Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
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Alberto Venancio Filhoseus costumes e, além do mais, suas roupas são totalmente remotas <strong>de</strong> nós,quem <strong>de</strong> nós não os consi<strong>de</strong>ra selvagens ou brutos?”E ainda no capítulo da “Apologia” afirma: “Vi antigamente entre nós homenstrazidos por mar <strong>de</strong> países longínquos, e porque não entendíamos <strong>de</strong>todo a sua língua, porque o seu feitio, a sua atitu<strong>de</strong> e suas vestimentas eramcompletamente diferentes das nossas, quem <strong>de</strong> nós não os supunha selvagens ebrutos? Quem <strong>de</strong> nós não os consi<strong>de</strong>rava ignorantes ao vê-los mudos, ignorandoa língua francesa, ignorando os nossos beija-mãos, nossas reverências, nossoaspecto, nosso jeito, sobre o qual, sem discrepância, a natureza humana <strong>de</strong>vetomar o seu mo<strong>de</strong>lo? Tudo que nos parece estranho, nós con<strong>de</strong>namos, e tambémaquilo que não po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r.”A curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Montaigne não se limitava apenas aos povos exóticos, mastinha uma compreensão universal. Assim, no capítulo “Da Educação das Crianças”,escreve: “Ora, para exercitar a inteligência, tudo o que se oferece aos nossosolhos serve suficientemente <strong>de</strong> livro: a malícia <strong>de</strong> um pagem, a estupi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> umcriado, uma conversa à mesa, são como tantos outros nossos assuntos.”Montaigne trata do tema dos indígenas no capítulo “Dos Canibais” (livro1.º, XXX) e no capítulo “Dos Coches” (livro 3.º, VI) examina o problema sobretudona América Espanhola.É importante comparar as duas análises, do capítulo “Dos Canibais” e o“Dos Coches”. Os Ensaios traduzem o fim do mundo indígena, bastando compararas páginas <strong>de</strong> 1580 consagradas aos índios àquelas <strong>de</strong> 1588, <strong>de</strong> “DosCoches”. Nas primeiras, o mundo indígena vive ainda; nas segundas, ele nãoexiste mais. Entre as duas, Montaigne leu os autores protestantes franceses eLas Casas. Apreen<strong>de</strong>u a extensão da <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> um continente.No capítulo “Dos Canibais”, Montaigne começa <strong>de</strong>screvendo episódioshistóricos em que uma nação se confrontava com outra, consi<strong>de</strong>rando-a bárbara,para <strong>de</strong>clarar que “nossa razão e não o que dizem <strong>de</strong>ve influir em nossojulgamento”. Comparando o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> seu serviçal com tantas observaçõessobre o Novo Mundo, afirma: “tantos personagens eminentes se enganaramacerca <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>scobrimento que não saberei dizer se o futuro nos reserva42