UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕESA travessia dos anos oitenta tinha sido, porém,muito dolorosa e a empresa enfrenta dificuldades.A nova administração resolve abandonaralgumas das áreas de negócio – artigos desportivos,caça e pesca, agricultura, etc. – e centrarsenos materiais de construção.”Não podíamosser um centro comercial e continuar comtanta dispersão”, conta Luís Saraiva, tambémadministrador da empresa. “Chegámos a ter73 funcionários. Hoje temos 36”.À decisãoJ. L. Barros – uma empresa caldense com quaOcartão de visita J. L. da Barros & Cunhas Gomes,SA ostenta no canto superior a expressão “Desde1918”. Um sinal de que a empresa se orgulha dosseus 92 anos de existência, apesar das atribulações da sua estrutura accionista.Tudo começou, pois, oitoanos depois de implantada a República e num período extremamente conturbadoda vida política portuguesa, quando Joaquim Luís de Barros Júnior abre uma lojana Rua Dr. Júlio Lopes que – tal como quase todos os estabelecimentos comerciaisda época numa vila da província – vendia praticamente de tudo.Em 1944 ocomerciante dá sociedade ao seu irmão, José Luís de Barros, ao seu contabilistaSebastião Cunha e ao funcionário César Lourenço. O capital social foi de 150contos (750 euros) e os dois irmãos detinham duas quotas de 50 contos e os doisfuncionários entretanto promovidos a patrões 25 contos cada.Alguns anos depois,César Lourenço compra as quotas de José Luís de Barros e de SebastiãoCunha, ficando imediatamente com 75% do capital. Mas como o seu objectivo nãoera ser sócio maioritário, combina com o outro fundador um aumento do capitalsocial para mil contos (cerca de 5000 euros) divididos em duas quotas de 500contos cada um.”Eram duas pessoas que se davam muito bem”, contaSalette Saraiva, referindo-se ao seu pai, César Lourenço e ao seu sócioJoaquim.Este último tinha casa na Foz do Arelho o que dava azo a dedicar-se à suapaixão pela caça e pela pesca, actividade a que dedicava muito tempo, deixandogrande parte da gestão da empresa a César Lourenço, no qual confiava plenamente.“Eram ambos muito sérios um com o outro e deram-se linda-mente”, sublinha a actual administradora.Nos finais dos anos setenta há umnovo aumento de capital, desta vez para 6000 contos (quase 30 mil euros), entrandoum novo sócio – Marcos Moreira de Barros – que fica com uma quota de 500 contos,equivalente a 8,3% por cento da sociedade.Com a morte de Joaquim Luís de BarrosJúnior, no início dos anos oitenta, sucede-lhe, por herança, a sua filha Carmen Barros(com quem <strong>Gazeta</strong> das <strong>Caldas</strong> não conseguiu contactar para obter o seu depoi-O casal Luís e Salette Saraiva são os administradores da J. L. Barros e representam a segunda geração.mento para esta reportagem). A liderança da empresa sofre alguma instabilidade eem 1987 César Lourenço adquire os 8,3% de Marcos Moreira de Barros e fica com a então que um dia ali passaria uma auto-estrada e muito menos que ficaria tãomaioria do capital. No ano seguinte compra a quota de Cármen Barros e torna-se o perto de um nó do que viria a ser a A8.”Quando soubemos, é claro queúnico proprietário da empresa. Mas, acto contínuo, procede a uma nova repartição doficamos contentes porque isso aumentou o valor da empresa. Des-capital com quotas de 25% para ele próprio, para a sua mulher, Maria Raposo Louren-de então temos sido pressionados por inúmeras empresas de váriosço, para a filha Salette Saraiva e para o genro Luís Saraiva.César Lourenço, que foisectores, para vender porque gostariam de transformar isto numaatingido pela doença de Parkinsson, morre em 1998.superfície comercial”. Mas o casal Saraiva não vende e o sócio Cunha Gomesestá de acordo.RECENTRAR O NEGÓCIOestratégica de assentar a actividade nos materiaisde construção, segue-se a entrada do grupoCunha Gomes, do Porto, que é um gigante nestemercado. Em 1991 a empresa caldense eleva o seu capital para 1 milhão de eurose torna-se uma sociedade anónima, com a necessária mudança de nome: J. L.Barros & Cunha Gomes, SA.Como o negócio agora não exige uma presença nocentro da cidade, a empresa vende a sua sede na Rua Dr. Júlio Lopes, cuja receitavai ajudar a financiar um investimento de 1 milhão de euros em modernas instalaçõesà saída da cidade, na Estrada da Foz. “O terreno já existia e tinhasido comprado no tempo do meu sogro, no fim dos anos setenta, por1100 contos [5487 euros]”, conta Luís Saraiva. São 10 mil metros quadrados,metade dos quais tem agora zona de vendas, salão de exposição e escritórios.Nem na altura da compra nem aquando da construção da nova sede, se sonhavaFoi criada em 1918 como uma loja que vendia quase tudo e atravessou o século XX comvárias mudanças na sua estrutura social. Hoje é uma sociedade anónima parceira domaior grupo de materiais de construção do país e chama-se J. L. Barros & Cunha Gomes,SA.Facturou no ano passado 5 milhões de euros e a administração não esconde as dificuldadesde uma empresa que pertence a um dos sectores mais expostos à crise.Salette Saraiva, filha de um dos sócios iniciais é hoje uma das administradoras daempresa, perfazendo duas gerações à frente dos seus destinos.O ACTO COMERCIAL ACABAVA NO MOMENTO DA VENDAToda a vida de Salette Saraiva está marcada pela J. L. Barros: “emmiúda brincava na empresa e lembro-me de estar ao balcãoa observar aquela actividade toda, lembro-me dos corredores,que na altura me pareciam enormes, onde se armazena-vam as mercadorias, e de andar por lá a ver e a mexer. Eraum fascínio. Aos sábados de manhã ia para o escritório dopai e sentava-me na secretária”.Não pensava, contudo, vir um dia a administrar os destinos dafirma. Salette Saraiva estuda e licencia-se em Germânicas, é professora,dá aulas no Magistério nas <strong>Caldas</strong> e no ensino secundário noBombarral, até que um dia o pai, consumido pela doença, lhe pedepara vir para a J. L Barros. Convite irrecusável.O marido, Luís, que foitambém funcionário da empresa, conta como a forma de trabalharde uma casa comercial evoluiu nas últimas décadas. Os materiais deconstrução, que dantes eram muito padronizados, passaram a sermais específicos e tornaram-se mais diversificados e completos. Edepois vieram as normas, as certificações de qualidade, as nomenclaturascomplexas. Luís Saraiva diz quejá nada é como era e que a actividadeexige hoje mais conhecimento e maisformação.Já a mulher e sócia refere a evoluçãoao nível da relação com o cliente.“Antes o acto comercial acabava nomomento da venda, agora o serviçoque prestamos só termina depois domaterial estar montado e validado,mantendo-se, ainda assim, o acom-panhamento pós-venda”, conta. Poroutro lado, a própria relação comercialevoluiu e hoje conta muito o aconselhamentoe o acompanhamento dos clientes, o que tem a ver com acomplexidade dos materiais.Desde os anos oitenta que a empresa,acompanhando os tempos, se abriu à comunidade. Costuma aceitarestágios profissionais de alunos das escolas Bordalo Pinheiro e TécnicaEmpresarial do Oeste, recebe visitas de estudo e, por vezes, ospróprios administradores são convidados a dar uma aula em escolasda cidade.Carlos Ciprianocc@gazetacaldas.comImagem da secção Caça e Pesca e da secção de Ferramentas. O armazém da empresa na Estrada da Foz, antes da construção da nova sede.
se um século de existência“Não vendemos nada que seja para o Estado”Oque fazer quando seestá numa actividade que é das maisfustigadas pela crise?Reduzircustos. A começar pelo pessoal.No ano passado, entre rescisõesde contrato e reformadosque não foram substituídos,a empresa reduziu o seu quadrode 47 para 36 pessoas. E aspoupanças noutras áreas têmsido tantas que “estamos achegar a uma estrutura decustas igual à de há 10anos”, conta Luís Saraiva.Em2004 a empresa facturou umpico de 7,3 milhões de euros,mas desde então tem vindo adescer e fechou 2009 com 5 milhões.As cobranças tambémestão difíceis e as próprias seguradorasdeixaram de seguraras vendas a crédito. Ainda assim,Luís e Salette Saraiva dizemque não vendem nada parao Estado porque este paga tãotarde que não compensa alienara mercadoria para um clienteassim.A J. L. Barros & Cu-César Lourenço - mais de 50 anos à frente da empresaCésar Lourenço (àdireita) com oPresidente da República,Ramalho Eanes, nofim dos anos setenta numadas feiras que então se realizavamno parque.O empresário esteve maisde meio século à frente dosdestinos da empresa e ocupouvários cargos nas <strong>Caldas</strong>da Rainha. Foi vereadorA sede da empresa na Rua Dr. Júlio Lopes. A carroça à direita era usada para ir buscarmercadorias à CP e aos Capristanos (mais tarde Claras e mais tarde Rodoviária Nacional).nha Gomes trabalha sobretudocom pequenas e médias empresasligada à construção, emborao segmento dos particularesnão seja displicente. Os resorts,como, por exemplo, o daSerra d’el Rey, são também ummercado alvo.O futuro é incerto.“Há sinais contraditóriosde retoma: há mais con-fiança, há empresas comoa antiga Rol que está a con-tratar pessoal, o que é bom,mas no nosso sector as em-presas que ainda tinhamobras no ano passado já asacabaram e ninguém está acomeçar nada. O sector estáparado.”C.C.César Lourenço esteve mais de 50 anos à frente dos destinos da empresada Câmara Municipal, presidenteda Comissão de Turismo e doGrémio Literário caldense (quemais tarde daria origem à associaçãocomercial) e foi dirigentedos bombeiros e da BandaComércio Indústria.“Ele encarava a empresaquase como um sacerdócio- tinha uma extrema atençãopara com os funcionários etinha sobretudo uma gran-de abertura de espírito, sem-pre disposto a aprender”,conta a filha, Salette Saraiva,que lhe sucedeu.Nascido em Vale de Maceira,César Lourenço esteve empregadonuma mercearia em S.Martinho do Porto e veio trabalharpara as <strong>Caldas</strong> depois deter sido despedido por uma vezter chegado atrasado. A famíliaveio a descobrir, após a suamorte, que nesse dia de 1939,César Lourenço iniciou um diárioonde passou a assinalaros acontecimentos mais importantesque o marcaram,não só os pessoais – como adescoberta de que tinha Parkinssonaos 47 anos – comoda vida social e política caldensee nacional.C.C.João Augusto -o trabalhador maisantigoTinha 11 anos o miúdoque no dia 31 de Outubrode 1955 se apresentouna Rua Dr. Júlio Lopespara iniciar o seuprimeiro dia de trabalhona conhecida firmacaldense.Viera das Gaeirasa pé e a pé continuariaa deslocar-se entreaquela (então) aldeia eas <strong>Caldas</strong> da Rainha durantemais quatro anos, até que o seu pai lhe comprou umabicicleta. Um salto de gigante para a época, que encurtava asdistâncias, difíceis de vencer sobretudo nas madrugadas e tardesfrias e chuvosas de Inverno.João Augusto fizera a 4ª classe,o que também naquele tempo já era escolaridade quase acimada média, pois no Portugal dos anos cinquenta nem todos tinhaminstrução primária. O normal seria ir trabalhar para o campoou arranjar alguma coisa na cidade.”O meu pai, que erafuncionário do Faustino Gama, aqui nas Gaeiras, como iamuitas vezes aviar-se ao J. L. Barros, conhecia o senhorCésar e fez-lhe o pedido”. Foi aceite. E começou por baixo,como seria de esperar – varrer a casa, fazer recados, levar encomendasa casa dos clientes, ir buscar materiais à estação da CPe aos Capristanos (rodoviária). Mais tarde passou a cortar papelpara embrulhos, a fazer massa para pôr nos vidros e, pouco apouco, saltou para o balcão onde pesava pregos e aviava osfregueses em produtos de menor responsabilidade.O primeiroordenado do aprendiz foram 60 escudos (30 cêntimos). JoãoAugusto diz que ainda se recorda das três notas de vinte (com aimagem do Sto. António) nas suas mãos. Ordenado, diga-se,apenas obtido ao segundo mês de trabalho porque no primeiro“era à experiência”.Nessa altura ainda não sabia que iria baterum recorde de longevidade no seio da J. L. Barros. Foram 53anos de trabalho sempre na mesma empresa, até que se reformouem Abril de 2009.Nunca pensou em sair?”Houve fases daminha vida em que me abordaram para mudar de patrão,mas acabava sempre por chegar a entendimento e fuicontinuando. Na altura era fácil sair e entrar noutra firmaporque eu tinha conhecimento de ferragens e haviaempregos”.O horário era de segunda a sábado e já só na idadeadulta é que este funcionário passou a ter a “semana inglesa”,ficando livre a partir das 13h00 de sábado. “Mas para issotivemos ainda de fazer uma greve. Antes do 25 de Abril”,conta, explicando que foi uma greve de todo os empregados decomércio e que se traduziu no encurtamento da semana de trabalhopara as 44 horas.É claro que a vida foi melhorando. JoãoAugusto nunca abandonou as Gaeiras e foi na sua aldeia quecasou e continuou a viver (hoje, paredes meios com filha, genroe netas). Mas depois da bicicleta seguiu-se uma motorizadapara ir para o emprego, mais tarde o inevitável carro e quandose reformou, o rapazinho que ia a pé para o trabalho, fazia-setransportar num Peugeot 206 (que hoje leva para a fazenda, comas alfaias na parte traseira). Do seu patrão, César Lourenço,guarda a imagem de um homem “muito apegado à casa emais próximo dos funcionários do que o sócio [Joaquim],que era assim um bocadinho mais desprendido e dedica-va-se mais à caça e à pesca”.E quanto à actividade em si,também a firma acompanhou a evolução dos tempos. Ao princípio,vendiam ferragens, pulverizadores, charruas, torpilhas, prensaspara lagares e muitas miudezas como redes, cimentos, ferro,mais tarde azulejos. Hoje o universo da J. L. Barro é outro,bem mais complexo. Seja como for, o próprio João Augusto,deixaria, às tantas de aviar ao balcão e passou a ter outrasresponsabilidades. Quando se reformou, já não aviava ao públicoe trabalhava na secção de compras da empresa.C.C.