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O Brasil Privatizado II (em PDF)

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NÃO RIA, CHORE - Que tal você comprar uma rede delanchonetes ou uma rede de postos de gasolina para pagar <strong>em</strong> dezanos, a preço de banana – pois o antigo dono resolveu vender porqueestava, segundo as más línguas, precisando de dinheiro? E depois, daía dois ou três anos, o vendedor – tão bonzinho, tão bonzinho, s<strong>em</strong> terrecebido ainda as prestações de oito ou sete anos – oferecer dinheiro<strong>em</strong>prestado, muito dinheiro, a juros baixíssimos, de pai para filho,para você comprar os concorrentes e ficar sozinho no mercado?Absurdo? Afinal, o vendedor não estava quebrado? Não ria. Chore.Foi isso que aconteceu no <strong>Brasil</strong>, com a venda de <strong>em</strong>presas estataisa grupos privilegiados.Quer dizer: o governo dizia que o Tesouro estava quebrado, usavaessa desculpa para doar as estatais e depois arrumava dinheiro paraos “compradores”. Ou seja, é a mesma coisa que você, depois decomprar as lanchonetes e postos de gasolina, ainda receber a visitado vendedor que, tão otário, tão otário, v<strong>em</strong> oferecer novo<strong>em</strong>préstimo para ampliar os negócios...“EM CINCO OU SEIS ANOS, CLONES MALDITOS DOSINTELECTUAIS DE ONTEM DESTRUÍRAM O QUE HAVIASIDO CONSTRUÍDO AO LONGO DE DÉCADAS.DESTRUÍRAM MAIS. DESTRUÍRAM O SONHO,A ALMA NACIONAL.”


Aloysio BiondiO <strong>Brasil</strong>privatizado <strong>II</strong>O assalto das privatizações continua3 a reimpressãoEDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Nota do EditorEste volume contém o texto integral da primeira ediçãodesta obra, publicada <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro de 2000.FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMOInstituída pelo Diretório Nacionaldo Partido dos Trabalhadores <strong>em</strong> maio de 1996.DIRETORIAHamilton Pereira (presidente) – Ricardo de Azevedo (vice-presidente)Selma Rocha (diretora) – Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor)EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMOCOORDENAÇÃO EDITORIALFlamarion MauésEDITORA ASSISTENTECandice Quinelato BaptistaASSISTENTE EDITORIALViviane Ak<strong>em</strong>i U<strong>em</strong>uraSELEÇÃO DE TEXTOS E ORGANIZAÇÃOAntônio Biondi – Flamarion MauésREVISÃOMaurício Balthazar Leal – Márcio Guimarães de AraújoCAPA, ILUSTRAÇÕES E PROJETO GRÁFICOGilberto MaringoniEDITORAÇÃO ELETRÔNICAAugusto GomesDados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara <strong>Brasil</strong>eira do Livro, SP, <strong>Brasil</strong>)Biondi, Aloysio, 1936-2000.O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>: o assalto das privatizações continua / AloysioBiondi. – São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. – (Coleção <strong>Brasil</strong>Urgente)BibliografiaISBN 85-86469-38-61. Privatização – <strong>Brasil</strong> I. Título. <strong>II</strong>. Título: O assalo das privatizaçõescontinua. <strong>II</strong>I. Série.03-4577 CDD-338.9250981Índices para catálogo sist<strong>em</strong>ático:1. <strong>Brasil</strong>: Privatizações: Política econômica: Economia 338.92509811 a edição: set<strong>em</strong>bro de 20003 a reimpressão: agosto de 2003Todos os direitos reservados àEditora Fundação Perseu AbramoRua Francisco Cruz, 224 – CEP 04117-091 – São Paulo – SP – <strong>Brasil</strong>Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910Na Internet: http://www.efpa.com.br – Correio eletrônico: editora@fpabramo.org.brCopyright © 2000 by Espólio de Aloysio BiondiISBN 85-86469-38-6


SumárioPrefácio – Antônio Biondi ................................................. 5Homenag<strong>em</strong>Aloysio Biondi, doutor <strong>em</strong> tudo,por Washington Novaes ............................................................ 8Quer<strong>em</strong>os o <strong>Brasil</strong> de volta ............................................... 11A morte da alma nacional ......................................................... 11O pesadelo do Real .................................................................... 15Quer<strong>em</strong>os o <strong>Brasil</strong> de volta ....................................................... 18Grato por me assaltares ............................................................ 20A Vale do Rio Doce, retrato de um país ................................... 22Que não se repita <strong>em</strong> 2000 ...................................................... 25A “bomba” do ano ...................................................................... 26A hora do Congresso ................................................................. 28O Congresso e os palhaços ........................................................ 29O petróleo é deles ............................................................... 32Você não acha errado? .............................................................. 32O petróleo é deles ...................................................................... 34Depois do petróleo, o dilúvio .................................................... 35A Mega-Mega Sena do petróleo. Roubada. ............................. 38Emprego e crescimento, promessas ......................................... 41O silêncio das oposições ............................................................ 43O petróleo (até que enfim) é deles ........................................... 44O Riocentro da Petrobrás .......................................................... 47Um escândalo tenebroso .......................................................... 51E lá se vai o petróleo ................................................................. 53Aplausos e CPIs ......................................................................... 55


Energia, o caos programado .............................................. 57Era uma vez um clone ............................................................... 57Por detrás das notícias .............................................................. 59Diferença entre Covas e Itamar ................................................ 60A sua casa, s<strong>em</strong> luz ................................................................... 62Bancos e “rombos”............................................................... 64Bancos e truques ........................................................................ 64Privatização, a falsa saída ......................................................... 66“Rombos”, Covas e os paulistas ................................................ 68Nosso dinheiro pelo ralo ........................................................... 70Cusparada nos paulistas ............................................................ 71Os gerentes desonestos .............................................................. 73O Congresso desperta ................................................................ 74Direitos na lata do lixo .............................................................. 75As provas do crime .................................................................... 77O “rombo” da Caixa ................................................................... 78Como falsificar balanços ........................................................... 80Pedágios e deboches ........................................................... 82Afinal, somos coitadinhos? ........................................................ 82O ministro e os imbecis ............................................................ 84Pedágios e deboches .................................................................. 85Crime s<strong>em</strong> castigo? .................................................................... 87Eles são despreocupados ........................................................... 88Hora de descruzar os braços ............................................. 90Hora de descruzar os braços .................................................... 90Mudança e esperança ................................................................ 94


PrefácioA publicação de O <strong>Brasil</strong> <strong>Privatizado</strong> <strong>II</strong>: O assalto das privatizaçõescontinua poderia ser justificada de várias formas. A maisimediata seria simplesmente dizer: “O Aloysio já havia acertadocom a Editora Fundação Perseu Abramo uma continuação do primeiro.Além disso, ele até já preparara um roteiro, apontando ost<strong>em</strong>as que seriam abordados, e estava pronto para começar o trabalho”– o que é verdade.Poderíamos também l<strong>em</strong>brar que o t<strong>em</strong>a continua a ser de importânciafundamental na discussão da política econômica, dosrumos e do futuro do país. Embora muita coisa tenha mudadoapós O <strong>Brasil</strong> <strong>Privatizado</strong> – Um balanço do desmonte do Estado,publicado <strong>em</strong> abril de 1999, várias distorções no processo de privatizaçãoforam mantidas. O favorecimento a grupos específicos;a utilização de recursos do BNDES; os prejuízos que o governo, “opovão, a classe média, os agricultores”, como dizia Biondi, tinhamcom o “saneamento” das <strong>em</strong>presas que eram privatizadas; a importaçãomaciça de peças por parte das multinacionais que “compravam”as estatais; as r<strong>em</strong>essas de lucro para o exterior. Todasessas características do processo, que se mantiveram praticamenteinalteradas, o autor pretendia discutir neste segundo livro – maisespecificamente com relação ao setor energético, sobretudo no quediz respeito ao petróleo, e aos bancos estatais.5O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


A necessidade da publicação, seja do ponto de vista profissional,seja sob a ótica da pertinência do assunto, não justificaria detodo, porém, que esse volume chegasse a público.Além de continuação do primeiro trabalho, O <strong>Brasil</strong> <strong>Privatizado</strong><strong>II</strong> t<strong>em</strong> como principal justificativa realizar uma homenag<strong>em</strong> aBiondi. Homenag<strong>em</strong> essa <strong>em</strong> parte bastante difícil, pela qualidadee quantidade de artigos que ele escrevera sobre o t<strong>em</strong>a após olivro inicial. Pela ausência do jornalista, amigo e pai. Pela dificuldade<strong>em</strong> se trabalhar s<strong>em</strong> ele e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, tentar pensarum pouco como ele, imaginar como ele gostaria que o livro fosse,que tabelas montaria, como analisaria os dados, como relacionariaas informações. Não nos d<strong>em</strong>os o direito de fazer tais análises,sabíamo-nos incapazes. Haveria, aliás, alguém capaz de realizaresse trabalho como ele?Contentamo-nos <strong>em</strong> fazer uma coletânea de artigos sobre o t<strong>em</strong>a,mas entend<strong>em</strong>os que a homenag<strong>em</strong> não seria plena se não trouxessetextos do autor que revelass<strong>em</strong> mais sobre sua relação como <strong>Brasil</strong>, com nosso povo, com a vida. Que revelass<strong>em</strong> algo maissobre qu<strong>em</strong> era Aloysio Biondi.O livro t<strong>em</strong> também um pouco essa função, sobretudo sua primeiraparte. Mostra muito do sonho que Biondi nutria <strong>em</strong> relaçãoao país – o sonho s<strong>em</strong>pre presente nas palavras do mestre CelsoFurtado – e que se revelava <strong>em</strong> cada artigo de Aloysio, <strong>em</strong> cadaação, <strong>em</strong> cada gesto.Mostrava-se nas mais de 14 horas, 16 horas que chegava a trabalhardiariamente. Na alimentação, ora leve, regrada, como umcaldo de fubá – para não causar moleza e diminuir o ritmo frenéticode trabalho –, ora n<strong>em</strong> tão regrada, como um cachorro-quentena rua – para conciliar com a pressa, com a dificuldade financeiraou com a desorganização passageira. Tudo isso está presente,e escondido, <strong>em</strong> cada artigo do livro.Artigos também nascidos, por ex<strong>em</strong>plo, da constatação do descasodo governo com os bancos estatais, revelado até no tamanhodas filas que se avolumavam <strong>em</strong> diversas agências do Bancodo <strong>Brasil</strong>. Textos surgidos a partir dos pedágios que brotavamnas rodovias privatizadas entre Campinas e Aguaí, <strong>em</strong> São Pau-Aloysio Biondi 6


lo, e que ele tinha de enfrentar toda vez que ia a São José do RioPardo, sua cidade de criação. Além das estradas – onde n<strong>em</strong> sinaldas melhorias prometidas se via –, Biondi indignava-se coma cebola despejada na beira da estrada: “Descaso do governo como agricultor”.Aloysio viajava pelo país quase s<strong>em</strong>pre por terra não só pelomedo que nutria por voar. Muitas vezes, seus longos “passeios” deônibus justificavam-se de forma mais forte. Em certas ocasiões,era o único momento que possuía para ler seus jornais, atualizarsua leitura, seus dados, seus inseparáveis recortes. S<strong>em</strong> suas leiturascotidianas e s<strong>em</strong> essa atualização, seria impossível Biondiapontar, com tanta antecedência, a importância que o petróleodes<strong>em</strong>penharia no atual momento da economia mundial. Seriaimpossível explicitar, também, a importância dos poços descobertospela Petrobrás na Bacia de Campos. S<strong>em</strong> seus recortes sobre oassunto, contaria somente com uma preocupação antiga, surgidade suas leituras de Monteiro Lobato.Todos esses artigos, todas essas questões, só serão capazes, porém,de explicar <strong>em</strong> parte qu<strong>em</strong> foi Aloysio Biondi. Sua indignação,s<strong>em</strong>pre l<strong>em</strong>brada, é insubstituível, única. Assim como é impossívelexplicar sua essência, que era a alegria com que vivia eque foi, muitas vezes, esquecida por aqueles que dele l<strong>em</strong>bravam.Sua força, sua alegria de viver, sua capacidade de procurar veras coisas por um lado positivo, de buscar enxergar perspectivas,jamais poderão ser entendidas na plenitude s<strong>em</strong> sua presença.Além da leitura do livro que aqui apresentamos, l<strong>em</strong>brando de tudoo que Biondi foi e será, cumpre a nós, agora, cobrir parte do vaziodeixado. Reconhecer sua ausência e torná-lo presente por meio detoda essa força que ele nos deixou. Daqui para frente, a melhorforma de dar continuidade a seu trabalho, a sua força, será sermostodos um pouco Aloysios. Tarefa difícil, mas fundamental.ANTÔNIO BIONDISet<strong>em</strong>bro de 20007O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Homenag<strong>em</strong>Aloysio Biondi, doutor <strong>em</strong> tudo *Washington NovaesJornalista e ambientalista.Com Aloysio Biondi desaparece um tipo raro de jornalista – competente,experiente, apaixonado, detentor de um acervo impressionantede informações sobre o <strong>Brasil</strong> e, principalmente, sobre asua economia. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, extr<strong>em</strong>amente pessoal, distantede ideologias, refratário a grupos, poderes, conveniências, meiostermos.Nada disso o prendia n<strong>em</strong> ditava sua conduta jornalística– seguia apenas sua consciência, ao preço que fosse.S<strong>em</strong>pre foi assim. Conheci-o <strong>em</strong> 1956, quando fiz teste para revisorda Folha da Manhã, mãe da atual Folha de S. Paulo. Porestranho que pareça, ele era subchefe da Divisão de Sucursais,Correspondentes e Representantes, à qual a revisão era subordinada.E era ele qu<strong>em</strong> supervisionava os testes.Um mês depois, chamou-me para trabalhar como redator denotícias do interior do Estado – uma pedreira, já que nos obrigavaa tornar interessantes informações passadas <strong>em</strong> meia dúzia delinhas pelos correspondentes. Aloysio era rigorosíssimo, mandavareescrever muitas vezes a mesma notícia – que tinha de sairclara, elegante, impecável, s<strong>em</strong> gerúndios.Aloysio Biondi 8


Embora muito moço – tinha pouco mais de 20 anos nessa época–, já era apontado como prodígio desde sua cidade de orig<strong>em</strong>,São José do Rio Pardo (260 km ao norte de São Paulo)**, ondeassombrou uma banca julgadora com seus conhecimentos sobreEuclydes da Cunha e Os Sertões na olimpíada literária que se realizavatodos os anos <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao escritor, que viveu ali umt<strong>em</strong>po.Na Folha também era considerado um prodígio. Mário MazzeiGuimarães, então redator-chefe, admirava-se com a qualidade doseditoriais que Aloysio produzia sobre t<strong>em</strong>as do interior do Estado,revelando um conhecimento e uma maturidade que seriamsua marca pela vida afora.Depois, correu mundo, muitas redações, voltou à Folha comCláudio Abramo, mudou-se para o Rio, onde nos reencontramos– <strong>em</strong> uma das muitas vezes – na revista Visão. Saímos de lá porcausa de um atrito com o jov<strong>em</strong> então ministro da Fazenda, DelfimNeto, a qu<strong>em</strong> Aloysio, como editor de economia, criticava duramentepela política de abertura desregrada das importações epelo endividamento externo. Já então o país sofria com essas coisase Aloysio não se conformava, enfurecia-se com cada númeroque descobria.Fomos, juntos, fundar uma revista econômica – Fator – que sódurou três números, sufocada pelo Ato Institucional n o 5. Na capado primeiro número, uma foto do ator Joel Barcellos com a bocaentupida de dólares. Feroz, como Aloysio, que a planejara.Reencontramo-nos no Correio da Manhã, onde fiz<strong>em</strong>os juntos o“Diretor Econômico”, um caderno diário, de muito êxito e vida breve,tais as resistências que levantou no governo e <strong>em</strong> outras áreas.Aloysio voltou para São Paulo, onde fez um longo périplo porredações, ora como editor de economia, ora como diretor de redação.S<strong>em</strong>pre com o mesmo estilo, a mesma flama.Em uma de suas passagens pela Folha, travou m<strong>em</strong>orável polêmicacom os chamados “economistas de esquerda”, inconformadosporque <strong>em</strong> plena ditadura ele escrevia e teimava, fiel a suasinformações e interpretações, que a economia brasileira estava serecuperando da crise do endividamento do início dos anos 1980.9O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Até de “louco” foi chamado. E por escrito. O t<strong>em</strong>po provou que arazão estava com ele.Teve duas passagens breves por Goiânia – outros reencontros,outras tentativas de enxergar o <strong>Brasil</strong> de outras formas, de outrosângulos, outras abrangências –, como teve outras passagens poroutras redações paulistas. E por uma coluna s<strong>em</strong>anal na Folha,que marcou época por sua corag<strong>em</strong>, independência e lucidez –apontando solitariamente desde o início, por ex<strong>em</strong>plo, os errosque vão encalacrando o atual governo federal.Seu testamento talvez seja o pequeno e formidável livro sobreas privatizações [O <strong>Brasil</strong> privatizado], <strong>em</strong> que, baseado no seufantástico acervo pessoal de informações e na prodigiosa m<strong>em</strong>ória,dissecou os erros do processo, os favorecimentos inaceitáveis,os prejuízos para o país e para os cidadãos que, com seu esforço,ao longo de décadas, construíram o patrimônio alienado.A Fundação Cásper Líbero, onde ensinava jornalismo nos últimost<strong>em</strong>pos – para alegria de tantos jovens –, <strong>em</strong> boa hora lheconcedeu um título de doutor, pelo “notório saber”. Era, de fato,doutor <strong>em</strong> jornalismo, doutor <strong>em</strong> economia, doutor <strong>em</strong> <strong>Brasil</strong>,doutor <strong>em</strong> dignidade.Fará uma falta enorme. Como jornalista. Como cidadão. Comopai. Como professor. Como amigo alegre que gostava de cantarnas noites boêmias. Muito raramente, até voltava ao piano da juventude,às vezes para acompanhar sua linda filha Beatriz, minhaafilhada querida.Acredit<strong>em</strong> ou não, eu lia o jornal na manhã de ont<strong>em</strong> quandome assustei com um beija-flor perdido, que entrara de súbito ese debatia com os vidros da janela do meu escritório <strong>em</strong> Goiânia.Foi exatamente na hora <strong>em</strong> que o Aloysio morreu. Era ele, tenhocerteza.(*) Artigo publicado na Folha de S. Paulo <strong>em</strong> 22/07/00.(**) Aloysio Biondi nasceu <strong>em</strong> Caconde (São Paulo), mas foi criadodesde cedo <strong>em</strong> São José do Rio Pardo.


Quer<strong>em</strong>oso <strong>Brasil</strong> de voltaA morte da alma nacionalBundas, n o 13, 7 a 13/09/99Reverencialmente, peço licença ao mestre Celso Furtado pararepeti-lo: “Nunca estiv<strong>em</strong>os tão distantes do país com que sonhamosum dia”. Uma pequena frase. Capaz, porém, de detonar umturbilhão de l<strong>em</strong>branças, <strong>em</strong>oções e expectativas, dos dias <strong>em</strong> queo <strong>Brasil</strong> era um país e tinha sonhos. Um povo que sonhava virarPovo. Estudantes, intelectuais, <strong>em</strong>presários, trabalhadores, agricultores,classe média envolvidos no debate pelo desenvolvimento,conscientes, todos, de que havia um preço a pagar, resistênciasa enfrentar. Inimigos, interesses externos a vencer. Um país comalma, sonhos.11O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Durante 40, 45 anos, houve crises de todos os tipos. Mas haviao amanhã, a promessa do amanhã. A busca do amanhã. Um lugarno mundo. Na década de 1950, com a economia resumida praticamentea café, açúcar, algodão e outros produtos agrícolas, o paíslançou-se à loucura de buscar a industrialização. S<strong>em</strong> dólares paraimportar máquinas e equipamentos, pois os preços dos produtosagrícolas estavam de rastros no mercado mundial, estrangulandopaíses pobres como o <strong>Brasil</strong>. Mesmo assim, o país ousou. Era aépoca <strong>em</strong> que os intelectuais e formadores de opinião escreviamlivros, artigos, teses sobre e contra as políticas de estrangulamentoque os países ricos impunham a países como o <strong>Brasil</strong>. Ou faziammúsicas, peças teatrais, filmes sobre a realidade brasileira.Reforçavam a alma brasileira. O sonho realizável. Será que donaRuth Cardoso se l<strong>em</strong>bra disso?Chegou a década de 1960 e, com ela, o golpe militar inspiradopelos Estados Unidos, desvios de rota que, no entanto, não conseguiramenterrar de vez os sonhos de construção de um país... Aalma nacional resistia. Veio a crise do petróleo, no começo dosanos 1970, e o país, que produzia 130 mil barris por dia e consumia1,3 milhão de barris por dia, mergulhou novamente no abismoda falta de dólares, na recessão, no avanço da miséria.Um país “quebrado”, com total falta de dólares, mas que insistia<strong>em</strong> sonhar com um amanhã. Em nome desse sonho, novamente,a população pagou a conta. O governo contraiu dívidas fabulosas,criou impostos, apertou o cinto e o crânio dos brasileiros, paracanalizar o dinheiro disponível dos impostos ou <strong>em</strong>préstimos paramontar indústrias capazes de fornecer produtos que ainda eramimportados, de aço a alumínio, de celulose a petroquímicos, d<strong>em</strong>áquinas a sist<strong>em</strong>as de telecomunicações. Substituir importaçõespara economizar dólares, necessários para a compra do petróleo,ainda não descoberto <strong>em</strong> grande escala no território brasileiro.Para atender a todas essas novas indústrias, era preciso tambémconstruir usinas, as Itaipus, rodovias, ferrovias (o <strong>Brasil</strong> chegoua produzir 5 mil vagões por ano, com encomendas do governo),sist<strong>em</strong>as de telecomunicações. Mais aperto de cinto, maisimpostos, menos dinheiro para as questões sociais, nunca esque-Aloysio Biondi 12


cidas n<strong>em</strong> mesmo nos debates e escritos dos economistas ou de<strong>em</strong>presários. Mas havia a esperança do amanhã. O sonho, de quefala mestre Furtado, de um país economicamente forte exatamentepor dispor de todos os recursos naturais para isso, mas tambémcapaz, ao atingir esse estágio, de maior justiça social, de extinçãoda miséria. Habitado por um Povo. Orgulhoso de si. Solidário,porque se reconhecendo no outro.No começo dos anos 1990, o sonho estava ao alcance da mão, oAmanhã chegava. O <strong>Brasil</strong> conquistara uma posição entre as dezmaiores economias do mundo. Melhor ainda: o <strong>Brasil</strong> nadava <strong>em</strong>dólares, porque era capaz de realizar exportações muito maioresdo que as importações. Poucos se l<strong>em</strong>bram disso hoje, mas o <strong>Brasil</strong>tinha um dos maiores saldos comerciais positivos (exportaçõesmenos importações) do mundo, na casa dos 10 bilhões a 15 bilhõesde dólares por ano. Tinha dólares seus, não precisava maisde <strong>em</strong>préstimos ou de capital das multinacionais para realizarinvestimentos e manter a economia <strong>em</strong> expansão para criação de<strong>em</strong>pregos e solução dos probl<strong>em</strong>as do seu Povo.Foi ont<strong>em</strong>, e está tudo tão distante. A serviço de outros países, ogoverno escancarou o mercado às importações e às multinacionais.Feiticeiros malditos transformaram o saldo positivo da balançacomercial <strong>em</strong> um “rombo” permanente, deram vantagensna cobrança de impostos sobre a r<strong>em</strong>essa de juros e de lucros,estimulando o envio de dólares para o exterior, elevaram os jurospara cobrir os rombos criados, “quebraram” assim a União, osestados, os municípios. Destruíram a indústria e a agricultura.Em cinco ou seis anos, clones malditos dos intelectuais de ont<strong>em</strong>destruíram o que havia sido construído ao longo de décadas.Destruíram mais. Destruíram o sonho, a Alma Nacional. O quesomos hoje? Um quintal dos países ricos? Não. Somos um curral.Bovinos ruminando babosamente enquanto o vizinho do lado, otrabalhador, o funcionário público, o aposentado, o agricultor, o<strong>em</strong>presário, todos, um a um, são arrastados para o grande matadouro<strong>em</strong> que o país se transformou, com suas mil formas de abatecomo o des<strong>em</strong>prego, os cortes na aposentadoria, as falsas reformasdo funcionalismo, a falência, as importações. Bovinos rumi-13O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


nando no curral, enquanto <strong>em</strong>presas de todos os portes sãoengolidas por grupos estrangeiros e até o petróleo, ou os camposmais fabulosos de petróleo do mundo, com poços capazes de produzir10 mil barris por dia, cada um, são entregues a preço simbólicoàs multinacionais.Em cinco anos, o governo Fernando Henrique Cardoso não destruiuapenas a economia nacional, tornando-a dependente do exterior.Seu crime mais hediondo foi destruir a Alma Nacional, osonho coletivo. Para isso, e com a ajuda dos meios de comunicação,jogou o consumidor contra os <strong>em</strong>presários nacionais, “essesaproveitadores”; o contribuinte contra os funcionários públicos,“esses marajás”; o pobre contra os agricultores, “esses caloteiros”;a opinião pública contra os aposentados, “esses vagabundos”.No governo FHC, o brasileiro foi levado a esquecer que, <strong>em</strong> qualquerpaís do mundo, a sociedade só pode funcionar com base <strong>em</strong>objetivos que atendam aos interesses e necessidades de todos –ou, mais claramente, não se pode, por ex<strong>em</strong>plo, ter uma políticade importação indiscriminada, a pretexto de beneficiar o consumidor,s<strong>em</strong> provocar des<strong>em</strong>prego e quebra de <strong>em</strong>presas. Ou, alongo prazo, des<strong>em</strong>prego generalizado.Com o jogo perverso de estimular a busca de pretensas vantagensindividuais, o governo FHC destruiu a busca de objetivos coletivos.Destruiu a Alma Nacional, o Projeto Nacional. A violentadesnacionalização sofrida pelo <strong>Brasil</strong> <strong>em</strong> sua economia vaieternizar a r<strong>em</strong>essa de lucros, dividendos, juros para o exterior.Isto é, vai torná-lo totalmente dependente da boa vontade dosgovernos de países ricos <strong>em</strong> fornecer dólares e, portanto, de ordense autorizações desses governos de países ricos. Uma espéciede colônia, mesmo, como alertou o economista Celso Furtado, <strong>em</strong>palestra que encerrou com sua frase, arrasadora para qu<strong>em</strong> viveuo <strong>Brasil</strong> de 1950 para cá: “Nunca estiv<strong>em</strong>os tão distantes do <strong>Brasil</strong>com que um dia sonhamos”. Mesmo s<strong>em</strong> tê-lo consultado a respeito,uma sugestão: escreva a frase de Furtado <strong>em</strong> um pedaço depapel e a releia todos os dias. Ou faça decalques com ela. Sugiraque seus amigos façam o mesmo. E comece a agir. Ainda há t<strong>em</strong>pode ressuscitar a Alma Nacional, antes que o <strong>Brasil</strong> vire colônia.Aloysio Biondi 14


O pesadelo do RealFolha de S. Paulo, 27/06/99A C<strong>em</strong>ig [Centrais Elétricas de Minas Gerais], estatal mineirada área de energia, foi parcialmente privatizada, com a venda deum terço de seu capital a um grupo norte-americano. Ela teve umlucro de 390 milhões de reais no ano passado. Vai aplicar essedinheiro <strong>em</strong> projetos de expansão? Não. Vai entregar nada maisnada menos de 97,5% daquele valor aos seus acionistas, sob a formade dividendos. Uma decisão do grupo norte-americano que,apesar de possuir apenas um terço das ações da <strong>em</strong>presa, passoua tomar todas as deliberações, graças a um acordo de acionistasadotado pelo governo FHC na privatização de várias estatais. Obviamente,o grupo norte-americano r<strong>em</strong>eterá sua parte para amatriz.A indústria Dako produzia há décadas fogões populares, de baixopreço, dominando esse mercado com centenas de milhares deunidades vendidas a cada ano. Foi comprada por um grande grupomultinacional, e os fogões, <strong>em</strong>bora simplérrimos, s<strong>em</strong> nenhuma“sofisticação tecnológica” (s<strong>em</strong>pre usada como pretexto parajustificar a chegada de múltis e suas importações), passaram autilizar 100% de peças importadas. As exportações das multinacionaisda área automobilística caíram 50% a 60% neste ano, enquantoas exportações do setor, no México, cresceram 20% – e,atenção, as exportações das <strong>em</strong>presas automobilísticas coreanaspara os Estados Unidos avançaram de 30% a 40%.Os casos da C<strong>em</strong>ig, da Dako, da indústria automobilística, merosex<strong>em</strong>plos do que acontece <strong>em</strong> todas as áreas da economia,mostram uma brutal realidade para a qual a sociedade brasileiraainda não acordou: o <strong>Brasil</strong> já se tornou um país inviável.Voltou a ser o mesmo país da década de 1950, preso na armadilhado chamado estrangulamento cambial, isto é, incapaz de “produzir”os dólares de que precisa para pagar suas importações ed<strong>em</strong>ais compromissos com o exterior. Qualquer outra avaliaçãodo Plano Real, a esta altura, é absolutamente ociosa: o <strong>Brasil</strong> jáestá com o futuro comprometido. Já foi colocado <strong>em</strong> um “beco15O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


s<strong>em</strong> saída” pela política de terra arrasada a que se deu o nomede Plano Real.S<strong>em</strong> futuroHá cinco anos, as multinacionais instaladas no país r<strong>em</strong>etiamde 600 a 700 milhões de doláres, como lucros e dividendos, parasuas matrizes. Por ano. No mês passado, essas mesmas r<strong>em</strong>essaschegaram aos 580 milhões de doláres, isto é, <strong>em</strong> um único mês,tanto quanto se mandava para o exterior <strong>em</strong> um ano. Resultado:as r<strong>em</strong>essas chegam hoje aos 6 bilhões ou 7 bilhões de doláresanuais, ou dez vezes mais que a cifra de épocas recentes. Um saltoequivalente, de dez vezes, aconteceu com as r<strong>em</strong>essas de dólarespara pagar a “tecnologia” comprada pelas multinacionais, quepassaram dos 160 milhões para 1,7 bilhão de doláres por ano.Todos esses “rombos”, note-se, somente dev<strong>em</strong> crescer nos próximosanos, já que mal começou, por ex<strong>em</strong>plo, a r<strong>em</strong>essa de lucrosdas múltis que compraram as estatais do setor de energia elétricaou telefonia...E já que a recessão reduziu por ora os lucros das múltis quecompraram as Dakos, as redes de supermercados, as pequenasfábricas de rações, de salsichas e outros produtos altamente sofisticadoscomo esses... Enquanto economistas e líderes <strong>em</strong>presariaismergulhavam no falso debate <strong>em</strong> torno da “âncora cambial ede juros”, um fenômeno permanente, a desnacionalização – e oconseqüente estrangulamento cambial –, avançava tragicamente,afundando o país <strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as insolúveis. É essa questão quea sociedade, lideranças políticas e <strong>em</strong>presariais precisam discutircom urgência.De mãos atadasAs r<strong>em</strong>essas de dólares, como visto, explod<strong>em</strong>. As importaçõesnão ca<strong>em</strong>, por causa das múltis que compram até as peças defogões populares. As exportações não sob<strong>em</strong>, exatamente porqueas matrizes das multinacionais determinam qual a filial, deAloysio Biondi 16


que país, vai abastecer determinada região do mercado mundial(ao contrário das <strong>em</strong>presas nacionais, como no caso da Coréia,que defend<strong>em</strong> os interesses do seu próprio país, isto é, brigampara exportar porque sab<strong>em</strong> que seu país precisa dos dólares daexportação...).Nunca houve um Plano, Real ou com qualquer outro nome, nogoverno FHC. Houve uma intenção de estabilizar a moeda, que deucerto até por motivos acidentais. O que houve, realmente, foi abrutal e estúpida adoção do chamado modelo neoliberal, com oescancaramento da economia e a destruição de todos os mecanismoscapazes de proteger a produção nacional. N<strong>em</strong> a agriculturaescapou dessa política de terra arrasada, arruinando-se os agricultorescom a extinção da política de compra de colheitas e garantiade preços mínimos. Neste exato momento, os preços dofeijão estão 60% mais baixos que no ano passado e as cotações doarroz 15% inferiores... N<strong>em</strong> renda agrícola, n<strong>em</strong> consumo parareduzir a recessão, como o governo e os analistas polianas previame insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> prever... Um otimismo delirante que, seguramente,foi uma das grandes pragas que assolaram o <strong>Brasil</strong> nosúltimos anos, com previsões de resultados favoráveis que nuncase concretizaram, oriundas não apenas de figuras do governo comoPedro Malan, Antônio Kandir, Gustavo Franco, mas também delíderes <strong>em</strong>presariais e políticos, absolutamente sabujos, além obviamentedos auto-intitulados “analistas técnicos”, também conhecidoscomo jornalistas chapa-rosa.Autênticos polianas, por conveniência ou incompetência, quefalam <strong>em</strong> resgate da “credibilidade do país”, fingindo não estarvendo que, nos <strong>em</strong>préstimos obtidos pelas <strong>em</strong>presas e pelo governobrasileiro nas últimas s<strong>em</strong>anas, os bancos estão cobrandoas maiores taxas de juros de todos os t<strong>em</strong>pos. Segundo dadosque o próprio Banco Central divulgou esta s<strong>em</strong>ana, <strong>em</strong> maio esses<strong>em</strong>préstimos arcaram com uma “sobretaxa” de 7,68%, acimadas taxas de juros do governo dos Estados Unidos. No ano passado,essa sobretaxa era de 3,76%. Essa duplicação é o termômetroexato da desconfiança dos banqueiros <strong>em</strong> relação ao <strong>Brasil</strong>. Naúltima terça-feira, a Celesc fechou um <strong>em</strong>préstimo com a taxa17O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


<strong>em</strong> exorbitantes 16,5%... Onde o <strong>Brasil</strong> vai buscar dólares parapagar esses níveis de juros, sobre uma dívida de 250 bilhões dedoláres? O Real foi um delírio otimista. Que vai virar um pesadelo.Permanente.Quer<strong>em</strong>os o <strong>Brasil</strong> de voltaBundas, n o 28, 21/12/99 a 03/01/00Está todos os dias nos jornais: <strong>em</strong>presas telefônicas recompramsuas ações, energéticas recompram suas ações, siderúrgicasrecompram suas ações... O que isso vai provocar na vida dos brasileiroscomuns? O que isso vai trazer para o país? Resposta: oatoleiro final. O extermínio do povo brasileiro. A menos, é claro,que o Congresso acorde – e imponha limites à ação do presidenteFernando Henrique.Em português claro, qual o significado dessas “recompras deações”? Como s<strong>em</strong>pre, é muito simples. Os grupos multinacionais,nos “leilões de privatização”, na verdade compraram só 15%, 20%,30% das ações das antigas estatais, isto é, passaram a ser donossomente de uma “fatia” de 15%, 20%, 30%. Logicamente, passarama ter direito, também, a “fatias” equivalentes, de 15%, 20%,30% dos lucros – que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong>, <strong>em</strong> dólares, para suas matrizes láfora.Agora, o que está acontecendo? Esses grupos, que “compraram”o direito de mandar nas estatais, estão fazendo propostas maciçaspara comprar as ações de milhares, ou dezenas de milhares,de pequenos, médios, grandes acionistas, isto é, cidadãos brasileirosque possuíam essas ações, alguns deles há muitos e muitosanos. Então, é isso: “recompra”, no caso, é apenas uma expressãotécnica, ou malandra, para dizer que a <strong>em</strong>presa, ou o grupocontrolador, está comprando “de volta” ações que o público haviaadquirido ao longo do t<strong>em</strong>po.Isso é uma catástrofe, a médio prazo. Um suicídio, a médio prazo.Não há nenhum exagero na afirmação. Basta fazer contas. Épreciso fazer contas. O Congresso precisa fazer contas, para tiraro país desse caminho suicida. Veja-se b<strong>em</strong>: as r<strong>em</strong>essas de lucrosAloysio Biondi 18


e dividendos das multinacionais para as matrizes não passavamdos 700 milhões (com <strong>em</strong>e) de dólares, no começo dos anos 1990.Com o início da abertura da economia, no governo Collor, elaspassaram para a faixa de 2,4 bilhões no começo do mandato deFHC. Em 1997, já haviam chegado aos 7 bilhões de dólares, isto é,triplicado no governo FHC e crescido dez vezes <strong>em</strong> relação aos valoreshistóricos.Esses números <strong>em</strong> si já são alarmantes. E, o que é pior, eles deverãoavançar ainda mais explosivamente daqui para a frente,puxados pelo ritmo das privatizações, com as estatais entregues agrupos estrangeiros – e pelo processo de desnacionalização daeconomia <strong>em</strong> geral. As perspectivas já eram sombrias, com umasangria de bilhões de dólares todos os anos, para todo o s<strong>em</strong>pre,colocando o <strong>Brasil</strong> na posição de colônia obrigada a encher os cofresda Corte e sujeita a retaliações, sanções quando não conseguissequitar os compromissos – isto é, sujeita a crises e recessõesperiódicas.Pois o futuro está ficando ainda mais negro. É uma questão dearitmética, como qualquer criança pode ver: se a situação já erainsustentável com r<strong>em</strong>essas de 15%, 20%, 30% dos lucros, o queacontecerá com r<strong>em</strong>essas de 80%, 90%, 100%, como resultado da“recompra” de ações nessa proporção? O governo FHC está cego.Ou não. O Congresso precisa intervir, estabelecendo limites paraessa desnacionalização das ex-estatais.Além da sangria de dólares, esse processo t<strong>em</strong> outra conseqüênciatrágica para o futuro do país: por incrível que pareça, ele agravaa já terrível concentração da renda, ou eterniza a pobreza e amiséria no país, impedindo também o crescimento econômico, acriação de <strong>em</strong>pregos etc., <strong>em</strong> um círculo vicioso interminável.Como assim? Basta olhar o que acontece nos Estados Unidos enos países ricos <strong>em</strong> geral: milhões de famílias de classe média etrabalhadores possu<strong>em</strong> ações, e parte de sua renda v<strong>em</strong> dos dividendospagos por essas <strong>em</strong>presas, ou mesmo da valorização dessasações nas Bolsas. Isto é, a população compartilha os resultadosdo funcionamento da economia, dos negócios das <strong>em</strong>presas.Não custa l<strong>em</strong>brar que o surto de prosperidade dos Estados Uni-19O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


dos é atribuído, <strong>em</strong> grande parte, ao “enriquecimento” das famílias,nos últimos três anos, <strong>em</strong> função da alta nas Bolsas, levandoo consumidor a um forte consumismo com base nessa “rendaextra”.No <strong>Brasil</strong> está ocorrendo o contrário. O povo brasileiro, os milhõesde acionistas estão sendo expulsos das <strong>em</strong>presas construídascom o trabalho nacional. Todas as fontes de produção, todas asfontes de riqueza, estão ficando nas mãos de grupos multinacionais– que, veja-se só a imensa contradição esquecida, têm milhõesde acionistas <strong>em</strong> seus países.Tudo o que está acontecendo no <strong>Brasil</strong>, no governo FHC, é exatamenteo contrário do que ocorre no resto do mundo. O paísestá sendo literalmente escravizado pelas Cortes. O povo brasileiroestá sendo literalmente escravizado para produzir lucros paraos povos dos países ricos. Para não ficar nenhuma dúvida sobreesse relacionamento Corte-Colônia: há três s<strong>em</strong>anas, foi instaladana Espanha uma Bolsa de Valores “especial”, anexa à Bolsa de Valorestradicional. Seu objetivo? Negociar somente ações de <strong>em</strong>presasenergéticas e telefônicas cujo controle foi “comprado” principalmentepor espanhóis e portugueses durante o processo de “privatização”.É um domínio ostensivo, um escarro <strong>em</strong> nossas caras:n<strong>em</strong> as ações das <strong>em</strong>presas “brasileiras” serão mais negociadas nasBolsas do <strong>Brasil</strong>. Também, pra quê? Escravo não t<strong>em</strong> dinheiro paracomprar ações, mesmo. Pedido ao Congresso Nacional, ou melhor,a Papai Noel: “Quer<strong>em</strong>os nosso <strong>Brasil</strong> de volta”.Grato por me assaltaresDiário Popular, 13/03/00Que tal você comprar uma rede de lanchonetes ou uma rede depostos de gasolina para pagar <strong>em</strong> dez anos, a preço de banana –que o antigo dono resolveu vender porque estava, segundo as máslínguas,precisando de dinheiro? E depois, daí a dois ou três anos,o vendedor, tão bonzinho, tão bonzinho, s<strong>em</strong> ter recebido aindaas prestações de oito ou sete anos, oferecer dinheiro <strong>em</strong>prestado,muito dinheiro, a juros baixíssimos, de pai para filho, para vocêAloysio Biondi 20


comprar concorrentes e ficar sozinho no mercado? Absurdo? Afinal,o vendedor não estava quebrado? Não ria. Chore. É isso queestá acontecendo no <strong>Brasil</strong>, com a venda de <strong>em</strong>presas estatais agrupos privilegiados.Nos leilões de privatização, o próprio governo, por meio do bancodos grampos, o BNDES, vendeu “moedas podres” (títulos antigosdo governo) aos “compradores”, para eles entregar<strong>em</strong> de volta aoTesouro, como “pagamento” pelas estatais, com um “detalhe”: asmoedas podres podiam ser pagas <strong>em</strong> dez anos, a juros baixíssimos.Um negócio da China, ou um assalto ao patrimônio do povo brasileiro,com <strong>em</strong>presários e banqueiros recebendo, de graça, <strong>em</strong>presasque valiam bilhões de reais. Mas as negociatas não parame não pararam por aí até hoje. O mesmo BNDES, isto é, o governo,a qu<strong>em</strong> os “compradores” ficaram devendo rios de dinheiro, acaba<strong>em</strong>prestando, aos mesmos devedores, outros rios de dinheiro,para eles investir<strong>em</strong>, ampliar<strong>em</strong> os negócios.Quer dizer: o governo diz que o Tesouro está quebrado, usa essadesculpa para doar as estatais e depois arruma dinheiro para os“compradores”. Ou seja, é a mesma coisa que você, depois de compraras lanchonetes e os postos de gasolina, ainda receber a visitado vendedor que, tão otário, tão otário, v<strong>em</strong> oferecer novo <strong>em</strong>préstimopara ampliar os negócios...Mas as negociatas não param por aí. Passados uns dois ou trêsanos, isto é, apesar de haver prestações de mais sete ou oito anosa ser<strong>em</strong> pagas, o governo, por meio do mesmo BNDES, oferece outrosrios de dinheiro para os grupos que viraram “donos” das estatais.Para quê? Agora, para eles comprar<strong>em</strong> <strong>em</strong>presas menores,ou formar<strong>em</strong> cartéis <strong>em</strong> alguns setores. Para não parecer escandalosod<strong>em</strong>ais, o BNDES inventa um monte de desculpas: diz que épreciso “reorganizar”, por ex<strong>em</strong>plo, os setores de petroquímica,papel, celulose, siderurgia, para criar <strong>em</strong>presas de grande porte“exigidas” pela globalização.É a negociata da negociata da negociata, com os mesmos gruposde s<strong>em</strong>pre, os donos do país, recebendo estatais de graça, recebendo<strong>em</strong>préstimos para ampliá-las, recebendo <strong>em</strong>préstimospara virar cartéis, s<strong>em</strong>pre devendo rios de dinheiro e beneficiados21O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


gostosamente com juros muito mais baixos do que os pagos pelosmilhões de <strong>em</strong>presários “comuns”, com a diferença paga pelo Tesouro,isto é, por toda a sociedade.A opinião pública e o Congresso continuam passivos diante dessasaberrações. Só falta dizer<strong>em</strong> ao governo FHC: “Obrigado porme assaltares”.A Vale do Rio Doce, retrato de um paísBundas, n o 41, 28/03 a 03/04/00Classe média e trabalhadores pagam até 27,5% de Imposto deRenda sobre tudo o que ganham – isto é, s<strong>em</strong> o direito de descontaras despesas feitas para trabalhar, ter renda. Abatimentos?Só ridículos valores para mensalidades escolares, despesasmédicas, dependentes. A Vale do Rio Doce, ex-estatal portentosa,“dona” de outras 30 <strong>em</strong>presas das áreas de mineração, navegação,portos, celulose, madeira, doada por FHC a um grupo lideradopelo sr. Steinbruck, teve um lucro de 1,25 bilhão de reais <strong>em</strong>1999, para um faturamento de 4,4 bilhões de reais. Quanto vaipagar de Imposto de Renda? Segure-se na cadeira: míseros 5 (ci-n-c-o)milhões de reais. Ou menos de 0,5% do lucro, ou 0,125%do faturamento...Como isso é possível? O secretário da Receita Federal, EverardoMaciel, já havia dado uma pista sobre aberrações como essa, aodepor no Congresso Nacional <strong>em</strong> meados do ano passado, na CPIsobre o socorro do Banco Central a bancos quebrados, na crise doReal <strong>em</strong> janeiro de 1999. Maciel, tão sério que viv<strong>em</strong> pedindo suad<strong>em</strong>issão, apontou distorções na cobrança dos impostos no <strong>Brasil</strong>,fazendo revelações inacreditáveis, que <strong>em</strong> outros países derrubariamgovernos.Primeiro: foi ele qu<strong>em</strong> mostrou que o governo estava perdendobilhões de reais, <strong>em</strong> impostos, com as privatizações. Como? Porqueo “ágio”, ou diferença entre o preço pedido pelo governo, nosleilões, e o preço oferecido pelo “comprador”, é devolvido peloTesouro, sob a forma de abatimento no Imposto de Renda. Segundo:Maciel revelou ao Congresso que metade das 500 maioresAloysio Biondi 22


<strong>em</strong>presas do <strong>Brasil</strong> não pagam um tostão de Imposto de Renda, ea outra metade paga <strong>em</strong> média apenas 5%. Por quê? Sonegação?Não. Há “brechas” na lei, disse ele, de forma diplomática, masque na verdade são privilégios e vantagens oferecidos pelo governoFHC às grandes <strong>em</strong>presas e aos bancos, para reduzir o impostodevido. O balanço da Vale, com 0,5% de Imposto de Renda sobreo lucro, é um retrato do <strong>Brasil</strong> de FHC/Malan, que aumenta impostose corta verbas para as áreas sociais <strong>em</strong> nome do “equilíbriodo Tesouro” e abre buracos no Tesouro para favorecer os gruposde elite. Mas ele mostra muito, muito mais, sobre este <strong>Brasil</strong>.Mentiras e despudorEle mostra, por ex<strong>em</strong>plo, que realmente as elites perderam qualquertraço de vergonha <strong>em</strong> matéria de mentir à opinião pública –e de assaltar o cidadão brasileiro. Na época da publicação do balanço,os “donos” da Vale divulgaram anúncio de página inteiranos jornais, alardeando “novos recordes”, e surgiram entrevistasde seus diretores e editoriais exaltando a “eficiência” da administraçãoprivada e as “vantagens da privatização”. É tudo mentiradescarada, pois a Vale andou de marcha à ré <strong>em</strong> 1999 – edeveria ser obrigada a publicar outro anúncio, se retratando, porimposição do Conar [Conselho Nacional de Auto-RegulamentaçãoPublicitária], que cuida de ética <strong>em</strong> propaganda, ou da CVM[Comissão de Valores Mobiliários], que deveria evitar propagandaenganosa de <strong>em</strong>presas com ações <strong>em</strong> Bolsas.Os recuos da Vale são mostrados no próprio balanço: houvequeda <strong>em</strong> todas as atividades da Vale e coligadas, a saber, venda eexportação de minérios, transporte ferroviário, terminais portuários,transporte marítimo (exceções, segundo o balanço destaca:papel e celulose, siderurgia e alumínio). O anúncio diz a verdade<strong>em</strong> um caso, isto é, quando aponta que o lucro de 1,25 bilhão érecorde – apesar da queda, que ele omite, nas operações. Explicaçãopara o aparente paradoxo: eficiência administrativa? Nada aver. Basicamente, o lucro da Vale foi provocado por uma coisamuito diferente: a desvalorização do Real no começo de 1999, que23O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


aumentou <strong>em</strong> mais 50% a quantidade de reais recebida na trocade cada dólar obtido nas exportações de minérios – que na verdadetambém caíram, de 2,7 bilhões para 2,3 bilhões de dólares.Mas houve outros macetes, típicos do <strong>Brasil</strong> de FHC, que tambémincharam os lucros da Vale. Ela ganhou 350 milhões de reais porque“previu” a queda do real e especulou com o dólar (operações dehedge). Além disso, ela e algumas de suas coligadas receberam devolta nada menos que 340 milhões de reais do... Imposto de Renda,graças principalmente a devoluções concedidas como “incentivo”para a compra ou fusão de <strong>em</strong>presas, inclusive nas privatizações(outra “brecha” à qual Everardo Maciel fez referência).Ah, sim, o grupo Vale do Rio Doce acumulou <strong>em</strong>préstimos aquidentro e no exterior no total equivalente de 4,4 bilhões de reais,dos quais 1,05 bilhão lá fora com o aval do Tesouro (que, segundoo governo FHC, não tinha condições de levantar <strong>em</strong>préstimos noexterior, e, no entanto, é aceito como fiador dos novos “donoss<strong>em</strong>-dinheiro-e-s<strong>em</strong>-pudor”da Vale). Desses <strong>em</strong>préstimos, diz obalanço, apenas 250 milhões de reais arcaram com taxas de jurossuperiores a 11% ao ano – o que significa que os lucros da Valeestão sendo engordados, também, com juros baixos (as <strong>em</strong>presas<strong>em</strong> geral pagam 40% ao ano no <strong>Brasil</strong>) no exterior, graças ao avaldo governo, ou aqui dentro, graças a <strong>em</strong>préstimos de pai para filhodo banco estatal BNDES.Com lucros tão fantásticos, os novos “donos” da Vale seguirama tradição da <strong>em</strong>presa à época <strong>em</strong> que era estatal, realizandoinvestimentos para reforçar estrategicamente sua posição nomercado mundial, inclusive com pesquisas de novas jazidas –ou para melhoria dos serviços ferroviários, portuário, de navegaçãomarítima, que também lhes foram doados na privatização?Não. A Vale cortou seus investimentos <strong>em</strong> 25%, de 420 milhõespara 350 milhões de reais (a <strong>em</strong>presa, s<strong>em</strong>pre marotamente, alardeiaum investimento recorde de l bilhão – porém, para este ano...).Os gastos com pesquisa ficaram <strong>em</strong> ridículos 46 milhões de reais.O que os “donos” da Vale fizeram com o dinheiro do lucro? Embolsaramnada menos de 70%, algo como 850 milhões de reais,pagos a eles mesmos, como juros sobre o capital próprio – queAloysio Biondi 24


também é outra “brecha”, t<strong>em</strong> “incentivos” do Imposto deRenda.O balanço da Companhia Vale do Rio Doce mostra recuos da<strong>em</strong>presa e “progresso financeiro” para os “donos” – à custa detodos os brasileiros, de qu<strong>em</strong>, no final das contas, sa<strong>em</strong> o dinheirodo Imposto de Renda, a diferença de juros do BNDES, o custo dadesvalorização do Real. Um retrato da privatização e da “política”tributária e de crédito, favoráveis aos grandes grupos, do governoFHC. E o Congresso, hein?Que não se repita <strong>em</strong> 2000Diário Popular, 02/01/00Ironias da História. O discurso do presidente da República na“virada do milênio” procura exaltar os 500 anos do <strong>Brasil</strong>, destacandoas conquistas do povo brasileiro ao longo dos t<strong>em</strong>pos. Eleaponta, como motivo de orgulho, o fato de o <strong>Brasil</strong> ter-se destacado,no mundo, como criador de tecnologia para a fabricação deaviões, exportados para todos os países, e também por ocupar aliderança, <strong>em</strong> todo o mundo, na criação de técnicas e equipamentospara pesquisar e explorar petróleo no fundo do mar. Pareceaté mais uma das brincadeiras do b<strong>em</strong>-humorado presidente brasileiro.Por quê? Nos dois casos, a façanha foi executada por duas<strong>em</strong>presas estatais, a Petrobrás e a Embraer, ao longo de décadas,com técnicos nacionais e recursos financeiros n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre fáceisde obter (o BNDES, que hoje <strong>em</strong>presta para multinacionais, há anosnão realiza <strong>em</strong>préstimos a estatais).Assim, é no mínimo uma contradição engraçada, se não fossetrágica, que seus méritos sejam reconhecidos (mas s<strong>em</strong> citar seusnomes) exatamente por qu<strong>em</strong> v<strong>em</strong> destruindo as <strong>em</strong>presas estataisbrasileiras. Um presidente da República que, para implantara privatização desejada pelos países ricos e seus banqueiros <strong>em</strong>ultinacionais, patrocinou ao longo dos últimos quatro anos umaintensa campanha de manipulação da opinião pública, com a repetiçãode um s<strong>em</strong>-número de mentiras para desmoralizar asestatais...25O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


A ironia é ainda maior porque, neste exato momento, a Embraer,que já foi privatizada, corre o risco de ser entregue a grupos franceses,provocando reações e crise na Aeronáutica. Da mesma formaque, segundo entrevistas recentes do presidente da AgênciaNacional do Petróleo e genro do presidente FHC, David Zylbersztajn,a destruição da Petrobrás vai ser acelerada já neste mês dejaneiro. Após entregar a multinacionais campos fabulosos de petróleodescobertos pela Petrobrás, o governo FHC vai “encolher” a<strong>em</strong>presa, obrigando-a a vender ou ceder refinarias, postos de distribuição,gasodutos e oleodutos.Um plano antinacional, do qual os brasileiros certamente nãotêm motivos para se orgulhar nos 500 anos do país. Aliás, o presidenteda República destaca também que o <strong>Brasil</strong> foi um dos cincopaíses que apresentaram as maiores taxas de crescimento econômiconos últimos 50 anos. Decididamente, ele estava disposto acontar anedotas para tentar fazer o brasileiro rir na “virada domilênio”. Ao falar “nos últimos 50 anos”, Fernando Henrique Cardoso,estrategicamente, evitou falar nos últimos cinco anos, aquelesde seu governo. Cinco anos <strong>em</strong> que a indústria brasileira, porcausa do “escancaramento do mercado”, regrediu tanto, tanto, quevários setores cortaram a produção <strong>em</strong> 30% a 50%. E o setor industrialcomo um todo cortou o número de trabalhadores <strong>em</strong> nadamenos de um terço, de 6,6 milhões para 4,5 milhões. O <strong>Brasil</strong> deque FHC falou não existe mais. Era um país com um projeto nacional.Foi assassinado pelo sociólogo amigo dos países ricos.A “bomba” do anoDiário Popular, 18/01/00Não se espante. As afirmações abaixo são do ex-ministro LuizCarlos Bresser Pereira, <strong>em</strong> artigo-bomba publicado domingo:• Escancaramento do mercado – “Não perceb<strong>em</strong>os que o liberalismoeconômico é muito bonito <strong>em</strong> teoria, mas que, na prática,nenhum país desenvolvido o pratica integralmente.”• Desnacionalização – Os países ricos defend<strong>em</strong> o neoliberalismo,mas eles “não estão dispostos a ver suas <strong>em</strong>presas e seus ban-Aloysio Biondi 26


cos ser<strong>em</strong> desnacionalizados de forma vexatória (sic, sic, sic) comoaconteceu com o <strong>Brasil</strong>...”• Nacionalismo – “Os franceses defend<strong>em</strong> suas <strong>em</strong>presas, os inglesesdefend<strong>em</strong> suas <strong>em</strong>presas, até os americanos, que <strong>em</strong> princípionão precisariam, defend<strong>em</strong> suas <strong>em</strong>presas. Não imped<strong>em</strong>sist<strong>em</strong>aticamente que estrangeiros as compr<strong>em</strong>, mas também nãoabr<strong>em</strong> suas portas...”• Entreguismo – “Enquanto isso, nós permitimos a desnacionalizaçãode grandes <strong>em</strong>presas brasileiras e de grandes bancos. Decididamente,enlouquec<strong>em</strong>os” (sic, sic, sic).• Entreguistas – “O princípio seguido pelos países ricos nessamatéria é simples: faça como eu digo, não como eu faço. E o princípioadotado por nossas elites é igualmente simples: ‘Faço comoeles diz<strong>em</strong> que eu devo fazer, não como eles faz<strong>em</strong>’.”Espantoso, não? Amigo pessoal do presidente da República,Bresser Pereira confirma, <strong>em</strong> linguag<strong>em</strong> indignada, todas as críticasque as oposições têm apresentado, nos últimos anos, ao governoFHC. Ajudado pelos deformadores de opinião, veículos e jornalistas,o governo despejou uma enxurrada de mentiras sobre asociedade. Fez uma verdadeira “lavag<strong>em</strong> cerebral” para justificaro escancaramento às importações, a destruição de milhões de<strong>em</strong>pregos, a quebra de milhares de <strong>em</strong>presas, a dívida espantosado Tesouro, a falência das prefeituras e estados, o assalto contraos aposentados e funcionários públicos, as “privatizações” vergonhosas,às claras ou às escondidas, de <strong>em</strong>presas gigantescas comoa Telebrás, a Vale do Rio Doce, a Cesp paulista e a Petrobrás, <strong>em</strong>franco “esquartejamento”. Agora um ex-ministro diz que nadadisso acontece nos países ricos. Eles defend<strong>em</strong> seus <strong>em</strong>presários,seus trabalhadores, seus interesses nacionais. “Decididamente,enlouquec<strong>em</strong>os”, brada Bresser.Como explicar as críticas violentas partidas de um cidadão quefoi cúmplice de todo esse processo de destruição da economia brasileirae do próprio país chamado <strong>Brasil</strong>, transformado <strong>em</strong> colôniade segunda classe de franceses, espanhóis, portugueses e norteamericanos?O artigo, sob o título “Banespa e interesse nacional”(Folha de S. Paulo, domingo), aparent<strong>em</strong>ente reflete o desagrado27O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


dos banqueiros brasileiros diante das facilidades que o governoFHC v<strong>em</strong> criando para entregar o banco paulista a banqueirosinternacionais.É ingenuidade, porém, acreditar que Bresser estámeramente fazendo o jogo dos banqueiros brasileiros (de resto,também entreguistas). O artigo, de leitura obrigatória, é um verdadeiromanifesto contra o assalto internacional ao <strong>Brasil</strong>, comandadopelo governo FHC. Seguramente, Bresser não está falandosozinho. É apenas o porta-voz. Há fumaça no ar.A hora do CongressoDiário Popular, 24/04/00O governo dos Estados Unidos, há poucos dias, enviou <strong>em</strong>issáriosao México, a pedido de <strong>em</strong>presas norte-americanas. Motivo:o governo mexicano privatizou apenas parcialmente os serviçostelefônicos no país, e as chamadas interurbanas e internacionaiscontinuaram a ser monopólio da Telmex, a telefônica estatal delá, equivalente à Telebrás brasileira, e que continua a dominar 70%do mercado. O que desejam as <strong>em</strong>presas norte-americanas? Quer<strong>em</strong>maiores facilidades e menores preços para usar as redes deserviços locais.Há poucas s<strong>em</strong>anas, foi a vez de a União Européia ter um violentoduelo com os Estados Unidos, na reunião de cúpula dospaíses ricos, com o governo Clinton esperneando contra os sucessivosadiamentos adotados pelos governos europeus na políticade privatização e abertura de mercados de dois setores: transportesmarítimos e aéreos, e energia elétrica. A reunião terminous<strong>em</strong> que Clinton arrancasse nenhum compromisso concretopor parte de seus aliados ricos. Da mesma forma que, <strong>em</strong> janeiro,os próprios países europeus protestavam contra a França,que v<strong>em</strong> retardando a privatização do setor de energia elétrica,dominado pela estatal EDF, mantendo as proibições para a atuaçãoaté mesmo das <strong>em</strong>presas energéticas dos países com os quaisela busca a formação de um mercado único, a União Européia, echega a ter uma moeda única, o euro. O que esse noticiário todomostra? Como você já deve ter concluído, mostra que o <strong>Brasil</strong>Aloysio Biondi 28


caiu, ou foi jogado, <strong>em</strong> um autêntico conto-do-vigário, pelo governoFHC.A privatização indiscriminada de setores como energia e telecomunicaçõesnão ocorreu no resto do mundo afora — n<strong>em</strong> mesmono México, apesar de suas fortes ligações com os Estados Unidos.Aqui, o patrimônio acumulado durante décadas, ou séculos, à custado povo brasileiro, foi entregue a preços vergonhosamente baixosprincipalmente a multinacionais dos países ricos, que continuama privilegiar suas estatais ou a manter seus mercados “fechados” agrupos de outros países. Um novo lance desse verdadeiro assaltocontra o <strong>Brasil</strong> e o povo brasileiro está sendo confirmado para omês de junho, com a fixação da data para novos leilões destinadosa “vender”, a preço de banana, áreas fantásticas de produção depetróleo descobertas pela Petrobrás, principalmente no litoral, nachamada plataforma submarina.O comportamento dos outros países exige a atenção do CongressoNacional, que, nos últimos anos, de forma desavisada, deu“carta branca” ao governo FHC para as privatizações, enganadocom as afirmações de que essa era uma tendência mundial. Aindahá t<strong>em</strong>po para impedir novos negócios da China. Melhor aindaseria a criação de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]para investigar se as privatizações feitas não foram um “jogo decartas marcadas”, com operações “combinadas” há muito t<strong>em</strong>po,como ficou evidente com a total entrega, pelo BNDES, do controleda Ligth à EDF francesa e da Eletropaulo à AES norte-americana,há poucas s<strong>em</strong>anas. Esse tipo de combinação, se ocorreu, t<strong>em</strong> umnome.O Congresso e os palhaçosDiário Popular, 03/10/99Eles são mesmo umas gracinhas. Olhe b<strong>em</strong>: agora você vê oshomens do FMI, do Banco Mundial, do governo Clinton, todos adizer que tudo que eles mandaram governos de países submissoscomo o do <strong>Brasil</strong> fazer<strong>em</strong> com sua economia estava errado. Vocênão está morrendo de rir com essa anedota histórica, que foi a tal29O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


da “globalização” e da “abertura de mercado”? Ahhh, você entãonão t<strong>em</strong> senso de humor.Olha o que diz o economista John Williamson, considerado opai do plano para adotar o tal “modelo neoliberal” na AméricaLatina, um programa também conhecido como “Consenso deWashington”. As “reformas” que têm roubado os direitos de milhõesde trabalhadores eram mesmo necessárias? Ahhh, diz o anjinhoWilliamson <strong>em</strong> entrevista ao jornalista Fernando Canzian,“eu nunca pretendi [...] que os países fizess<strong>em</strong> reformas por todosos lados”. Privatizações? “Ahhh, seus benefícios depend<strong>em</strong> muitoda maneira como elas são realizadas. Muitas foram altamentebenéficas, outras n<strong>em</strong> tanto.” Liberdade para as multinacionais eos capitais estrangeiros? Atenção, atenção ao que Williamson diz:essa liberdade para os “capitais também foi pr<strong>em</strong>atura, com a atraçãode fortes investimentos de curto prazo. Essas duas coisas <strong>em</strong>particular estão por trás da crise que o <strong>Brasil</strong> enfrenta hoje”. Nãoé de matar de rir? Não. Você t<strong>em</strong> razão: é de chorar de raiva. Essapolítica destruiu o país chamado <strong>Brasil</strong>. Criou milhões de des<strong>em</strong>pregados,quebrou milhares de <strong>em</strong>presas, destruiu a agricultura,aumentou a fome e a mortalidade. Quebrou o Tesouro. Pior ainda:desnacionalizou completamente a economia, comprometendoo futuro, com a venda de <strong>em</strong>presas públicas ou privadas a gruposestrangeiros a preços de banana. Uma desnacionalização quecompromete o próprio futuro, repita-se, porque significa qu<strong>em</strong>ultinacionais passarão a r<strong>em</strong>eter bilhões de dólares para suasmatrizes para todo o s<strong>em</strong>pre, “sangrando” o povo brasileiro. Fomostratados como palhaços, imbecis que soltavam foguetes parapolíticas que nos transformavam <strong>em</strong> colônias. E continuamos sendotratados como palhaços, imbecis pelos Williamsons, Camdessus,Clintons da vida, quando eles debochadamente diz<strong>em</strong> queforam mal entendidos, o ritmo podia ser outro, as reformas deveriamser mais graduais, as privatizações mais b<strong>em</strong> pensadas. Estãonos fazendo de palhaços, sim, assumindo ares de anjo.Ora, ao longo de todos os últimos anos, FMI, Banco Mundial,governo Clinton, banqueiros, economistas famosos ridicularizavamas críticas das oposições e batiam palmas, diziam maravilhasAloysio Biondi 30


das decisões do governo FHC. Estavam por trás delas. Agora quecolocaram o <strong>Brasil</strong> de quatro, fing<strong>em</strong> que não têm nada com isso?Estão debochando. É uma nova enganação, para oferecer “ajuda”e roubar o pouco que restou a este país. É hora de o CongressoNacional impedir nova aliança entre o governo FHC e os assaltantesinternacionais. Quer<strong>em</strong>os o <strong>Brasil</strong> de volta.31O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


O petróleoé delesVocê não acha errado?Diário Popular, 20/01/00Você vê todos os dias, nos jornais e na TV, manchetes sobre associaçõesentre gigantescas multinacionais, que se juntam ou se fund<strong>em</strong><strong>em</strong> uma única <strong>em</strong>presa, que vira “uma das maiores do mundono setor”, ou “uma gigante de tantos e tantos bilhões de dólares”,certo? Trata-se de uma tendência mundial, diz<strong>em</strong> os analistas. Coma globalização, com a informática, os negócios hoje são feitos <strong>em</strong>todas as partes do mundo, exigindo <strong>em</strong>presas também gigantescaspara vencer a concorrência, explicam os mesmos analistas.Nenhum setor t<strong>em</strong> escapado dessas fusões ou associações. Comovocê t<strong>em</strong> visto, elas são anunciadas, todos os dias, juntando ban-Aloysio Biondi 32


cos, laboratórios farmacêuticos, <strong>em</strong>presas de informática, telefônicas— ou companhias petrolíferas. A tendência mundial é, portanto,a formação de <strong>em</strong>presas gigantescas.No <strong>Brasil</strong>, o próprio governo FHC t<strong>em</strong> permitido que multinacionaiscompr<strong>em</strong> bancos e <strong>em</strong>presas brasileiras exatamente comesse argumento: é o caminho para enfrentar a concorrência mundial.Por isso mesmo, o que você acha da notícia de que o governoFHC vai forçar a Petrobrás a vender suas refinarias, gasodutos eoleodutos, b<strong>em</strong> como seus postos de gasolina, a grupos privados,isto é, às multinacionais? Ou melhor, o que você acha da desculpaque o governo FHC está usando para esse “desmonte” da Petrobrás?Qual é a desculpa? Por incrível que pareça, o presidente da AgênciaNacional de Petróleo, o genro de FHC, David Zylbersztajn, dizque a “Petrobrás é grande d<strong>em</strong>ais”, precisa abrir mão de uma partede seus negócios.Você não acha que isso é uma contradição total com o que estáocorrendo no resto do mundo, ou, como visto, também no <strong>Brasil</strong>?Por que o governo faz isso, tenta “reduzir” a Petrobrás, uma<strong>em</strong>presa que se tornou gigantesca graças a bilhões e bilhões dereais de investimentos realizados com o dinheiro dos trabalhadores,da classe média, dos <strong>em</strong>presários e dos agricultores brasileiros?Preste atenção, muita atenção: esqueça se você simpatiza ou nãocom as <strong>em</strong>presas estatais, se você simpatiza ou não com aPetrobrás. O que está sendo, mais uma vez, dado de presente agrupos estrangeiros é o dinheiro, seu e de 160 milhões de brasileiros,é o patrimônio, seu e de 160 milhões de brasileiros, é umaverdadeira mina de ouro que pertence a você e a 160 milhões debrasileiros — e que a Petrobrás apenas administra.O senhor Zylbersztajn diz que é preciso “reduzir o monopólioda Petrobrás”, criar concorrência. Diante da tendência mundialde gigantismo, o argumento é uma grande mentira. Mas, alémdisso, o mercado brasileiro está aberto para as multinacionais ougrupos brasileiros explorar<strong>em</strong> o petróleo, <strong>em</strong> todas as etapas. Elesque des<strong>em</strong>bols<strong>em</strong> bilhões para construir refinarias, oleodutos,gasodutos, ou descobrir petróleo.33O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Você acha certo eles ganhar<strong>em</strong> de presente, a preço de banana,tudo o que foi feito ao longo de décadas com o dinheiro de geraçõesde brasileiros? O que o Congresso deve fazer?O petróleo é delesDiário Popular, 17/02/00O <strong>Brasil</strong> está gastando mais algumas centenas de milhões dedólares, todos os meses, por causa da disparada dos preços dopetróleo no mercado mundial. Explicação: o país consome 1,7milhão de barris por dia, sob a forma de gasolina e outros combustíveis,mas a produção da Petrobrás, <strong>em</strong>bora venha crescendoaté 10% ao ano, ainda está na faixa de 1,2 milhão de barrispor dia. Cria-se, assim, a necessidade de importar a diferençade 500 mil barris por dia a preços que aumentam o “rombo” dedólares.Agora, atenção: o governo e alguns de seus aliados estão aproveitandoesse novo probl<strong>em</strong>a para, mais uma vez, defender a adoçãode medidas que são um verdadeiro assalto contra o povo brasileiro.Como s<strong>em</strong>pre, seus argumentos são mentiras incríveis. Empoucas palavras, como você já deve ter visto, o assalto <strong>em</strong> andamentoé assim:• Descobertas – O governo confessa que a Petrobrás já descobriu,ao longo de anos e anos, jazidas (reservas) fantásticas de petróleo,da ord<strong>em</strong> de bilhões e bilhões de barris, principalmente nofundo do mar (plataforma submarina).• Dinheiro – Agora, diz o governo, há necessidade de muito dinheiro,bilhões de reais, para comprar equipamentos e perfuraros poços para extrair o petróleo descoberto.• Pressa – Segundo eles, a Petrobrás não teria esses recursos, e opaís t<strong>em</strong> pressa, precisa aumentar a produção de petróleo rapidamente,para evitar os gastos de dólares com a importação. A solução?Aceitar sócios para a Petrobrás, na exploração de campospetrolíferos e outras atividades. E pior ainda: “vender” <strong>em</strong> leilões,principalmente às multinacionais, áreas imensas onde a Petrobrásdescobriu petróleo.Aloysio Biondi 34


Na verdade, o governo FHC está usando a nova crise do petróleopara enganar a opinião pública. Usando a desculpa da “pressa”para executar um assalto histórico contra o povo brasileiro.Nesse assalto, governo e aliados diz<strong>em</strong> até que a Petrobrás éculpada de o <strong>Brasil</strong> depender de petróleo importado, porque nãoteve competência para produzir o suficiente para atender ao consumo.É muito cinismo: todos estes anos, o governo FHC, ao fazercortes no orçamento, proibiu a Petrobrás de investir mais de 2,5bilhões de reais na compra dos equipamentos para abrir os poçose produzir o petróleo.Enquanto isso, o mesmo governo FHC mandava a Telebrás despejar7,5 bilhões de doláres por ano, <strong>em</strong> 1996 e 1997, ou 15 bilhõesde doláres <strong>em</strong> apenas dois anos, na ampliação das redes esist<strong>em</strong>as de telefones do país. O triplo dos gastos de 5 bilhõesde reais permitidos à Petrobrás, roubados dos contribuintes, poiso governo FHC já estava preparando a privatização das <strong>em</strong>presastelefônicas, e gastou aquela dinheirama para entregar tudopraticamente pronto, com o nosso dinheiro, para os “compradores”faturar<strong>em</strong>. Se o <strong>Brasil</strong> hoje está importando petróleo, aculpa não é da Petrobrás. É do governo FHC e seus crimes delesa-pátria.Depois do petróleo, o dilúvioCaros Amigos, n o 30, set. 1999Em meados de agosto [de 1999], quando o real já havia começadoa despencar outra vez, um grande banco internacional, o INGBarings, divulgou relatório aconselhando seus clientes investidoresa vender<strong>em</strong> os títulos do governo e de <strong>em</strong>presas brasileiras.Motivo: o risco de “calote”, já que a dívida do Tesouro passa dos400 bilhões de reais e, como os juros aqui dentro estão (estavam)na casa dos 22%, isso significa uma carga de juros de uns 90 bilhõesa 100 bilhões de reais por ano. Ou, arredondando, uns 10bilhões de reais por mês. Impossível pagar. Tudo o que o governofaz é <strong>em</strong>itir “papagaios” novos, isto é, apenas aumenta a dívida.Explosivamente.35O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


A iniciativa “agressiva” do Barings – escondida pela imprensapátria, como s<strong>em</strong>pre – apenas tornou pública a desconfiança queos banqueiros internacionais continuaram a alimentar <strong>em</strong> relaçãoao <strong>Brasil</strong>. Desmentindo totalmente a famosa “reconquista dacredibilidade internacional” alardeada pelo governo e seus portavozes,no primeiro s<strong>em</strong>estre do ano os bancos internacionais <strong>em</strong>prestaramapenas 3,5 bilhões de dólares a <strong>em</strong>presas brasileiras(isto é, as nacionais e também as multinacionais). Ou, atenção,cinco vezes menos que os 17,5 bilhões de dólares concedidos <strong>em</strong>igual período de 1998.Esses dados e fatos ressuscitam a pergunta: por que o FMI e Clintoninsist<strong>em</strong> <strong>em</strong> ser tolerantes com o <strong>Brasil</strong>, mantendo políticas de apoioao país, mesmo quando é evidente que a situação econômica continua<strong>em</strong> franca deterioração e s<strong>em</strong> possibilidade de reversão (ninguémconsegue pagar juros de 10 bilhões de reais por mês)?A única resposta possível continua a mesma, a saber: FMI e EstadosUnidos estão apenas esticando a corda do governo FHC, tentandoadiar o ponto de ruptura que fortaleceria a oposição, comum objetivo: conseguir que, antes do dilúvio, novas privatizaçõesinsensatas sejam feitas. Ou, mais precisamente, que haja novasdesnacionalizações nos setores de exploração do petróleo e geraçãode energia elétrica (atenção, repetindo: o governo dos EstadosUnidos não vendeu suas <strong>em</strong>presas de energia elétrica, ao contráriodo que se pensa).Para qu<strong>em</strong> torce o nariz a essa hipótese, classificando-a de d<strong>em</strong>asiadofantasiosa: o governo FHC, como qu<strong>em</strong> não quer nada, jáanunciou uma nova rodada de leilões para “vender” as áreas doterritório nacional <strong>em</strong> que a Petrobrás descobriu jazidas fabulosasde petróleo. O novo leilão está programado para daqui a pouco,outubro [de 1999] – e inclui também os campos de petróleosubmarinos, o que não estava previsto.Vergonha vergonhosaO brasileiro t<strong>em</strong> vergonha de parecer ufanista, na base do porque-me-orgulho-do-meu-país.Talvez por isso o brasileiro não te-Aloysio Biondi 36


nha colocado na cabeça, até hoje, que o <strong>Brasil</strong> t<strong>em</strong> realmente oscampos de petróleo mais fantásticos do mundo. Parece vergonhosofalar nisso. Na plataforma submarina, no fundo do mar, há jazidasdescobertas pela Petrobrás <strong>em</strong> fase de exploração e que têmpoços capazes de produzir 10 mil barris por dia. Cada poço. É umnúmero fantástico, sim, é um recorde mundial, sim, e que somenteencontra concorrentes, com poços capazes de produzir 7 mil, 8mil barris por dia, no Irã, no Kuwait, no Iraque... O que significam10 mil barris por dia? A 20 dólares o barril, isso significa ofaturamento de 200 mil dólares, <strong>em</strong> um único poço. Em um dia.Ou 6 milhões de dólares por mês. Ou 70 milhões de dólares porano. Por poço. Uma das jazidas da Petrobrás na bacia de Campos,estado do Rio, t<strong>em</strong> 25 poços funcionando, o que significa que eles,multiplicados pelos 70 milhões de dólares faturados <strong>em</strong> cada poço,rend<strong>em</strong> 1,75 bilhão (bilhão, com a letra bê, por ano). Ou, para arredondar,2 bilhões de dólares por ano. Ou, ainda, o equivalente a4 bilhões de reais por ano.Respire fundo agora: são esses campos de petróleo absolutamentefantásticos, os mais produtivos do mundo, que o governoFHC já começou a doar às multinacionais, com a ajuda da imprensa.No primeiro leilão, realizado há poucas s<strong>em</strong>anas, o presidenteda Agência Nacional de Petróleo do governo FHC, David Zylbersztajn,teve a bárbara corag<strong>em</strong> (ou outro nome qualquer) de pedirum “preço simbólico” de 50 mil a 150 mil (é “mil”, com a letra<strong>em</strong>e, mesmo) reais às “compradoras” dessas áreas.O governo usou uma desculpa para tentar justificar esses preçossórdidos: o mercado mundial estaria <strong>em</strong> baixa, com superofertade petróleo. Acontece que desde janeiro os preços do petróleo duplicaram– d-u-p-l-i-c-a-r-a-m – de 10 dólares para 20 dólares obarril, fenômeno que merecia manchetes e que n<strong>em</strong> sequer foi noticiadoao longo de meses pela grande imprensa (faça você mesmoum teste, com seus amigos e sua família: verifique quantosficaram sabendo dessa duplicação).A verdade foi escondida para que a sociedade não discutisse ospreços pedidos pelo governo – ou, o que seria mais importanteainda, discutisse a própria política de privatização do petróleo37O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


nacional. Mais claramente: se as jazidas são as mais fantásticasdo mundo, se os lucros que elas vão proporcionar são fabulosos,por que o governo FHC não vende ações da Petrobrás a milhões debrasileiros, juntando-se dinheiro para acelerar as explorações egerar dólares com a exportação de petróleo? Qual é o probl<strong>em</strong>a?Clinton e o FMI não deixam?Ah, sim: no primeiro leilão, algumas jazidas foram compradaspor 150 milhões de reais, isto é, mil vezes o preço de 150 mil reaispedido pelo governo. A imprensa apresentou esse resultado comoalgo fantástico. Não é. Continua a ser ninharia. Esmola para povoíndio. Basta ver que esses campos petrolíferos pod<strong>em</strong> faturar 2bilhões de dólares, ou 4 bilhões de reais, por ano. Em um ano.Contra 150 milhões de reais. Uma única vez.As oposições precisam mobilizar a sociedade brasileira contra onovo assalto ao petróleo nacional programado pelo governo FHC,por Clinton, pelo FMI. Os números, escandalosamente denunciadores,estão aí.PS – O presidente FHC diz que a economia está estável, o IBGEdiz que o PIB está estável... A indústria paulista já havia recuado7% no s<strong>em</strong>estre e desabou 15% <strong>em</strong> julho na comparação com1998. Setores com maior queda? Telecomunicações e equipamentospara energia elétrica. Isto é, as multinacionais “compradoras”das antigas estatais continuam a importar tudo. Des<strong>em</strong>pregam,aqui dentro. E continuam a torrar dólares, afundandoainda mais o <strong>Brasil</strong>. A desnacionalização levou o <strong>Brasil</strong>de volta ao passado. Voltou a ser uma republiqueta dependente.Ou colônia?A Mega-Mega Sena do petróleo. Roubada.Caros Amigos, n o 36, mar. 2000Nunca é d<strong>em</strong>ais repetir: o brasileiro ficou bilionário, outrilionário, e não sabe. Não é exagero, não. Em fevereiro do anopassado, o campo de Marlim, explorado pela Petrobrás na baciade Campos, produzia 200 mil barris de petróleo. Por dia. Um úni-Aloysio Biondi 38


co campo. Agora, <strong>em</strong> janeiro de 2000, o mesmo campo produziu400 mil barris por dia.Qual o faturamento da Petrobrás, do governo brasileiro, comessa produção fantástica? É fácil fazer as contas: 400 mil barrispor dia significam 12 milhões de barris por mês, ou algo como 150milhões de barris por ano. Ao preço atual de 30 dólares o barril,são 4,5 bilhões (com a letra bê) de dólares por ano, ou 9 bilhões dereais por ano. Mesmo que o preço atual, que está exagerado, venhaa cair para 25 dólares o barril, o faturamento chegará a 3,75bilhões de dólares, ou 7,5 bilhões de reais.Cifras fantásticas que vão ser duplicadas <strong>em</strong> poucos meses, poisos estudos da Petrobrás mostraram que as reservas da região permit<strong>em</strong>dobrar o número de poços perfurados. Serão, portanto, uns18 bilhões de reais de faturamento por ano – e com uma marg<strong>em</strong>de lucro fantástica. Por quê? Os poços da plataforma brasileiratêm uma produção também espantosa, igual à obtida nos camposdo Irã, do Iraque, da Arábia Saudita, com 7 mil a 10 mil barrisproduzidos por dia. Em cada poço. Assim, mesmo calculando todosos investimentos feitos, o custo de produção de cada barrilnão passa de 2,5 a 3 dólares, o que significa um lucro de 27 dólarespor barril, ou 1.000%, isto é, dez vezes o custo, por barril...Somente nesse campo de Marlim, portanto, o povo brasileiropode faturar 18 bilhões de reais, o equivalente a um mês e meio daarrecadação federal. E há muitos outros campos de petróleo nolitoral brasileiro, já descobertos pela Petrobrás, a ser<strong>em</strong> explorados.Alguma dúvida diante da afirmação? Então, é só rel<strong>em</strong>brarque, <strong>em</strong> janeiro, o presidente da República fez questão de anunciarpessoalmente (precisava de “marketing otimista”) a descobertade um megacampo, Roncador, mais ao sul do litoralfluminense, e já situado na bacia de Santos (formação geológicaequivalente à da bacia de Campos e que, apesar do nome, se estendeaté o litoral do Rio).O que isso significa? Que Marlim e Roncador, juntos, feitos osmesmos cálculos, pod<strong>em</strong> oferecer um faturamento de 36 bilhões(com bê) de reais por ano, cobrindo, sozinhos, mais de quatro mesesde todas as despesas do governo federal (deixando de lado os39O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


juros, como o FMI faz). E por quanto t<strong>em</strong>po esses campos poderãoser explorados, com essa produção e esse faturamento? De 15 a 20anos, representando portanto, multiplicando-se pelo valor de 36bilhões de faturamento anual, de 540 bilhões a 720 bilhões de reais.De meio trilhão a três quartos de trilhão. Uma fortuna. Uma fábula<strong>em</strong> apenas dois campos do litoral. Uma enxurrada de reais edólares que poderiam, se usados para tirar o <strong>Brasil</strong> das mãos doFMI e dos credores internacionais, como recurso para investir, voltara crescer, resolver probl<strong>em</strong>as sociais, criar <strong>em</strong>pregos. Voltar aser um país, e não uma colônia-capacho dos países ricos.Não há exagero nenhum, portanto, <strong>em</strong> gritar aos quatro ventosque o povo brasileiro, com as reservas de petróleo e, mais ainda,com os campos fantásticos descobertos pela Petrobrás, tirou aMega-Mega Sena. Virou trilionário. Mas não sabe disso. O povonão sabe, o Congresso não sabe. Por isso o governo FHC preparasepara nova rodada de leilões destinados a entregar o petróleobrasileiro a multinacionais. Ou, mesmo, já v<strong>em</strong> entregando indecent<strong>em</strong>enteo petróleo descoberto pela Petrobrás, que pertenceefetivamente a cada cidadão brasileiro, a meia dúzia de <strong>em</strong>presáriosnacionais e banqueiros nacionais e estrangeiros. Ex<strong>em</strong>plo? Ofantástico campo de Marlim, com sua produção de 400 mil barris/dia,por ex<strong>em</strong>plo, foi “repartido” agora com meia dúzia de sóciosque se juntaram <strong>em</strong> uma <strong>em</strong>presa de fundo de quintal para...fornecer parte do dinheiro necessário para duplicar a produção.Essa operação já seria um assalto contra a sociedade brasileira,mesmo que os “sócios” realmente des<strong>em</strong>bolsass<strong>em</strong> a cifra de 1,5bilhão de reais para financiar sua parte no projeto de exploraçãode Marlim. N<strong>em</strong> isso existe. A <strong>em</strong>presoca de fundo de quintal t<strong>em</strong>um capital fajuto de 200 milhões de reais e foi formada – comonarrado <strong>em</strong> nosso livrinho O <strong>Brasil</strong> privatizado – apenas... paratomar 1,2 bilhão de reais <strong>em</strong>prestados no exterior, que obviamentea própria Petrobrás poderia obter. Um negócio da China, umassalto: uma mina de ouro, capaz de faturar centenas de bilhõesde reais, entregue por 200 tostõesinhos fajutos.A Mega-Mega Sena ganha pelo povo brasileiro, e que seria suaredenção, está sendo literalmente tungada pelo governo FHC. OAloysio Biondi 40


Congresso Nacional não pode continuar impassível diante dessasaberrações. O povo brasileiro t<strong>em</strong> o direito de partilhar diretamenteos lucros da exploração do seu petróleo, por meio de várioscaminhos, dos quais dois pod<strong>em</strong> ser prontamente l<strong>em</strong>brados aoscongressistas: utilização de 6 bilhões de reais “esquecidos” <strong>em</strong>contas do FGTS e que foram reunidos <strong>em</strong> um fundo “congelado” (aPetrobrás teria bilhões para investir e os rendimentos das açõesda <strong>em</strong>presa, no caso, pertenceriam ao FGTS, isto é, a todos os trabalhadoresque contribu<strong>em</strong> para o fundo). A outra alternativa, diferentede proposta já cogitada pelo governo, é a venda de ações“novas”, relativas a um aumento de capital da <strong>em</strong>presa, para milhõesde brasileiros, com um sist<strong>em</strong>a igual ao adotado porMargaret Thatcher na Inglaterra: vendas a prestação com garantiade recompra pelo governo. A esperança, hoje, está no Congresso,pois os sindicatos, como o dos petroleiros, e entidades como aAepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), que tradicionalmentetomavam posição diante dos desmandos do governo,estão estranhamente silenciosos. Muito, muito estranhamente.Mesmo.Emprego e crescimento, promessasDiário Popular, 27/09/99Muita gente ficou animada com as novas promessas feitas pelopresidente da República, de criar <strong>em</strong>pregos e garantir um “fortecrescimento” para a economia, talvez de até 4%, para o próximoano. Há possibilidade de atingir essas metas, realmente? Resposta:se o governo FHC não mudar radicalmente sua política econômica,a resposta é um “não” total. E, infelizmente, nada indicaque o presidente FHC esteja seguindo nessa direção, tanto que seuotimismo se baseia, mais uma vez, <strong>em</strong> expectativas “fajutas”. Paraele, o crescimento econômico no ano 2000 seria “puxado” basicamentepelos investimentos gigantescos que deverão ser feitos nabusca e exploração de petróleo, tanto pela Petrobrás como pelasmultinacionais que “ganharam” áreas petrolíferas nos recentesleilões.41O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Esses projetos, na casa dos 7 a 10 bilhões de reais a ser<strong>em</strong> investidospor ano, poderiam, efetivamente, representar encomendasmaciças para a indústria nacional de equipamentos e seus fornecedoresde peças, componentes, matérias-primas, b<strong>em</strong> como contratospara firmas brasileiras de engenharia, consultoria, serviçosdiversos. Se tudo isso acontecesse, o setor petrolífero poderia injetaralgum vapor na economia, com efeitos benéficos se estendendopara outros setores, garantindo uma melhora na oferta de<strong>em</strong>pregos e algum crescimento econômico.Na prática, porém, a história é totalmente diferente. O presidenteFHC parece não saber, ou finge não saber, que nos próprioscontratos combinados nos leilões as multinacionais já se recusarama comprar equipamentos nacionais, isto é, assumiram o compromissode encomendar apenas 5% a 15% do total aqui dentro.Vão importar 85% a 95% dos equipamentos, além de, obviamente,utilizar <strong>em</strong>presas de consultoria e engenharia de seus países.Vale dizer: o governo FHC repete as mesmas monstruosidades lesa-<strong>Brasil</strong> que adotou <strong>em</strong> relação às <strong>em</strong>presas de energia e às telefônicasprivatizadas, que estão importando maciçamente. Tanto quea indústria nacional de máquinas e equipamentos, já destroçadapor importações desde a posse de FHC, sofreu nova queda de nadamenos de 25% <strong>em</strong> sua produção, nos oito primeiros meses desteano. A derrocada atingiu também as indústrias fornecedoras daquelesdois setores, com nova queda de 15% <strong>em</strong> julho último.Em resumo: por causa do escancaramento às importações combinadocom o próprio governo FHC, mesmo os investimentos <strong>em</strong>petróleo não terão papel decisivo na redução da recessão e na criaçãode <strong>em</strong>pregos.Ao contrário: suas importações vão agravar ainda mais a faltade dólares e a fraqueza do Real.PS – Aliás, é tolice fazer previsões para o ano 2000. Com o “rombo”do Tesouro, provocado pelos juros de 10 bilhões de reais pormês, a economia e o Real deverão enfrentar violentas turbulênciasmais cedo do que se imagina.Aloysio Biondi 42


O silêncio das oposiçõesDiário Popular, 18/02/00A situação do povo brasileiro melhoraria rapidamente. Class<strong>em</strong>édia, trabalhadores, <strong>em</strong>presários e agricultores teriam uma rendaextra. A economia poderia crescer, criando mais <strong>em</strong>pregos,renda, impostos. Haveria mais dólares, evitando o crescimentoda dívida com os banqueiros internacionais e a desnacionalizaçãoda economia, perigosa porque aumenta as r<strong>em</strong>essas de lucros paraos países ricos, comprometendo o próprio futuro do país. Todosesses avanços poderiam ser conquistados, s<strong>em</strong> nenhum “milagre”,pelo <strong>Brasil</strong>.Como? Aumentando rapidamente a produção de petróleo, o queé plenamente possível porque a Petrobrás fez fabulosas descobertasnos últimos anos, isto é, já se sabe onde exist<strong>em</strong> bilhões debarris de petróleo para ser<strong>em</strong> extraídos. Basta, apenas, destinarrecursos para montag<strong>em</strong> de sondas e equipamentos similares, paracomeçar a produção. Onde buscar dinheiro para um programa deinvestimentos maciços na extração de petróleo? A resposta é óbvia,quando são analisados os lucros fantásticos que esse negóciopode oferecer ao povo brasileiro: os preços do petróleo subiram200% no mercado mundial e as <strong>em</strong>presas do setor, como aPetrobrás, triplicaram seus lucros no ano passado.Além do mais, atenção, atenção: no caso do <strong>Brasil</strong>, não existenenhum risco de “não descobrir petróleo”, de perder dinheiro compesquisas que levam anos. E mais ainda: as reservas descobertassão fantásticas, a ponto de um único poço no litoral, na bacia deCampos ou na de Santos, ser capaz de produzir 10 mil barris pordia. Cada poço. Diante desses dados todos, pode-se agora responderà pergunta: onde buscar dinheiro para a arrancada na produção?O caminho óbvio é: lançar uma campanha intensa para venderações à população, transformando milhões de brasileiros <strong>em</strong>acionistas da Petrobrás s<strong>em</strong> deixar de lado, também, a hipótesede o Tesouro usar ações da <strong>em</strong>presa para pagar dívidas que eleacumulou junto ao FGTS [Fundo de Garantia por T<strong>em</strong>po de Serviço],PIS [Plano de Integração Social], Pasep [Programa de Forma-43O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


ção do Patrimônio do Servidor Público] etc., que são “fundos” quereún<strong>em</strong> dinheiro dos trabalhadores. Além de permitir a exploraçãodo petróleo, essa fórmula atingiria outro objetivo: aumentariaa renda de milhões de famílias brasileiras, graças à participaçãonos lucros da Petrobrás, exatamente como acontece nos paísesricos, onde a população é acionista das grandes <strong>em</strong>presas. Ogoverno FHC está fazendo exatamente o contrário: vai realizarnovos leilões para entregar o petróleo descoberto pela Petrobrása grupos privilegiados e, principalmente, às multinacionais. Àsvoltas com um s<strong>em</strong>-número de aberrações praticadas pelo governo,as oposições silenciam ou esboçam reações d<strong>em</strong>asiado tímidasdiante desse novo assalto. A questão do petróleo deveria ganharprioridade absoluta, neste momento, por todos os efeitosapontados. É preciso que a sociedade entenda o que está acontecendo.É hora de ir às ruas. Brigar <strong>em</strong> frente às Bolsas de Valoresnos dias de leilão não é ação política. Cheira a mera encenação.Qu<strong>em</strong> está ganhando?O petróleo (até que enfim) é delesBundas, n o 52, 13 a 19/06/00Chega a trilhões de dólares, trilhões mesmo, o maior assalto queum país já sofreu nos t<strong>em</strong>pos recentes e que certamente foi com<strong>em</strong>oradocom foguetório e champanhe nas capitais dos países ricos.Sob o comando do senhor David Zylbsersztajn, presidente daAgência Nacional do Petróleo, o governo FHC realizou leilões paraentregar todas as principais áreas produtoras de petróleo do país,doando-as a grupos multinacionais e colocando o setor sob controledaqueles países ricos. Será muita ingratidão se as metrópolesnão condecorar<strong>em</strong> Zylbersztajn e FHC lá fora, tal a habilidadecom que conseguiram cumprir sua missão lesa-pátria, s<strong>em</strong> nenhumareação por parte da sociedade.Também a grande imprensa, certamente, não pode deixar deser homenageada, <strong>em</strong> reconhecimento ao silêncio total que mantevedurante meses sobre o assunto, evitando publicar reportagense análises que mostrass<strong>em</strong> as cifras fabulosas envolvidas, aAloysio Biondi 44


incrível capacidade de produção dos campos petrolíferos brasileirose o papel que a exploração do petróleo poderia des<strong>em</strong>penharna estratégia para retirar o <strong>Brasil</strong> do atoleiro <strong>em</strong> que foi atiradopela política neoliberal de FHC. Nos leilões do dia 7 de junho, FHCnão doou apenas o petróleo, vendeu o futuro do país. Eis um breveroteiro para entender o fantástico assalto:• Os trilhões – como disse um diretor da Petrobrás durante osleilões, as áreas petrolíferas do litoral brasileiro, sobretudo as dasbacias de Campos e Santos, têm, cada uma, reservas de 1 a 3 bilhõesde barris. É só fazer as contas: com o barril de petróleo a 30dólares, isto significa que cada um desses campos petrolíferos vale,ou pode faturar, de 30 bilhões a 90 bilhões de dólares, ou de 60bilhões a 180 bilhões de reais. Cada campo. Vale dizer, os várioscampos já estudados e agora doados val<strong>em</strong> trilhões, sim.• Os tostões – o governo FHC pediu, como “preço mínimo” paraesses campos, as cifras simbólicas de 50 mil, 100 mil ou 300 milreais. Nos leilões, houve lotes “vendidos” a 5 milhões, 10 milhõesou no máximo 120 milhões... Isto é, o <strong>Brasil</strong> “vendeu” por tostõesjazidas de petróleo que val<strong>em</strong> 30 bilhões, ou 60 bilhões, ou90 bilhões... Não há outro nome a dar a isso, a não ser assaltohistórico.• Os poços fabulosos – é preciso repetir: o povo brasileiro não sabe,nunca foi informado, que o <strong>Brasil</strong> t<strong>em</strong>, <strong>em</strong> seu litoral, os camposde petróleo mais fabulosos do mundo, igualados somente pelosexistentes nos países árabes, como Kuwait, Irã, Iraque, ArábiaSaudita... São campos onde cada poço – cada poço, repita-se –pode produzir 7 mil, 8 mil, 10 mil barris por dia – e cujas reservaschegam a 1 bilhão ou 2 bilhões ou 3 bilhões de barris. Para comparação:nos Estados Unidos, a produção predominante é de 100barris/dia por poço.• Os lucros fantásticos – repete-se muito a mentira de que a produçãonesses campos, no fundo do mar, é muito cara, por causados equipamentos exigidos. É mentira, das grossas. A produçãode cada barril fica <strong>em</strong> apenas 2,5 a 3 dólares. Isto é, com o barrilvendido a 25 ou 30 dólares, o lucro é de 900%. Nove vezes. Umcampo com faturamento de 4 bilhões de reais, portanto, oferece45O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


um lucro de 3,6 bilhões de reais, por ano. Um campo com 3 bilhõesde barris oferece um lucro de 75 bilhões a 81 bilhões de reaisao longo de sua exploração.• O cerco – todas essas áreas foram pesquisadas e estudadas durantedécadas pela Petrobrás, que ganhou o título de campeãmundial <strong>em</strong> pesquisas de fundo do mar, dado por instituições internacionais.Muita gente não entende como ela perdeu essas áreasou, mais ainda, por que ela agora participou dos leilões, nos quais“comprou” oito das 24 leiloadas. É simples: <strong>em</strong> 1996, o CongressoNacional aprovou a quebra do monopólio estatal na exploraçãodo petróleo, autorizando <strong>em</strong>presas privadas a ingressar<strong>em</strong> no setor.As riquezas do subsolo são na verdade de propriedade daUnião, do povo, que concede a <strong>em</strong>presas o direito de explorá-las,<strong>em</strong> troca do pagamento de impostos e participações. Antes só aPetrobrás tinha direito a essa concessão. Quando a Agência Nacionalde Petróleo foi criada, acreditava-se que a Petrobrás ficariacom o direito de explorar – s<strong>em</strong>pre mediante pagamentos à União– as áreas sobre as quais já tinha concessão – e nas quais haviaaplicado bilhões de reais <strong>em</strong> pesquisas, ao longo de décadas. As<strong>em</strong>presas privadas que quisess<strong>em</strong> entrar no setor teriam que solicitarconcessão de outras áreas e investir na busca do petróleo.Não foi isso que o sr. Zyl e FHC decidiram.• O assalto – a Agência Nacional de Petróleo “tomou” áreasriquíssimas da Petrobrás para entregá-las às multinacionais, nosleilões. E a Petrobrás foi forçada a entregar à Agência todos osestudos e pesquisas realizados durante décadas, que custaram bilhõesde reais ao povo brasileiro. O mapa da mina, o mapa dizendoonde existe e não existe petróleo, e quanto t<strong>em</strong> <strong>em</strong> cada lugar.Para quê? Para a Agência vender esses estudos, o “mapa da mina”,às multinacionais... Por quanto? O mapa completo, os estudos detodo o território nacional, foram vendidos por nauseantes 300mil reais.• A farsa – agora a Petrobrás foi “até autorizada” a participar dosleilões de compra das áreas petrolíferas que... ela descobriu. Detalheescabroso: ela só pôde participar <strong>em</strong> associação com grupos(esmagadoramente) multinacionais, que ficaram com 75% da so-Aloysio Biondi 46


ciedade, contra 25% da Petrobrás. Isto é, os “sócios” ficarão com75% dos lucros bilionários, r<strong>em</strong>etendo-os para seus países.Durante séculos, os países ricos, que depend<strong>em</strong> de petróleo importado,fizeram guerras, trucidaram povos, patrocinaram golpesde Estado, para se apropriar de jazidas dos países pobres. Hojebasta manipular governantes e a grande imprensa, e oficializar oassalto <strong>em</strong> salões de luxo. Ah, sim: no dia dos leilões, correramdois boatos. Primeiro: que o país ainda dispõe de uma instituiçãochamada Congresso Nacional. Segundo: que, ainda por cima, seusintegrantes pensam no interesse nacional. Do <strong>Brasil</strong>, claro.O Riocentro da PetrobrásBundas, n o 33, 01 a 07/02/00Primeiro, uma palavrinha aos incrédulos, ou crédulos. Na mesmas<strong>em</strong>ana <strong>em</strong> que a Petrobrás teve sua imag<strong>em</strong> destroçada como vazamento na baía da Guanabara, lá longe, na Al<strong>em</strong>anha, ochanceler Schroeder pedia a criação de uma comissão independentepara investigar a venda, <strong>em</strong> 1992, de uma refinaria da ex-Al<strong>em</strong>anha Oriental ao grupo estatal francês Alf-Aquitaine. Motivo:indícios de suborno e pagamento de propinas, da ord<strong>em</strong> de 45milhões de dólares ao governo e ao próprio então chanceler d<strong>em</strong>ocrata-cristãoHelmut Kohl. E mais: tudo por ord<strong>em</strong> do ex-presidentesocialista francês, Mitterrand.O episódio envolve países tidos como respeitáveis e líderes tidoscomo acima de qualquer suspeita até recent<strong>em</strong>ente. Por issomesmo é um caso ex<strong>em</strong>plar para rel<strong>em</strong>brar aos brasileiros que aguerra secular para dominar ou garantir forte participação no setorpetrolífero nunca terminou. Assassinatos, golpes de Estado,invasão de países nunca foram descartados, nesse conflito. Essasestratégias extr<strong>em</strong>adas rarearam nos anos recentes, já que a “ondaneoliberal” levou países de governos apátridas como o do <strong>Brasil</strong> acomeçar<strong>em</strong> a entregar seu petróleo aos países ricos e suas multinacionais.No <strong>Brasil</strong>, a estratégia de destruir a Petrobrás está sendo posta<strong>em</strong> prática pela Agência Nacional de Petróleo, confiada ao genro47O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


do presidente Fernando Henrique Cardoso, o senhor David Zylbersztajn.Primeiro, houve os leilões para “venda” de áreas petrolíferasdescobertas pela Petrobrás, realizados no ano passado, ecom novos leilões marcados para estes primeiros meses do ano.Recent<strong>em</strong>ente, Zylbersztajn anunciou a venda de refinarias,oleodutos, gasodutos, postos de gasolina da Petrobrás – sob osargumentos mais cretinos do mundo.A esta altura, porém, o clima de apatia <strong>em</strong> relação às privatizaçõessofreu substancial modificação, pela série de motivos quetodos conhec<strong>em</strong>: desde os bloqueios nas rodovias à época das chuvasdo começo do ano, à crise militar provocada pela tentativa detransferir o controle da indústria de aviões Embraer, estatalprivatizada, para grupos franceses.Diante dessa “virada”, nada melhor do que um fato de impactopara desmoralizar a Petrobrás, jogar a sociedade contra ela,mostrá-la incompetente, indiferente à população. Algo parecidocom o atentado do Riocentro, que a extr<strong>em</strong>a direita planejou parainculpar as esquerdas e dificultar os planos de red<strong>em</strong>ocratizaçãodo país. As circunstâncias que cercam o vazamento de petróleomostram a necessidade de uma investigação independente, a cargodo Ministério Público. Eis os principais “mistérios” a elucidar:• Pressão – O bombeamento começou à 1 hora da madrugada. Como “rombo” no oleoduto, a quase totalidade do petróleo começou aser despejada no mar. Logicamente, a pressão que o petróleo, fluindo,exerce sobre as tubulações (como a água no encanamento deuma casa) caiu, no trecho situado do rombo <strong>em</strong> diante. A alta direçãoda Petrobrás diz que a queda de pressão não foi detectada, porum defeito do programa do computador, dando a impressão deque esse sist<strong>em</strong>a é altamente refinado, moderno. Ora, sist<strong>em</strong>as paramedir e controlar a pressão exist<strong>em</strong> há séculos. Até as locomotivasMaria Fumaça tinham, obviamente, pequenos aparelhinhos,“reloginhos”, para mostrar o nível da pressão nas caldeiras de vapor,para evitar explosões... Os dispositivos de controle de pressãoexist<strong>em</strong> tanto no ponto de partida do oleoduto como no ponto dechegada, junto aos tanques de armazenamento. Pergunta: os doissist<strong>em</strong>as, nas duas pontas, falharam?Aloysio Biondi 48


• Combustível – Para o motorista saber se o tanque de seu veículoestá cheio ou precisa ser reabastecido, qualquer automóvel,caminhão, trator dispõe, desde priscas eras, do marcador do nívelde combustível. Óbvio que tanques gigantescos para armazenag<strong>em</strong>de combustível, como os da Petrobrás, igualmente dispõ<strong>em</strong>desses marcadores, para possibilitar o controle do nível armazenado– e para detectar vazamentos eventuais. Não funcionaram,também?• D<strong>em</strong>ora – Diz a direção da Petrobrás que um técnico “desconfiou”de algo errado por volta das 3 horas da madrugada. Mas obombeamento, segundo ela própria, prosseguiu até as 5h30min.É nesse ponto, exatamente, que se reforça a suspeição de que tudofoi feito para ampliar ao máximo possível os estragos devastadoresdo vazamento, garantindo assim sua presença durante dias edias nas manchetes dos jornais e, principalmente, na televisão,para desmoralização total da Petrobrás. Além de prolongar o vazamento,a alta direção da Petrobrás retardou s<strong>em</strong>pre todas equaisquer medidas corretivas.• Mutirão – Até prédios com grande movimentação de pessoas,hoje, têm “brigadas contra incêndio”, planos de <strong>em</strong>ergência parasinistros. Empresas como a Petrobrás, que lidam com materialcombustível e explosivo, obviamente s<strong>em</strong>pre tiveram um e outro.Além da refinaria, a Petrobrás t<strong>em</strong> oleodutos, gasodutos,campos de poços de petróleo no estado do Rio. T<strong>em</strong> equipes desegurança, “brigadas”, nesses locais. Por que, ao tomar conhecimentodo desastre – às 5h30min o bombeamento foi suspenso –,todo esse pessoal não foi mobilizado, para reduzir os efeitos doacidente?• Enganação – Aqui é preciso ressaltar que a direção da Petrobrásinduziu os meios de comunicação a aceitar<strong>em</strong> uma explicação falsapara o probl<strong>em</strong>a e que, mais uma vez, desmoraliza a <strong>em</strong>presa.Na versão oficial, tudo aconteceu porque ela “não t<strong>em</strong> uma políticapara o meio ambiente”. Que fosse. Mas esse é um argumentos<strong>em</strong>-vergonha: o que evita desastres é a política de segurança da<strong>em</strong>presa. E, essa, a Petrobrás s<strong>em</strong>pre foi forçada a ter. Por que elanão foi posta <strong>em</strong> prática?49O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


• Ocultação – A direção da Petrobrás deveria ter estabelecido comunicaçãocom os governos do estado e dos municípios, para um“mutirão ampliado” (participação do Corpo de Bombeiros etc.) <strong>em</strong>obilização da sociedade. Mas o fato somente foi revelado à imprensajá à noite – dando t<strong>em</strong>po, mais uma vez, para que os efeitosdo desastre foss<strong>em</strong> irreversíveis.• Contenção – Para a mancha de petróleo não se deslocar no mar,há o recurso das redes de bóias, que absorv<strong>em</strong> e contêm o produto.Ela não foi utilizada no primeiro dia. Por quê? Depois verificou-seque o material disponível era insuficiente. D<strong>em</strong>orou-se paratomar a decisão de importar um reforço que, uma s<strong>em</strong>ana depois,ainda não tinha chegado.• O acidente – Finalmente, cabe investigar as causas do acidente.Segundo técnicos da Petrobrás, <strong>em</strong> entrevista à imprensa, houveum “deslocamento do terreno” <strong>em</strong> que o oleoduto estava assentado,e ele se rompeu. Por que não se pode aceitar a explicação?Para explorar petróleo no fundo do mar, realmente a Petrobrásteve que desenvolver técnicas sofisticadíssimas. Inclusive a “invenção”de metais novos, que “combin<strong>em</strong>” duas qualidades (<strong>em</strong>linguag<strong>em</strong> de leigo): precisam ser “fortes” para resistir a correntessubmarinas, ondas, ventos – mas também precisam de flexibilidade(molecular), para não quebrar<strong>em</strong> diante de pressões exageradasou deslocamentos de terreno. Poucos brasileiros sab<strong>em</strong>,mas a Petrobrás é campeã mundial, pr<strong>em</strong>iada por instituições internacionaiscomo líder absoluta na exploração de petróleo no fundodo mar, graças às técnicas que t<strong>em</strong> desenvolvido desde meadosdos anos 60. Agora a direção da Petrobrás alega que o oleodutose rompeu porque o terreno ali é de tipo diferente, de “calcário”, esofreu um grande deslocamento para o qual os materiais dooleoduto não eram adequados. Santa desculpa. As grandes descobertasda Petrobrás no litoral do Rio se dev<strong>em</strong> exatamente às técnicasde perfuração do “calcário”. Há 25 anos a Petrobrás operaali, conhece o “calcário”. E o oleoduto foi construído há apenasdez anos.Um incrédulo rejeitará a hipótese de que a incrível extensão dodesastre ecológico tenha sido planejada. Aos incrédulos, é bomAloysio Biondi 50


l<strong>em</strong>brar que tampouco os cidadãos al<strong>em</strong>ães e franceses suspeitavamde Kohl e Mitterrand. Como parecia inverossímil que o atentadodo Riocentro fosse um plano militar. Somente o MinistérioPúblico pode dar uma resposta aos crédulos. E impedir o esquartejamentoda Petrobrás.Um escândalo tenebroso*Diário Popular, 25 e 27/01/00As investigações sobre corrupção (do Detran e do Judiciário) enarcotráfico trouxeram duas certezas à opinião pública. Primeira:há s<strong>em</strong>pre o envolvimento, nas atividades criminosas, de organismose governantes que deveriam combatê-las. Segunda:conseqüent<strong>em</strong>ente, a podridão somente é devassada, e a impunidadecessa, quando o Ministério Público ou o Legislativo (asCPIs) entram <strong>em</strong> cena. O <strong>Brasil</strong> aprendeu, <strong>em</strong> resumo, quefreqüent<strong>em</strong>ente os próprios criminosos estão incumbidos de investigare punir os criminosos, integrantes do governo e dos círculosdo poder...Por isso mesmo é tranqüilizador que a Ass<strong>em</strong>bléia Legislativado Rio de Janeiro tenha pedido que o Ministério Público investigueo misterioso vazamento de milhões de barris de petróleo nabaía de Guanabara. A sociedade brasileira não pode deixar que aprópria diretoria da Petrobrás investigue as causas do pretensoacidente, pois há gato nessa tuba. A história toda está malexplicada e o país está diante de duas hipóteses: ou a diretoriada Petrobrás e o governo FHC cortaram a tal ponto as verbas paramanutenção da <strong>em</strong>presa que ela está com uma série de instalações“sucateadas”, e novos acidentes <strong>em</strong> refinarias, oleodutos enavios acontecerão; ou, na outra hipótese, houve mesmo sabotag<strong>em</strong>tramada <strong>em</strong> altas esferas, planejada à espera de uma oportunidade,para retardar todas as providências que poderiam tercontido o derramamento de petróleo. Em qualquer um dos casos,o grande criminoso é a diretoria da Petrobrás e o caso precisaser investigado por organismos independentes, como o MinistérioPúblico. [...]51O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


A alta direção da Petrobrás está mentindo escandalosamente,<strong>em</strong> suas explicações sobre o vazamento de petróleo que teve efeitosdevastadores sobre a baía da Guanabara. S<strong>em</strong> ser detetive, estecolunista acertou <strong>em</strong> cheio ao apontar que eram falsas as justificativasapresentadas para o desastre. É o que fica claro com a primeira“confissão” da alta direção da <strong>em</strong>presa, contida no relatóriosobre as investigações realizadas por ela própria, divulgado naimprensa. Com sua divulgação, fortalec<strong>em</strong>-se as suspeitas de queo acidente pode ter sido planejado ou, no mínimo, de que houveum plano para retardar o combate ao vazamento, para garantir adevastação da baía da Guanabara, jogando a opinião pública contraa Petrobrás.Objetivo? Desmoralizar a estatal. Para quê? Para que a opiniãopública, irritada e desiludida, aprove o “esquartejamento” da <strong>em</strong>presa,com a venda de suas refinarias, seus oleodutos e postos degasolina a multinacionais, como foi anunciado pelo presidente daAgência Nacional do Petróleo, David Zylbersztajn, genro de FHC.Ao fazer sua “confissão”, a alta direção da Petrobrás inventou novasexplicações facilmente desmascaráveis (realmente, a equipeFHC s<strong>em</strong>pre pensa que o <strong>Brasil</strong> é habitado por imbecis):• A confissão — A direção da Petrobrás havia dito que o vazamentod<strong>em</strong>orou a ser descoberto por causa de um defeito nos computadores,ou melhor, nos programas do computador. A <strong>em</strong>presafornecedora dos programas movimentou-se para contestar a informação(possivelmente só não ficou calada porque percebeu que,no futuro, poderia ser processada, para pagar indenizações àPetrobrás, ao governo do Rio etc.). E conseguiu provar que os programas,os computadores, funcionaram normalmente.Desmascarada, a alta direção da Petrobrás foi obrigada a confessarque havia mentido.• Novas mentiras — Então, os computadores “avisaram” que opetróleo estava sendo despejado no mar, desde o começo dobombeamento, à 1 hora. Por que ele foi suspenso somente às5h30min? O relatório da diretoria apela para verdadeiras históriasda carochinha. Diz que, a cada duas horas, há um rodízio dasequipes de técnicos que ficam na sala de controle onde funcionamAloysio Biondi 52


os computadores encarregados de receber informações, enviadaspelos próprios equipamentos, sobre o seu funcionamento (paravocê entender melhor: imagine aquelas UTIs de hospitais, com astelinhas dos monitores s<strong>em</strong>elhantes a TVs mostrando como está at<strong>em</strong>peratura, a pressão e o batimento cardíaco). Segundo o relatório,a equipe da 1 hora anotou dados errados, que confundirama equipe das 3 horas, fazendo com que o vazamento somente fossedescoberto no turno das 5 horas.Houve falha, diz o relatório, das duas equipes. Isso é uma grossamentira. Os computadores mostram minuto a minuto, segundoa segundo, o que está acontecendo no oleoduto e <strong>em</strong> outrasinstalações da <strong>em</strong>presa (exatamente como nas UTIs). Impossívelos técnicos não ter<strong>em</strong> visto o que estava ocorrendo (exatamentecomo os médicos). O escândalo exige investigação independente.(*) Este texto condensa os artigos “T<strong>em</strong> gato nessa tuba” (DiárioPopular, 25/01/00) e “Um escândalo tenebroso” (Diário Popular,27/01/00).E lá se vai o petróleo...Diário Popular, 08/06/00Um dia, no futuro, os brasileiros vão chorar quando se l<strong>em</strong>brar<strong>em</strong>dos acontecimentos de 7 de junho de 2000. Um dia de luto. Odia <strong>em</strong> que, mais uma vez, trabalhadores, classe média, <strong>em</strong>presáriose agricultores brasileiros assistiram, de braços cruzados, àrealização de novos leilões pelo governo FHC para entregar o petróleobrasileiro, descoberto pela Petrobrás, a grupos multinacionais.Os leilões não roubaram apenas o petróleo pertencente aopovo brasileiro. Roubaram seu próprio futuro.O <strong>Brasil</strong>, endividado, “quebrado”, desnacionalizado poderia faturarbilhões e bilhões de reais, bilhões e bilhões de dólares nospróximos anos e sair do buraco, garantindo seu futuro, se explorasseele mesmo o seu petróleo. Os leilões enterram esse futuro. Maisuma fonte de riqueza nacional, de proporções fabulosas, passa paraas mãos dos países ricos pelas mãos de suas multinacionais.53O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Neste momento, na Venezuela, os trabalhadores estão <strong>em</strong> greve,para impedir que o governo venda suas <strong>em</strong>presas produtorasde alumínio. No Chile, considerado o país mais “entreguista” daAmérica Latina (até a ascensão do governo FHC no <strong>Brasil</strong>) por suaabertura aos capitais estrangeiros, o governo não vendeu suas<strong>em</strong>presas produtoras de cobre – principal fonte de riqueza do país,<strong>em</strong>bora não comparável ao petróleo. No <strong>Brasil</strong>, diante da passividadeda opinião pública, o governo FHC entregou, no dia 7 de junhode 2000, algumas das áreas capazes de produzir petróleo maisfantásticas do mundo. Essa entrega, <strong>em</strong> si, já seria absurda. Poisela, ainda por cima, foi feita a preço de banana. Quando a imprensadiz, <strong>em</strong> manchetes, que as <strong>em</strong>presas compradoras pagarampreços 1.000%, 10.000% ou 30.000% acima do preço que o governopediu pelas áreas está faltando dizer que esse ágio (diferençade preços) não significa nada. O que importa, é óbvio, é quantoessas áreas pod<strong>em</strong> produzir, quanto seus novos “donos” pod<strong>em</strong>faturar e quanto eles pagaram por elas. Cálculos já divulgados hámeses por este colunista mostram que há áreas, no litoral brasileiro,que pod<strong>em</strong> produzir petróleo no valor de até 4 bilhões dereais por ano, isto é, pod<strong>em</strong> faturar 80 bilhões de reais antes de opetróleo se esgotar, <strong>em</strong> 20 anos. São minas de ouro como essa queo governo vendeu por 5 milhões, 50 milhões, ou até 120 milhõesde reais. Mesmo por esse preço máximo, o governo FHC está vendendopor 120 milhões de reais um negócio de 80 bilhões de reais.Isto é, um negócio que vale 700 vezes mais. Um negócio que, nocaso dos campos de petróleo situados no fundo do mar, pode darum lucro de 900%, pois o custo de produção de um barril fica <strong>em</strong>2,50 doláres a 3 doláres, e esse barril é vendido no mercado mundialpor 25 doláres a 30 doláres, isto é, dez vezes mais.Isto é, <strong>em</strong> um ano, um único campo desses faturaria 4 bilhõesde reais, e poderia deixar um lucro de 3,6 bilhões de reais para ogoverno brasileiro, o <strong>Brasil</strong> e seu povo. Um único campo. Ont<strong>em</strong>,7 de junho de 2000, foi dia de funeral para o povo brasileiro. Quea tudo assiste de braços cruzados.Aloysio Biondi 54


Aplausos e CPIsDiário Popular, 11/06/00Qu<strong>em</strong> diria, hein? O presidente Fernando Henrique Cardosoanunciou mudanças na política de privatização das <strong>em</strong>presas estatais.Agora a venda de Furnas, gigantesca <strong>em</strong>presa de energiaelétrica, não será mais feita <strong>em</strong> leilão para ser entregue ao controlede um grupo <strong>em</strong>presarial privado – geralmente estrangeiro,como ocorreu nos últimos anos. O governo vai vender açõesda <strong>em</strong>presa a milhões de brasileiros, que se tornarão seus sócios,participando de seus lucros, enquanto o governo, mesmo comuma quantidade menor de ações, continuará “dono” do controlede Furnas, administrando-a de acordo com os interesses nacionais.Idêntico esqu<strong>em</strong>a, chamado de “pulverização das ações”,vai ser adotado também na venda de milhões de ações da Petrobrás,correspondentes a uma fatia do capital da estatal pertencenteao Tesouro.Pela primeira vez nos últimos anos, uma iniciativa do governoFHC merece aplauso. A “mudança”, segundo o presidente da Repúblicae a grande imprensa que o apóia, se deve a sugestões deum partido da base governista, o PFL. Eis aí uma explicação d<strong>em</strong>agógica,tentando transformar o partido governista <strong>em</strong> autor deuma iniciativa que beneficia a população e o país. Há cinco anos,desde que o governo FHC acelerou a venda de estatais, uma dasprincipais alterações defendidas pelos críticos era, exatamente,essa “d<strong>em</strong>ocratização” na venda das ações, colocando-se um paradeirona verdadeira doação, a grupos privilegiados, do patrimôniode toda a sociedade (proposta defendida, inclusive, no livrinhode nossa autoria, O <strong>Brasil</strong> privatizado, que já vendeu 125 milex<strong>em</strong>plares).Além disso, no caso de Furnas, não se deve esquecer que a vendadessa estatal enfrenta digna resistência do governador de Minas,Itamar Franco, que por isso mesmo foi ridicularizado pelagrande imprensa capachilda — e cujo ex<strong>em</strong>plo certamente nuncaserá seguido pelo submisso governador paulista, Mário Covas,aquele que, antes de ser eleito, dizia que não permitiria a venda55O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


do Banespa n<strong>em</strong> a verdadeira “doação” da também gigantesca Cesppaulista.Feitas as ressalvas, repita-se que a mudança é b<strong>em</strong>-vinda. Masela, ao mesmo t<strong>em</strong>po, representa um reconhecimento, por partedo presidente da República, de que o processo de privatizaçãofoi repleto de erros e desvios, com verdadeiros assaltos contra odinheiro do povo brasileiro. Por isso mesmo é inaceitável a posiçãode líderes do governo, segundo os quais “o que passou, passou,agora vai ser diferente”. Nada disso. O Congresso Nacionale as Ass<strong>em</strong>bléias Legislativas, com o apoio de entidades como aOAB, dev<strong>em</strong> instalar CPIs para investigar as privatizações e suasaberrações. Afinal de contas, o que está <strong>em</strong> jogo é um patrimôniode centenas de bilhões de reais (a Telebrás, sozinha, valiamais de 120 bilhões de reais) pertencente aos trabalhadores, àclasse média, aos <strong>em</strong>presários, aos agricultores brasileiros. Cabeao Legislativo corrigir, s<strong>em</strong>pre que possível, as aberrações cometidas– exatamente como o governador Itamar Franco fez <strong>em</strong>Minas, recuperando, na Justiça, o controle da estatal energéticaC<strong>em</strong>ig, que havia sido vergonhosamente entregue a um gruponorte-americano.Aloysio Biondi 56


Energia,o caos programadoEra uma vez um cloneBundas, n o 14, 14 a 20/09/99Manhã alta <strong>em</strong> Brasília. Henri Ferdinand fechou o jornal, sorrindolargamente, e murmurou para seus botões dourados:“Aaaaahhh... Poucas vezes tive notícias tão agradáveis... A minhaquerida França e suas <strong>em</strong>presas já são detentoras do segundo lugarentre os países com maiores investimentos no <strong>Brasil</strong>, logo apósas multinacionais norte-americanas... Agora o <strong>Brasil</strong> vai r<strong>em</strong>eterdólares, lucros e dividendos para a França eternamente...”Levantando-se da poltrona, Ferdinand encaminhou-se para a frentedo grande espelho oval do salão. Com um sorriso de auto-aprovação,não se furtou a elogiar o dublê à sua frente: “Belo trabalho,57O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Ferdinand. Incrível, mesmo. Em poucos anos, transferiu para osfranceses um patrimônio de bilhões e bilhões de reais formado aolongo de décadas à custa de impostos, <strong>em</strong>préstimos compulsórios,aposentadorias ridículas, falta de assistência médica, perpetuaçãoda miséria do povo brasileiro... Você é d<strong>em</strong>ais, HenriFerdinand...” A essa altura, a figura no espelho foi sacudida porbreve risada: “...também, os brasileiros são ingênuos d<strong>em</strong>ais... oumelhor, os meios de comunicação ajudam muito a enganá-los...Todos acreditaram nessa história de que privatização é uma tendênciamundial, abraçada até pela França. Como é que ninguémpercebe que a estatal de energia da França, a EGF, não só não foiprivatizada, como v<strong>em</strong> invadindo outros países, e neste ano elachegou até à posição de maior companhia energética do mundo?(Dirigindo-se carinhosamente, a si mesmo...) Você ajudou muito,com aquele apoio do BNDES para a EGF ficar com a Light, e depoiscom aquela grande <strong>em</strong>presa de energia de São Paulo... E com aquelesincentivos para a Renault, a Peugeot...” Uma porta se abriu,com a chegada de um assessor de sobrenome arrevessado, quedisparou: “... estou ficando preocupado, Ferdinand. Ainda t<strong>em</strong>osuma parte de nossa missão para ser cumprida, l<strong>em</strong>bra-se? Faltaterminar a ofensiva para entregar as fantásticas jazidas de petróleoda plataforma submarina brasileira, e também a privatizaçãodos serviços de água e esgotos, setor <strong>em</strong> que as <strong>em</strong>presas francesasestão estendendo seus tentáculos nos países ‘desnacionalizados’como o <strong>Brasil</strong>...”.Ferdinand tentou responder, mas o assessor o deteve com umgesto e prosseguiu: “... eu sei que você conseguiu que um novoleilão das áreas petrolíferas, por aqueles preços vergonhosos, foss<strong>em</strong>arcado rapidamente, para o próximo mês de outubro... Masolha, Ferdinand, a crise da economia está provocando reações crescentes,não sei se vamos ter t<strong>em</strong>po para dar conta do recado...”Impaciente, mas s<strong>em</strong>pre sorrisos, Henri Ferdinand silenciou ointerlocutor: “Ora, meu caro. Já pensei <strong>em</strong> tudo. Vamos espalharpor aí que o governo quer a retomada do desenvolvimento, e garantirque o novo ministro, esse Alcides Tápias, seja exatamenteum banqueiro, afinado portanto com a política recessiva, de jurosAloysio Biondi 58


altos, que é tudo que precisamos para ir arruinando os <strong>em</strong>presáriosbrasileiros e o Tesouro brasileiro, facilitando assim a vendade <strong>em</strong>presas privadas e estatais brasileiras a estatais francesas eoutras multinacionais... Enquanto a imprensa se ocupa do novoministro, vamos cumprindo na surdina nossa missão”. Sorridentes,os dois deixaram o salão.PS – Consta que Henri Ferdinand e alguns de seus assessores sãoclones de auto-exilados intelectuais brasileiros que viveram noexterior. Consta também que algumas vezes eles são vistos <strong>em</strong>palácios de Brasília.Por detrás das notíciasDiário Popular, 10/10/99Se você analisar o que está acontecendo por detrás de certasnotícias nos últimos dias, pode descobrir que o des<strong>em</strong>prego e amiséria avançaram no <strong>Brasil</strong>, enquanto pequenos grupos se ench<strong>em</strong>de dinheiro. É obra do governo FHC:• Des<strong>em</strong>prego – Diz o noticiário que o número de contrataçõesde trabalhadores cresceu fort<strong>em</strong>ente na Europa, e que “França,Espanha, Portugal e Finlândia (país da <strong>em</strong>presa Nokia) registrarama maior queda nas taxas de des<strong>em</strong>prego”. Motivo: “<strong>em</strong> geral,as novas vagas foram abertas nas <strong>em</strong>presas de telefonia e deinformática”. O que isso t<strong>em</strong> a ver com o <strong>Brasil</strong>? É simples: bastal<strong>em</strong>brar que são exatamente desses países as <strong>em</strong>presas que surg<strong>em</strong>como principais “compradoras” das telefônicas ou <strong>em</strong>presasde energia que foram “privadoadas” no <strong>Brasil</strong>. Elas têm serecusado a comprar equipamentos para ampliação das redes no<strong>Brasil</strong>. Estão comprando lá fora, nos seus países, deixando decriar <strong>em</strong>pregos, renda, arrecadação aqui dentro. E torrando dólares,enfraquecendo o Real, aumentando a crise. Atenção: atéos telefones celulares são feitos totalmente, ou com 95%, de peçasimportadas.• Energia elétrica – Também dentro da política de “privadoação”,o governo FHC autorizou grupos <strong>em</strong>presariais, principalmente59O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


multinacionais, a construír<strong>em</strong> usinas para a produção de energiaelétrica. Não se trata, porém, de usinas hidrelétricas, isto é, queutilizam as águas dos rios para movimentar as turbinas. São usinaschamadas de termelétricas, que usam combustíveis, principalmenteo gás importado da Bolívia ou produzido no <strong>Brasil</strong>, fornecidospela Petrobrás. Acontece que o preço do gás subiu muitono mercado internacional, juntamente com o do petróleo. Resultado:a energia produzida pelas novas usinas ficaria muito maiscara, não poderia concorrer com a energia fornecida pelas usinasmovidas a água, que até hoje é grátis. Decisão do governo FHC: ogás será vendido a um preço mais baixo pela Petrobrás, durantenada mais, nada menos que 20 anos. Na prática, a Petrobrás vaiter prejuízo para grupos multinacionais ter<strong>em</strong> lucros (r<strong>em</strong>etidospara suas matrizes <strong>em</strong> dólar). Isto é, o Tesouro (“dono da Petrobrás”)vai aumentar seu “rombo” ao longo dos próximos 20 anos.Como é possível uma aberração dessas, quando o governo FHC“garfa” os aposentados, massacra os funcionários públicos, negaverbas para matar a fome de brasileiros do Nordeste, e o presidentevive falando <strong>em</strong> “reformas” como caminho para reduzir o“rombo”?• Pior ainda – Para garantir os lucros das multinacionais, o governo(isto é, nós, contribuintes) vai pagar a energia produzidapelas novas usinas e o que “sobrar”. Como assim? Se uma multinacionalconstruir uma usina capaz de produzir 1.000 quilowatts(simplificadamente), e só encontrar consumidores para 800, ogoverno paga os 200 quilowatts que sobraram. É essa a “privatização”do governo FHC. Uma indecência. Um assalto contra o povo.S<strong>em</strong>pre.Diferença entre Covas e ItamarDiário Popular, 12/10/99Procure você mesmo as entrevistas do governador paulista MárioCovas logo após sua primeira eleição e posse, <strong>em</strong> 1995. Nelas,você vai encontrar declarações contra as privatizações, principalmenteda Cesp, a <strong>em</strong>presa paulista de energia elétrica, que eleAloysio Biondi 60


considerava “um negócio grande d<strong>em</strong>ais” para ser vendido s<strong>em</strong>amplo debate. Depois, o governador Mário Covas mudou totalmente,fez um acordo com o governo FHC para renegociação dadívida do Estado e “entregou” estatais para ser<strong>em</strong> privatizadas.A Cesp, a Eletropaulo, foram “esquartejadas”, divididas <strong>em</strong> pedaços,para ficar<strong>em</strong> mais baratas para os “compradores” (com dinheirodo BNDES, isto é, nosso, do governo federal).Agora, neste próximo dia 27, mais um pedaço da Cesp vai a leilão.Isso vai reduzir a dívida do Estado? Você acredita nessa lorota?A venda das estatais paulistas está sendo feita s<strong>em</strong>pre a preço debanana: o pedaço da Cesp vai ser leiloado pela ninharia de 750milhões de reais. Você sabe o que isso representa? Metade de ummês de arrecadação do ICMS do governo paulista. Veja b<strong>em</strong>: metadeda arrecadação de um mês, <strong>em</strong> troca de um patrimônio quecustou bilhões de reais aos trabalhadores, à classe média, aos<strong>em</strong>presários e aos agricultores paulistas. Um patrimônio representadopor usinas que funcionam, geram energia, dão lucro aogoverno paulista.Como explicar essa insensatez? É mais um capítulo dessa tragédiavergonhosa chamada de “privatização”, à qual o governadorMário Covas aderiu. E aderiu a ponto de lamentar o “atraso” naprivatização do Banespa, um dos maiores bancos do <strong>Brasil</strong>, quevai ser leiloado, segundo estimativas, também a preço de banana,ou 1,5 bilhão de reais – o mesmo que um mês de arrecadação doICMS paulista.Responda você mesmo: existe alguma lógica <strong>em</strong> vender um bancocomo o Banespa por um mês de arrecadação? E ainda por cimacom balanços, prejuízos, baixos lucros falsificados?Compare agora as atitudes de Covas e do governador ItamarFranco, que conseguiu instalar uma CPI, na Ass<strong>em</strong>bléia Legislativamineira, para apurar possíveis irregularidades na venda de estataispelo seu antecessor. No caso da C<strong>em</strong>ig, a “Cesp mineira”,foram comprovadas várias aberrações. Entre elas: o grupo norte-americanoque “venceu” o leilão (totalmente com dinheiro <strong>em</strong>prestadopelo BNDES) passou a dirigir, mandar na C<strong>em</strong>ig, apesarde ter “comprado” somente um terço do capital da <strong>em</strong>presa. O61O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


que o governador Itamar fez? Entrou na Justiça para anular esse“acordo”. Há poucos dias, a Justiça lhe deu razão. Claro que tudoisso t<strong>em</strong> sido escondido ou noticiado s<strong>em</strong> destaque pela grandeimprensa, <strong>em</strong>penhada, o t<strong>em</strong>po todo, <strong>em</strong> ridicularizar o governadorItamar Franco, apresentado como um “maluco” à opiniãopública. Pare pra pensar: qu<strong>em</strong> é coerente com seu passado dehom<strong>em</strong> público <strong>em</strong>penhado <strong>em</strong> defender os interesses da populaçãoe do país? Covas ou Itamar?A sua casa, s<strong>em</strong> luz...Diário Popular, 15/06/00Nada menos que a metade (ou exatos 49%) das famílias de SãoPaulo não está conseguindo pagar suas contas de energia elétrica,segundo estudos do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).Motivo: com a privatização, os novos “donos” das <strong>em</strong>presas deenergia extinguiram as tarifas mais baratas, que eram cobradasdas famílias que apresentavam um consumo mais baixo.Além disso, conforme reportagens cada vez mais freqüentes naimprensa, não são raras as famílias modestíssimas que estão recebendocontas erradas, de mais de 100 reais por mês e, não conseguindoque sejam revistas, acabam enfrentando o corte de energia,por não dispor<strong>em</strong> de dinheiro para quitá-las. Qualquer chefede família ou dona-de-casa sabe perfeitamente a tragédia que ocorte de energia representa, com a casa às escuras, a geladeiras<strong>em</strong> funcionar, os alimentos apodrecendo...Há outras tragédias provocadas pelas privatizações das <strong>em</strong>presasde energia. Você deve ter visto que, de uns t<strong>em</strong>pos para cá, aPrefeitura [de São Paulo] ficou com a obrigação de “puxar” a redeelétrica para as ruas da periferia, b<strong>em</strong> como passou a ser responsávelpor todos os consertos, trocas de lâmpadas queimadas etc.da rede elétrica das ruas da capital [paulista]. Por quê? Porque aEletropaulo, “doada” a um grupo norte-americano pelos governosFHC e Covas, vinha executando esses serviços precariamente enão tomava conhecimento de pedidos de colocação da rede <strong>em</strong>bairros distantes. Por quê? Porque o consumo das famílias dessesAloysio Biondi 62


airros é baixo, não traz os lucros gigantescos desejados pelosnovos “donos” das ex-estatais.Na capital, a Prefeitura está executando obras e assumindo funçõesque caberiam às <strong>em</strong>presas de energia privatizadas. No Interior,elas também deixaram de “puxar” redes de energia elétricapara a zona rural, onde essa energia é vital não apenas para a casadas famílias que trabalham na roça, mas principalmente paramovimentar bombas utilizadas para irrigar as plantações, ou parao funcionamento de refrigeradores destinados à conservação doleite.Qu<strong>em</strong> puxa as redes e paga as obras é o governo do estado. Emresumo, está acontecendo no <strong>Brasil</strong> exatamente o que muita gentedo povo t<strong>em</strong>ia: que a privatização de serviços públicos colocasseos consumidores nas mãos de grupos que somente pensam <strong>em</strong>seus lucros e – com a cumplicidade do governo FHC e governadoressubmissos, como Covas – a população viesse a enfrentar todasorte de probl<strong>em</strong>as.Neste momento, cresce no país, inclusive entre os partidos queapóiam FHC, um movimento para revisão dos erros da privatização,chegando-se a defender que algumas <strong>em</strong>presas do setor volt<strong>em</strong>para as mãos do governo. Mais uma vez o governador paulista,Mário Covas, defende os interesses dos grandes grupos e diz que<strong>em</strong> São Paulo nada vai mudar, e que vai privatizar o que resta daCesp, a <strong>em</strong>presa gigantesca que ele esquartejou para entregar, aospedaços, inclusive a multinacionais. Pergunta: os paulistas nãovão reagir, agora que conhec<strong>em</strong> os prejuízos da privatização?63O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Bancos e “rombos”Bancos e truquesDiário Popular, 15/02/00Olhe só como você está sendo enganado mais uma vez: a imprensadá manchetes diárias sobre a “guerra” <strong>em</strong> torno do Banespa,entre banqueiros nacionais e estrangeiros. “O Banespa deve continuarbrasileiro”, gritam os aliados dos banqueiros nacionais. “Oconsumidor vai lucrar se o Banespa for entregue a grupos multinacionais”,bradam os chamados “globalizantes”. Onde está amalandrag<strong>em</strong> desse noticiário? Ora, ele evita discutir, fornecerdados para a sociedade debater se o Banespa deve mesmo serprivatizado ou permanecer <strong>em</strong> mãos do Estado. Espertamente(para alegria dos banqueiros), discute-se “qu<strong>em</strong>” deve ficar com oAloysio Biondi 64


anco, criando a impressão, na sociedade, de que a privatização éuma decisão que não pode ser revista — e isso é uma mentira.Como assim? Você já deve ter notado que, desde que as privatizaçõescomeçaram, os meios de comunicação somente publicam comdestaque as entrevistas e os artigos de qu<strong>em</strong> é a favor da venda,isto é, faz<strong>em</strong> o jogo desenvolvido pelo governo FHC e por governadoressubmissos para presentear alguns grupos privilegiados como patrimônio coletivo (isto é, pertencente aos trabalhadores, à class<strong>em</strong>édia e aos <strong>em</strong>presários). Não são publicados estudos qu<strong>em</strong>ostram detalhes absurdos, cheirando até a negociata, das privatizações— mesmo quando esses estudos são realizados por instituiçõesrespeitáveis, como as universidades (a USP, por ex<strong>em</strong>plo,fez análises criticando aberrações na venda das <strong>em</strong>presas de energiaelétrica pelo governo Mário Covas).Ações judiciais contra a venda, manifestações de protesto d<strong>em</strong>ilhares de pessoas? Tudo isso é simplesmente ignorado pelaimprensa, ou ganha espaço mínimo (para você ter um ex<strong>em</strong>plodessa grande manipulação: quando a Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa deSão Paulo criou a CPI do Pedágio, somente o jornal Diário Popularnoticiou o fato... Nos outros jornais, n<strong>em</strong> uma linha). Com oBanespa não está sendo diferente: os meios de comunicação escond<strong>em</strong>tudo o que não interessa aos banqueiros, possíveis “compradores”...Assim, é natural que você, como o restante da sociedade,não saiba que ainda existe uma série de ações judiciais,apontando ilegalidades e inconstitucionalidade na privatizaçãoplanejada, apresentadas até mesmo por promotores do MinistérioPúblico, além dos sindicatos de trabalhadores do setor. E onoticiário esconde igualmente que mais de 300 prefeitos e Câmarasde Municípios do Interior de São Paulo e outros estadosapoiaram a apresentação de uma <strong>em</strong>enda à Constituição paulistapara que o Banespa continue como propriedade do Estado. Umaproposta que está engavetada na Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa.O noticiário sobre a guerra entre banqueiros estrangeiros e nacionaisé, portanto, mais um truque engana-trouxa. Ainda há t<strong>em</strong>popara analisar, rediscutir, essa e outras privatizações. Participedesse debate.65O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Privatização, a falsa saídaFenae Agora, n o 14, fev. 1999Privatizar a Caixa Econômica Federal, o Banco do <strong>Brasil</strong> e aPetrobrás. A proposta já está no ar, lançada inclusive pelos principaisjornais do país, <strong>em</strong> editoriais de primeira página “exigindo”medidas bombásticas do governo FHC para reestruturar a economiabrasileira. Um programa de reconstrução nacional, depois dadevastação causada por quatro anos de política “modernizante”do sociólogo-presidente, que para tanto contou com o apoio incondicionaldos meios de comunicação. A sugestão mostra, acimade tudo, que os aliados de FHC ainda não desistiram da táticaescapista, isto é, tentam ignorar as causas verdadeiras da explosãodo Real, resultantes do escancaramento ao exterior e todas assuas conseqüências.Apontam como “solução” novas privatizações, <strong>em</strong>bora até ascrianças saibam, a esta altura, que a venda das estatais brasileirasdevorou o patrimônio público inutilmente, incapaz de impedir oaumento brutal do endividamento do setor público, os juros adoidadose a crise incontrolável. Qual a possibilidade de essa sugestãoesdrúxula ser acolhida? No caso da Petrobrás, somente amobilização popular poderia impedi-la – pois, na verdade, a “privatização”já está <strong>em</strong> marcha, com a entrega até das fabulosas jazidasde Campos a “parceiras” estrangeiras pelo “preço” desavergonhadamenteridículo de 50 mil (é mil, mesmo) a 150 mil reaispela concessão do direito de exploração. Ventos diferentes, porém,sopram para a Caixa Econômica Federal, Banco do <strong>Brasil</strong> e,mesmo, bancos estaduais de privatização já programada. O própriopresidente da República, a esta altura, deve ter aprendidoalgumas lições com a crise e chegado à conclusão, prática, de quequalquer programa de reconstrução nacional vai exigir a utilizaçãode instituições financeiras estatais.Aloysio Biondi 66


Lições da criseDesde set<strong>em</strong>bro/outubro, os bancos privados – nacionais e estrangeiros–, diante da deterioração dos indicadores da economia,começaram a negar financiamentos para as <strong>em</strong>presas exportar<strong>em</strong>.A venda de mercadorias para o exterior, essencial paratrazer os dólares de que o <strong>Brasil</strong> precisava desesperadamente, foiduramente atingida.As exportações só não sofreram paralisia total porque o governo– e, portanto, o presidente FHC conhece o probl<strong>em</strong>a – acionouo BB. Coube ao BB captar dólares no exterior, para financiar osexportadores.Da mesma forma, coube ao Banco do <strong>Brasil</strong> vender dólares –como “laranja” do Banco Central – nos mercados tradicionais enos chamados “futuros”, na tentativa de evitar a queda do Real.Um papel – carente de regras claras, para evitar distorções efavorecimentos – cuja necessidade será ainda maior no períodode reconstrução, <strong>em</strong> que não faltarão fases de grandes oscilaçõesnas cotações do dólar, exigindo intervenções do governo paraabrandar manobras especulativas. Isto não é tudo, porém. O presidenteFHC certamente não se esquecerá, tampouco, dopassa-moleque que os bancos internacionais aplicaram nosgovernantes brasileiros. Como assim? Em nov<strong>em</strong>bro, quando sediscutia o acordo com o FMI, importantes banqueiros internacionaisvieram ao <strong>Brasil</strong> e deram como “favas contadas” um pacotede “socorro” também dos seus bancos privados – isto é, além doapoio acertado com o FMI e países ricos. Esse “apoio”, de dezenasde bilhões de dólares, não veio. Pior ainda: ele foi usado comodesculpa para os banqueiros internacionais se recusar<strong>em</strong> a renovar(o que é normal) <strong>em</strong>préstimos, linhas de crédito de importaçãoe exportação, concedidos a <strong>em</strong>presas brasileiras.Ao exigir<strong>em</strong> o pagamento de todos esses créditos, eles acelerarama saída, erroneamente denominada “fuga” de dólares, e a crisedo real.A desvalorização do real, ao contrário do que economistas diz<strong>em</strong>,não resolverá automaticamente os probl<strong>em</strong>as da “falta de67O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


dólares” que levaram à grande explosão. Não haverá, como essesanalistas prevê<strong>em</strong>, aumento automático, <strong>em</strong> grande volume, nasexportações, n<strong>em</strong> queda imediata nas importações.O quadro é de chorar. O <strong>Brasil</strong> destruiu sua agricultura. De exportador,passou a importador de algodão, milho, arroz, feijão e,pasme-se, até de coco-da-baía e cacau. O país não produz n<strong>em</strong>para o seu consumo. Não há “sobra” de produtos agrícolas paraexportar. Em todos estes casos, a reconstrução da produção nacionaldependerá de uma política firme, e de não mero blablablá,de apoio a <strong>em</strong>presas e produtores locais. Um papel que instituiçõesoficiais, como a Caixa Econômica Federal e bancos estaduais,têm condições de des<strong>em</strong>penhar, cobrindo a falta de <strong>em</strong>préstimosdos bancos privados, que certamente estão dispostos a correr aindamenos riscos nessa fase de readaptação da economia. Não éhora de falar <strong>em</strong> privatizações.“Rombos”, Covas e os paulistasDiário Popular, 22/10/99Eletrizantes. Muita gente recortou e guardou <strong>em</strong> seus arquivos,durante anos, discursos que o senador Mário Covas fez no Congresso.Lideranças de seu partido de então defendiam o apoio ateses antid<strong>em</strong>ocráticas do presidente da República. Coerente, fiel aseus princípios e a seu eleitorado, Covas cuspia fogo, da tribuna,clamando que seu partido havia enfrentado a ditadura militar e nãopodia, <strong>em</strong> plena d<strong>em</strong>ocracia, renegar o passado e se dobrar servilmenteao presidente da República. Sua ve<strong>em</strong>ência levantou a bancadado partido. Os anos se passaram, chegou o “<strong>Brasil</strong> moderno”.Há dois domingos, os paulistas tiveram a oportunidade de avaliara evolução de seu governador. O jornalista Bóris Casoy, que oentrevistava, questionou Covas sobre a privatização do Banespa esuas críticas ao secretário da Receita Federal, por causa da multade 2,8 bilhões de reais aplicada ao banco. A resposta veio rasteirae rápida: “Eu quero é o ‘meu’ (dinheiro). Qu<strong>em</strong> é o culpado poressa multa é que deve pagá-la”. Para avaliar melhor a atitude dogovernador, é preciso recapitular alguns fatos:Aloysio Biondi 68


• Intervenção – O Banespa sofreu intervenção do governo federal,às vésperas da posse de Covas. O Banco Central alegou que o bancopaulista estava “quebrado”. O t<strong>em</strong>po se encarregou de mostrarque isso era mentira, como deixou claro também que os interventoresdo Banco Central “falsificaram” balanços do Banespa parainventar prejuízos. Motivo das manobras: convencer os paulistasda (falsa) necessidade de privatizar o Banespa. O governador Covasfoi conivente.• Prova definitiva – Agora, preste atenção. A multa aplicada pelaReceita Federal t<strong>em</strong> uma importância imensa, que a grande imprensanão destacou até agora. Qual é? Veja b<strong>em</strong>: o Banespa foimultado exatamente porque seus diretores, os interventores dogoverno federal, fizeram (outros) balanços falsos, para criar prejuízosinexistentes ou reduzir os lucros. Reflita um minuto: o episódioda multa revelou, para a sociedade brasileira, aquilo <strong>em</strong> queela se recusava a acreditar: o governo FHC/Malan & Cia. falsificaaté balanços para forçar a privatização, isto é, para poder doarpatrimônio coletivo a determinados grupos <strong>em</strong>presariais, brasileirosou multinacionais. Há governadores coniventes com esseautêntico assalto, <strong>em</strong> que bilhões e bilhões de reais pertencentesaos contribuintes, isto é, trabalhadores, classe média, <strong>em</strong>presários,agricultores, são transferidos para os bolsos e os cofres degrupos que enriquec<strong>em</strong> cada vez mais.A esta altura, você deve estar pensando com seus botões: “Pelomenos o governador Covas está defendendo os contribuintes deSão Paulo, recusando-se a pagar a multa”. Engano seu. Pense b<strong>em</strong>:os balanços falsificados representam prejuízos gigantescos ao Estado(aos paulistas), que continua a ser acionista do banco, e Covasnão tocou nesse assunto. Continua conivente. “Atrelado” aogoverno FHC e às manobras sujas da política de privatização. Passadoesquecido. E há mais aberrações nesse caso, como se verá napróxima coluna.69O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Nosso dinheiro pelo ralo...Diário Popular, 24/10/99Você e todos os paulistas ganharam uma oportunidade para saberse o Banespa e outras estatais paulistas têm mesmo um “rombo”,como estão sendo privatizadas – e, principalmente, para avaliarse o nosso dinheiro não está indo pelo ralo nessas vendas... AReceita Federal, como você viu, aplicou uma multa de 2,8 bilhõesde reais no Banespa, que já está sendo administrado por interventoresdo governo federal há quase cinco anos.Motivo da punição: falsificação de balanços para inventar prejuízosinexistentes, reduzir lucros, o que reduziu também o Impostode Renda. Então, veja b<strong>em</strong>: a sociedade somente soube queo “rombo” do Banespa é falsificado porque a Receita Federal pôsa boca no trombone, para cobrar o IR sonegado. S<strong>em</strong> isso, as manobrascontinuariam escondidas, não chegariam ao conhecimentodos paulistas – porque o próprio governador Mário Covas silencioudiante delas, <strong>em</strong>bora represent<strong>em</strong> prejuízos de bilhõesde reais para o estado. Isto é, prejuízos de bilhões de reais paraos cidadãos deste estado, trabalhadores, classe média, <strong>em</strong>presários,agricultores – que são os verdadeiros donos do Banespa(l<strong>em</strong>bre-se s<strong>em</strong>pre disto: o governo do estado, assim como o daUnião ou o do município, é apenas o “gerente” das estatais e dosd<strong>em</strong>ais negócios, que na verdade pertenc<strong>em</strong> a nós todos, cidadãos/contribuintes).Agora, atenção: não foi apenas essa manobra, de falsificação,que a punição da Receita Federal revelou. Como assim? Veja omotivo da multa: com o apoio do governo Covas, os interventoresdecidiram fazer uma “reserva” (provisão) de nada menos que 3bilhões (com bê) de reais, lançada nos balanços do Banespa, criandoassim os prejuízos e o “rombo”. Qual o objetivo dessa reserva?Acontece que o Banespa, como outras estatais (e grandes <strong>em</strong>presasprivadas), t<strong>em</strong> um fundo de pensão, espécie de INSS especial,para o qual os funcionários também contribu<strong>em</strong> mensalmente.Cálculos feitos por encomenda dos interventores mostraram que,ao longo dos próximos anos, o fundo de pensão poderia ter despe-Aloysio Biondi 70


sas – com aposentadorias e outros benefícios aos funcionários –que poderiam ser maiores do que o valor das contribuições recebidas(ao longo dos próximos anos, note-se). Isto é, haveria um“rombo” no fundo de pensão, avaliado naqueles 3 bilhões, e quedeveria ser pago <strong>em</strong> parte pelo próprio banco – ao longo de muitosanos, note-se. Isto é, quando o banco fosse privatizado, essasdespesas sairiam dos lucros dos novos “donos”.Qual foi a “manobra” do governo FHC <strong>em</strong> conluio com o governoCovas? Todas as despesas previstas (para o futuro), note-se, játiveram o pagamento garantido com a tal “reserva” – isto é, comos 3 bilhões, que reduziram não só o valor pelo qual o Banespadeve ser vendido (isto é, dinheiro nosso pelo ralo) como tambémos lucros que cabiam, nos últimos anos, ao Estado (isto é, nossodinheiro pelo ralo).Também <strong>em</strong> São Paulo as privatizações têm sido assim: o Estado,os paulistas (de todas as origens) “engol<strong>em</strong>” as dívidas. Osgrupos “compradores” receb<strong>em</strong> patrimônios coletivos (de todosnós) a preço de banana, com lucros garantidos. Nossos bilhõesvão para o ralo. Ou para os bolsos de poucos.Cusparada nos paulistasDiário Popular, 02/12/99Não foi na calada da noite. N<strong>em</strong> por isso a manobra foi menosodiosa. Sabia-se que o governo federal estava pronto para anunciarum novo prazo, de até três anos, para os estados pagar<strong>em</strong>uma parcela de sua dívida, renegociada com o Tesouro, e que venciaanteont<strong>em</strong>. São Paulo seria o estado mais beneficiado, já queera também o responsável pelo maior débito a ser liquidado, nafaixa dos 2 bilhões de reais. O “perdão” provisório realmente foianunciado. Mas São Paulo ficou fora dele. Por quê? Espante-se: àtarde, o governador Mário Covas resolveu “liquidar” aquela dívidasimplesmente “entregando” o Banespa ao governo federal, paraque ele seja privatizado no próximo ano.Argumento para a doação surpreendente? Pura e simplesmente,a afirmação de que “São Paulo não quer dever ao governo fede-71O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


al...” A explicação, de tão cretina, é um (outro) insulto à inteligênciados paulistas. O governador Mário Covas é engenheiro, tidoe havido com largos conhecimentos, no passado. A menos queesteja sofrendo de amnésia, deve saber, tanto quanto qualquerchefe de família ou dona-de-casa, que há momentos <strong>em</strong> que conseguirnovo prazo para pagar qualquer dívida é ultravantajoso.No caso do Banespa, o adiamento da dívida – e da entrega dobanco – certamente seria considerado um presente dos céus pelohom<strong>em</strong> público Mário Covas que existiu no passado. Por quê?Como qualquer observador atento já percebeu, a verdade é quev<strong>em</strong> crescendo o debate sobre as distorções e negociatas dasprivatizações: o próprio governo FHC, agora, considera absurdos equer revisão dos critérios para aumento de tarifas de energia etelefone (note b<strong>em</strong>: a mudança de atitude só surgiu porque o governoestá preocupado com a inflação; se não fosse isso, a ladroeiracontinuaria).Há a revolta contra a devolução do Imposto de Renda e de“ágios” (“mamatas” explicadas por esta coluna). Estouram críticascontra as ferrovias privatizadas. E assim por diante. Em outraspalavras, acumulam-se os sinais de que o processo de privatizaçãovai sofrer revisões, e as “vendas” já não serão tão indiscriminadas.Isto significa que o governador Mário Covas, com oadiamento da dívida, poderia ganhar t<strong>em</strong>po para esperar a rediscussãoda privatização do Banespa, ou as condições <strong>em</strong> queela seria feita.Por que ele fez exatamente o contrário? Por que entregou oBanespa apressadamente ao governo FHC da noite para o dia?Qu<strong>em</strong> é afinal o indivíduo Mário Covas que hoje ocupa o Paláciodos Bandeirantes, que tudo decide sorrateiramente, ditatorialmente,s<strong>em</strong> abrir espaço para que a sociedade debata t<strong>em</strong>as de seuinteresse, ligados ao patrimônio coletivo? Ele é o oposto do hom<strong>em</strong>público que mereceu milhões de votos dos paulistas ao longode sua carreira. Que motivos o levaram a dar uma cusparadana face dos paulistas, como é o caso dessa inopinada doação doBanespa?Aloysio Biondi 72


Os gerentes desonestosDiário Popular, 12/12/99Suponha que você e seus parentes resolvam montar uma lanchonete.Graças ao t<strong>em</strong>pero dos sanduíches, “segredo” da família,consegu<strong>em</strong> tanto sucesso que <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po já abriram cinco,seis, vinte lanchonetes <strong>em</strong> diversos bairros. Obviamente, não poderãotomar conta de todas as unidades e precisarão contratargerentes para elas. Suponha agora que alguns desses gerentes vendamas lanchonetes, não só com preços terrivelmente baixos, comoainda “<strong>em</strong>prest<strong>em</strong>” dinheiro da <strong>em</strong>presa aos compradores a jurosincrivelmente ridículos, e também façam dívidas para pagar d<strong>em</strong>issõesde funcionários, ou para reformar e ampliar as lojas poucoantes de sua venda. Um absurdo, já que um gerente não podevender o que não lhe pertence, certo? Que atitude você tomariadiante de uma situação dessas? Certamente, processaria o gerente,recorreria à Justiça.No entanto, é isso que v<strong>em</strong> acontecendo com as “privatizações”<strong>em</strong> São Paulo e <strong>em</strong> todo o <strong>Brasil</strong>: tanto o governador Mário Covascomo o presidente Fernando Henrique Cardoso são apenas “gerentes”da coisa pública, isto é, “contratados” para administrar opatrimônio e os negócios que pertenc<strong>em</strong> a toda a coletividade, atodos os paulistas. No entanto, tal como os gerentes desonestos,eles vêm agindo como se foss<strong>em</strong> os donos de tudo, dilapidando opatrimônio de bilhões de reais construído ao longo de décadas ouséculos com o dinheiro dos contribuintes paulistas. Há poucos dias,eles anunciaram a transferência do Banespa ao governo federal,assinando um acordo a “toque de caixa”; na surdina, <strong>em</strong> condiçõesque só um gerente desonesto t<strong>em</strong> corag<strong>em</strong> de aceitar; pura esimplesmente, o governador Covas abriu mão de qualquer ágioque venha a ser pago no leilão, mesmo que ele seja de bilhões dereais (ágio, como você sabe, é aquela diferença entre o preço mínimopedido pelo governo e o preço oferecido pelo “comprador”).Quando o acordo foi anunciado, esta coluna advertiu que “haviagato na tuba”, isto é, que toda a pressa e as condições s<strong>em</strong>vergonhaforçosamente estavam encobrindo alguma manobra73O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


condenável. A hipótese foi confirmada durante a s<strong>em</strong>ana, com adivulgação, pelo jornal O Estado de S. Paulo, das condições aceitaspelo presidente FHC para renegociar o acordo com o FundoMonetário Internacional. Não deu outra: o FMI exigiu que oBanespa seja privatizado até junho do próximo ano, o governoFHC assumiu o compromisso e, para isso, precisou da cumplicidadedo governador Mário Covas, que consumou a transferência doBanespa para o governo federal.O povo brasileiro está dormindo. Os gerentes desonestos, comoFHC e Covas, estão “torrando” todo o patrimônio dos cidadãos,<strong>em</strong> cumplicidade com o FMI, os governos e as multinacionais depaíses ricos. Quando acordar, o povo brasileiro vai descobrir queeste foi um dos períodos mais negros da história do país, com oassalto aos bens públicos levado a pontos nunca vistos. Aí, serátarde. Reação, já.O Congresso despertaDiário Popular, 06/02/00Partidos governistas aliaram-se às oposições para impedir, juntos,que os bancos internacionais continu<strong>em</strong> a aumentar seu domíniosobre o mercado financeiro e a economia do país. O estopimda reação do Congresso Nacional foi o anúncio de que opresidente Fernando Henrique Cardoso decidiu permitir quebancos estrangeiros compr<strong>em</strong> até 100% do controle do gigantescoBanespa, no leilão de privatização planejado para este s<strong>em</strong>estre.A notícia coincidiu, ainda, com a revelação de que o [Banco]Santander comprou o banco Bozzano Simonsen, levando juntoo ex-estadual gaúcho, Meridional, já privatizado. Ao longo das<strong>em</strong>ana, mais de 350 legisladores já haviam dado apoio, comsua assinatura, à proposta de <strong>em</strong>enda constitucional segundo aqual as operações de compra de bancos nacionais por banqueirosestrangeiros passam a depender do exame e da autorizaçãodo Congresso.Até agora o presidente FHC t<strong>em</strong> decidido arbitrariamente nessaárea, aproveitando-se (ilegalmente, segundo especialistas) de “bre-Aloysio Biondi 74


cha” (texto pouco claro) na Constituição. A perspectiva de desnacionalizaçãodo Banespa, é óbvio, mobilizou inicialmente os banqueirosbrasileiros — mas o fato é que ela acabou sensibilizando oCongresso. Engana-se qu<strong>em</strong> acredita que, no fundo da questão,está presente apenas o lobby, o poder de pressão dos banqueiros.O fato é que, ao longo dos últimos meses, vinham crescendo osindícios de reação, também no Congresso Nacional, contra distorçõesda política de privatizações, desnacionalização da economiae privilégios a grupos estrangeiros.A CPI do Senado formada para investigar o socorro do BancoCentral aos bancos Marka e FonteCindam, por ex<strong>em</strong>plo, chegoua revelações no mínimo comprometedoras sobre o comportamentoda equipe de FHC na venda do Bamerindus a um grupo estrangeiro.Mais recent<strong>em</strong>ente, partidos governistas e oposicionistas“derrubaram”, por unanimidade, a reforma que o senhor ArmínioFraga estava implantando no Banco Central, e que reduziria a fiscalizaçãosobre os bancos, facilitando a lavag<strong>em</strong> de dinheiro e r<strong>em</strong>essasde dólar — e, por extensão, o narcotráfico.A abertura de debates sobre a <strong>em</strong>enda constitucional surge assimcom a perspectiva de o Congresso Nacional finalmente abrir a“caixa preta” das privatizações e suas aberrações, des<strong>em</strong>bocandosena formação de uma CPI. Prioridades a ser<strong>em</strong> investigadas ecombatidas: o “esquartejamento” da Petrobrás e a anunciada intenção,das Telefônicas e Lights, de controlar<strong>em</strong> 100% do capitaldas <strong>em</strong>presas privatizadas, com danos incríveis para a economiado <strong>Brasil</strong>. Mudança a ser priorizada: fim da política de doação dasestatais a grupos estrangeiros ou nacionais, substituindo essaorientação pela venda de ações ao povo, como aconteceu na Inglaterra,na França e na Itália.Direitos na lata do lixoDiário Popular, 30/03/00Você pensa que a ação na Justiça pedindo a suspensão da privatizaçãodo Banespa foi “coisa de sindicato”? Nada disso. A iniciativapartiu de nada menos que 11 procuradores da República, in-75O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


tegrantes do Ministério Público, que, como esta coluna rel<strong>em</strong>brou,foi criado exatamente para defender os direitos do cidadão e dasociedade <strong>em</strong> geral, inclusive contra abusos (isto é, desrespeito àsleis) dos governantes.Para justificar o pedido, os 11 procuradores da República apontarame d<strong>em</strong>onstraram a existência de mais de 20 irregularidades,ilegalidades e inconstitucionalidades cometidas pelos governosFHC e Covas no processo de venda do banco. Vale dizer,detalhes que trarão prejuízos ao Estado, à população, como aconteceu<strong>em</strong> tantas outras “privatizações”, verdadeiros negócios daChina para enriquecer grupos <strong>em</strong>presariais nacionais e multinacionais.Os argumentos foram acolhidos, e o leilão suspenso, <strong>em</strong> umaprimeira etapa. Mas o governo recorreu a um tribunal superior eo juiz anulou a suspensão. Por quê? Os procuradores da Repúblicaestavam errados? Não é nada disso. Como foi explicado ont<strong>em</strong>,não é mais assim, com base <strong>em</strong> leis e direitos, que os tribunaissuperiores estão tomando decisões no <strong>Brasil</strong> – conforme críticasdos próprios juízes, advogados, juristas. Agora basta o governodizer que “determinada” arbitrariedade sua “atende aos interessesnacionais” e os tribunais superiores decid<strong>em</strong> a seu favor.Foi assim mesmo, no caso do Banespa. Os advogados do governoalegaram que, com o atraso nos leilões e na venda do banco, ogoverno teria um “prejuízo de 189 milhões de reais <strong>em</strong> seis meses,e de 394 milhões <strong>em</strong> um ano”.Que cálculo é esse? Segundo os advogados do governo, se oBanespa fosse vendido – possivelmente pelo preço estimado <strong>em</strong>torno de 2 bilhões de reais –, o governo poderia usar esse dinheiropara pagar uma “fatia” de sua dívida, deixando assim de pagarjuros de 19% ao ano, ou aqueles 394 milhões de reais <strong>em</strong> um ano.O argumento é vergonhoso. Primeiro, porque o Banespa podedar lucros acima de 1 bilhão de reais por ano, isto é, muito maisque o dobro do “prejuízo” alegado com os juros de 390 milhões dereais. Em segundo lugar, a venda do Banespa às pressas pode trazerprejuízos bilionários ao povo de São Paulo, várias vezes superioraos gastos com juros: no Rio, auditorias contratadas pelo novoAloysio Biondi 76


governo mostraram que o estado teve um prejuízo estrondoso, denada menos de 12 bilhões de reais (30 vezes, ou 3.000% do valordos juros do caso Banespa), com a priva-tização do Banerj, vendidona administração anterior.Esses cálculos mostram como são falsos os argumentos que falam<strong>em</strong> “interesse nacional”. Mas, repita-se, não é esse o aspectoverdadeiramente importante da questão. Nenhuma nação sobrevivese o próprio governo passa a descumprir, sist<strong>em</strong>aticamente,as leis que estabelec<strong>em</strong> os direitos e deveres dos cidadãos e governantes.No <strong>Brasil</strong>, direitos e d<strong>em</strong>ocracia estão sendo jogados nalata do lixo, <strong>em</strong> nome de pretensos “interesses nacionais”. Com aajuda de tribunais superiores.As provas do crimeDiário Popular, 23/11/99O governo do estado do Rio de Janeiro gastou 7 bilhões (com aletra bê) de reais para “preparar” o seu banco, o Banerj, para a“privatização”. O “comprador”, o Itaú, pagou apenas 310 milhões(com a letra <strong>em</strong>e), ou quase 25 vezes menos, no leilão. O governoda Bahia gastou 2 bilhões (com a letra bê) para preparar o seubanco, o Baneb, para a “privatização”. O “comprador”, o Bradesco,pagou apenas 260 milhões, ou oito vezes menos, no leilão. Trêsmeses depois, o Bradesco recebeu de volta nada menos que 240milhões, pagos pelo Tesouro, isto é, por todos os brasileiros. Ouseja, o Bradesco pagou apenas 20 milhões de reais, o preço de dezapartamentos de luxo, por um banco estadual, com toda a suarede de agências, dezenas de milhares de clientes, rede de informática,caixas automáticos etc. O governo baiano ficou com dívidasde l,7 bilhão, assim como o governo do Rio ficou com dívidasde 6,7 bilhões, o governo federal gastou 240 milhões, ou um quartode bilhão. Os bancos compradores ficaram com os lucros e opatrimônio de bilhões de reais formado com o dinheiro dos cidadãosao longo de décadas.Essas aberrações são rel<strong>em</strong>bradas pelo jornalista Alex Ribeiro,<strong>em</strong> reportag<strong>em</strong> publicada ont<strong>em</strong> pela Folha de S.Paulo. Elas já77O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


são suficientes para d<strong>em</strong>onstrar que as privatizações comandadaspelo governo FHC são criminosas: as <strong>em</strong>presas e os bancosestatais não estão apenas sendo literalmente doados aos gruposprivilegiados, brasileiros ou multinacionais. O assalto vai mais longe:na prática, estamos até pagando, bilhões de reais, para que oscompradores “façam” o favor de <strong>em</strong>bolsar o patrimônio coletivo etenham lucros bilionários.O esqu<strong>em</strong>a montado pelo governo FHC para espoliar a sociedadebrasileira chega a ser maquiavélico: numa primeira etapa, aprópria equipe econômica, o Banco Central, faz manobras para“inventar” prejuízos nos balanços dos bancos estatais já escolhidospara ser privatizados. Com essa falsificação, o governo FHCatinge dois objetivos. De um lado, engana a opinião pública, istoé, consegue convencer os cidadãos de que os bancos estatais nãodão lucros e, portanto, é vantajoso privatizá-los a qualquer preço.De outro, essa mesma falsificação não apenas reduz o preço a serpago pelos “compradores”, como garante que eles terão rapidamentelucros de centenas de milhões ou bilhões de reais – comoocorreu com o Bradesco e o Itaú, nas compras do Banerj e doBaneb. Lucros que seriam dos governos estaduais e do governofederal, isto é, de toda a população, e que vão para os cofres degrupos privilegiados. Responda você mesmo: os paulistas vão aceitarque o Banespa seja doado, ou, pior, vão pagar para que os banqueirosprivados abocanh<strong>em</strong> o seu patrimônio?O “rombo” da CaixaDiário Popular, 06/07/00De repente, os brasileiros têm outra decepção com a notícia deque a Caixa Econômica Federal também t<strong>em</strong> um “rombo” de bilhõese bilhões de reais, e que o governo teria de des<strong>em</strong>bolsar essesbilhões para a CEF não quebrar. Se você está entre os decepcionados,“esfrie a cabeça”, procure a verdade – e vai descobrir que,mais uma vez, o governo e a grande imprensa estão montando umfestival de mentiras com um único objetivo: convencer a opiniãopública de que o melhor é “privatizar” a Caixa, vendê-la ou doá-laAloysio Biondi 78


a grupos estrangeiros, como já foi feito vergonhosamente comoutras <strong>em</strong>presas estatais.A “guerra de informação” é para abrir caminho à privatização,não apenas da CEF, mas também do Banco do <strong>Brasil</strong>, do Banco doNordeste e do Banco da Amazônia, isto é, todas as instituiçõesoficiais de crédito federais, obedecendo-se mais uma vez aos interessesdos países ricos, do Fundo Monetário Internacional e dosbanqueiros internacionais. A estratégia usada contra a CEF é amesma que foi adotada <strong>em</strong> 1996 contra o Banco do <strong>Brasil</strong>, ou contrao Banespa e outros bancos estaduais: inventa-se um grande“rombo”, apavora-se a opinião pública, que, manipulada, fica afavor da privatização.Desta vez o tiro deve sair pela culatra. O governo está procurandolã e pode ficar nu, diante da opinião pública. Por quê? Depoisde anos de apatia diante das barbaridades cometidas na vendadas estatais, há agora uma forte reação no Congresso e dentro dopróprio PSDB contra essas privatizações dos bancos federais, “recomendadas”<strong>em</strong> relatório de uma <strong>em</strong>presa de consultoria estrangeiracontratada pelo governo FHC. A divulgação desse documento,prevendo graves prejuízos para os bancos estatais a partir doano 2003, trouxe um efeito com o qual o governo certamente nãocontava: desta vez deputados e senadores não vão apenas engoliras conclusões dos estudos apresentados pelos consultores. Quer<strong>em</strong>investigar todos os cálculos, e, mais ainda, se houver mesmoriscos de prejuízos pela frente, quer<strong>em</strong> descobrir a sua orig<strong>em</strong>,isto é, como é possível que medidas e decisões tenham comprometidoos lucros de instituições gigantescas, que deveriam proporcionarganhos fabulosos ao Tesouro.Ao fazer um levantamento minucioso das operações desses bancosnos últimos anos, o Congresso vai descobrir duas aberraçõesprincipais.Primeiro, que os “rombos” têm sido inventados pela equipe econômicaFHC/FMI/banqueiros internacionais. Segundo, que essamesma equipe econômica t<strong>em</strong> adotado, ano após ano, medidasescandalosas para garantir grandes lucros aos bancos privados àcusta da CEF e do Tesouro. Verdadeiros crimes de lesa-contribuinte79O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


que o Congresso ignorou, ao longo dos anos, e que agora podedesvendar. Os negócios da China envolv<strong>em</strong> o FGTS, o FCVS, os contratosde financiamento de imóveis, os juros cobrados e por aíafora, como se verá amanhã.Como falsificar balançosDiário Popular, 07/07/00O governo diz que a Caixa Econômica Federal também estáquebrada, com um “rombo” de 7 bilhões a 10 bilhões de reais.Mais uma vez, o governo engana a opinião pública, para convencê-laa apoiar a privatização da Caixa e de outros bancos federaise estaduais.Se você não acredita que governantes possam se comportar comofalsários, vale a pena rel<strong>em</strong>brar como o “rombo” do Banco do <strong>Brasil</strong>foi inventado – e continua a ser reinventado:• Calotes – Segundo as regras do Banco Central, os bancos estataisou particulares dev<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre fazer “reservas”, provisões, istoé, separar uma parte de seus lucros para compensar “calotes”. Valedizer, se <strong>em</strong>presas ou clientes não pagar<strong>em</strong> <strong>em</strong>préstimos que tomaram,o banco deve ter dinheiro “guardado” para cobrir esses“buracos”. Por quê? Porque precisam ter s<strong>em</strong>pre dinheiro <strong>em</strong> caixapara devolver aos clientes que têm depósitos, ou atender a outroscompromissos.• Lucros – Logicamente, quando esse dinheiro vai para uma “reserva”,sai do faturamento e dos lucros dos bancos, reduzindo-os.• Rombo – As “reservas” dev<strong>em</strong> ser formadas s<strong>em</strong>pre que surg<strong>em</strong>sinais de “calotes”. Assim, o Banco Central exige que s<strong>em</strong>preque um cliente começa a atrasar seus pagamentos, ou ficainadimplente como diz<strong>em</strong> os técnicos, os bancos já façam “reservas”,ou provisões, como medida de cautela. Quando um grandenúmero de clientes de um banco começa a atrasar pagamentos, ovalor do dinheiro separado para as reservas vai crescendo tantoque, <strong>em</strong> determinado momento, o banco não t<strong>em</strong> mais dinheiro“livre” para os d<strong>em</strong>ais compromissos. Está com um “rombo” –passageiro, note-se – porque t<strong>em</strong> dinheiro a receber, mas estáAloysio Biondi 80


enfrentando uma onda de atrasos (que pod<strong>em</strong> ou não virar calotes),e as reservas exigidas estão congelando seu “capital”.• O “rombo” inventado – De acordo com as regras traçadas peloBanco Central, na época da falsa crise do Banco do <strong>Brasil</strong>, qualquerbanco devia fazer reservas, como precaução, s<strong>em</strong>pre que umcliente atrasasse uma prestação dos <strong>em</strong>préstimos <strong>em</strong> mais de 30dias – isto se o <strong>em</strong>préstimo não tivesse garantias (isto é, se o clientenão tivesse “hipotecado” carros, casas, sítios, fazendas para garantiro pagamento). Se o <strong>em</strong>préstimo tivesse garantia parcial, istoé, se os bens hipotecados tivess<strong>em</strong> um valor igual a uma parte do<strong>em</strong>préstimo, o prazo subia para 180 dias; se o <strong>em</strong>préstimo tivessegarantia total, com bens “hipotecados” de igual valor, o prazo subiapara 360 dias. O que o governo fez, para inventar o rombo doBanco do <strong>Brasil</strong>?Descaradamente, exigiu que o banco fizesse reservas para qualquer<strong>em</strong>préstimo <strong>em</strong> atraso, mesmo que ainda não tivess<strong>em</strong> estouradoaqueles prazos de 30, 180 ou 360 dias previstos nas própriasregras do Banco Central. O governo FHC/FMI desrespeitouvergonhosamente as suas próprias regras (como aconteceu com oBanespa), fixadas pelo próprio Banco Central, para desmoralizaro Banco do <strong>Brasil</strong> diante da opinião pública. A manobra está sendorepetida com a Caixa Econômica Federal.81O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Pedágios e debochesAfinal, somos coitadinhos?Diário Popular, 09/01/00Alguém enlouqueceu na TV Globo. Em meio ao noticiário sobreinundações e rodovias interrompidas, foi exibida uma reportag<strong>em</strong>sobre as estradas privatizadas nos Estados Unidos. Vale a penavocê tomar nota dos pontos principais do sist<strong>em</strong>a adotado lá, paracomparar com o que acontece no <strong>Brasil</strong>: os governos estaduaiscontinuam a explorar o pedágio <strong>em</strong> todas as estradas; somentetrês rodovias foram entregues a um grupo privado; trata-se de viasde alta velocidade com nada mais, nada menos que 16 (dezesseis)pistas, superpostas, com viadutos imensos <strong>em</strong> alguns trechos; asrodovias foram totalmente construídas pelos “donos”, isto é, comAloysio Biondi 82


dinheiro deles; o pedágio cobrado é de apenas 4 doláres para utilizartoda a extensão da rodovia: qu<strong>em</strong> utilizar apenas trechos intermediários,ligando cidades situadas ao longo das rodovias, nãopaga nada.Como você vê, tudo o que está sendo feito no <strong>Brasil</strong> não t<strong>em</strong>nada de parecido com o que acontece no resto do mundo. Em SãoPaulo, paga-se até 3 reais por trechos de 30 quilômetros – preçoincrivelmente escorchante quando comparado com os dos EstadosUnidos, onde a renda da população é muitas vezes maior. Alémdos preços inaceitáveis, os grupos que “ganharam” as rodovias jáprontas, construídas com dinheiro dos contribuintes paulistas, nãoestão fazendo nada.E aqui vai um desafio para o secretário de Transportes e o governadorMário Covas: prov<strong>em</strong> que isso não é verdade, no caso,por ex<strong>em</strong>plo, da rodovia que liga Campinas a Mococa, na divisacom Minas Gerais. No trecho Aguaí–Casa Branca, os postos decobrança de pedágio brotaram como cogumelos. Há imensas placas,datadas de 29 de abril do ano passado, anunciando o inícioda duplicação das pistas, isto é, há praticamente um ano. No entanto,como anunciado também por placas mais novas, apenasum trecho de dez quilômetros, do total de 60, seria “entregue” <strong>em</strong>breve. Vergonha.Desse trechinho, foram abertos e asfaltados uns três quilômetros;do resto, está mal e mal rasgado o novo traçado. Qu<strong>em</strong> trafegapela rodovia não vê um trabalhador, um trator, nada — mas vêoperários instalando cabos telefônicos no canteiro central dos trechosconstruídos pelo Estado. Esses cabos, que serão “alugados”às telefônicas, renderão aluguel aos “compradores” das rodovias,um alto negócio que não entrou no preço da “venda” das estradase <strong>em</strong>presas paulistas de energia, apesar dos protestos de técnicos.Está na moda dizer que os governantes e seus aliados, como os“ganhadores” de <strong>em</strong>presas privatizadas, não dão nenhuma satisfaçãode seus atos ou negligências à população. Que o brasileiro estáabandonado, entregue à própria sorte, desvalido. É só meia verdade.O brasileiro está mantendo um comportamento de “coitadinho”,que espera pela “bondade” dos governantes. Mas os governantes e83O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


as elites só vão cumprir suas obrigações quando o brasileiro começara protestar. Deixar de ser coitadinho para ser cidadão.O ministro e os imbecisDiário Popular, 12/01/00Cresc<strong>em</strong> os protestos contra o custo (e os sucessivos aumentos)do pedágio nas rodovias “privadoadas”, além da d<strong>em</strong>ora na execuçãode obras e das falhas na manutenção das vias, provocandotoda sorte de transtornos para a população. Contra a parede, ogoverno FHC anuncia um “novo modelo” de privatizações das rodovias.As decisões e as respectivas explicações anunciadas peloministro dos Transportes, Eliseu Padilha, confirmam que o governoFHC faz pouco da inteligência dos brasileiros:• O custo – Segundo o ministro, o que encarece os pedágios é,principalmente, a execução de obras, como a construção de novaspistas (duplicação), “trevos” de acesso a cidades, praças rotatórias(id<strong>em</strong>) etc. Por isso, diz o ministro, o novo “modelo” prevêque o governo federal vai passar a construir as rodovias, e os novos“donos” das estradas cuidarão apenas da conservação. Gozação?Afinal, as privatizações foram implantadas pelo governo FHC/FMI/países ricos com a desculpa de que a União e os estados nãotinham mais dinheiro para investir nessa área, precisando reservarrecursos para cuidar de educação, saúde etc.• As mentiras – Era uma desculpa dupla ou triplamente mentirosa– mas é atrás dela que o governo t<strong>em</strong>-se escondido. Simplesmente“esquecê-la” e manter a doação a grupos privados é umgrande deboche.• Amnésia – O ministro finge ter se esquecido de que nos últimosanos importantes rodovias estão sendo “doadas” depois de construídas– o que desmente a explicação para o pedágio escorchante.Só para refrescar a debilitada m<strong>em</strong>ória ministerial: a própria rodoviaSão Paulo–Florianópolis–Porto Alegre está sendo duplicada comum <strong>em</strong>préstimo de 1,2 bilhão de doláres do Banco Mundial. A assinaturadesse acordo foi feita <strong>em</strong> cerimônia badaladíssima, <strong>em</strong> queo presidente da República fez um discurso anunciando que o go-Aloysio Biondi 84


verno executaria tudo, o Tesouro pagaria o <strong>em</strong>préstimo – e felizesgrupos privados construiriam os postos de pedágio, para cobrar dosusuários e ficar com a arrecadação. É só mandar um assessorpesquisar nos arquivos dos jornais da época, ministro.• Da China – Aliás, para citar mais um ex<strong>em</strong>plo, é bom l<strong>em</strong>brar oRodoanel de São Paulo, obra bilionária, de custo superior a 3,5bilhões de reais. Quando o projeto foi lançado, já se sabia que haveriaprivatização, isto é, o pedágio ficaria para grupos <strong>em</strong>presariaissócios do <strong>em</strong>preendimento – <strong>em</strong>bora eles foss<strong>em</strong> entrar comapenas 17% dos recursos, cabendo 83% ao estado, União e prefeitura.Depois, até isso foi “esquecido”, ficando todos os gastos comos governos – isto é, os contribuin-tes. Privadoação, à moda Covas/FHC.• Empréstimo – Outro pequeno aspecto esquecido pelo ministroPadilha: o BNDES, banco do governo, t<strong>em</strong> financiado as obras dasrodovias privatizadas. A juros de pai para filho, que aumentam olucro dos novos “donos”.Há mais deboches e assaltos contra os contribuintes nas decisõesdo governo FHC, como ver<strong>em</strong>os amanhã.O governo FHC faz pouco da inteligência dos brasileiros.Pedágios e debochesDiário Popular, 13/01/00A associação nacional das <strong>em</strong>presas transportadoras de cargasrealizou um vasto levantamento sobre a situação das rodovias brasileirase chegou à conclusão de que, delas, nada menos que 80%,ou quatro <strong>em</strong> cinco, estão <strong>em</strong> situação precária.Qu<strong>em</strong> viaja pelo interior deste <strong>Brasil</strong> garante que “precária” éuma palavra educada, educadíssima, que só uma freira usaria paradefinir as barbaridades encontradas. Rodovias prioritárias parasuas regiões, como a que liga Ilhéus a Vitória da Conquista, <strong>em</strong>plena terra do tão-falante senador ACM, mostram a que ponto osgovernantes brasileiros chegaram, quando se trata de não dar amínima satisfação à população – que, por sua vez, se comportatão passivamente como um rebanho bovino.85O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Com 250 quilômetros de extensão, unindo dois dos mais ricos centrosda Bahia, a rodovia apresentava, antes mesmo das chuvas recentes,trechos de quilômetros e quilômetros <strong>em</strong> que não haviaburaqueira no asfalto, e sim um pouco de asfalto perdido no meio daburaqueira. As conclusões do estudo ganharam até manchetes nosmeios de comunicação, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre com intenções de defender osinteresses da população e exigir providências dos governantes.Neste país dominado por grandes interesses, a “jogada” era outra:convencer a opinião pública de que, no final das contas, osgrupos <strong>em</strong>presariais que ganharam as rodovias “privatizadas” nãomerec<strong>em</strong> ser criticados por não executar<strong>em</strong> obras que impediriamo caos ocorrido na Dutra, na Imigrantes, na Anhangüera e assimpor diante. “As estradas do <strong>Brasil</strong> inteiro estão horríveis, mesmo,então por que esperar que fosse diferente com as privatizadas?” –é o raciocínio maroto desse noticiário.Resposta, esquecida: “Porque, no caso dessas rodovias, O DINHEI-RO DO PEDÁGIO, CARÍSSIMO, É EMBOLSADO PELOS FELIZARDOS QUEGANHARAM ESTRADAS JÁ PRONTAS, feitas com o dinheiro do governo,da população, para explorá-las, sob a condição de mantê-las <strong>em</strong>elhorá-las”. Outros tipos desse “esquecimento”, muito vantajosospara os “donos” de rodovias, atingiram o governo FHC, que,agora, segundo o ministro dos Transportes, vai mudar algumasregras das privatizações, para “baratear o pedágio”.Daqui pra frente, por ex<strong>em</strong>plo, as prefeituras interessadas é quefinanciarão e construirão praças rotatórias ou trevos de acesso àssuas cidades, por ser<strong>em</strong> obras proporcionalmente mais caras. Purodeboche, <strong>em</strong> cima das prefeituras paupérrimas deste país, enquantoo dinheiro do pedágio fica para particulares... Outras obras caras,como viadutos, pontes, aterros etc., também não serão pagospelos “donos da estrada”, e sim pelos estados ou pela União...Finalmente, o ministro diz que serão reduzidos ou eliminadosos serviços de apoio aos usuários das estradas, como telefones de<strong>em</strong>ergência, carros-reboque, equipes de socorro, “que são caros”.Alegação do ministro: apenas uma pequena parcela dos veículos éatingida por acidentes. Então, que tal fechar as cadeias, pois apenasuma pequena parcela da população comete crimes?Aloysio Biondi 86


Crime s<strong>em</strong> castigo?Diário Popular, 13/02/00A pressa <strong>em</strong> agir não é apenas suspeita. Ela pode ser uma manobrapara evitar investigações e descobertas de escândalos tão ou maisgraves. Há pouquíssimos dias, este jornal denunciou que o governoCovas estava proporcionando lucros bilionários aos “ganhadores”das rodovias privatizadas – e, conseqüent<strong>em</strong>ente, causando prejuízosid<strong>em</strong> ao povo paulista. Por quê? Os contratos previam que oEstado teria, além de uma fatia da arrecadação do pedágio, tambémuma participação de 3% no faturamento que os novos “donos”das estradas viess<strong>em</strong> a ter com a exploração de outras fontes derenda. Ex<strong>em</strong>plos? O “aluguel” exigido de <strong>em</strong>presas que instalampainéis de publicidade à marg<strong>em</strong> das vias, ou quiosques id<strong>em</strong>, ouaté mesmo restaurantes <strong>em</strong> certos locais. Até aí, tudo entendido.Acontece porém – e essa foi a revelação feita pelo Diário Popular –que os contratos deixaram de fora a verdadeira “mina de ouro”, asaber, as chamadas infovias, ou redes de cabos de telecomunicação,para uso de <strong>em</strong>presas telefônicas, internet etc., que estão sendo instaladasnos canteiros centrais das rodovias.Surgida a denúncia, o governo Covas tentou justificar-se, alegandoque a tecnologia das infovias era “muito nova”, isto é, insinuouque ela surgiu após os contratos – uma mentira que estacoluna contestou. Os “ganhadores” das rodovias, por sua vez, prontamenterejeitaram a idéia de rever os contratos, alegando quequalquer alteração lhes traria prejuízos. Para surpresa geral, passadospoucos dias, não apenas os contratos passaram a prever uma“fatia” da renda das infovias para o Estado, como essa fatia, paratodos os casos, deu um salto gigantesco, de 3% para 25%.O governo Covas merece aplausos por essa mudança? Ao contrário.É tudo gravíssimo, comprometedor, exigindo que a Ass<strong>em</strong>bléiaLegislativa, que já mantém uma CPI para investigar os pedágios,faça uma devassa <strong>em</strong> toda a política de privatizações do governoCovas. O simples fato de os “compradores” ter<strong>em</strong> aceitadoum aumento de mais de 700% na participação do estado, de 3%para 25%, é uma prova incontestável de que o governo Covas ha-87O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


via estabelecido condições vergonhosamente desvantajosas parao povo paulista nesses contratos. A rapidez com que a mudançafoi aceita é uma outra prova, e mostra a intenção de colocar rapidamenteuma pedra sobre o assunto, na base da desculpa de que“o erro já foi corrigido”.A opinião pública não pode aceitar esse argumento. Falso. Houveum crime contra o patrimônio coletivo, contra o povo paulista,e nada garante que mesmo a cobrança nova não deva ser superior.Um crime que somente não vingou porque houve a denúnciada imprensa. Há outros ex<strong>em</strong>plos de aberrações nas privatizaçõesdo governo Covas, que exig<strong>em</strong> revisão.LEMBRETE – para você e o povo paulista não continuar<strong>em</strong> a serassaltados, acompanhe de perto os trabalhos dos deputados. Telefone,pressione. Apóie aqueles que defend<strong>em</strong> a realização de investigações.Manifeste sua indignação àqueles que viv<strong>em</strong> tentandoengavetá-las. Mexa-se.Eles são despreocupadosDiário Popular, 28/04/00Os paulistas terão prejuízos de centenas de milhões de reais, aolongo dos anos, com aberrações na privatização das rodovias doestado. Como foi apurado pela CPI da Ass<strong>em</strong>bléia, os contratosassinados pelo governo Covas previram que o estado teria umaparticipação no pedágio arrecadado e outras receitas obtidas pelas<strong>em</strong>presas que “ganharam” as rodovias – mas não determinaramessa participação também no “aluguel” cobrado pelo uso daschamadas infovias, ou redes de cabos para uso das telefônicas,internet etc. Uma fonte de renda que, segundo os especialistas,pode render mais do que os próprios pedágios. A CPI quer a revisãodos contratos.Questionado pela imprensa sobre essa hipótese, o secretário dosTransportes não deixou por menos e fuzilou uma resposta: “Ogoverno Covas está preocupado com o probl<strong>em</strong>a social, não como aluguel de conduítes”. Então, tá. Se você pensava que a soluçãoAloysio Biondi 88


dos probl<strong>em</strong>as sociais dependia de o governo dispor de recursospara enfrentá-los, esqueça.Aproveite a lição do governo Covas, que não se preocupa <strong>em</strong>arrecadar aquilo a que o estado t<strong>em</strong> direito, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> vender a preçojusto o que pertence ao estado, isto é, ao povo paulista. Se vocêpensava, também, que alguma coisa não cheirava b<strong>em</strong> nas privatizaçõesdo governo Covas (e do governo FHC), esqueça as hipótesesde favorecimento para encher os cofres de <strong>em</strong>preiteiras e grupos<strong>em</strong>presariais, com dinheiro pertencente ao povo paulista.No próprio caso das rodovias, os representantes do governoCovas ouvidos pela CPI fizeram uma revelação incrível: não houvecálculos sobre movimento de veículos e, portanto, do “faturamento”previsto, para fixar o preço do pedágio nas rodovias privatizadas– e que arrancam bilhões de reais do povo paulista. Foi tudona base do “chute”. Absurdo que enriquece as <strong>em</strong>preiteiras? Ora,o governo Covas não t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po para cuidar do dinheiro da população,está “preocupado com o social”. Aliás, como você deve tervisto, isso ficou claro mais uma vez com o leilão realizado estas<strong>em</strong>ana para “privatizar” o serviço de distribuição de gás na regiãoSul do estado, que antes seria explorado pela Comgás, estatalque também já foi “doada”.O governo paulista, s<strong>em</strong>pre despreocupado,havia pedido um preço ridículo, de 95 milhões de reais,para a “venda”. A operação foi fechada por um preço 4,5 vezesmaior, ou 535 milhões de reais, oferecido por um grupo francêsitaliano(as multinacionais continuam a abocanhar todas as fontesde energia do país: petróleo, gás, eletricidade, graças a FHC/Covas & Cia.).Não há motivos para festejar. Nas privatizações, a diferença entreo preço pedido pelo governo e o preço oferecido e pago pelo “comprador”,o chamado ágio, acaba tendo uma parte devolvida aocomprador pelo Tesouro – isto é, pelo povo. Claro que você nãoestá pensando que existe o risco de os governantes pedir<strong>em</strong> preçosexageradamente baixos, de propósito, exatamente para haverum ágio alto e devolução de bilhões de reais aos “compradores”.Deve ser só falta de preocupação com essas bobagens, como o dinheirodo povo.89O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Hora de descruzar os braçosHora de descruzar os braçosCaros Amigos, n o 39, junho de 2000Desde a posse de FHC, qu<strong>em</strong> percorria o <strong>Brasil</strong> de norte a sulpara participar de debates ou s<strong>em</strong>inários encontrava s<strong>em</strong>pre omesmo quadro. Sindicalistas, estudantes, professores, agricultores,<strong>em</strong>presários e até jornalistas a se queixar<strong>em</strong> da total falta deespaço para “o outro lado”, a contestação da política oficial, nosmeios de comunicação. A unanimidade <strong>em</strong> torno da constataçãodo “alinhamento” da imprensa, porém, não passava do queixumee da sensação de impotência, traduzindo-se <strong>em</strong> total conformismodiante da situação.Uma atitude que, por sua vez, des<strong>em</strong>bocava <strong>em</strong> um cinismoamargo sobre “nossa profissão” e a pretensa inevitabilidade de seAloysio Biondi 90


dobrar aos interesses defendidos nestes últimos anos pelas <strong>em</strong>presasjornalísticas. S<strong>em</strong> apelar para o otimismo excessivo, podesesentir que há mudanças no ar. O longo período de passividade– de longe, muito mais tenebroso do que os anos de ditadura militar– parece aproximar-se do fim. Nas salas de aula do curso dejornalismo, nos debates promovidos por sindicatos ou entidades<strong>em</strong>presariais, nas próprias ruas e <strong>em</strong> conversas com o cidadãocomum, o conformismo submisso vai sendo substituído por sugestõesde reação – mesmo à custa da perda de <strong>em</strong>prego, no casode estudantes de jornalismo que já trabalham <strong>em</strong> redações.Ironicamente, a metamorfose foi provocada pelo próprio governoFHC e pelos meios de comunicação aliados, que, decididamente,perderam a noção de qualquer limite na desavergonhada coberturada pancadaria <strong>em</strong> Porto Seguro e nas sórdidas reportagens sobreo MST, “plantadas” pelo Planalto nas revistas s<strong>em</strong>anais, <strong>em</strong> umaprimeira etapa, e nos grandes jornais, logo a seguir. Houve um claroerro de cálculo, na ofensiva “contra a baderna”, “contra os comunistas”– tudo a sugerir que o <strong>Brasil</strong> precisa de um presidente daRepública com poderes s<strong>em</strong>elhantes aos de Fujimori. A manipulaçãosutil dos últimos anos, representada por manchetes enganosase “pinçamento” de dados otimistas, foi substituída pelo ataque debochado,pela deformação total da informação. Resultado: até ocidadão comum, enganado pelos formadores de opinião nos últimosanos, se deu conta da manobra.E a vontade de reagir tomou o lugar da passividade, no casodos discordantes. De nada vale questionar se o próprio momentovivido pelo país, com a sociedade saturada pelos anos derecessão, des<strong>em</strong>prego, corrupção, não é o responsável pela transformação.Pode-se contra-argumentar, apenas como dever deofício, que outros momentos s<strong>em</strong>elhantes, como as denúnciassobre o grampo do BNDES e seu subseqüente “esquecimento” pelagrande imprensa, não provocaram a mesma comoção. Constatava-se,resignava-se e aceitava-se a “realidade” nacional. O queimporta, nessa “virada”, é que ela seja ampliada, cristalizada,com a participação e a articulação dos “excluídos do debate” nosúltimos anos.91O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


A reação t<strong>em</strong>-se manifestado de forma espontânea, geralmenteainda individual, na troca de e-mails ou telefon<strong>em</strong>as, nos batepaposou ao longo de aulas e debates. Não é o suficiente, ainda,para desencadear uma onda de pressões que lev<strong>em</strong> os meios decomunicação a abandonar o comportamento de lesa-sociedade dosúltimos anos. PS: se surgisse a decisão de escolher um slogan paraesse movimento da sociedade, nossa sugestão apontaria para oex<strong>em</strong>plo do s<strong>em</strong>pre límpido Chico Buarque, que <strong>em</strong>bargou umvídeo preparado para a Feira de Hannover, exigindo que sua música“O que será” fosse excluída da trilha sonora, conforme noticiadopelo Estadão. O slogan? Algo na linha “Faça como o Chico.Comece a dizer não.” Obrigado, Chico.Na trilha argentinaRepetindo: qu<strong>em</strong> quiser saber realmente o que está acontecendocom a economia do país deve ler s<strong>em</strong>pre as últimas quatrolinhas das notícias. É lá que os jornalistas escond<strong>em</strong> o que éimportante. No final de maio, todas as manchetes anunciavamque o Tesouro havia obtido outro saldo positivo <strong>em</strong> suas contas,<strong>em</strong> abril, com as receitas superando as despesas <strong>em</strong> 4 bilhões dereais. No texto, aquela repetição enjoativa de que o <strong>Brasil</strong> estáfazendo o ajuste, vai cumprir a meta do FMI, de tantos por centodo PIB pra cá, outros tantos por cento do PIB pra lá et cetera e tal.Nas últimas quatro linhas, a informação do secretário do Tesourobrasileiro, Fábio Barbosa: <strong>em</strong> abril, a dívida líquida doTesouro aumentou <strong>em</strong> 13,1 bilhões de reais, por causa da “expansãoda dívida externa” e de “juros incorporados, no valor de6,2 bilhões de reais”.O que significa esta última cifra? Ela ajuda a entender o pantanal<strong>em</strong> que o <strong>Brasil</strong> está atolado, s<strong>em</strong> saída, a menos que rompacom o FMI. Por “juros incorporados” entendam-se juros que o governonão pagou com dinheiro vivo, isto é, precisou <strong>em</strong>itir títulos,mais “papagaios”, para cobri-los. E o saldo de 4 bilhões de reais?Foi usado, sim, para pagar 4 bilhões <strong>em</strong> juros – além dos 6,1 bilhõesde reais “papagueados”. Ou, <strong>em</strong> resumo: no total, os jurosAloysio Biondi 92


chegaram a 10,2 bilhões de reais. Em um mês. O <strong>Brasil</strong> segue atrilha da Argentina, que anunciou novo “pacote de ajuste”, agoracortando aposentadorias e reduzindo os vencimentos dos funcionários.A Argentina, antes mesmo do <strong>Brasil</strong>, iniciou as privatizações,apresentadas como uma “reforma” para “reduzir a dívida dogoverno e eliminar o rombo”. A Argentina vendeu tudo: ferrovias,<strong>em</strong>presas de energia, telefônicas, portos, e até sua Petrobrás (aYPF) e seus equivalentes do Banco do <strong>Brasil</strong> e da Caixa EconômicaFederal. Vendeu tudo, tudo. Agora está de calças na mão, nas mãosdo FMI, s<strong>em</strong> patrimônio e s<strong>em</strong> o lucro das estatais, que ajudavama reduzir o déficit (como Malan, na carta de intenções com o FMI,reconheceu que acontecia no <strong>Brasil</strong>, l<strong>em</strong>brando-se que a Telebrásteve um lucro de 4 bilhões de reais <strong>em</strong> 1997, último ano antes daprivatização). A privatização não reduziu n<strong>em</strong> a dívida n<strong>em</strong> o déficitda Argentina. Exatamente como no <strong>Brasil</strong>, com o Tesourodevorado pelos juros mesmo depois da venda da maioria das estatais– e até do início do desmantelamento da Petrobrás, com aentrega, a multinacionais, de áreas riquíssimas <strong>em</strong> petróleo que a<strong>em</strong>presa descobriu. E o Congresso Nacional, hein?O mundo está assistindo a taxas de crescimento econômico fantásticasnos países que desafiaram o FMI, Clinton, os países ricos eas imposições neoliberais de abertura de mercado às multinacionaise suas importações, e à livre circulação dos capitais especulativos.No primeiro trimestre do ano, a Malásia, que estabeleceucontroles sobre os capitais, cresceu 11,7%. A Coréia do Sul, quereduziu rapidamente as taxas de juros após a crise de 1997, cresceufantásticos l2,5%. A Rússia, que decretou a moratória <strong>em</strong> agostode 1998, cresceu 8%. Ah, sim: e a China continua a crescer noritmo de 8% ao ano. (Qu<strong>em</strong> se l<strong>em</strong>bra da reportag<strong>em</strong> da famosarevista The Economist, dois anos atrás, dizendo que o fabulosocrescimento chinês estava com os dias contados, que o país caminhavapara uma grande crise? Era tudo propaganda vergonhosacontra os países que não aceitavam as imposições neoliberais...Na guerra neoliberal, pelo assalto dos países ricos contra o patrimôniodos d<strong>em</strong>ais, vale tudo.)93O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Mudança e esperançaDiário Popular, 16/07/00Não é só o rumoroso caso envolvendo o Palácio do Planalto e oex-juiz Nicolau, não. Repet<strong>em</strong>-se fatos indicando que o povo brasileiroestá diante de mudanças que pod<strong>em</strong> levar ao fim do ciclode impunidade, assalto ao patrimônio coletivo (de todos nós) epolíticas adotadas por governantes a serviço de elites ou grupos.Entre esses atos, alguns merec<strong>em</strong> ser citados, analisando-se aindaseu significado.• Vale do Rio Doce – o Judiciário determinou investigação sobre aprivatização da <strong>em</strong>presa, vendida a ‘‘preço de banana’’ há algunsanos, para apurar eventuais prejuízos ao Tesouro, isto é, a todosnós. Foi determinada, inclusive, a quebra do sigilo bancário e telefônicode <strong>em</strong>presários e funcionários do governo envolvidos naoperação. A mudança: na época dos leilões, as oposições tentarambloquear a venda da Vale, l<strong>em</strong>brando inclusive que ela possuíafabulosas jazidas de ouro e minerais estratégicos sequer avaliados.A Justiça, na época, deu a vitória ao governo. Significadoda mudança: nos últimos anos, mesmo quando os juízes concordavamcom as denúncias de que havia irregularidades ou até ilegalidadesnas operações e decisões do governo, acabaram aceitandoum argumento. Qual? Que ‘‘o interesse nacional estava<strong>em</strong> jogo’’. Ou mais claramente: no caso, o governo dizia que erapreciso privatizar rapidamente para reduzir o ‘‘rombo’’ do Tesouro,ou ele criaria tantos probl<strong>em</strong>as que o Real acabaria despencandoe a inflação voltaria. Esse tipo de argumento, ‘‘defesado interesse nacional’’, acabou permitindo que o governo FHCcometesse as maiores barbaridades nos últimos anos. A decisãoda Justiça sobre a Vale mostra que ele já não t<strong>em</strong> mais força. Os‘‘negócios especiais’’ do governo, os privilégios a determinadosgrupos passam a ser questionados e investigados. S<strong>em</strong> ‘‘operações-abafa’’.• Banespa – a decisão do Supr<strong>em</strong>o, mantendo a suspensão do leilãode venda do banco paulista, t<strong>em</strong> exatamente o mesmo significadoda deliberação sobre a Vale. Tintim por tintim.Aloysio Biondi 94


• Congresso Nacional – senadores e deputados, ao aprovar<strong>em</strong> asdiretrizes do Orçamento federal para o próximo ano, introduziramuma inovação revolucionária. As políticas de <strong>em</strong>préstimosdo governo, através de seus grandes bancos como BNDES, Bancodo <strong>Brasil</strong>, Caixa Econômica, terão de ser discutidas e aprovadaspelo Congresso. O governo não poderá mais <strong>em</strong>prestar apenas aos‘‘grupos amigos’’ ou ‘‘multinacionais amigas’’. Terá de usar seusbancos <strong>em</strong> proveito de toda a sociedade. Por ex<strong>em</strong>plo: canalizar<strong>em</strong>préstimos para setores capazes de criar grande número de<strong>em</strong>pregos.• Ministério Público – não é preciso dizer nada a respeito dos jovenspromotores que, nos últimos anos, vêm guerreando para garantiro cumprimento da lei, desafiando os donos do poder no<strong>Brasil</strong>. Todos os conhec<strong>em</strong>.Nos últimos anos, parecia inútil lutar contra os abusos e desmandosde governantes e elites porque “não acontece nada”. Daía apatia da sociedade. Agora Judiciário, Legislativo e MinistérioPúblico indicam o caminho das mudanças. A apatia não se justificamais.95O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong>


Aloysio BiondiJornalista econômico, colaborou durante 44 anos com reportagens e análisespara jornais e revistas. Começou na Folha de S. Paulo <strong>em</strong> 1956, ocupandoo cargo de editor-executivo do caderno de Economia, que o jornal(já) mantinha na época. Ocupou os cargos de secretário de redação daFolha de S. Paulo e da Gazeta Mercantil. Foi diretor de redação do Jornaldo Comércio (RJ) e do Diário Comércio & Indústria (SP). Também foieditor de economia das revistas Veja e Visão e editor de mercado de capitais(“pioneiro”, <strong>em</strong> 1969) de Veja e do jornal Correio da Manhã. Foidiretor editorial do grupo DCI/Shopping News. Ganhou dois Prêmio Essode Jornalismo Econômico: 1967, revista Visão, e 1970, revista Veja. Faleceu<strong>em</strong> julho de 2000, na cidade de São Paulo.A 3 a reimpressão de O <strong>Brasil</strong> privatizado <strong>II</strong> foi realizada na cidade de São Paulo <strong>em</strong>agosto de 2003 pela Bartira Gráfica. A tirag<strong>em</strong> foi de 2.000 ex<strong>em</strong>plares. O texto foicomposto <strong>em</strong> Georgia no corpo 1o/13,7. Os fotolitos da capa foram executados pelaGraphbox e os laserfilms fornecidos pela Editora Fundação Perseu Abramo. A capafoi impressa <strong>em</strong> papel Hi-Bulk 350g; o miolo foi impresso <strong>em</strong> Offset 75g.

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