong> fugir do mundo, comotambém não podem<strong>os</strong> evitar <strong>os</strong> envolviment<strong>os</strong> de uma conjunturasocial, mas podem<strong>os</strong> resistir a cert<strong>os</strong> arrastament<strong>os</strong>. É aí, precisamente,que se faz sentir a influência d<strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> espíritas na educação.Os impuls<strong>os</strong> de ganância para fazer fortuna a qualquer preço, comoacontece n<strong>os</strong> períod<strong>os</strong> de inflação ou, por exemplo, durante as combinaçõespolíticas que determinam altas montantes de negóci<strong>os</strong> nemsempre aconselháveis, dão margem a muit<strong>os</strong> salt<strong>os</strong> de audácia comêxito imediato. Mas a empolgação do "triunfalismo" económico correo risco de uma derrocada irremediável para o espírito, em processo demelhoramento, quando abre mão d<strong>os</strong> escrúpul<strong>os</strong> de consciência. Poisbem, a Doutrina Espírita não discute propriamente inflação ou qualquerproblema semelhante nem muito men<strong>os</strong> se adapta à linguagem d<strong>os</strong>especialistas, mas a verdade é que n<strong>os</strong> oferece lições de procedimentocomedido diante das ecl<strong>os</strong>ões inflacionárias e de outr<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong>perturbadores da ordem sócio-económica.Lembraríam<strong>os</strong>, a propósito, um d<strong>os</strong> relatóri<strong>os</strong> do Banco do Brasilem 947:"No período de excitação formam empresas, aumentam-se <strong>os</strong>capitais, criam-se nov<strong>os</strong> banc<strong>os</strong> e casas bancárias e tod<strong>os</strong> obtêmgrandes lucr<strong>os</strong> provenientes da alta de preç<strong>os</strong> que a inflaçãoocasiona. Uma onda de prazer e luxo invade o país. Mas, derepente, no auge de esta pr<strong>os</strong>peridade, manifesta-se a depressão,que precede a catástrofe".Já tivem<strong>os</strong> antes, muito antes, o chamado "encilhamento", nocomeço da República, isto é, uma onda de negóci<strong>os</strong> e facilidades queabarrotaram a praça, mas causaram muita alteração. Aliás, já se disseque a inflação vinha do Império. É matéria a discutir noutro ângulo.A aparência de riqueza, quando as emissões vult<strong>os</strong>as abarrotam o paísde lançament<strong>os</strong> de dinheiro e facilitam tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> tip<strong>os</strong> de negóci<strong>os</strong>, fazmuita gente aumentar surpreendentemente o patrimônio particular eviver de maneira já agora diferente, pois até <strong>os</strong> hábit<strong>os</strong> doméstic<strong>os</strong> semodificam com o novo status, como se estivesse criando um mundo deencant<strong>os</strong>. Quando vem a derrocada financeira, pois é uma fase passageirae cheia de engan<strong>os</strong>, <strong>os</strong> que subiram muito nas ambições ficamcompletamente desarvorad<strong>os</strong> porque não podem mais sustentar a<strong>os</strong>tentação de um "trem de vida" todo artificial. A pr<strong>os</strong>peridadeimprovisada, sem base, sem infra-estrutura, assim como pode produzir-103-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseo delírio de grandeza, também pode converter-se em monstro devorador(19). A imprevidência e o esbanjamento abrem fendas irremediáveistanto no orçamento público quanto no orçamento pessoal, como jáse observou muitas e muitas vezes. E, daí, a repercussão na própriavida familiar, com <strong>problemas</strong> emocionais que podem até culminar coma desagregação do lar. O desmoronamento econômico depois de umperíodo de exagero e abuso de prazer, agride até o equilíbrio psíquico.Por isso mesmo, o fim prático da educação, à luz do pensamentoespírita é prevenir, isto é, preparar o homem para enfrentar <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong>de sua época sem se iludir com empreendiment<strong>os</strong> comprometedores.Recorram<strong>os</strong> mais uma vez a Allan Kardec:''Os males mais numer<strong>os</strong><strong>os</strong> são <strong>os</strong> que o homem cria pel<strong>os</strong> seusvíci<strong>os</strong>, <strong>os</strong> que provêm de seu orgulho, seu egoísmo, sua ambição,sua cupidez, seus excess<strong>os</strong> em tudo. Aí a causa das guerras e dascalamidades que estas arrastam, das dissenções, das injustiças,da opressão do fraco pelo forte, da maior parte, afinal, dasenfermidades". (A Gênese- cap.III)Também as enfermidades, como adianta o Codificador da DoutrinaEspírita. As ambições desmedidas, a inquietação constante, odespeito recalcado e as emoções violentas não serão porventura responsáveispor muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> de neur<strong>os</strong>es?... O fato económico temrelação com o fato moral, não pela natureza de um e do outro, maspelas conseqüências, o que, aliás, já foi objeto de comentári<strong>os</strong> emcapítulo anterior. Ao estudar, por exemplo, a Reforma protestante,sob um ponto de vista mais terreno, Max Weber conduiu que omovimento chefiado por Martinho Lutero teve influência bem relevantena ordem económica, apesar de inspirado em razões espirituais oureligi<strong>os</strong>as. Max Weber estabelece até vinculação do capitalismo aoProtestantismo. Sua teoria foi muito discutida, tanto quanto aplaudida,embora se atribua mais motivação económica à corrente calvinista,diferente da corrente luterana, pois Calvino feriu logo o problema dausura. Em defesa da ligação capitalismo-reformismo, argumenta-seque a Reforma protestante esp<strong>os</strong>ou a concepção individualista, já emestado de fermentação no século XVI, visto como <strong>os</strong> reformadoresesp<strong>os</strong>avam concepções do liberalismo, o livre exame da Bíblia etc. Aética económica do calvinismo sustentava, entre outr<strong>os</strong> pont<strong>os</strong>, quenenhuma profissão podia ter primazia sobre as outras.(19)- As considerações acima são de 1948. A inflação daquela época originou-se de circunstânciasmuito diferentes perante a situação inflacionária atual O .983/4), cuj<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> estam<strong>os</strong> sentindo cadavez mais em proporções realmente espant<strong>os</strong>as.-104-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseEm longo e criteri<strong>os</strong>o estudo sobre <strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> económic<strong>os</strong> daReforma, disse o Professor e historiador J<strong>os</strong>é Honório Rodrigues:"A base dessa teoria cal vinis ta era tirada daquela epístola de S.Paulo a<strong>os</strong> Corínti<strong>os</strong> acerca da diversidade d<strong>os</strong> dons espirituais, naqual se diz que a manifestação do Espírito é dada a cada um parao que for útil, porque a uns é dada a palavra da sabedoria, aoutro, a palavra da ciência, a outr<strong>os</strong> a da fé, a outr<strong>os</strong> o dom decurar, a outr<strong>os</strong> a operação de maravilhas, a outr<strong>os</strong> o dom dediscernir <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong>, a outr<strong>os</strong> a diversidade de línguas, a outr<strong>os</strong> ainterpretação das línguas." (Digesto Econômico dez. 1.946)A associação do fenômeno capitalista ao fenômeno religi<strong>os</strong>o deu muitarelevância à obra de Weber,(20) apesar das críticas. Embora "A ÉticaProtestante e o Espírito do Capitalismo'' tenha sido mais divulgada, aoque parece, suas incursões na vida religi<strong>os</strong>a, de um modo geral, sedesenvolveram muito em "Sociologia da Religião", onde há confront<strong>os</strong>bem significativ<strong>os</strong> com o Judaísmo, Islamismo, Catolicismo eassim por diante. Ainda a respeito do Calvinismo, diz ele: "Um d<strong>os</strong>mais notáveis efeit<strong>os</strong> econômic<strong>os</strong> do Calvinismo foi a destruição dastradicionais formas de caridade. Primeiro, eliminou a distribuiçãoindiscriminada de esmolas. Bastaria dizer que o primeiro passo para asistematização da caridade foi dado com a introdução de regras fixadaspara a distribuição da renda d<strong>os</strong> bisp<strong>os</strong> na antiga Igreja medieval e coma instituição de um h<strong>os</strong>pital, no mesmo modo como fora racionalizadaa sistematizada a constribuição para <strong>os</strong> pobres d<strong>os</strong> Islame." Enfim,Max Weber examina o procedimento d<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong> em divers<strong>os</strong>ângul<strong>os</strong>, suas prescrições, idéias de salvação, normas de trabalho etc.dentro d<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong> histórico-sociais em que elas exercem influência.Entretanto a conotação específica do Protestantismo c,om o Capitalismo,com a idéia de uma relação de causa e efeito, não teve nem poderiater repercussão pacífica, conquanto tivesse feito adept<strong>os</strong>. Echevarria,no prefácio de "Economia e Sociedade" (Edição Fondo de Cultura­México) dá a entender que Weber não responsabilizou o Protestantismopela formação do sistema capitalista. Teria havido então uma deturpaçãoda tese weberiana? Admitam<strong>os</strong> que não se trate rigor<strong>os</strong>amente(20)- Max Weber, sociólogo e economista alemão (1864/920) escreveu, entre outr<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong>, TheProtestant Ethic and the Spirit of Capita/ism, The Religion of China: Con.fucionism and ·raoism, TheSociology of Religion. Seus estud<strong>os</strong> foram aproveitad<strong>os</strong> e comentad<strong>os</strong> p<strong>os</strong>teriormente em publicaçõespóstumas, A tese sobre Protestantismo e Capitalismo, por exemplo, saiu em 1 .930. Tudo, afinal,em edições inglesas. Uma dessas edições apresentou um titulo um pouco diferente, relativamente aoprimeiro livro aqui indicado, pois saiu assim: "The Protestant Sects and the Spirit of Capitalism".Como se vê, trocou a palavra ética por "seita"s". De fato, o Autor estuda a conexão das seitasprotestantes, como de outras seitas, com o processo capitalista. Mas a tradução de Parsons (doalemão para o :inglês) coloca mesmo é a forma ''ética protestante''. Seria o caso de perguntar: teriamsido do próprio Autor <strong>os</strong> títul<strong>os</strong> mais tarde publicad<strong>os</strong> ou foram dad<strong>os</strong> a critério de tradutores ecomentadores de sua obra? ..-105-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensede "responsabilidade", pois o termo está um tanto forte, mas éinegável que Max Weber associou <strong>os</strong> dois moviment<strong>os</strong>. Como, porém,o Autor já não pertencia a este mundo quando seus escrit<strong>os</strong> começarama ser divulgad<strong>os</strong> e comentad<strong>os</strong>, podem<strong>os</strong> admitir que as idéiasfundamentais tivessem sido modificadas. J. Wash, em "Sociologia dela Religion"- Ed. Fondo de Cultura faz ressalva à tese de Weber,mas diz que ele ''deixou muito por fazer".Embora haja outr<strong>os</strong> critéri<strong>os</strong> na interpretação da tese que vinculao sistema capitalista ao Protestantismo, tem<strong>os</strong> a impressão de que umd<strong>os</strong> element<strong>os</strong> de análise deve ser a distribuição geográfica, semexcluir o Catolicismo com a sua ampla organização econômica, pois oProtestantismo e o Judaísmo sempre se expandiram em países detradição capitalista, como a Inglaterra, Holanda e <strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>,por exemplo. Os principais núcle<strong>os</strong> populacionais d<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>são oriund<strong>os</strong> da Inglaterra, com a predominância d<strong>os</strong> puritan<strong>os</strong>. E alibra inglesa tinha muito peso no mundo antigo. Por este caminhotalvez seja compreensível, até certo ponto, a relação do Protestantismocom o poder capitalista que se formou em determinad<strong>os</strong> países.Uma relação de coincidência histórica, não propriamente uma relaçãointencional. O Protestantismo originou-se de uma luta de fé. não saiu,portanto, de nenhuma conjuntura mercantilista. Mas a tese de Weberficou aberta ao debate. Pode ser até que haja necessidade, hoje, deuma revisão em profundidade.Quanto a nós, justamente pelo fato de estarm<strong>os</strong> fazendo consideraçõesapoiadas em elucidações espíritas, naturalmente não podem<strong>os</strong>deter o n<strong>os</strong>so raciocínio por muito tempo neste tipo de discussão, poisquisem<strong>os</strong> apenas indicar a tese de Weber como ponto de referência emmatéria económica. Talvez por ter dado mais força à iniciativa individual,estimulando o livre exame, como já foi dito, e repelindo imp<strong>os</strong>içõesconciliares ou de colegiad<strong>os</strong>, tenha alguma coisa que lembre oindividualismo capitalista. com todas as características de sua época.Mas é difícil precisar objetivamente um dado concreto pelo qual sep<strong>os</strong>sa dizer que o Protestantismo gerou o Capitalismo ou vice-versa.Do ponto de vista ético, fora das conjecturas sobre o Protestantismoe suas ligações com o desenvolvimento capitalista, já dissem<strong>os</strong>.tanto quanto n<strong>os</strong> fora p<strong>os</strong>sível, que a economia deve ser informadapela ética, embora pertençam a duas ordens de valores muito diferentes.É a visão espírita, não é demajs repetir. A experiência prova que odesenvolvimento económico e tecnológico sem compromisso com aordem moral transforma-se em ameaça ao próprio homem, cada vezmais reduzido à condição de simples instrumento de produção. Porisso mesmo,· permitimo· n<strong>os</strong> reproduzir aqui o que escrevem<strong>os</strong>, apropósito, sob o título "A Máquina e a Fé":-106-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseO suplemento dominical do "Jornal do Brasil" de 30 de abril-]"de maio último fez uma síntese~ cujas tendências refletem, realmente, asituação atual do mundo: Artur Clarke e Allan Watts. O comentaristaapresenta logo duas afinnações categóricas, como que marcando, oudemarcando claramente, duas direções de pensamento. De Artur Clar~lw: Só as máquinas poderão salvar-n<strong>os</strong>. De Allan Watts: A religião n<strong>os</strong>livrará do absurdo. Estão, aí, como se vê, duas opiniões divorciadas,duas linhas ideológicas inteiramente desencontradas. Os autores, cada'fiWi com um ângulo próprio de observação, tiveram um encontro emN. York, discutiram demoradamente a situação do homem no mundode hoje e, por fim, seguiram rum<strong>os</strong> diferentes por não ser p<strong>os</strong>sívelconciliar as p<strong>os</strong>ições. Certamente não conseguiram encontrar umdenominador comum entre o pragmatismo da técnica e a transcendênciada religião.Clarke acredita na tecnologia como solução única d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensePodem<strong>os</strong> tirar, de tudo isso, embora apresentado de um modoquase sumário, alguns pont<strong>os</strong> de referências, começando pelo aspectohistórico. Se é certo que a "História se repete ••, como a gente ouvedizer desde criança, o que está ocorrendo agora, pelo men<strong>os</strong> até certoponto, é uma repetição de velhas discussões fil<strong>os</strong>óficas. As palavrassão novas, as motivações são diferentes, a forma de "armar" <strong>os</strong> dad<strong>os</strong>pode ser mais interessante, porém a problemática é a mesma de outr<strong>os</strong>temp<strong>os</strong>: o desentendimento entre o objetivo e o subjetivo. Antigamentenão se falava em tecnologia, não se usavam alguns term<strong>os</strong> correntes nalinguagem de hoje, mas a tônica do problema não mudou tanto, comoparece. Havia, no passado (sec. XVIII e XIX) uma luta aberta entre ameJajisica e o espírito p<strong>os</strong>itivo. Também se dizia, já naquele tempo, queera preciso abandonar as indagações de ordem transcendental. Omesmo f<strong>os</strong>so, o mesmo abismo entre a ciência e a religião. Naqueletempo se falava insistentemente em sobrenatural palavra que já nãoestá mais em circulação, mas também hoje, empregando palavrasdiferentes, <strong>os</strong> partidári<strong>os</strong> das soluções objetivas dão muita ênfase ao"espírito p<strong>os</strong>itivo" tal qual se propalava no século passado. Tem<strong>os</strong>, aí,"pensamento p<strong>os</strong>itivo", raciocínio p<strong>os</strong>itivo. "soluções p<strong>os</strong>itivas", eassim por diante ... É um estado de espírito em tudo e por tud<strong>os</strong>emelhante àquele que tomou corpo e fez escola na época do P<strong>os</strong>itivismo.Nem tudo é novo, como se pensa.O espírito p<strong>os</strong>itivo do século XIX consistia exatamente em desprezara experiência interna ou subjetiva e valorizar a experiência externa;tomar interesse pel<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> sensíveis e abandonar <strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong>da vida interior; procurar conhecer o mundo visível e deixar de ladoqualquer indagação acerca do invisível. Em suma, as preocupações dohomem deveriam concentrar-se no mundo concreto, isto é, no campod<strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>, desprezando qualquer apelo à metafísica, ao sobrenatural,uma vez que a inteligência humana jamais poderia chegar a essaordem de <strong>problemas</strong>. E, por isso mesmo, a ciência p<strong>os</strong>itiva responderiapelas soluções de maior interesse, ficando a questão da alma, vidafutura, destino, existência de Deus, por exemplo, para o domíni<strong>os</strong>ubjetivo, fora da realidade imediata ou exterior.É o que estam<strong>os</strong> vendo, hoje, sob outras rubricas. Também se diz,usando palavras diferentes, mas no mesmo sentido, que já não há lugarpara as cogitações extraterrenas, visto como o homem atual dispõe detécnicas e instrument<strong>os</strong> para resolver seus <strong>problemas</strong> sem precisar decrença em "poderes espirituais". Há uma indisp<strong>os</strong>ição muito fortecom a fil<strong>os</strong>ofia, tal qual se dava no século XIX, quando <strong>os</strong> homens de ."espírito p<strong>os</strong>itivo" falavam em metafísica, como se estivessem falandoem pura utopia.-108-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penset\ História da humanidade, toda ela, é cheia de experiências e contradipies,sempre com alguns períod<strong>os</strong> de exaltação e exagero. Já houve umperíodo, e tod<strong>os</strong> sabem, de grande apego à fé, querendo colocar ohomem acima da Terra, antes de tempo ... Houve um período em que sedeu muito valor à experiência material, como se f<strong>os</strong>se a única via pelal{ual se chegaria ao caminho da verdade. E houve outro período,também de exagero, senão de loucura coletiva, em que se quis divinizar11 razão. O culto da razão chegou a tais proporções que se fez até umal'rocissão, um espetácu/o ridículo, com a ''deusa da razão'' pelasmas! ... E dizia-se: acabou-se a fé, não se precisa mais de religião, nã<strong>os</strong>e tem mais necessidade da crença em Deus, porque a razão, asoberana razão é que vai, agora, guiar o homem. Tudo isso se fez, masludo isso passou, não é verdade? São reações periódicas.É certo que atualmente as coisas não se passam bem assim. Mast/UC existe uma tendência a hipertrofiar as técnicas e <strong>os</strong> valores utilitári<strong>os</strong>ou pragmátic<strong>os</strong> e abandonar a fil<strong>os</strong>ofia, a indag.,ção das causas,não há dúvida alguma. Não falta quem diga que o mundo de hoje não émais para a fil<strong>os</strong>ofia, porque é o mundo da tecnologia. E, por isso, no


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseequívoco. A tecnologia resolve muit<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> (e quem diria ocontrário?), remove muit<strong>os</strong> obstácul<strong>os</strong> materiais, oferece bem-estarhumano etc. etc. mas não pode dar solução a<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> espirituais,·não pode chegar à esfera da consciência no momento em que a criaturahumana mais precisa de fé. Não há fórmula matemática, não hátraçado geométrico que p<strong>os</strong>sa produzir, na alma humana, o efeitorenovador e profundo de uma prece, quando sincera, quando a férealmente é forte e convicta. A época é da máquina- dizem- mas amáquina tem seu lugar determinado no quadro das necessidades humanas,como tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> de ação no mundo exterior. Apesardisto, o poder da tecnologia, com tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> de que seja capaz,não pode ocupar o lugar da religião, que é do foro íntimo. Religião etecnologia são duas esferas distintas de realidade e necessidade. Masexiste uma ordem racional de valores: a tecnologia pertence a<strong>os</strong> valoresmateriais, que têm sua importância e seu momento, mas a religiãopertence a<strong>os</strong> valores espirituais, não pode ser deslocada de sua categoria.O <strong>Espiritismo</strong> veio na hora exala, e nenhuma doutrina souberepor as coisas em seus lugares com mais justeza e maior senso deequilíbrio. A doutrina espírita valoriza o esforço das ciências e dastécnicas como fruto da capacidade humana empenhando-se cada vezmais em criar melhores condições de vida terrena; mas a doutrinatambém afirma o primado espiritual, apesar de tudo isso. Pelo fato dedependerm<strong>os</strong> das técnicas em muitas coisas, não vam<strong>os</strong> ficar escravizad<strong>os</strong>à máquina, desprezando <strong>os</strong> valores esprituais, as riquezas dacultura,. as belezas da criação artística, que são obras do espírito, etambém necessárias à vida; pelo fato de já poderm<strong>os</strong> utilizar cert<strong>os</strong>instrument<strong>os</strong>, que n<strong>os</strong> trazem recurs<strong>os</strong> de sobrevivência na luta constantecontra o meio físico, não vam<strong>os</strong> desprezar a fé nem desdenhar aprece, que é um recurso insubstituível n<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> mais agud<strong>os</strong> den<strong>os</strong>sas experiências.A Doutrina Espírita, finalmente, não veio formar devot<strong>os</strong>, nãopreconiza um tipo de vida puramente mística, assim como não quer quen<strong>os</strong> entreguem<strong>os</strong> demasiadamente à oração, esquecendo <strong>os</strong> deveres oucompromiss<strong>os</strong> de ordem material, mas a doutrina ensina, ao mesmotempo, e com acerto, que não n<strong>os</strong> devem<strong>os</strong> agarrar demais a<strong>os</strong> interessesterren<strong>os</strong>, porque tudo isso é transitório. Então, no debate entre asduas tendências em choques -a que se inclina mais pela máquina e aque se identifica mais com a fé- o caminho que a doutrina espírita n<strong>os</strong>aponta é o do meio termo, evitando sempre a inversão da ordem naturaldas coisas: no momento das necessidades materiais, é o instrumental-110-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedas ciências e das técnicas que resolve <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>; no momento dast~ecessidades espirituais, é a fé que sustenta e ilumina. E sem a fé, masa fé em term<strong>os</strong> de convicção, não há força interior, por mais poder<strong>os</strong>oque seja o aparelhamento tecnológico.REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMOMa tão - S. Paulo (Junho I .972)-111-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseIXA ORDEM ECONÔMICA EA ORDEM MORALPelo fato de term<strong>os</strong> insistido muito na significaçãoda reforma moral do elemento humanona condução de uma reforma social capaz de realizar umadistribuição de riqueza realmente justa e, portanto, humanitária, recebem<strong>os</strong>críticas, aliás muito amigas, assim que saiu a ta edição destelivro. Objetou-se então que estávam<strong>os</strong> "fora da realidade", pois assoluções económicas independem de considerações morais. Aindamais: "Antes de pensar na modificação do homem, que se pense nasmodificações estruturais", e assim por diante. Em capítulo anterior jádefinim<strong>os</strong> a n<strong>os</strong>sa maneira de pensar, aliás com vistas à DoutrinaEspírita. Repetim<strong>os</strong>, no entanto, que a reforma das estruturas sócioeconômicasnão exclui a necessidade da reforma individual. Nadaimpede que <strong>os</strong> dois objetiv<strong>os</strong> se encaminhem pela via pacífica dasimultaneidade. Querem<strong>os</strong>, como sempre, desprezar o amontoado-113-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseda sutilezas verbais e as fórmulas enigmáticas, tão do g<strong>os</strong>to de certaliteratura econômica, e observar <strong>os</strong> fat<strong>os</strong> como a experiência do dia-adiano-l<strong>os</strong> apresenta: a reforma de uma estrutura sem o melhoramentodo homem, sem uma preocupação moral mais elevada não é suficientepor si só, justamente porque lhe falta a base de sustentação. E quantase quantas estruturas col<strong>os</strong>sais já foram transformadas e engrandecidaspelo dinheiro e pela técnica, mas desmoronaram com prejuíz<strong>os</strong> incalculáveis!Muitas.E por que não se agüentaram? Por falta de capacidade humana?Não. Por falta de recurs<strong>os</strong> materiais? Não. Mas por falta de ordem nagestão do dinheiro alheio, falta de escrúpulo administrativo. Em suma,um patrimônio imenso, uma organização estrutural solidamente alicerçadano dinheiro e no melhor aparelhamento tecnológico, porém muitodeficiente do ponto de vista moral. Os argument<strong>os</strong> formais ou acadêmic<strong>os</strong>não destroem <strong>os</strong> fat<strong>os</strong>. Para demonstrar que não estam<strong>os</strong> "forada realidade" quando encarecem<strong>os</strong> o fator moral no plano sócioeconômico,tanto quanto no plano político, vam<strong>os</strong> invocar dois depoiment<strong>os</strong>de homens públic<strong>os</strong> completamente estranh<strong>os</strong> às idéias queprofessam<strong>os</strong>.De Harold Laski, que fora uma das figuras proeminentesdo Partido Trabalhista britânico, político anticonservador: "O únicotipo de Estado a que devem<strong>os</strong> fidelidade é o Estado em cuja existênciadescobrim<strong>os</strong> uma base mnoral". ("O Estado Moderno", transcriçãode 1.948). F.Nitti, pensador político, envolvido n<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>conex<strong>os</strong> à segunda guerra, admite que "existem vári<strong>os</strong> fatores deordem económica que podem contribuir para criar-se um meio apto aodesenvolvimento de uma moral superior", mas afirma, ao mesmotempo, que "nenhuma transformação de ordem econômica pode modificaro estado presente de insegurança e de instabilidade se não éacompanhada de transformações de ordem moral". É exatamente ap<strong>os</strong>tura que n<strong>os</strong> propõe o ensino espírita.Ainda que p<strong>os</strong>sa parecer redundante, a ordem social não pode terbase exclusivamente material, pois também lhe é indispensável aordem moral. Combate-se hoje, por exemplo, em terreno comum, aexploração do fraco pelo forte, do pobre pelo rico, do ignorante peloletrado, e assim por diante. Aliás, a pregação do Cristo veio sempre aoencontro d<strong>os</strong> que tinham "sede de justiça". O espírito do Cristianismo,isto é, a pura doutrina trazida e espalhada pelo Mestre, é visceralmentecontrária à exploração. No momento atual, pelo men<strong>os</strong> emdeterminadas circunstâncias, já vim<strong>os</strong> cristã<strong>os</strong>, marxistas, espíritas,p<strong>os</strong>itivistas e partidári<strong>os</strong> de outras doutrinas tomarem p<strong>os</strong>ições concordantesneste ponto. Ninguém, afinal, em sã consciência apóia a-114-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseinjustiça, a não ser por força de uma deformação incorrigível. Independentementede sua condição de crente evangélico, marxista, espírita,anarquista ou lá o que seja, qualquer pessoa sensata sabe distinguirmuito bem um ato decorrente de uma necessidade individual oucoletiva, ainda que imp<strong>os</strong>to com energia, e um ato de exploração,venha de onde vier.A origem do antagonismo entre as coisas de Deus e as de Césarestá no falso pressup<strong>os</strong>to de que as ações da terra confinam com aterra e por isso não têm relação alguma com as ações da vlda espiritual.Tal concepção que já serviu muitas vezes para justificar transaçõesilícitas ou acomodar situações comprometedoras criou o abismo entreo que é da terra e o que é de Deus, como se o munào material nãotivesse comunicação com o mundo espiritual. Chegou-se, em conseqüênciadessa interpretação, à seguinte realidade: para as coisas deordem espiritual, o indivíduo tem a moral religi<strong>os</strong>a, a moral que secultiva n<strong>os</strong> templ<strong>os</strong>, n<strong>os</strong> at<strong>os</strong> de fé; para as coisas da terra, isto é, para<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong>, para as atividades materiais, o indivíduo adota moraldiferente, outra moral, a do oportunismo ou da acomodação, exemplo,dentro da qual tudo é lícito, contanto que haja êxito.Para o indivíduo que interpreta a história sob o ponto de vistamaterialista, que vê na evolução ~ocial exclusivamente o fator econômico,as ações deste mundo não têm repercussão da vida espiritual.Para o espiritualista, porém, que vê no processo histórico a conjugaçãode forças harmónicas oriundas do espírito e da matéria, afirmando-seao mesmo tempo o fato biológico e o princípio espiritual, as atividadeshumanas, embora circunscritas à terra, são responsáveis peranteDEUS. Prevalecem, porém, as leis peculiares tanto à matéria como aoespírito.O fato económico, portanto, embora seja parte integrante daordem material, não está inteiramente fora da crdem moral, desde quese tenha concepção imortalista da História. Não a' concepção idealista'da escola hegeliana, mas a interpretação da História à luz da crença naimortalidade do espírito, Ratzel admitiu o determinismo geográfico naurdidura da História, Sua concepção da 'geografia social' é bemavançada. Por associação de idéias, quando se trata do homem -elemento capital da História -, logo se pensa na terra, porque não secompreende o valor humano sem o meio físico, como não se admite aexistência de peixe sem água. Marx viu no fator económico uma forçadeterminante da História, concepção que não se concilia com o <strong>Espiritismo</strong>.Gobineau partiu da desigualdade das raças humanas para explicara História.-115-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA "concepção etnológica" desse nobre racista exaltou o preconceitoracial, convertendo-se em fil<strong>os</strong>ofia política de conseqüênciasmaléficas para o mundo. Goblneau era conde, cultivava naturalmente oorgulho de sua origem aristocrática. circunstância que não deixou deter influência no pensamento de sua doutrina, já pela educação, já pelaprópria inclinação de seu espírito. (0 Conde de Gobineau esteve noBrasil como representante diplomático da França junto ao governoimperial a exemplo de outr<strong>os</strong> estrangeir<strong>os</strong> - naturalistas, escritores,artistas -, correspondeu-se, depois, com o Imperador Pedro II, queera grande admirador d<strong>os</strong> homens de estudo, embora tivesse idéiasinteiramente op<strong>os</strong>tas às do antigo diplomata francês.) A teoria deGobineau, com a sua perig<strong>os</strong>a intepretação da História, concorreu paraa formação da mística raça pura de povo superior causadoras de tantastragédias. Em nome dessas idéiaS, tão desastr<strong>os</strong>as como inconscientes.o hitlerismo transformou o preconceito racial em ·'razão de Estado··.criando a chamada política do sangue puro, apoiada em base superficiale duvid<strong>os</strong>a, além de contrária à fraternidade humana pregada peloCristo. Freud interpretou a História de outro modo, dando muitaênfase a<strong>os</strong> "complex<strong>os</strong> individuais", sem considerar a importânciad<strong>os</strong> confiit<strong>os</strong> morais, das lutas ideológicas, por exemplo.Como se vê, a interpretação da História pode trazer muit<strong>os</strong> err<strong>os</strong>.muit<strong>os</strong> choques, muita desordem material e espiritual. em função desua base fil<strong>os</strong>ófica. A concepção teológica atribui a forç•s sobrenaturaistodo o mecanismo da evolução geral. É verdade que da escolaag<strong>os</strong>tiniana até B<strong>os</strong>suet, período equivalente a sucessivas e inevitáveistransformações na história do pensamento humano, há um curso deidéias nem sempre uniforme, visto que certas teorias não se conservaminteiramente fechadas a retificações p<strong>os</strong>teriores. Mas entre a concepçãoteológica (subordinação da História a desígni<strong>os</strong> sobrenaturais) e aconcepção materialista (subordinação da História ao fator econômico)deve prevalecer não propriamente uma conciliação forçada e sim oprincípio da reciprocidade, regulador da harmonia entre o mundoespiritual e o mundo material. O organismo humano começa a m<strong>os</strong>trara evidência desse princípio como o paralelismo psicofisiológico. Avontade divina preside a toda a criação, mas a sabedoria dessa vontadesuprema e onisciente está justamente na distribuição das leis, nunca noarbítrio ou no acaso. A interferência da ação divina n<strong>os</strong> at<strong>os</strong> human<strong>os</strong>não se confunde com a presença de Deus nas mínimas coisas de n<strong>os</strong>saeconomia interna. A vontade divina rege o Universo, estabelece leis,mas não se vai admitir que Deus fique sujeito às mutações da matéria.Deus criou a natureza, mas nem por isso se crê que Deus esteja dentrode uma rocha ou plasmado nas formações geológicas. Tal sup<strong>os</strong>ição-116--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penselevaria à descrença e à zombaria. A Doutrina Espírita esclarece aquestão do seguinte modo: "Não se podem aliar as proprieades damatéria à idéia de Deus, sem que ele fique rebaixado ante a n<strong>os</strong>sacompreensão, e não haverá sutileza de sofismas que cheguem aresolver o problema de sua natureza humana. A inteligência de Deus serevela em suas obras como a de um pintor no seu quadro; mas obra deDeus não são o próprio Deus, como o quadro não é o pintor queconcebeu e executou". (O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Cap. I)Deus não interfere na ordem económica para dizer ao homemquando deve plantar milho, arroz ou cenoura, nem para indicar <strong>os</strong>instrument<strong>os</strong> que devem ser empregad<strong>os</strong> na lavoura - o arado ou acharrua -porque este círculo de ação é do mundo material, tem suasleis, sua organização dentro do campo em que o homem pode deliberarconscientemente, de acordo com o seu livre arbítrio. Diz O EV ANO E­LHO SEGUNDO O ESPIRITISMO: "Para trabalh<strong>os</strong> que são obra d<strong>os</strong>sécul<strong>os</strong>, teve o homem que extrair <strong>os</strong> materiais até das entranhas daterra; procurou na ciência <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de <strong>os</strong> executar com maior segurançae rapidez. Mas, para <strong>os</strong> levar a efeito, precisa de recurs<strong>os</strong>: anecessidade fê-lo criar a riqueza, como o fez descobrir a ciência."Por aí se ve que o <strong>Espiritismo</strong>, conquanto sustente o princípioimortalista, buscando na reencarnação ou doutrina das vidas sucessivasa explicação fil<strong>os</strong>ófica das desigualdades humanas, não tem concepçãoabsolutamente providencialista da História. Se a doutrinaespírita reconhece, como aí se lê, que a NECESSIDADE fez o homemcriar a riqueza, isto é, promover o desenvolvimento econômico, aperfeiçoar<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de que carece para aumentar a produção e aproveitar<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> da terra, evidentemente o homem não deve nem pode abrirmão de seu livre arbítrio para esperar que a natureza trabalhe por simesmo ou que a inteligência divina se imiscua nas atividades privadas,na orientação das minúcias e particularidades do plano material. Talinterpretação da História, excluindo a responsabilidade humana d<strong>os</strong>at<strong>os</strong> concernentes à ordem material, conduziria inevitavelmente aotranscendentalismo puro.Existem leis em toda a Natureza. Cabe ao homem, impelido pelasnecessidades, descobrir essas leis por esforço próprio, o que lhepermitirá encontrar em Deus a casa de toda a construção universal. Hámuita diferença, portanto, entre reconhecer em Deus o criador das leisfundamentais do Universo e esperar que Deus venha dirigir uma poruma as atividades concernentes às relações do homem com a Natureza.Se assim f<strong>os</strong>se, não haveria mérito na obra do homem, ou a obra,em suma, não seria do homem.-117-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA ordem econômica obedece às leis que lhe são inerentes. O lavradorsabe, por experiência, qual a estação do ano em que pode plantartomate; se, porém, tentar fazer plantações fora da estação própria,certamente sofrerá as conseqüências, terá prejuízo, perderá o tempo.Castigo de Deus? Não, desobediência a uma lei da natureza: cadacultura tem sua época. O homem é livre, mas a sua liberdade não podeultrapassar a organização da natureza. Ninguém tentaria plantar laranjasem terras impróprias. Seria necessário que o plano divino viessedizer ao homem qual a terra que serve para a cultura do milho ou defrutas ácidas? Não, pois <strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> da ciência, a observação e aprática, assim como o estudo das leis relativas a<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> da terra,permitem ao homem conhecer as diferentes propriedades, a comp<strong>os</strong>içãod<strong>os</strong> terren<strong>os</strong>, a influência do clima, etc. Seria inútil, por exemplo,tentar introduzir a cultura de tâmara ou de damasco em qualquerponto do Brasil sem saber se o terreno aceita a nova cultura ou se atamareira conserva a mesma capacidade produtiva quando retirada d<strong>os</strong>eu verdadeiro habitatA inteligência do homem há de render-se à sabedoria de leiscontra as quais não há recurso que prevaleça. Ninguém poderia forçaruma região pedreg<strong>os</strong>a a produzir, por exemplo, cereais, cujas sementesnão podem germinar em qualquer terreno. Diz-se vulgarmente que'a Natureza tem seus caprich<strong>os</strong>', seus mistéri<strong>os</strong>. Não há capricho nemmistério: a natureza tem as suas leis. Quando o homem começa aentrar no conhecimento da natureza, cuja revelação exige estudo etrabalho, vai observando e compreendendo melhor a harmonia dessasleis.Deus não vem dirigir diretamente a ordem econômica, cuj<strong>os</strong>fenômen<strong>os</strong> devem ser interpretad<strong>os</strong> à luz da ciência, por meio d<strong>os</strong>instrument<strong>os</strong> de que o homem dispõe. A Agronomia estuda leis queinteressam ao conhecimento da terra na parte em que as condições d<strong>os</strong>olo têm mais relação com a ciência econômica: a produção. Indiscutivelmente,o bom aproveitamento da terra, para produzir bem, dependeda existência de element<strong>os</strong> indispensáveis, como argila, húmus, calcáreo,por exemplo. Ora, se determinada porção de terra tem muitocalcáreo e pouca argila, com teor de húmus insuficiente, deve ohomem procurar, nas próprias leis da terra, a explicação do ressecamentodo subsolo ou de qualquer outra alteração, a fim de encontrar acausa de fenômen<strong>os</strong> que lhe são desconhecid<strong>os</strong>. Ninguém iria pedir aDeus o milagre de transformar em terra fértil e abundante uma terradefeitu<strong>os</strong>a por falta de substâncias de valor decisivo na produção,porque tal pretensão seria anticientífica. Deus não derroga as leis da-118-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensenatilreza, mas permite ao homem descobrir essas leis, à proporção quese lhe apresentam <strong>problemas</strong> circunscrit<strong>os</strong> ao mundo que vive. Ainteligência divina manifesta-se por meio das leis e não pela prepotênciade uma soberania violenta, que se compraz em subverter a ordem4ue ela mesma estebelece. Busquem<strong>os</strong> orientação na doutrina: 'Deusnão faz milagres, porque, sendo, como são, perfeitas as suas leis, nãolhe é necessário derrogá-las. Se há fat<strong>os</strong> que não compreendem<strong>os</strong>, éque ainda n<strong>os</strong> faltam <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> necessári<strong>os</strong>'. (AlJan Kardcc, AGÊNESE, cap. XII).O homem conhece as leis do mundo físico, reguladoras dasrelações indispensáveis à vida no plano terreno, mas se torna igualmenteindispensável o conhecimento das leis do mundo moral. Justamentena harmonia entre as duas ordens de leis - a do mundo físico ea do mundo moral - é que está a afirmação de uma inteligênciao.;uprema. Na ciência política e na economia, estudam<strong>os</strong> leis e princípi<strong>os</strong>,assim como, no contacto com as ciências exatas, operam<strong>os</strong> comInstrument<strong>os</strong> de pesquisa quando querem<strong>os</strong> verificar a exatidão deuma teoria. Mas logo som<strong>os</strong> obrigad<strong>os</strong> a n<strong>os</strong> defrontar com <strong>problemas</strong>fil<strong>os</strong>ófic<strong>os</strong>, de natureza especulativa, quando desejam<strong>os</strong> saber qual ofim d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong>, das pesquisas que realizam<strong>os</strong>. Agora, nesta novaordem de idéias, vam<strong>os</strong> tratar, não mais com o mundo físico, mas como mundo moraL A questão, uma vez formada no espírito, escapa aocírculo de correspondência com <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, porque pertenceao foro da consciência.A tese espírita demonstra, como conseqüência das relações entreómundo físico e o mundo espiritual, que toda a riqueza da terradeve ter fim útil, aplicação honesta, porque o espírito, que é imortal,411e sobrevive à matéria, responde pel<strong>os</strong> desvirtuament<strong>os</strong> d<strong>os</strong> bensmateriais, pela desobediência às leis da moral divina. A doutrinacondensa esta parte no quadro da Leis Morais.Sem aceitar o panteísmo que confunde Deus com o mundo, acausa com o efeito, a inteligência com o objeto, o <strong>Espiritismo</strong> interpretaa História sem, também, admitir a exclusão das formas materiais, oque seria o mesmo que ver em tudo uma espécie de fatalismo ouabsolutismo da vontade divina. Sem apelar, finalmente, para o idealismopuro, recusando, porém a interpretação materia1ista da História, o<strong>Espiritismo</strong> n<strong>os</strong> leva à convicção de que a ordem econômica não podedispensar a ordem moral. A ciência econômica jamais proporcionará obem estar a<strong>os</strong> homens, enquanto o mundo d<strong>os</strong> negóci<strong>os</strong> não se inspirarna Justiça, no comedimento, na honestidade pessoal. Convém, maisuma vez, pedir Juzes à Doutrina Espírita: "Os males, porém, mais-119-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensenumer<strong>os</strong><strong>os</strong>, são <strong>os</strong> que o homem cria pel<strong>os</strong> seus víci<strong>os</strong>, <strong>os</strong> que provêmde seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, deseus excess<strong>os</strong> em tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades queestas arrastam, das dissensões, das injustiças, da '?pressão do fracopelo forte, da maior parte, afinal, das enfermidades'. (Allan Kardec- AGÊNESE, cap. III).É bom repetir que a solução do problema social não dependeexclusimente da reorganização ou do aparelhamento d<strong>os</strong> meí<strong>os</strong> econômic<strong>os</strong>.A reforma economica reclama a reforma moral. A riqueza podetornar um país muito próspero, mas não faz um povo feliz sem quedesapareçam <strong>os</strong> víci<strong>os</strong>, a injustiça, <strong>os</strong> abus<strong>os</strong> estimulad<strong>os</strong> pela própriariqueza. O denominador comum Bde todas as reformas está, portanto,na reforma moral do homem.Vam<strong>os</strong>, pois resumir a tese:a) pelas leis que regem a ciência econômica, o homem obtém ariqueza;b) pelo conhecimento das leis morais, o homem sabe o uso quedeve fazer da riqueza.Nota explicativa ao Capítulo IX<strong>Deolindo</strong> Amorim trabalhava no capítulo IX deste livro quandofoi interrompido pela doença que acabou por levá-lo à desencarnação.Iniciara o capítulo, como se vê, por uma reiteração de seu firmep<strong>os</strong>icionamento doutrinário, segundo o qual "a reforma das estruturassócio-econômicas não exclui a necessidade da reforma individual",antes exige a integração de uma na outra. É que havia recebido críticas- que na sua inesgotável tolerância e mansidão, classifica de 'muitoamigas' e julgou de seu dever reafirmar seu ponto de vista, pois não oabalara o 'argumento' de que poderia com isso estar 'fora da realidade'.Ficou-n<strong>os</strong> o problema de como dar seqüência ao capítulo por eleiniciado e levado até o período em que declara que 'qualquer pessoasensata sabe distinguir muito bem um ato decorrente de uma necessidadeindividual ou coletiva, ainda que imp<strong>os</strong>to com energia, e um atode exploração'Após cuidad<strong>os</strong>o estudo de seu texto, resolvi concluir o capítulocom o seu próprio material (capítul<strong>os</strong> XXV, XXVI e XXVII daprimeira edição de sua obra), que me pareceu uma seqüência natural aotema que ele vinha desenvolvendo quando foi chamado de volta àpátria espiritual.Como sempre, respeitei a integridade de seu texto, limitando-mea duas transp<strong>os</strong>ições para que o capítulo tivesse conclusão natural de-120-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesua própria autoria. Aliás, ele também realizou inúmeras dessas transp<strong>os</strong>içõese deslocament<strong>os</strong> no decorrer do seu trabalho de atualizaçãodo livm com vistas a esta segunda edição. Estou certo de não tê-lofeito com a mesma competência. O <strong>Espiritismo</strong>, contudo, n<strong>os</strong> ensinaque som<strong>os</strong> avaliad<strong>os</strong>, não tanto pelo que conseguim<strong>os</strong> levar a bomlermo, quanto pelo esforço que desenvolvem<strong>os</strong> em acertar.HCM-121-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseSEGUNDA PARTE- HERMINIO C. MIRANDA


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensePARÊNTESE PARA UMA EXPLICAÇÃOCCerca de vinte an<strong>os</strong> após ter sido publicadaa primeira edição de O ESPIRI­TISMO E OS PROBLEMAS HUMANOS, <strong>Deolindo</strong> Amorim resolveupreparar uma reedição de há muito desejada pel<strong>os</strong> seus leitores. Nãoquis, porém, mandar reimprimir o livro tal como fora escrito. O<strong>Espiritismo</strong> continuava sendo o mesmo nas suas estruturas doutrinárias- a verdade é intemporal- e não se podia dizer que <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>cogitad<strong>os</strong> na sua obra houvessem mudado substancialmente, pois anatureza humana tem as suas constantes, mesmo dentro da mutação.Forç<strong>os</strong>o era reconhecer, no entanto, que, reexaminad<strong>os</strong> sob a óticaespírita, importantes aspect<strong>os</strong> estavam a exigir diferentes enfoques ese apresentavam sob outra escala de prioridades. Em suma: o livroprecisava de uma atualização que o colocasse em sintonia com <strong>os</strong>nov<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>.-125-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseCom essa idéia em mente, <strong>Deolindo</strong> começou a trabalhar sobre o textode 1948. Outr<strong>os</strong> compromiss<strong>os</strong> doutrinári<strong>os</strong>, contudo, soliciM!vam suaatenção, além de suas atividades profissionais. Ele escrevia parajornais leig<strong>os</strong>, como jornalista profissional, e colaborava gener<strong>os</strong>amenteem grande número de publicações espíritas no Brasil e noExterior. Durante quase trinta an<strong>os</strong> foi de um devotamento sem par a<strong>os</strong>eu querido Instituto de Cultura Espírita e nunca deixou sem resp<strong>os</strong>taas cartas que recebia de toda parte.A revisão ia ficando, assim, na dependência de suas escassasdisponibilidades de tempo. Somente em 1983, já ap<strong>os</strong>entado, conseguiudedicar-se mais ao livro. Lamentavelmente, a essà altura, a saúdejá não era mais o que fora até ali. Acresce que a tarefa, como sempreacontece em tais cas<strong>os</strong>, foi além de suas expectativas, ultrapassandode muito o modesto projeto inicial de simples revisão e atualização.Disse-me ele mais de uma vez, pessoalmente e ao telefone, que o livr<strong>os</strong>eria praticamente outro, tão radical estava sendo o processo deampliação dps temas em debate e de refusão do texto. Não se tratavade uma atualização relativa a uns pouc<strong>os</strong> an<strong>os</strong>, mas a trinta e cinco,espaço cronológico superior ao de uma geração. Como a civilizaçãocarrega consigo um fator específico de aceleração, vai ficando cadavez mais complexa nas suas estruturas e mais veloz no seu ritmoevolutivo. Com isto, agravam-se, como que numa reação em cadeia, <strong>os</strong><strong>problemas</strong> human<strong>os</strong>, surgem aspect<strong>os</strong> inesperad<strong>os</strong> de comportamentoindividual e coletivo, muda, enfim, a face da sociedade.Que reflexões tem o <strong>Espiritismo</strong> a oferecer ante o problema doaborto, por exemplo, que mal aflorava em 1948? Ou do hom<strong>os</strong>sexualismo?E sobre as drogas, o que teria a dizer? E sobre o divórcio ou aeducação?Tornara-se necessário confrontar a nova realidade social, política,econômica e religi<strong>os</strong>a com as sólidas e sempre confiáveis estruturasda Doutrina Espírita. Em outras palavras: a temática do livro continuavaa mesma e, por conseguinte, o seu expressivo título, O ESPIRITIS­MO E OS PROBLEMAS HUMANOS, mas o arranjo e a apresentaçãoda matéria teriam de sofrer profundas alterações.Essa a tarefa que <strong>Deolindo</strong> se dispõe a realizar. Dela desincumbiu-secom a sua indiscutível competência, na sua maneira didática dereduzir complexidades ideológicas a um texto limpo e de fácil entendimentoe, portanto, de grande poder de comunicação. Só quem pensaclaro como ele, sabe escrever com clareza e até mesmo com engan<strong>os</strong>asimplicidade, sem se perder, nem na profundidade d<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong>, nemna elevação d<strong>os</strong> propósit<strong>os</strong>.-126-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseFoi quando começou a falhar o corpo cansado das lutas edesgastes da vida terrena. Com dificuldade, conseguiu chegar até onono capítulo. Em umas poucas semanas agravou~se consideravelmenteo seu estado de saúde. Em abril, 2~, pela manhã cedo, partiu aoencontro d<strong>os</strong> amig<strong>os</strong> do outro lado da vida.Como eu vinha acompanhando há algum tempo e com interessecompreensível o seu trabalho, procurei saber da sua devotada esp<strong>os</strong>a en<strong>os</strong>sa querida confreira Delta, em que pé estava o livro que, infelizmente,ficara inacabado.Deixar de publicá-lo era impensável. A alternativa de publicá-loincompleto certamente não seria do agrado do companheiro que partira.Ofereci-me para concluir a tarefa do caríssimo amigo, com o qualconvivera durante cerca de duas décadas. Era o mínimo que podiafazer por ele. O gesto, algo temerário, assumia para mim as característicasde uma singela homenagem não apenas a <strong>Deolindo</strong>, como ao seuamplo e fiel público leitor.Delta acolheu a idéia com satisfação e, depois de uma conversacom <strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, confiou-me prontametlte o material no qual o n<strong>os</strong>soirmão maior vinha trabalhando.Confesso que tive um momento de hesitação. Assumira responsabilidadeacima de meus recurs<strong>os</strong> e além de minhas limitações. Seriadeselegante, contudo, recuar. Li todo o material, consultei a documentaçã<strong>os</strong>obre a qual ele trabalhara n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> meses e o texto daprimeira edição do livro, profusamente anotado na sua letra esmerada,elegante e nobre. Cautel<strong>os</strong>amente comecei a traçar um esquema dotrabalho que me competia, pois ele não deixara escrito o roteiro quepretendia desenvolver. Em primeiro lugar, é evidente, teria de serescrupul<strong>os</strong>amente respeitado o texto do ilustre confrade, até o pontoem que o levara e partir daí em diante, afinado, tanto quanto p<strong>os</strong>sível,com o seu pensamento e sua técnica exp<strong>os</strong>itiva, o que não é poucoambícionar.A idéia foi a de permitir ao leitor identificar com nitidez o queescreveu <strong>Deolindo</strong> pessoalmente e o que e como eu julguei que<strong>Deolindo</strong> escreveria, se houvesse permanecido mais algum tempoentre nós.Seria ingenuidade nutrir a ilusão de que tenha alcançado taisobjetiv<strong>os</strong> que, como ficou dito ainda há pouco, são ambici<strong>os</strong><strong>os</strong>,raiando pela temeridade. Não houve a intenção de imitar o estilo docaro amigo, nem isto seria p<strong>os</strong>sível, mesmo porque cada escritor temsuas peculiaridades estilísticas e sua maneira pessoal de armar <strong>os</strong>-127-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseargument<strong>os</strong> exp<strong>os</strong>tttv<strong>os</strong>. Estive sempre atento, contudo, a fim dereduzir <strong>os</strong> risc<strong>os</strong> de uma deformação ideológica que resultasse emprejuízo à obra do querido amigo. Afinal de contas, não apenas são <strong>os</strong>mesm<strong>os</strong> <strong>os</strong> parâmetr<strong>os</strong> aferidores da Doutrina Espírita, como tive oprivilégio e a alegria de observar, ao longo d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> de convivênciacom ele, que se afinava bem o n<strong>os</strong>so pensamento no campo doutrinário.-Sempre que se prepara nova edição de um livro-escreveu elenas suas "Considerações sobre a segunda Edição" de um d<strong>os</strong> seusclássic<strong>os</strong> - ESPIRITISMO E CRIMINOLOGIA - geralmente oautor (ou alguém por ele, no caso de não estar mais no mundo terreno)acrescenta algum texto, capítulo ou nota explicativa.A observação não assume o tom da profecia e nem para isso foiconcebida, mas acabou tornando-se uma realidade para este livro.Sou, portanto, e com muita honra, aquele alguém que acrescentoutexto, capítulo e nota ao trabalho inacabado do competente eestimado pensador espírita.Um dia saberei o que achou ele da minha modesta contribuição.Enquanto isso, resta-me a esperança de que não haja, com a minhainsolicitada interferência, comprometido o trabalho do amigo.Não terei ambicionado outra recompensa senão esta.Hermínio C. MirandaRio, 1' de julho de 1984-128-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseXEDUCAÇÃO -O Aprendizado da Vida.Para definições compactas e abrangentesnada melhor do que recorrer a um bomdicionário. O que se deve entender por EDUCAÇÃO, por exemplo 0Responde o Aurélio:-Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectuale moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhorintegração individual e social.O espírita razoavelmente bem informado não hesitaria em subscrevero conceito formulado pelo eminente dicionarista. Isto porqueencontram<strong>os</strong> ali algumas das idéias básicas sobre as quais se apóia aestrutura do pensamento doutrinário.A primeira delas, pela ordem, é a de desenvolvimento, pois o<strong>Espiritismo</strong> é doutrina essencialmente evolucionista, sempre a entreverespaç<strong>os</strong> abert<strong>os</strong> à frente e acima, pel<strong>os</strong> quais a criatura humanadeve pr<strong>os</strong>seguir a sua jornada rumo à perfeição.-129-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseEm segundo lugar, encontram<strong>os</strong> ali a implícita noção do potencialhumano (capacidade) dentro do dualismo corpo/espírito. Em outraspalavras som<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong>, mas estam<strong>os</strong> temporariamente ligad<strong>os</strong> a umcorpo físico.A correta metodologia educacional, portanto, será de cuidar docomponente espiritual sem, contudo, deixar de proporcionar ao corpofísico as condições adequadas, pois é este o instrumento de trabalhocomo o qual o espírito atua no ambiente material da Terra. Por maisbem dotado que seja do ponto de vista intelectual, o espírito nãopoderá jamais revelar todo o seu potencial se estiver preso pelareencarnação a um corpo físico com graves deficiências cerebrais, porexemplo. Como poderá um virtu<strong>os</strong>e do violino ou do piano tocar tudo oque sabe e pode num instrumento desafinado, de cordas arrebentadas,de sonoridade defeitu<strong>os</strong>a? De que maneira o escultor poderia modelaruma obra-prima na madeira ou no mármore se não dispõe de instrument<strong>os</strong>apropriad<strong>os</strong> e em boas condições operacionais?Há, portanto, uma dicotomia no ser humano, ou seja, doisaspect<strong>os</strong> distint<strong>os</strong> que exigem tratamento diferenciado, mas integrado,visando a uma finalidade única: a otimização de suas condiçõesevolutivas. É tanto necessário cuidar do corpo físico quanto do componenteespiritual do ser encarnado para que <strong>os</strong> dois aspect<strong>os</strong> de uma sórealidade p<strong>os</strong>sam funcionar harmoni<strong>os</strong>amente numa integração proveit<strong>os</strong>aa amb<strong>os</strong>. O ser humano precisa do corpo para realizar no mundomaterial as tarefas necessárias ao seu desenvolvimento, ao seu progresso,ao resgate de suas faltas, ao reajuste, enfim, de seu espírito.Podem<strong>os</strong> ainda observar que na conceituação do processo educacionalo dicionarista caracteriza com propriedade dois aspect<strong>os</strong> fundamentais: o intelectual e o moral.Também neste ponto o <strong>Espiritismo</strong> tem algo a dizer. E nãoapenas concordar com a colocação, mas enfatizá-Ia, dado que se tratade aspecto de considerável relevo no ideário espírita. Entende aDoutrina que conhecimento e moral devem caminhar de mã<strong>os</strong> dadas,lado a lado, ombro a ombro, ou, na imagem c<strong>os</strong>tumeira d<strong>os</strong> exp<strong>os</strong>itores,como duas asas de um pássaro que sonha com as alturas e desejalevantar vôo.A insistente lição da História é a de que o conhecimento sem ad<strong>os</strong>agem certa de moral tem sido desastr<strong>os</strong>o, tanto para o indivíduo,quanto para a sociedade em que ele a tua, especialmente quando aqueleé dotado de poder de decisão sobre esta. Quanto mais inteligente eculto o ser humano, maior é o seu potencial de influência sobre o meio-130-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecm que vive, seja escrevendo livr<strong>os</strong>, manipulando computadores,planejando estratégias políticas ou gerenciando negóci<strong>os</strong> de vulto. Se asua capacidade empreendedora estiver divorciada da moral, pode acriatura empenhar-se, com extraordinária criatividade e habilidade, nocomércio de entorpecentes, apenas porque é uma atividade altamentelucrativa. Ou inventar nov<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> e instrument<strong>os</strong> de matar gente emgrande quantidade e com eficácia. Que lhe importam as conseqüênciasmorais do seu procedimento? Ou as responsabilidades que está assumindoperante as leis divinas, que, obviamente regulam o universo?!Õm vista das suas estreitas conexões com o problema da educação, há,ainda, a considerar o caso particular da pesquisa científica que temsido objeto de agitad<strong>os</strong> e inconclusiv<strong>os</strong> debates, em razão d<strong>os</strong> dilemasque encerra. É que, em princípio, o cientista ou pesquisador não sepreocupa com a finalidade e utilização das suas descobertas. QuandoEinstein concebeu a equação matemática da energia, certamente nãoestava cogitando de que ela seria utilizada para viabilizar o processo deprodução de bombas de inconcebível poder destruidor. Em si e por simesma, a fórmula genial não contém implicações éticas, mas o quedela se pode tirar, sim, como se viu em 1945, quando Hir<strong>os</strong>hima eNagasaki foram quase varridas do mapa, com grande parte de seushabitantes. Já na carta que endereçou ao Presidente Franklin D.Ro<strong>os</strong>evelt expondo-lhe a p<strong>os</strong>sibilidade de produzir artefat<strong>os</strong> nucleares,Einstein tomou uma decisão de graves implicações morais. Tantoquanto foi de extrema gravidade a decisão do Presidente Harry Truman,algum tempo depois, ao autorizar o bombardeio das duas cidadesjaponesas.Sabem<strong>os</strong> das razões invocadas em apoio de tais decisões, a deEinstein, ao escrever sua carta a Ro<strong>os</strong>evelt, e a de Truman, aoinaugurar a era nuclear. O argumento decisivo foi o de que se recorria aum mal menor para neutralizar o maior. Julgou-se mais convenientedestruir cerca de 200 mil pessoas - sem contar milhares e milhares queficaram mutiladas ou transmitiram deformações genéticas a<strong>os</strong> descendentes-do que deixar seguir a guerra por tempo indeterminado, comresultado incerto.A questão é, reconhecidamente, de difícil avaliação. Creio, porém,que muita gente hoje não consegue admitir a idéia de que oemprego bélico da energia nuclear tenha sido "um mal menor".Estavam cert<strong>os</strong>? Estavam errad<strong>os</strong>? Não é da n<strong>os</strong>sa competênciajulgá-l<strong>os</strong>, mas convém lembrar que o problema jamais teria sid<strong>os</strong>uscitado se <strong>os</strong> seres human<strong>os</strong> se entendessem como irmã<strong>os</strong>, que-131-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesom<strong>os</strong> tod<strong>os</strong>, amando-se uns a<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> como recomenda o mandatamentamaior que o Cristo colocou como lei suprema no âmbito dasrelações humanas.Aspect<strong>os</strong> ainda mais delicad<strong>os</strong> e complex<strong>os</strong> têm sido suscitad<strong>os</strong>pelas pesquisas no campo da genética. É lícito- perguntam muit<strong>os</strong>interferirn<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> e process<strong>os</strong> da reprodução humana? Éaconselhável (e viável) criar e implementar um código de ética para apesquisa científica em geral e, em especial, para aquelas que manipulam,em última análise, seres human<strong>os</strong>? Duas correntes poder<strong>os</strong>as eaparentemente irreconciliáveis movimentam-se nesse campo de especulação.Diz a primeira que qualquer tipo de restrição à pesquisa, aoestudo, à educação, enfim, que é o tema deste capítulo, seria fatal aodesenvolvimento da ciência porque inibiria a capacidade criativa do serhumano. Se de um lado ficariam, em tese, excluídas as conseqüênciasdan<strong>os</strong>as à comunidade, de outro, deixariam também de ser criadascondições francamente favoráveis e desejadas pela sociedade. O argumentoé ponderável.Alega a segunda corrente que, em regime de total liberdade, apesquisa envereda com freqüência pel<strong>os</strong> subterrâne<strong>os</strong> do mal, emfranco desrespeito às implicações éticas envolvidas. A lista das p<strong>os</strong>sibilidadesé, de fato assustadora. A pesquisa desligada de compromiss<strong>os</strong>étic<strong>os</strong> pode criar bactérias ou venen<strong>os</strong> mortífer<strong>os</strong> para ganhar umaguerra de conquista, bem como armas e equipament<strong>os</strong> eletrônic<strong>os</strong> dedestruição e espionagem a serem usad<strong>os</strong> por estad<strong>os</strong> prepotentes oupor organizações crimon<strong>os</strong>as, para impor condições inaceitáveis acomunidades inteiras. Ou criar seres monstru<strong>os</strong><strong>os</strong> destinad<strong>os</strong> a finalidadesespant<strong>os</strong>as. O sensitivo americano Edgar Cayce informou queantiqüíssimas civilizações terrenas desaparecidas produziam verdadeir<strong>os</strong>robôs human<strong>os</strong> comandad<strong>os</strong> por eletrod<strong>os</strong> implantad<strong>os</strong> no cérebro.Se isto é verdadeiro ou não, não vem ao caso aqui; cogita-se é de quetais p<strong>os</strong>sibilidades e outras muitas, com as quais nem sonham<strong>os</strong>,p<strong>os</strong>sam materializar-se de uma hora para outra em instrument<strong>os</strong> ouprocess<strong>os</strong> diabólic<strong>os</strong>, criad<strong>os</strong> por mentes totalmente despreocupadasd<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> morais de suas descobertas.Vem<strong>os</strong>, portanto, que a falta de uma ética adequada na estruturaçãodo processo educacional pode acarretar conseqüências calamit<strong>os</strong>aspara toda a comunicade humana.E com isto chegam<strong>os</strong> ao aspecto final da definição prop<strong>os</strong>ta pelocompetente dicionarista prof. Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira,ou seja, o de que a educação deve levar à melhor integração doindivíduo na sociedade.-132-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseSeria contraditório e moralmente inaceitável um processo educa­'·:ional que treinasse e produzisse indivídu<strong>os</strong> anti-sociais. Como assinalou<strong>Deolindo</strong> Amorim, no texto de sua responsabilidade neste livro, aI )outrina Espírita entende o ser humano como entidade eminentemente.,ocial, ao destacar que ele não vive só. É nas inúmeras comunidadesespalhadas pelo mundo que homens e mulheres convivem, aprendem,trabalham e buscam suas realizações pessoais. A idéia diretora de todac:;sa programação humana é a educação física, intelecutal e moral doo.;cr humano, visando à sua melhor integração individual e social, como


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecomo sempre, fica no meio, na moderação, no equilíbrio, que acabasintetizado na fam<strong>os</strong>a expressão latina: Mens sana ín corpore sano, ouseja, mente sadia em corpo sadio.Com o tempo, esse modelo sofreu inevitáveis acomodações. Emlugar das antigas matérias básicas - música, cultura literária ouartística e educação física - começou a derivação para o predomínioda retórica, dado que a oratória bem cuidada e dramática abria caminhopara ambições políticas.O sistema degenerou ainda mais quando até mesmo a retóricaperdeu-se numa cultura meramente intelectual e pouco prática.Em Roma, a educação, sempre voltada para <strong>os</strong> menin<strong>os</strong>, foibasicamente doméstica, como que artesanal. O jovem aprendia com opai, que procurava imitar. Reverenciava <strong>os</strong> deuses, portava-se virilmenten<strong>os</strong> exercíci<strong>os</strong> e aprendia a ler e conhecer suficientemente asleis reguladoras da comunidade. Rara ou nenhuma escolaridade. Quandomuito, tinha mestres particulares, geralmente escrav<strong>os</strong> greg<strong>os</strong>. DaGrécia passou a vir também a literatura. que, a<strong>os</strong> pouc<strong>os</strong>, foi sendotraduzida ao latim.As escolas que começaram a surgir mais tarde dedicavam-se aoensino da gramática e da literatura, suplementadas pelas que ensinavama indispensável retórica, que, como na Grécia, também acabousem nenhuma finalidade prática.Foi nesse clima de decadência cultural que o Cristianismo introduziuseus primeir<strong>os</strong> impuls<strong>os</strong> renovadores. Mantinham <strong>os</strong> cristã<strong>os</strong>escoJas catequéticas, para o ensino religi<strong>os</strong>o, mas não rejeitavam acultura geral. Para Clemente de Alexandria (150-217) e Orígenes(l85-253), o Cristianismo era o ápice da fil<strong>os</strong>ofia; mas entendiam tambémque somente pel<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> normais da cultura liberal chegaria ocristão ao verdadeiro entendimento da sua religião. Do contrário,poderia viver a sua fé obedientemente, mas sem compreender <strong>os</strong> seusmistéri<strong>os</strong>.Identifica-se aqui curi<strong>os</strong>a e inesperada simetria que merece especialdestaque nesta exp<strong>os</strong>ição. Também <strong>Deolindo</strong> Amorim sempreentendeu que o <strong>Espiritismo</strong> pode e deve conviver fecundamente com acultura geral. Não sem razão. fundou ele e dirigiu o Instituto deCultura Espírita e tanto batalhou pela idéia.Também entendo ser essa a p<strong>os</strong>ição correta. O <strong>Espiritismo</strong>apresenta-se sob três aspect<strong>os</strong> distint<strong>os</strong> e integrad<strong>os</strong>; é uma fil<strong>os</strong>ofia devida com apoio experimental ou científico e recomenda um mecanismoético de comportamento. Como fil<strong>os</strong>ofia, tem a sua própria teoria do-134-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseconhecimento e jamais recusa ou teme as contribuições científicas; aocontrário, nelas se enriquece, especialmente naquelas que provêm dasciências humanas. Isto quer dizer que a partir da Biologia, na escaladassificatória de Auguste Comte, a Doutrina está interessada em tudoquanto se especular na chave das ciências sociais e além, na Psicologia,que o pensador francês recusou-se a admitir na sua classificação.Não obstante, o <strong>Espiritismo</strong> seria mais uma fil<strong>os</strong>ofia meramente~speculativa se não estivesse informado pela ciência, além de atentoa<strong>os</strong> critéri<strong>os</strong> da razão. Fil<strong>os</strong>ofia é um processo de sínteses, enquanto a,·iência é um disp<strong>os</strong>itivo de análises, só excepcionalmente dotado devisão global, de conjunto. Por outro lado, se a fil<strong>os</strong>ofia exploral'Onseqüências e implicações morais, a ciência, em princípio, procuraapenas produzir informação, sem cogitar da destinação a ser dada aoproduto do seu trabalho.Daí porque o <strong>Espiritismo</strong> precisa acompanhar o que ocorre nocampo da pesquisa científica em geral, mesmo porque seu princípioordenador é o do aperfeiçoamento do ser humano. ''Conhece-se overdadeiro espírita" - afirmou Kardec - "pela sua transformaçãomoral''.Vem<strong>os</strong> no esboço que <strong>Deolindo</strong> mandou imprimir no pórticodeste livro, em sua primeira edição, uma declaração de princípio assimformulada:-Tese central: a reforma social deve partir da reforma moral dohomem.Quanto mais e melhor entender as complexidades da psicologiahumana, o mundo em que vive e <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> da vida, enfim, maisbem aparelhado estará o exp<strong>os</strong>itor espírita para veicular sua mensagemrenovadora.- "O <strong>Espiritismo</strong>, pois, não estabelece como princípio absolut<strong>os</strong>enão o que acha evidentemente demonstrado, ou o que ressaltalogicamente da observação" - escreveu Kardec em A GÊNESE,Capítulo I - Caráter da Revelação Espírita.Vem<strong>os</strong>, assim, que a Doutrina abre espaço para as verdades queforem emergindo das pesquisas científicas e, por isso, no âmbito daEducação tem por norma apoiar e incentivar a busca do conhecimento- "Entendendo com tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> ram<strong>os</strong> da economia social, a<strong>os</strong>quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempretodas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desdeque hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado odomínio da utopia, sem o que ele se suicidaria". (Destaque no original.)-135-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensena sua maior amplitude e profundidade, dado que a verdade somentepoderá resultar em benefício e confirmação de seus princípi<strong>os</strong> diretores.Jamais se descuida, contudo, das implicações morais dessa busca.Voltem<strong>os</strong>, contudo, à ligeira retr<strong>os</strong>pectiva na História da Educação.Vim<strong>os</strong> que alguns pensadores do segundo e terceiro sécul<strong>os</strong>aceitaram a contribuição da cultura geral ao melhor entendimento dafé. Mais do que isso, entendiam mesmo que era pel<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> dacultura que o cristão chegaria àquele entendimento. Tais p<strong>os</strong>turas nãoeram unânimes, pois havia discordâncias. É certo, porém, que dessaépoca em diante <strong>os</strong> model<strong>os</strong> educacionais em vigor passaram a serbastante influenciad<strong>os</strong> pelo pensamento religi<strong>os</strong>o, quando não dominad<strong>os</strong>pela Igreja, situação que se prolongaria pel<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong> afora.Aí pela fase final da Idade Média o currículo escolar abrangia aschamadas sete artes liberais e a fil<strong>os</strong>ofia, suplementado pelo estudodogmáticoda doutrina católica. (A Teologia não alcançara ainda <strong>os</strong>tatus de um sistema fil<strong>os</strong>ófico orgânico.) As sete artes liberais dividiam-seem dois grup<strong>os</strong>: o Trivium (gramática, dialética e retórica) e oQuadrivium, espécie de curso superior, onde se ensinava geometria,aritmética, música e astronomia. Ou melhor, o que então era conhecidocom esses nomes~Foi somente a partir do século XI, depois de agitada fase deinvasões e da turbulência política e social, que a Europa conseguiuestabilidade suficiente para novo impulso educacional. Abelardo(1079-1142) tentou racionalizar a fé, deixando importante contribuiçãoà escolástica, enquanto S. Tomás de Aquino (1225-1274) ordenou adoutrina da Igreja segundo moldes aristotélic<strong>os</strong>.O escolasticismo acabou exercendo influência p<strong>os</strong>itiva na fundaçãodas primeiras universidades européias, mas <strong>os</strong> model<strong>os</strong> educacionaiscontinuavam limitad<strong>os</strong> e um tanto rígid<strong>os</strong>. O bacharelado e omestrado em "artes'' constituíam precondição de acesso a estud<strong>os</strong>mais nobres, assim considerad<strong>os</strong>, a teologia, a medicina e as leis. Nafil<strong>os</strong>ofia e na chave das ciências físicas dominava absoluto o pensamentode Aristóteles. Em medicina, Galeno e Hipócrates.Seguiu-se novo período de decadência cultural que somente iriareceber impuls<strong>os</strong> renovadores com a Reforma Protestante. É queentenderam <strong>os</strong> reformadores que chegara o momento d" retomar acultura clássica, a fim de que o cristão pudesse entender e, por.conseguinte, melhor praticar, a doutrina de sua escolha. Após veementecontrovérsia entre <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> protestantes e <strong>os</strong> humanistas, liderad<strong>os</strong>,-136-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penserespectivamente, por Lutero de um lado e por Erasmo de outro, coubea Philipp Melanchthon (1.497-1560), humanista e protestante, promovera conciliação das duas correntes. Sob sua influência direta ouindireta, as universidades foram reorganizadas e algumas criadas. Osmodel<strong>os</strong> educacionais então implementad<strong>os</strong> prevaleceriam durantetlois sécul<strong>os</strong> e, em alguns cas<strong>os</strong>, até mais do que isso.Assim, alternando períod<strong>os</strong> de decadência com moment<strong>os</strong> deretomada, <strong>os</strong> process<strong>os</strong> educacionais continuaram a sofrer as influênciasd<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> e d<strong>os</strong> pensadores. O próximo grande nome na Históriatia Educação foi o de Jean Jacques Rousseau, que com a sua obraEmile produziu importante documento, a despeito de suas óbviaslimitações. Entendia Rousseau que o ser humano é intrinsecamentehom e que, deixado a<strong>os</strong> seus própri<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong>, alcançaria fatalmente afelicidade, o que é, no mínimo, uma visão superotimista e irreal danatureza humana.O grande educador, cujo vulto se destaca a seguir, é o dePestalozzi (1746-1827), figura de particular interesse para <strong>os</strong> espíritas,pois na sua fam<strong>os</strong>a escola de Yverdon, na Suíça, que Hippolyte-LéonDenizard Rivail - o futuro Allan Kardec - passou alguns an<strong>os</strong>decisiv<strong>os</strong> da sua formação cultural e humanística.- Os alun<strong>os</strong> gozavam de grande liberdade- escreveu Roger deGuimps, que ali estudou de 1808 a 1817 - as portas do castelopermaneciam abertas o dia todo, e sem porteir<strong>os</strong>. Podia-se sair e entrara qualquer hora, como em toda casa de uma família simples, e ascrianças quase não se prevaleciam disso. Eles tinham, em geral, dezhoras de aula por dia, das seis da manhã às oito da noite, mas cadalição só durava uma hora e era seguida de pequeno intervalo, durante oqual ordinariamente se trocava de sala. Por outro lado, algumas dessaslições consistiam em ginástica ou em trabalh<strong>os</strong> manuais, como cartonageme jardinagem. A última hora da jornada escolar, das sete às oito danoite, era dedicada ao trabalho livre; as crianças diziam; On travaillepour soi, e elas podiam, a seu bel-prazer, ocupar-se de desenho ou degeografia, escrever a seus pais ou pior em dia seus deveres. (HAllanKardec", Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, Ed. FEB.)Por tudo isso diria Kardec an<strong>os</strong> mais tarde que "o programa detoda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso daHumanidade, se <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> que eles exprimem pudessem receberintegral aplicação".Achava o grande educador suíço que "o amor é o eterno fundamentoda educação", princípio esse que ele traduziu em ação,-137-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseassumindo a responsabilidade de dar abrigo e instrução a criançascarentes e abandonadas, às vezes sob as mais adversas condições, poisnão dispunha de recurs<strong>os</strong> própri<strong>os</strong>.Em sua obra LEONARDO E GERTRUDES, em quatro volumes,expôs suas idéias acerca d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong> de sempre,pregando uma reforma social, moral e política. Em COMO GERTUR­DES ENSINA SEUS FILHOS, publicada em 1801, concentrou-se noproblema específico da educação, que deveria ser ministrada a partirde dois princípi<strong>os</strong> básic<strong>os</strong>: l) o de que o pensamento preciso e clarodepende de observação atenta de objet<strong>os</strong> reais; 2) o de que palavras eidéias, portanto, só fazem sentido quando relacionadas com coisasconcretas.Preconizava, portanto, um estudo prático e objetivo, voltadopara a real idade d<strong>os</strong> fat<strong>os</strong>. Por isso o currículo do Instituto de Yverdondava ênfase especial às práticas de desenho, comp<strong>os</strong>ição, canto,exercíci<strong>os</strong> físic<strong>os</strong>, declamação (mais em grupo do que individual),modelagem, colecionamento, traçado de mapas e excursões pelocampo.Aspecto de particular relevo nas inúmeras idéias que seu pioneirismopôs em prática foi o da instrução graduada segundo a capacidadedo aluno, cujo potencial era desenvolvido em grupament<strong>os</strong> afins. Decerto modo, esse conceito seria retomado mais tarde por Lewis MadisonTerman (1877- 1956), n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>, psicólogo especializadoem testes de inteligência. Terman desenvolveu técnicas próprias ecriou a expressão QI (Quociente de Inteligência). A aplicação de seustestes ia revelando inteligências acima da média (100) que, a seu ver,mereciam e precisavam de tratamento educacional diferenciado, a fimde poderem desenvolver todo o seu potencial.Terman considerava da maior importância.para a sociedade identificar,tão cedo quanto p<strong>os</strong>sível, crianças bem dotadas, a fim deencaminhá-las para melhores oportunidades de educação. Em 1921selecionou 1500 crianças com QI superiores a 140- 0,5% da população- e acompanhou o desenvolvimento intelectual do grupo durante<strong>os</strong> restantes 35 an<strong>os</strong> de sua existência. Suas conclusões merecemrespeito: tornou-se evidente que as crianças talent<strong>os</strong>as apresentavamuma tendência a serem mais saudáveis e emocionalmente mais estáveisdo que a criança média, e que a capacidade intelectual confirmava-sena idade adulta.O <strong>Espiritismo</strong> não se surpreende com tais conclusões. As criançassão espírit<strong>os</strong> reencarnad<strong>os</strong> e trazem, obviamente, uma experiência-138-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensesubjacente de inllmeras vidas. Aqueles que se devotaram com maiorassiduidade e esforço ao trabalho intelectual em vidas anterioresreencarnam-se com mais robusta estrutura mental, a não ser querenasçam com o cérebro físico danificado em razão de compromiss<strong>os</strong>cármic<strong>os</strong> ainda em aberto. Espírit<strong>os</strong> de elevada condição intelectual,como Einstein, Descartes, Beethoven ou Leibnitz, para citar ummínimo, em qualquer nova experiência na carne, virão indubitavelmentedotad<strong>os</strong> de cérebr<strong>os</strong> portent<strong>os</strong><strong>os</strong> pois trazem tais conquistas jáconsolidadas no veículo primário do espírito imortal (o perispírito) queirá servir de organizador biológico ao veículo secundário (o corpofísico).A idéia básica de Terman desdobrou-se e frutificou. O ensino foi(e continua sendo) ministrado nas escolas comuns ao estudante demediana capacidade, como se a turma f<strong>os</strong>se intelectualmente homogênea,o que somente poderia ocorrer se houvesse uma seleção prévia.Sem esse cuidado preliminar, <strong>os</strong> grup<strong>os</strong> estudantis contêm sempre umataxa mais ou men<strong>os</strong> prevísivel, tanto de crianças com variada gradaçãode deficiências intelectuais, como excepcionalmente bem dotadas. Naverdade, o conceito de excepcionalidade tanto se aplica à faixa inferiordo QI quanto à faixa superior. Há três grup<strong>os</strong> distint<strong>os</strong>, portanto, nouniverso escolar I) aqueles que apresentam deficiências intelectuais, 2)<strong>os</strong> que se situam na faixa média, certamente a maioria e 3) <strong>os</strong> que sep<strong>os</strong>icionam na faixa elevada, para a qual Terman encontrou um índicede 0,5% da população como vim<strong>os</strong> há pouco. Tais grup<strong>os</strong>, obviamente,apresentam-se com necessidades diferentes e precisam de tratamentodiferenciado. Numa classe heterogênea, com o ensino ministrado empadrões median<strong>os</strong>, a criança deficiente não tem condições de acompanhara turma, ao passo que a criança bem dotada acaba perdendo ointeresse pelas matérias lecionadas e pelo estudo em geral, que não lheoferece condições de desafio e espaço para a sua criatividade eexercício de sua inteligência. Com isto, muit<strong>os</strong> jovens bem dotad<strong>os</strong>deixam de realizar todo o potencial de que dispõem por pura falta deestímulo intelectual.Ao que se observa, Pestalozzi foi o primeiro educador a identificaro problema e a tomar as medidas correspondentes para tirar melhorpartido das diversas técnicas educacionais. Atualmente existem escolasinteiramente dedicadas ao ensino d<strong>os</strong> bem dotad<strong>os</strong>, tanto quantoescolas especializadas na educação de crianças da faixa excepcionaldeficiente.Isto não quer dizer que estes últim<strong>os</strong> sejam espírit<strong>os</strong> retardad<strong>os</strong>ou mais primitiv<strong>os</strong>. Podem até ser altamente intelectualizad<strong>os</strong> e-139-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseinteligentes aprisionad<strong>os</strong> em corp<strong>os</strong> físic<strong>os</strong> que lhes inibem o exercíciode todo o potencial de suas mentes. Razões de ordem cármica estão aíem operação e, se for p<strong>os</strong>sível mergulhar no passado de cada um,vam<strong>os</strong> certamente descobrir as causas que acarretaram tão dramátic<strong>os</strong>efeit<strong>os</strong>. Alguém que tenha, por exemplo, abusado do seu poder mentalpara dominar, corromper e ludibriar o próximo, há de contar comumaou mais existências em que venha mentalmente inibido em corpofísico dotado de cérebro deficiente. Essa é a lição que n<strong>os</strong> proporcionaa realidade hoje inquestionável da reencarnação. Não que tais situaçõessejam punitivas ou de castigo, mas sim de reajuste, oportunidadede recuperação e progresso concedida repetidamente ao espírito pararefazer aquilo que não fez bem feito no passado, ou seja: são oportunidadesde reeducação. Que outra maneira teriam as leis divinas detrazê-lo de volta ao caminho reto, se, de um lado, não lhe é p<strong>os</strong>síveldesfazer o erro cometido e, de outro, a própria consciência exigereparação da harmonia perturbada pelo desatino?A Doutrina Espírita não tem, pois, fórmulas mágicas para <strong>os</strong><strong>problemas</strong> human<strong>os</strong> em geral e para <strong>os</strong> da educação em particular.Tem, contudo, uma estrutura de princípi<strong>os</strong> lógic<strong>os</strong>, racionais e testad<strong>os</strong>na vivência espírita, segundo <strong>os</strong> quais são aferid<strong>os</strong> e avaliad<strong>os</strong> <strong>os</strong>métod<strong>os</strong> empregad<strong>os</strong>, identificando <strong>os</strong> que conduzem a soluções adequadase desejáveis e <strong>os</strong> que levam à esterilidade ou aniquilamento doesforço educacional.Não é de seu propósito ou interesse disciplinar rigidamente <strong>os</strong>mecanism<strong>os</strong> sociais, prevendo situações e regulamentando comportament<strong>os</strong>,como tentou empreender o P<strong>os</strong>itivismo. O clima propícioaofuncionamento adequado do processo evolutivo - uma das premissasbásicas da Doutrina- é o da liberdade responsável e consciente,isto é, o exercício do livro arbítrio, mesmo porque- e aqui voltam<strong>os</strong> a<strong>Deolindo</strong> Amorim - "a reforma social deve partir da reforma moraldo homem". O Reino de Deus está em vós, disse o Cristo. Não estáaqui ou ali, não é um acontecimento cósmico, ou a resultante de umaordenação vertical, de cima para baixo e sim uma conseqüência daprópria ordenação íntima do ser humano. É, portanto, meta a seralcançada por esforço consciente, livre e voluntário, a partir de umentendimento individual da realidade espiritual.Tal realidade pode ser resumida em uns pouc<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> fundamentais,entre <strong>os</strong> quais destaque especial merecem <strong>os</strong> seguintes:O ser humano é um espírito imortal, temporariamente revestidode um corpo físico perecível. - "Tem assim o homemduas naturezas - escreveu Kardec na Introdução a O LIVRO-140-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseDOS ESPÍRITOS - pelo corpo, participa da natureza d<strong>os</strong> animais,cuj<strong>os</strong> instint<strong>os</strong> lhe são comuns; pela alma, participa danatureza d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>".Na impraticabilidade de realizar toda a sua programaçãoevolutiva numa só existência, o espírito só poderá alcançar <strong>os</strong>extrem<strong>os</strong> limites da perfeição através do mecanismo das vidassucessivas, ou seja, da reencarnação."Os Espírit<strong>os</strong> - diz ainda Kardec -pertencem a diferentesclasses e não são iguais, nem em poder, nem em inteligência,nem em saber, nem em moralidade".O Espírito é responsável por tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seus at<strong>os</strong>, tendo omérito de suas virtudes e ônus de seus err<strong>os</strong>, que lhe cumprereparar.Ante essa realidade, assume vital importância a educação do serhumano, de vez que é através dela que se viabiliza o processo evolutivo.O <strong>Espiritismo</strong>, contudo, não preconiza esta ou aquela fórmula, estenu aquele modelo, mesmo porque fórmulas e model<strong>os</strong> são necessariamentetransitóri<strong>os</strong> e precisam ser flexíveis, não apenas para atendimentode condições locais e temporais específicas, como porquetambém a metodologia é categoria evolutiva, como o próprio serhumano. Haverá sempre espaço adiante e acima para conceber, testarc melhorar qualquer metodologia educacional. A Doutrina preferem<strong>os</strong>trar <strong>os</strong> valores permanentes da vida para que, no âmbito deles, semovim~ntem com liberdade e criatividade responsáveis <strong>os</strong> educadores.Uma advertência, contudo, impõe-se aqui: a de que continuafazendo falta ao correto equacionamento d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> educacionaiso conceito da reencarnação. Os model<strong>os</strong> até agora desenvolvid<strong>os</strong> eimplementad<strong>os</strong> partem tod<strong>os</strong> da premissa de que para cada ser humanoque nasce é criado um espírito, sem nenhuma experiência anterior. Istona melhor hipótese, porque são muit<strong>os</strong> <strong>os</strong> educadores que sequercogitam da p<strong>os</strong>sibilidade da existência da alma. Para eles, o serhumano não passa de um engenh<strong>os</strong>o mecanismo cibernético montadono campo da biologia pelo processo da seleção natural.Não faz muito tempo dizia um professor universitário americanoa<strong>os</strong> seus alun<strong>os</strong>: "Aqueles que acharem que têm alma, deixem-na noestacionamento lá fora."E era professor de Psicologia, ciência que, sup<strong>os</strong>tamente, devecogitar d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> do psiquismo. Se n<strong>os</strong> lembrarm<strong>os</strong> de que apalavra grega psyché quer dizer alma, percebem<strong>os</strong>, no mínimo, acontradiçã<strong>os</strong>emântica da incongruente p<strong>os</strong>tura didática de abstrair oconceito de alma de uma ciência criada precisamente para estudar aalma!-141-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseSão esses, contudo, <strong>os</strong> critéri<strong>os</strong> predominantes desde que a própriaeducação se deixou contaminar por princípi<strong>os</strong> de inspiração dogmático-religi<strong>os</strong><strong>os</strong>por longo tempo e materialistas como alternativa maisrecente.- A educação começa com a vida - escreveu Franklin.- A educação da mente humana começa no berço - afirmouCogan, médico inglês.Já H<strong>os</strong>ea Ballon, pastor americano, declarava que a educaçãocomeçava no colo das mães.Até agora, somente o <strong>Espiritismo</strong> sabe que a educação nãocomeça com a vida, no berço ou junto das mães, ela continua,pr<strong>os</strong>segue, avança para um novo ciclo de experiências em cada existênciana carne, mesmo porque também no intervalo entre uma vida eoutra o Espírito (desencarnado) aprende e, portanto, educa-se.As estruturas doutrinárias do <strong>Espiritismo</strong> oferecem espaço suficientepara acomodar qualquer procedimento que promova o desenvolvimentoharmoni<strong>os</strong>o da interação conhecimento/moral, conjugada com<strong>os</strong> cuidad<strong>os</strong> adequad<strong>os</strong> com o corpo físico do ser humano encarnado,visando à sua melhor integração na comunidade. Lembra, contudo, aDoutrina, insistentemente, não apenas a responsabilidade inalienávelde cada um, mas também as desigualdades de inteligência, saber emoral entre <strong>os</strong> seres.Em minha opinião pessoal -e aqui não falo necessariamente emnome do <strong>Espiritismo</strong> - sou por um modelo educacional que nãoapenas leve em conta <strong>os</strong> parâmetr<strong>os</strong> doutrinári<strong>os</strong>, mas que seja suficientementeflexível para comportar adaptações a condições específicas.Acho que a exagerada rigidez de currícul<strong>os</strong> e de métod<strong>os</strong> podelevar à sufocação de importantes potencialidades em indivídu<strong>os</strong> bemdotad<strong>os</strong>. Reconheço necessário um mínimo de formação básica indispensável,senão compulsória, especialmente nas matérias fundamentais.No momento em que escrevem<strong>os</strong> este estudo assistim<strong>os</strong>, porexemplo, a um impressionante processo de degradação do poder decomunicação do indivíduo, paradoxalmente numa época em que <strong>os</strong>mei<strong>os</strong> de comunicação atingem elevad<strong>os</strong> índices de diversificação,eficiência e expansão. São muit<strong>os</strong> <strong>os</strong> que não conseguem expressar emnível satisfatório aquilo que pensam e desejam transmitir. Degradou-sea qualidade d<strong>os</strong> text<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong>, tanto quanto a da palavra falada.Testemunham<strong>os</strong> uma tendência de retorno ao pictograma, à figuriaha,àimagem gráfica, em lugar da inteligente manipulação da palavra,refinado e destilado produto de milêni<strong>os</strong> e milêni<strong>os</strong> de aperfeiçoamento-142-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseda instrumentação veiculadora do pensamento. Daí, dizem alguns, <strong>os</strong>ucesso crescente das histórias em quadrinh<strong>os</strong> ou da imagem falante natelevisão ou no cinema. Preguiça mental? Retrocesso intelectual ?Bloquei<strong>os</strong>resultantes das práticas de múltipla escolha? Que pesquisem efalem <strong>os</strong> técnic<strong>os</strong> no assunto, cert<strong>os</strong>, porém, de que é de sumaimportância para a comunidade humana como um todo - e isto incluiseres encarnad<strong>os</strong> e desencarnad<strong>os</strong> - um bom e eficiente mecanismode comunicação, enquanto não atingirm<strong>os</strong> <strong>os</strong> elevad<strong>os</strong> patamares daevolução n<strong>os</strong> quais o pensamento se transmite ao vivo, in natura,direto, sem necessidade de recorrer a símbol<strong>os</strong>, imagens ou sons. DiziaH. G. Wells que a primeira obrigação do educador está em levar oaluno a "entender, falar, ler e escrever sua língua materna".Seja como for, um mínimo de conhecimento básico é indispensável,senão mandatório. Nesse mínimo, estaria incluído um adequadotreinamento visando à inteligente utilização d<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> de comunicação.À margem disso, contudo, além e acima, deverá estar semprereservado certo espaço para as peculiaridades e opções individuais.Há alguns exempl<strong>os</strong> realmente dramátic<strong>os</strong> de que algo nessesentido seria oportuno e aconselhável, como podem<strong>os</strong> ver.O primeiro que me ocorre é o de Alberto Sant<strong>os</strong>-Dumont. Poucomais que um adolescente, o jovem Alberto foi emancipado pelo pai eenviado, sozinho, a Paris para estudar. Lá chegando, em vez deprocurar uma das excelentes universidades francesas, adotou o inusitadoprocedimento de escolher suas próprias matérias e, mais do queisso, seus professores e instrutores. Ele é que entrevistou <strong>os</strong> candidat<strong>os</strong>a professor, em lugar de deixar-se entrevistar por eles. Só ele sabiao que desejava aprender.Se em lugar disso, resolvesse matricular-se numa faculdade tradicional,estaria sujeito a um currículo inadequado a<strong>os</strong> sonh<strong>os</strong> e objetiv<strong>os</strong>que trazia no espírito. Teria que aceitar matérias que não lheinteressavam, ao passo que nas de seu interesse ímediato, iria seralimentado com bloquei<strong>os</strong> que talvez inviabilizassem <strong>os</strong> seus propósit<strong>os</strong>.Em física, por exemplo, uma importante noção bloqueadora era ade que o mais pesado do que o ar não podia voar. Pois não era issomesmo o que ele queria? Quando se interessou pel<strong>os</strong> balões, foiinformado enfaticamente de que nada mais havia a fazer com eJes, poisjá haviam alcançado o máximo em tecnologia. A questão é que, nofundo, talvez de maneira até não articulada ou consciente, ele sabia,-143-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecomo espírito, que o sonho de fazer o homem voar estava apenas emprincípio de realização e não na terminal do imp<strong>os</strong>sível.E foi assim e por isso que Alberto Sant<strong>os</strong> Dumont conseguiu voarem aparelh<strong>os</strong> mais pesad<strong>os</strong> do que o ar, uma das "imp<strong>os</strong>sibilidades"da física no início do século.Algum tempo depois o físico e astrónomo alemão FriedrichZoellner realizaria com o concurso do médium Slade outra •'imp<strong>os</strong>sibi­lidade" física - a interpenetralidade da matéria.Um amigo meu (americano) provocou certo reboliço na áreaeducacional de seu país quando desejou o título de engenheiro. Tinhade entrar para a faculdade regularmente como todo mundo, lhe disseram.Mas ele insistiu que já estava pronto. O que queria era apenasprovar que já sabia o que precisava saber para ser um bom engenheiro.Para isso, requereu uma banca examinadora e tanto lutou e insistiu queacabou conseguindo ser examinado. Não foi p<strong>os</strong>sível recusar-lhe odiploma. Ele ERA um engenheiro, tão bom quanto <strong>os</strong> melhores. Tãobom que ainda hoje vive confortavelmente como consultor "freelancer", fazendo estud<strong>os</strong> e projetas especiais de alta complexidade. Éum especialista em estruturas metálicas, autor de vári<strong>os</strong> invent<strong>os</strong>importantes, homem culto, inteligente, sensível e reencarnacionistaconvicto.Ocorre-me um terceiro exemplo dessa metodologia pouco ortodoxade obter conheciment<strong>os</strong> (ou recordá-l<strong>os</strong>, como queria Platão).Trata-se do poeta inglês Robert Browning. Houve, de fato, umatentativa de fazê-lo freqüentar faculdade; mas não deu certo. O futuropoeta preferiu educar··Se sob as vistas do pai, um erudito bancário, aoqual a família considerava uma enciclopédia ambulante. Em LA JEU­NESSE DE ROBERTO BROWNJNG, o escritor francês Henri-LéonHovelaque declara que o poeta sabia tudo quanto um jovem deformação universitária poderia conhecer; a diferença é que "ille savaitautrement'', ou seja, sabia de modo diverso.- G<strong>os</strong>taria de que todo imigrante soubesse que Lincoln passouapenas um ano na escola sob a tutelagem de cinco professores diferentes-escreveu o Dr. John H. Finley-e que esse homem foi capaz deescrever o discurso de Gettysburg.Não se veja nisto - mera opinião pessoal, repito - qualquerintenção crítica sobre a metodologia e <strong>os</strong> currícul<strong>os</strong> universitári<strong>os</strong>predominantes. Desejo apenas destacar a conveniência, senão a necessidadede prover sempre condições para que espírit<strong>os</strong> diferentes tenhamtratamento diferenciado, a fim de que p<strong>os</strong>sam desenvolverharmoni<strong>os</strong>amente suas potencialidades.-144-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA familiaridade com <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> teóric<strong>os</strong> e prátic<strong>os</strong> do <strong>Espiritismo</strong>ensina, com insistência, que muit<strong>os</strong> são <strong>os</strong> que renascem precisamentepara romper com estruturas e metodologias superadas, a fim deabrir janelas panorâmicas para o futuro e indicar caminh<strong>os</strong> ainda nãotrilhad<strong>os</strong> ou nem sequer suspeitad<strong>os</strong>.Segundo estou informado, esse critério de flexibilidade e liberdaderesponsável tem sido o grande fator de êxito em instituições deensino dedicadas à educação d<strong>os</strong> superdotad<strong>os</strong>. Há que proporcionarlhesespaço livre, mesmo dentro de um currículo mínimo obrigatório,para que p<strong>os</strong>sam movimentar seus talent<strong>os</strong> e realizar suas programaçõesespirituais.Um dia, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> educadores estarão alertad<strong>os</strong> para o fato de quea criança é um espírito reencarnado e que, a despeito das limitaçõesque lhe impõem a imaturidade do corpo físico, em particular, e daencarnação, em geral, ali está um ser com importantes experiênciasanteriores, muitas vezes dono de vasta cultura intelectual e respeitávelpadrão ético. A muit<strong>os</strong> pais e mestres espanta e até assusta a identificaçãode cert<strong>os</strong> sinais de precocidade em tais crianças. Um desses paisprocurou-me certa vez, extremamente apreensivo, sentindo-se inadequadoante a impressionante potencialidade intelectual que seu filhocomeçava a revelar. Disse-lhe eu que não se preocupasse. Desse-lheamor, apoio e compreensão; ele sabia o que viera fazer aqui e saberiacomo abrir seus caminh<strong>os</strong>. Volvid<strong>os</strong> alguns an<strong>os</strong> - cerca de umadécada -, já adolescente o menino, encontramo-n<strong>os</strong> novamente, <strong>os</strong>pais e eu. Estávam<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> felizes porque a modesta "profecia" serealizara na sua plenitude: o casal recebera como filho um espírito deelevada condição intelectual. Foi um privilégio que, em tempo, elescompreenderam e aceitaram, comovid<strong>os</strong> e humildes. Estou certo deque algum dia, não muito distante, ouvirem<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> falar dele.É importantante, pois, vital mesmo, que espírit<strong>os</strong> dessa ordemsejam prontamente identificad<strong>os</strong> e adequadamente educad<strong>os</strong> para quep<strong>os</strong>sam entregar à humanidade as contribuições que se incumbiram detrazer-lhe.Isto não significa, porém - jamais - que deva ser relegada aplano secundário a educação d<strong>os</strong> seres que renasceram com deficiênciasinibidoras do intelecto. Estes também têm tarefas a realizar naterra, como tod<strong>os</strong> nós. E mais do que <strong>os</strong> normais ou <strong>os</strong> da faixaexcepcional elevada, precisam de compreensão, pRciência, atenção eamor. Não disse o Cristo que são <strong>os</strong> doentes que precisam de médico?-145-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseEntre <strong>os</strong> dois extrem<strong>os</strong> a exigirem cuidad<strong>os</strong> especiais e metodologiasexcepcionais, está a massa densa de inteligências normais, se éque podem<strong>os</strong> estabelecer um padrão de normalidade para tais atribut<strong>os</strong>.Para concluir: a reforma social deve partir da reforma moral d<strong>os</strong>er humano, um impulso centrífugo, de dentro para fora, do indivíduopara a sociedade. O instrumento adequado para a realização desseideal é a educação, no seu mais amplo e abrangente sentido, comopromotora da cultura intelectual e da elevação d<strong>os</strong> padrões étic<strong>os</strong>, semesquecer o trabalho de adequação do corpo físico, ferramenta detrabalho indispensável ao ser encarnado, morada temporária do espíritoimortal.-14~


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseXIA FAMÍLIA como instrumento deredenção espiritual.Afamília é a mais estável, duradoura euniversal instituição social. Apesar dealguma semelhança entre <strong>os</strong> núcle<strong>os</strong> familiais human<strong>os</strong> e <strong>os</strong> de cert<strong>os</strong>animais - <strong>os</strong> primatas e outras espécies -, entendem <strong>os</strong> especialistasque <strong>os</strong> impuls<strong>os</strong> que levam à formação da família e ao método decriação d<strong>os</strong> filh<strong>os</strong> não é instintivo no ser humano e sim c<strong>os</strong>tumeadquirido por necessidade e aprendizagem em vista da maior amplitudedo período de dependência da criança.Para fins de estudo, considera-se família de orientação a deorigem (pais, irmã<strong>os</strong>, parentes ascendentes) e família de procriação, aque dá continuidade àquela (marido, esp<strong>os</strong>a e filh<strong>os</strong>). Com essa mesmafinalidade didática a família é estudada sob diferentes aspect<strong>os</strong>:Como unidade biológica (demografia e medicina)-147-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense. Como unidade de produção e consumo (economia doméstica e"marketing "). Como unidade de organização social (sociologia, direito). Como instrumento de formação da personalidade (psicologia,assistência social). Como instrumento de transmissão cultural (educação). Como centro de formação de valores e identidades (recreação ereligião).Embora extremamente diferenciada no tempo e no espaço, afamília apresenta certas constantes de padrões étic<strong>os</strong> destinad<strong>os</strong> àsuapreservação como instituição de apoio ao indivíduo.As religiões tendem a considerar o relacionamento da humanidadeem term<strong>os</strong> familiais.A mitologia grega é toda ela concebida em model<strong>os</strong> de família,n<strong>os</strong> quais <strong>os</strong> deuses e deusas têm esp<strong>os</strong><strong>os</strong>, filh<strong>os</strong>, pais e irmã<strong>os</strong>. Omesmo acontece com a romana que. em vári<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> importantes,não fez mais do que traduzir a grega. Entre <strong>os</strong> israelitas a idéia dapaternidade divina somente começa a m<strong>os</strong>trar-se com nitidez emIsaías, aí pelo oitavo século antes do Cristo "Tu, ó Senhor, és n<strong>os</strong>soPai", exclama ele em 63:16. Há uma breve referência em Malaquias.Caberia a Jesus dar ênfase toda especial à figura de Deus como paiamor<strong>os</strong>o, justo, infatigável dispensador da bondade, destacando, consequentemente, a importante lição da fraternidade entre <strong>os</strong> serescriad<strong>os</strong>. São abundantes as referências a Deus como pai, n<strong>os</strong> Evangelh<strong>os</strong>,especialmente em João.Por outro lado, desde cedo foram implantad<strong>os</strong> rituais civis ereligi<strong>os</strong><strong>os</strong> destinad<strong>os</strong> a fortalecerem a família na sua condição deinstituição social básica, tod<strong>os</strong> eles realizad<strong>os</strong> à vista da comunidade eprecedid<strong>os</strong> da divulgação necessária para emprestar-lhes as característicasde um compromisso formal.Só mais recentemente, inaugurou-se a tendência de considerar ocasamento simples contrato social e, por conseguinte, sujeito aodistrato, se e quando julgado necessário ou conveniente às partescontratantes.Isto preocupa <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> do problema que consideram afamília ainda necessária (a expressão é deles) em tarefas indispensáveis,para as quais não têm fórmulas alternativas a oferecer. O proble·ma aqui está precisamente em conciliar a ânsia de liberdade individualcom as responsabilidades sociais da paternidade e da maternidade,-148-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseentre outras. Entendem esses mesm<strong>os</strong> especialistas que somente aqualidade do casamento (amor, compreensão, solidariedade) poderáassegurar o êxito nas tarefas atribuídas à instituição, sendo o divórcioumd<strong>os</strong> mais significativ<strong>os</strong> promotores da instabilidade da família.E mais: que o casamento, como ponto de apoio da estruturafamilial, funcionou com maior taxa de estabilidade enquanto o processode seleção foi controlado pel<strong>os</strong> pais ou pela comunidade. Na medidaem que esse procedimento passou a ser contestado por inevitável enatural evolução d<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> de liberdade pessoal, a escolha -decidida obviamente por jovens mais inexperientes - assumiu maiorcomponente de risco, o que resultou em prejuízo para a instituição dafamília.Debatendo esse aspecto com alguns amig<strong>os</strong>, lembrou uma companheira,entretanto, qne a estabilidade do casamento sob o antigoregime patriarcal pode ser explicada mais facilmente pela condição desujeição da mulher, à época. Não apenas ela aceitava o noivo escolhidopel<strong>os</strong> "mais velh<strong>os</strong>", como, uma vez casada, não se sentia encora~jada a romper <strong>os</strong> víncul<strong>os</strong>, o que equivaleria praticamente a rompercom a própria comunidade em que vivia.Alguns remédi<strong>os</strong> têm sido experimentad<strong>os</strong> para consolidar asfrágeis estruturas do casamento moderno. No entanto, <strong>os</strong> métod<strong>os</strong>dit<strong>os</strong> científic<strong>os</strong> de escolhas d<strong>os</strong> cônjuges (por computadores, inclusive)criaram expectativas de estabilidade e segurança que não seconcretizaram. Do que se concluiu que nem ciência, nem religiãoteriam condições de oferecer contribuições p<strong>os</strong>itivas ao bom encaminhamentoe eventual solução do problema, visando ao fortalecimentod<strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> matrimoniais.Teoricamente é considerado p<strong>os</strong>sível extinguir-se a família comoinstituição, uma vez que, em princípio, a sociedade poderia assumirseus encarg<strong>os</strong>. Platão chegou a propor que as crianças destinadas àformação d<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong> dirigentes polític<strong>os</strong> deveriam ser educadas forado âmbito familial, do qual seriam segregadas ao nascer, a fim deserem criadas pelo Estado, que supervisionaria todo o processo formativodelas. A idéia ficou arquivada n<strong>os</strong> seus text<strong>os</strong>. Ao que se saiba,somente a União Soviética fez uma tentativa nesse sentido, masrecuou em tempo.A verdade pura e simples é que a estrutura da família continuainsubstituível, mesmo desgastada e algo insegura como a contemporânea.N<strong>os</strong> antig<strong>os</strong> núcle<strong>os</strong> familiares, verdadeir<strong>os</strong> clãs abrigavam váriasgerações em torno de respeitad<strong>os</strong> patriarcas ou matriarcas. O indivíduotinha um senso claro de identidade, havia um local físico de residência-149-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensee de estabilidade, uma base para a qual se poderia retornar, mesmoaqueles que por excesso de inquietação dela se afastassem.A parábola do filho pródigo é uma comovente ilustração dessarealidade. O jovem desejou viver a sua vida no tumulto do mundo "láfora" e partiu. Quando voltou, exaurido e desiludido, lá estava tudo n<strong>os</strong>eu lugar, até mesmo o pai que o recebe em festas, a despeito dodesg<strong>os</strong>to do outro filho. Era ali o seu lugar. Ali ele fora feliz e nã<strong>os</strong>abia.É na família que a psiquiatria e a psicanálise têm buscadoidentificar as causas de distúrbi<strong>os</strong> emocionais como se vê em Freud,que imaginou complexas teorias de inter-relacionamento na tentativade explicá-l<strong>os</strong> e, eventualmente, curá-l<strong>os</strong>.É certo que o ambiente família! exerce considerável influência noprocesso de formação da personalidade do indivíduo, mas, em term<strong>os</strong>de Doutrina Espírita, tal influência tem sido supervalorizada. A teoriateria alguma substância se a criança f<strong>os</strong>se apenas um ser biológico,uma complexa máquina de viver como querem <strong>os</strong> materialistas, oualguém que, embora dotado de alma, não trouxesse vivências anteriores,e sim f<strong>os</strong>se produto da criação divina concomitante com a formaçãodo corpo e, portanto, sem passado.Em ambas as hipóteses a teoria não resiste à análise inteligente.Se o ser humano é um mero complexo celular consciente, então <strong>os</strong>mecanism<strong>os</strong> genétic<strong>os</strong> produziriam crianças belas, realizadas, inteligentese fisicamente perfeitas a partir de pais igualmente dotad<strong>os</strong> detais atribut<strong>os</strong>. E sabem<strong>os</strong> que essa não é a regra. Quase se poderiadizer que é a exceção.Muitas surpresas aguardam aqueles que esperam filh<strong>os</strong> geniaissomente porque gerad<strong>os</strong> com material genético dep<strong>os</strong>itado em ''banc<strong>os</strong>de esperma" por alguns ganhadores do Prêmio Nobel. É atép<strong>os</strong>sível que algumas de tais crianças sejam intelectualmente bemdotadas, mas não estam<strong>os</strong> aqui perante uma lei química, física oumatemática, de vez que tudo vai depender do nível evolutivo doEspírito que ali se propõe a renascer e d<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> ou conquistasque traz na sua história pregressa como ser reencarnante. Se juntarm<strong>os</strong>dois mais cinco sabem<strong>os</strong> que terem<strong>os</strong> sete, inapelavelmente. Quando ooxigênio reage sobre o ferro produz determinado óxido com característicasbem conhecidas, mas, quando dois espírit<strong>os</strong> encarnad<strong>os</strong> resolvemunir seus corp<strong>os</strong> ou seus componentes genétic<strong>os</strong> para a formação docorpo de uma criança, não se pode habitualmente dete·minar que tipode espírito virá utilizar-se daquela oportunidade que está sendo oferecida.-150-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseComo dizia o Cristo, no muito citado diálogo com Nicodem<strong>os</strong>,"O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é espírito". Amensagem atravessou milêni<strong>os</strong> intacta. Um dia a ciência descobrirá oEvangelho e vai convencer-se de que o casal humano somente podegerar o corpo físico da criança (o que já constitui façanha de grandeporte delegada pelas leis da vida), mas o Espírito, não. Este já está"pronto" alhures, à espera da oportunidade. Concluída a sua tarefa,ele parte de volta à sua condição anterior de vida, ao seu "habitat"espiritual. Também sobre isto tem o Evangelho a sua palavra: "OEspírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde vemele, nem para onde vai''.O ambiente familiar, certamente, pode influir (e deve), não naformação da personalidade da criança, mas na sua reformulação, nasua reeducação, no seu reaprendizado, tanto quanto pode (e não deve)na sua recontaminação moral, no desvirtuamento de conquistas p<strong>os</strong>itivasainda não muito bem consolidadas.Lamentavelmente, contudo, o ser humano ainda é, na opiniãopredominante da ciência, matéria viva e não matéria que o espíritovivifica por algum tempo para utilizá-la como veículo evolutivo.Ainda há pouco, em pesquisas realizadas para este estudo, li queas antigas e tradicionais famílias não apenas asseguravam um sentimentode identidade ao indivíduo, mas lhe proporcionavam "a ilusãode participar de um encadeamento imortal". Nem passa pela cabeça doautor dessa afirmativa que o ser humano é imortal dentro ou fora dafamília, onde quer que esteja, na carne ou fora dela. E que a imortalidadenão é uma ilusão, como ele pensa.Isso que aí ficou exp<strong>os</strong>to é a visão tida como científica da família.E o <strong>Espiritismo</strong>, como a considera?É o que verem<strong>os</strong> a seguir.Em lugar de propor soluções específicas e particulares a<strong>os</strong> <strong>problemas</strong>human<strong>os</strong>, insistim<strong>os</strong> na tese - o <strong>Espiritismo</strong> expõe normasgerais de comportamento apoiadas no Evangelho, que considera,acertadamente, um código de ética universal. E neste ponto é precisolembrar e insistir que, embora vinculada historicamente ao cristianismonas suas diversas manifestações, a moral evangélica transcende aqualquer estrutura eclesiástica ou teológica. Amar ao próximo como asi mesmo, por exemplo, é conceito válido para budistas, muçulman<strong>os</strong>,israelitas e até mesmo descrentes e materialistas, tanto quanto para <strong>os</strong>cristã<strong>os</strong> de diferentes seitas. Em outras palavras: não tenho de sernecessariamente cristão para amar o próximo, mas se o fizer de-151-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensemaneira adequada, serei um verdadeiro cristão, mesmo que não ritualisticamenteligado a qualquer ramo do cristianismo tradicional.Nesse sentido, o <strong>Espiritismo</strong> cuidou de expor conceit<strong>os</strong> étic<strong>os</strong>permanentes, em vez de tentar regulamentar a vida por intermédio deregras, proibição e fórmulas transitórias. A história das religiões n<strong>os</strong>demonstra convincentemente que a regulamentação minuci<strong>os</strong>a do relacionament<strong>os</strong>ocial é impraticável, quando não indesejável, dado que avida é movimento e, portanto, é mudança, evolução e maturação.Por outro lado, o <strong>Espiritismo</strong> é sempre coerente com seus princípi<strong>os</strong>básic<strong>os</strong> ao testar uma situação específica, ou explorar caminh<strong>os</strong>pel<strong>os</strong> quais p<strong>os</strong>sa entendê-la. Apoiado na realidade corpo/espírito,distingue, logicamente, a parentela corporal, consangüínea, genética,da espiritual.- "Os laç<strong>os</strong> do sangue -observa Kardec em O EVANGELHOSEGUNDO O ESPIRITISMO, cap. XIV- não criam forç<strong>os</strong>amente<strong>os</strong> liames entre <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>. O corpo procede do corpo, mas o Espíritonão procede do Espírito, porquanto o Espírito já existia antes daformação do corpo".É o ensinamento de Jesus, aliás. Os pais não criam o Espírito d<strong>os</strong>filh<strong>os</strong>, que é preexistente - limitam-se a proporcionar-lhe condiçõesmateriais, orgânicas, para que se reencarnem. Isso não quer dizer quenão p<strong>os</strong>sam ou não devam colaborar no desenvolvimento intelecutal emoral d<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>. Mesmo porque a família ainda é campo de provas,laboratório experimental do reaprendizado e do reajuste, mais do que ojardim florido " pacífico onde n<strong>os</strong> reunim<strong>os</strong> para fruir as delícias dafelicidade e do entendimento. Haverá sempre, espírit<strong>os</strong> unid<strong>os</strong> porsentiment<strong>os</strong> de simpatia e afeição ao longo de várias existênciasanteriores, na carne ou no mundo espiritual; o mais comum, nãoobstante, é receberm<strong>os</strong> na família seres ainda desarmonizad<strong>os</strong> con<strong>os</strong>·co, em vista de atitudes negativas n<strong>os</strong>sas e de sofriment<strong>os</strong> que lhesimpusem<strong>os</strong>, movid<strong>os</strong> por impuls<strong>os</strong> de egoísmo e prepotência.Em cas<strong>os</strong> dessa natureza, muito mais freqüente do que imagina·m<strong>os</strong>, dificilmente o relacionamento família! será afetu<strong>os</strong>o, em clima deserenidade e compreensão. Não que o espírito que recebam<strong>os</strong> comofilho ou filha, esp<strong>os</strong>a ou esp<strong>os</strong>o venha programado necessariamentepara n<strong>os</strong> cobrar dívidas cármicas - talvez até já n<strong>os</strong> tenham perdoado-, mas é certo que através da n<strong>os</strong>sa consciência a lei exige a reparação.É preciso lembrar em tais situações que antes de deverm<strong>os</strong>individualmente a cada um daqueles que prejudicam<strong>os</strong> com as n<strong>os</strong>saspaixões, devem<strong>os</strong> à própria lei universal do amor fraterno. Enquantonão n<strong>os</strong> harmonizarm<strong>os</strong> com esse princípio básico de sustentação da-152-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensevida, não estarem<strong>os</strong> devidamente sintonizad<strong>os</strong>. Por isso dizia o Cristoque não sairíam<strong>os</strong> "de lá", ou seja, da desarmonia, da dor~ d<strong>os</strong>ofrimento regenerador, enquanto não resgatássem<strong>os</strong> o último centavoda dívida, ainda que ninguém venha pessoalmente cobrá-la de nós.Os Espírit<strong>os</strong> - ensina a Doutrina - vivem em grup<strong>os</strong> afins,ligad<strong>os</strong> por interesses e afeições que se cultivam no decorrer d<strong>os</strong>miléni<strong>os</strong>, ou por divergências que ainda não conseguiram eliminar.Durante dois sécul<strong>os</strong>, por exemplo, nasceram sistematicamente nafamília Bach seres devotad<strong>os</strong> à arte musical, o que evidencia nãoapenas um interesse comum entre eles, mas um relacionamento anteriorque se articulou num projeto deliberado de reencarnações grupaisno mesmo tronco familiar.O observador men<strong>os</strong> atento ou mais desinformado concluiráapressadamente que <strong>os</strong> Bach deveriam ter sido dotado de um fatorgenético especial que teria produzido tant<strong>os</strong> talent<strong>os</strong> e até gêni<strong>os</strong> domais puro teor. Na realidade, nenhum fator genético produzirá umgênio se naquele corpo gerado não encarnar-se um espírito genial.Ouve-se dizer com freqüência, que este filho "puxou" ao gêniotemperamental do pai ou aquela filha a sensibilidade da mãe. Nadadisso ocorre. Os pais transmitem apenas semelhanças físicas, comocor da pele, d<strong>os</strong> cabel<strong>os</strong> ou d<strong>os</strong> olh<strong>os</strong>; a tendência à obesidade ou apredisp<strong>os</strong>ição a determinadas doenças, bem como excepcionais condiçõesde vitalidade ou força física. A hemofilia, por exemplo, setransmite somente por intermédio da mãe a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong> masculin<strong>os</strong>, de vezque, nela, a moléstia não se manifesta.Nenhuma característica intelectual ou moral, contudo, é veiculadapel<strong>os</strong> códig<strong>os</strong> genétic<strong>os</strong>, porque tais características são próprias doEspírito, entidade autónoma e preexistente, dado que é produto de seupróprio esforço evolutivo ou de seus fracass<strong>os</strong> anteriores. É naturalque, sendo p<strong>os</strong>sível escolher e decidir, o Espírito que deseja e precisadesenvolver intensa atividade intelectual opte pelo nascimento emfamília adequada às suas aspirações, ou seja, escolha pais de boacapacidade intelectual, que o passam estimular e orientar na direçãoque pretenda caminhar. Isto poderia levar a crer que o filho inteligenteherdou a inteligência d<strong>os</strong> pais, quando apenas reuniu-se a eles parauma tarefa comum. A semelhança de caráter entre pais e filh<strong>os</strong>,explicaram <strong>os</strong> Instrutores da Codificação (Pergunta 211) indica que setrata de "Espírit<strong>os</strong> simpátic<strong>os</strong> que se aproximam por analogia desentiment<strong>os</strong> e se sentem felizes por estar junt<strong>os</strong>."As experiências de regressão da memória realizadas com indiscutívelcompetência pela Dra. Helen Wambach (ver seu livro LIFE-153-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseBEFORE LIFE, Ed. Bantam Books, New York, 1979) produziraminformações de considerável impacto sobre esse e inúmer<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>aspect<strong>os</strong>. Em um caso de particular interesse para ilustração do queestam<strong>os</strong> a debater aqui, a pessoa, p<strong>os</strong>ta em regressão da memória,declarou haver selecionado <strong>os</strong> pais por causa do "material genético deque eles dispunham", mas escolheu pais adotiv<strong>os</strong> (diferentes, claro),porque eles podiam proporcionar-lhe condições mais adequadas deeducação e desenvolvimento. Ocorreu, contudo, um imprevisto. (Ounão foi imprevisto?) O Espírito decidira renascer como menino e assimcombinou com <strong>os</strong> seus futur<strong>os</strong> pais. Acontece, porém, que a mãeengravidou de uma menina. No açodamento de renascer nas condiçõesprescritas, o Espírito apoderou-se do corpo assim mesmo e veio comomulher, o que complicou um tanto <strong>os</strong> seus plan<strong>os</strong>, mas não <strong>os</strong> invalidou.Coube-lhe então "negociar" com <strong>os</strong> pais adotiv<strong>os</strong> em perspectivapara que desejassem adotar uma menina em lugar de um menino, comoestava combinado. Assim foi feito.Colhido com o rigor científico que caracteriza o trabalho dailustre pesquisadora americana, o depoimento desta pessoa é de enormeinteresse, embora não constitua surpresa a<strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> da DoutrinaEspírita. Observam<strong>os</strong> no relato as movimentadas e extensas negociaçõesque se desenrolam n<strong>os</strong> bastidores da reencarnação entreespírit<strong>os</strong> encarnad<strong>os</strong> e desencarnad<strong>os</strong>. Plan<strong>os</strong> mais ou men<strong>os</strong> complex<strong>os</strong>de renasciment<strong>os</strong> são programad<strong>os</strong> com minúcia, embora provid<strong>os</strong>de estrnço para p<strong>os</strong>síveis alternativas e opções.No caso relatado pela Dra. Wambach o Espírito reencarnantedesejava certo "material genético" de melhor qualidade biológica, masqueria também (e obteve) o consentimento prévio para a sua própriaadoção, já que <strong>os</strong> pais que aceitaram a tarefa de gerar-lhe o corpofísico não ofereciam as condições que ele também desejava alémdaquelas que <strong>os</strong> pais adotiv<strong>os</strong> p<strong>os</strong>suíam.É certo, porém, que o relacionamento entre <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong>, suasafinidades e interesses, transcendem o âmbito da família consangüínea,embora seja esta, como vim<strong>os</strong> há pouco, o campo de trabalhoonde seres desarmonizad<strong>os</strong> entre si reúnem-se para a tarefa do reajuste,e p<strong>os</strong>sam, eventualmente, integrar a família espiritual, pacificada efeliz.Não faltou quem argumentasse sibilinamente que a reencarnaçãodestruiria <strong>os</strong> laç<strong>os</strong> de família, pois aquele que é hoje irmão, filha ouesp<strong>os</strong>o pode ser amanhã um estranho em term<strong>os</strong> terren<strong>os</strong>. Na realidade,porém, a reencarnação é o instrumento de que se vale a lei divina-154-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseprecisamente para n<strong>os</strong> ensinar o princípio universal do amor fraterno.O estranho de hoje pode ter sido o filho de ontem ou será a mãe dofuturo, para que, ao longo do tempo, em vez de cultivarm<strong>os</strong> a exclusividadedo amor fechado no círculo de uma só família, sejam<strong>os</strong> tod<strong>os</strong>,de fato, membr<strong>os</strong> da família universaL Não é outro o significado dapergunta de Jesus a<strong>os</strong> que lhe anunciavam a presença de sua mãe e deseus irmã<strong>os</strong>. "Quem é minha mãe e quem são meus irmã<strong>os</strong>?", indagouele. Sem repudiar <strong>os</strong> seus, estava consciente da universalidade d<strong>os</strong>laç<strong>os</strong> espirituais que unem toda a família humana, onde quer queestejam seus membr<strong>os</strong> no tempo e no espaço.Além do mais, o argumento d<strong>os</strong> que se dispõem a criticar areencarnação é ingênuo e sem profundidade, porque é precisamenteutilizando-se do mecanismo das vidas sucessivas que <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> seaproximam uns d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> para viverem junt<strong>os</strong> experiências redentorase desenvolverem plan<strong>os</strong> evolutiv<strong>os</strong> vitais à felicidade de cada um ede tod<strong>os</strong>.Quando a paixão insensata leva dois seres literalmente à loucurae à irresponsabilidade, tornam-se imperi<strong>os</strong>as existências em que orelacionamento familial se desenvolva em plan<strong>os</strong> de maior seriedade ede mútuo respeito, para que <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> eduquem seus sentiment<strong>os</strong> eaprendam a controlar impuls<strong>os</strong> que levam a desatin<strong>os</strong>. Dessa maneira,podem renascer na condição de pai e filha ou de mãe e filho ou comoirmã<strong>os</strong> consangüíne<strong>os</strong>, casais que se entregaram em existências anterioresa<strong>os</strong> desvari<strong>os</strong> da paixão.É de esperar-se, em tais cas<strong>os</strong>, desajustes mais ou men<strong>os</strong> gravese até mesmo recaídas lamentáveis, mas, sem dúvida, a lei divina armoucondições propícias ao reequilíbrio emocional que se perturbara.Quando Freud formulou a doutrina psicanalística d<strong>os</strong> complex<strong>os</strong>de Édipo e de Eletra para caracterizar distorções no relacionamentomãe/filho ou pai/filha, nem suspeitava de que estava tocando numaspecto carregado de implicações reencarnacionistas, mesmo porqueele jamais admitiu o ser humano como um espírito imortal e preexistente.Não há dúvida, porém, de que situou adequadamente no contextoda família <strong>problemas</strong> graves que soube identificar e catalogar, aindaque não tivesse como formular prop<strong>os</strong>tas adequadas à solução, ou àsua correta interpretação.Após viverem uma ou mais existências como irmão/irmã, oumãe/filho, ou pai/filha, <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> arrastad<strong>os</strong> anteriormente a situaçõesequívocas terão melhores condições de encontrar um nível-155-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseadequado de equilíbrio e serenidade para suas emoções exaltadas. É noâmbito da família que tais experimentações e aprendizad<strong>os</strong> se realizam.E por isso é também ali que se armam situações algo traumáticas,ou pelo men<strong>os</strong> tensas, criadas pelo relacionamento difícil entre espírit<strong>os</strong>que ainda não se harmonizaram. Como poderia fazê-lo sem umaaproximação mais íntima, quase obrigatória, como a que ocorre nocírculo familiar? É ali que se vêem como parentes, sob uma novaóptica, antig<strong>os</strong> desafet<strong>os</strong> tid<strong>os</strong> por irreconciliáveis. É ali que <strong>os</strong> casaisrecebem filh<strong>os</strong> difíceis que lhes cumpre reorientar e cujo afeto erespeito lhes cabe reconquistar, para que um dia haja entre eles umrelacionamento fraternal.Constitui grave equívoco, por outro lado, receber tais espírit<strong>os</strong>,ainda rebeldes e compreensivelmente magoad<strong>os</strong> con<strong>os</strong>co, apenas paracumprir um desagradável dever, com a intenção de n<strong>os</strong> "livrarm<strong>os</strong>"deles para sempre e o quanto antes. Não é essa a atitude sugerida pelamoral cristã que o <strong>Espiritismo</strong> adotou como sua. O trabalho que n<strong>os</strong>incumbe realizar junto do Espírito que, por n<strong>os</strong>sa culpa, foi gravementeprejudicado, é o de reparação, o de pacificação, o de recuperação deseu afeto para que siga convivendo con<strong>os</strong>co aqui e alhures no universo,mas em paz, convertido em amigo e companheiro de jornadaevolutiva,pois irmã<strong>os</strong> já o som<strong>os</strong>, repetim<strong>os</strong>, desde que criad<strong>os</strong>.- Reconcilia-te com o teu adversário - advertiu Cristo -enquanto estás a caminho com ele.E não é precisamente no círculo aconchegante da família queestam<strong>os</strong> a caminho com aquele que a n<strong>os</strong>sa insensatez converteu emadversário?O <strong>Espiritismo</strong> coloca, pois, sob perspectiva inteiramente renovadae até inesperada, além de criativa e realista, a difícil e até agorainexplicável problemática do inter-relacionamento familial. Se ummembro de n<strong>os</strong>sa família tem dificuldades em n<strong>os</strong> aceitar, em n<strong>os</strong>entender, em n<strong>os</strong> amar, podem<strong>os</strong> estar cert<strong>os</strong> de que tais dificuldadesforam criadas por nós mesm<strong>os</strong> num relacionamento anterior em que asn<strong>os</strong>sas paixões ignoraram o bom senso.- E a repulsão instintiva que se experimenta por algumas pessoas,donde se origina? perguntou Kardec a<strong>os</strong> seus Instrutores (LI­VRO DOS ESPÍRITOS, Pergunta 389)-São espírit<strong>os</strong> antipátic<strong>os</strong> que se adivinham e reconhecem, semse falarem.-15~


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseO ponto de encontro de muitas dessas antipatias, que necessitamdo toque mágico do amor e do entendimento, é a família consanguínea,célula de um organismo mais amplo que é a família espiritual, que porsua vez, é a célula da instituição infinitamente mais vastas que são afamília mundial e, finalmente, a universal.A Doutrina considera a instituição do casamento como instrumentodo "progresso na marcha da humanidade" e, reversamente, aabolição do casamento como ''uma regressão à vida d<strong>os</strong> animais •'.(Questões 695 e 696, de O LIVRO DOS ESPÍRITOS). Como vim<strong>os</strong> hápouco, é também essa a opinião d<strong>os</strong> cientistas especializad<strong>os</strong> responsáveis.Ao comentar as questões indicadas, Kardec acrescentou que -"O estado de natureza é o da união livre e fortuita d<strong>os</strong> sex<strong>os</strong>. Ocasamento constitui um d<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> at<strong>os</strong> de progresso nas sociedadeshumanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se observaentre tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> pov<strong>os</strong>, se bem que em condições diversas".No que, mais uma vez, estão de acordo estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> do problemado ponto de vista científico e formuladores e divulgadores da DoutrinaEspírita.Isto n<strong>os</strong> leva à delicada questão do divórcio, reconhecido comourna das principais causas desagregadoras do casamento e, por extensão,da família.O problema da indissolubilidade do casamento foi abordado pel<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong>, de maneira bastante sumária, na Questão n" 697. Perguntad<strong>os</strong>sobre se "Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana aindissolubilidade absoluta do casamento", responderam da seguinteforma:- É uma lei muito contrária à da Natureza. Mas <strong>os</strong> homenspodem modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.O que, exatamente, quer dizer isso?Em primeiro lugar, convém chamar a atenção para o fato de que aresp<strong>os</strong>ta foi dada no contexto de uma pergunta específica sobre aindissolubilidade absoluta. Realmente, a lei natural ou divina nãoimpõe inapelavelmente um tipo rígido de união, mesmo porque o livrearbítrio é princípio fundamental, direito inalienável do ser humano."Sem o livre arbítrio- consta enfaticamente da Questão n" 843 de OLIVRO DOS ESPÍRITOS - o homem seria máquina."A lei natural, por conseguinte, não iria traçar limites arbitrári<strong>os</strong> àsopções humanas, encadeando homens e mulheres a um severo regime-157-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensede escravidão, que poderá conduzir a situações calamit<strong>os</strong>as em term<strong>os</strong>evolutiv<strong>os</strong>, resultando em agravamento d<strong>os</strong> conflit<strong>os</strong>, em lugar de <strong>os</strong>resolver, ou pel<strong>os</strong> men<strong>os</strong> atenuá-l<strong>os</strong>.Ademais, como vim<strong>os</strong> lembrando repetidamente, o <strong>Espiritismo</strong>não se propõe a ditar regras de procedimento específico para cadasituação da vida. O que oferece são princípi<strong>os</strong> gerais, é uma estruturabásica, montada sobre a permanência e estabilidade de verdadestestadas e aprovadas pela experiência de muit<strong>os</strong> miléni<strong>os</strong>. Que dentrodesse espaço se movimente a criatura humana no exercício pleno deseu livre arbítrio e decida o que melhor lhe convém, ante o conjunto decircunstâncias em que se encontra.O casamento é compromisso espiritual previamente negociado eacertado, ainda que nem sempre aceito de bom grado pelas partesenvolvidas. São muit<strong>os</strong>, senão maioria, <strong>os</strong> que se unem na expectativade muit<strong>os</strong> an<strong>os</strong> de turbulência e mal-entendid<strong>os</strong> porque estão emdébito com o parceiro que acolhem, precisamente para que se conci~liem, se ajustem, se pacifiquem e se amem ou, pelo men<strong>os</strong>, serespeitem e estimem.Mergulhad<strong>os</strong>, porém, na carne, <strong>os</strong> bons propósit<strong>os</strong> do devedor.que programou para si mesmo um regime de tolerância e autocontrole,podem falhar. Como também pode exorbitar da sua desejável moderaçãoo parceiro que vem para receber a reparação, e em lugar derecolher com serenidade o que lhe é devido (e outrora lhe foi negado)em atenção, apoio, segurança e afeto, assume a atitude do tiranoarbitrário que, além de exigir com intransigência o devido, humilha,oprime e odeia o parceiro que, afinal de contas, está fazendo op<strong>os</strong>sível, dentro das suas limitações, para cumprir seu compromisso.Nesses cas<strong>os</strong>, o processo de ajuste- que será sempre algo difícil maspoderá desenrolar~se em clima de mútua compreensão -converte-seem vingança irracional.Numa situação dessas, mais freqüentes do que poderíam<strong>os</strong> supor,a indissolubilidade absoluta a que se refere a Codificação seria, defato, uma lei antinatural. Se um d<strong>os</strong> parceir<strong>os</strong> da união, programadacom o objetivo de promover uma retificação de comportamento,utilizou-se insensatamente da sua faculdade de livre escolha, optandopelo ódio e a vingança, quando poderia simplesmente recolher o quelhe é devido por um devedor disp<strong>os</strong>to a pagar, seria injusto que a leirecusasse a este o direito de recuar do compromisso assumido, modificarseus term<strong>os</strong>, ou adiar a execução, assumindo. é claro, todas asresponsabilidades decorrentes de seus at<strong>os</strong>, como sempre. aliás.-158-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseA lei divina não coonesta a violência que um parceiro se disponhaa praticar sobre o outro. Além do mais, a dívida não é tanto com oindivíduo prejudicado quanto com a própria lei divina desrespeitada.No momento em que arruinam<strong>os</strong> ou assassinam<strong>os</strong> alguém, cometem<strong>os</strong>,claro, um delito pessoal da maior gravidade. É preciso lembrar,contudo, que a vítima também se encontra envolvida com a lei, que,paradoxalmente, irá exigir a reparação da falta cometida, não paravingá-la, mas para desestimular o falt<strong>os</strong>o, m<strong>os</strong>trando-lhe que cadagesto negativo cria a sua matriz de reparação. O Cristo foi enfático epreciso ao ligar sempre o erro à dor do resgate. "Vai e não pequesmais, para que não te aconteça coisa pior", disse ele.Não há sofrimento inocente, nem cobrança injusta ou indevida.O que deve paga e o que está sendo cobrado é porque deve. Assim aprópria vítima de um gesto crimin<strong>os</strong>o é também um ser endividadoperante a lei, por alguma razão concreta anterior, ainda que ignorada.Se, em lugar de reconciliar-se, ela se vingar, estará reabrindo sua contacom novo débito em vez de saldá-la.A lei natural, portanto, não prescreve a indissolubilidade mandatóriae absoluta do casamento, como a caracterizou Kardec na suapergunta. Conseqüentemente, a lei humana não deve ser mais realistado que a outra, que lhe é superior; deve ser flexível, abrindo espaçopara as opções individuais do livre arbítrio.Isso, contudo, está longe de significar uma atitude de complacênciaou de estímulo à separação d<strong>os</strong> casais em dificuldades. O divórcio éadmissível, em situações de grave conflito, nas quais a separação legalassume a condição de mal menor, em confronto com opções potencialmentemais graves que projetam ameaçadoras tragédias e afliçõesimprevisíveis: suicídi<strong>os</strong>, assassinat<strong>os</strong>, e conflit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> que destróemfamílias e acarretam nov<strong>os</strong> e pesad<strong>os</strong> compromiss<strong>os</strong>, em vez deresolver <strong>os</strong> que já vieram do passado por auto-herança.Convém, portanto, atentar para tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> da questão enão ceder precipitadamente ao primeiro impulso passional ou solicitaçãodo comodismo ou do egoísmo. Dificuldades de relacionamento sãomesmo de esperar-se na grande maioria das uniões que se processamem n<strong>os</strong>so mundo ainda imperfeito. Não deve ser desprezado o importanteaspecto de que o casamento foi combinado e aceito com anecessária antecipação, precisamente para neutralizar diferenças edificuldades que persistem entre dois ou mais Espírit<strong>os</strong>.O que a lei divina prescreve para o casamento é o amor, na suamais ampla e abrangente conotação, no qual o sexo é apenas a-159-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseexpressão física de uma pronfunda e serena sintonia espiritual. Estasuniões, contudo, são ainda a exceção e não a norma. Ocorre entreaqueles que, na expressão de Jesus, Deus juntou, na imutável perfeiçãode suas leis. Que ninguém <strong>os</strong> separe, mesmo porque, atingida essafase de sabedoria, entendimento e serenidade, <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> pouco seimportam de que <strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> matrimoniais sejam indissolúveis ou nãoem term<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, dado que, para eles vige a lei divina que já <strong>os</strong> uniupelo vínculo supremo do amor.Em suma. recuar ante uma situação de desarmonia no casamento,de um cônjuge difícil ou de <strong>problemas</strong> aparentemente insolúveis égesto de fraqueza e covardia de graves implicações. Som<strong>os</strong> colocad<strong>os</strong>em situações dessas precisamente para resolver conflit<strong>os</strong> emocionaisque n<strong>os</strong> barram <strong>os</strong> pass<strong>os</strong> no caminho evolutivo. Estarem<strong>os</strong> recusandoexatamente o remédio prescrito para curar mazelas persistentes que s~arrastam, às vezes, por sécul<strong>os</strong> ou milêni<strong>os</strong> aderidas à n<strong>os</strong>sa estruturaespiritual.A separação e o divórcio constituem, assim, atitudes que nãodevem ser assumidas antes de profunda análise e demorada meditaçãoque n<strong>os</strong> levem à plena consciência das responsabilidades envolvidas.Como escreveu Paulo com admirável lucidez e poder de síntese.- ''Tudo me é licito, mas nem tudo me convém··.O <strong>Espiritismo</strong> não é doutrina do não e sim da responsabilidade,Viver é escolher, é optar, é decidir. E a escolha é sempre livre dentrode um leque relativamente amplo de alternativas. A semeadura, c<strong>os</strong>tumam<strong>os</strong>dizer, é voluntária~ a colheita é que é sempre obrigatória.É no contexto da família que vem desaguar um volume incalculávelde conseqüências mais ou men<strong>os</strong> pen<strong>os</strong>as resultantes de desacert<strong>os</strong>anteriores, de decisões tomadas ao arrepio das leis flexíveis e, aomesmo tempo, severas, que regulam o universo ético em que n<strong>os</strong>movimentam<strong>os</strong>.Para que um dia p<strong>os</strong>sam<strong>os</strong> desfrutar o privilégio de viver emcomunidades felizes e harmoni<strong>os</strong>as, aqui ou no mundo póstumo, tem<strong>os</strong>de aceitar, ainda que relutantemente, as regras do jogo da vida. Otrabalho da reconciliação com espírit<strong>os</strong> que prejudicam<strong>os</strong> com odescontrole de n<strong>os</strong>sas paixões, nunca é fácil e, por isso, o comodismon<strong>os</strong> empurra para o adiamento das lutas e renúncias por onde passa ocaminho da vitória.Como foro natural de complex<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong> e núcleoinevitável das experiências retificadoras que n<strong>os</strong> incumbe levar a bom-160--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensetermo, a família é instrumento da redenção individual e, por extensão.do equilíbrio social.Não precisaria de nenhuma outra razão para ser estudada comseriedade e preservada com firmeza nas suas estruturas e n<strong>os</strong> seuspropósit<strong>os</strong> educativ<strong>os</strong>.-161-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseXIIVISÃO DUALISTA DOPROBLEMA DA SEXUALIDADEComprometidas com uma programaçãctão abrangente quanto p<strong>os</strong>sível, a fim deque <strong>os</strong> principais temas da problemática humana tivessem algumaforma de abordagem, por mínima que f<strong>os</strong>se, as Entidades que seincumbiram de colaborar com Allan Kardec na formulação de OLIVRO DOS ESPÍRITOS tiveram de ajustar-se a uma disciplinaexp<strong>os</strong>itiva nas suas resp<strong>os</strong>tas para que o livro não assumisse proporçõesexageradas. Por isso, caracteriza-se o livro básico da Codificaçãocomo um conjunto de sínteses fecundas, que servissem de ponto departida para futur<strong>os</strong> desdobrament<strong>os</strong>.Bem que às vezes ficam<strong>os</strong> a desejar que <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> tivessemsido mais explícit<strong>os</strong>, ampliando suas exp<strong>os</strong>ições, especialmente emassunt<strong>os</strong> mais complex<strong>os</strong> e obscur<strong>os</strong> ao n<strong>os</strong>so entendimento. Mas é-163-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepreciso entender que não apenas estavam eles limitad<strong>os</strong> pela metodologiada síntese para melhor aproveitamento do "espaço" cultural quelhes foi reservado para exporem suas idéias, corno também porquedesejaram, eles própri<strong>os</strong>, reservar um pouco de espaço que lhes foraatribuído para que <strong>os</strong> seres encarnad<strong>os</strong> pr<strong>os</strong>seguissem a tarefa, desenvolvendo,com seus própri<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong>, aspect<strong>os</strong> que foram apenasmencionad<strong>os</strong> ou nem sequer chegaram a ser abordad<strong>os</strong>. Sabem<strong>os</strong>tod<strong>os</strong> que <strong>os</strong> Instrutores responsáveis e autêntic<strong>os</strong> não n<strong>os</strong> trazemsoluções prontas e acabadas para <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> da vida, mas ensinament<strong>os</strong>que n<strong>os</strong> proporcionarão recurs<strong>os</strong> para que o próprio serencarnado trabalhe as suas dificuldades e encontre saídas, ainda queajudado e assistido.Vim<strong>os</strong> no capítulo anterior a exigüidade do pronunciamento d<strong>os</strong>mentores do <strong>Espiritismo</strong> sobre a questão da indissolubilidade docasamento. Em lugar de ditarem urna longa explanação, proporemalternativas, sugerirem procediment<strong>os</strong> e recomendarem soluções objetivas,como muit<strong>os</strong> desejariam, limitaram-se a observar que a indissolubilidadeabsoluta, e, portanto, compulsória e sem opções, é contráriaà lei natural.Que <strong>os</strong> homens modifiquem as suas, se assim o entenderem, poisas leis divinas são imutáveis. E mais não disseram.Sobre a grave questão sexual não foram men<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong>, masnem por isso mais explícit<strong>os</strong> ou prolix<strong>os</strong>. O assunto vem tratado com asevera sobriedade de sempre em três sumárias questões (de 200 a 202,pois na de número 822 apenas confirmam o que já haviam dito) quepodem ser assim resumidas:1. Os Espírit<strong>os</strong> não têm sexo "corno o entendeis";2. Podem encarnar-se alternativamente em corp<strong>os</strong> masculin<strong>os</strong> oufeminin<strong>os</strong>;3. A opção por um ou outro sexo é orientada pelo tipo deprogramação que o Espírito deseje ou precise desenvolver na carne.E nada mais acrescentaram, mesmo porque, aparentemente,nada mais lhes foi perguntado. Em um pequeno estudo sob o título ASMULHERES TÊM ALMA?, publicado na REVISTA ESPÍRITA, emjaneiro de 1866 (págs. I a 5 da edição brasileira da EDICEL), Kardecoferece suas reflexões acerca do problema. Como sempre, é claro,objetivo e conclusivo ao lembrar que Deus não criou almas masculinase femininas, nem fez estas inferiores àquelas. E pr<strong>os</strong>segue, maisadiante:-As almas ou Espírit<strong>os</strong> não têm sexo. As afeições que <strong>os</strong> unemnada têm rte carnal e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque-164-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensefundadas numa simpatia real e não subordinadas às vicissitudes damatéria.E acrescenta:-Os sex<strong>os</strong> só existem no organismo. São necessári<strong>os</strong> à reproduçãod<strong>os</strong> seres materiais. Mas <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>, sendo criação de Deus, nã<strong>os</strong>e reproduzem uns pel<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, razão por que <strong>os</strong> sex<strong>os</strong> seriam inúteisno mundo espiritual.Portanto, ao preparar-se para a reencarnação, o Espírito devefazer a sua opção entre um sexo e outro, ou seja, entre nascer comohomem ou como mulher e já vim<strong>os</strong> que essa decisão é tomada levand<strong>os</strong>eem conta o que <strong>os</strong> Instrutores da Codificação caracterizam como"as provas por que haja de passar". Ocorre, assim, que um Espíritopode renascer no .mesmo sexo durante muito tempo, por inúmerasencarnações.É de esperar-se, neSte caso, que as características do sexo de suaescolha ou preferência se tornem as dominantes de sua personalidade,seja como homem, seja como mulher. Se, por qualquer razão ponderávele necessária, ele tiver de mudar subitamente de um sexo paraoutro, é quase certo que conservará em sua nova existência "<strong>os</strong>g<strong>os</strong>t<strong>os</strong>, as inclinações e o caráter inerente ao sexo que acaba dedeixar", como ensina Kardec.Tais mudanças podem acarretar <strong>problemas</strong> de adaptação, sejasuscitando homens efeminad<strong>os</strong> ou mulheres masculinizadas, emboracom disp<strong>os</strong>ições orgânicas e biológicas bem definidas,Kardec conclui sua exp<strong>os</strong>ição declarando que "não existe diferençaentre o homem e a mulher, senão no organismo, que se aniquilacom a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao seressencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies dealmas.As notáveis pesquisas da psicóloga americana Dra. Helen Wanbach(ver LIFE BEFORE LIFE ou RELIVING PAST LIVES) atestamcom o fato verificado <strong>os</strong> ensinament<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> na Codificação.Um de seus pacientes declara o seguinte, a respeito de sua escolhade sexo:- "Decidi vir como mulher por que ela é mais terna, mais ligadaconstgo mesma.Sinto que meu lado feminino é mais adequado para expressar isso"(Caso A-384).-165-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseE outra observação pertinente e enfática da própria psicóloga:- ... nem um só de meus 750 pacientes sente que o seu "verdadeiroeu interior" seja masculino ou feminino.Claro está, portanto, que a diferenciação sexual somente ocorrena contraparte física do ser encarnado e, por óbvias razões, ditadaspela necessidade vital da reprodução da espécie.É igualmente certo, não obstante, que certas característicaspsicológicas femininas ou masculinas acabam por cristalizar-se aocabo de uma longa série de encarnações repetidas num ou noutro sexo,o que n<strong>os</strong> leva a admitir não Espírit<strong>os</strong> sexuadas, mas predominantementefeminin<strong>os</strong> ou masculin<strong>os</strong>.Aliás, é o que ocorre durante a encarnação. A ciência temm<strong>os</strong>trado conclusivamente que o ser humano nunca é cem por centomasculino ou cem por cento feminino. O que existe é a predominânciade um ou de outro sexo e muitas vezes uma <strong>os</strong>cilação ou indefiniçãoque coloca o indivíduo numa espécie de zona crepuscular, fronteiriça,limite esse que ele pode cruzar de um lado para o outro, ainda queguardando no corpo físico inequívoca definição por este ou aquelesexo. O pesquisador americano Dr. Kinsey encontrou numa série de1.058 homens uma taxa de 35,5% com uma ou mais experiênciashom<strong>os</strong>sexuais. Na sua opinião, 25 a 33% de tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> homens de meiaidade tiveram tais experiências e se levarm<strong>os</strong> em conta a existênciatoda a percentagem subirá para cerca de 50%.Carl G. Jung, o eminente médico e psicanalista dissidente deFreud, identificou também o fenômeno e o rotulou adequadamente,chamando de "animus" a tendência ou <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> masculin<strong>os</strong> do sere de "anima" o componente feminino que tod<strong>os</strong> nós carregam<strong>os</strong> nacompl~xa intimidade da n<strong>os</strong>sa psicologia profunda.Tudo isso está claro e é aceitável, mesmo .porque bem documentado.As conclusões d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> responsáveis pela formulação daDoutrina e a d<strong>os</strong> cientistas são convergentes e coincidentes. De volta,porém. ao texto de O LIVRO DOS ESPÍRITOS- Questão N' 200-topam<strong>os</strong> com a observação um tanto enigmática de que <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>não têm sexo como o entendem<strong>os</strong>.O que, exatamente, quer dizer isso?Precisarem<strong>os</strong> abordar o problema com uma pergunta preparatória.Esta: Como entendem<strong>os</strong> o sexo?Uma resp<strong>os</strong>ta imediatista e açodada seria a de que o sexo é uminstrumento de prazer. É assim, aliás, que o consideram amplas-166--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensemaiorias no mundo contemporâneo, no qual, desvirtuado dt• ~ua~nobres responsabilidades, o sexo converteu~se não apenas em L'llltn cfixação mental obsessiva, como em mercadoria que se vende sobinúmeras e vist<strong>os</strong>as embalagens. Estam<strong>os</strong> assistindo, a todo momento,a caríssimas campanhas publicitárias nas quais o sexo figura, velada ou<strong>os</strong>tensivamente, como componente fundamental da promoção comercialmontada para vender tudo quanto se p<strong>os</strong>sa imaginar, de cigarr<strong>os</strong> ebebidas até apartament<strong>os</strong>. As teorias mais avançadas de "marketing"e de publicidade insistem em fazer a associação entre a mercadoriaanunciada e a idéia do prazer em geral e do prazer sexual em particular,Daí a supervalorização do sexo e a verdadeira onda de sexolatriaem que mergulhou a civilização moderna.A ótica do problema está sendo deliberadamente invertida. Oobjetivo prioritário da sexualidade não é o prazer em si e por si e sim aprocriação, ou seja, a faculdade de gerar corp<strong>os</strong> para <strong>os</strong> seres human<strong>os</strong>e, por extensão, de proporcionar ininterruptas oportunidades dereencarnação a<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>. Na sabedoria irretocável de suas Ieís, anatureza associou a sensação do prazer às faculdades destinadas asatisfazer às necessidades básicas do ser, como reprodução, alimentação,repouso, etc. É agradável fazer uma boa refeição quando estam<strong>os</strong>famint<strong>os</strong> ou beber uma porção de água pura e fresca quando a sede n<strong>os</strong>maltrata, ou dormir seis a oito horas quando a exaustão n<strong>os</strong> paralisa.As sensações que trabalham pela preservação da vida são estimuladascom uma taxa maior ou menor de satisfação ou prazer, da mesmaforma que aquelas que põem em risco a continuidade da vida causammal estar, sofrimento, ou até a morte do corpo, como a dor de umferimento, a disfunção de um órgão vital, a aspiração de um gás tóxico,a ingestão de uma substância agressiva ao organismo, etc.Claro que estam<strong>os</strong> falando aqui de sensações naturais consolidadasno mecanismo d<strong>os</strong> instint<strong>os</strong> ao ]ongo de miléni<strong>os</strong> e milêni<strong>os</strong>. Nãocogitam<strong>os</strong>, por enquanto, d<strong>os</strong> métod<strong>os</strong> artificiais, dit<strong>os</strong> civilizad<strong>os</strong>, desuscitar novas e letais sensações de prazer, como o uso de drogas,sobre o qual tem<strong>os</strong> ainda algo a dizer em outro capítulo.Convém lembrar, a propósito, que as leis divinas não deixaram abusca do prazer ao sabor da fantasia de cada um, porque isto seriatrabalhar contra <strong>os</strong> própri<strong>os</strong> interesses que a fruição do prazer pretendeestimular e assegurar. Em outras palavras: para garantir a segurançad<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> da vida, a lei natural estabeleceu que o prazer é útil enecessário, mas determinou com severidade inquestionável que oabuso do prazer acarreta a destruição do indivíduo para que não sedestrua o sistema. Uma boa alimentação causa prazer e sustenta um-167-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecorpo saudável, no qual o Espírito encarnado p<strong>os</strong>sa sentir-se à vontadepara realizar o que lhe compete no mundo, mas o excesso, a guladesenfreada, pode acabar por destruir no indivíduo sua oportunidadede continuar a existir naquele corpo. Se tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seres passassem acomer desesperadamente, como cert<strong>os</strong> glutões, não apenas a produçãode aliment<strong>os</strong> seria insuficiente, como a humanidade estaria condenadaem parte à obesidade assassina e em parte à inanição. Uma porqueteria comido demais e outra porque não teve mais o que comer.Com as necessárias modulações, o raciocínio é válido para qualquernecessidade humana, como a da procriação. Do que se depretendeque não é o prazer razão única nem a predominante nas faculdadesdestinadas à satisfação das necessidades humanas. Ele é o acessório,não o fundamental. O fundamental é sempre o conceito de preserva-çãoda vida, o que c<strong>os</strong>tumo identificar como oportunidades evolutivas que,de início, somente o corpo físico pode proporcionar.Vem<strong>os</strong>, portanto, que grandes segment<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, talvez omajoritário, entendem o sexo como instrumentação do prazer. Mesmoestes, contudo, não ignoram que ele é também, senão prioritariamente,um mecanismo de reprodução da espécie.Logo, entendem<strong>os</strong> o sexo como mecanismo procriativo e comoinstrumento de prazer simultânea e complementarmente. Não há comoconsiderá-lo de outra maneira, pelo men<strong>os</strong> entre <strong>os</strong> seres human<strong>os</strong>encarnad<strong>os</strong>.A vida realmente "explodiu" em toda a sua amplitude, no dizerelegante de Lyall Watson, quando aprendeu o processo de duplicação,ou seja, a faculdade de um organismo ou de um par deles gerar outr<strong>os</strong>semelhantes.Estam<strong>os</strong> de acordo nestes pont<strong>os</strong>? Creio que sim.Então, o que querem dizer <strong>os</strong> instrutores da Codificação quandon<strong>os</strong> ensinam que <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> não têm sexo, como o entendem<strong>os</strong>?Uma vez que <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> não se reproduzem uns pel<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>,como observa Kardec, é claro que dispensam a utilização da instrumentaçã<strong>os</strong>exual reprodutora. É de supor-se, em conseqüência, quetambém não a utilizem como mero instrumento de prazer, e isto é o quen<strong>os</strong> confirma a Doutrina quanto a<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> de mais elevado estágioevolutivo, que são <strong>os</strong> que a Codificação tem em mente quando coloca asua informação em resp<strong>os</strong>ta à pergunta número 200. É até admissível- e disso também sabem<strong>os</strong>- que certa atividade sexual persista entreEspírit<strong>os</strong> ainda muito envolvid<strong>os</strong> com a matéria que se "alimentam",-168-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense.. bebem", .. fumamn, "jogam", .. drogam-se" e fazem sexo, tudo àsua maneira peculiar, segundo suas frustrações e fixações. Sabem<strong>os</strong>d<strong>os</strong> que se juntam em autêntica simbi<strong>os</strong>e a seres encarnad<strong>os</strong> paracontinuarem a fruir algumas dessas sensações gr<strong>os</strong>seiras que o estágiona matéria proporciona. Espírit<strong>os</strong> que foram, na Terra, fumantesinveterad<strong>os</strong> acercam-se de companheir<strong>os</strong> encarnad<strong>os</strong> ainda pres<strong>os</strong> aovício, da mesma forma que beberrões, comilões ou sexólatras obsessiv<strong>os</strong>,têm habitualmente seus "parceir<strong>os</strong>" desencarnad<strong>os</strong>. Seus perispírit<strong>os</strong>ainda muito dens<strong>os</strong>, dotad<strong>os</strong> de elevada carga de componentematerializado, continuam sentindo a pressão das necessidades e buscamas mesmas satisfações de que desfrutavam enquanto encarnad<strong>os</strong>.É certo, porém, que Espírit<strong>os</strong> de mais elevada condição, alojad<strong>os</strong>em perispírit<strong>os</strong> mais rarefeit<strong>os</strong>, situam-se fora dessa faixa de envolvimentoe, portanto, não têm sexo, como o entendem<strong>os</strong>, ou seja, nempara procriar nem como instrumento de prazeres gr<strong>os</strong>seir<strong>os</strong> que atraeme até escravizam seres encarnad<strong>os</strong> ou desencarnad<strong>os</strong> ainda bastantedependentes das sensações proporcionadas pela matéria mais densa.Atenção, contudo, para um importante aspecto, ainda que muit<strong>os</strong>util. Os instrutores da Codificação não n<strong>os</strong> asseguraram que <strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong> não têm sexo e sim que não o têm como entendem<strong>os</strong>. O quequer dizer que têm sexo, mas não da maneira pela qual nós o entendem<strong>os</strong>,ou seja, preso à dicotomia procriação/prazer.Resta-n<strong>os</strong>, portanto, decifrar esse enigma, tentando uma abordagemcriativa, ainda que algo especulativa, ao problema, que pode serassim formulado: Como e de que maneira se expressa o sexo n<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong>?É o que vam<strong>os</strong> empreender a seguir.A característica dominante da sexualidade é a função criadora.Entendo, pois, que por esse conceito básico é que deve ser iniciada aexploração do problema p<strong>os</strong>to acima. É como se Deus houvessedelegado às suas criaturas uma parcela de seu poder criador, autorizando-as,dentro de limites bem definid<strong>os</strong>, a desenvolverem importantestarefas em regime de c o-criação. Uma vez definido e implantado oprocedimento genético, o próprio ser humano se incumbe de duplicarse,como diria Lyall Watson. assegurando a continuidade de quenecessita a lei da reencarnação para realizar sua própria tarefa.Sempre atent<strong>os</strong> ao princípio dualístico que rege toda a estrutura ea dinâmica da vida, segundo n<strong>os</strong> ensina a Doutrina d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong>, nãodevem<strong>os</strong> ignorar que a função procriadora é a manifestação, no campomateria1 ou físico, de uma energia que deve ter, necessariamente,funções do maior relevo no campo espiritual.-169-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseAcho mesmo que Freud teve a intuição correta dessa realidade aopropor a sua teoria da libido, conceituando-a não como sexualidadepura e exclusiva, mas como manifestação de energia psíquica, bemmais abrangente. Sem aprofundar aqui <strong>os</strong> text<strong>os</strong> especializad<strong>os</strong>, o queestaria além d<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> deste livro, podem<strong>os</strong> formular um entendimentobastante claro de libido, recorrendo a um bom dicionáriocomum. E isto é válido para <strong>os</strong> de língua inglesa Webster, Funck &Wagnall, o Larrousse, francês, ou o n<strong>os</strong>so competente Aurélio.Vejam<strong>os</strong> o que n<strong>os</strong> diz este último, ao conceituar a conotaçãopsicanalítica da palavra libido:- Energia motriz d<strong>os</strong> instint<strong>os</strong> da vida, i. e., de toda a condutaativa e criadora do homem (destaques desta transcrição).O que confirma que libido não é somente sexo, conceito ao qual o<strong>Espiritismo</strong> não teria objeções a opor, de vez que, entendendo o serhumano como uma acomodação entre matéria (corpo físico) e energia(espírito), não poderá ignorar ou rejeitar a evidência de que forças bemdefinidas circulem pelo sistema corpo/espírito, sob o comando deste.A sexualidade é, portanto, expressão ou manifestação, no campo damatéria, de uma forma de energia direcionada e administrada peloEspírito encarnado e que, obviamente, é utilizada também para outr<strong>os</strong>fins.Sabem<strong>os</strong>, por outro lado, que as formas de energia ocorrem eatuam em sistemas de polaridade, que a milenar sabedoria chinesaclassificou com palavras hoje de conhecimento geral: yang e yin. Essesterm<strong>os</strong> representam não apenas o p<strong>os</strong>itivo e o negativo, mas o masculinoe o feminino, o quente e o frio, e inúmeras outras situações, ou seja,<strong>os</strong> op<strong>os</strong>t<strong>os</strong> que se tocam e se completam e interagem um sobre o outro.A libido, portanto, que no campo físico se expressa na sexualidade,ou, mais especificamente, na procriação, é também uma formapolarizada de energia, como qualquer outra. Daí a coexistência deimpuls<strong>os</strong> e tendências masculinas e femininas no mesmo ser, como têmobservado <strong>os</strong> cientistas. Uma carga energética mais intensa, num ounoutro pólo, define a forma de expressão da sexualidade e, por ummecanismo de "feed back", caracteriza ou pelo men<strong>os</strong> colore apersonalidade. Convém esclarecer que entendem<strong>os</strong> personalidade comoexpresso da individualidade encarnada. O espírito imortal, com asoma de suas experiências pregressas, é a individualidade, enquanto <strong>os</strong>er encarnado, contido nas limitações da vida na carne, é a personalidade.Esta palavra, aliás, é de adequado e irretocável conteúdo semântico,uma vez que persona, em latim, é o termo que corresponde a-170-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensemáscara. É como se a individualidade imortal revestisse uma espéciede máscara para poder atuar no grande palco da vida e nele desempenharo papel que lhe toca no contexto da sua problemática cármica.A sexualidade é, portanto, expressão ou escoadouro de energiasdo Espírito. Do início até níveis median<strong>os</strong> do processo evolutivo -miléni<strong>os</strong> e miléni<strong>os</strong> - uma grande parte dessa energia criadora éconsumida ou utilizada na atívidade geradora de corp<strong>os</strong> físic<strong>os</strong> que setornam em outras tantas oportunidades evolutivas para outr<strong>os</strong> seres.Com o correr do tempo, não obstante, parte da energia- que, em simesma, não é sexual, como vim<strong>os</strong>, mas simples energia psíquica -começa a ser dirigida para outr<strong>os</strong> canais de expressão: arte, misticismo,serviço social, política ou o que seja. Até que alcance um estágiode equilíbrio tal que não mais terá necessidade de expressão fisiológica,material, mesmo porque em tais patamares evolutiv<strong>os</strong> o Espíritoprescinde da matéria, por não mais estar sujeito à reencarnação, comoassinala Kardec. Em Espírit<strong>os</strong> de elevada condição evolutiva, porconseguinte, não há mais a predominância de uma polarização sobre aoutra, e sim um redirecionamento na utilização da energia como umtodo. Não tem<strong>os</strong> mais um homem com tendências femininas ou umamulher com certo conteúdo masculino, e sim um ser em equilíbrioenergético, mesmo porque não precisa mais gerar corp<strong>os</strong> para seu usoeventual em próximas ou remotas encarnações.Se, por necessidade programática, o Espírito volta a reencarnarseem missão relevante, terá de optar, necessariamente, por um corpode características masculinas ou femininas. Não traz, contudo, <strong>os</strong>impuls<strong>os</strong> sexuais correspondentes. Embora fisicamente seja homemou mulher, na personalidade humana, seu Espírito, como individualidade,canaliza suas energias psíquicas (libido) para outras finalidadescriadoras. Isto quer dizer que em tais seres as energias que, durantemuit<strong>os</strong> miléni<strong>os</strong>, foram canalizadas para a sexualidade, estão tendooutra destinação, estão sendo utilizadas de maneira mais nobre, emautêntic<strong>os</strong> process<strong>os</strong> de sublimação, cujo mecanismo ainda n<strong>os</strong> escapaà observação, por conseguinte, ao entendimento.Em sua narrativa MINHA VIDA E EXPERIMENTAÇÕESCOM A VERDADE, o Mahatma Gandhi conta que a certa altura daexistência, ainda jovem e casado, resolveu, de comum acordo com aesp<strong>os</strong>a, suspender totalmente sua atividade genésíca, tendo vivido oresto da existência em regime de deliberada e tesponsável castidade.De alguma forma, por certo, as energias que até então estavam sendoconsumidas na atividade sexual, passaram a ter utílízação puramente-171-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepsíquica e que certamente contribuíram para <strong>os</strong> prodígi<strong>os</strong> de resistênciapacífica, serenidade e coragem que demonstrou esse homem excepcional.Ao que tudo indica, portanto, nas etapas mais avançadas doprocesso evolutivo, o ser humano alcança um equilíbrio emocional epsíquico satisfatório da sua carga energética.Não é mais um homem, no sentido em que o entendem<strong>os</strong>, nem urnamulher e muito men<strong>os</strong> um andrógino. O problema não ocorre maisnocontexto puramente sexual, pois suas energias estão tendo destinaçãodiversa, em outr<strong>os</strong> camp<strong>os</strong> de atividade criadora. Não se trata,portanto, de um ser sexuado ou assexuado, bissexuado ou híbrido, masde um indivíduo no qual as energias psíquicas não têm mais expressãoatravés da sexualidade.Creio que estam<strong>os</strong> agora em condições de examinar, ainda quesumariamente, o agudo problema da hom<strong>os</strong>sexualidade.O hom<strong>os</strong>sexualismo é caracterizado como atração sexual de umapessoa por outra do mesmo sexo. É oportuno lembrar que o prefixo, .no caso, vem do grego onde significa igual, semelhante, e não do latim,no qual quer dizer homem.As práticas hom<strong>os</strong>sexuais foram considerdas normais em 64%das sociedades antigas, inclusive na Grécia. Em algumas das maisprimitivas, o hom<strong>os</strong>sexualismo estava ligado ao xamanismo, no contextodo qual se considerava o hom<strong>os</strong>sexual como dotado de poderesmágic<strong>os</strong>. É o que n<strong>os</strong> informa o Dr. Clifford Allen, eminente psiquiatrae escritor inglês, no estudo de sua autoria para a Enciclopédia Britâmca.Antig<strong>os</strong> text<strong>os</strong> revelam que entre <strong>os</strong> hititas, o hom<strong>os</strong>sexualismoera proibido apenas entre pai e filho. Leis assírias, aí por volta d<strong>os</strong>éculo li ou 12 antes de Cristo, puniam a prática com a castração.Sabe-se também que onde a legislação o proibia, nem mesmo a pena demorte conseguiu erradicar o hom<strong>os</strong>sexualismo. Na Idade Média enterrava-se,queimava-se vivo ou executava-se o hom<strong>os</strong>sexual. A Igrejacontribuiu para que legislação específica e severa f<strong>os</strong>se adotada nassuas áreas de influência. O Apóstolo Paulo é claro e firme na condenaçãode tais práticas, como se lê n<strong>os</strong> versícul<strong>os</strong> 26 e 27, primeirocapítulo, de sua carta a<strong>os</strong> Roman<strong>os</strong>:- "Por isso v<strong>os</strong> entregou Deus a paixões infames; pois suasmulheres inverteram as relações naturais por outras contra a natureza;igualmente <strong>os</strong> homens, abandonando o uso natural da mulher, abrasaram-seem desej<strong>os</strong> uns pel<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, cometendo a infâmia de homem-172-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecom homem, recebendo em si mesm<strong>os</strong> a recompensa merecida de seuextravio''.Seja como for, o problema é antigo e o tratamento que a sociedadelhe tem dado <strong>os</strong>cila entre a tolerência ou indiferença e as maisserveras punições.Na tentativa de entender melhor o fenômeno, quatro hipótesesforam armadas para explicar sua ecl<strong>os</strong>ão: 1) aberração genética, 2)perturbação endócrina, 3) condição psicológica e 4) combinação deduas ou mais de tais causas.A primeira delas é a que tem sido apontada com maior freqüência.Apóia-se, em grande parte, no testemunho do próprio hom<strong>os</strong>sexualque declara ter assim nascido e assim ter sido desde que seentende.Experimentações genéticas foram realizadas extensamente cominset<strong>os</strong> - por causa do rápido ciclo reprodutor -, mas <strong>os</strong> resultad<strong>os</strong>não foram satisfatóri<strong>os</strong> de forma a permitirem aplicação de suasconclusões a<strong>os</strong> seres human<strong>os</strong>. Foram obtid<strong>os</strong>, por exemplo, inset<strong>os</strong>hom<strong>os</strong>sexuais mach<strong>os</strong> com maior ou menor tendência feminina oumach<strong>os</strong> geneticamente feminin<strong>os</strong>. Tais condições, aliás, são observáveisem, praticamente, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> animais, como n<strong>os</strong> asseguram <strong>os</strong>estudi<strong>os</strong><strong>os</strong>. O hom<strong>os</strong>sexualism<strong>os</strong> seria, em tais cas<strong>os</strong>, uma disfunçãopsicológica, sim, mas suscitada pela condição existente no organismofísico. A hipótese é, contudo, inaceitável na sua aplicação ao serhumano, no qual não se manifestam sinais exteriores, orgânic<strong>os</strong> datendência. Em outras palavras: o hom<strong>os</strong>sexual masculino ou femininodispõe de órgã<strong>os</strong> normais em seu corpo físico; se a teoria f<strong>os</strong>se válida,o procedimento seria determinado pela natureza do aparelho genésico.A causa endócrina, ou seja, glandular, não alcançou melhor êxitona tentativa de caracterização do fenômeno, ou pelo men<strong>os</strong> nãoconseguiu ser demonstrada de maneira convincente e conclusiva. Amaioria d<strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais não apresenta evidência de doença glandular.A castração não acarreta o hom<strong>os</strong>sexualismo e, segundo algunsautores, o tratamento hormonal correspondente não altera o comportamento.Quanto a isto, porém, há divergência.Há alguns an<strong>os</strong> não se conseguia detectar nenhuma diferençafísica entre o hetero e o hom<strong>os</strong>sexual, em testes macro ou micr<strong>os</strong>cópi<strong>os</strong>,bioquímic<strong>os</strong> ou endócrin<strong>os</strong>, segundo n<strong>os</strong> afirma o já citado Dr.Clifford Allen. Técnicas mais recentes, contudo, já conseguem identificarcertas características, segundo depoimento do Dr. Jorge Andréa,-173-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseem seu livro FORÇAS SEXUAIS DA ALMA. Quanto a<strong>os</strong> hormôni<strong>os</strong>,declara este mesmo e competente pesquisador brasileiro o seguinte:- "Os animais superiores, inclusive o homem, p<strong>os</strong>suem em suasorganizações físicas, tanto a masculina quanto a feminina, hormôni<strong>os</strong>d<strong>os</strong> dois sex<strong>os</strong>. Qualquer que seja a polaridade sexual, um estado dedesorganização d<strong>os</strong> camp<strong>os</strong> espirituais poderá excitar um determinadohormônio acarretando deformações de efeit<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> heter<strong>os</strong>exuaisdas gónadas".O que se depreende da observação do Dr. Andréa é que, em vezde o organismo determinar as condições de comportamento psicológico,o contrário é que se dá, ou seja, as disfunções espirituais é queproduzem alterações somáticas no sistema endócrino, o que n<strong>os</strong> pareceracional e compatível com outr<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> de interação psic<strong>os</strong>somática.Resta~n<strong>os</strong>, portanto, a causa psicológica, a mais promissoradentre as que foram convocadas para melhor entendimento do problema,dado que a 4' alternativa, ou seja, acoplamento de causas orgânicascom as de natureza psicológica está à espera de melhor definiçãodaquelas.Do ponto de vista espírita, creio prudente admitir a p<strong>os</strong>sibilidadede uma influenciação mútua, ou seja, tanto no sentido físico/espiritualcomo na sua recíproca espiritual/físico.Mais uma vez invocam<strong>os</strong> o princípio dualista na busca de um entendi~mento melhor das coisas, mas obviamente, a dominante será sempre arealidade espiritual. Ou, para dizer a mesma coisa de outra maneira:não é o corpo físico que comanda o Espírito e sim este que decide eprograma aquele, ainda que receba de volta reações e sofra algumainfluenciação, pouco expressiva, aliás.A abordagem científica, contudo, especula sobre se estam<strong>os</strong> ~quiperante um fenômeno de pura e simples degeneração. Os adept<strong>os</strong> detal teorização servem-se dela para justificar a maneira gr<strong>os</strong>seira,agressiva e até desumana com o qual c<strong>os</strong>tumam referir-se a<strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais.Há quem cite a decadência de Roma como exemplo dedegeneração que levou o poder<strong>os</strong>o império ao colapso. Segundo estes,Roma perdeu o domínio do mundo por causa da degeneração sexual,mas isto é apenas um componente - certamente grave - de umconjunto bem mais complexo de contingências. E mais: não há evidênciaconsistente de degeneração física ou intelectual n<strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuaismasculin<strong>os</strong> ou feminin<strong>os</strong> por causa da Phom<strong>os</strong>sexualidade. Ao contrário,muit<strong>os</strong> têm demonstrado considerável capacidade intelectual,-174---


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensecriatividade, liderança e competência. Acresce 411• 'IIIAif todo• dofisicamente normais e dotad<strong>os</strong> de boa saúde. As dtfi~uldaún m11l1acentuadas aqui estão no mecanismo emocional situudu nuw •aaant"'nh<strong>os</strong> secret<strong>os</strong> da personalidade.Considerado ou não como doença pelas diferentes corrcnte11 dtpensamento científico, o certo é que o hom<strong>os</strong>sexualismo, prindJ'Ill:mente nas grandes cidades modernas, passou a ser explorado cnm~1vício, com as características e as mazelas da pr<strong>os</strong>tituição femininu.Observam também <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> que nem tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuaismasculin<strong>os</strong> são de tipo efeminado e apassivado. Alguns, ao contrário.são perig<strong>os</strong>amente violent<strong>os</strong> e agressiv<strong>os</strong>, a mais das vezes por questõesde ciúmes e ri validades.A Dra. Doris Maude Odlum, consultora de Medicina Psicologia,em Londres, observa que também entre <strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais feminin<strong>os</strong>não se nota incidência acima do normal em neur<strong>os</strong>es e psic<strong>os</strong>es. Oproblema fica mais localizado na área do relacionamento interpessoal e-muitas vezes as ligações, embora exercendo por vezes algumas influênciaconstrutiva nas vidas das pessoas envolvidas, terminam emtragédias pelas mesmas motivações de sempre, ou seja, ciúmes, rivalidadesou pressão social. Como sabem<strong>os</strong>, porém, este último fator(pressão social) é bem men<strong>os</strong> relevante hoje.Sobre isto n<strong>os</strong> fala, ém bem estruturada pesquisa, o dr. DélcioMonteiro de Lima, em seu livro COMPORTAMENTO SEXUAL DOBRASILEIRO, (Francisco Alves!; 3' edição, 1978).Embora alguns d<strong>os</strong> inúmer<strong>os</strong> especialistas consultad<strong>os</strong> na suapesquisa tenham opinado no sentido de que não há uma expansão daspráticas hom<strong>os</strong>sexuais hoje e sim uma atitude maís descontraída e até<strong>os</strong>tensiva das pessoas envolvidas, a conclusão do pesquisador é aseguinte;-Os resultad<strong>os</strong> apurad<strong>os</strong>, sintetizando revelam: para quase oitocentenas de especialistas que estão em contato permanente com milharese milhares de pessoas d<strong>os</strong> mais variad<strong>os</strong> segment<strong>os</strong> da população,ocupando p<strong>os</strong>ições privilegiadas à observação do comportamento sexual,há o consenso de que o hom<strong>os</strong>sexualismo experimenta, realmente,um processo de crescimento entre <strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> (o destaque é destatranscrição).Constituem fatores de propagação de tais práticas, ainda segundoo Dr. Délcio Monteiro de Lima, as seguintes situações:-175-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseProblemas de relacionamento no lar, "onde a autoridade d<strong>os</strong> paisdebilitou-se, agravada ou causada pel<strong>os</strong> múltipl<strong>os</strong> element<strong>os</strong> que provocamo stress da vida moderna.". Fácil identificação d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> n<strong>os</strong> consultóri<strong>os</strong> médic<strong>os</strong>,onde não hesitam em se identificar como hom<strong>os</strong>sexuais ''assumid<strong>os</strong>'' .. Educação sexual inadequada. O sexo passou da condição de umsevero tabu à de tema livre não apenas em conversações, mas nadinâmica d<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> modern<strong>os</strong> de comunicação.. Uso difundido de tóxic<strong>os</strong> e drogas alucinógenas que, comfrequência, constituem introdução às práticas hom<strong>os</strong>sexuais, segundodepoimento de muit<strong>os</strong> jovens.Alguns comentári<strong>os</strong> se fazem aqui necessári<strong>os</strong>.A óbvia evidência de que o hom<strong>os</strong>sexualismo, difundido pelomundo todo, sendo hoje quase que praticado às claras, sem constrangiment<strong>os</strong>ou inibições, não deixou de ser um desvio de comportamento.O Dr. Délcio Monteiro de Lima procurou expor <strong>os</strong> resultad<strong>os</strong> de suaspesquisas da maneira mais isenta p<strong>os</strong>sível, a fim de que seu trabalho,indiscutivelmente sério não se prejudicasse com as controvérsiasacerca da terminologia. Ao capítulo que cuida do assunto, o de númeroIV intitulou prudentemente O COMPORTAMENTO NÃO-CONVEN­CIONAL.Mesmo com esse cuidado na escolha d<strong>os</strong> term<strong>os</strong> para estudar asituação, não há como evitar a caracterização das práticas hom<strong>os</strong>sexuaiscomo desvi<strong>os</strong> de comportamento. O Dr. J. Affonso Moretzsohn,de Belo Horizonte, chama a atenção para o fato de que a' 'preservaçãoda espécie" é "lei magna", enquanto o autor do livro lembra o''precário equilíbrio emocional'' do hom<strong>os</strong>sexual ou a sua 'frágilestrutura psicológica", conceituando a prática como "ato sexual anômalo''.Não há como fugir a esse quadro. A atividade sexual é prioritariamenteprocriativa, geradora. Assim é sua utilzação pel<strong>os</strong> animais quese deixam guiar pela sabedoria d<strong>os</strong> instint<strong>os</strong>, como assinala a DoutrinaEspírita. O prazer, como também já vim<strong>os</strong>, é acessório e, portanto,secundário. Em outras palavras: o sexo não é uma instrumentação deprazer e sim um mecanismo reprodutor, ao qual o elemento prazer foiadicionado como estímulo à preservação das espécies. A naturezacomo que criou espaç<strong>os</strong> para que ele f<strong>os</strong>se utilizado também comoelemento de prazer, mas não com exclusividade, porque então estariainterferindo com o que o Dr. Moretzsohn identifica apropriadamentecomo 'lei magna'.-176-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense- Tudo o que embaraça a Natureza em sua marcha é contrário àlei geral - dizem <strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> de maneira objetiva em resp<strong>os</strong>ta àpergunta 693.Mesmo se admitindo a dificuldade de caracterizar com relativaprecisão e nitidez <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> de normalidade e anormalidade nocomportamento humano, e matizá-l<strong>os</strong> com propriedade, não encontram<strong>os</strong>apoio científico ou doutrinário para considerar normal a práticahom<strong>os</strong>sexual masculina ou feminina. É um comportamento anômalo,como assinalam <strong>os</strong> especialistas.Por isso tenho observado com certo desconforto a maneira, ameu ver, inadequada pela qual estão sendo interpretadas as reflexõesde Emmanuel no livro VIDA E SEXO, psicografado por FranciscoCândido Xavier.Devo aqui solicitar uma pausa para um preâmbulo.Ao assumir a responsabilidade de concluir este livro do queridoamigo e companheiro <strong>Deolindo</strong> Amorim não me foram sugeridas e nemimp<strong>os</strong>tas condições limitadoras para fazê-lo. Ficaram a meu critério,em regime de total confiança, que muito me honra, a escolha d<strong>os</strong> temase a maneira de tratá-l<strong>os</strong>. Como ficou explicado alhures era de meudever respeitar escrupul<strong>os</strong>amente o texto preparado pelo ilustre esaud<strong>os</strong>o amigo e completar o livro da maneira que, a meu ver, ele oteria feito, ressalvadas naturalmente as características pessoais deestilo e abordagem de cada um.dita, isto é, d<strong>os</strong> cinco livr<strong>os</strong> básic<strong>os</strong> publicad<strong>os</strong> no séculoSem men<strong>os</strong>prezar ou ignorar a importante contribuição d<strong>os</strong> autoresdesencarnad<strong>os</strong> filtrada através da mediunidade, <strong>Deolindo</strong> preferiasempre trabalhar mais extensamente no âmbito da Codificação propriam~ntepassado sob a responsabilidade de Allan Kardec. Com freqüênciarecorria, nas suas exp<strong>os</strong>ições escritas ou orais, a text<strong>os</strong> d<strong>os</strong> continuadoresimediat<strong>os</strong> de Kardec, sendo inequívoca sua predileção pelogrande Léon Denis, como se sabe.Na vasta literatura espírita contemporânea, valorizou como pouc<strong>os</strong>o trabalho do escritor encarnado, não por qualquer anim<strong>os</strong>idade­<strong>Deolindo</strong> jamais foi de tais atitudes- ou reserva a autores espirituais.Achava ele - e sobre isso o ouvi falar com freqüência - que erapreciso combater a atitude comodista de ficarm<strong>os</strong> à espera de que <strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong> trouxessem <strong>os</strong> seus ensinament<strong>os</strong> enquanto n<strong>os</strong> limitávam<strong>os</strong>a ouví-l<strong>os</strong> e questioná-l<strong>os</strong> sem esforço pessoal. Queria o espíritaestudando, pesquisando, concluindo, dando, enfim, sua contribuição-177-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepessoal, excelente, boa, medíocre ou até insatisfatória, mas semprecomo produto de um trabalho individual, de uma busca, de um esforçode realização pessoal.Acresce outro aspecto que ele sempre abordou com a sua habitualserenidade e equilíbrio, mas com firmeza: o de que o textomediúnico, qualquer que f<strong>os</strong>se o seu autor, é habitualmente acolhidoquase como uma revelação, muitas vezes sem exame crítico maisatento, como recomendam incansavelmente <strong>os</strong> própri<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong>. Kar~dec estabeleceu até para o conceito de fé o critério da racionalidade. Éo que está na página de r<strong>os</strong>to de O EV ANGELO SEGUNDO OESPIRITISMO.A colaboração d<strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> superiores mais avançad<strong>os</strong> em sabedoriae experiência é indispensável, mas isto não n<strong>os</strong> exime da respon~sabilidade de pensar, de escolher, de concluir e de decidir sobre <strong>os</strong>n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> rum<strong>os</strong>, pois <strong>os</strong> Espírit<strong>os</strong> responsáveis jamais interferem com oexercício do n<strong>os</strong>so livre arbítrio.- O <strong>Espiritismo</strong> - escreveu Kardec - será o que dele fizerem<strong>os</strong> homens.Há, pois, uma nítida responsabilidade a ser assumida pel<strong>os</strong>trabalhadores encarnad<strong>os</strong> da seara espírita. <strong>Deolindo</strong> Amorim adotou eviveu essa fil<strong>os</strong>ofia de trabalho. Examinou sempre a contribuição d<strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong> com o maior cuidado e respeito, adotou e divulgou muit<strong>os</strong> deseus conceit<strong>os</strong> e ensinament<strong>os</strong>, mas procurou praticar o que seugrande amigo e companheiro Leopoldo Machado c<strong>os</strong>tumava chamarde "<strong>Espiritismo</strong> de viv<strong>os</strong>".Este aspecto é aqui invocado porque se tornou necessário comentaralgumas observações de Emmanuel que parece terem suscitado nomeio espírita algumas conclusões precipitadas e desatentas, em virtudeda leitura no texto mediúnico de p<strong>os</strong>t11ras e conceit<strong>os</strong> que ali nãoconstam, nem explícita, nem implicitamente.É o que verem<strong>os</strong> a seguir.Vem<strong>os</strong>, em VIDA E SEXO, capítulo 21- HOMOSSEXUALIDA­DE, que o Espírito manifestante solicita para <strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais "atençãoe respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devid<strong>os</strong> àscriaturas heter<strong>os</strong>sexuais", com o que estam<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> de acordo.Segue-se, contudo, um período que parece estar dando margem ainterpretações deformadas, dúbias ou francamente equívocas da partede alguns, no meio espírita.Transcrevêmo-lo, para, em seguida, analisá-lo com mais vagar:-178-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense- "A coletividade humana aprenderá, gradativamentc ·-- r-.·rrve Emmanuel -, a compreender que <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> de normalidade eanormalidade deixam a desejar quando se trate simplesmente de •int~i•morfológic<strong>os</strong>, para se erguerem como agentes mais elevad<strong>os</strong> de defini·ção da dignidade humana, de vez que a individualidade, em si, exalta avida comunitária pelo próprio comportamento na sustentação do bemde tod<strong>os</strong> ou a deprime pelo mal que causa com a parte que assume nojogo da delinqüência".Quer isto dizer que o eminente instrutor espiritual autorize, tolereou admita tais práticas simplesmente porque devem<strong>os</strong> o maior respeitoe atenção a<strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais como seres human<strong>os</strong>? Ou que as admitaporque é difícil definir conceit<strong>os</strong> de normalidade e anormalidade? Nãoe não.A uma leitura cuidad<strong>os</strong>a e analítica, o texto n<strong>os</strong> informa que <strong>os</strong>conceit<strong>os</strong> de normalidade ou anormalidade são inadequad<strong>os</strong> quandoaplicad<strong>os</strong> às características orgânicas, ao corpo material, à formafísica. O que se pretende é avaliar o comportamento ético das pessoasde vez que é pelas suas opções, livremente feitas, que o ser encarnadocontribui com a sua parcela de bem à sociedade em que vive ou a"deprime pelo mal que (lhe) causa", ao entregar-se ao "jugo dadelinqüência".É evidente, portanto, que, por mais difundidas que sejam aspráticas hom<strong>os</strong>sexuais e por maior que seja o respeito dedicado a<strong>os</strong>que se envolvem nelas, o hom<strong>os</strong>sexualismo é um cOmportamentodelinqüente, do ponto de vista espiritual, ainda que não entendidoassim pela legislação humana. E nisto estão de acordo Espírit<strong>os</strong> ecientistas encarnad<strong>os</strong> que, como vim<strong>os</strong> há pouco, consideram a práticacomo "ato sexual anômalo", em conflito com "a lei magna" porpessoas de "frágil estrutura psicológica", em "precário equilíbrioemocional". O que caracteriza o hom<strong>os</strong>sexualismo como problemapsic<strong>os</strong>somático, ou melhor, afetando, em conjunto, o dualismo corpo/espírito.É, portanto, uma disfunção emocional que precisa serconvenientemente tratada, visando ao eventual retorno ao equilíbrio, àconsolidação das estruturas psicológicas, ao respeito à lei magna, aocomportamento regular, se é que desejam<strong>os</strong> evitar o termo normal,pelas implicações e dificuldades há pouco examinadas.O texto não está, portanto, induzindo ou admitindo atitudesconformistas ou acomodatícias como a de muit<strong>os</strong> que resolvem, porconta própria ou "aconselhad<strong>os</strong>" por pessoas espiritualmente despreparadas,''assumir" a condição e seguir pel<strong>os</strong> desvi<strong>os</strong> como se estivessemtrilhando a estrada principal.-179-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseTanto é assim que pouco adiante apresenta Emmanuel o fenômenoda troca de polaridade sexual como recurso da lei para que oEspírito reencarnante p<strong>os</strong>sa aprender em regime de prisão a reajustar<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong>".Acrescenta, a seguir, que alguns escolhem tais situações com oobjetivo de ''viver'' temporariamente ocult<strong>os</strong> na armadura carnal, como que se garantem contra "arrastament<strong>os</strong> irreversíveis" no campo dasemoções.Se o regime é de limitação da liberdade, exatamente porque delase abusou no passado como homem ou como mulher, se a providênciaé tomada - muitas vezes a pedido do próprio interessado - para quese reajuste, ou se ali está naquela condição, que lhe é inabitual, paraesconder-se temporariamente e livrar~se de envolviment<strong>os</strong> emocionaisnegativ<strong>os</strong>, estará pondo todo um planejamento a perder se decidiragravar desajustes de personalidade que veio programado para corrigir.Em suma: engana-se redondamente quem supuser que dispõe decobertura doutrinária e espiritual para "assumir'' práticas hom<strong>os</strong>sexuais.O Dr. Denis Kelsey no livro NOSSAS VIDAS ANTERIORES,escrito de parceria com sua esp<strong>os</strong>a, a conhecida escritora inglesa JoanGrant, apresenta um caso de hom<strong>os</strong>sexualismo masculino resolvido nasua clínica psiquiátrica em uma única sessão. Tratava~se de um homemculto, inteligente, de bom "status" social e que se entregava compulsivamenteàs práticas hom<strong>os</strong>sexuais. Não era, porém, daqueles queassumem com desinibição e prazer a sua condição. Ao contrário,considerava-a vexatória, repugnante mesmo. Com a ajuda da mediunidadeda esp<strong>os</strong>a, o Dr. Kelsey descobriu que, em remota existêncianum país árabe, o seu paciente fora uma bela mulher ligada a um d<strong>os</strong>potentad<strong>os</strong> da época. Utilizara-se impied<strong>os</strong>amente da sua beleza físicacomo instrumento de poder para oprimir, corromper e dominar. Agora,em corpo masculino, sofria a pressão da polaridade feminina que <strong>os</strong>ubmetia a humilhações, desg<strong>os</strong>to e vexame, cabendo-lhe então viversob a tirania do sexo transviado.Uma vez revelado esse processo, ele próprio concluiu que ohom<strong>os</strong>sexualismo não era uma fatalidade que lhe cumpria aceitar,mesmo contra a vontade, mas uma situação de reajuste que ele tinhacondições para alterar, desde que entendesse e assimilasse bem a liçãocármica que ali estava expressa. Após esse processo de racionalizaçãodo problema, livrou-se dele. Estava aprendida a lição e curada aanomalia.-180-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseÉ preciso lembrar que não há soluções padroniJ.nda~ nu J'HtnA'céias infalíveis para tais <strong>problemas</strong>. Os especialistas aJ.vcrtE!m quecada caso tem suas peculiaridades específicas, e, obviamente, precisade tratamento adequado. Consideram curáveis - dentro do evidenteconceito de que são "doenças" emocionais - <strong>os</strong> cas<strong>os</strong> de timidezexcessiva ante o sexo op<strong>os</strong>to. São tid<strong>os</strong> por cas<strong>os</strong> difíceis <strong>os</strong> dehomens excessivamente efeminad<strong>os</strong> ou, reversamente, de mulherescom forte polarização masculina.O que vem<strong>os</strong> por trás disso, portanto, do ponto de vista do<strong>Espiritismo</strong>, é precisamente o que informaram <strong>os</strong> Instrutores da Codificaçãoa Kardec, ou seja, Espírit<strong>os</strong> que, em sucessivas encarnaçõesnum d<strong>os</strong> dois sex<strong>os</strong> predominantemente tenham de aceitar uma existênciaem sexo op<strong>os</strong>to. Embora a alma não tenha sexo como oconhecem<strong>os</strong>, é certo que traz a estratificação de alguns condicionament<strong>os</strong>criad<strong>os</strong> pela repetitividade das encarnações naquela condição(masculina ou feminina). Daí <strong>os</strong> <strong>problemas</strong>. Esses verdadeir<strong>os</strong> cruzament<strong>os</strong>de fronteiras, contudo, não ocorrem por mero acaso ou pordescuido das leis; ao contrário, resultam de situações cármicas bemdefinidas e se destinam a corrigir desvi<strong>os</strong> anteriores, o que jamais seráconseguido se a pessoa enveredar por nov<strong>os</strong> desvi<strong>os</strong> em busca desatisfações para as quais seu organismo físico não veio preparado,precisamente porque necessita de exercitar um esforço inibidor sobresuas paixões. Em tais situações a pessoa encarnada sente-se, porexemplo, com a psicologia e <strong>os</strong> ansei<strong>os</strong> de uma mulher, mas seu corpofísico é o de homem. Alguma razão existe para que assim seja. Senãocom objetiv<strong>os</strong> nitidamente corretiv<strong>os</strong>, pelo men<strong>os</strong> como díversificaçãoda experiência, visando a um patamar final e definitivo de equilíbriodas polarizações.O tema comporta inúmeras outras especulações, mas não caberiamestas nas limitações de um mero capítulo de livro.Apenas um aspecto a mais g<strong>os</strong>taríam<strong>os</strong> de abordar antes deencerrar este módulo do estudo.Observam<strong>os</strong>, de início, a conexão antiqüíssima entre xamanismoe hom<strong>os</strong>sexualismo, segundo o qual <strong>os</strong> hom<strong>os</strong>sexuais chegaram a serconsiderad<strong>os</strong> seres dotad<strong>os</strong> de poderes mágic<strong>os</strong>. Encontram<strong>os</strong> emEmmanuel a observação de que muit<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> "cult<strong>os</strong> e sensíveis,aspirando a realizar tarefas específicas na elevação de grupament<strong>os</strong>human<strong>os</strong>" pleiteiam a encarnação em sex<strong>os</strong> op<strong>os</strong>t<strong>os</strong> àqueles em queacham mais afeit<strong>os</strong> pela experiência evolutiva anterior. Trata-se, segundoesse Espírito, de um mecanismo p-:0tetor, montado para evitararrastament<strong>os</strong> indesejáveis que poriam em risco a própria tarefa que seincumbem de realizar.-181-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseEncontram<strong>os</strong> em Jorge Andréa (FORÇAS SEXUAIS DA AL­MA) a tese de que em muitas dessas p<strong>os</strong>ições -de polarização diversada que se caracteriza na forma física - encontram<strong>os</strong>, em regime decastidade construtiva, ''indivídu<strong>os</strong> sensíveis a<strong>os</strong> fenômen<strong>os</strong> parapsicológic<strong>os</strong>",ou seja, médiuns, que produzem "mensagens do mundoespiritual com o mais profundo teor de sensibilidade artística, pelap<strong>os</strong>sibilidade de serem envolvid<strong>os</strong> nas energias criativas das forçassexuais" (pág. 69, op.cit.)Conclui-se, portanto, destas observações convergentes, que asaparentes dissonâncias entre as forças criativas do Espírito e a manifestaçãodelas através do corpo físico, podem e devem ser disciplinadase canalizadas para viabilizar por intermédio d<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> damediunidade um trabalho altamente p<strong>os</strong>itivo, construtivo e libertador.Se um médium em potencial, renascido com aparentes disfunçõesdessa natureza, resolver "assumir" práticas hom<strong>os</strong>sexuais, lamentavelmentetidas como "libertadoras", estará traindo seus compromiss<strong>os</strong>e deixando de utilizar-se d<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> que lhe foram concedid<strong>os</strong> afim de ajustar-se e servir, para agravar ainda mais conflit<strong>os</strong> íntim<strong>os</strong>ainda não solucionad<strong>os</strong>.O hom<strong>os</strong>sexualismo é, portanto, o resultado de um jogo desequilibradodas energias criadoras da alma. Atent<strong>os</strong> ao dualismo espírito­/matéria, não poderem<strong>os</strong> ignorar que essa desarmonia venha a afetar ocomponente físico do ser encarnado. Se a troca de polarização éprogramada exatamente para evitar arrastament<strong>os</strong> ou corrigir situa~ções anteriores em que tais arrastament<strong>os</strong> foram catastrófic<strong>os</strong> para oprocesso evolutivo do ser, nov<strong>os</strong> envolviment<strong>os</strong> somente poderãocontribuir para agravar a situação de desajuste emocional do ser e nãocontribuir para liberá-lo ou reequilibrá-lo.A visão espírita da problemática sexual, como um todo, e dahom<strong>os</strong>sexualidade em particular, é, portanto, inifinitamente maisabrangente, responsável e inteligente do que a visão unilateral que setem a partir de uma p<strong>os</strong>tura meramente organicista, biológica, material.Som<strong>os</strong> espírÍt<strong>os</strong> e estam<strong>os</strong> num corpo físico. O Espírito não temsexo, como entendem<strong>os</strong>, e sim uma poder<strong>os</strong>a energia criadora suscetível,como toda força natural, ao uso e ao abuso. A cada desvio numsentido há um infalível repuxo noutro. O processo evolutivo lembra omovimento pendular. Quanto mais avança num sentido, mais terá queretroceder no op<strong>os</strong>to. Quanto mais violenta a ação de ida, mais ampla areação de volta, até que, eventualmente, com a gradativa redução daperiodicidade, a <strong>os</strong>cilação se extingue e o movimento se aquieta no-182-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penserepouso. É o equilíbrio, é a paz. Não mais será necessário consumirenergia para movimentar o mecanismo gr<strong>os</strong>seiro e por isso sobraráenergia para as conquistas transcendentais do espírito imortal.-183-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseXIIIDROGAS, O trágico Mecanismoda FugaEm 1950, dois an<strong>os</strong> após a publicação daprimeira edição de O ESPIRITISMO EOS PROBLEMAS HUMANOS, de <strong>Deolindo</strong> Amorim, a empresa emque eu trabalhava como profissional das ciências contábeis transferiumepara o escritório que mantinha em New York, n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>,onde eu permaneceria até outubro de 1954.Teria sido irrealista negar, naquela época, o abusivo consumo dedrogas, principalmente entre <strong>os</strong> jovens da megalópolis americana, poisdisso n<strong>os</strong> davam conta <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de comunicação. A situação, contudo,parecia sob controle das autoridades e da sociedade em geral. Acreditava-semesmo que após um período de franca ascensão, o consumo deentorpecentes entrara a deslizar por uma curva em declínio. Váriasmedidas haviam sido articuladas com esse objetivo, desde o combate-185-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseao tráfico nas ruas das grandes cidades até restrições ao cultivo dasplantas que produzem a matéria-prima.O êxito das providências foi animador. Entre 1955 e 1957, Irã eAfeganistão proibiram a produção e venda de drogas, permitindo-asapenas para finalidades médicas. Procediment<strong>os</strong> semelhantes foramadotad<strong>os</strong> na Índia, que proibiu em 1959 o uso não medicinal dacannabis, conhecida sob diferentes nomes e variedades, como marijuana,bang, ganja, axixe, kif e maconha. O Egito destruiu a cannabísexistente em suas farmácias. Nessa mesma época, o Líbano eliminouplantações em milhões de metr<strong>os</strong> quadrad<strong>os</strong> de área, enquanto noMarroc<strong>os</strong> foi interditado o cultivo, a venda e o uso de tais plantas esuas respectivas drogas. Nas Américas, México e Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>atuaram em conjunto para suprimir o tráfico da maconha.O problema parecia sob controle, ou, pelo men<strong>os</strong>, encaminhadauma solução adequada, mas a impressão era ilusória. Narcótic<strong>os</strong>sintétic<strong>os</strong> produzid<strong>os</strong> em laboratóri<strong>os</strong> começaram a entrar em uso (eabuso) por toda parte, enquanto novas plantas eram introduzidas nasmesmas regiões ou em outras, como "kat" (catha edulis). cultivada naEtiópia, no Quénia, no Iêmem e em áreas vizinhas.Alguns dad<strong>os</strong> estatístic<strong>os</strong> concret<strong>os</strong> foram documentad<strong>os</strong> paraevidenciar as <strong>os</strong>cilações de consumo no período sob análise, demonstrandoque o vício da droga declinara substancialmente após um"pique" durante e logo após a primeira guerra mundial (1914/1918),quando a taxa de dragagem era de 1 em cada 400 habitantes. Em 1925 oíndice caíra para l ,53 em cada 10.000. Esses dad<strong>os</strong> são confirmad<strong>os</strong> emestatísticas oficiais do exército americano que rejeitara, por causa douso de drogas, um recruta em cada grupo de 1.500 convocad<strong>os</strong> durantea guerra de 1914 e apenas um em cada 10.000 durante a seleção desoldad<strong>os</strong> para a segunda guerra, a de 1939-1945.Depois deste conflito, contudo, o tráfico recomeçou com intensidade,assumindo a China a p<strong>os</strong>ição de ativa fonte de heroína nomercado mundial. Mesmo assim, pesquisa realizada em 1953 a 1957-que abrange, em parte, o período em que vivi em New York- revelaque havia apenas 44.000 viciad<strong>os</strong> naquele país, 80% deles homens e90% do total voltad<strong>os</strong> para o consumo da heroína. O número pareceimpressionante - e é, tomado em seu conceito absoluto, mas écompreensivelmente moderado quando relacionado com a massa populacionalamericana que contava 180 milhões de habitantes em 1960.A situação mudou dramaticamente nas última~ duas décadas. Emudou sob muit<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong>. dado que não apenas se intensificou a-186-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseprodução de drogas, como expandiu-se e alastrou-se o consumo pelomundo todo, abragendo todas as camadas sociais, diferentes níveis decultura e poder aquisitivo, gerando aflitiv<strong>os</strong> <strong>problemas</strong> colaterais,como o envolvimento com o crime organizado e individual ou questõesainda mais delicadas, como a da desagregação da família.Para mais nítida visão do problema examinarem<strong>os</strong>, a seguir,alguns aspect<strong>os</strong> mais dramátic<strong>os</strong> da crise da droga no mundo. Aincursão nesse terreno não será certamente agradáveJ, mas é proveit<strong>os</strong>aao entendimento do assunto.Em reportagem assinada por Willy Golberine, sob o título PAS­SAGE POUR L'ENFER, a revista francesa PARIS MATCH, de abrilde 1984, conta e documenta com fot<strong>os</strong> o que classifica de intolerávelrealidade: "<strong>os</strong> mort<strong>os</strong>-viv<strong>os</strong> da droga".Foram localizad<strong>os</strong> na capital francesa verdadeir<strong>os</strong> guet<strong>os</strong> dohorror, onde a polícia se confessa impotente, a não ser que se decidissepela intervenção a força bruta. O centro nevrálgico do desespero ficaem Illot Chalon, no J2o 'arrondissement' (distrito), cobrindo uma áreade oito hectares. Pelas ruelas sujas, entre casas velhas, úmidas eabandonadas, circula uma população de filme de horror, na qualconvivem traficantes e viciad<strong>os</strong>, vendendo ou tomando drogas a plenaluz do dia, ou à meia luz das noites intermináveis.Deliberadamente ou por mero acidente, a reportagem seguintenesse mesmo número de PARIS MATCH intitula-se COMMENT SEPORTE LA POLI CE? TRES MAL... ET LA CRIMINALITÉ? TRESBIEN! (Como se porta a polícia? Muito mal. E a criminalidade? Muitobem!)As duas reportagens compõem um quadro trágico da realidadeparisiense de hoje, mas seria incorre to concluir que somente ali ocorreuma situação dessas, pois o mal é universal.Vi coisas semelhantes, embora não tão <strong>os</strong>tensivas, em 1977, emNew York, quando ali estive, a passeio após quase 30 an<strong>os</strong> deausência. A imagem que se colhe nas ruas, especialmente as que sedesdobram em torno da Broadway nas vizinhanças da Times Square,era deprimente. Pessoas drogadas vagavam como sonâmbulas pelasruas como que desligadas da realidade. Antr<strong>os</strong> escus<strong>os</strong>,lojas, cinemase teatr<strong>os</strong> dedicad<strong>os</strong> à pornografia pesada, pululavam por toda parte,figuras estranhas perambulavam aparentemente sem rumo e sem base.A droga parece ter assumido condição de combustível dessesubmundo porque alimenta, de um lado, o vício incontrolável e, deoutro, a poder<strong>os</strong>a máquina crimina1 que sustenta o tráfico e de1e vive.-187-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseO JORNAL DO BRASIL de 10 de junho de 1984 informa. emreportagem especial, gerada em New York, que o mercado de drogasmovimenta 90 bilhões de dólares por ano n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>. Asmalhas de aço, ouro e sangue dessa rede tenebr<strong>os</strong>a colheram o mundotodo numa audaci<strong>os</strong>a e bem articulada operação multinacional que seestende da Ásia, de quase inacessíveis regiões d<strong>os</strong> Andes ou mesmo defazendas e síti<strong>os</strong> aparentemente inocentes pelo mundo afora até mercad<strong>os</strong>consumidores cert<strong>os</strong> como a Illot Chalon, em Paris, ou ascercanias da Broadway, em New York. Estima-se que somente emcocaína há 4 a 5 milhões de viciad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>.A cada dia que passa cerca de 5 mil american<strong>os</strong> decidem experimentarpela primeira vez essa droga. Cerca de 20 milhões já o fizeramalguma vez, d<strong>os</strong> quais <strong>os</strong> já citad<strong>os</strong> 4 ou 5 milhões ficaram viciad<strong>os</strong>.Isto somente quanto à cocaína. E a heroína, a maconha, o álcool:Controlado por um mecanismo implacável e violento de criminalidade,vai-se tornando cada vez mais assustador o processo de difusãoda droga no mundo. Como afirmou um qualificado policial americano àreportagem divulgada pelo JORNAL DO BRASIL a repressão sereduz a uma tentativa de "abrir buraco no oceano".Além d<strong>os</strong> vitimad<strong>os</strong> pela superd<strong>os</strong>agem (overd<strong>os</strong>e), cerca de lOmil morrem em acidentes de trânsito provocad<strong>os</strong> pelo consumo dedrogas ou de álcool.O único grupo etário n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>, cuja expectativa devida não está hoje em ascensão, é o de adolescentes. O vício começabem cedo na vida- a<strong>os</strong> 10 an<strong>os</strong> e antes- mas atinge também adult<strong>os</strong>e não mais apenas as classes men<strong>os</strong> favorecidas da população, comono passado, mas a classe média e a alta, mais bem dotadas de recurs<strong>os</strong>materiais e até de oportunidades de exercerem variad<strong>os</strong> talent<strong>os</strong>, comoartistas e profissionais de categoria universitária.Por faltas ao trabalho, queda de produtividade ou trabalho malfeito,estimam <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> que se perdem anualmente 25 bilhões dedó]ares em produção. São númer<strong>os</strong> arrasadores, espant<strong>os</strong><strong>os</strong>. dramátic<strong>os</strong>e parece que autoridades e a própria sociedade começam a considerá-]<strong>os</strong>irreversíveis.A publicação intitulada O MOSAICO DA DROGA, de responsabilidadeda UNESCO (Ver O CORREIO DA UNESCO, março de1982) declara que, em cert<strong>os</strong> países, parece diluir-se a preocupação queo problema da droga suscitava há cerca de uma década.Há uma tentativa de "desdramatizar" a questão. Nítida p<strong>os</strong>turàde cruzar <strong>os</strong> braç<strong>os</strong>, portanto. Em alguns países o uso da maconha-188-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensetornou-se /feito. Em outr<strong>os</strong>, como na Holanda, o Estado tenta diminuiro índice de criminalidade - <strong>os</strong> viciad<strong>os</strong> fazem qualquer coisa paraobter dinheiro que alimente a dependência -, experimentam com avenda "oficial'' de drogas a preç<strong>os</strong> acessíveis, quase nominais.Mesmo as drogas ainda fora da lei começam a ser encaradas commaior tolerância pela sociedade, numa atitude conformista de imprevisíveisconseqüências.O que fazer ante problema de tais proporções? Há uma espéciede consenso entre <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> no sentido de que se deveria promovt::ruma reeducação d<strong>os</strong> usuári<strong>os</strong> da droga e ao mesmo tempo criarprocess<strong>os</strong> educacionais e educativ<strong>os</strong> para evitar que nov<strong>os</strong> contingentesde jovens continuem a engr<strong>os</strong>sar as populações do que o jornalistafrancês de PARIS MATCH caracterizou como verdadeir<strong>os</strong> infern<strong>os</strong>.Sobre isso, contudo, escreve o Prof. Griffith Edwards, na publicaçãoda UNESCO já referida:- Mas numa perspectiva mais ampla, seria necessário perguntarsequem educa <strong>os</strong> educadores, e fazer, como um desafio, a seguintepergunta: "Será que se sabe do que se está falando? (Destaques destacitação.)Ao que tudo indica, o questionamento do Prof. Eduardo é válidoe oportuno. O problema não está tendo o equacionamento adequadopor causa de algumas "falsas idéias" que o confundem, como, porexemplo, a de que o álcool não é uma droga, que o uso de drogassomente afeta a<strong>os</strong> jovens, que basta um tipo de explicação paraabranger <strong>os</strong> demais aspect<strong>os</strong>, que uma solução programada para oOriente serve também para o Ocidente ou que se p<strong>os</strong>sa curar asmazelas sociais da droga com a intensificação do policiamento e dafiscalização alfandegária. A seu ver, o problema não é isoladamente adroga, o indivíduo ou o desequilíbrio da sociedade. É um conjunto defatores que precisa ser examinado como um todo.No estudo AS DROGAS DO MUNDO, montado com depoiment<strong>os</strong>de vári<strong>os</strong> especialistas, lê-se o seguinte:-" ... é imp<strong>os</strong>sível compreender-se o problema da droga isoladodo seu contexto social e cultural, que, entre outras características,comporta hoje uma consciência aguda da mudança. As populaçõesvêem o seu meio ambiente modificar-se, suas tradições desaparecerem,as regras não mais se aplicam às novas formas de vida.Estas mudanças têm repercussões imediatas sobre o uso de entorpecentes.-189-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseComecem<strong>os</strong> por uma abordagem semântica do problema, a ver seconseguim<strong>os</strong> chegar a um entendimento mais realista. Entorpecenteapresenta-se como palavra-chave e de emprego prioritário sempre quese parte para um exame de problemática das drogas. Entorpecer écausar torpor, um estado de lassidão, indiferença, amolecimento,desânimo, do qual resulta uma espécie de anestesia mental, um desligamentoda realidade, sempre difícil, às vezes agressiva e h<strong>os</strong>til. Oindivíduo que se sente h<strong>os</strong>tilizado ou rejeitado por uma realidadecontundente e ininteligível, busca na substância que anestesia a suasensibilidade para essa realidade dolor<strong>os</strong>a, o que lhe parece um alívio,ainda que temporário, efêmero, e de dramáticas conseqüências para asaúde física e metal, a médio prazo, e fatal a longo prazo.O ópio, segundo o Dr. P<strong>os</strong>hyachinda, da Tailândia, é recursoempregado para combate à depressão, e a heroína, é veículo paraescaparem jovens e adult<strong>os</strong> às pressões da vida ou às suas carênciasafetivas, insegurança ou inconformação.O Dr. S.W. Acuda, do Quênia, atribui a súbita expansão no usode drogas às tensões e conflit<strong>os</strong> gerad<strong>os</strong> pela velocidade de mudançan<strong>os</strong> países em desenvolvimento, onde se desintegram as tradiçõesculturais.A droga surge, assim, como uma anestesia para a sensibilidade, e,portanto, um claro e inequívoco mecanismo de fuga.O Dr. D. Robinson, discorrendo sobre o problema do alcoolismo,adota pont<strong>os</strong> de vista semelhantes, denunciando a decadência dasestruturas tradicionais que poderiam ajudar a reconfortar o indivíduo.E cita três element<strong>os</strong> básic<strong>os</strong> a essa estrutura de apoio: a Igreja, avizinhança e a família. Em lugar da palavra Igreja, eu poria o sentidoreligi<strong>os</strong>o da vida, mas não discordo da p<strong>os</strong>tura do Dr. Robinson,mesmo porque sabem<strong>os</strong> que estruturas religi<strong>os</strong>as, sociais em geral e defamília, em particular, estão apresentando elevado índice de turbulênciae mazelas. Que apoio podem proporcionar ao indivíduo perturbadoante um contexto que não entende e teme se elas próprias, as instituições,também se encontram algo perdidas, confusas e perplexas?- Para muit<strong>os</strong> - escreve o Dr. Robinson - o mundo mudadepressa, é vasto, e indiferente às qualidades individuais e às necessidadesde compreensão, de solidariedade, de amizade.O ser humano reage à nova situação com automatism<strong>os</strong> atávic<strong>os</strong>de fuga ante o perigo.Em vez de fugir ao animal selvagem agressor e esconder-se na suacaverna, quando não podia eliminá-lo, ele foge agora de perig<strong>os</strong> mais-190-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseterríveis porque indefiníveis e invisíveis, utilizando-se de process<strong>os</strong>artificiais de bloqueio da mente.Apela, portanto, para a droga, que o leva ao torpor da indiferençae do alheamento, ainda que provisório. E aí estam<strong>os</strong> de volta ü n<strong>os</strong>saabordagem semântica.Quando, porém, a realidade, embora h<strong>os</strong>til, exige a sna volta.porque o. alheamento é necessariamente um estado transitório, ofugitivo sente a necessidade de outra droga potente e não men<strong>os</strong>destrutiva- <strong>os</strong> estimulantes. É a vez das anfetaminas que suprimem oapetite, reforçam a ativídade e a consciência e estimulam o sistemanerv<strong>os</strong>o central, criando a falsa euforia.Na esteira de drogas mais potentes para alienar e entorpecer, oupara excitar a coragem necessária a enfrentar <strong>problemas</strong> existenciais,começaram a surgir na década de 60 <strong>os</strong> tranqüilizantes, chamad<strong>os</strong>tecnicamente de drogas anxiolíticas, destinadas a combater estad<strong>os</strong> deansiedade, ou seja, "para eliminar desordens psíquicas e <strong>problemas</strong>emocionais da vida cotidiana", segundo conceituação da UNESCO.Uma de tais drogas - o diazepan - tornou-se em 15 an<strong>os</strong> o medicamento(?!) mais vendido no mundo.O Dr. Edwards e o Dr. Awni Arif, autores do estudo para aUNESCO, não hesitam em declarar que o uso indiscriminado detranqüilizantes resulta de uma defeitu<strong>os</strong>a "visão biomédica do homem":E pr<strong>os</strong>seguem:- Segundo esta visão fil<strong>os</strong>ófica, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> <strong>problemas</strong> exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> noconsultório médico se originam no próprio indivíduo, e por isso exigemsoluções biológicas.É certo, isto, no sentido de que disfunções espirituais estão sendotratadas como <strong>problemas</strong> de saúde física, de vez que na chamada visãobiológica predomina, em toda a sua estreiteza e unilateralidade, oconceito de que o ser humano não passa de um engenh<strong>os</strong>o conglomeradocelular orquestrado pelo cérebro. É, portanto, um ser transitório eperecível que tem começo ao nascei" sem passado e fim ao morrer semfuturo.Ficam<strong>os</strong> sem saber. contudo, se <strong>os</strong> autores da expressão aceitariama realidade espiritual da preexistência e da sobrevivência comoelement<strong>os</strong> retificadores à abordagem biomédica que, evidentemente,condenam e com justa razão. Provavelmente apenas introduziriam noesquema o conceito de mente, sem mais nítida definição, com o queestaríam<strong>os</strong> na mesma.-191-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseClaro é, porém, que a medicação prescrita segundo a óticameramente organicista e biológica só poderá cuidar de sintomas, deefeit<strong>os</strong> e não das causas geradoras d<strong>os</strong> distúrbi<strong>os</strong>, que não se encontramno componente material do ser vivo e, por conseguinte, nãopoderão ser corrigidas ou eliminadas por process<strong>os</strong> meramente bioquímic<strong>os</strong>,por mais sofisticad<strong>os</strong> que se apresentem.Seja como for, ao cabo de mais de duas décadas de intensaexperimentação, o emprego de tranqüílízante começa a ser questionadoe já há quem considere que prescrevê-l<strong>os</strong> equivale à clara "admissãode um fracasso terapêutico". Em suma: quando não se sabe o quefazer com um doente, recorre-se ao tranqüilizante. Curi<strong>os</strong>o paradoxoeste: exatamente porque nada justifica, do ponto de vista orgânico, oestado de ansiedade, medica-se com drogas artificiais dirigidas aoorganismo, Se o problema não é biológico por que empregar a abordagembiológica? Parece aquela anedota, segundo a qual se procura oanel não onde foi perdido, no escuro, mas alhures, junto do p<strong>os</strong>te deiluminação, porque nada se pode enxergar lá,,Que reflexões teria o <strong>Espiritismo</strong> a oferecer para melhor entendimentode tão inquietante situação?Como tem<strong>os</strong> repetido, o <strong>Espiritismo</strong> não propõe soluções específicas,procurando regulamentar cada atitude ou ditar normas de comportamentodo ser humano, Prefere acatar, em toda a sua amplitude,<strong>os</strong> disp<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong> da lei divina que asseguram a tod<strong>os</strong> o direito de escolhae a responsabilidade conseqüente pelo que fizerem. Prefere a atitudedo Cristo que condena o pecado, mas oferece sua ternura e compreensãoao pecador, procurando m<strong>os</strong>trar-lhe o que precisa fazer para livrarsedo erro, construindo oportunidades de acerto,Também não propõe o <strong>Espiritismo</strong> uma condenação formal aoprocesso mesmo da civilização, como vim<strong>os</strong> ainda há pouco no julgamentode alguns especialistas, É certo que as estruturas estão mudandoe talvez mais rapidamente do que pode absorver a grande maioriad<strong>os</strong> seres hoje encarnad<strong>os</strong> na Terra. Tensões, insegurança, temor,rivalidades e competição entre indivídu<strong>os</strong>, instituições e pov<strong>os</strong> criaramum quadro confuso e incompreensível para muit<strong>os</strong>. O inseto aprisionadonuma sala voa desesperadamente até cair morto de exaustão, detanto chocar-se contra o vidro da janela, obstáculo invisível e incompreensívelpara ele, contra toda a sua lógica primitiva e espontânea.Por que não pode ele voar rumo à liberdade se aparentemente nadaexiste à sua frente que o impeça?-192-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseNeste contexto, torna-se difícil enfrentar o medo indiscriminado,a insegurança generalizada e o desespero existencial sem apoio emuma sólida estrutura de convicções sem um sistema ético adequado.Daí o apelo a entorpecentes, estimulantes ou tranqüilizantes, querepresentam, no fundo, passaportes para a fuga.Em vez de condenar a civilização pel<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> equívoc<strong>os</strong>, <strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong> ensinaram a Kardec que "condenássem<strong>os</strong> antes <strong>os</strong> que delaabusam e não a obra de Deus" (Pergunta n" 790). Pouco adiante, naPergunta de n' 793, documentaram o entendimento deles acerca dascorreções necessárias, ao informarem que reconheceríam<strong>os</strong> uma civilizaçãocompleta "pelo desenvolvimento moral". E pr<strong>os</strong>seguem:- "Credes que estais muito adiantad<strong>os</strong> porque tendes feitograndes descobertas e obtido maravilh<strong>os</strong>as invenções; porque v<strong>os</strong>alojais e vestis melhor do que <strong>os</strong> selvagens. Todavia, não tereisverdadeiramente o direito de dizer-v<strong>os</strong> civilizad<strong>os</strong>, senão quando dev<strong>os</strong>sa sociedade houverdes banido <strong>os</strong> víci<strong>os</strong> que a desonram e quandoviverdes como irmã<strong>os</strong>, praticando a caridade cristã. Até então, sereisapenas pov<strong>os</strong> esclarecid<strong>os</strong>, que hão percorrido a primeira fase dacivilização' '.Longe de ser desanimadora, ou mera pregação, a resp<strong>os</strong>ta érealista e programática.A civilização em si não é um mal e nem pode ser, mas está sendoafetada e contaminada por mazelas humanas, por turbulências nocomportamento d<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> seres que a desenvolvem. Conquistastecnológicas não solucionam <strong>problemas</strong> human<strong>os</strong> por si mesmas emuitas vezes contribuem para agravá-l<strong>os</strong>, com o controle da energianuclear, que está gerando novas tensões individuais e sociais em vezde novo impulso civilizador pela aplicação pacífica da descoberta.A receita que a Doutrina prescreve para <strong>os</strong> males da civilizaçãopode até parecer óbvia e simples demais, mas a questão é que averdade é simples e óbvia, embora nem sempre atinem<strong>os</strong> de prontocom ela. Resumem-se tais prescrições na prática da caridade e doentendimento, em convivência fraterna, inteligente que dissipe <strong>os</strong>temores, não identificad<strong>os</strong> alguns e conhecid<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, que mantêmuma parte considerável da humanidade em permanente regime destress e de angústia. É esse o diagnóstico da ciência, como vim<strong>os</strong> hápouco. Encontram<strong>os</strong> tais aspirações n<strong>os</strong> document<strong>os</strong> que consultam<strong>os</strong>para este estudo. Ou seja, especialistas que propõem mecanism<strong>os</strong>sociais de mútuo apoio e entendimento para exorcizar o fantasmaaterrador do medo generalizado, do qual <strong>os</strong> mais desesperad<strong>os</strong> fogemdesabaladamente despenhando-se em abism<strong>os</strong> tenebr<strong>os</strong><strong>os</strong>, empurrad<strong>os</strong>-193-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensepor drogas alienantes. Não faltou ao diagnóstico nem mesmo a generalizadairreligi<strong>os</strong>idade.Cresce assustadoramente a massa de desesperad<strong>os</strong>, criaturasdesenraizadas, a vagarem sem rumo e sem propósito, arrastad<strong>os</strong> porcircunstâncias que não sabem como superar porque não se empenhamem entender a realidade da própria vida. Não sabem tais pessoas quesão seres espirituais imortais, responsáveis, criad<strong>os</strong> simples e ignorantes,como n<strong>os</strong> asseguram <strong>os</strong> Instrutores, mas programad<strong>os</strong> para afelicidade. Pensam muit<strong>os</strong> e muit<strong>os</strong> que são apenas um corpo físicopressionado por ânsias que é necessário satisfazer, por temores de queé preciso escapar, por angústias que tem de ser sufocadas, quandotemores e angústias são conseqüência e não causa da visão deformadada realidade.Recorrem ao entorpecente, diz-se, <strong>os</strong> que nasceram em laresdesajustad<strong>os</strong>, mas quem está cogitando aí de investigar as verdadeirascausas do desajuste e o que fazer, senão para neutralizá-las prontamente,pelo men<strong>os</strong> para promover atitudes e medidas que as excluampara sempre do futuro que n<strong>os</strong> aguarda?Recorrem a drogas de variada natureza <strong>os</strong> que sofrem de carênciaafetiva, certo. Mas o que desencadeou nessas criaturas o dolor<strong>os</strong>oprocesso de carência? Não seria porque o afeto que hoje lhes falta,eles própri<strong>os</strong> recusaram-se a doar em outr<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>? Se é assim, quecorreções introduzir para evitar a recaída futura?Buscam a alienação da droga <strong>os</strong> que perderam o endereço deDeus, no dizer de alguém. Nem sabem que pertencem a uma comunidadede seres imortais ligad<strong>os</strong> por víncul<strong>os</strong> indestrutíveis e destinad<strong>os</strong>à felicidade em algum ponto na intersecção espaço/tempo.Falta, pois, conteúdo espiritual, convicções racionais, confiançan<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> auto-reguladores da própria .vida. Falta o senso daresponsabilidade pel<strong>os</strong> at<strong>os</strong> praticad<strong>os</strong>, bem como a certeza de que acada ação num sentido corresponde uma reação em sentido contrário.Vivem<strong>os</strong> num universo harmônico e que restabelece a ordem e oequilíbrio sempre que alguém tenta desestabilizar a menor de suas leis·naturais.O físico francês Jean Charon declara em L 'ESPRIT, CET IN­CONNU que, ao contrário do que muit<strong>os</strong> supõem, o universo evoluino sentido de uma contínua ordenação e não para a desagregação e oca<strong>os</strong>.O problema aflitivo da droga não é, portanto, um caso de políciaou uma questão alfandegária, como ainda há pouco ouvim<strong>os</strong> alguém-194-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensedizer aqui mesmo neste estudo - é problema espiritual, distúrbioemocional do ser humano em atrito com as leis divinas. Como comportamentoalienador e mecanismo de fuga, caracteriza-se como sintomainequívoco de rebeldia ante o severo sistema de ajustes a que som<strong>os</strong>submetid<strong>os</strong> em conseqüência de transviament<strong>os</strong> anteriores.Isto não quer dizer que devam<strong>os</strong> condenar aquele que recorre àdroga porque rejeita a realidade. Ele precisa de compreensão e deesclarecimento. Precisa descobrir sua própria realidade espiritual, suacondição de ser preexistente, sobrevivente e imortal, a caminho daperfeição, por mais distante que esta se coloque afugentada pel<strong>os</strong>desacert<strong>os</strong>.Não n<strong>os</strong> iludam<strong>os</strong>, porém, de que isto seja viável apenas comuma vigor<strong>os</strong>a campanha de doutrinação maciça e compusória. ''Ohomem não passa subitamente da infância à madureza~' -disseram <strong>os</strong>Espírit<strong>os</strong> a Kardec na já citada questão número 90. Para que amadureçam,<strong>os</strong> imatur<strong>os</strong> que recorrem ao processo de fuga proporcionadopelas drogas, precisam antes do amor que, na sua dinâmica, se converteem caridade. Envolvido pela sua turbulência íntima, o dependenteda droga não está preparado para ser doutrinado e rejeitará sumariamentequalquer tentativa de pregação com a qual seja abordado. Nãorejeitará, porém, a abordagem do amor fraterno, que é, precisamente,o componente pelo qual mais anseia, na torment<strong>os</strong>a aflição e solidãoem que vegeta.Quando lideranças políticas e sociais entenderem isto, estarem<strong>os</strong>começando a escalada rumo ao saneamento espiritual da civilização.Não n<strong>os</strong> iludam<strong>os</strong> com o problema minimizando suas proporções,nem cometam<strong>os</strong> equívoco ainda mais grave considerando-oinsolúvel. Só n<strong>os</strong> resta aqui a alternativa do realismo consciente.,objetivo e otimista. É preciso insistir até à exaustão no conceito de queo ser humano é espírito que, intermitentemente, habita um corpofísico.As multidões que se despedem a cada instante da vida física eretornam ao mundo invisível continuam vivas, pensantes e atuantes,arrastando <strong>problemas</strong> que não conseguiram solucionar aqui, e que,lamentavelmente conseguiram quase sempre agravar. Esta multidãodesencarnada também exerce suas pressões sobre a que ficou na carnepor mais algum tempo. Tem<strong>os</strong> encontrado Espírit<strong>os</strong> que n<strong>os</strong> falam desuas manobras para levar seres encarnad<strong>os</strong> a dragarem-se, a fim deque p<strong>os</strong>sam usufruir uma quota de alienação, pois também eles estão-195-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pensetentando aflitivamente fugir da realidades que lhe são pen<strong>os</strong>as demaispara as suas estruturas desarticuladas.O problema das drogas oferece, pois, no enfoque doutrinário do<strong>Espiritismo</strong>, aspect<strong>os</strong> inusitad<strong>os</strong>, surpreendentes e desconhecid<strong>os</strong> demuit<strong>os</strong>. É na exploração de tais contribuições que se encontram <strong>os</strong>mei<strong>os</strong> para um equacionamento racional do problema que não éinsolúvel, não porém, por um passe de mágica, utilizando-se de fórmulassecretas, rituais excêntric<strong>os</strong> ou novas drogas miracul<strong>os</strong>as, poisnada disso entra como componente na formulação doutrinária e simpor meio de uma atitude de inteligente compreensão da realidadeespiritual.O drogado é um doente espiritual, carregado de <strong>problemas</strong> cármic<strong>os</strong>e que se deixa arrastar pelas correntezas da vida na ilusão de queestá sendo levado para longe de uma realidade que o assusta e aflige.Em verdade, porém, para onde for, aqui ou no mundo ultradimensionalem que irá continuar a viver na condição de espírito, estará sempreligado à realidade desagradável, que não é exterior e sim interior, comraízes profundamente mergulhadas no solo íntimo do passado.Somente através do amor poderá ele ser instruído a cerca dessarealidade, a fim de que, entendendo-a, fique preparado para aceitá-Ia evencer <strong>os</strong> obstácul<strong>os</strong> que estão a bloquear seu caminho rumo àfelicidade a que tod<strong>os</strong> tem<strong>os</strong> direito inalienável.Entendimento e amor fraterno é o que n<strong>os</strong> recomendou o Espíritode Verdade, com extraordinário impacto e poder de síntese, numafrase que se tornou antológica.-Espíritas! amai-v<strong>os</strong>, este o primeiro ensinamento; instruí-v<strong>os</strong>,este o segundo - recomendou ele.Duas únicas, simples e viáveis prop<strong>os</strong>tas, portanto, com as quaissom<strong>os</strong> advertid<strong>os</strong> de que o caminho está no amor e na instrução.Nada melhor do que isto para encerrar um livro de <strong>Deolindo</strong>Amorim. Com a sua mansidão, demonstrou ele que já aprendera oprimeiro ensinamento, com o seu trabalho em favor da cultura espírita,ele praticou o segundo.Fique expressa com a singela clareza de que sempre se valeu an<strong>os</strong>sa homenagem de saudade e respeito ao companheiro que partiu,com a transcrição de uma das suas p<strong>os</strong>turas básicas reiteradas nestaedição de sua obra:-196--


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/pense- Continuam<strong>os</strong> a sustentar a primazia da reforma moral dohomem, como base ou ponto de partida de todas as reformas que visamao melhoramento d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes e das condições humanas.FIM-197-


O <strong>Espiritismo</strong> e <strong>os</strong> Problemas Human<strong>os</strong><strong>Deolindo</strong> AmorimPENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasant<strong>os</strong>.com/penseImpresso na ~odi'"'""!Y~'''"'I

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